o acto constitutivo das sociedades comerciais

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Page 1: O Acto Constitutivo Das Sociedades Comerciais

O ACTO CONSTITUTIVO DAS SOCIEDADES

As sociedades comerciais são uma subcategoria de pessoas colectivas, na medida em que se

revestem do substracto pessoal, patrimonial, teleológico e organizacional, indispensável a essa

qualidade, o que as torna entes abstractos ou puramente fictícios. Por serem realidades abstractas,

na medida em que, têm, por consequência, a sua condição existencial dependente da lei.

As sociedades comerciais são constituídas nos termos prescritos no Código Comercial (CCom), e

correspondem à organização de pessoas que convencionam unir esforços, bens ou serviços para o

exercício comum do comércio, com vista a alcançarem um lucro patrimonial.

Relativamente às sociedades comerciais, e em concreto ao seu acto constitutivo, levanta-se a

questão de saber, qual é efectivamente o acto gerador da personalidade jurídica das sociedades

comerciais: A mera validade do acto constitutivo ou o registo deste, na Conservatória

competente?

Dispõe o artigo 86° do CCom., que as sociedades comerciais adquirem personalidade jurídica a

partir do respectivo acto constitutivo.

Portanto, só depois de celebrado validamente o contrato de sociedade, por qualquer das duas

formas legalmente permitidas (documento particular ou escritura pública)1, surge no

ordenamento jurídico a sociedade comercial.

Um dado interessante que se pode constatar no nosso Código Comercial em comparação com o

Código Comercial português (a escolha não é aleatória, e sim pelo facto de, tal como em relação

aos demais dispositivos legais, termos herdado também deste ordenamento jurídico, o CCom.), é

que neste último código, consta: ``As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem

como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (..)`` 2. Ou

seja, diz este dispositivo legal que, o registo do acto constitutivo da sociedade comercial, é que

vai determinar a aquisição da personalidade jurídica.

1 Vide o disposto no número 1, do artigo 89 do CCom.

2 Vide o disposto no artigo 5 do Código das Sociedades Comercias.

Page 2: O Acto Constitutivo Das Sociedades Comerciais

Disto resulta que, a falta de registo do acto constitutivo da sociedade equivale a um vício na

formação, que por consequência, torna a sociedade irregular3, e lhe serão aplicadas quanto à

responsabilidade pelos seus actos e dos seus sócios, residualmente, as disposições relativas às

sociedades civis.

Entendimento diferente, deve ter-se, do disposto no supracitado artigo 86°, na medida em que o

registo do acto constitutivo de uma sociedade comercial, ainda que seja um facto sujeito a

registo, nos termos prescritos pela alínea a), do artigo 3, do Regulamento do Registo de

Entidades Legais (o qual é parte integrante do Decreto 1/2006, de 3 de Maio), não é um factor

determinante para a aquisição da personalidade jurídica da sociedade comercial, e a falta do

registo não a coloca em causa, ou por outra, não o deveria fazer.

Portanto, a validade do contrato de sociedade é suficiente, para que exista a personalidade da

sociedade comercial.

Entretanto, um dado curioso, e que em algum momento põe em causa a conclusão a que se

chegou acima, prende-se com o que se dispõe no número 2, do artigo 99° do CCom., na medida

em que, "Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas antes da celebração

da escritura pública ou registo da mesma na Conservatória do Registo de Entidades Legais, os

sócios iniciarem as sua actividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com

terceiros as disposições sobre sociedades civis."

Quer com isto dizer o legislador comercial, que se for acordada a constituição de uma sociedade

comercial e antes da celebração da Escritura Pública (note-se que esta devia ser a redação correta

daquele normativo -" celebrado o respectivo pacto social", por razões óbvias: A constituição das

sociedades comerciais não opera apenas por Escritura Pública4. Do jeito que está, somos levados

a pensar ou a questionarmos, quid juris em relação as sociedades constituídas por documento

particular? Terão a mesma cominação legal?), às relações que se constituem são aplicadas as

disposições das sociedades civis5.

3 Por sociedades irregulares entende Pupo Correria in Direito Comercial, 4ª ed., 1996, lisboa, pag.358, (…) usualmente aquelas

sociedades em cuja constituição não foram cumpridos os requisitos e tramites formais considerados essenciais pela lei (…).

4 Vide que o disposto no número 1, do artigo 89 do CCom., vem dar ênfase à necessidade de ser adoptada a redação que se sugere

para o número 2, do artigo 99.

Page 3: O Acto Constitutivo Das Sociedades Comerciais

Aqui facilmente se pode entender o porquê de ter legislado nestes termos, justamente porque, se

foi antes, inexiste o acto constitutivo da sociedade, ou seja, por maioria de razão, inexiste

também a personalidade jurídica nos termos do artigo 86° CCom., logo, inexiste a sociedade

comercial.

Porém, o mesmo entendimento não se pode ter em relação ao seguinte extracto do ainda número

2, do artigo 99°: "(…) ou registo da mesma na conservatória do Registo de Entidades

Legais(…)", na medida em que, é dada a mesma cominação legal à falta do acto constitutivo da

sociedade, à falta do registo da mesma junto da Conservatória competente, referido no paragrafo

precedente.

Na minha modesta e prematura opinião, houve aqui um excesso e desatenção legiferandi, na

medida em que, por um lado, o legislador disse mais do que quis dizer, e por outro disse menos

na redação daquele normativo.

Ora, o entendimento contrário leva a que o artigo 86° CCom., perca a sua razão de ser, se já

acima afirmámos que no actual quadro legal, comercial, o registo comercial não tem efeitos

constitutivos da personalidade da sociedade comercial, e a falta não pode cominar na aplicação

do regime das sociedades civis, a menos que, o que esteja em falta seja o acto constitutivo, daí,

fazer todo o sentido que seja aplicado tal regime.

Portanto, urge a necessidade de ser reformulado no CCom., o disposto no número 2, do artigo

99°, e de ser suprido também o número 2, do artigo 100°, que é uma repetição (Lapso/desatenção

do legislador?) desnecessária do artigo 99°.

Assim sendo, e porque ao abrigo do artigo 86° CCom., e do actual cenário jurídico-comercial, o

registo não ser constitutivo da personalidade jurídica da sociedade comercial, e por consequência

a sua falta não cominar com a aplicação das disposições aplicáveis às sociedades civis, o número

2, do artigo 99º, passaria a ter a seguinte redação:

Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas antes da celebração do

respectivo acto constitutivo ou pacto social (qualquer uma das expressões se afigura como uma

5 Faz-se aqui referência ao disposto nos artigos 983º a 995º para as relações entre os sócios , e as relações destes, com terceiros,

ao disposto nos artigos 996º a 1000º, ambos do Codigo Civil.

Page 4: O Acto Constitutivo Das Sociedades Comerciais

expressão possível), os sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis às relações

estabelecidas entre eles e com terceiros, as disposições sobre as sociedades civis.

Contudo, é ainda possível a seguinte conclusão, a qual se extrai da razão de ser da aprovação do

Regulamento do Registo de Entidades Legais:

Se a finalidade do registo é primordialmente publicitar determinada relação jurídica a terceiros

que não tomaram parte dela, entendimento pacífico se tem de que o registo comercial não é

atributivo de direitos, mesmo porque o direito já se constitui com a validade do acto constitutivo

da sociedade comercial, entretanto, é na oponibilidade a terceiros que se manifesta com maior

acuidade a importância e necessidade do registo, senão vejamos, que na prática, as sociedades

constituídas e não registadas não têm como invocar, bem como fazer prova da sua existência

perante terceiros.

Dissemos acima, que o entendimento que se extrai do artigo 86º CCom., era no sentido de que a

validade do acto constitutivo da sociedade comercial, bastava para que esta existisse

juridicamente. Contudo, o contrário pode ser de todo aceitável, senão vejamos: dispõe, por um

lado, a alínea a), do artigo 1, e a também alínea a) do artigo 3, por outro, ambos do Regulamento

do Registo de Entidades Legais, que tal como já se disse, e além do mais, o registo de Entidades

Legais (tal é exemplo das sociedades comerciais) destina-se a dar publicidade à situação jurídica

destas e, o seu acto constitutivo é um facto sujeito ao registo, respectivamente.

Logo, se o acto constitutivo da sociedade comercial está sujeito ao registo, podemos então

concluir que, a existência “efectiva e/plena” da sociedade comercial não decorre da validade do

respectivo acto constitutivo, e sim, por tudo isto, mais o registo do acto constitutivo junto da

Conservatória competente, para o caso, a Conservatória do Registo das Entidades Legais.

Portanto, constituída a sociedade comercial, e juridicamente existente por força do seu acto

constitutivo, tem a sua projecção para a esfera jurídica dependente do registo. Portanto, de nada

adianta a validade do acto constitutivo da sociedade comercial, se este não é bastante para

projectá-la juridicamente e opor a sua existência e/ou ainda, invocá-la perante terceiros.

Daí concluir com a seguinte premissa:

Page 5: O Acto Constitutivo Das Sociedades Comerciais

Se a personalidade jurídica de uma sociedade comercial, compreendida na sua máxima

extensão, como sendo a susceptibilidade efectiva de poder ser titular de direitos e obrigações

não ser adquirida nos termos do artigo 86º, e mesmo porque, ainda que válido o acto

constitutivo da sociedade, este não poder ser oponível a terceiros, porque carece de registo, as

sociedades comerciais, só podem ser consideradas existentes após o registo do respectivo acto

constitutivo, ou seja, urge a necessidade de ser reformulada a redacção do artigo 86, para que se

estabeleça efectivamente a relação de complementaridade necessária entre o acto constitutivo e o

registo previsto pelo Regulamento de Registo de Entidades Legais.

Assim sendo, o artigo 86º passaria a ostentar a seguinte redacção: as sociedades comerciais

adquirem personalidade jurídica a partir da data do registo do respectivo acto constitutivo.

Posto isto, e como se pode notar, ainda que nos termos do artigo 86º CCom., as sociedades

comerciais adquiram a personalidade jurídica pelo acto constitutivo, a prática comercial,

motivada pelo aprovação do Regulamento do Registo de Entidades Legais, que por sinal, veio

sujeitar o acto constitutivo das sociedades comerciais ao registo comercial, e por se saber que, a

mera validade do mesmo, quando desacompanhada do registo faz com as sociedades comerciais

não possam invocar a sua personalidade perante terceiros, e nem provar a sua existência, somos

levados a concluir que as sociedades comerciais, existem e são consideradas como tais, a partir

do registo do seu acto constitutivo na Conservatória competente. Portanto, dá-se assim, por

respondida a questão colocada.

Hélder Miguel

05/01/13

Page 6: O Acto Constitutivo Das Sociedades Comerciais

Bibliografia:

Pupo Correria, Miguel, Direito Comercial, 4ª ed., 1996, Lisboa

Legislação

Código das Sociedades Comercias;

Código Comercial;

Código Civil.