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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURIDICA – CEJURPS. CURSO DE DIREITO NUCLEO PRATICA JURÍDICA - NPJ SETOR DE MONOGRAFIA O ABORTO DE FETOS ANENCEFÁLICOS: UMA ABORDAGEM DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS DIREITOS ENVOLVIDOS DA GESTANTE E DO FETO Elizandra Aparecida Olivério ITAJAÍ, OUTUBRO DE 2007. Created with novaPDF Printer (www.novaPDF.com). Please register to remove this message.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURIDICA – CEJURPS. CURSO DE DIREITO NUCLEO PRATICA JURÍDICA - NPJ SETOR DE MONOGRAFIA

O ABORTO DE FETOS ANENCEFÁLICOS: UMA ABORDAGEM DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS DIREITOS

ENVOLVIDOS DA GESTANTE E DO FETO

Elizandra Aparecida Olivério

ITAJAÍ, OUTUBRO DE 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURIDICA – CEJURPS. CURSO DE DIREITO NÚCLEO PRATICA JURÍDICA - NPJ SETOR DE MONOGRAFIA

O ABORTO DE FETOS ANENCEFÁLICOS: UMA ABORDAGEM DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS DIREITOS

ENVOLVIDOS DA GESTANTE E DO FETO

Elizandra Aparecida Olivério

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: MSc. ANDRIETTA KRETZ

ITAJAÍ, OUTUBRO DE 2007.

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DEDICATÓRIA

Esta monografia, eu dedico especialmente a vocês, meus queridos pais Natalina e Sebastião Olivério, que sempre me apoiaram e, com muito esforço e carinho, nunca deixaram faltar nada em minha vida... Que para atender a um pedido meu são capazes de sacrificar qualquer coisa em razão disso. Posso dizer que a prova está desde o dia que nasci: quantas noites em claro para poder me embalar, quantas noites dormiram com a mão sobre a minha cabeça quando estava doente... Não deve ter sido fácil, porém, com muito amor buscaram todos os meios que podiam para me fazer uma criança feliz e, mesmo depois de tanto trabalho comigo, o amor que possuem por mim é assombroso... E você, minha amada irmã, que há oito anos está morando comigo, distante de todos, até mesmo da nossa família, pode ter a certeza que se não fosse pela sua companhia, amor e cuidado não teria conseguido realizar o meu sonho...

Todas as palavras aqui escritas são poucas para agradecer a vocês e demonstrar todo o meu AMOR...

OBRIGADO POR TUDO!

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AGRADECIMENTO

A Deus, que desde o início da minha caminhada está comigo sendo meu amparo e fortaleza, superando derrotas e me proporcionando grandes vitórias. Quero Te agradecer com toda humildade pela vida, o amor e a felicidade que coloca cada dia, quando acordo, em meu coração. Enfim, a vitória deste momento. Obrigado, Senhor JESUS.

Aos meus pais Natalina e Sebastião Olivério. A vocês que me deram a vida e me ensinaram a ser forte e vivê-la com toda a dignidade, nunca desistir dos meus ideais. Iluminaram meus caminhos, sempre me apoiando nos momentos mais difíceis em que passei e nunca deixando de acreditar em mim. Ensinaram-me a crer e acreditar que se pode fazer tudo quando se tem um ideal. Toda a minha eterna gratidão.

A minha irmã Fernanda que iluminara os meus caminhos obscuros com afeto e dedicação quando estava só, para que os trilhasse sem medos e enchera de esperança meus caminhos a cada dia. Saiba que te amo mais e mais a cada dia. . .

Ao meu namorado Fábio que com toda a sua paciência, ternura, dedicação e, principalmente, companheirismo vêm preenchendo de alguma forma todos os meus dias com extrema alegria.

Aos meus amigos por tantas horas que passamos lado a lado e pela oportunidade que me ofereceram com sua companhia durante os cinco anos de faculdade... Aos meus professores que transmitiram seus conhecimentos e mostraram as dificuldades encontradas na vida profissional. Enfim, a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste sonho, quero dizer obrigado com amor. Ter vocês por perto foi muito importante, e há de ficar uma enorme saudade.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 14 de novembro de 2007.

_______________________________ Elizandra Aparecida Olivério

Graduando (a)

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando(a) Elizandra Aparecida Olivério

sob o título: O Aborto de Fetos Anencefálicos: uma abordagem doutrinária e Jurisprudencial acerca dos direitos envolvidos da gestante e do feto, foi

submetida em 14/11/2007 à banca examinadora composta pelos seguintes

professores MCs: Andrietta Kretz (orientadora e presidente da banca), Rogério

Ristow e Josemar Sidnei Soares, aprovada com a nota 10,00 (dez).

Itajaí, 14 de novembro de 2007.

________________________________ MSc. ANDRIETTA KRETZ

Orientadora e Presidente da Banca

____________________________ Professor Mestre Antônio Augusto Lapa

Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

CP/1940 Código Penal de 1940

CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil

ONU Organização das Nações Unidas

CFM Conselho Federal de Medicina

IEG Interrupção Eugênica da Gestação

ITG Interrupção Terapêutica da Gestação

ISG Interrupção Seletiva da Gestação

IVG Interrupção Voluntária da Gestação

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

FETO

Aquele que já está concebido no ventre materno ou simplesmente formado, mas

que já apresenta a forma de um ente humano1, ou seja, organismo humano em

desenvolvimento no período que vai da nona semana de gestação ao nascimento.

NASCITURO Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontrava no ventre materno.

A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com

vida. Mas como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico dede

logo preserva seus interesses futuros, tomando medidas para salvaguardar os

direitos que, com muita probabilidade, em breve serão seus.2

ABORTO

Do ponto de vista jurídico aborto3 significa nascer prematuramente, ou seja, antes

do tempo. A lei não estabelece limites para idade gestacional em que ocorre a

interrupção da prenhez, isto é, aborto é a interrupção da gravidez com o intuito de

morte do concepto, seja ela desde a fecundação até os momentos antes do início

do trabalho de parto. Já na visão médica, o aborto é considerado a interrupção da

gravidez, espontânea ou propositada, desde o momento da fecundação do óvulo

pelo gameta masculino até a 21º semana de gestação, pois da 21º semana até a

1 SILVA, de Plácido. Dicionário jurídico. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 353. 2 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. v.1. São Paulo: Saraiva. 2002. p.36. 3 ROSAS, Cristião Fernando. O segredo médico diante de uma situação de aborto. Parecer do CREMESP. Disponível em< http://www.bioetica.org.br/legislacao/res_par/integra/ 24292_00.php>. Acesso em 17 out. 2007.

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28º semana fala-se em parto imaturo; e da 29º até a 37º semana tem-se o

chamado parto prematuro. Portanto, a medicina só admite a hipótese de aborto

dentro das primeiras vinte e uma semanas de desenvolvimento do ovo.

ANENCEFALIA

A anencefalia é definida na literatura médica como a malformação fetal congênita

por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto

não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do

tronco encefálico.4

Pode ser um embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação congênita,

não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os

hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano,

ponte e pedúnculos cerebrais). Como os centros de respiração e circulação

sangüínea situam-se no bulbo raquidiano, mantém suas funções vitais, logo, o

anencefálico poderá nascer com vida, vinda a falecer horas, dias ou semanas

depois.5

MORAL

Conjunto de regras decorrentes dos costumes e da recepção das virtudes

valoradas pelo grupo social. Impropriamente a palavra é usada como sinônimo de

Ética.6

4 BEHMAN, Richard E.; KIEGMAN, Robert M.; JENSON, Hal B. Nelson.Tratado de Pediatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 1777. 5 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. 6 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. 18 ed. Florianópolis: OAB-SC, 2000. p 65

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SUMÁRIO

SUMÁRIO ......................................................................................... VII RESUMO..............................................................................................IX INTRODUÇÃO.....................................................................................01 O ABORTO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO ..........................................05 1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ABORTO .................................................... 05 1.1 O CRIME DE ABORTO ................................................................................. 10 1.2 NOÇÕES CONCEITUAIS DA OCORRÊNCIA DO CRIME DE ABORTO. .... 17 1.2.1ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE OU COM SEU CONSENTIMENTO.............................................................................................. 17 1.2.2 ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO ................................................ 19 1.2.2.1 ABORTO SEM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE........................... 20 1.2.2.2 PROVOCAR ABORTO COM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE..... 21 1.3 FORMA QUALIFICADA DO ABORTO.......................................................... 22 1.4 O ABORTO LEGAL....................................................................................... 24 1.4.1 DIFERENÇAS ENTRE ABORTO EUGÊNICO E ABORTO SELETIVO ..... 25 1.4.2 ABORTO NECESSÁRIO ............................................................................ 29 1.4.3 ABORTO NO CASO DE GRAVIDEZ RESULTANTE DE ESTUPRO ......... 30

CAPÍTULO 2 ........................................................................................33 A VIDA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..................................................................................... 33 2 DO INÍCIO DA VIDA HUMANA ......................................................................... 33 2.1 DIREITO À VIDA ........................................................................................... 36 2.2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................................ 40 2.3 OS DIREITOS E GARANTIAS DO FETO...................................................... 43 2.3.1 PERSONALIDADE E CAPACIDADE DO NASCITURO.............................. 44

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2.3.2 O INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA O NASCITURO .......... 45 2.4 OS DIREITOS E GARANTIAS DA GESTANTE.......................................49

CAPÍTULO 3 ........................................................................................53 ANENCEFALIA, ABORTO E DIREITO ............................................................... 53 3 DEFINIÇÃO DE ANENCEFALIA....................................................................... 53 3.1 TRANSPLANTES COM ÓRGÃOS ORIUNDOS DE FETOS ANENCEFÁLICOS .............................................................................................. 58 3.2 ABORTO EM CASO DE ANENCEFALIA: UMA LACUNA NA LEI .............. 61 3.2.1 AUSÊNCIA DA TIPICIDADE MATERIAL NA INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO DO FETO ANENCEFÁLICO ........................................................... 66 3.2.2 PENSAMENTOS DE DOUTRINADORES................................................. 68 3.3 TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO ABORTO DE ANENCEFÁLICOS .............................................................................................. 73 3.3.1 ALVARÁS JUDICIAIS ....................................................................................... 74

3.3.2 A PROPENSÃO DOS ACÓRDÃOS JURISPRUDENCIAIS........................ 77 3.3.3 ABORTO DE ANENCEFÁLICOS EM OUTROS PAÍSES ........................... 83

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................87

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................91 ANEXOS ..............................................................................................98

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RESUMO

Os fetos acometidos por anencefalia são mantidos em

vida somente pela ligação materna, com chances muito reduzidas de viveram

por mais um ano extra-útero. Quando diagnosticada tal malformação, as

questões relevantes que existem dentro de uma família é o questionamento de

qual a melhor opção a ser tomada nessa hora. Porém, esse questionamento foi

durante muito tempo deixado de lado, pois as crianças que nasciam com

alguma anomalia não eram bem vistas pela sociedade, sendo consideradas

como pecaminosas e contrárias aos ensinamentos religiosos. No decorrer dos

anos, principalmente com a evolução da medicina, o diagnóstico da anencefalia

se tornou cada vez mais aprimorado e com menor chance de ocorrer erros, o

que aumentou o grau de precisão dos resultados obtidos na avaliação da

saúde fetal, sendo admitida uma margem de erro menor do que 1/1000. Em

1940, com o advento do Código Penal, o legislador deixou de tipificar em um

artigo especifico esse tipo de aborto, sendo que as normas penais que

incriminam o aborto estão contidas nos artigos 124, a 128 do Código Penal e

possuem a finalidade de proteger a vida humana intra-uterina. O aborto de

fetos anencefálicos vem também sendo chamado de aborto seletivo. Com a

promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a lei

maior do Estado, visando um direito maior para a sociedade e para a gestante,

implantou-se novos conceitos sobre à dignidade da pessoa humana (artigo 1º,

IV), o princípio da legalidade, porém, vai ao encontro da liberdade e da

autonomia da vontade (artigo 5º, II) e do direito à saúde (artigo 6º, caput e 196),

todos da Constituição da República. Portanto, a escolha do tema deu-se em

necessidade de aprofundar o conhecimento e descrever a evolução do direito

para um melhor entendimento e espera-se que as dúvidas deixadas pela

legislação sejam abordadas de uma forma mais clara, como é o caso do

aumento das liminares pedindo autorização para o aborto de fetos

anencefálicos perante a justiça. O Método de pesquisa empregado foi o

indutivo em todo o decorrer da pesquisa.

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INTRODUÇÃO

A anencefalia é proveniente de um defeito de fechamento

da parte anterior do tubo neural, tendo como principal característica a falta de

desenvolvimento da calota craniana, couro cabeludo e hemisférios cerebrais.

Uma vez diagnosticada a mal-formação, não há nada que

a ciência médica possa fazer quanto a esse feto. O mesmo, todavia, não ocorre

com relação ao quadro clínico da gestante. A literatura médica tem constatado

que a permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente

perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em

razão do alto índice de óbitos intra-útero desses fetos.

A autorização da Justiça para se fazer o aborto de fetos

anencefálicos é algo dificílimo de se conseguir e, muitas vezes, em razão da

lentidão do judiciário, quando concedido, a mãe já teve o dever de carregar por

nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, que não sobreviverá,

causando-lhe dor, angústia e frustração.

A potencial ameaça à integridade física e os danos à

integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes. A convivência diária

com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto dentro de seu corpo,

que raramente irá completar um ano de vida, podem ser comparadas à tortura

psicológica.

Sustenta-se que o aborto nos casos de gravidez de feto

anencefálico está tipificado no Código Penal como aborto necessário. O aborto

é descrito pela doutrina especializada como a interrupção da gravidez com a

conseqüente morte do feto (produto da concepção).

O que deve ser levado em consideração no tema

abordado é que este se depara com uma colisão de direitos fundamentais, o

que pesa mais: o direito do feto à vida até o seu nascimento ou a escolha da

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mãe quando decide abortar o feto que sabe que terá poucas horas de vida? A

partir disso, deverá ser realizado um balanceamento de valores em razão do

princípio da proporcionalidade.

Assim sendo, quando se dá, entretanto, interrupção da

gravidez, seja qual for o momento da gestação, por deliberação da mulher,

isoladamente ou com a intermediação de terceiro, disso resultando a morte do

feto, ocorre aborto voluntário, a teor dos artigos 124 a 128 do Código Penal,

classificados entre os crimes contra a vida, que não deixam de ser uma

subclasse dos delitos contra a pessoa.

O artigo 5º ”caput” da Constituição Federal, que abre o

Título alusivo aos Direitos e Garantias Fundamentais, no inciso XXXVIII, do

mesmo artigo, reconhece a instituição do Júri com a competência para o

julgamento dos crimes dolosos contra a vida, entre os quais se inclui o

abortamento. O direito penal dedica distintas normas para a proteção desta

vida desde o momento de sua concepção até seu término.7

Deste modo, a presente monografia tem por objeto a

análise da legalização do aborto de fetos anencefálicos perante o atual

momento jurídico brasileiro.

Tendo como objetivos: o institucional – produzir

monografia para obtenção de título de Bacharel em Direito pela Universidade

do Vale do Itajaí; geral – abordar a legalização do aborto de fetos anencefálicos

perante o atual momento jurídico brasileiro; específicos – a) observar as

doutrinas que fazem considerações acerca do aborto no direito penal brasileiro

e o que regem sobre a morte e o início da vida; b) analisar os direitos da

gestante e do feto à vida e identificar quais as implicações legais para a

gestante caso venha cometer o aborto; c) abordar e caracterizar a anencefalia

e o aborto nos casos de fetos anencefálicos.

7 BRASIL. Constituição [1988] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 19° ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

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Para que se possa realizar a pesquisa com uma maior

veracidade, é indispensável observar as doutrinas que fazem considerações

acerca do aborto no direito penal brasileiro e o que regem sobre a morte e o

início da vida, além de analisar os direitos da gestante e do feto.

Para tanto, principiar-se-á, no Capítulo 1, fazendo-se

uma explanação sobre o aborto no direito penal brasileiro, iniciando com um

breve histórico do aborto no Brasil, além de tipificar as formas e classificações

desse encontradas no direito penal.

No Capítulo 2 far-se-á uma abordagem acerca da

dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro, os direitos e

garantias do feto, bem como da gestante.

Por fim, o último capítulo tratará da anencefalia, sua

definição, a utilização dos órgãos dos fetos para transplantes, a visão

internacional do aborto de anencefálicos e, por último, a ausência da tipicidade

material na interrupção da gestação do feto anencefálico e as tendências

jurisprudenciais acerca do aborto de tais.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados os pontos conclusivos

destacados no decorrer da pesquisa.

Para a presente monografia foram levantadas as

seguintes hipóteses:

O aborto de fetos anencefálicos não é permitido pelo

direito brasileiro e, portanto, não possui fundamento de legalidade.

Existe a possibilidade de aborto de fetos

anencefálicos tendo em vista que se trata de uma colisão de direitos e

fundamentos que é resolvido, no caso concreto, através da proporcionalidade.

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Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na

Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano, e, dependendo do resultado das análises, no

Relatório da Pesquisa poderá ser empregada à base indutiva e/ou outra que for

a mais indicada8.9

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

Assim, através do acesso a estas considerações que

serão realizadas na presente pesquisa, espera-se que essa possa contribuir

aos operadores do direito levando-os a um repensar no que tange ao caso da

anencefalia sobre a ótica dos direitos garantidos acerca o da dignidade

humana.

8PASOLD, César Luiz.Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 99-107.

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CAPÍTULO 1

O ABORTO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO 1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ABORTO

O Aborto tem sido algo muito discutido ao longo da

história do direito e sua prática está sendo cada vez mais aplicada, objetivando

evitar o nascimento de filhos indesejáveis.

O primeiro ponto a se tratar destina-se a uma pesquisa

histórica sobre o aborto para demonstrar que o assunto tem sido objeto de

muitas discussões ao longo da evolução da sociedade.

Mas afinal, o que vem a ser o Aborto?

Nas clássicas lições de Hélio Cláudio Fragoso10 acerca do

tipo objetivo do crime de aborto tem-se:

O aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto. Pressupõe, portanto, a gravidez, isto é, o estado de gestação, que para os efeitos legais, inicia-se com a implantação do ovo na cavidade uterina. (...). A ação incriminada consiste na interrupção da gravidez, destruindo-se o produto da concepção ou provocando-se a morte do feto, sem que se exija a sua expulsão.

No mesmo sentido, Ney Moura Teles define aborto como11:

10 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 15 ed. São Paulo: Forense, 1995, p 127-128.

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Aborto é a interrupção da gravidez com a morte do ser humano em formação. A gravidez, que começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, é o processo de formação do ser humano que termina com o início do parto.

Assim, pode-se relatar a seguir, alguns exemplos a

respeito do aborto ao longo do tempo.

Na sua obra A República, Platão, em diálogo através de

Sócrates, recomenda às mulheres com mais de 40 anos “que tomem todas as

precauções possíveis para que nenhum filho fruto dessas uniões veja a luz do

dia12”.

A preocupação de Platão é que se tenha um

direcionamento para o controle demográfico para que as mulheres apenas

dêem luz a pessoas melhores e úteis ao interesse do Estado.

Já Aristóteles13 sugeria o aborto para manter o equilíbrio

populacional. Observa-se então que, na antiga Grécia, o aborto era geralmente

permitido14. Pode-se deduzir que este não chocava nem o senso moral comum

e que não existiam restrições jurídicas particulares. Uma situação análoga valia

em Roma, onde o aborto não levantava problemas éticos.

No entanto, os Hebreus possuíam um conjunto de

preceitos morais e jurídicos diferentes que posteriormente foram reunidos em

11TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte especial: artigos 121 a 212, v. 2. São Paulo: Atlas, 2004. 12PLATÃO. A República: texto integral. São Paulo: Martin Claret. 2006. p.165. 13 ARISTÓTELES. A política, trad. de Roberto Leal Ferreira, 2 ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998. 14 MORI, Maurício. A Moralidade do Aborto: sacralidade da vida e novo papel da mulher. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.

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cinco livros denominados Pentateuco15, que vieram integrar o livro religioso

conhecido por Bíblia.

Num dos livros do Pentateuco, o Êxodo, encontra-se a

seguinte expressão16:

Se homens brigarem, e ferirem mulher grávida, e forem causa de aborto, sem maior dano, o culpado será obrigado a indenizar o que lhe exigir a marido da mulher; e pagará o que os árbitros determinarem. Mas se houver dano grave, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.

Segundo Nelson Fragoso Heleno Hungria, em Roma, a

Lei das XII Tábuas e as da República não tratavam a respeito do aborto e o

produto da concepção era considerado parte do corpo da gestante, de suas

vísceras. Por isso, diz Hungria, tornou-se a prática comum.17 O feto podia

dispor do corpo da mulher como lhe aprouvesse. Com o tempo, entretanto, o

aborto passou a ser incriminado também em Roma, principalmente depois da

influência do cristianismo.

Atualmente não há uma unanimidade entre os povos

quanto à incriminação ou a legalização do aborto. Algumas sociedades

nacionais consideram o aborto lícito, enquanto que outras o tipificam,

entretanto justificam sua prática excepcionalmente.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt18, o Código Criminal

do Império vigente no Brasil de 1830 previa a criminalização apenas do aborto

15 Segundo o Dicionário Aurélio, Pentateuco representa os cinco primeiros livros do Velho Testamento, atribuídos a Moisés: o Gênese, o Êxodo, o Levítico, o Números e o Deuteronômio. 16 BÍBLIA. Português. Trad. Gilbertro da Silva Gorgulho. Bíblia Sagrada. 24 ed. São Paulo: Paulinas, 1998. Livro Êxodo, v. 22-25. 17 HUNGRIA, Nelson Heleno Fragoso. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Uberaba: Forense. 2004. p.270. 18 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 3 ed., v.2, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 156

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praticado por terceiro e não do auto-aborto, criminalizava, na verdade, o aborto

consentido e o aborto. O aborto estava previsto no capítulo dos crimes contra a

segurança, a pessoa e a vida19. Não havia, na mencionada legislação, previsão

de excludentes, seja do crime, seja da pena.

Art 199. Ocasionar aborto por qualquer meio empregado, interior ou exteriormente, com consentimento da mulher pejada.

Pena: prisão com trabalho de 1 a 5 anos.

Se o crime for cometido sem o consentimento da mulher pejada.

Penas: dobradas.

Art 200. Fornecer, com conhecimento de causa, drogas ou quaisquer meios para produzir o aborto, ainda que este não se verifique.

Pena: prisão com trabalho de 2 a 6 anos.

Se esse crime for cometido por médico, boticário ou cirurgião ou ainda praticantes de tais artes.

Penas: dobradas.

A punição do auto-aborto aparece pela primeira vez no

Código Penal de 1890. Ao contrário do anterior, encontrava-se a expressão

“aborto legal” e era previsto como legal o aborto para salvar a vida da gestante.

Somente nessa legislação houve a previsão especial para a prática de aborto

que ocasionasse a morte da gestante. O referido Código Penal estabelecia20:

Art 300 Provocar aborto haja ou não a expulsão do produto da concepção.

19 FRANÇA, General Veloso de. Medicina Legal. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. p. 224-225. 20 FRANÇA, General Veloso de. Medicina Legal. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. p.225.

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No primeiro caso: pena de prisão celular por 2 a 6 anos.

No segundo caso: pena de prisão celular por 6 meses a 1 ano.

§ 1º. Se em conseqüência do aborto, ou dos meios empregados para provocá-lo, seguir a morte da mulher.

Pena: prisão de 6 a 24 anos.

§ 2º. Se o aborto foi provocado por médico, parteira legalmente habilitada para o exercício da medicina.

Pena: a mesma procedente estabelecida e a proibição do exercício da profissão por tempo igual ao da reclusão.

Art 301 Provocar aborto com anuência e acordo da gestante:

Pena: prisão celular por 1 a 5 anos.

Parágrafo único. Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir abortar voluntariamente, empregando para esse fim os meios; com redução da terça parte se o crime foi cometido para ocultar desonra própria.

Art 302 Se o médico ou parteira, praticando o aborto legal, para salvar da morte inevitável, ocasionam-lhe a morte por imperícia ou negligência.

Penas: prisão celular de 2 meses a 2 anos, e privado de exercício da profissão por igual tempo de condenação.

Analisando as referências anteriormente citadas, conclui-

se que o aborto, ao longo da história, foi uma prática proibida, embora a

fundamentação da proibição para cada época não tenha sido a mesma. O

Código Penal brasileiro em vigor dede 1940 considera o aborto como crime,

contudo admite sua prática lícita em duas situações, que serão discutidas

posteriormente.

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1.1 O crime de Aborto

Etimologicamente, aborto significa privação do

nascimento e este pode ser natural, acidental ou provocado por ação humana.

O aborto natural é aquele em que o próprio organismo da

gestante, pelas mais diversas causas, não permite a conclusão do processo

gravídico21.

Já o acidental ocorre em razão de algo externo, por

exemplo, uma situação de extremo estresse, a ingestão de uma substância

inadequada e que seu poder destrutivo era desconhecido, enfim, qualquer ação

externa não provocada pela vontade da gestante de ocasionar o aborto.

Quando provocado, é causado por condutas humanas

dirigidas à interrupção da gravidez, com a finalidade de impedir o

desenvolvimento e nascimento do feto em formação. Pode ser punível ou não

punível, sendo esse último também denominado “aborto legal”.

Se o aborto for analisado sob o enfoque do ordenamento

jurídico brasileiro, torna-se de suma importância expor algumas considerações

sobre o tema que gera tantas discussões na Sociedade, tendo em vista que as

pessoas possuem, no seu íntimo, seus valores morais, opiniões pró ou contra o

aborto.

Para aqueles que defendem o aborto ou a sua

descriminalização, diversos argumentos podem ser elencados. Os mais

representativos são os seguintes22:

21 KNUPPEL, Robert A.; DRUKKER, Joan E. e colaboradores. Alto Risco em Obstetrícia: um enfoque multidisciplinar. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas. 1996.

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a) que a mulher é dona de seu corpo e tem o direito de

escolha;

b) que o aborto no Brasil é um caso de saúde pública,

pois são feitos sem condições técnicas e higiênicas. A

Organização Mundial da Saúde estima que 99% das 500

mil mortes maternas anuais se dão nos países em

desenvolvimento, e que destas, de 115 a 204 mil são de

complicações decorrentes de abortos ilegais ou

clandestinos;

c) pratica-se, no Brasil, cerca de 1,5 milhão de abortos

anuais;

d) há que se levar em conta o pluralismo inerente à

Democracia e a tendência atual do Direito de afastar a

legislação punitiva para o aborto.

Por outro lado, estão aqueles que são contrários ao

aborto e sua legalização. Os argumentos podem ser assim representados:

a) que o embrião e o feto são seres humanos e como tal

têm integral proteção e direito à vida, com garantias

constitucionais;

b) o número elevado de abortos não justifica sua

legalização, pois o furto e outros crimes também são

numerosos e não são legalizados;

22 VIVIANI, Maury Roberto. Aspectos Controvertidos do Crime de Aborto: a atualização judicial e o conflito de direitos fundamentais da gestante e do nascituro. 2000. 132p. (Dissertação).

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c) o corpo da mulher não se confunde com o corpo do

nascituro. Portanto, a mulher não tem direito de tirar a

vida de um outrem;

d) o problema de saúde pública deve ser solucionado com

a educação e com a orientação sobre a maternidade, cuja

escolha deve ser anterior à gravidez;

e) as legislações que permitem o aborto não diminuíram

sua incidência nem os problemas sociais e contrariam os

direitos humanos.

No mesmo entendimento, Hélio Gomes23, no âmbito da

Medicina legal, define o aborto criminoso como sendo:

A interrupção ilícita da prenhez, com a morte do produto, haja ou não expulsão, qualquer que seja o estado evolutivo, desde a concepção até momentos antes do parto.

Devido ao fato de existir divergências de opiniões sobre o

tema, inúmeras discussões ocorrem no Congresso Nacional brasileiro, fazendo

com que tramitem diversos projetos de Lei sobre o assunto com entendimentos

diferentes. Alguns pretendem a legalização do aborto somente em casos

especiais tais como: quando a gravidez oferecer risco de morte a gestante,

quando a gravidez é resultado de um estupro, quando a gestante é alienada

mental e, principalmente, nos casos em que o nascituro possui anomalias ou

doenças graves.

Destaca-se, em virtude da polêmica causada, o Projeto de

Lei n° 20 de1991, de autoria dos Deputados Eduardo Jorge e Sandra Starling,

que foi aprovado apenas em 1997 pela Comissão de Constituição e Justiça e

de Redação – CCJR. Este projeto tratava sobre a obrigatoriedade do

23GOMES, Hélio. Medicina Legal. 30 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 348.

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atendimento pelo SUS - Sistema Único de Saúde - nos casos previstos no

Código Penal.

Ainda de autoria dos mesmos deputados acima citados,

registra-se o Projeto de Lei nº 1.135 de 1991, que dispõe sobre a suspensão

do artigo 124 do Código Penal, que incrimina o aborto provocado ou consentido

pela gestante. Assim, a incriminação24 somente seria dirigida à ação de terceiro

que o pratica.

Também vale destacar a proposta de Emenda

Constitucional feito pelo ex-presidente da Câmara de Deputados Severino

Cavalcanti, que pretendia incluir na Constituição da República Federativa do

Brasil a garantia do direito à vida desde a concepção.

O projeto de Lei n° 3.609 de 1993 de autoria do então

deputado José Genuíno prevê a liberdade de abortar, no período de 90 dias do

início da gravidez, mediante solicitação da gestante.

Em relação ao aborto de fetos com anomalias tem-se o

Projeto de Lei n° 1956/96 de autoria de Marta Suplicy que diz25:

Art. 1º Fica autorizada a interrupção da gravidez, quando o produto da concepção não apresentar condições de sobrevida em decorrência de malformação incompatível com a vida ou de doença degenerativa incurável, precedida de indicação médica, ou quando por meios científicos se constatar a impossibilidade de vida extra-uterina.

Art. 2º A interrupção da gravidez se fará com o consentimento da gestante ou representante legal nos casos de incapacidade, após a constatação da anomalia fetal, e orientação por médico especialista sobre as reais implicações para o feto de tal diagnóstico.

24 Por incriminação, entende-se que uma determinada conduta é legislada como crime; ocorre a descriminalização quando a legislação deixa de considerar a conduta como crime. 25 BRASIL. Projeto de lei nº. 1.956, de 1996. Publicado no Diário da Câmara dos Deputados em 21 jun. 1996. Disponível em:<http://www.camera.gov.br>. Acesso em 24 maio 2007.

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Parágrafo único. O procedimento da interrupção da gravidez será sempre feito em instituições hospitalares públicas ou privadas, dotadas de condições adequadas a qualquer eventualidade de risco de vida da Parte Especial.

A opinião de Marta Suplicy, ao justificar o referido Projeto

de Lei de sua autoria, é de que26:

É necessário utilizar técnicas disponíveis para estudo e diagnóstico de problemas no feto, dando às mães que se tornam verdadeiros “caixões ambulantes” a possibilidade de decidir sobre a manutenção ou não da gravidez. Algumas mulheres darão preferência por levar adiante a gestação, enquanto outras farão opção contrária, por se sentirem sem estrutura emocional para suportar tal vivência. É tortura obrigar uma mãe, contra sua vontade, a manter uma gravidez por vários meses se o resultado for o óbito do nascituro. (Grifo nosso).

Tramita, ainda no Judiciário, a Ação de Descumprimento

de Preceito Fundamental de nº 54, tendo como pretensa finalidade à obtenção

de legalização de aborto, em uma das espécies de anomalia fetal existentes: o

aborto por feto anencefálico. No entanto, tratando-se de ação que implique em

controle concentrado de Constitucionalidade, terá sua eficácia ampla no

território nacional, fazendo repercutir nos demais casos existentes.

Após tanta discussão dentro do Congresso Nacional

sobre o assunto foi criado uma Comissão de Reforma e Modificação da

Legislação na Parte Especial do Código Penal. Essa Comissão elaborou um

anteprojeto de lei27 que prevê, especificamente para o crime de aborto, a

seguinte proposta:

ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE OU COM SEU CONSENTIMENTO

26 SUPLICY, Marta. Apud: TESSARO, Anelise. Aborto Seletivo: descriminalização e avanços tecnológicos da medicina contemporânea. Curitiba: Juruá, 2002. p.70. 27 BRASIL. Anteprojeto da Reforma da Parte Especial do Código Penal. Disponível em: <http://buscalegis.ccj.ufsc.br/arquivos/normas/anteprojetocódigopenal.html>. Acesso em 31 jun. 2007.

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Art 124 Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem provoque:

Pena: detenção, de 1 a 9 meses.

ABORTO CONSENSUAL PROVOCADO POR TERCEIRO

Art 125 Provocar aborto com consentimento da gestante.

Parágrafo único. A pena é aumentada até a metade, além de multa, se o crime é cometido com o fim de lucro.

ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO

Art 126 Provocar aborto sem o consentimento da gestante.

Pena: reclusão, de 4 a 8 anos.

LESÃO CORPORAL OU MORTE DA GESTANTE

Art 127 Nos casos dos artigos 125 e 126, se em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, resultar à gestante lesão corporal grave ou morte, e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis, nem assumiu o risco de sua produção, aplica-se também, a pena de lesão corporal culposa ou homicídio culposo.

EXCLUSÃO DE ILICITUDE

Art 128 Não constitui o aborto praticado por médico se:

I – não há outro meio de salvar a vida ou preservar a saúde da gestante;

II – a gravidez resulta de violação de liberdade sexual, ou de emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;

III – há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.

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§ 1º No caso dos incisos II e III, e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro;

§ 2º No caso do inciso III, o aborto depende, também, da não oposição justificada do cônjuge ou companheiro.

Esta alteração foi uma tentativa de pacificar a polêmica

existente sobre o objeto em questão.

Entretanto, o artigo 128 do Código Penal, que trata das

excludentes de ilicitude ou da exclusão da pena, mantém o denominado aborto

necessário e estende o aborto sentimental não só para os casos de gravidez

resultante de estupro, mas também para qualquer violação contra a liberdade

sexual da mulher, por exemplo, o atentado violento ao pudor e o emprego não

consentido de técnica de reprodução assistida.

1.2 Noções Conceituais da Ocorrência do Crime de Aborto

O aborto ainda é uma prática proibida no Brasil e está

previsto dentro do Código Penal nos crimes contra a pessoa, estando dentro da

subclasse dos crimes contra a vida, podendo ser classificado em quatro

modalidades que serão descritas a seguir.

As normas penais que incriminam o aborto estão contidas

nos artigos 124, 125, 126, 127 e 128 do Código Penal, possuem a finalidade de

proteger a vida humana intra-uterina.

A gravidez estende-se desde a concepção até o início do

parto, exigindo-se a prova desse estado por meio de exame do corpo de delito

direto ou indireto, quando desaparecidos seus vestígios.

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1.2.1 Aborto Provocado Pela Gestante ou Com Seu Consentimento

O artigo 124 do Código Penal28 descreve duas

modalidades: o auto-aborto, descrito na primeira parte do artigo, sendo aquele

em que a própria gestante provoca em si mesma; já na segunda parte do artigo

tem-se o consentimento da gestante para que um terceiro provoque o aborto.

Apresenta-se como sujeito ativo a gestante e como sujeito

passivo o Estado, que tem interesse no nascimento do nascituro, e não no feto.

Sendo assim, apresentam-se duas condutas típicas, onde ambas são formas

de crime próprio e possuem pena de detenção prevista de 1 a 3 anos.

Art 124 Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:

Pena: detenção, de 1 a 3 anos.

É discutida a possibilidade de co-autoria ou participação,

mas nada impede o concurso de agentes. Se esse atua em concordância com

a gestante, também incidirá nesse artigo.

Quem praticar o auto-aborto, da captação do

consentimento da gestante, induzir, instigar ou auxiliar ou ainda colaborar de

modo secundário sem interferir na execução do procedimento típico, sem ter,

portanto, poder de decisão ou domínio do fato será considerado partícipe

desse crime. Se, entretanto, contribuir materialmente para sua realização,

praticando atos ou tendo poder de decidir sobre a consumação, responderá

como autor do crime descrito no artigo 126 do Código Penal, adiante

comentado.

28 BRASIL, Código Penal - Decreto - lei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940. 44 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

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19

Para Edgard Magalhães Noronha29:

No aborto consentido é outrem que o executa, porém, com aquiescência da mulher. A atuação desta não é secundária, como parece a alguns, razão tendo Maggiore para observar que a gestante não é inerte, mas coopera, consentindo nas praticas abortivas, isto é, sujeitando-se estas com movimentos corpóreos (ao menos pondo-se em posição obstétrica): não omite, age.

O auto-aborto e o aborto consentido exigem o dolo, ainda

que eventual. Não se pode falar, por inexistente, na figura do aborto culposo.

Inexiste no Direito Penal Brasileiro a figura do Aborto Culposo. Assim, indispensável à configuração do delito é ter o agente atuado dolosamente. (JTACRIM 32/179)

O auto-aborto distingue-se do infanticídio previsto no

artigo 123 do Código Penal30, pois o aborto somente pode ocorrer antes do

início do parto.

1.2.2 Aborto provocado por terceiro

No aborto provocado por terceiro, o sujeito ativo do crime

é o qualquer pessoa que provoca o aborto na gestante, sendo este classificado

em aborto provocado por terceiro com ou sem consentimento da gestante. Em

ambos os casos, o sujeito passivo é representado pela gestante, bem como o

Estado, que tem interesse não só na integridade corporal da mulher bem como

no nascimento.

No aborto sem o consentimento da gestante, a mulher

não autoriza o aborto. Logo, não pratica crime. Já quando este é feito com seu

29NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p.66. 30 Art 123. Matar, sob a influência puerperal, o próprio filho durante o parto ou logo após. Pena: detenção, de 2 a 6 anos.

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20

consentimento, é preciso analisar a validade do consentimento, isto é, a

gestante deve possuir capacidade para consentir. Estas duas formas serão

analisadas mais minuciosamente nos itens abaixo.

1.2.2.1 Aborto sem o consentimento da Gestante

Neste fato delituoso, o crime é realizado contra a gestante

e o direito da vida do nascituro. Para que ocorra essa prática basta que seja

realizado o aborto sem o consentimento da gestante, ou seja, o agente realiza

a intervenção no corpo da gestante contra a sua vontade, provocando a

interrupção da gravidez e matando o feto em formação.

Art 125 Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

O sujeito ativo do crime é o terceiro que provoca o aborto

na gestante, já o sujeito passivo é a gestante e o Estado. Poderá o sujeito ativo

agir com violência física ou grave ameaça, contrariando assim à vontade da

gestante, que é a de não se submeter ao aborto.

Para José Frederico Marques31, no caso de gestante

menor de quatorze anos de idade, ou se esta é alienada mental, ou ainda, se

há consentimento, mais obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, a

presunção do vício do consentimento é, portanto, inexistente e ocorre à

ineficácia do consentimento.

O agente pode atuar com dolo eventual, quando ele

realiza a conduta mesmo sabendo da gravidez e sabendo que o seu ato pode

ocasionar uma possível interrupção, entretanto o agente não quer esse

resultado, mas dele consente se acontecer.

31 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1961.

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21

O aborto não é punido a título do culpa, somente sendo punível a título de dolo. Ao eliminar com um tiro uma mulher, sabendo-a grávida, assumiu o agente o risco de sofrer a mesma um aborto, pelo que, ocorrendo a morte do feto, fica configurado tal delito, presente o dolo eventual. (RT/646/315)

Distingue-se da provocação do aborto sem o

consentimento da gestante o homicídio, já que nesse a conduta de matar do

agente é posterior ao início do parto.

1.2.2.2 Provocar aborto com o consentimento da gestante

O crime previsto no artigo 126 do Código Penal pode ser

praticado por qualquer pessoa, nada impede a co-autoria ou a participação de

terceiros que atuem em favor do agente. Os dois cometem crime: a gestante

responde pelo crime previsto no artigo 124 do Código Penal e a outra pessoa

será punido mais severamente com a pena cominada do artigo 126 do Código

Penal.

Art 126 Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

O consentimento da gestante pode ser expresso ou tácito,

devendo existir desde o início da conduta até a consumação do delito.

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22

A norma jurídica presume a violência, ainda que possa

haver o consentimento da gestante, em três situações32:

a) quando a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos,

presumindo-se que ela tem desenvolvimento mental

incompleto;

b) quando a gestante é alienada (que sofre de doença

mental) ou a débil mental (desenvolvimento mental

retardado), que também podem consentir de maneira

inválida;

c) quando o consentimento da gestante for obtido por

fraude, grave ameaça ou violência.

Em todas as hipóteses, o agente responderá pelo ilícito

tipificado no artigo 125 do Código Penal.

1.3 Forma qualificada do aborto

A forma qualificada do aborto ocorre quando houver

somente culpa. Caso ocorra dolo do agente, direto ou eventual, com a lesão ou

a morte, haverá concurso de crimes. Trata-se de modalidade de preterdolo

(dolo no aborto mais homicídio ou lesões graves). Isto significa que houve dolo

(eventual) em relação ao resultado, o agente responderá pelo concurso de

crimes.

Art.19 Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que houver causado ao menos culposamente.

32MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999.

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23

Não se aplica o dispositivo à gestante nem aquele que é

co-autor ou partícipe de seu crime previstos nos artigo 125 ou 126 do Código

Penal, a pena também deve ser acrescida.

Art.127 As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofrer lesão corporal de natureza grave; e não duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

No caso do artigo 127 do Código Penal, consiste em

crime preterdoloso quando ocorre uma ação que é ao mesmo tempo, típica de

um crime doloso e de um crime culposo. O agente quer um determinado

resultado, mas dá causa a um outro resultado mais grave.

O Artigo 18 do Código Penal diz:

Art. 18 Diz-se o crime:

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo Único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando a pratica dolosamente.

A forma qualificada do crime de aborto apresenta quatro

figuras típicas provocado por terceiros qualificado pelo resultado, se em

conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, resultar

em33:

33TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte especial: artigos 121 a 212, v. 2. São Paulo: Atlas, 2004.

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24

a) lesão corporal de natureza grave na gestante, no

aborto consentido, a pena será reclusão de um ano e

quatro meses;

b) morte da gestante, no aborto consentido, a pena será

reclusão do dois a oito anos;

c) lesão corporal grave na gestante, no aborto

dissentido, a pena será reclusão de quatro a treze

anos e quatro meses;

d) morte da gestante, no aborto dissentido, a pena será

de seis a vinte anos.

Deste modo, todas essas formas típicas qualificadas pelo

resultado são modalidades de crime preterdoloso, nos quais o agente age com

dolo de provocar o aborto, mas, por negligência, imprudência ou imperícia,

acaba produzindo resultado mais grave.

1.4 O aborto legal

Duas são as situações em que a lei considera aborto legal

e torna lícita a prática do fato. O primeiro caso é do aborto necessário (ou

terapêutico) que, no entender da doutrina, caracteriza uma espécie de estado

de necessidade. A outra situação é a do aborto ético (ou sentimental), quando

a gravidez é resultante de estupro, sendo o médico o único autorizado a

realizar o aborto, podendo agir em favor de terceiro, no caso a gestante.

Art 128 Não se pune o aborto praticado por médico.

Não estando presentes os requisitos, o agente (médico)

responderá pelo crime de aborto, mas não do exercício ilegal da medicina, já

que a prática do aborto é, como regra geral, proibida.

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25

1.4.1 As diferenças entre aborto eugênico e aborto seletivo

A legislação penal brasileira posiciona-se quase que

totalmente contrária ao aborto, admitindo apenas duas formas de aborto legal,

como já foi dito anteriormente.

Entretanto, geralmente o aborto é tratado de forma

genérica, sem fazer distinção entre as diversas finalidades clínicas envoltas em

cada caso. É válido, portanto, diferenciar o aborto terapêutico e o eugênico.

Fala-se de aborto terapêutico como sendo aborto eugênico, e deste como

aborto seletivo, gerando enorme confusão.

Para esclarecer as diversas formas de aborto, o discurso

médico oficial é o mais adequado, pois é a nomenclatura que mais representa

a prática de tal fato. Segundo Débora Diniz e Marcos de Almeida, a literatura

médica preceitua que34:

A interrupção eugênica da gestação (IEG) ocorre nos

casos de aborto ocorridos em nome de práticas eugênicas, isto é, situações em

que se interrompe a gestação por valores racistas, étnicos, religiosos, etc. Este

tipo de interrupção ficou conhecido por não respeitar a vontade do indivíduo.

Como exemplo de IEG pode-se citar as ações desumanas de Adolf Hitler, em

que as mulheres judias eram obrigadas a praticar o aborto porque iriam gerar

crianças também judias, e o aborto de crianças cujas mães haviam ingerido o

fármaco Talidomida, que poderia provocar malformações, principalmente nos

membros, porém, geralmente estas crianças tinham capacidade mental

preservada. Esses são casos típicos de aborto eugênico.

34 DINIZ, Débora. ALMEIDA, Marcos de. Bioética e Aborto. Disponível em: <http://www.cfm.org.br>. Acesso em: 10 out. 2007.

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Eugenia, segundo Antônio Houaiss35, é a "Ciência que se

ocupa do aperfeiçoamento físico e mental da raça humana".

Denomina-se interrupção terapêutica da gestação (ITG)

os casos em que o aborto ocorre em nome da saúde materna, isto é, situações

em que se interrompe a gestação para salvar a vida da gestante.

Atualmente, visto o grande avanço científico e tecnológico

na medicina, os casos de ITG são cada vez menores, sendo raras as situações

terapêuticas que exigem tal procedimento.

No entanto, o fator "terapêutico" leva a pensar que o ato

pretendido (aborto) é coisa benéfica e necessária, pois deflui de uma

necessidade de tratar medicamentosamente a pessoa da mãe para trazer-lhe o

bem estar e a plena saúde física, psíquica ou mental.

Dernival da Silva Brandão preleciona36:

Criança doente necessita de cuidados médicos e não de ser eliminada. O diagnóstico pré-natal deve ser realizado enquanto possa servir ao bem da pessoa, e ser adequado à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de enfermidades; e não para discriminar os portadores de genes patogênicos e defeitos congênitos. Senão aplicar-se-iam conhecimentos médicos não para tratar o doente, mas para eliminá-lo (...) Sempre há meios de tratar a gestante e, para isso, devem ser empregados todos os recursos atualmente disponíveis na proteção da vida de ambos: mãe e filho.(...) Quando necessário, a gestante doente deve ser encaminhada para centro especializado em gestação de alto risco. O abortamento não é isento de riscos, e a experiência tem demonstrado que muitas vezes ele próprio é causa da morte para a gestante doente.

35 HOUAISS, Antônio. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado. Rio de Janeiro: Delta, 1994. p. 642. 36 BRANDÃO, Dernival da Silva. A Vida dos Direitos Humanos: Bioética Médica e Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 30.

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A interrupção seletiva da gestação (ISG) é verificada nos

casos de aborto ocorridos em nome de anomalias fetais, isto é, situações em

que se interrompe a gestação pela constatação de lesões fetais. Em geral, os

casos que justificam as solicitações de ISG são de patologias incompatíveis

com a vida extra-uterina, sendo um exemplo clássico a anencefalia37.

Já a interrupção voluntária da gestação (IVG) advém nos

casos de aborto ocorridos em nome da autonomia reprodutiva da gestante ou

do casal, isto é, situações em que se interrompe a gestação porque a mulher

ou o casal não mais desejam a gravidez, seja ela fruto de um estupro ou de

uma relação consensual. Muitas vezes, as legislações que permitem a IVG

impõem limites gestacionais à prática.

Com exceção da interrupção eugênica da gestação, todas

as outras formas de aborto levam em consideração à vontade da gestante ou

do casal em manter a gravidez.

Em geral, a interrupção seletiva da gestação é também

denominada por interrupção terapêutica da gestação, sendo esta última à

terminação é mais comum.

Esta é uma tradição semântica herdada, principalmente,

de países onde a legislação permite ambos os tipos de aborto (ISG e ITG), não

sendo necessária, assim, uma diferenciação entre as práticas. No entanto,

considera-se que, mesmo para estes países onde o conceito ITG é mais

adequado, em alguma medida ele ainda pode gerar confusões, uma vez que

há limites gestacionais diferenciados para os casos em que se interrompe a

gestação em nome da saúde materna ou de anomalias fetais. Além disso, o

37 DINIZ, Débora. O Aborto Seletivo no Brasil e os Alvarás Judiciais. In Série, Anais 12. Brasília: Letras Livres, jun. 2000. p. 5:19-24.

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alvo das atenções é diferente nos casos de ISG e ITG. No primeiro, a saúde do

feto é a razão do aborto; no segundo, a saúde materna38.

O termo "seletivo" remete diretamente à prática a que se

refere aquele feto que, devido a malformação fetal, faz com que a gestante não

deseje o prosseguimento da gestação. Tratar aborto seletivo como eugênico é

nitidamente confundir as práticas.

Em julgados recentes, diversos juizes vêm autorizando a

prática do aborto em casos de fetos anencefálicos. Numa dessas sentenças,

há o registro de que "não se está admitindo por indicação eugênica com o

propósito de melhorar a raça, ou evitar que o ser em gestação venha nascer

cego, aleijado ou mentalmente débil. Deve-se buscar evitar o nascimento de

um feto cientificamente sem vida, inteiramente desprovido de cérebro e incapaz

de existir por si só".39

Entretanto, pode-se verificar que, quando o magistrado

entende o pedido de aborto como sendo eugênico, esse é totalmente rejeitado

e indeferido. Assim tem entendido o Tribunal de Justiça de Goiás:

(...) Na realidade, a ilação que se tira do exame do pedido é que o fundamento da Requerente para o mesmo é a circunstância de que o feto é portador de anomalia que, certamente, levará a morte de seu filho pouco tempo após o nascimento, cuidando-se, pois, de aborto eugênico, para o qual não existe autorização na lei, merecendo, pois, o repúdio da Justiça, a quem cumpre o indeclinável dever de assegurar os direitos do nascituro, conforme disposição expressa no Código Civil Brasileiro, entre os quais, evidentemente, está elencado o direito de nascer. (...) É que se a Justiça passar a autorizar o aborto eugênico na situação do caso em julgamento, amanhã os jurisdicionados poderão bater às portas do Tribunal para exigir autorização, em outras situações como, por exemplo, porque o feto apresenta algum problema que o impossibilitará de ter uma vida tida como normal ou porque a mãe ou pai

38 DINIZ, Débora. ALMEIDA, Marcos de. Bioética e Aborto. In: Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética. Brasília: CFM, 1998, p.125-138. 39 FRANÇA, Genival Veloso de. Aborto Eugênico - considerações ético-legais. Disponível em: <http://www.ibemol.com.br/sodime/>. Acesso em: 10 out. 2007.

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daquele feto não dispõe de recursos para prover sua manutenção, entre outros casos.40

A lei não prevê a isenção de pena para o abortamento

eugênico. Porém, o feto anencefálico certamente não se inclui entre os abortos

eugênicos, porque a ausência de encéfalo é incompatível com a vida extra-

uterina pós-parto. No aborto eugênico o feto tem possibilidade de vida pós-

parto, embora sem qualidade, o que não é o caso presente, atestada a

impossibilidade de sobrevivência sem o fluido do corpo materno.

1.4.2 Aborto Necessário

O direito entrega ao médico o poder de decidir se a

continuidade da gravidez constitui um perigo para a vida da gestante, caso

afirmativo o aborto poderá ser autorizado.

Esse risco pode decorrer de fatores diversos. Entretanto,

patologias como anemias profundas, diabetes, cardiopatias, tuberculose

pulmonar, câncer uterino, má conformação da mulher, entre outras situações

que, com o avanço da medicina, hoje podem normalmente ser contornadas,

não há necessidade de interromper a gravidez. Também é certo que a mera

indicação psiquiátrica por doença mental não sustenta a interrupção da

gravidez.

O médico não pode escolher a quem salvar, pois a lei

nesse caso, só justifica a morte do ser em formação. O médico somente deverá

provocar o aborto:

Art 128 Não se pune o aborto praticado por médico:

40 BRASIL, Tribunal de Justiça de Goiás. Dr. José Machado de Castro Neto, juiz substituto, respondendo pela 14ª Vara Criminal de Goiânia. Disponível em: <http://www.tj.go.gov.br>. Acesso em: 15 dez. 2006.

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I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante.

A situação de perigo para a vida da gestante não precisa

ser atual, mas pode ser iminente e até mesmo futura, desde que, neste último

caso, possa concluir, com segurança e certeza, a possibilidade de sua

reversão.

Se o médico tiver agido com dolo, ainda que eventual,

responderá pelo aborto sem o consentimento da gestante, mesmo que esta

tenha, por engano, anuído à interrupção da gravidez. Nesse caso, seu

consentimento terá sido obtido mediante fraude.

Não sendo o médico o agente, mas estando presente a

situação de perigo para a vida da gestante e a inevitabilidade da interrupção da

gravidez, não sendo possível obter o socorro médico, qualquer pessoa poderá

provocar o aborto, sendo sua conduta justificada pela norma do artigo 23,

inciso I do Código Penal.

1.4.3 Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro

O estupro é uma violência inominável. Se dele resultar

gravidez, não pode o Direito obrigar a mulher a gerar e depois ser mãe de

quem não queria. A lei exige que esse aborto lícito seja praticado por um

médico. Não sendo médico, o aborto será ilícito, exceto quando é invocado o

estado de necessidade previsto no artigo 24 do Código Penal. O terceiro que

auxilia o médico não pode ser incriminado, eis que colabora em fato lícito.

Quando a gravidez resulta de estupro e há o

consentimento da gestante ou do seu representante legal para a prática do

aborto esse é denominado sentimental (ou ético ou humanitário), identificando

alguns casos especiais de estado de necessidade e outros de não-exigibilidade

de conduta diversa.

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Justifica-se a norma permissiva porque a mulher não deve

ficar obrigada a cuidar de um filho resultante de coito violento, não desejado. O

aborto ético tem fundamento diverso do aborto necessário.

Art.128 Não se pune o aborto praticado por médico:

I – [...]

II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A lei não se refere à necessidade de qualquer prova a

respeito do estupro, mas a cautela manda que o médico, antes de realizar o

aborto, procure certificar-se, dentro do possível, de sua ocorrência.

No caso de menor de 14 anos de idade, como a

conjunção carnal é presumidamente estupro, é suficiente a prova da idade da

gestante. Indispensável, porém, é o consentimento da mesma e, quando é esta

incapaz, do seu representante legal.

É pacífico na doutrina que, por analogia, está autorizado o

aborto quando a mulher engravidou em razão de atentado violento ao pudor.

Na Medicina Legal, tem-se entendido que, havendo gravidez, houve estupro e

não atentado violento ao pudor.

Acerca da abordagem realizada neste capítulo, restou-se

demonstrado que a vida do nascituro é um objeto de proteção no Direito Penal,

sendo que a conduta do aborto é proibida, salvo as exceções esplanadas

anteriormente.

O direito à vida é um direito fundamental resguardado

pela Constituição da República Federativa do Brasil. Assim sendo, tanto a

Constituição quanto às leis ordinárias que garantem a inviolabilidade da vida do

nascituro devem ser itens de abordagens quando se trata do aborto.

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No decorrer da pesquisa, far-se-ão considerações a

respeito da existência de conflito de direito entre o nascituro e a gestante em

razão da mesma poder cometer a prática do aborto.

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Capítulo 2

A VIDA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

2 DO INÍCIO DA VIDA HUMANA

O início da vida é indagado toda vez que se fala em

aborto, seja ele espontâneo, provocado ou até mesmo eugênico, ou seja, não

se tem uma unanimidade se a vida inicia-se com a fecundação, com o

nascimento ou ainda entre estas duas fases.

Esta questão é objeto de discussão no senso comum e da

opinião de cada individuo. Fernando Barcellos Almeida41 conceitua a vida como

sendo:

O conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário de organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em continua atividade, manifesta em funções orgânicas tais como metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio e a reprodução.

É extremamente difícil definir o que é vida, mesmo porque

a vida está em constante movimento, acontecendo a todo instante diante de

nós.

Indaga Sílvia Mota42 a respeito da vida:

41ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direito Humanos. Porto Alegre: Renova, 1996. p. 54.

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Sem querer nem poder atingir a impérvia essência da criação, ou desvendar as verdades biológica, sociológica e psicológica do indivíduo, entende-se a vida como o agrupado de todos esses mistérios revelados através da energia mantida pela ação dos elementos naturais e alterados, iminentemente, pela intercessão da cultura. A vida se ampara na cumplicidade entre homem e mundo, que os torna inseparáveis e necessário um ao outro. Vertente dos outros bens jurídicos é, pela sua essência - independente de qualquer avanço biotecnológico - única e irreplicável. Por isso, exige o respeito absoluto de não ser tratada como simples meio, mas como fim.

As diversas correntes sobre o momento do início da vida

humana podem ser destacadas em três pontos, sendo que esta conceituação

ainda está distante por parte da Sociedade, já que é fortemente influenciada

pelos valores religiosos e ideológicos de cada um.

Como primeiro ponto pode-se destacar que o início da

vida humana se dá com a fecundação ou ainda que ocorre em determinado

momento entre o desenvolvimento e a fecundação. Nesta corrente podem ser

encontrados posicionamentos que a vida tem início com a nidação do óvulo no

útero, ou ainda com a formação do sistema nervoso, o que não ocorre no feto

que possui anomalias genéticas, por último, mas não menos importante, pode-

se dar início com o nascimento.

Pelo fato de ter muitos posicionamentos controvertidos é

que se busca auxilio na Embriologia humana43, na Medicina Legal44 e na

doutrina jurídica para que se possa estabelecer um marco inicial, ainda que

hipotético, do início da vida humana. 42MOTA. Silva Maria Leite de. Da Bioética ao Biodireito: a tutela jurídica no âmbito do direito civil. 1999. 308 p. dissertação (mestrado em Direito Civil) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1999. p.20-21. 43Ciência que estuda a origem e o desenvolvimento do ser humano desde o zigoto até o seu nascimento. 44Medicina Legal é o conjunto de conhecimentos médicos e paramédicos destinados a servir ao Direito, cooperando na elaboração, auxiliando, auxiliando a interpretação e colaborando na execução dos dispositivos legais atinentes ao se campo de Medicina Aplicada. GOMES, Hélio. Medicina legal. 30 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 7.

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35

O início do ser humano ocorre quando o óvulo feminino é

fecundado pelo espermatozóide masculino sendo formado o zigoto, que seria o

óvulo fertilizado, se dando assim o início da concepção.

Depois de passado esta fase de fertilização, ocorre uma

segunda fase, onde o zigoto passa a ser denominado mórula, fase que é

atingida depois de três dias em que ocorreu a fertilização. Nesta fase o ser

humano está pronto, vindo da trompa uterina para fixar-se no útero da mulher.

Dentro do útero, forma-se uma cavidade que é

denominada cavidade blastocística e a mórula é transformada em blastocisto.

A implantação do blastocisto (chamada de nidação) começa no fim da primeira

semana e termina no final da segunda semana.

As células desenvolvidas do blastocisto vão dar origem ao

embrião, sendo que este termo não é usado antes da 3º semana. O período

embrionário estende-se da terceira semana até o final da oitava semana,

quando já estão formandos as principais estruturas e características do ser

humano, chegando ao fim do período embrionário. A partir desse momento, o

embrião passa a ser chamado de feto e dá-se início ao período fetal, que vai da

nona semana até o nascimento.

Sob o enfoque médico, Hélio Gomes45 diz que a gravidez

ou o período de gestação, como também pode ser chamado, inicia-se com a

realização da fecundação, “que é a cédula inicial formadora do homem”.

Já na visão jurídica, Edgard Magalhães Noronha46 diz

que:

Durante a gestação, em qualquer momento se tem vida no produto da concepção, pois cresce e se aperfeiçoa, assimila as substâncias que lhe são fornecidas pelo corpo materno e

45 GOMES, Hélio. Medicina legal. 30 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p.318. 46 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 50.

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elimina os produtos de recusa; executa, assim, funções típicas de vida (...) a verdade é que ali existe uma vida humana em germe.

O fato de haver diversas opiniões induz à dúvida nesta

operadora do direito com relação ao início da vida, já que o feto ou o embrião é

totalmente dependente do organismo que o abriga, que seria o corpo da mãe.

2.1 Direito à Vida

Partindo do princípio de que o direito à vida é um dom

recebido diretamente de Deus e que os homens são apenas meros

administradores, existe um consenso entre as crenças religiosas no que diz

respeito ao caráter sagrado da vida.

A liberdade individual garante a todo indivíduo o direito à

livre tomada de decisão nas suas ações, desde que estas não interfiram no

direito de outrem.

O Código Civil brasileiro47, em vigor desde janeiro de

2003, propõe, em seu artigo 2º, que: "A personalidade civil da pessoa começa

do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos

do nascituro”.

Verifica-se que, apesar do posicionamento radical da

igreja católica, seguida de uma forma tênue pelos judeus e espíritas (que

oferecem uma explicação para o fato de existirem seres malformados e seres

fisicamente perfeitos), já existem muitas religiões onde prevalece o

entendimento de que há casos em que o princípio da inviolabilidade da vida

47 BRASIL. Código Civil Brasileiro: principais alterações comentadas: anotações, legislação. São Paulo: Saraiva, 2003.

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humana deve ser ponderado em face de outros valores48. Como exemplo pode-

se citar grande parte das igrejas evangélicas, que, como não possuem dogmas

a serem seguidos como nas demais igrejas, a opção pela interrupção da

gravidez por anencefalia é aceita, já que visam o bem estar da gestante e de

sua família.

Assim, o direito à vida deve ser associado a um direito à

conservação da vida, em que o indivíduo pode gerir e defender sua vida, mas

não pode dela dispor, apenas justificando ação lesiva contra a vida em casos

de legítima defesa e estado de necessidade.

O direito à vida é um direito fundamental do homem,

porque é dele que decorrem todos os outros direitos. É também um direito

natural inerente à condição de ser humano.

Por isso, a Constituição Federal do Brasil declara que o

direito à vida é inviolável. O Artigo 5, caput da Constituição Federal49, de 1988,

assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o direito à

vida:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (Grifo nosso)

Sabe-se que todos os direitos são invioláveis; não existe

direito passível de violação. Mas a Constituição Federal fez questão de frisar a

inviolabilidade do direito à vida, exatamente por se tratar de direito

fundamental.

48TESSARO, Anelise. Aborto seletivo: descriminalização & avanços tecnológicos da medicina contemporânea. Curitiba: Juruá, 2002. 49 BRASIL. Constituição [1988] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

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É importante lembrar que a Constituição Federal é a Lei

Maior do país, a qual devem se reportar todas as demais leis. Além disso, os

direitos previstos no artigo 5º da Constituição Federal são “cláusulas pétreas”,

isto é, são direitos que não podem ser suprimidos da Constituição, nem mesmo

por Emenda Constitucional.

José Joaquim Gomes Canotilho50 aduz que o direito à

vida é um direito subjetivo de defesa, e implica na garantia, que deve ser

exercida pelo Estado, de uma dimensão protetiva deste direito à vida. Portanto,

o indivíduo tem o direito de não ser morto pelo Estado; por outro lado, o

indivíduo tem o direito à vida perante os outros indivíduos e estes devem

abster-se de praticar atos que atentem contra a vida de alguém. E conclui: o

direito à vida é um direito, mas não é uma liberdade. Assevera, ainda, sobre

tutela privada e pública do direito à vida, admitindo que o direito aos alimentos

é uma tutela complementar da vida, sendo diferente do direito à vida, pois não

é a vida o seu objeto, mas um bem material para servir a conservação da vida.

Como acentua José Cretella Junior51 em seus

Comentários à Constituição Brasileira de 1988, institui que:

Bastaria que se tivesse dito ”o direito“ ao invés de ”a inviolabilidade do direito à vida“. Se ”vida é um direito“ garantido pelo Estado, esse direito é inviolável, embora não ”inviolado”. Se eu digo que é “inviolável” (a correspondência, a intimidade, a residência, o sigilo profissional), “ipso facto”, estou querendo dizer que se trata de rol de bens jurídicos dotados de inviolabilidade (inviolabilidade da correspondência, da intimidade, da residência, do sigilo profissional)... O direito à vida é o primeiro dos direitos invioláveis, assegurados pela Constituição. Direito à vida é expressão que tem, no mínimo, dois sentidos, (a) o “direito a continuar vivo, embora se esteja com saúde” e (b) “o direito de subsistência”. O primeiro, ligado à segurança física da pessoa humana, quanto a agentes

50 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2000. 51 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 1, art. 1º a 5º, LXVII. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. p.182/183.

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humanos ou não, que possam ameaçar-lhe a existência; o segundo, ligado ao “direito de prover à própria existência, mediante trabalho honesto”.

No mesmo sentido tem-se as considerações de Maria

Helena Diniz52:

O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, conseqüentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa.

Ainda neste sentido, Pontes de Miranda53 assevera:

O direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem direito a ela... Em relação às leis e outros atos, normativos, dos poderes públicos, a incolumidade da vida é assegurada pelas regras jurídicas constitucionais e garantida pela decretação da inconstitucionalidade daquelas leis ou atos normativos... O direito à vida é direito ubíquo: existe em qualquer ramo do direito, inclusive no sistema jurídico supra estatal... O direito à vida é inconfundível com o direito à comida, às vestes, aos remédios, à casa, que se tem de organizar na ordem política e depende do grau de evolução do sistema jurídico constitucional ou administrativo... O direito à vida passa à frente do direito à integridade física ou psíquica... O direito de personalidade à integridade física cede ao direito de personalidade à vida e à integridade psíquica...

Assim, entende-se que a pretensão do aborto deve

verificar os direitos fundamentais em conflito previstos no artigo 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil. Verifica-se que o aborto

somente é permitido quando ocorrerem motivos para que se salve a vida da

52DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 22/24. 53PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte Especial, Tomo VII. 3 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971.

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gestante, ou para que se garanta a sua integridade física e psíquica, ou ainda

quando a gravidez é proveniente de um estupro.

2.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos

Fundamentais

A relevância do termo aborto é muito discutida nas

considerações sobre a vida humana e da sua proteção, seja no que se refere

ao nascituro, seja no que se refere à mãe que lhe abriga no ventre. A dignidade

da pessoa exige, incondicionalmente, o respeito pelos seus direitos, ou seja,

busca traduzir o reconhecimento da dignidade da pessoa.

Os direitos fundamentais estão explícitos, no âmbito do

ordenamento jurídico brasileiro, na Constituição da República Federativa do

Brasil, e o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se recepcionado

pelo artigo 1º, inciso III da mesma, como um princípio fundamental onde

assegura o respeito ao homem, considerando este como um ser individual.

Ingo Wolfgang Sarlet ao discorrer sobre o direito da

dignidade da pessoa humana, apresenta uma proposta de conceituação

jurídica deste princípio que por sua relevância transcreve-se54:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de proporcionar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

54 SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

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41

Desta forma, é indispensável que se fale sobre a proteção

da vida humana e sua relação com os direitos fundamentais que são, segundo

Edílson Pereira de Farias, “entendidos como concreção histórica do principio

fundamental da dignidade da pessoa humana” 55.

A criança é um ser em crescimento e desenvolvimento e

em interação com o meio que a rodeia e, portanto, goza hoje de um vasto

leque de direitos fundamentais.

Em Portugal, o quadro legal de defesa da criança é vasto

e de grande relevo: a Convenção dos Direitos da Criança, as Declarações de

Princípios Internacionais (emitidas pela ONU e Conselho da Europa) e pela

Constituição da República Portuguesa56, que em seu artigo 68º que consagra o

direito de paternidade e maternidade, e ainda possuem uma legislação

ordinária muito variada.

Art 68 da Constituição da República Portuguesa - O direito a uma paternidade e a uma maternidade responsáveis para acompanhar e promover esse desenvolvimento sem descontinuidades graves (o direito a nascer e a crescer numa família em que seja amado, respeitado e ajudado como filho biológico ou adotivo); o direito à proteção, mas também a ser sujeito do seu próprio destino em harmonia com a sua progressiva maturidade.

Da análise do quadro de direitos fundamentais da criança,

destacam-se alguns dos quais podem-se mencionar apenas os que promovem

o desenvolvimento da criança e conduzem à sua autonomia.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90),

em seu artigo 7º, afirma que a criança e o adolescente têm proteção à vida e à

saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o

55FARIAS, Edílson Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Renova, 1996. p.168. 56 PORTUGUAL. Constituição Da República Portuguesa – Atualizada de acordo com a Lei Constitucional nº 1/97 de 20 de Setembro. Coimbra: Almedina, 1999.

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nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de

existência. O artigo 8º complementa tal garantia competindo ao Poder Público

propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem.

Assim, o direito à vida possui uma íntima ligação com a

dignidade, ou poderia se dizer com a plenitude da vida. Isto significa que o

direito à vida não é apenas o direito de sobreviver, mas de viver dignamente.

Esses bens, constitucionalmente protegidos, poderão

entrar em colisão. No caso da autorização para a prática do aborto,

considerando-se que o nascituro tem direitos fundamentais, principalmente à

vida, e também pode ser abrangido pelo princípio da dignidade da pessoa

humana, esses estarão em confronto com os direitos fundamentais da gestante

em poder abortar. A sanção de tudo isso é de tal grandiosidade e a importância

dos direitos da personalidade, em específico do direito à vida, merecem uma

dupla sanção: a pública e a privada.

A sanção pública apresenta a feição constitucional

(garantia ao direito à vida e à dignidade) e a penal (homicídio, induzimento,

instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio, aborto).

No capítulo anterior dessa pesquisa foi estudado o artigo

128 “caput” e seus incisos I e II do Código Penal na íntegra. O aborto no caso

de risco de vida da mulher, da gravidez resultante de estupro e da hipótese de

aborto no caso da anomalia genética do nascituro, a gestante, por sua vez,

pode invocar, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, ou

mesmo o direito à vida, que compreende também o direito a sua saúde física

ou psíquica e integridade corporal.

Assim, pode-se dizer que o problema da autorização do

aborto deve ser remetido à verificação dos direitos fundamentais em conflito.

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Os próprios indivíduos entre si devem respeitar tais direitos que consagram

valores básicos e fundamentais da Sociedade e da ordem jurídica.57

2.3 Os direitos e garantias do feto

Hoje é possível uma melhor proteção dos direitos

humanos desde o seu início, já que houve um aumento dos conhecimentos

sobre a vida intra-uterina, permitindo assim visualizar, avaliar e intervir durante

esse tempo da vida humana.

Ressalta-se ainda que houve uma mudança cultural,

sendo que se passou a valorizar mais a relação mãe-filho desde o início da

gestação.

Juntamente com a evolução da medicina e da sociedade,

também ocorreu uma evolução no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que

hoje se reconhecem os direitos da criança desde o período embrionário e fetal.

Aparentemente, os resultados do progresso do conhecimento e da tecnologia

seriam para melhor defender a vida humana de agressões lesivas da sua

própria humanidade.

O conhecimento antecipado de que o feto sofre de

doenças graves ou que corre riscos de nascer prematuro permitirá algumas

vezes a sua cura ou encaminhamento da mãe para centros médicos

diferenciados. Mas noutros casos, permitirá reconhecer a sua inviabilidade ou

que possui uma deficiência definitiva e irremediável que poderá provocar

sentimentos de ambivalência nos pais sendo angustiante a decisão de abortar

ou não.

57BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Hermenêuticas constitucionais e direito fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p.170.

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2.3.1 Personalidade e Capacidade do Nascituro

O artigo 4º do Código Civil rege que a personalidade civil

do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a

concepção os direitos do nascituro.

Analisando o disposto, pode-se afirmar que o nascituro

tem personalidade jurídica. Contudo, esta afirmativa gera múltiplas

controvérsias no campo do Direito. Desde modo, é de suma importância

verificar se o nascituro é pessoa, se tem personalidade civil e se pode ser

considerado sujeito de direito.

Os artigos 5º e 6º do Código Civil tratam da capacidade e

de incapacidade, que embora seja regra, sofre algumas restrições pela lei.

Conforme Washintom de Barros Monteiro, o sentido da

palavra pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica58,

já a palavra personalidade é derivada e intima da palavra pessoa. O mesmo

autor ainda define59:

Capacidade é a aptidão para adquirir direitos e exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil. (...) Assim a capacidade é elemento da personalidade. Esta, projetando-se no campo do direito, é expressa pela idéia de pessoa, ente capaz de direitos e obrigações. Capacidade exprime poderes ou faculdades; personalidade é a resultante desses poderes; pessoa é o ente a que a ordem jurídica outorga esses poderes.

Os absolutamente incapazes têm direito, mas de forma

alguma podem exercê-los, devendo ser representados. Os relativamente

incapazes podem praticar alguns atos da vida civil por si, desde que assistidos

58 MONTEIRO, Washintom de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 59 MONTEIRO, Washingtom de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p 57-58.

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por quem a lei indicar. Aqui é interessante observar que a lei no artigo 5º do

Código Civil não elenca como incapaz o nascituro, e sim o menor de dezesseis

anos de idade.

2.3.2 O Início da Personalidade Jurídica para o Nascituro

O nascituro, sem dúvida alguma, é um ser vivo que

cresce, tem metabolismo orgânico, batimentos cardíacos e, a partir décima

sexta e vigésima semana de gestação, o feto já se movimenta com animus

próprio.

Pode-se identificar, em relação ao termo inicial da

personalidade do homem como sujeito de direitos, três posicionamentos: o

concepcionista, o natalista e o da personalidade condicional.

O primeiro posicionamento equipara o nascituro ao já

nascido e, portanto, a personalidade civil do homem começa com a concepção

no ventre materno e consolida-se com o nascimento.

Para o direito, o início da vida parece caracterizar-se pela

respiração pulmonar, pois é este o primeiro indício de que a criança já não se

alimenta através do organismo materno. Basta um só instante de vida e a

personalidade está caracterizada.

Para esta escola, o nascituro pode ter (1) a filiação

legitima conforme os artigos 338, 339 e 353 do Código Civil; (2) o direito à

curatela conforme os artigos 458 e 462 do Código Civil; (3) à representação

conforme os artigos 462 c/c 383, inciso V e 385 do Código Civil; (4) à adoção

conforme o artigo 372 do Código Civil, com redação dada pela Lei 3.133/57; (5)

adquirir bens por testamento conforme o artigo 1.718 do Código Civil; (6)

proteção ao nascituro conforme artigos 392, 393 e 394 da Consolidação das

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Leis do Trabalho e (7) aposse em seu nome conforme o artigo 877 e 878 do

Código de Processo Civil.

Para os que defendem o posicionamento natalista o

nascituro é considerado apenas um projeto, um estado potencial, uma

expectativa de pessoa. Alguns, inclusive, defendem a idéia de que o

nascimento nada mais é do que a separação do filho das vísceras maternais,

como era o posicionamento existente na Roma antiga.

Para esta corrente, somente pode ser considerada

pessoa e ter personalidade aquele que nascer com vida, sendo que o nascituro

apenas teria expectativa de direitos.

As correntes acima expostas estão embasadas pelo artigo

4º do Código Civil e podem ter mais de uma interpretação, ou seja, pelo

posicionamento natalista ou pelo concepcionista.

Contudo, nota-se que continua a contradição e a polêmica

quando alguns autores como Caio Mário da Silva Pereira diz: “não há antes do

nascimento personalidade, mas a lei assegura os direitos do nascituro60”.

Concordante, Washintom de Barros Monteiro61 fala que: “a personalidade civil

do homem começa do nascimento com vida; mas a lei dispõe a salvo desde a

concepção os direitos do nascituro”.

Pode-se reconhecer que esses autores sabem que para

ser pessoa e ter personalidade civil, e para ter direitos, é preciso nascer, e

ainda afirmam que o nascituro também tem direito.

Contudo, Maria Helena Diniz entende que a

personalidade jurídica e os direitos da personalidade, como o direito à vida, à 60 PEREIRA , Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 7. ed. V1. Rio de Janeiro: Forense, 1993. 61MONTERIO, Washintom de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

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integridade física e a saúde iniciam com a fecundação e independem do

nascimento com vida.

Parece não existir, essencialmente, a diferença entre o

nascituro e um recém-nascido, já que ambos não teriam condições biológicas

de sobrevivência, tão pouco para atos da vida civil, sem auxilio da

representação dos outros ou pode-se dizer que não se faz a diferença entre um

nascituro e alguém já nascido.

O mesmo é defendido por Nélson Nery Júnior e Rosa

Maria de Andrade Nery62 e por Orlando Gomes63:

Mesmo não havendo nascido com vida, ou seja, não tendo adquirido personalidade jurídica, o natimorto tem humanidade e por isso recebe proteção jurídica do sistema de direito privado, pois a proteção da norma ora comentada a esse se estende, relativamente aos direitos de personalidade (nome, imagem, sepultura etc.). A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida. Não basta o nascimento. É preciso que o concebido nasça vivo. O natimorto não adquire personalidade. Como visto, desde a concepção asseguram-se direitos ao nascituro equiparado que é à pessoa, no seu interesse.

A discussão sobre o assunto do início da personalidade

do nascituro não pode girar em torno apenas do artigo 4º do Código Civil, e sim

na sua totalidade, que é a Lei maior, ou seja, a Constituição da República

Federativa do Brasil.

Para Silvio de Salvo Venosa64, o fato de o nascituro ter

proteção legal não deve levar a imaginar que tenha ele personalidade tal como

a concebe o ordenamento. O fato de ter ele capacidade para alguns atos não

significa que o ordenamento lhe atribua personalidade. Embora haja quem

62 NERY JÚNIOR, Nélson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. 2. ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2003. p. 1790. 63 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p.144. 64 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Parte Geral. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.161/162.

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sufrague o contrário, trata-se de uma situação que somente se aproxima da

personalidade. Esta só advém do nascimento com vida. Trata-se de uma

expectativa de direito.

Esta aparente contradição do sistema jurídico é descrita

pela autora Maria Helena Diniz65, que encontrou uma solução bastante

interessante para o problema.

Poder-se-ia até mesmo afirmar que na vida intra-uterina tem o nascituro (...) personalidade jurídica formal, no que atinja aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos direitos da personalidade, visto ter carga genética diferenciada desde a concepção (...), passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais e obrigacionais, que se encontravam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800, §3°). Se nascer com vida adquire personalidade jurídica material, mas se tal não ocorrer nenhum direito patrimonial terá.

Observa-se, contudo, que a vida e as garantias

fundamentais são tuteladas por normas constitucionais, que se olhadas em um

grau hierárquico no ordenamento jurídico comparando-se às normas ordinárias,

mas resta saber quando estas normas ordinárias ou constitucionais estão

fazendo referência à criança ou ao nascituro.

Ressalta-se ainda, que independente da existência de

posicionamentos contrários, pode-se dizer que o nascituro tem a garantia da

inviolabilidade da vida desde que a concepção seja em decorrência de normas

ordinárias, ou seja, em decorrência das normas constitucionais.

65 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 1, 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.180.

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2.4 Os direitos e garantias da gestante

Quando a gestante comete o crime de aborto, o bem

ofendido por ela é o direito à vida a proteção e tem como Lei maior a

Constituição da República Federativa do Brasil e as demais normas existentes

no ordenamento jurídico, que é o caso do artigo 128 inciso I do Código Penal

que estabelece a hipótese “se não há outro meio de salvar a vida da gestante”.

Assim, o direito à vida é consagrado como um direito

indisponível pela Constituição, o que entra em confronto com o direito e/ou

interesses da gestante que pretende realizar o aborto, seja ele tanto na sua

forma sentimental ou necessária ou até mesmo por analogia na sua forma de

aborto eugênico que vai além do texto legal.

Segundo Edílson Pereira Farias66:

Verificada a existência de uma autêntica colisão de direitos fundamentais cabe ao intérprete-aplicador realizar a ponderação dos bens envolvidos, visando à colisão através do sacrifício mínimo dos direitos em jogo.

Em suma, após tudo que foi apresentado, apenas resta a

gestante invocar o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito

fundamental à vida como fundamento para poder obter a concessão para o

aborto.

Por sua vez, o princípio da liberdade individual garante a

todo individuo o direito a livre tomada de decisão nas suas ações, desde que

estas não interfiram no direito de outrem.

Caso a aplicação prática destes princípios ocorra, isso

garantiria a todas as gestantes o beneficio das técnicas do diagnostico pré-

natal, e se optassem por uma interrupção da gravidez, esta seria perfeitamente 66 FARIAS, Edílson Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem vesus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Renova, 1996. p. 98.

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viabilizada por uma equipe médica e um estabelecimento hospitalar

competente.

O então deputado federal José Genuíno é um dos que se

posicionam há favor desse pensamento67.

Deve caber unicamente à mulher (no máximo ao casal), o direito de decidir sobre a interrupção da gravidez indesejada. Vários especialistas observam que, já nesse período de tempo, é possível detectar, através de exames de ultra-som, doenças futuras ou má-formação do feto. Nesse caso caberia unicamente à mulher ou ao casal a responsabilidade de decidir sobre a possibilidade de ter filho deficiente ou interromper a gravidez.

A gestante que pretende a prática do aborto seletivo visa

o rompimento de um laço biológico que a liga a um organismo natimorto. Já o

que lei objetiva é regular o direito de uma gestação completa para proteger a

vida do ser humano, mas, no caso do aborto seletivo, a vida não florescerá por

uma decorrência natural, biológica e a lei não pode modificar a natureza já

proposta.

Peter Singer diz que68:

Os interesse sérios de uma mulher normalmente prevalecem sobre os interesse rudimentares até mesmo de um feto consciente. De fato até um aborto feito pela mais banal das razões, quando a mulher já se encontrava em estado avançado de gravidez, é difícil de condenar.

Por sua vez, como se não bastassem os argumentos

expostos, faz-se mister dizer que a tristeza, a dor da mãe que vivencia

diuturnamente a formação de uma criança que, se sobreviver à gestação, após

o parto não terá nenhuma chance de vida. 67 GENUÍNO, José. In Jornal Folha de São Paulo. São Paulo, 21 jul. 1994. p. 1-9. Disponível em: <http://www.folha.com.br>. Acesso em: 15 jan. 2007. 68SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.161.

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Cumpre que, ante a ausência de previsão legal, é a ética

que viabiliza a solução dos conflitos envolvendo os interesses da gestante e do

feto. Em virtude dessa lacuna na lei, a melhor maneira de resolver esta lide é

conferir um valor absoluto a nenhum dos direitos em questão, sejam eles da

gestante ou do feto, pois, a resolução deste impasse, inevitavelmente,

implicará a relativização do direito de um desses sujeitos em face do outro.

No próximo capítulo, far-se-ão considerações a respeito

da anencefalia, aborto e direito existentes entre o nascituro e a gestante.

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52

Capítulo 3

ANENCEFALIA, ABORTO E DIREITO

3. DEFINIÇÃO DE ANENCEFALIA

É essencial estabelecer uma diferença entre as mal-

formações que se dividem em dois grupos69: estruturais e funcionais. As

primeiras significam a falta ou mau funcionamento de uma estrutura no

organismo do feto, como é o caso da anencefalia. Já as funcionais são os

vários tipos de retardamento mental.

Etimologicamente, anencefalia significa “sem encéfalo”70,

sendo encéfalo o conjunto de órgãos do sistema nervoso central contidos na

caixa craniana e que começa a se desenvolver bem no início da vida intra-

uterina.

O termo anencefalia vem sendo empregado

erroneamente na maioria dos casos onde se verifica a ausência do encéfalo,

sendo ela parcial ou total. Porém, geralmente os bebês acometidos por essa

malformação possuem boa parte do encéfalo e, dessa forma, deveriam ser

chamados de meroencefálicos, que é a ausência parcial do encéfalo.

69BELO, Warley Rodrigues. Aborto: Considerações Jurídicas e Aspectos Correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 70 DAHER, Marlusse Pestana. Anencefalos, sujeitos de direito. Jus Vigilantibus, Vitória, 25 out. 2004. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/2429>. Acesso em: 02 out. 2007.

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53

Segundo os autores Stanley Robbins71 e Ramzi Cotran, a

anencefalia é “uma malformação da extremidade anterior do tubo neural, com

ausência do cérebro e do calvário”. Já José Aristodemo Pinotti72 define a

anencefalia como “o resultado de falha de fechamento do tubo neural,

decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais durante o primeiro

mês de gestação”.

Essa mal-formação pode ocorrer em um a cinco para

cada 1.000 (mil) nascidos vivos, sendo mais comum no sexo feminino e com

maior freqüência na gravidez de mulheres com mais de 35 anos de idade.

Pensa-se que se desenvolva aproximadamente entre o 20º e 28º dia após a

concepção73.

A maioria dos casos a anencefalia é de etiologia

multifatorial decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais. Os

fatores ambientais envolvidos estão relacionados à exposição materna no

primeiro trimestre de gestação a produtos químicos (solventes orgânicos, etc),

irradiações, ruptura da membrana amniótica, hipertermia materna, diabetes

materna, deficiência materna de ácido fólico, alcoolismo, tabagismo, fármacos

como antidepressivos tricíclicos, antiácidos, antidiarréicos, corticoesteróides,

analgésicos, antieméticos, antibióticos, antiparasitários e antigripais74. A

71 KUMAR, Vinay.; ABBAS, Abel K.; FAUSTO, Nelson.; ROBBINS, Stanley L.; COTRAN, Ramzi S.; Patologia. Bases Patológicas das Doenças. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p.1418. 72 PINOTTI, José Aristodemo. Opinião. Posição da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Disponível em: <http://www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm>. Acesso em: 24 jun. 2007. 73 KUMAR, Vinay.; ABBAS, Abel K.; FAUSTO, Nelson.; ROBBINS Stanley L.; COTRAN, Ramzi S. Patologia. Bases Patológicas das Doenças. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p.1418. 74 OGATA, A.J.N.; CAMANO, L.; BRUNONI, D. Perinatal factors associated with neural tube defects (anencephaly, spina bífida and encephalocele). Rec. Paul. Med., 110:147-151, 1992. MUTCHINICK, O.; OROZCO, E.; LISKER, R.; BABINSKY, V.; NÚNEZ, C. Fatores de riesgo asociados a los defectos de cierre del tubo neural: exposición durante el primer trimestre de la gestación. Gac. Med. Mex., 126:227-234, 1990. SANFORD, M.K.; KISSLING, G.E.; HOUBERT, P.E. Nueral tube defect etiology: new evidence concerning maternal hyperthermia, health and diet. Dev.Med, Child. Neurol., 34:661-675, 1992.

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incidência de malformações do concepto em mães diabéticas é de 6 a 16

vezes maior do que na população geral.

A expectativa de vida para os fetos anencefálicos que

sobrevivem é de apenas poucas horas ou dias, ou raramente poucos meses.

Sendo assim, não há vida duradoura possível para o anencefálico fora do útero

da mãe.

O diagnóstico75 da anencefalia pode ser feito entre a 12ª e

18ª semanas de gestação, através de exame ultra-sonográfico, quando já é

possível a visualização do segmento cefálico fetal. Na maioria das vezes, os

ecografistas preferem repetir o exame em uma ou duas semanas para a

confirmação diagnóstica.

Hoje é possível diagnosticar, cada vez mais cedo e de

forma precisa, as anomalias existentes ainda durante a gestação através de

exames modernos, como o exame de alfafetoproteína76, fetoscopia77 e a

ecografia78, que permite aos especialistas em genética e em medicina fetal

75ANDALAFT Neto, J. Anencefalia: posição da Febrasgo. Disponível em: www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm. Acesso em: 24 jun. 2007. 76 A alfa-fetoproteína é uma glicoproteína produzida pelo tecido fetal e tumores que se diferenciam das estruturas embriônicas de linha média ou mesodérmicas. Durante o desenvolvimento fetal, os níveis de AFP, no soro e líquido amniótico, elevam-se. Altos níveis de alfa-fetoproteína no soro materno entre a 14a e 22a semana de gestação, podem sugerir defeitos do tubo neural fetal, porém confirmação positiva depende dos resultados de amniocentese e ultra-sonografia. Disponível em: <http://www.laboratorioautolab.com/infomed/exames/alfafetoproteina.htm>. Acesso em: 24 out. 2007. 77 A Fetoscopia trata-se de um procedimento onde se associa a ultra-sonografia e a videolaparoscopia, com o objetivo de se visualizar diretamente o feto na cavidade amniótica. Disponível em: <http://www.einstein.br/ maternidade/fetal/fetoscopia.aspda>. Acesso em: 24 out. 2007. 78 A ecografia é um exame que se realiza para se ter a certeza que tudo está decorrendo dentro dos parâmetros da normalidade, durante a gravidez. A técnica é simples: são utilizados ultra-sons, para que possa tornar-se visível num ecrã, o feto que está dentro do útero da mãe. Disponível em: <http://www.prenatal.pt/template/elenco_edit_ma.asp?areaid=823&areacode=BE_LYTGRAV>. Acesso em: 24 out. 2007.

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anteciparem os diagnósticos de mal-formação fetal, e que cirurgiões pediátricos

planejem intervenções cirúrgicas intra-útero ou imediatamente após o

nascimento, ou simplesmente, tranqüiliza as mulheres quanto ao

desenvolvimento da gestação, informando sobre sexo, tamanho e peso do feto.

Se, por um lado, os modernos exames diagnósticos ampliaram as

possibilidades de tratamento fetal, por outro, introduziram o tema do aborto por

mal-formação fetal no cenário do pré-natal79.

Outros tantos exames possibilitam o conhecimento prévio

de graves más-formações congênitas no nascituro e a ciência médica pode

detectar, ainda intra-útero, os mais variados problemas que possa apresentar o

feto e as suas repercussões no ser após o nascimento.

Nos Estados Unidos da América, a incidência de

anencefalia é 1:1000 nascimentos. Na Irlanda e Países de Gales, 5 a 7:1000

nascimentos. Na França e no Japão, 0.1 a 0.6:1000 nascimentos80.

São descritas algumas porcentagens de anencefalia no

Brasil: em 75% dos casos de anencefalia, há aborto natural nos primeiros

meses de gestação. De cada 10.000 (dez mil) nascimentos, 8.6% apresentam

tal anomalia, sendo que de 40 a 60% dos anencefálicos sobrevivem logo após

o parto, apenas 8% sobrevivem mais de uma semana e 1% vive entre 1 e 3

meses81. Sabe-se de um único caso de sobrevivência até 14 meses e dois

casos de sobrevivência de 7 a 10 meses, sem recorrer à respiração mecânica.

Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o

quarto país do mundo em partos de anencefálicos, estando atrás do México,

79 DINIZ, Débora. Quem Autoriza o Aborto Seletivo? Médicos, promotores e juízes em cena. Série Anis 27, Brasília: Letras Livres, 2003 jul. p.1-11. Disponível em: www.anis.org.br. Acesso em: 29 mar. 2007. 80 OGATA, A.J.N., CAMANO, L., BRUNONI, D. Perinatal Factors Associated With Neural Tube Defects: anencephaly, spina bífida and encephalocele. Rec. Paul. Med., 110:147-151, 1992. 81 OLIVEIRA, A. A. S. Anencefalia e transplante órgãos. Revista Brasileira de Bioética. Brasília. v. 1, n 1, 2005. p.63.

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Chile e Paraguai82. No Hospital das Clínicas em São Paulo, um verdadeiro

destaque no cenário clínico-hospitalar, todo mês ocorrem 2 (dois) ou 3 (três)

casos de fetos com essa patologia83.

Apesar do grande avanço da medicina em todas as áreas,

mesmo que possam ser realizados tratamentos farmacológicos ou cirúrgicos no

feto ainda no útero da mãe, a sobrevivência do anencefálico, como já foi dito, é

muito reduzida. Dar-se-á um risco muito elevado no instante do parto, devido

ao forte efeito que o tecido nervoso sofre, já que não está protegido pelas

estruturas ósseas que ali deveriam estar, colocando também em risco a vida da

gestante.

A permanência do feto anômalo no útero da mãe é

potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até

perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-útero desses fetos. De

fato, a mal-formação fetal empresta à gravidez um caráter de risco,

notadamente maior do que o inerente a uma gravidez normal84.

O diagnóstico dessa mal-formação gera um profundo

sentimento moral nas famílias envolvidas e também para os profissionais da

saúde, que muitas vezes ficam hesitantes e perdidos, sem saber o que fazer.

Débora Diniz85 discorrendo sobre o assunto preleciona:

O diagnóstico de má-formação fetal, principalmente as incompatíveis com a vida extra-uterina, não compõe o rol de

82 CANTARINO, C. Mulher ou Sociedade: quem decide sobre o aborto? Com Ciência. Revista Eletrônica de Publicação Científica 10/04/05. Disponível em: <http://www.comciencia.br/ reportagens/2005/05/05.shtml>. Acesso em: 10 out. 2007. 83 GOMES, Luiz Flavio. Nem Todo Aborto é Criminoso. Revista Síntese do Direito Penal e Processo Penal. Porto Alegre. v. 5, n. 28, out./nov. 2004. p33-34. 84 BARROSO, Luís Roberto. CNTS defende direito a aborto em caso de feto anencefálico, Revista Consultor Jurídico, 18 jun. 2004. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/ static/text/25276,1>. Acesso em 12 jun. 2007. 85 DINIZ, Débora. RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Livres, 2004. p..53.

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expectativas das mulheres grávidas. O diagnóstico de má-formação fetal é, sem sombra de dúvida, uma das experiências mais angustiantes que uma mulher grávida pode experimentar.

O ato de nascer de um filho deve sempre ser motivo para

comemoração, alegria e vida, não um motivo de desapontamento. O

nascimento é o conjunto de tudo isso, sendo bem diferente do clima triste e

fúnebre que pode gerar a gestação e/ou nascimento de um feto anencefálico.

O tratamento médico seria o primeiro problema

enfrentado após o nascimento com vida do feto, pode-se dizer que os

problemas se configuram bem mais vastos e controvertidos, já com relação os

aspectos relativos ao possível uso dos fetos nascidos com essa deficiência

como doadores de órgãos para transplante, esse adquiriu grande importância

devido aos progressos das técnicas dos transplantes que são realizados de

forma muito escassa para esta específica faixa etária.

3.1 Transplantes com órgãos oriundos de fetos anencefálicos

São inúmeras as mal-formações associadas a

anencefalia. As mais graves e freqüentes são as mal-formações de órgãos

cranianos, como olhos, ouvidos e hipófise. Tal incidência fez com que se

concluísse que rins, fígado e coração, mesmo geralmente de dimensões mais

reduzidas em relação ao peso corpóreo e acometidos por uma porcentagem

maior de más-formações, são, na maioria dos fetos anencefálicos nascidos

vivos, aptos a serem transplantados86.

A anencefalia, que significa a ausência no feto dos dois

hemisférios cerebrais, não corresponde no plano médico à morte cerebral, cujo

sinal inequívoco reside na verificação da ausência de função total e definitiva

86 REZENDE, Jorge. Obstetrícia. 8 ed. São Paulo: Guanabara-koogan, 1998. p. 815.

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do tronco cerebral e é necessária para que possa ocorrer o transplante de

órgãos.

Hoje em dia, na literatura médica, pode-se encontrar

algumas críticas aos critérios adotados para a chamada “morte encefálica”,

que é quando ocorre a morte do encéfalo e cessam todas as atividades do

cérebro e do sistema nervoso central, atingindo a estrutura encefálica.

De acordo com o artigo 1º da Resolução n.° 1.480, do

Conselho Federal de Medicina, "a morte encefálica será caracterizada através

da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de

tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias". Acontece que os

exames complementares citados no artigo 6º da mesma resolução são

necessários para constatação de morte encefálica e deverão demonstrar de

forma inequívoca: a) ausência de atividade elétrica cerebral; b) ausência de

atividade metabólica cerebral e; c) ausência de perfusão sanguínea cerebral.

Além disso, só poderão ser realizados em seres humanos com no mínimo sete

dias de vida e, geralmente, os anencefálicos que chegam a nascer morrem

clinicamente durante a primeira semana de vida, não sendo possível a

realização destes testes com esses.

Logo, pode-se vislumbrar que o sujeito é considerado

morto quando sua passagem pelo protocolo não revela possibilidade de

sobrevivência. Este conceito clínico é recepcionado juridicamente para permitir

o transplante de órgãos.

Verificando a Lei 9.434/97, que regula os transplante de

órgãos e estabelece as exigências para a doação dos mesmos, em seu artigo

16, deixa clara sua exigência:

A retirada de tecidos, órgãos e partes poderá ser efetuada no corpo de pessoas com morte encefálica. (grifo nosso)

§ 1º - O diagnóstico de morte encefálica será confirmado, segundo os critérios clínicos e tecnológicos definidos em

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resolução do Conselho Federal de Medicina, por dois médicos, no mínimo um dos quais com título de especialista em neurologia reconhecido no País.

A ausência de atividade cerebral é considerada, para fins

jurídicos, o conceito legal de morte que ampara a possibilidade de iniciar-se o

procedimento de retirada dos órgãos para doação. É importante salientar que

para a declaração final de morte encefálica é indispensável a ausência de

respiração sem o auxílio de respiradores mecânicos, o que confirma a

necessidade de lesão total de todo o encéfalo.

O artigo 13 da referida lei dispõe sobre a retirada de

órgãos, tecidos e partes do corpo para fins de transplantes e tratamentos,

sendo clara quando estabelece que o diagnóstico de morte está ligado ao

perecimento cerebral que se confirmou durante uma reunião do Plenário do

Conselho Federal de Medicina (CFM), no dia 08 de setembro de 2004, onde foi

colocado em pauta a discussão sobre a aprovação do uso de órgãos de

anencefálicos para transplante. Ao final da discussão, o Conselho Federal de

Medicina, aprovou o parecer de Nº 24, de 9 de maio de 2003, do conselheiro

Marco Antônio Becker, que traz a seguinte recomendação:

Uma vez autorizado formalmente pelos pais, o médico poderá proceder ao transplante de órgãos do anencéfalo após a sua expulsão ou retirada do útero materno, dada a incompatibilidade vital que o ente apresenta, por não possuir a parte nobre e vital do cérebro, tratando-se de processo irreversível, mesmo que o tronco cerebral esteja temporariamente funcionante. (grifo nosso)

Já no início de 2004, o médico Sérgio Ibiapina Ferreira

Costa87, faz uma crítica severa:

Trata-se de decisão ética das mais difíceis na prática clínica considerar como apto para a doação de órgão recém-nascido com o tronco encefálico ‘funcionante’, não importa quanto tempo, portanto, vivo. O próprio Conselho Federal de Medicina,

87COSTA, Sérgio Ibiapina Ferreira. Anencefalia e Transplante: Revista da Associação Médica Brasileira, jan./mar. Vol. 50 nº 1. São Paulo. 2004. p. 10.

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na resolução que dispõe sobre a morte encefálica define alguns pontos que não devem suscitar dúvidas para a sociedade quanto aos critérios de um ente morto. Com esse propósito, convém enfatizar que o anencéfalo, mesmo com a baixa expectativa de vida, detém tronco encefálico, respira após o nascimento, esboça movimentos e, na condição de ser vivente, a ninguém é dado o direito de praticar homicídio, promovendo a retirada de órgãos para serem transplantados.

Deste modo, levando-se em conta tudo o que foi exposto,

conclui-se que os critérios de morte encefálica são inaplicáveis com relação ao

feto anencefálico. Isto porque, não se pode pretender que um ser humano que

padece da falta de parte do tecido cerebral, mas que mantém as demais

funções vitais, seja considerado morto por antecipação, porque em alguns

casos, dependendo do grau de lesão do tronco cerebral pela anencefalia, os

fetos portadores desta anomalia são capazes de respirar sem o auxílio de

qualquer tipo de aparelho.

3.2 Aborto em caso de Anencefalia: uma lacuna na lei

Conforme foi explanado no primeiro capítulo dessa

pesquisa, a lei apenas admite a prática do aborto em dois casos com as

excludentes punitivas: a primeira é a terapêutica (aborto necessário); a

segunda, é no caso de gravidez resultante de estupro, com firme motivação

humanitária. Deve-se observar que o Código Penal, quando promulgado em

1940, o legislador não via a necessidade de tipificar tal fato, pois a anencefalia

era algo desconhecido na época. Cezar Roberto Bitencourt88 refere justamente

que “o Código Penal de 1940 foi publicado segundo a cultura, costumes e

hábitos dominantes na década de 30”. Não sendo mais aceitáveis os critérios

sociais ou científicos da época como parâmetro para os dias atuais, continua

Bitencourt: “já se passaram sessenta anos, e, desse lapso, não foram apenas

88 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, Parte Especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2001. p.156.

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os valores da sociedade que se modificaram, mas principalmente os avanços

científicos e tecnológicos, que produziram verdadeira revolução da ciência

médica”.

É necessário lembrar que o Direito penal, nas palavras de

Basileu Garcia89:

É um conjunto de normas que o Estado estabelece para combater o crime, através das penas e medidas de segurança. “É, portanto, um instrumento de controle social. Esse conjunto de normas que o Estado estabelece tem obviamente, uma finalidade, que é a tarefa do Direito Penal, e que consiste na proteção dos bens jurídicos e a salvaguarda da paz jurídica”90.

Nesse sentido, Silva Sánchez91 refere que “a exigência de

que o Direito penal intervenha exclusivamente para proteger bens jurídicos

(penais) constitui uma garantia fundamental do Direito penal moderno”. Já

Johannes Wessels92 assevera que “a missão do Direito penal consiste em

proteger os valores elementares fundamentais da vida em comum dentro da

ordem social e em garantir a salvaguarda da paz jurídica”, acrescentando que

“por bens jurídicos designam-se os bens vitais, os valores sociais e os

interesses juridicamente reconhecidos do indivíduo ou da coletividade, que, em

virtude de seu especial significado para a sociedade, requerem proteção

jurídica”.

Não é sem razão, portanto, que Raul Eugênio Zaffaroni93

enfatiza que:

89 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 5 ed. São Paulo: Max Limonad, 1980. p. 8. 90 WESSELS, Johannes. Derecho Penal - Parte general. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 3. 91 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Aproximación al Derecho Penal Contemporâneo. Barceloa: José Maria Bosch Editor, 1992. p.267. 92 WESSELS, Johannes. Derecho Penal - Parte general. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 3. 93 ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Manual de Derecho Penal. 6 Ed. Buenos Aires: Ediar, 1991. p.382/383.

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O tipo penal não nasce ao acaso. Ele é, antes, produto de uma reflexão social, de uma construção fórmula de proteção do bem, e deságua no tipo legal, que nada mais é do que a descrição da conduta violadora da norma e que atinge ou expõe o bem tutelado a perigo lógico que parte da visão do bem a ser tutelado, passa pela norma.

Entretanto, os Códigos penais de edição mais moderna,

como o espanhol, de 1995, já prevêem uma clara ampliação das hipóteses de

exclusão da antijuridicidade no aborto para incluir hipóteses inclusive mais

amplas que a anencefalia94, mantendo sempre, a permissividade para a

expulsão do feto gerado em situação de estupro.

As duas situações, da gravidez resultante de estupro e da

gestação de um anencefálico, no que tange ao período gestacional, produzem

semelhante aflição psicológica na mulher. A primeira, porque os nove meses de

gestação representam uma suprema exigência e sofrimento da mãe que a cada

instante estará revendo as cenas aterrorizantes que produziram esta gravidez.

A segunda, porque a cada dia estará vendo que seu filho esta um passo do

caminho da morte. Por não haver uma distinção possível no âmbito destas

duas situações, do ponto de vista dos valores jurídicos, os direitos deverão ser

preservados da mesma forma.

Porém, isso não ocorre porque, segundo Claus Roxin95, “é

justamente o espaço de contraposição entre os valores, é o âmbito da solução

social de conflitos, o campo no qual os interesses individuais conflitantes ou

necessidades sociais globais entram em choque com as individuais”. Aqui

aparece a necessidade de se avaliar a preponderância da pretensão individual

94 O artigo 417 do Código Penal espanhol prevê o aborto eugenésico ou embriopático: “Que se presuma que o feto deverá nascer com graves taras físicas ou psíquicas, sempre que o aborto se pratique dentro das vinte e duas primeiras semanas de gestação e que o parecer, expresso com anterioridade à prática do aborto, seja emitido por dois especialistas de centro o estabelecimento sanitário, público ou privado, cadastrado a estes efeitos, e distintos daquele sob cuja direção se pratique o aborto”. 95 ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema de Direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.15.

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contra o interesse coletivo. Por isso, situações de idêntica aflição, como nesse

caso, devem merecer idêntico tratamento por parte do direito.

O caso de anencefalia foi levado à apreciação do

Supremo Tribunal Federal e gira em torno de uma terceira exceção possível

denominada, erroneamente, de aborto eugênico, ou seja, configurada a mal-

formação fetal, como é o caso do feto anencefálico, justificar-se-ia o

abortamento e a exclusão de punibilidade da mãe ou de terceiros, lembrando

que o aborto de feto anencefálico não se enquadra nos tipos penais desse

crime (observados nos artigos 124 a 127 do Código Penal).

O assunto já vem sendo debatido desde 1997, quando o

então Ministro da Justiça Íris Resende, estabeleceu uma comissão para

atualização da Parte Especial do Código Penal. A audiência foi presidida pelo

Ministro do Supremo Tribunal de Justiça Luiz Vicente Cernicchiario (hoje

aposentado), sendo o resultado entregue ao então Ministro Renan Calheiros,

no referente à exclusão de ilicitude na hipótese do aborto eugênico, aqui

também denominado erroneamente, nos seguintes termos: "Exclusão de

ilicitude - prevista no art. 128, III: Não se pune o aborto praticado por médico:

se há fundada possibilidade, atestada por dois médicos, de o nascituro

apresentar graves e irreparáveis anomalias que o tornem inviável.96”

Pode-se concluir que há possibilidade de se acrescentar

mais uma excludente de ilicitude para o crime de aborto no Código Penal,

todavia, a visão do positivismo jurídico não é a única a ser analisada e, muito

menos, a interpretação da lei não deve ser superficial.

Entre as mulheres que praticam o aborto de feto

anencefálico, é unânime que elas o fazem com um sentimento de culpa e

carregadas de dor que vão levar para o resto de suas vidas, uma vez que a

96 COUTINHO, Augusto Luiz. Anencefalia: Novos Rumos para a Ciência Jurídica. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre. V.5. nº29 dez/ jan. 2004.

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depressão, a agressão e os problemas psicológicos posteriores ao aborto são

os resultados sofridos pelas mulheres que abortam97.

Deste modo, mesmo quando a mulher decide pela

interrupção da gravidez, ela é obrigada a levar a gravidez a termo. Considera-

se essa atitude uma ofensa a sua dignidade, sendo conseqüentemente

abalada sua saúde psíquica e assim sua qualidade de vida, uma recente

pesquisa revelou que, no caso da anencefalia, a interrupção voluntária da

gravidez acontece em cerca de 80% dos casos98.

O jurista Alberto Silva Franco99 diz:

A mulher, gestante de feto anencefálico, não tem em seu útero um ser vivo, mas sim carrega, em suas entranhas, um ser condenado irreversivelmente à morte. Impedi-la de antecipar o parto, significa deixá-la, meses a fio, convivendo com a expectativa de um nascimento frustrado, o que constitui, sem nenhuma margem de dúvida, agravo à saúde física e psicológica.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,

no dia 16 de agosto de 2004, deliberou, por maioria de votos, que a interrupção

da gravidez de feto anencefálico não é considerada prática abortiva. A matéria

foi examinada pelos 81 advogados que compõem o Conselho, na sede da

Ordem dos Advogados do Brasil, após a decisão do ministro do Supremo

Tribunal Federal Marco Aurélio que concedeu uma liminar reconhecendo o

direito constitucional de gestantes que decidam realizar operação de parto de

fetos anencefálicos100.

97PESSANI, Leo. Barchifonteine, Chistian de Paul de. Problemas Atuais de Bioética. 4 ed. São Paulo: Loyola, 1997. p. 267-268. 98 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997. p 50 99 FRANCO, Alberto Silva. “Um Bom Começo”. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Ano 12, nº 143, Outubro/2004, São Paulo: IBCCrim, 2004, p. 2. 100 TOURINHO, A. Conselho Federal da OAB (Brasil). Interrupção de gestação de anencefálico não é aborto. Disponível em: <http://wwww.ghente.org/doc.juridicos/parecer.oab.anencefalo>. Acesso em 23 jul. 2007.

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Logo após, o Desembargador Alberto Franco, ao

encaminhar o anteprojeto de Lei da Comissão para Reforma do Código Penal,

deixa claro que se deva excluir da antijuridicidade o aborto praticado no caso

de feto inviável. Uma vez aprovado o anteprojeto, as autorizações seriam

desnecessárias como excludente de ilicitude e não haveria causa para

invocação da prestação jurisdicional.

3.2.1 Ausência da Tipicidade Material na Interrupção da Gestação do Anencefálico

Quando a ausência da tipicidade material parece clara ao

legislador, a melhor forma seria a imposição de uma pena certa a determinada

conduta, ou seja, estabelecer uma proibição, visando punir determinados

agentes, por suas ações ou omissões.

Daí se faz necessária a análise no caso em apreço, a

respeito do modo pelo qual a conduta possa atentar contra bem jurídico

penalmente protegido. Convém aqui citar a lição de Heleno Cláudio Fragoso101:

Objeto substancial do crime é aquilo que a ação delituosa atinge; é o conteúdo material ou realístico da norma penal. Para que se chegue a conhecer essa realidade que a ação incriminada atinge, é indispensável, sem dúvida, partir de um exame do sentido da ordem jurídica em geral, e da ordem jurídico-penal em particular.

Da lição de Fragoso flui que não basta pensar na

expressão formal da norma, é necessário explorar a respeito dos valores que

estão por trás da norma no bem jurídico protegido e na capacidade da norma

em expressar esta proteção. É importante situar o bem jurídico como razão de

101 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. vol. 1, ed.15ª .Rio de Janeiro: Forense, 1995, pp. 264/265.

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ser da norma, como “um valor da vida humana que o direito reconhece e cuja

preservação é disposta a norma jurídica102”.

O feto anencefálico trata-se de um ser destituído de

qualquer possibilidade de vida extra-uterina, consoante a unânime opinião da

ciência médica, justamente pela falta de atividade cerebral.

Morte e vida são antônimos, tanto do ponto de vista

natural quanto jurídico. Se a falta de atividade cerebral representa morte,

inclusive como conceito jurídico e se morte é o contrário de vida, devemos

concluir que não é possível proteger o bem jurídico “vida” onde ela não existe.

Não há qualquer possibilidade de se falar em atividade

cerebral e, portanto, em vida no quadro de anencefalia. Diante disso, é correto

pensar que a conduta típica não encontra enquadramento no capítulo dos

crimes contra a vida, ou seja, resguardar a vida do feto é impossível dada a

anencefalia, daí porque, sendo a vida inviável, a interrupção da gestação é

uma conduta que não atinge o bem jurídico visado pela norma penal, e não

havendo bem jurídico a ser protegido, da mesma forma, não há tipicidade

penal.

Contrariamente a esse pensamento, convém destacar

que não se trata de o Estado obrigar as gestantes de fetos anencéfalicos a

manterem sua gestação, negando-lhes o pedido de interrupção terapêutica,

mas simplesmente assegurar o direito à vida do nascituro, especialmente,

quando na hipótese não é admito a certeza decantada acerca dos exames

realizados. O Direito penal não pode trabalhar com o escopo de, pela

inflexibilidade, tornar-se cruel, não há porque fazer incidir a norma

incriminadora.

102 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. v. 1, 15 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 265.

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3.2.2 Pensamentos de doutrinadores

Como se sabe, muitas vezes o direito extrai alguns de

seus conceitos das ciências naturais, outros das ciências sociais e outros ainda

da experiência empírica. Outras tantas vezes, o direito estabelece seu próprio

conceito a respeito de determinados objetos ou fatos, que não

necessariamente coincide com o conceito comum. Deste modo, verifica-se que

o entendimento doutrinário pode encontrar-se em desarmonia, não resolvendo

de forma alguma a “omissão” na legislação pertinente.

Alguns doutrinadores defendem, com muito domínio, a

atipicidade do aborto seletivo partindo-se do pressuposto de que o bem jurídico

tutelado pelo direito positivo, a vida intra-uterina, não existiria em face de não

haver expectativa de vida do concepto.

Seis dos onze Ministros já deram evidências em

julgamentos de que votarão a favor do direito da mulher de optar por

interromper a gravidez se for detectada a anencefalia. Entre os seis, está o

Ministro Marco Aurélio de Mello que considera103 que o fato não se trata de

aborto, já que não há chance de sobrevivência do feto fora do útero, pois

consisti na afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc.

IV, da Constituição Federal), da legalidade, da liberdade e da autonomia da

vontade (art. 5º, inc. II, da Carta), além de aviltamento do direito à saúde (art.

103 O Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, na argüição formulada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na saúde, de descumprimento de preceitos fundamentais – da dignidade da pessoa humana, da legalidade, em seu conceito maior, da liberdade e autonomia da vontade e do direito à saúde – consagrados pela Constituição Federal de 1988, concedeu liminar, ad referendum do Tribunal Pleno, para sobrestar os processos e decisões não transitadas em julgado e para reconhecer “o Direito Constitucional da gestante de se submeter à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto” e o “risco de manter-se com plena eficácia o ambiente de desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados” (Medida cautelar em argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 54 – 8, Diário da Justiça, Seção 1, nº 147, de 2 de agosto de 2004, pp. 64/65)”.

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6º e 196, da CF/88), em virtude da estrita subsunção da tipificação criminal do

aborto, previstas no art. 124 e seguintes do Código Penal.

Mário Sebastiani104, médico do Hospital Italiano de

Buenos Aires, também defende o procedimento abortivo para fetos

malformados que não conseguiriam ter uma sobrevida:

Procura-se demonstrar que a interrupção da gestação de um feto anencefálico merece considerações especiais, que têm um fundamento moral e ético, e que podem constituir uma diferença clara com o aborto. Propõe-se que essas situações sejam avaliadas por comitês de bioética, sendo diagnosticado por médicos, biólogos, filósofos, teólogos e juristas.

Alexandre Moraes105 também defende que a vida do feto

não estará mais presente após alguns dias do parto, já o dano psicológico

sofrido pela mãe poderá se verificar após vários anos de gestação ilusória.

Nesse mesmo diapasão, podemos verificar a doutrina de

Débora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro106:

O Direito Penal, ao punir o aborto, está, efetivamente, punindo a frustração de uma expectativa, a expectativa potencial de surgimento de uma pessoa. Por essa razão, o crime de aborto é contra uma futura pessoa – nesse ponto reside a sua virtualidade - não porque o Código Penal teria atribuído o status de pessoa ao feto – o que nem o Código Civil atribuiu -, mas porque o feto contém a energia genética potencial para um futuro próximo, constituir uma realidade jurídica distinta de seus pais, o que ocorrerá se for cumprido o tempo natural de maturação fetal e se o parto ocorrer com sucesso. [...] Isso significa que só a conduta que frustra o surgimento de uma pessoa tipificaria o crime de aborto.[...] Esse feto portador de inviabilidade extraordinária não é sujeito passivo do crime de aborto, pois não apresenta aptidão para atingir o status de

104 SEBASTIANI, Mario. Anencefalia: análisis ético de la interrupción de la gestación. In Nexo revista del Hospital Italiano de Buenos Aires, V. 21, n. 1, jul. 2001. p. 18-21 105 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 106 DINIZ, Débora. RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por Anomalia Fetal. Brasília: Letras Livres, 2004. p.53.

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pessoa, para ser investido, com o nascimento, dos demais atributos da personalidade.

É certo que a vida intra-uterina seguiria merecendo

proteção do Estado, inclusive penal, em hipóteses de aborto sem o

consentimento da gestante ou quando o feto é dito normal. A questão que se

põe em discussão não se adentra aqui, é entre ser ou não ser admissível social

e juridicamente, a prática abortiva por opção da gestante.

Anelise Tessaro107, a respeito do tema, diz textualmente:

Faz-se necessária e urgente uma adequação legal aos avanços da tecnologia médica, ressaltando o alto grau de confiabilidade conferido aos exames pré-natais, garantindo assim a todas as gestantes que se depararem com esse dilema, o direito de optar livremente entre interromper ou levar a termo esta gravidez, conforme suas convicções pessoais. Alem disso, o direito a interrupção da gravidez assegura a gestante que este procedimento será conduzido por profissional habilitado e realizado em estabelecimento médico-hospitalar adequado, reservando-a dos riscos de um aborto clandestino. (grifo nosso).

Desta forma, a doutrina, com estes argumentos, persegue

a legalização do aborto por feto inviável. Ressalta-se que a legalização

almejada trás para a gestante uma possibilidade de legalização do aborto

cometido com o seu consentimento, ficando esta previsão restrita à autorização

da mãe, como a legalização do aborto precedido de estupro. Esta possibilidade

busca também a liberdade de opção da mãe e de sua livre escolha.

Contudo, outra corrente doutrinária considera o aborto de

fetos anencefálicos como ato típico do aborto “eugênico” cometido pela

gestante.

107TESSARO, Anelise. Aborto Seletivo. Curitiba: Juruá, 2002, p. 109.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente108 em seu artigo

7º dispõe que sempre hão de ser tomadas medidas que permitam o

nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso da criança.

Nelson Hungria109, um dos mais respeitados penalistas do

Brasil, tem o mesmo entendimento e preleciona que o legislador acertou em

repelir a legitimidade do aborto eugênico:

O Código não inclui entre os casos de aborto legal o chamado aborto eugenésico, que, segundo o projeto dinamarquês de 1936, deve ser permitido quando existe perigo certo de que o filho, em razão de predisposição hereditária, padecerá enfermidade mental, imbecilidade ou outra grave perturbação psíquica, epilepsia ou perigosa e incurável enfermidade corporal. Andou acertadamente o nosso legislador em repelir a legitimidade do aborto eugenésico, que não passa de uma das muitas trouvailles dessa pretensiosa charlatanice que dá pelo nome de eugenia. Consiste esta num amontoado de hipóteses e conjeturas, sem nenhuma sólida base científica. Nenhuma prova irrefutável pode-a fornecer no sentido da previsão de que um feto será, fatalmente, um produto degenerado. Eis a incisiva lição de Von Franqué: Não há doença alguma da mãe ou do pai, em virtude da qual a ciência, de modo geral ou nalgum caso particular, possa, com segurança, prever o nascimento de um produto degenerado, que mereça, sem maior indagação, ser sacrificado... Os enfermos mentais, posto que capazes de reprodução, podem ter descendentes inteiramente sãos e de alta espiritualidade... A grande maioria dos tuberculosos gera filhos perfeitamente sãos e até mesmo robustos.

E no mesmo sentido de Hungria, tem entendido Francisco

de Assis Toledo110 que “não pode o legislador prever todas as mutações das

condições materiais e dos valores ético-sociais, a criação de novas causas de 108 BRASIL. Lei 8069 de 13 de julho de 1990 que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 18 out. 2007. 109 HUNGRIA, Nelson Heleno Fragoso. Comentários ao Código Penal. Uberaba: Forense, 2004, volume V, pág. 275 110 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito penal. 5 ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 171.

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justificação, ainda não traduzidas em lei, torna-se uma imperiosa necessidade

para a correta e justa aplicação da lei penal”.

Já Dernival da Silva Brandão111 em seus esclarecimentos

quase proféticos alerta:

É importante esclarecer que o aborto provocado para matar um nascituro doente não tem a conotação do denominado aborto terapêutico, e sim de: como no caso da gestante que tenha contraído rubéola, mata-se a criança não nascida diante da possibilidade de que venha a nascer doente. No entanto estão a autorizar e a fazer abortos eugênicos, em casos de malformações, como, por exemplo, os anencefálicos, rotulando-os de ‘ terapêuticos’. Caso esta prática nefanda venha a se tornar rotineira com os anencéfalos e estendida a outras malformações, não é difícil concluir que servirá de argumento para legalização do aborto eugênico. (grifo nosso).

Conclui-se do raciocínio doutrinário que a tutela do bem

jurídico assume importância capital no delineamento do tipo penal, de modo

que, sem afetar o bem jurídico protegido em questão, “a vida”, não há

dimensão material da tipicidade e deste modo, não há fato típico com

relevância penal.

3.3 Tendências Jurisprudenciais acerca do aborto de Anencefálicos

As tendências jurisprudenciais de nossos tribunais têm

surgido na sociedade de forma antagônica, ocorrendo isso também nas

decisões monocráticas de primeira instância. Diariamente pode se observar

decisões que permitem o aborto em casos de anencefalia e outras em que

esse direito é negado a gestante. Em algumas situações, os casos concretos

111 HOUAISS. Antônio. Enciclopédia e Dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Delta, 1994. p. 642.

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foram levados até a mais alta corte da justiça brasileira, o Supremo Tribunal

Federal que ainda não teve a oportunidade de se pronunciar sobre o tema e de

pacificar a controvérsia desta questão devido à demora para que esses

processos sejam julgados e quando julgados já perderam o seu objeto da ação

que seria o aborto do feto.

Como foi demonstrado anteriormente, hoje existem no

Congresso Nacional, vários projetos de lei que visam desde a legalização

completa do aborto até o aumento dos dispositivos legais permissivos, mais,

contudo, não passam de apenas projetos, e que por morosidade do Poder

Legislativo, não são colocados em pauta para votação.

Porém, convêm destacar que a abordagem jurisprudencial

possui, neste trabalho, um caráter meramente ilustrativo e não exaustivo,

portanto, não esgota a pesquisa jurisprudencial.

3.3.1 Alvarás judiciais

Os alvarás judiciais têm procedência da relação médico-

paciente (ou médico-casal). Depois de tomada a decisão pela família, tanto o

médico como a família do feto, se acham na obrigação de buscar a decisão

judicial e encontrar fundamentos aos atos que são moralmente desprezados

pela Sociedade.

Os pedidos de qualquer tipo de autorização judicial para a

prática do aborto requer tempo e para um fato determinado, como é o caso de

uma gravidez, a demora pode-se transformar em verdadeira tortura psicológica.

Contudo, na falta de algum permissivo legal que orientem

os Magistrados e a própria Sociedade brasileira, verifica-se, no dia a dia

forense, várias solicitações de alvarás judiciais, sendo este por muitas vezes

concedidos.

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Conforme Anelise Tessaro112:

Aspecto que merece destaque é o fato de alguns magistrados ressaltarem que a falta de previsão legal expressa não autoriza o judiciário a deixar sem solução uma controvérsia, principalmente porque as leis retratam o posicionamento de um determinado momento histórico, e necessitam de uma adequação para atender aos fins da sociedade contemporânea.

Thomaz Rafael Gollop113 estima que existam cerca de

trezentos e cinqüenta alvarás autorizando a interrupção da gravidez nos casos

de fetos anencefálicos, sendo que o primeiro data de 1991, em Rio Verde,

estado do Mato Grosso. O argumento da jurisprudência acumulada é então

utilizado como prova da necessidade de legitimação da prática através de sua

descriminação.

Caso seja aprovado o projeto de lei que cria uma nova

redação ao artigo 128 do Código Penal brasileiro, ou mesmo que seja criado

um novo dispositivo específico sobre o assunto que afaste a ilicitude do aborto

de fetos com más formações incompatíveis com a vida extra-uterina, a

semelhança com outras excludentes de ilicitude que já existem na legislação

tornariam as autorizações desnecessárias.

Se estiver expressa na legislação a antijuridicidade para

os casos de fetos malformados incompatíveis com a vida, não há que se falar,

nem propor a autorização judicial, restando apenas ao Juiz declarar a

inexistência de crime e não mais lhe cabendo conceder a autorização.

Muitos juízes têm deferido autorizações para interrupção

de gravidez de fetos malformados com base em princípios constitucionais. Já

112 TESSARO, Anelise. Aborto seletivo: descriminalização & avanços tecnológicos da medicina contemporânea. Curitiba: Juruá, 2002. 113 GOLLOP, Thomaz Rafael. Riscos graves à saúde da mulher: Anencefalia: o pensamento brasileiro em sua pluralidade (documento). Brasília: Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Org.), 2004. p. 110.

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outros usam a analogia em boa parte, pois o prosseguimento desse tipo de

gravidez acarretará sérios danos à saúde da gestante, podendo ser comparado

com o estado de necessidade citado pelo Código Penal em seu artigo 24114.

E complementa Anelise Tessaro115, asseverando:

Observa-se que os magistrados, ao deferirem os pedidos de interrupção de gravidez de feto inviável, reconhecem no desenvolvimento científico e tecnológico da medicina, a possibilidade de um diagnóstico pré-natal seguro e preciso, atestando a impossibilidade de sobrevida extra-uterina, constituindo-se em um expediente legítimo apto a ensejar tais autorizações.

Seguindo a mesma esteira de raciocínio, a conclusão que

se chega é que não há necessidade de autorização judicial para a realização

de aborto seletivo, pois o cidadão não precisa de uma autorização para praticar

algo a que este não está proibido. Seria de certa forma um autoritarismo exigir

que as pessoas, para agirem dentro de seu campo de liberdade, tenham de

pleitear autorização de órgão do Estado. O Estado desde que foi criado só

intervém quando necessário ou quando a lei lhe permite, isso já foi

estabelecido desde os tempos primórdios.

Em virtude disso e reafirmando a informação anterior, o

debate em torno da realização do aborto na hipótese de o feto

lamentavelmente padecer de anencefalia tem, no Brasil, sido muito mais

dominado por valores morais e até mesmo religiosos do que pela racional

análise do papel do Estado. Outrossim, foi-se o tempo em que a ausência de

legislação era capaz de por termo ou sobrestar algum processo judicial, hoje se

verifica a necessidade de avaliar e encontrar alguma solução serena e,

114 Considera-se, em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se. 115 TESSARO, Anelise. Aborto Seletivo: descriminalização & avanços tecnológicos da medicina contemporânea. Curitiba: Juruá, 2002.

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sobretudo urgente, a fim de não perecer o objetivo maior tutelado pelo Estado,

ou seja, a solução pacífica dos conflitos116.

3.3.2 A propensão dos acórdãos jurisprudenciais

O posicionamento de alguns tribunais e Magistrados “a

quo” que se arriscam a decidir sobre o confronto entre o ofício pelo qual estão

investidos na profissão e o conservadorismo da sociedade em restringir

qualquer forma de aborto, faz com que apareça um sentimento de injustiça,

fazendo nascer decisões divergentes e controvertidas sobre o tema em

questão.

Partindo desta análise, a legalização do aborto por

anomalia fetal sem perspectiva de vida encontra respaldo apenas pelos alvarás

judiciais que se prevalecem do direito à dignidade da pessoa humana em

coesão com o direito à vida e o direito à liberdade, busca-se a adequação entre

o meio mais adequado e a menor restrição possível de direitos.

A discussão da ampliação do artigo 128 do Código Penal

que pretende autorizar a interrupção da gestação quando comprovada

anomalia grave e incurável no feto é resultado do descompasso que vem

ocorrendo entre a realidade da sociedade e os instrumentos jurídicos.

Em análise a alguns julgados nacionais, a jurisprudência

vem admitindo este tipo de aborto, desde que seja devidamente comprovada e

irreversível a anomalia presente no nascituro que o tornem inviável, sendo

desta forma evitado que causas mínimas sejam usadas como pretexto para se

fazer o aborto seletivo.

Neste sentido, tem se manifestado o Tribunal de Justiça

de Santa Catarina.

116 DINIZ, Débora. Aborto seletivo no Brasil e os alvarás judiciais. Infojur, São Paulo, 19 jun. 2000.

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ABORTO – AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – ANENCEFALIA FETAL COMPROVADA INVIABILIZAÇÃO DA VIDA EXTRA-UTERINA – PEDIDO INSTRUÍDO COM LAUDO MÉDICO IRREFUTÁVEL DA ANOMALIA E DE SUAS CONSEQÜÊNCIAS E COM FAVORÁVEL PARECER PSICOLÓGICO DO CASAL – CONSENTIMENTO EXPRESSO DO PAI – EVIDÊNCIA DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DA EXCLUDENTE DE PUNIBILIDADE PREVISTA NO INCISO I DO ART. 128 DO CP – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ANALOGIA ADMITIDOS NO ART. 3º DO CPP – AUTORIZAÇÃO CONCEDIDA – APELO PROVIDO.

Entretanto, são também diversas as preocupações, caso seja concedida futuramente comprovado cientificamente que o feto é portador de anencefalia (ausência de cérebro) e de outras anomalias incompatíveis com a sobrevida extra-uterina, outra solução não resta senão autorizar a requerente a interromper a gravidez 117.

Ocorre que muito julgados estão sendo proferidos tendo

como base os atestados médicos. O juiz, reunindo todos os elementos

probatórios fornecidos pela ciência médica e tendo em mente que a norma

penal vigente protege a “vida“ e não a “falsa vida”, poderá, dentro de sua livre

convicção, entender que é inexigível da mulher outra conduta que não seja a

interrupção da gravidez, buscando para tanto o atendimento médico

especializado, único autorizado a proceder à cirurgia de antecipação do parto.

Assim tem entendido a jurisprudência do Tribunal do Rio

Grande do Sul e o Tribunal de Minas Gerais.

APELAÇAO – ABORTO DE FETO ANENCEFÁLICO – INDEFERIMENTO – INEXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÃO EXPRESSA - CAUSA SUPRA LEGAL DE INEXIGIBIULIDADE DE OUTRA CONDUTA – ANENCEFALIA - IMPOSSIBILIDADE DE VIDA AUTÔNOMA. PROVIDO. O “ABORTO EUGÊNICO” DECORRE DE ANOMALIA COMPROMETEDORA DA HIGIDEZ MENTAL E FÍSICA DO FETO, MAS COM POSSIBILIDADE DE VIDA PÓS-PARTO, EMBORA SEM

117 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Criminal nº 98.003566-0, de Videira/SC. Desembargador Jorge Mussi. 05 de agosto de 1998.

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QUALIDADE. O FETO ANENCEFÁLICO, RIGOROSAMENTE, NÃO SE INCLUI ENTRE OS EUGÊNICOS, PORQUE A AUSÊNCIA DE ENCÉFALO É INCOMPATÍVEL COM A VIDA PÓS-PARTO. EMBORA NÃO INCLUÍDA A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ, NESTE CASO, NOS DISPOSITIVOS LEGAIS VIGENTES (ARTIGO 128, I, II CP) QUE EXCLUEM A ILICITUDE, TEM EMBASAMENTO NA CAUSA SUPRALEGAL AUTÔNOMA DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE, DE INEXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA. NÃO HÁ JUSTIFICATIVA PARA PROLONGAR A GESTAÇÃO E O SOFRIMENTO FÍSICO E PSÍQUICO DA MÃE. DENTRO DESTA ÓTICA, PRESENTE CAUSA DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE DE NATUREZA SUPRALEGAL QUE DISPENSA A LEI EXPRESSA VIGENTE CABE AO JUDICIÁRIO AUTORIZAR O PROCEDIMENTO. PROVIDO118.

AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. GRAVIDEZ. INTERRUPÇÃO. MÁ FORMAÇÃO DO FETO. CONSTATAÇÃO TÉCNICA E MÉDICA DE VIDA INVIÁVEL. APELO DA MÃE A QUE SE DÁ PROVIMENTO. O FATO DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO AUTORIZATIVA PARA O ABORTO NO ART. 128 DO CP NÃO IMPEDE QUE O JUDICIÁRIO ANALISE O CASO CONCRETO E O RESOLVA À LUZ DO BOM SENSO E DA DIGNIDADE HUMANA, PREOCUPANDO-SE COM A SAÚDE DA PRÓPRIA MÃE. HAVENDO CONSTATAÇÃO MÉDICA DE INVIABILIDADE DE VIDA PÓS-PARTO, DADA A AUSÊNCIA DE CALOTA CRANIANA NO FETO - ANENCEFALIA - O JUDICIÁRIO DEVE AUTORIZAR A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ ATÉ COMO MEDIDA DE PREVENÇÃO PROFILÁTICA À GENETRIZ.119

No mesmo entendimento, tem Guilherme de Souza

Nucci120 se posicionado:

118 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação crime nº 70011400355. Comarca de Porto Alegre. Relator. Newton Brasil De Leão e Desembargador José Antônio Hirt Preiss. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud/result.php?reg>. Acesso em: 19 out. 2007. 119 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Crime Nº 515.561-1. Relator Francisco Kupidlowski. Disponível em: <http://www.tj.mg.gov.br. Acesso em: 19 out. 2007. 120 NUCCI. Guilherme de Souza. Comentários ao Código Penal. Saraiva. São Paulo. Edição 2003.p 429

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A curta expectativa de vida do futuro recém nascido também não deve servir de justificativa como aborto, uma vez que não se aceita no Brasil a eutanásia, vale dizer, quem está desenganado não pode ser morto por terceiros, que terminarão praticando homicídio ainda que privilegiado. Entretanto, se os médicos atestarem que o feto é verdadeiramente inviável, vale dizer, é anencéfalo (falta-lhe cérebro, por exemplo), não se cuida de “vida” própria, mas de um ser que sobrevive à custa do organismo materno, uma vez que a própria lei considera cessada a vida tão logo ocorra a morte encefálica. Assim, a ausência de cérebro pode ser motivo mais que suficiente para a realização do aborto, que não é baseado porém em características monstruosas do ser em gestação, e sim em sua completa inviabilidade como pessoa, com vida autônoma fora do útero materno”.Grifo nosso

A posição destacada na ementa traduz, hoje, o

entendimento majoritário dos julgadores que se apresentam modernizados.

Porém, o entendimento majoritário não significa posição pacífica, consoante se

observa da ementa do Habeas Corpus nº 32.159, na qual o Superior Tribunal

de Justiça entendeu como ilícito o aborto de feto anencefálico121. Não havendo

uniformidade nas decisões, é possível que casos afins sejam julgados de forma

completamente diferente. Os mesmos fundamentos utilizados em prol de uma

tese, podem servir, em outro momento, para silenciá-la, sendo que cada

situação enseja nova análise, novo estudo, nova polêmica.

Assim tem entendido o Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro em suas decisões:

Sentença (excertos): Segundo Tardieu o crime de aborto consiste na “expulsão prematura e violentamente provocada do produto da concepção, independentemente das circunstâncias de idade, viabilidade e mesmo de formação regular”. Para a configuração do aborto é necessária a interrupção da gravidez,

121 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Pedido de autorização para interrupção de gestação. Processo n° 2000.001.0623. Requerente: Flávia Cristina de Carvalho Spinelli. Julgado em 18 maio 2000. Relatora Maria Luiza de Oliveira Sigaud Daniel. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br. Acesso em: 21 out. 2007.

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seguida ou não da expulsão do feto, antes da época de sua maturidade. (...) Deste modo, vemos que a lei penal protege a vida em seu sentido amplo, a vida humana em germe, e não meramente a expectativa de vida extra-uterina. Comprovado o estado fisiológico da gravidez, ou seja, que o feto estava vivo, não há indagar da sua vitalidade biológica ou capacidade de atingir a maturação. A anomalia diagnosticada, é uma síndrome genética, e não consiste na ausência de cérebro, como erroneamente se pode supor, mas na ausência de calota craniana, o que significa que a criança tem o cérebro exposto, podendo inclusive ter algumas funções neurológicas preservadas. Durante o período gestacional a criança desenvolve-se normalmente, apresentando, no entanto, má formação cerebral consistente em comprometimento do sistema nervoso central, que só pode ser averiguado quando da realização da autópsia. Enquanto no ventre materno a criança, cresce e se desenvolve normalmente, apesar do cérebro exposto, por estar em um meio asséptico. (...) Entende este Juízo que o feto afetado por esta síndrome não pode ser privado do curto lapso de tempo da vida que possui. Tal procedimento consistiria na prática da eugenia, que visa não somente evitar o nascimento de seres com taras hereditárias, mas também o de seres portadores de deformidades congênitas. O avanço da medicina tem por objetivo salvar vidas e não ceifá-las, eis que de acordo com a ética médica não se pode negar nenhum tipo de assistência á alguém que vai morrer. No caso em exame, sabe-se, antecipadamente, quando a criança morrerá, ela tem meses de vida, como um doente terminal. O aborto nestes casos iguala-se a eutanásia, só que praticada em relação a um nascituro em já avançado estágio gestacional. O sofrimento e o abalo psíquico da mãe só poderão ser minimizados pelo amor e apoio da família e por acompanhamento psicológico, fazendo-a compreender que carrega em seu ventre não um ser morto, mas um ser vivo que desenvolve-se plenamente nos demais aspectos físicos. Abreviar o tempo de vida pré-determinado, consiste em grave ilícito penal que não encontra amparo em nosso ordenamento jurídico vigente, malgrado entendimentos contrários. Ademais o Juiz não tem esse poder, isto é, o poder de determinar até quando alguém vai viver. Nosso poder, graças a Deus, é limitado, pois também estamos submetidos a ordem jurídica em vigor. É absurdo que a requerente e o médico que a assiste desejem chancelar suas condutas ilícitas, pois apesar de

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emanar do órgão julgador, consiste em ilícito penal de extrema gravidade.

Tal constatação, só vem ao encontro com que se discute

no presente labor, ou seja, o caminho se mostra mais complexo do que se

pensa, todo julgado é influenciado de alguma forma. O juiz quando se depara

com um pedido de interrupção da gravidez em caso de anencefalia, não pode

optar pelo não recebimento do pedido entre a ausência de previsão legal. Deve

decidir acolhendo ou não a pretensão apresentada.

De todo forma, é viável que se entenda que o julgador

coloque dentro de sua sentença sua posição pessoal e até mesmo suas bases

religiosas, pois mesmo que a religião não seja mais capaz de dominar o

homem, ela ainda o influencia na construção de seus valores, na distinção

entre o certo e errado.

Mas o direito não pode ser construído em cima de bases

religiosas, e, portanto, deve se abster de contato com a religião, de modo que

esta o passa influenciar. O direito é voltado ao homem e, assim, deve atender

as necessidades do individuo, que vez ou outra podem coincidir com a

expectativa religiosa.

Isso significa dizer, que a ciência jurídica deve prevalecer

sobre a religiosa, não pode sucumbir diante de sua força. Só o direito é capaz

de se dirigir diretamente a estas necessidades, pois possui meios eficazes para

a punição dos infratores e esta forma é a que pode manter o equilíbrio social.

Pois bem. Onde entram os princípios constitucionais

nessas decisões? Como se viu os princípios são as molas mestras do sistema

jurídico e quando adequados ao caso concreto devem ser respeitados sob

pena de ferir todo o sistema instituído.

O direito não pode exigir heroísmo das gestantes, ainda

mais quando ciente de que a vida do anencefálico torna-se impossível fora do

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útero materno. Certamente a Constituição e as leis ordinárias não admitem a

pena de morte, porém, salvo princípios teológicos abstratos de cada um, não

pode o direito ficar insensível à evolução da sociedade, da ciência e dos

padrões comportamentais e de relacionamento delas decorrentes.

O Estado não deve ter ingerência em questões dessa

natureza, prevalecendo, em casos de gestações de fetos portadores de

anomalia inviável, os direitos individuais da mulher em optar pela continuidade

da gestação ou efetuar o abortamento.

Contudo, mesmo sendo julgada procedente a mencionada

ação, o que é de se esperar, apenas irá por fim a um debatido entrave em que

se encontra uma espécie de aborto por anomalia fetal por feto inviável, fazendo

ainda persistir a problemática em torno desta modalidade de aborto.

3.3.3 Aborto de Anencefálicos em outros países

Em países tradicionalmente católicos, como o Brasil, as

posições que caracterizam o debate sobre o aborto vão desde o direito à vida

do feto ao direito à autonomia da mulher para deliberar sobre o seu próprio

corpo. No caso da legislação brasileira sobre o aborto, a autonomia de decisão

da mulher tende a ficar em segundo plano em relação ao status jurídico do feto,

considerado pessoa a ser protegida pelo Estado122.

A Constituição da República Federativa do Brasil ainda é

bastante conservadora com relação ao assunto de aborto, pois o legislador tem

uma grande influência dos setores religiosos fazendo com que ainda se misture

religião com direito. Para alguns, não haveria uma razão séria para a ausência

de justificativa da não autorização quando se tem a certeza da anencefalia,

122 CANTARINO, C. Mulher ou sociedade: quem decide sobre o aborto? Com Ciência. Revista Eletrônica de Publicação Científica (10 abr. 2005). Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/2005/05/05.shtml>. Acesso em: 10 out. 2007.

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pois é do conhecimento de todos que estas crianças não possuem uma

expectativa de longevo vital.

Praticamente todos os países em desenvolvimento

proíbem a interrupção da gestação por má formação do feto, tais como Brasil,

México, Paraguai, Venezuela, Equador, Hungria, Cuba, Nova Zelândia,

República Checa, China, Chile, Argentina e Colômbia123, diferenciando-se as

legislações em função do tempo e do risco de saúde ou de vida da mulher ou

do feto.

Sobre o aborto, pode-se analisar uma panorâmica

geográfica sobre o assunto: 124

O mundo atual estaria dividido em três partes iguais: uma parte que autoriza sem restrições (34 paises), outra parte que só autoriza em certos casos (37 paises) e uma terceira parte que não autoriza em nenhuma situação (33 países). Na América Latina só Cuba autoriza o aborto. O Brasil, com a infeliz medida ministerial, é o segundo país latino americano a autorizar abortos por anencefalia.

Contudo, no sentido oposto a este posicionamento

encontramos as nações desenvolvidas que já autorizam o aborto por

anencefalia entre eles estão125:

Alemanha que tem a indução ao aborto por razões sociais. De

acordo com as leis germânicas os abortos por indicação médica não possuem

prazo limite para sua realização. Desde 1987, são notificados abortos

realizados depois que o exame pré-natal diagnosticou má-formação;

123 MACHADO, Márcia Regina Melaré. Cresce a polêmica sobre o Direito ao aborto anencefálico. Ordem dos Advogados do Brasil, secção São Paulo. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2005/01/20/2807>. Acesso em: 12 out. 2007. 124 MOTA. Eliseu Florentino Junior. Aborto – A luz do espiritismo – Não matarás – Espiritismo. Matão: O Clarin, 1998. 125 Dows Screening News. Aborto tardio - A variação da política. 2004; 11(1) 22-23. Disponível em: <http://www.ghente.org/questoes_polemicas/texto_aborto_port.htm.>. Acesso em: 10 set. 2007.

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Áustria que são permitidos abortos após exame pré-natal que

certifique anomalia congênita. O aborto é legal em todos os casos

comprovados de dificuldades sócio-econômicas, podendo ser realizado com

até 12 semanas de gestação. Depois deste limite, apenas se forem esperados

sérios problemas físicos ou psicológicos para a mãe ou para o feto. Formas

inviáveis de anomalias congênitas permitem a interrupção em qualquer estágio

da gestação;

Na Bélgica o aborto é legal até 12 semanas de gestação, se for

diagnosticada anomalia congênita, o prazo limite para a interrupção é de

aproximadamente 24 semanas após o início da gravidez;

Na Bulgária o aborto é legal, mas a interrupção deve ser feita em

até 12 semanas se não houver permissão e em até 20 semanas com a

permissão. Se diagnosticada anomalia congênita, o aborto pode ser realizado

com até 27 semanas de gestação;

Croácia: o aborto é permitido em todos os casos até as 24

semanas de gestação. Todas as induções ao aborto causadas por má-

formação fetal são registradas;

França: o aborto é permitido, podendo ser realizado a qualquer

tempo, tanto nos casos de dificuldades sócio-econômicas como nos casos de

diagnóstico de anomalias congênitas. Todos os abortos são devidamente

registrados, e;

Espanha (Região Basca): o aborto é legal apenas quando

descobertas severas anomalias durante o pré-natal. O prazo limite para a

interrupção é de 22 semanas após o início da gestação.

Vale lembrar que por mais previdente que seja o

legislador, é absolutamente impossível legislar sobre todas as causas de

inexigibilidade de conduta diversa, que devem ser admitidas em direito, pois

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tais causas são o que de mais próximo há entre o sistema normativo e as

constantes evoluções sociais, políticas, culturais e sociais126.

126 QUEIROZ, Eduardo Gomes de. Aborto de feto anencefálico e a inexigibilidade de conduto diversa. A influência das circunstâncias concomitantes no comportamento humano. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Síntese. v. 7, n. 40. Out./nov.,2006.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aborto, prática que ocorre desde a Antigüidade, é um

tema polêmico, tendo em vista que abrange uma variada gama de aspectos

que envolvem não somente questões de natureza moral, política, jurídica e

principalmente religiosa, por um lado, mas também socioeconômicas,

psicológicas e, sobretudo, de saúde pública, por outro. A questão do aborto e

da anencefalia coloca-se como problema cuja existência concreta não pode ser

ignorada na atualidade, exigindo uma ampla discussão pela sociedade.

No entanto, no decorrer do presente estudo buscou-se

apresentar uma nova excludente de ilicitude para quando se for deparada com

uma gravidez de feto anencefálico. É importante deixar claro que a pretensão

não se trata de legalizar o aborto eugênico, e sim de legalizar o aborto seletivo

que é caracterizado pela interrupção de gestação de feto com mal-formação

congênita que o torna incompatível com a vida extra-uterina.

É verdade que o anencefálico é possuidor do direito à

vida, pois todo produto gerado no ventre de uma mulher é um ser humano por

excelência e não é a viabilidade ou potencialidade de vida que tornam um feto

mais ou menos digno da proteção do Estado e da aquisição de direitos.

Todavia, deve-se atentar para o seguinte: na gestação de um feto anencefálico,

o que está em jogo é a vida ou a qualidade de vida de todas as pessoas

envolvidas com o feto mal formado?

Ainda, considera-se neste aspecto, que os sofrimentos

que esta gravidez acarreta na gestante e, conseqüentemente, em toda a sua

família, aumenta a angústia destes durante todo o percurso gestacional. Desta

forma, transparece não ser correto subordinar a gestante e sua família à

expectativa do nascimento de uma criança que necessariamente enfrenta o

evento morte.

Impor a uma mulher a obrigação de gerar um filho que

tem plena consciência que não irá sobreviver, causando graves transtornos

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psicológicos, emocionais e físicos a ela, viola e conflita com os mais basilares

princípios do Estado Democrático de Direito, que visam à autonomia, liberdade

e principalmente a dignidade da pessoa humana.

Por isso, diante do conflito de interesses entre o direito à

vida assegurado ao anencefálico e os direitos da gestante, prevaleceram estes

últimos, uma vez que não é justo sacrificar a saúde física e mental da mãe,

expondo-a ao risco de morrer antes, durante ou logo após o parto, em favor de

um embrião que, se nascer, terá pouco tempo de vida.

Para finalizar, está demonstrada através da exposição da

análise da decisão polêmica do Supremo Tribunal Federal que a interrupção

da gestação nestes casos precisa urgentemente de amparo legal para

assegurar os devidos direitos à gestante e a toda a sua família, bem como a

todos os envolvidos.

É importante salientar que, a descriminalização do

abortamento nos casos de fetos portadores de anencefalia, de maneira alguma

visa obrigar as gestantes a procederem com a interrupção da gestação,

defende apenas o direito de escolha dessas mulheres, cabendo

exclusivamente ao pátrio poder e, a partir de suas próprias convicções morais e

religiosas, optarem ou não pela continuidade da gestação com feto

anencefálico.

Em respeito à pluralidade de opiniões, alicerce da

democracia, é dever da sociedade e do Estado respeitar o direito de decidir da

mulher, assim como reconhecer como ética a decisão de quem recorre à sua

própria consciência para interromper uma gravidez indesejada.

Deste modo, percebe-se que, nesta situação, não há bem

jurídico a ser preservado, visto que, mesmo que o feto chegue a nascer, não

terá potencialidade de se transformar numa pessoa e viver uma vida normal

como todas as outras. Se a antecipação terapêutica do parto de um feto

anencefálico não é capaz de atingir o bem tutelado pelos artigos 124 e

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seguintes do Código Penal, falta tipicidade material a essa conduta e, portanto,

não há crime.

Os conhecimentos trazidos pela evolução da medicina e o

alto índice de confiabilidade nos exames intra-uterinos vêm acarretando a

necessidade de uma atualização legislativa, inserindo no Código Penal uma

nova modalidade de aborto legal, ou seja, aquele em que o feto não apresenta

qualquer condição de sobrevida após o parto devido a uma mal-formação

congênita. É importante deixar claro que não se pretende, desta forma, buscar

a legalização irrestrita ou extensiva a qualquer modalidade de abortamento.

Assim, tendo em vista tais parâmetros e confrontando-se

os elementos colhidos no decorrer da pesquisa, pode-se constatar que os

objetivos do trabalho foram se cumprindo um a um.

O que se acreditava em relação a existência da

possibilidade do aborto de fetos anencefálicos, por ele não ser permitido pelo

direito brasileiro e por não possuir fundamento de legalidade, foi confirmado,

diferentemente do que ocorre nas situações do artigo 128, inciso I e II do

Código Penal. Com efeito, confirmou-se também que não há a possibilidade de

aborto de fetos anencefálicos sem a introdução do inciso III do artigo 128 do

Código Penal Brasileiro, porém, em razão dos julgados e dos princípios

constitucionais, o aborto desses fetos vem sendo praticado nos casos

concretos com a exclusão da pena ou da ilicitude. Tudo isso se deu função da

aplicação da metodologia pré-estabelecida, o que veio confirmar sua eficácia.

Porém, convêm destacar novamente que a abordagem

doutrinária e jurisprudencial feita durante esse trabalho, não possui caráter

exaustivo, portanto, não se esgota a pesquisa sobre o tema abordado restando

muito ainda a ser pesquisado.

Mesmo que seja inserida uma nova modalidade de aborto

ou excludente de ilicitude, não se trata aqui de apenas uma exegese jurídica,

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mas uma necessidade iminente. Com isso, poderia se desfazer os conflitos e

litígios sobre o assunto, desobstruindo o Judiciário dos grandes números de

processos acerca deste tema e diminuir os índices de aborto clandestino em

casos de fetos anencefálicos enfatizando o ideal de justiça.

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ANEXOS ÍNTEGRA DA LIMINAR DO MINISTRO MARCO AURÉLIO EM FAVOR DO ABORTO EUGÊNICO

MED. CAUT. EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO. ARGUENTE(S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE – CNTS ADVOGADO(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO(A/S) DECISÃO-LIMINAR ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - LIMINAR - ATUAÇÃO INDIVIDUAL - ARTIGOS 21, INCISOS IV E V, DO REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº 9.882/99. LIBERDADE - AUTONOMIA DA VONTADE - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - SAÚDE - GRAVIDEZ - INTERRUPÇÃO - FETO ANENCEFÁLICO.

1. Com a inicial de folha 2 a 25, a Confederação Nacional dos Trabalhadores

na Saúde - CNTS formalizou esta argüição de descumprimento de preceito

fundamental considerada a anencefalia, a inviabilidade do feto e a antecipação

terapêutica do parto. Em nota prévia, afirma serem distintas as figuras da

antecipação referida e o aborto, no que este pressupõe a potencialidade de

vida extra-uterina do feto. Consigna, mais, a própria legitimidade ativa a partir

da norma do artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.882/99, segundo a qual são partes

legítimas para a argüição aqueles que estão no rol do artigo 103 da Carta

Política da República, alusivo à ação direta de inconstitucionalidade. No

tocante à pertinência temática, mais uma vez à luz da Constituição Federal e

da jurisprudência desta Corte, assevera que a si compete a defesa judicial e

administrativa dos interesses individuais e coletivos dos que integram a

categoria profissional dos trabalhadores na saúde, juntando à inicial o estatuto

revelador dessa representatividade. Argumenta que, interpretado o arcabouço

normativo com base em visão positivista pura, tem-se a possibilidade de os

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profissionais da saúde virem a sofrer as agruras decorrentes do

enquadramento no Código Penal. Articula com o envolvimento, no caso, de

preceitos fundamentais, concernentes aos princípios da dignidade da pessoa

humana, da legalidade, em seu conceito maior, da liberdade e autonomia da

vontade bem como os relacionados com a saúde. Citando a literatura médica

aponta que a má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a

gestação, não apresentando o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o

ou à morte intra-uterina, alcançando 65% dos casos, ou à sobrevida de, no

máximo, algumas horas após o parto. A permanência de feto anômalo no útero

da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e

à vida da gestante. Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de

carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não

sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em

violência às vertentes da dignidade humana - a física, a moral e a psicológica -

e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a

saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde - o completo

bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Já os

profissionais da medicina ficam sujeitos às normas do Código Penal - artigos

124, 126, cabeça, e 128, incisos I e II -, notando-se que, principalmente quanto

às famílias de baixa renda, atua a rede pública. Sobre a inexistência de outro

meio eficaz para viabilizar a antecipação terapêutica do parto, sem

incompreensões, evoca a Confederação recente acontecimento retratado no

Habeas Corpus nº 84.025-6/RJ, declarado prejudicado pelo Plenário, ante o

parto e a morte do feto anencefálico sete minutos após. Diz da admissibilidade

da ANIS - Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero como amicus

curiae, por aplicação analógica do artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99. Então,

requer, sob o ângulo acautelador, a suspensão do andamento de processos ou

dos efeitos de decisões judiciais que tenham como alvo a aplicação dos

dispositivos do Código Penal, nas hipóteses de antecipação terapêutica do

parto de fetos anencefálicos, assentando-se o direito constitucional da gestante

de se submeter a procedimento que leve à interrupção da gravidez e do

profissional de saúde de realizá-lo, desde que atestada, por médico habilitado,

a ocorrência da anomalia. O pedido final visa à declaração da

inconstitucionalidade, com eficácia abrangente e efeito vinculante, da

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interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal -

Decreto-Lei nº 2.848/40 - como impeditiva da antecipação terapêutica do parto

em casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticados por médico

habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de assim agir sem a

necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra

forma de permissão específica do Estado. Sucessivamente, pleiteia a argüente,

uma vez rechaçada a pertinência desta medida, seja a petição inicial recebida

como reveladora de ação direta de inconstitucionalidade. Esclarece que, sob

esse prisma, busca a interpretação conforme a Constituição Federal dos

citados artigos do Código Penal, sem redução de texto, aduzindo não serem

adequados à espécie precedentes segundo os quais não cabe o controle

concentrado de constitucionalidade de norma anterior à Carta vigente. A

argüente protesta pela juntada, ao processo, de pareceres técnicos e, se

conveniente, pela tomada de declarações de pessoas com experiência e

autoridade na matéria. À peça, subscrita pelo advogado Luís Roberto Barroso,

credenciado conforme instrumento de mandato - procuração - de folha 26,

anexaram-se os documentos de folha 27 a 148. O processo veio-me concluso

para exame em 17 de junho de 2004 (folha 150). Nele lancei visto, declarando-

me habilitado a votar, ante o pedido de concessão de medida acauteladora, em

21 de junho de 2004, expedida a papeleta ao Plenário em 24 imediato.

No mesmo dia, prolatei a seguinte decisão:

AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL -

INTERVENÇÃO DE TERCEIRO - REQUERIMENTO - IMPROPRIEDADE.

1. Eis as informações prestadas pela Assessoria: A Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil - CNBB - requer a intervenção no processo em referência,

como amicus curiae, conforme preconiza o § 1º do artigo 6º da Lei 9.882/1999,

e a juntada de procuração. Pede vista pelo prazo de cinco dias.

2. O pedido não se enquadra no texto legal evocado pela requerente. Seria

dado versar sobre a aplicação, por analogia, da Lei nº 9.868/99, que disciplina

também processo objetivo - ação direta de inconstitucionalidade e ação

declaratória de constitucionalidade. Todavia, a admissão de terceiros não

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implica o reconhecimento de direito subjetivo a tanto. Fica a critério do relator,

caso entenda oportuno. Eis a inteligência do artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99,

sob pena de tumulto processual. Tanto é assim que o ato do relator, situado no

campo da prática de ofício, não é suscetível de impugnação na via recursal.

3. Indefiro o pedido.

4. Publique-se.

1.A impossibilidade de exame pelo Plenário deságua na incidência dos artigos

21, incisos IV e V, do Regimento Interno e artigo 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/99,

diante do perigo de grave lesão.

2. Tenho a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS como

parte legítima para a formalização do pedido, já que se enquadra na previsão

do inciso I do artigo 2º da Lei nº 9.882, de 3 de novembro de 1999. Incumbe-lhe

defender os membros da categoria profissional que se dedicam à área da

saúde e que estariam sujeitos a constrangimentos de toda a ordem, inclusive

de natureza penal. Quanto à observação do disposto no artigo 4º, § 1º, da Lei

nº 9.882/99, ou seja, a regra de que não será admitida argüição de

descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio

eficaz de sanar a lesividade, é emblemático o que ocorreu no Habeas Corpus

nº 84.025-6/RJ, sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa. A situação pode

ser assim resumida: em Juízo, gestante não logrou a autorização para abreviar

o parto. A via-crúcis prosseguiu e, então, no Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro, a relatora, desembargadora Giselda Leitão Teixeira, concedeu

liminar, viabilizando a interrupção da gestação. Na oportunidade, salientou: A

vida é um bem a ser preservado a qualquer custo, mas, quando a vida se torna

inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de angústia, de

desespero. O Presidente da Câmara Criminal a que afeto o processo,

desembargador José Murta Ribeiro, afastou do cenário jurídico tal

pronunciamento. No julgamento de fundo, o Colegiado sufragou o

entendimento da relatora, restabelecendo a autorização. Ajuizado habeas

corpus, o Superior Tribunal de Justiça, mediante decisão da ministra Laurita

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Vaz, concedeu a liminar, suspendendo a autorização. O Colegiado a que

integrado a relatora confirmou a óptica, assentando:

HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA

DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA.

INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA

RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA

DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO

NASCITURO.

A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código

Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela

qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o

writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente,

inclui o direito à preservação da vida do nascituro. Mesmo tendo a instância de

origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na

realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem

qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um

exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso

fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este

Tribunal. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e

consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em

que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-

se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de

prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal. O Legislador eximiu-se

de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do

Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem

fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca

exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma

hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador. Ordem

concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo,

desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para

considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente,

manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por

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ocasião do julgamento do agravo regimental. Daí o habeas impetrado no

Supremo Tribunal Federal. Entretanto, na assentada de julgamento, em 4 de

março último, confirmou-se a notícia do parto e, mais do que isso, de que a

sobrevivência não ultrapassara o período de sete minutos. Constata-se, no

cenário nacional, o desencontro de entendimentos, a desinteligência de

julgados, sendo que a tramitação do processo, pouco importando a data do

surgimento, implica, até que se tenha decisão final - proclamação desta Corte -,

espaço de tempo bem superior a nove meses, período de gestação. Assim,

enquadra-se o caso na cláusula final do § 1º em análise. Qualquer outro meio

para sanar a lesividade não se mostra eficaz. Tudo recomenda que, em jogo

tema da maior relevância, em face da Carta da República e dos princípios

evocados na inicial, haja imediato crivo do Supremo Tribunal Federal, evitando-

se decisões discrepantes que somente causam perplexidade, no que, a partir

de idênticos fatos e normas, veiculam enfoques diversificados. A unidade do

Direito, sem mecanismo próprio à uniformização interpretativa, afigura-se

simplesmente formal, gerando insegurança, o descrédito do Judiciário e, o que

é pior, com angústia e sofrimento ímpares vivenciados por aqueles que

esperam a prestação jurisdicional. Atendendo a petição inicial os requisitos que

lhe são inerentes - artigo 3º da Lei nº 9.882/99 -, é de se dar seqüência ao

processo. Em questão está a dimensão humana que obstaculiza a

possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. Conforme

ressaltado na inicial, os valores em discussão revestem-se de importância

única. A um só tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em

seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da

legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. O determinismo

biológico faz com que a mulher seja a portadora de uma nova vida,

sobressaindo o sentimento maternal. São nove meses de acompanhamento,

minuto a minuto, de avanços, predominando o amor. A alteração física,

estética, é suplantada pela alegria de ter em seu interior a sublime gestação.

As percepções se aguçam, elevando a sensibilidade. Este o quadro de uma

gestação normal, que direciona a desfecho feliz, ao nascimento da criança.

Pois bem, a natureza, entrementes, reserva surpresas, às vezes

desagradáveis. Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar

mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade

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não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas,

justamente, para fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica

atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior

confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino

em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a

sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como

razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos

da deficiência. Então, manter-se a gestação resulta em impor à mulher, à

respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos

físicos reconhecidos no âmbito da medicina. Como registrado na inicial, a

gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança

ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se

assim é - e ninguém ousa contestar -, trata-se de situação concreta que foge à

glosa própria ao aborto - que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a

liberdade e a autonomia de vontade. A saúde, no sentido admitido pela

Organização Mundial da Saúde, fica solapada, envolvidos os aspectos físico,

mental e social. Daí cumprir o afastamento do quadro, aguardando-se o

desfecho, o julgamento de fundo da própria argüição de descumprimento de

preceito fundamental, no que idas e vindas do processo acabam por projetar no

tempo esdrúxula situação. Preceitua a lei de regência que a liminar pode

conduzir à suspensão de processos em curso, à suspensão da eficácia de

decisões judiciais que não hajam sido cobertas pela preclusão maior,

considerada a recorribilidade. O poder de cautela é ínsito à jurisdição, no que

esta é colocada ao alcance de todos, para afastar lesão a direito ou ameaça de

lesão, o que, ante a organicidade do Direito, a demora no desfecho final dos

processos, pressupõe atuação imediata. Há, sim, de formalizar-se medida

acauteladora e esta não pode ficar limitada a mera suspensão de todo e

qualquer procedimento judicial hoje existente. Há de viabilizar, embora de

modo precário e efêmero, a concretude maior da Carta da República,

presentes os valores em foco. Daí o acolhimento do pleito formulado para,

diante da relevância do pedido e do risco de manter-se com plena eficácia o

ambiente de desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados, ter-

se não só o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em

julgado, como também o reconhecimento do direito constitucional da gestante

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de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir

de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto. É

como decido na espécie.

3. Ao Plenário para o crivo pertinente.

4. Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2004, às 13 horas.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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HABEAS CORPUS Nº 32159-RJ127

RELATOR: EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ

IMPETRANTE: LUIZ CARLOS LODI DA CRUZ

IMPETRADO: DESEMBARGADORA RELATORA DA APELAÇÃO NR

2003050052208 DA 2ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DO RJ

PACIENTE: NASCITURO

EMENTA:

1. Interrupção da vida em feto com anomalia cerebral: ilegalidade na decisão

judicial que isto autoriza: considerações.

2. Direito à vida: sua compreensão na perspectiva ineliminável da acolhida, do carinho e do amor, não porta o tempo de sua manifestação, dos pais aos

filhos em gestação.

3. Deferimento do pedido.

1. A il. Min. Laurita Vaz bem expõe a controvérsia em trecho da decisão

concessiva da liminar, verbis: "Trata-se de habeas corpus, com pedido de

liminar, impetrado por LUIZ CARLOS LODI DA CRUZ, em favor de

NASCITURO, que se encontra no útero da mãe, Sra. Gabriela Oliveira

Cordeiro, contra decisão proferida, liminarmente, em sede de apelação, pela

Desembargadora da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro, para autorizar a realização de abortamento do

nascituro.” Infere-se dos autos que a Defensoria Pública ingressou com pedido 127 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 32.159/RJ. Impetrante: Luiz Carlos Lodi da Cruz. Impetrado: Desembargadora Relatora da Apelação n.º 200305005208 da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Paciente: Nascituro. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília, 17 de fevereiro de 2004. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2007.

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junto à Vara Criminal da Comarca de Teresópolis/RJ, para que fosse

autorizado à Sra. Gabriela Oliveira Cordeiro se submeter a intervenção

cirúrgica, visando interromper a sua gravidez, tendo em vista a inviabilidade de

vida pós-natal do feto que, segundo exames realizados, constatou-se padecer

de anencefalia (cabeça fetal com ausência de calota craniana e cérebro

rudimentar). O douto magistrado indeferiu o pedido, nos termos a seguir

transcritos: Indefiro o pedido por falta de amparo legal, eis que a hipótese

vertente não se encontra inserida no bojo do art. 128 do CP. Julgo, pois, extinto

o processo, nos termos da lei processual.' (fls. 02) Houve, então, interposição

de apelação para o Tribunal a quo, que, em sede liminar, embora de caráter

satisfativa, autorizou a realização do aborto (fls. 03/04). Sustenta o Impetrante,

no presente writ, que a decisão ora hostilizada violou os preceitos previstos nos

arts. 3º, 5º e 227, da Constituição Federal, bom como o disposto no art. 2º do

Código Civil. Alega, também, que o aborto em questão não se enquadra nas

hipóteses dos incisos do artigo 128, do Código Penal, razão pela qual não

poderia ter sido autorizado a sua realização, sob pena de ser estar facultando a

prática de crime de aborto. Apresenta, por fim, julgados de diversos Tribunais,

todos no sentido único da defesa do nascituro (fls. 05/11). Requer, pois, a

concessão da liminar para 'cassar a decisão da Desembargadora Gizelda

Leitão Teixeira e sustar a realização do aborto na Sra. Gabriela Oliveira

Cordeiro' (fl. 12), até o julgamento do mérito, quando a liminar concedida

deverá ser confirmada." (fls. 21/22).

2. Tendo a 2ª Câmara Criminal, por maioria, julgado e negado provimento a

agravo regimental - fls. 52/59 -, interposto pelos advogados Carlos Brasil e

Paulo Silveira Martins Leão Jr. - fls. 47/50 - o conhecimento do presente writ é

indeclinável.

3. No mérito, somos por sua concessão.

4. O pensamento majoritário, que se perfez no julgamento do agravo, cujos

efeitos suspensos foram pela decisão liminar da il. Min. Laurita Vaz - n.º 32159-

RJ 3 informações a fls. 31 - apresenta o princípio da razoabilidade a incidir

quando presente situação desumana.

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5. De se ler na ementa da il. Des. Gizelda Leitão Teixeira, verbis: "(...)

Desumana porque ignora totalmente o sofrimento suportado por uma jovem de

apenas 18 anos (e seu marido), que tem plena ciência de carregar no ventre

um ser condenado à morte, não havendo a menor possibilidade de

sobrevivência, após o parto." (vide: fls. 52).

6. E mais adiante, ainda na ementa, verbis: "(...) Não lograram os agravantes

trazer qualquer argumento que evidenciasse equívoco na fundamentação da

decisão guerreada. Invocam genericamente a Constituição como garantidora

do direito à vida, nada mais. Ignoram completamente o desespero da mãe

por saber frustrada a chegada de um filho, pois é positivado nos autos por

laudo médico (fls. 13) que o feto apresenta 'malformação grave do sistema

nervoso central (cabeça fetal com ausência de calota craniana e cérebro

rudimentar) que é incompatível com a vida pós-natal'. Ora, versando os autos

sobre questão científica, não cabem aqui divagações sobre o tema. Cabe sim

ao Judiciário decidir e decidir sem medo de contrariar os que pensam diferente,

pois o casal recorreu ao Judiciário buscando obter a interrupção legal da

gestação. Não agiram na clandestinidade, demonstrando respeito pelas

instituições e pela ordem jurídica vigente. Não podem e não merecem

permanecer com este sofrimento de saber que o filho tão desejado não

sobreviverá tão logo venha ao mundo por padecer de patologia incontornável.

Argumento algum foi invocado para justificar a reforma da decisão autorizadora

da interrupção da gravidez. Os agravantes somente invocaram os velhos e surrados argumentos de defesa pura e simples da vida de quem já está

inexoravelmente condenado à morte, ignorando-se por completo o sofrimento,

a angústia dos pais e o risco de vida que corre a mãe, abatida por intensa

depressão, a esta altura intensificada pela constatação dolorosa de que

recorrer à Justiça nem sempre significa solução rápida para problemas

cruciais."

(vide: fls. 53/4, grifamos)

7. O tema não é simples, mas a argumentação da il. Des. Gizelda Leitão

Teixeira não é correta, data venia.

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8. De plano, não é fato que o jovem casal está em quadro de profunda

angústia.

9. A matéria jornalística, lida a fls. 61, deixa por bem claro que, verbis: "Depois

da decisão, no entanto, a mãe desistiu de realizar o aborto, e vai prosseguir

com a gravidez."

10. A própria Promotora de Justiça, tão enfática no pugnar pela autorização do

aborto - fls. 35/38 -, mudou de postura e, verbis: "Ela vai chamar-se Vida ou

Soraya, disse a promotora criminal de Teresópolis, Soraya Taveira Gaya, que

recorreu da decisão do juiz da Vara Criminal, Paulo Rodolfo Maxiliano de

Gomes Tostes, que indeferiu o pedido inicial do aborto. Os pais da criança

evitam falar no assunto. "Pareciam aliviados com a decisão da Justiça, mas

alegaram motivos pessoais para fazer outra opção", explicou a promotora

Soraya." (vide: fls. 61)

11. Não é correto, como faz a il. Des. Gizelda Leitão Teixeira, dizer da

invocação constitucional "como garantidora do direito à vida, nada mais".

12. Ora, o direito à vida é tudo, por isso que nada mais se considera, quando

ele é questionado, caindo, então, no vazio tal questionamento.

13. Não são, assim, "velhos e surrados os argumentos de defesa pura e

simples da vida" como estabeleceu a il. Desembargadora.

14. Qualquer argumento em favor da vida jamais será velho e surrado.

15. O que é preciso compreender-se - e agora sim surge a incidência do

princípio da razoabilidade - é que vida intra-uterina existe.

16. É que, mesmo nesse estágio, sentimentos de acolhida, carinho, amor

passam, por certo, do pai e da mãe, mormente desta, para o feto.

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17. Se ele está fisicamente deformado - por mais feio que possa parecer - isto

jamais impedirá que a acolhida, o carinho, o amor flua à vida, que existe, e enquanto existir possa.

18. Isso, graças a Deus, está além da ciência.

19. Foi isso que gerou a mudança nos planos do casal, para acolher, pelo

tempo que possível for, a menina que geraram.

20. Pelo deferimento do pleito cassada a decisão assumida no agravo

regimental, prejudicado o julgamento da Apelação nº 5208-3 (fls. 43/46),

ajuizada pela representante do Ministério Público que, como vimos, mudou de

idéia após a subscrição do recurso, visto que o tema versado no agravo

regimental confunde-se, em sua totalidade, com o apelo ajuizado.

Brasília, 10 de dezembro de 2003.

Cláudia Sampaio Marques

Subprocuradora-Geral da República

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Os Risos de Marcela

(com mais de nove meses de nascida, a anencéfala Marcela com seu sorriso

contradiz os abortistas).

No dia 20 de outubro de 2004, enquanto fervilhava a

discussão sobre o aborto de anencéfalos no Supremo Tribunal Federal, o

advogado Luiz Roberto Barroso, em sustentação oral, afirmou solenemente):

“A letalidade da anencefalia é de 100%. Se alguém disser que viu um

anencéfalo que viveu semanas, meses e anos, não é que esteja mentindo; está

acreditando no que quer acreditar, porque não é possível acontecer isso de

acordo com a ciência médica”.

Ao fazer essa afirmação categórica, o renomado jurista foi

imprudente. A sobrevida extra-uterina de um bebê anencéfalo costuma ser

breve, mas não é impossível que ultrapasse semanas ou meses. Em 21 de

junho de 1996, o Comitê Nacional para a Bioética do governo italiano aprovou

uma declaração em que se dizia: com os atuais tratamentos a sobrevivência do

anencéfalo é muito reduzida. São relatadas percentagens de nascidos vivos

entre 40 – 60%, enquanto depois do nascimento somente 8% sobrevive mais

de uma semana e 1% entre 1 e 3 meses. Foi relatado um caso único de

sobrevivência até 14 meses e dois casos de sobrevivência de 7 a 10 meses,

sem recorrer à respiração mecânica.

No Brasil, já houve o caso de uma menina anencéfala,

Maria Teresa, nascida em 17/12/2000, em Fortaleza (CE), que recebeu alta

hospitalar que só veio a falecer em 29/03/2001, portanto com mais de três

meses de nascida!128

128 Maria Teresa foi a quarta filha de Ana Cecília Araújo Nunes, Mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará e professora da Universidade Estadual do Ceará. Cf. Ana Cecília Araújo NUNES, A história de Maria Teresa, anencéfala, ago. 2004. Disponível em: <http://www.providaanapolis.org.br/mteresa.htm>Acesso em: 3 set. 2007.

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Maria Teresa, anencéfala, e sua mãe Ana Cecília Araújo Nunes

A anencéfala Marcela de Jesus Ferreira, porém, nascida e

batizada na Santa Casa de Patrocínio Paulista (SP) no dia 20 de novembro de

2006, parece estar disposta a ultrapassar todos os recordes. Recebeu alta

hospitalar no dia 18 de abril de 2007 (portanto, com quase cinco meses de

nascida!), e agora vive com sua mãe Cacilda Galante Ferreira em uma casa na

cidade. A necessidade de estar perto de um lugar com assistência médica

impediu Marcela e sua mãe de irem para o sítio da família, onde vive o pai de

Marcela, Sr. Dionísio Justino Ferreira, com as duas filhas do casal: Débora (18

anos) e Dirlene (15 anos).

Diz Sra. Cacilda: “Desde que eu fiquei sabendo que ela ia

nascer com problema, eu a entreguei nos braços de Jesus, pedindo a Ele que

ela seja um instrumento nas mãos dele... para que Ele a use da maneira que

for da vontade dele”.

Lamentavelmente a revista Veja publicou sobre Marcela

uma matéria altamente pejorativa, intitulada “A menina sem estrela”129.

Segundo a jornalista, Marcela nunca sentiu o toque das mãos de sua mãe (!). E

129 LOPES, Adriana Dias. A menina sem estrela. Veja, São Paulo, SP, 15 ago. 2007, p. 122.

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prossegue: “A menina nunca ouviu um único som e não sabe o que é sentir dor

física ou emocional. Desconhece o cheiro e o sabor de qualquer alimento.

Sobrevive no mais absoluto vazio”. A reportagem termina citando um pediatra

alemão, Roberto Wüsthof, que diz, referindo-se à eutanásia para crianças,

permitida na Holanda: “Casos como o de Marcela certamente seriam incluídos

nos protocolos de eutanásia na Holanda. [...] Não faz sentido ser diferente. É

como se ela fosse um computador sem processador”.

Ora, o valor da vida de um ente humano, como Marcela,

não se mede pela expectativa de duração, nem pela presença ou ausência de

um órgão (como o cérebro), nem pelo funcionamento ou não dos sentidos, nem

sequer pela possibilidade ou não de consciência. Quando éramos uma única

célula (chamada ovo ou zigoto), nenhum órgão sensorial existia. O cérebro só

começaria a emitir ondas na sexta semana de vida. No entanto, nossa vida já

era inviolável, mesmo naquele estágio unicelular.

Assim, ainda que fosse verdade o que a revista Veja falou

de Marcela, essa criança não seria menos humana, menos viva e nem menos

digna de respeito. No entanto, os dados apresentados pela revista são

simplesmente falsos. Marcela não é uma “menina sem estrela”.

Diz Sra. Cacilda: “Eu acho que ela é uma estrela

mandada por Deus, para que seja um instrumento nas mãos dele”.

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Marcela reage ao toque da mãe. Com sua mãozinha, ela

agarra os dedos de Sra. Cacilda. Ela se assusta com o som de alguma coisa

caindo, reage à luz dos refletores trazidos pelos fotógrafos, grita de dor quando

sente cólica, fica triste, faz beiço, chora. Quando não gosta de um alimento, ela

cospe. Reconhece a voz da mãe. “Quando sou eu que falo com ela, ela fica

quietinha”, diz Sra. Cacilda.

Com cerca de 8 kg e 62 centímetros, Marcela, que já

completou nove meses de nascida, é uma menina gordinha. Alimenta-se não

só de leite NAN 2, mas também das papinhas que a mãe prepara. Por

exemplo: arroz, feijão e carne batidos no liquidificador.

A mãe se surpreende com ela a cada minuto que passa.

“Ela está aprendendo até a conversar comigo. Ela fala ‘é...’, ‘mã..’”.

Mas a reação mais impressionante de Marcela é o sorriso.

Ela não apenas ri muito, mas chega a dar gargalhadas quando a mãe lhe faz

cócegas. O riso – privilégio da espécie humana – não está ausente em

Marcela, que é humana como nós.

Pode um anencéfalo ter consciência? Devido a um

fenômeno chamado neuroplasticidade, os neurônios são capazes de assumir

funções de células vizinhas que foram lesadas. No anencéfalo, o córtex

cerebral está ausente, mas está presente o tronco cerebral e o cerebelo.

Referindo-se ao anencéfalo, assim se pronuncia o citado Comitê de Bioética:

“... a neuroplasticidade do tronco poderia ser suficiente para garantir ao

anencéfalo, pelo menos, nas formas menos graves, uma certa primitiva

possibilidade de consciência.” E prossegue com esta importante conclusão:

“Deveria, portanto, ser rejeitado o argumento de que o anencéfalo,

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enquanto privado dos hemisférios cerebrais, não está em condições, por

definição, de ter consciência e provar sofrimentos.”130

A reabilitação do anencéfalo

Em 08 de setembro de 2004, o Conselho Federal de

Medicina (CFM) aprovou uma Resolução131 que permitia arrancar os órgãos de

recém-nascidos anencéfalos para fins de transplante mesmo antes de eles

estarem mortos, ou seja, com o tronco cerebral ainda funcionando!

Esta resolução confirmou o Parecer n. 24, de 9 de maio

de 2003, do conselheiro Marco Antônio Becker132, que trazia a seguinte

recomendação: “uma vez autorizado formalmente pelos pais, o médico poderá

proceder ao transplante de órgãos do anencéfalo após a sua expulsão ou

retirada do útero materno, dada a incompatibilidade vital que o ente apresenta,

por não possuir a parte nobre e vital do cérebro, tratando-se de processo

irreversível, mesmo que o tronco cerebral esteja temporariamente funcionante (grifo nosso)”.

Essa monstruosidade foi revogada pela Portaria n. 487,

de 2 de março de 2007,133[7] do Ministro da Saúde José Agenor Álvares da

Silva. Segundo essa portaria, “a retirada de órgãos e/ou tecidos de neonato

anencéfalo para fins de transplante ou tratamento deverá ser precedida de

diagnóstico de parada cardíaca irreversível” (art. 1°). Ou seja, será necessário

que o coração pare definitivamente de bater, para só depois iniciar a remoção

dos órgãos.

Essa portaria, graças a Deus, reconhece o “status” de

ente humano vivo do bebê anencéfalo. Fica assim mais difícil para os Ministros 130 COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA , Op. cit. p. 15. Tradução nossa.

131 Resolução 1.752/2004, publicada na seção 1 - página 140 do Diário Oficial da União do dia 13/09/2004.

132 Parecer sobre o Processo-Consulta 24/2003, a pedido do Ministério Público do Paraná.

133 Publicada no Diário Oficial da União, 5 mar. 2007, Seção 1, p. 29.

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do Supremo Tribunal Federal acatar o pedido da Argüição de Descumprimento

de Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54), de liberar o aborto de anencéfalos.

Mais difícil ainda enquanto Marcela estiver viva e dando gargalhadas...

“Nossa! Eu me sinto tão privilegiada de Deus ter-me

escolhido para cuidar de um anjinho desses! É um anjo mesmo, é um anjo que

está salvando muitas vidas” (Cacilda Galante Ferreira, mãe de Marcela).

Anápolis, 10 de setembro de 2007.

Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis

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