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7/26/2019 O-ABC-do-direito-da-UE.pdf http://slidepdf.com/reader/full/o-abc-do-direito-da-uepdf 1/145 O ABC do Direito da União Europeia  pelo professor Klaus-Dieter Borchardt  O   B  C  d  o  D  e  t  o  d  a  U n  ã  o  u  o  p  e  a   p  e  o   p  o  e  s  s  o  a  u  s -  D  e  t  e  B  o  c  a  d  t O ABC do Direito da União Europeia  pelo professor Klaus-Dieter Borchardt Em 1 de Dezembro de 2009, depois de ratificado pelos 27 Estados-Membros, entrou em vigor o Tratado de Lisboa, trazendo consigo alterações, não só para o direito da União Europeia mas também para as suas instituições. Com O ABC do Direito da União Europeia, o professor Klaus-Dieter Borchardt traz-nos uma obra de referência que se debruça também sobre as origens da construção europeia e a sua evolução como ordem jurídica. Nela, o autor não só nos apresenta aquilo que são as componentes da União Europeia, os princípios em que esta assenta e a ordem jurídica que lhe está subjacente, como estabelece também uma relação entre esta ordem jurídica e o direito dos Estados-Membros. Esta obra destina-se a cidadãos europeus sem conhecimentos jurídicos específicos e que pretendam entender melhor o modo como o direito europeu influencia a sua vida quotidiana.  O -  8 -  0 - - -  C   d  o  :  0  .  8  3  0  /  6  3 Klaus-Dieter Borchardt é, desde 1987 , f uncionário das instituições da União Europeia, tendo sido, entre 2004 e 2010, chefe de gabinete adjunto e, mais tarde, chefe de gabinete da comissária da Agricultura. É igualmente professor honorário na Universidade de Würzburg, onde rege, desde 2001, a cadeira de Direito Europeu. Serviços em linha bookshop.europa.eu • publicações da União Europeia cordis.europa.eu • investigação e desenvolvimento eur-lex.europa.eu • direito da União Europeia ted.europa.eu• concursos públicos 2, rue Mercier 2985Luxemburgo LUXEMBURGO O Serviço das Publicações da União Europeia é a editora das instituições, agências e outras entidades da União Europeia. Proporciona um acesso directo e gratuito ao direito europeu e às publicações da União Europeia.

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    O ABC do Direito da Unio Europeiapelo professor Klaus-Dieter Borchardt

    OABCdoDireitodaUnioEuropeia

    peloprofessorKlaus-DieterBorchardt

    O ABC do Direito da Unio

    Europeiapelo professor Klaus-Dieter Borchardt

    Em 1 de Dezembro de 2009, depois de

    ratificado pelos 27 Estados-Membros, entrou

    em vigor o Tratado de Lisboa, trazendo

    consigo alteraes, no s para o direito da

    Unio Europeia mas tambm para as suas

    instituies.

    Com O ABC do Direito da Unio Europeia,

    o professor Klaus-Dieter Borchardt

    traz-nos uma obra de referncia que

    se debrua tambm sobre as origens

    da construo europeia e a sua evoluo

    como ordem jurdica.

    Nela, o autor no s nos apresenta aquilo

    que so as componentes da Unio

    Europeia, os princpios em que esta assenta

    e a ordem jurdica que lhe est subjacente,

    como estabelece tambm uma relao

    entre esta ordem jurdica e o direito dos

    Estados-Membros.

    Esta obra destina-se a cidados europeus

    sem conhecimentos jurdicos especficos

    e que pretendam entender melhor o

    modo como o direito europeu influencia

    a sua vida quotidiana.

    OA-81-07-147-PT-C

    doi:10.2830/46413

    Klaus-Dieter Borchardt, desde

    1987, f uncionrio das instituies

    da Unio Europeia, tendo sido,

    entre 2004 e 2010, chefe degabinete adjunto e, mais tarde,

    chefe de gabinete da comissria da

    Agricultura. igualmente professor

    honorrio na Universidade de

    Wrzburg, onde rege, desde 2001,

    a cadeira de Direito Europeu.

    Servios em linha

    bookshop.europa.eu publicaes da Unio Europeiacordis.europa.eu investigao e desenvolvimentoeur-lex.europa.eu direito da Unio Europeiated.europa.eu concursos pblicos

    2, rue Mercier2985 LuxemburgoLUXEMBURGO

    O Servio das Publicaes daUnio Europeia a editora dasinstituies, agncias e outrasentidades da Unio Europeia.Proporciona um acesso directoe gratuito ao direito europeu e spublicaes da Unio Europeia.

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    O ABC do Direitoda Unio Europeia

    pelo professor Klaus-Dieter Borchardt

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    O contedo da presente publicao no reflecte necessariamente a posio oficial

    da Unio Europeia. As informaes e opinies nela expressas so da exclusivaresponsabilidade do seu autor.

    Crditos das fotos

    So indicados a seguir os locais de repositrio das fotografias publicadas e/ou a fonteutilizada, bem como os detentores dos respectivos direitos.

    Foram envidados todos os esforos possveis para identificar os proprietrios dos direitos

    das ilustraes e fotografias publicadas. Quaisquer questes devem ser dirigidas ao editor:

    Servio de Publicaes da Unio Europeia

    2, rue Mercier2985 LuxemburgoLUXEMBURGO

    Pginas 8, 23, 30, 38, 55, 75, 98 e 124:Mediateca da Comisso Europeia, Bruxelas Unio Europeia, 2011

    Europe Direct um servio que responde s suas perguntas sobre

    a Unio Europeia.

    Linha telefnica gratuita (*):

    00 800 6 7 8 9 10 11(*) Alguns operadores de telefonia mvel no permitem o acesso aos nmeros iniciados por 00 800 ou cobram estas chamadas.

    Encontram-se disponveis numerosas outras informaes sobre a Unio Europeia na rede

    Internet, via servidor Europa (http://europa.eu)

    Uma ficha catalogrfica figura no final desta publicao

    Luxemburgo: Servio das Publicaes da Unio Europeia, 2011

    ISBN 978-92-78-40730-8doi:10.2830/46413

    Unio Europeia, 2011

    Reproduo autorizada, mediante indicao da fonte

    Printed in Luxembourg

    IMPRESSOEMPAPELBRANQUEADOSEMCLORO

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    NOTAAO LEITOR

    A presente publicao intitulada O ABC do Direito da Unio Europeiatem emconsiderao as alteraes introduzidas pelo Tratado de Lisboa. Com excepode determinadas situaes ou pontos em que o contexto histrico recomendauma soluo diferente, os artigos citados encontram-se nas verses consolidadasdos tratados europeus (Jornal Oficial da Unio EuropeiaC 83, de 30 de Marode 2010). Esta edio reflecte a situao em Maro de 2010.

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    ndice

    007 INTRODUO

    009 DE PARIS A LISBOA VIA ROMA, MAASTRICHT,

    AMESTERDO E NICE

    019 OS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS DA UNIO EUROPEIA020 A Unio Europeia, um bastio de paz

    021 A unidade e a igualdade enquanto fios condutores

    022 As liberdades fundamentais

    022 O princpio da solidariedade

    024 O respeito da identidade nacional

    024 O anseio de segurana

    024 Os direitos fundamentais

    031 A CONSTITUIO DA UNIO EUROPEIA031 A natureza jurdica da Unio Europeia

    035 As competncias da Unio Europeia

    041 Os poderes da Unio Europeia

    046 As instituies da Unio Europeia

    049 As instituies: Parlamento Europeu Conselho Europeu

    ConselhoComisso Europeia Tribunal de Justia da Unio

    Europeia Banco Central Europeu Tribunal de Contas

    081 As instituies consultivas:O Comit Econmico e Social Europeuo Comit das Regies

    084 O Banco Europeu de Investimento

    085 A ORDEM JURDICA DA UNIO EUROPEIA

    085 A Unio Europeia, uma criao do direito e uma comunidade

    pelo direito

    086 As fontes do direito da Unio Europeia

    087 Os tratados originrios: direito primrio da Unio Os actos jurdicos

    da Unio Europeia: direito derivado da Unio Os acordos internacionaiscelebrados pela Unio Europeia Os princpios gerais do direito

    O direito consuetudinrio Acordos entre os Estados-Membros

    da Unio Europeia

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    093 Os instrumentos de aco da Unio Europeia

    094 Regulamentos Directivas Decises Recomendaese pareceres Resolues, declaraes e programas de aco

    Publicao e divulgao

    104 O processo legislativo na Unio Europeia

    106 O processo legislativo ordinrio O processo de parecer favorvel

    O processo simplificado

    110 O sistema de proteco jurdica da Unio Europeia

    112 Aco por incumprimento dos tratadosRecurso de anulao

    Aco por omisso Aco de indemnizao Recurso dosfuncionrios Litgios sobre patentes da Unio Processo de

    recurso Proteco jurdica provisria Pedido de deciso prejudicial

    120 A responsabilidade dos Estados-Membros por violaes do direito

    da Unio Europeia

    121 A responsabilidade por actos normativos ou omisses dos

    Estados-MembrosA responsabilidade por violao do direito

    da Unio Europeia pelo poder judicial

    125 O DIREITO DA UNIO NO CONTEXTO DO SISTEMA JURDICO125 A autonomia da ordem jurdica da Unio Europeia

    126 A interaco entre o direito da Unio Europeia e o direito nacional

    128 O conflito entre o direito da Unio Europeia e o direito nacional

    128 A aplicabilidade directa do direito da Unio no direito nacional

    O primado do direito da Unio sobre o direito nacional A interpretao

    do direito nacional em conformidade com o direito da Unio

    137 CONCLUSO

    139 ANEXO

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    Introduo

    A ordem jurdica subjacente Unio Europeia j hoje faz parte integrante danossa realidade poltica e social. Todos os anos, os tratados da Unio estona origem de milhares de decises que influenciam decisivamente a realidadedos Estados-Membros da Unio Europeia e a vida dos seus cidados. Desdeh muito que os indivduos no so apenas cidados das suas localidades,das suas cidades ou dos seus Estados, mas tambm igualmente cidados daUnio. Ora, por isso de grande relevncia que os cidados da Unio estejamtambm informados acerca de uma ordem jurdica que determina a sua vidaquotidiana. A compreenso da Unio Europeia no seu conjunto, e da suaordem jurdica, no parece facilmente acessvel ao cidado comum. Parte dadificuldade reside, desde logo, nos prprios textos dos tratados, que so, porvezes, pouco claros e cujo alcance difcil de apreender. Para alm disto, ha singularidade de muitos dos conceitos com que os tratados procuram gerir

    situaes novas e pouco habituais. Procuraremos mostrar seguidamente emque consiste a construo da Unio Europeia e os pilares da ordem jurdicaeuropeia, de modo a tentarmos reduzir o dfice de compreenso destas ques-tes entre os cidados da Unio.

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    Haia, 7 de Maio de 1948

    Calorosa recepo a Winston Churchill no

    Congresso do Movimento pela Unificao Europeia.O antigo primeiro-ministro britnico, na altura

    lder da oposio, conduz a sesso de abertura do

    Congresso Europeu. Em 19 de Setembro de 1946,

    tinha apelado, no seu famoso discurso de Zurique, unificao da Europa.

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    De Paris a Lisboa via Roma,Maastricht, Amesterdo e Nice

    At pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o funcionamento dosEstados e a vida poltica dos nossos pases assentavam ainda, quase exclusi-

    vamente, nas constituies e leis nacionais. Estas fixavam, nos nossos pasesdemocrticos, as regras de comportamento a respeitar pelos indivduos, pelospartidos e tambm pelo Estado e suas instituies. Foi preciso o colapso to-tal da Europa e o declnio econmico e poltico do velho continente para selanar as bases da renovao e para que a ideia de uma nova ordem europeiaganhasse renovado mpeto.

    Na sua globalidade, os esforos de unificao europeia do uma imagem des-concertante de uma panplia de organizaes complexas e difceis de apreen-

    der. Assim, coexistem sem grandes ligaes entre si organizaes como a Orga-nizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmicos (OCDE), a Unioda Europa Ocidental (UEO), a Organizao do Tratado do Atlntico Norte(NATO), o Conselho da Europa e a Unio Europeia. O nmero de pases queintegram estas organizaes varia entre 10 (UEO) e 47 (Conselho da Europa).

    Esta diversidade de instituies europeias s adquire uma estrutura quandose atenta nos objectivos concretos das diferentes organizaes, sendo ento

    possvel dividi-las em trs grandes grupos.

    PRIMEIROGRUPO: ASORGANIZAES EURO-ATLNTICAS

    As organizaes euro-atlnticas resultam da aliana concluda aps a Segun-da Guerra Mundial entre os Estados Unidos da Amrica e a Europa. No, pois, um mero acaso que a primeira organizao europeia do ps-guerra,a Organizao Europeia de Cooperao Econmica (OECE), fundada em

    1948, tenha sido criada por iniciativa dos Estados Unidos. O ento minis-tro dos Negcios Estrangeiros deste pas, George Marshall, convidou, em1947, os pases europeus a unirem esforos para a reconstruo econmica,garantindo-lhes o apoio dos Estados Unidos, apoio esse que se concretizou

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    com o Plano Marshall, lanando as bases para a rpida reconstruo da Eu-

    ropa Ocidental. A primeira misso da OECE consistiu essencialmente naliberalizao das trocas comerciais entre os pases. Em 1960, os pases mem-bros da OECE, aos quais entretanto se tinham juntado os Estados Unidose o Canad, decidiram alargar o campo de aco da organizao ajuda aospases do Terceiro Mundo. A OECE tornou-se ento na Organizao paraa Cooperao e Desenvolvimento Econmicos (OCDE).

    A criao da OECE foi seguida, em 1949, pela da NATO, sob forma de uma

    aliana militar com os Estados Unidos e o Canad. A Unio da Europa Oci-dental (UEO) foi instituda em 1954, com o intuito de reforar a colaboraoem matria de poltica de segurana entre os pases europeus. A UEO nascedo Tratado de Bruxelas, j celebrado entre o Reino Unido, a Frana, a Blgica,o Luxemburgo e os Pases Baixos, aos quais se juntaram depois a RepblicaFederal da Alemanha e a Itlia. Mais tarde, foi a vez de Portugal, da Espa-nha e da Grcia. A UEO marcou, em 1954, o incio do desenvolvimento deuma poltica de segurana e defesa na Europa. No entanto, o seu papel nofoi ampliado porque a maioria das suas competncias foi transferida para ou-

    tras instituies internacionais, sobretudo a NATO, o Conselho da Europae a Unio Europeia. A UEO continuou, porm, a ter a tarefa da defesa colecti-va, uma vez que esta ainda no foi assumida pela Unio Europeia.

    SEGUNDOGRUPO: O CONSELHODAEUROPAEAOSCE

    As organizaes europeias que integram o segundo grupo caracterizam-se

    por uma estrutura que possibilita a cooperao do maior nmero possvelde pases, tendo sido deliberadamente acordado que estas organizaes noiriam mais alm da cooperao tradicional entre Estados.

    Deste grupo faz parte o Conselho da Europa, organizao poltica fundada em5 de Maio de 1949. Os Estatutos do Conselho da Europa no fazem qualquerreferncia criao de uma federao ou de uma unio, nem prevem qualquertransferncia ou exerccio em comum de partes da soberania nacional Todas asdecises do Conselho da Europa sobre questes importantes so tomadas por

    unanimidade. Nesta perspectiva, qualquer pas pode opor um veto adopode uma deciso, regra esta que vigora tambm no Conselho de Segurana dasNaes Unidas (ONU). O Conselho da Europa foi, pois, concebido como umorganismo de cooperao internacional. A ele se deve a concluso de inmeras

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    convenesem domnios como a economia, a cultura, a poltica social e o di-

    reito. O exemplo mais importante e mais conhecido o da Conveno Euro-peia para a Proteco dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais(CEDH), assinada em 4 de Novembro de 1950, a qual, na prtica, permitiuinstaurar nos Estados signatrios no apenas um nvel mnimo mais significa-tivo de proteco dos direitos humanos, mas tambm um sistema de garantiasjurdicas que habilitam os rgos institudos em Estrasburgo pela Conveno,a saber, a Comisso Europeia dos Direitos do Homem e o Tribunal Europeudos Direitos do Homem, a condenar, no mbito das suas disposies, quais-

    quer violaes da Conveno dos Direitos do Homem nos pases signatrios.

    Deste grupo faz ainda parte a Organizao para a Segurana e a Cooperao naEuropa(OSCE), instituda em 1994 e sada da Conferncia para a Seguranae a Cooperao na Europa. A OSCE est vinculada aos princpios e objectivosconsagrados na Acta Final de Helsnquia (1975) e na Carta de Paris (1990),dos quais fazem parte, designadamente, a promoo de medidas geradoras deconfiana entre os pases europeus e a criao de uma rede de segurana paraa resoluo pacfica dos conflitos. A histria recente mostrou que, precisamente

    neste domnio, existe ainda um longo caminho a percorrer pela Europa.

    TERCEIROGRUPO: UNIOEUROPEIA

    O terceiro grupo de organizaes europeias constitui a Unio Europeia, quese distingue das tradicionais associaes entre Estados por um aspecto fun-damental: rene pases que renunciaram a uma parte da respectiva soberania

    em favor da Unio Europeia, tendo conferido a esta ltima poderes prpriose independentes dos Estados-Membros. O exerccio destes poderes confere Unio competncias para promulgar actos europeus de efeito equivalenteaos actos nacionais.

    A primeira pedra da construo da Unio Europeia foi lanada pelo entoministro dos Negcios Estrangeiros francs, Robert Schuman, com a sua De-clarao de 9 de Maio de 1950, em que apresentou um projecto elaboradoconjuntamente com Jean Monnet para a unificao da indstria europeia

    do carvo e do ao numa Comunidade Europeia do Carvo e do Ao (CECA).Tratou-se de uma iniciativa histrica a favor de uma Europa organizadae viva, que indispensvel civilizao e sem a qual a paz no mundo noseria salvaguardada. O plano Schuman tornou-se uma realidade com

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    a concluso do Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvo e do Ao

    (CECA), que foi assinado a 18 de Abril de 1951 pelos seis Estados fundadores(Blgica, Frana, Itlia, Luxemburgo, Pases Baixos e Repblica Federal daAlemanha) em Paris (Tratado de Paris), e entrou em vigor no dia 23 de Julhode 1952. Esta Comunidade foi instituda por um perodo de 50 anos, e quan-do esse prazo previsto no Tratado fundador chegou ao seu fim, em 23 de Julhode 2002, foi integrada na Comunidade Europeia. No seu seguimento, foramalguns anos mais tarde institudas pelos tratados de Roma de 25 de Maro de1957 a Comunidade Econmica Europeia (CEE)e a Comunidade Europeia da

    Energia Atmica (CEEA ou Euratom), que iniciaram as respectivas actividadescom a entrada em vigor dos tratados, em 1 de Janeiro de 1958.

    A criao da Unio Europeia (UE) pelo Tratado de Maastricht constituiuum novo marco no processo da unio poltica europeia. Este Tratado, as-sinado em 7 de Fevereiro de 1992 em Maastricht, mas que teve de venceralguns obstculos na fase de ratificao (foram precisos dois referendos naDinamarca para a sua aprovao e na Alemanha foi interposto um recursono Tribunal Constitucional contra a aprovao parlamentar do Tratado) at

    sua entrada em vigor em 1 de Novembro de 1993, definiu-se a si prpriocomo uma nova etapa no processo de criao de uma unio cada vez maisestreita entre os povos da Europa. Comporta o acto constitutivo da UnioEuropeia, sem, contudo, nele colocar a ltima pedra, e um primeiro passoem direco a uma Constituio europeia definitiva.

    A Unio Europeia deu um novo passo em frente com os tratados deAmester-do e Nice, entrados em vigor, respectivamente, em 1 de Maio de 1999 e em

    1 de Fevereiro de 2003. O objectivo destas reformas dos tratados era mantera capacidade de actuao da Unio Europeia numa Unio alargada de 15para 27 ou mais Estados-Membros. Por isso, os dois tratados conduziramem primeira linha a reformas institucionais e, em comparao com reformasanteriores, a vontade poltica de aprofundamento da integrao europeia erarelativamente mais fraca.

    As muitas crticas da resultantes levaram a que se encetasse um debate sobreo futuro da Unio Europeia e a sua configurao institucional. Daqui resul-

    tou a aprovao de uma Declarao sobre o futuro da Unio Europeia peloschefes de Estado e de Governo, a 5 de Dezembro de 2001, em Laeken. Nela,a UE comprometeu-se a tornar-se mais democrtica, transparente e eficiente,assim como a abrir caminho a uma Constituio. Como primeiro passo para

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    a realizao destes objectivos, confiou-se a elaborao de uma Constituio

    Europeia a uma Conveno sobre o Futuro da Europa, presidida pelo antigopresidente francs Valry Giscard dEstaing. Em 18 de Julho de 2003, o presi-dente entregou oficialmente, em nome da Conveno, ao presidente do Con-selho Europeu o projecto de Tratado que Estabelece uma Constituio paraa Europa elaborado pela Conveno. Este projecto, com determinadas al-teraes introduzidas aps a adeso Unio Europeia de dez novos Estados--Membros, em 1 de Maio de 2004, e depois das eleies para o ParlamentoEuropeu de meados de Junho de 2004, viria a ser aprovado pelos chefes de

    Estado e de Governo em Bruxelas, a 17 e 18 de Julho do mesmo ano.

    Com esta Constituio, a Unio Europeia e a Comunidade Europeia, atento existentes, deveriam dar lugar a uma nova e nica Unio Europeia queassentasse num nico Tratado Constitucional. Paralelamente, apenas a Co-munidade Europeia da Energia Atmica deveria continuar a ter existnciaautnoma, devendo, no entanto e tal como anteriormente continuara manter a estreita articulao com a nova Unio Europeia.

    Esta abordagem constitucional fracassou, contudo, no processo de ratificao.Depois de ter obtido votaes inicialmente positivas em 13 dos 25 Estados-Mem-bros, o Tratado Constitucional da Unio Europeia foi rejeitado nos referendos re-alizados em Frana (54,68% de votos contra, com uma participao de 69,34%)e nos Pases Baixos (61,7% de votos contra, com uma participao de 63%).

    Decorrido um perodo de reflexo de quase dois anos, foi possvel, no primeirosemestre de 2007, apresentar um novo pacote de reformas. Este pacote de refor-mas abandona formalmente o conceito de Constituio europeia, devendo todosos tratados existentes ser revogados e substitudos por um texto nico designadopor Tratado que Estabelece uma Constituio para a Europa. Delineou-se, emvez disso, um tratado reformador que retoma toda a tradio das modificaesde fundo introduzidas pelos tratados de Maastricht, Amesterdo e Nice nos tra-tados da Unio Europeia existentes, no sentido de aumentar tanto a capacidadede actuao interna como externa da Unio, reforar a legitimidade democrti-ca e, de um modo geral, melhorar a eficincia da aco da UE. Igualmente deacordo com a tradio, baptizou-se este tratado reformador de Tratado de Lisboa.

    A elaborao do Tratado de Lisboa avanou de uma forma invulgarmente rpida,o que se ficou sobretudo a dever ao facto de os prprios chefes de Estado e deGoverno, nas concluses do Conselho Europeu realizado em Bruxelas em 21e 22 de Junho de 2007, terem determinado em pormenor de que modo e com que

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    alcance as inovaes, negociadas relativamente ao Tratado Constitucional, de-

    viam ser incorporadas nos tratados j existentes. Neste processo agiram de formabastante atpica, no se limitando, como habitual, a tarefas genricas, a aplicarsubsequentemente, na prtica, por uma conferncia intergovernamental, tendoantes projectado eles prprios a estrutura e o contedo das modificaes a intro-duzir, tendo inclusive redigido muitas vezes o texto exacto de algumas disposi-es. Neste contexto, foram particularmente controversos os limites das compe-tncias entre a Unio Europeia e os Estados-Membros, a progresso da PolticaExterna e de Segurana Comum, o novo papel dos parlamentos nacionais no

    processo de integrao, a incluso da Carta dos Direitos Fundamentais no direitoda Unio e os possveis avanos no domnio da cooperao policial e judicial emmatria penal. A conferncia intergovernamental convocada em 2007 viu, porisso, a sua prpria margem de manobra muito reduzida e foi-lhe unicamenteatribuda competncia para aplicar tecnicamente as modificaes pretendidas.Os trabalhos da conferncia intergovernamental puderam assim terminar, logoa 18 e 19 de Outubro de 2007, tendo recebido a aprovao poltica no Conse-lho Europeu informal que decorria simultaneamente em Lisboa. O Tratado teve

    finalmente a sua assinatura solene, a 13 de Dezembro de 2007, pelos chefes deEstado e de Governo dos 27 Estados-Membros da Unio Europeia, reunidos emLisboa. No entanto, tambm o processo de ratificao deste Tratado viria a re-velar-se particularmente difcil. Embora o Tratado de Lisboa tenha, ao contrriodo Tratado Constitucional, ultrapassado os obstculos ratificao na Franae nos Pases Baixos, a ratificao veio a fracassar seguidamente na Irlanda, numprimeiro referendo realizado a 12 de Junho de 2008 (com 53,4% de votos contrae uma participao de 53,1%). S depois de terem sido dadas algumas garantias

    jurdicas quanto ao alcance (limitado) do novo Tratado que os cidados daIrlanda foram, em Outubro de 2009, chamados a pronunciar-se num segundoreferendo sobre o Tratado de Lisboa. Desta vez o Tratado recolheu uma amplaconcordncia por parte da populao irlandesa (67,1%, com uma participaode 59%). O sucesso do referendo irlands abriu tambm o caminho ratificaodo Tratado de Lisboa na Polnia e na Repblica Checa. Na Polnia, o presidenteKaczyski tinha feito depender a sua assinatura deste documento dos bons re-sultados do referendo irlands. Tambm o presidente checo, Vclav Klaus, quisprimeiro aguardar o referendo irlands e acabou igualmente por fazer ainda de-

    pender a aceitao do instrumento de ratificao da garantia de que os chamadosdecretos Bene, de 1945, que excluam quaisquer exigncias territoriais relati-vas a antigos territrios alemes incorporados na Repblica Checa, pudessem dealgum modo ser afectados pelo Tratado de Lisboa, e sobretudo pela Carta dos

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    Direitos Fundamentais introduzida no Tratado UE. Depois de tambm se ter

    encontrado uma soluo para esta exigncia, o presidente checo assinou, em 3 deNovembro de 2009, o instrumento de ratificao, o que permitiu que no ltimodos 27 Estados-Membros se pudesse concluir com xito o processo de ratificao,de modo a que o Tratado de Lisboa entrasse em vigor a 1 de Dezembro de 2009.

    Com o Tratado de Lisboa, a Unio Europeia e a Comunidade Europeia fundi-ram-se numa nica Unio Europeia. A expresso Comunidade ir ser sistema-ticamente substituda pela expresso Unio. A Unio ocupar o lugar da Co-munidade Europeia e ser a sua sucessora, embora o direito da Unio continuea ser marcado pelos trs tratados seguintes:

    Tratado da Unio Europeia

    O Tratado da Unio Europeia (Tratado UE ou TUE) sofreuma remodelao completa, encontrando-se subdivididoem seis ttulos: Disposies comuns (I), Disposies relativasaos princpios democrticos (II), Disposies relativas s

    instituies (III), Disposies relativas s cooperaesreforadas (IV), Disposies gerais relativas aco externa daUnio e Disposies especficas relativas poltica externa e desegurana comum (V) e Disposies finais (VI).

    Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia

    O Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia (TratadoFUE ou TFUE) resulta do Tratado que institui a ComunidadeEuropeia. O Tratado FUE segue essencialmente a organizaodo Tratado CE. As mudanas fulcrais so a aco externa daUnio Europeia e a introduo de novos captulos, sobretudorelativos poltica energtica, cooperao entre autoridadespoliciais e judicirias em matria penal, viagens aeroespaciais oudesporto e turismo.

    Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atmica

    O Tratado que institui a Comunidade Europeia da EnergiaAtmica (Tratado Euratom ou Tratado CEEA) foi apenasmodificado pontualmente. As modificaes especficas foramincludas nos protocolos inseridos em anexo ao Tratado de Lisboa.

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    O Tratado UE e o Tratado FUE tm o mesmo valor jurdico. Esta clarificao

    jurdica necessria porque o novo ttulo do antigo Tratado CE (Tratado so-bre o Funcionamento da Unio Europeia) e o tipo de densidade regulamentarem ambos os tratados do a sensao de que o Tratado UE seria uma espciede lei fundamental ou tratado fundador, ao passo que o Tratado FUE pareceter antes sido concebido como tratado de execuo. Ora, nem o TUE nemo TFUE tm qualquer carcter constitucional. A terminologia utilizada noconjunto dos tratados reflecte esta alterao face ao anterior projecto consti-tucional: o termo Constituio no usado, a expresso ministro dos Ne-

    gcios Estrangeiros da Unio d lugar a alto-representante da Unio paraos Negcios Estrangeiros e a Poltica de Segurana e as designaes leie lei-quadro so abandonadas. De igual modo, os tratados modificadosno contm qualquer artigo em que seja feita referncia a smbolos da UnioEuropeia como a bandeira, o hino ou o lema. O primado do direito da UnioEuropeia no consagrado de forma expressa numa disposio do Tratado,mas resulta, tal como no passado, da jurisprudncia do Tribunal de Justiada Unio Europeia, sendo feita referncia a esta questo numa declarao.

    O Tratado de Lisboa abandona, alm disso, o modelo de trs pilares daUnio Europeia. O primeiro pilar, composto essencialmente pelo mercadointerno e as polticas da Comunidade Europeia, fundido com o segundopilar, constitudo pela poltica externa e de segurana comum, e com o ter-ceiro pilar, da cooperao policial e judiciria em matria penal. Permane-cem, no entanto, em vigor os procedimentos especiais no domnio da polticaexterna e de segurana comum, incluindo a defesa europeia, salientando asdeclaraes da conferncia intergovernamental anexadas ao Tratado o ca-

    rcter especfico desta poltica e a especial responsabilidade dos Estados-Membros quanto a ela.

    A Unio Europeia tem neste momento 27 Estados-Membros. Contam-se,em primeiro lugar, os seis pases fundadores da Comunidade EconmicaEuropeia (CEE), a saber, aAlemanha(que com a reunificao dos dois Es-tados alemes, em 3 de Outubro de 1990, passou a integrar o territrio daex-RDA), aBlgica, a Frana, aItlia, o Luxemburgoe os Pases Baixos. Em1 de Janeiro de 1973, a Dinamarca(com excepo da Gronelndia, que em

    Fevereiro de 1982 se pronunciou por escassa maioria contra a adeso da ilha Comunidade Europeia), a Irlanda e o Reino Unido ingressaram na Comu-nidade. A prevista adeso da Noruega acabou por no se concretizar devidoaos resultados do referendo de Outubro de 1972 (53,5% de votos contra).

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    O chamado alargamento a Sul da Unio Europeia realizou-se com a ade-

    so da Grcia, em 1 de Janeiro de 1981, e terminou com a adeso da Espanhae de Portugal, em 1 de Janeiro de 1986. A este alargamento seguiu-se, em1 de Janeiro de 1995, a adeso daustria, da Finlndia e da Sucia UnioEuropeia. Na Noruega mais uma vez falhou a adeso, semelhana do queacontecera 22 anos antes, com a populao a pronunciar-se contra, poruma escassa maioria de 52,4% de votos. Em 1 de Maio de 2004, aderiram Unio Europeia os Estados blticos Estnia, Letnia e Litunia, os pasesda Europa Central e Oriental Repblica Checa, Hungria, Polnia, Eslovnia

    e Eslovquia, bem como as duas ilhas mediterrnicas de Chipre eMalta. Ape-nas dois anos mais tarde, a adeso da Bulgria e da Romnia, em 1 de Janeirode 2007, viria encerrar provisoriamente o alargamento a leste. O nmero deEstados-Membros da Unio Europeia passou assim de 15 para 27, e o nme-ro de cidados da Unio aumentou em cerca de 90 milhes de pessoas paraum total de 474 milhes de habitantes. Este alargamento histrico da UnioEuropeia constitui o cerne de um longo processo que veio permitir a reuniode povos europeus que haviam estado separados durante mais de cinquentaanos pela cortina de ferro e a guerra fria. Por detrs deste quinto alarga-mento da Unio surge sobretudo o desejo de promover a paz, a estabilidadee o bem-estar econmico num continente europeu unido.

    Esto j em curso outras negociaes de adeso, por exemplo com a Turquia,que apresentou o seu pedido de adeso em 14 de Abril de 1987. As relaesentre a Unio Europeia e a Turquia tm, no entanto, um historial ainda maislongo. Em 1963 havia sido j assinado um acordo de associao entre a CEEe a Turquia em que era referida uma perspectiva de adeso. Em 1995, foi cria-da uma unio aduaneira, e, em Dezembro de 1999, foi atribudo oficialmente Turquia, pelo Conselho Europeu de Helsnquia, o estatuto de pas candida-to adeso. Era este o resultado da convico de que o pas possua os pres-supostos de base de um sistema democrtico, ainda que com muito a fazerem matria de respeito pelos direitos humanos e de proteco das minorias.Com base numa recomendao da Comisso, o Conselho deu finalmente luzverde, em Dezembro de 2004, para se iniciarem as negociaes de adeso coma Turquia. Estas negociaes iniciaram-se em Outubro de 2005, tendo como

    objectivo ltimo a adeso. No h, no entanto, qualquer garantia de que esteobjectivo venha a ser alcanado. Existe tambm consenso na Unio Europeiade que uma possvel adeso no poder ocorrer antes de 2014, e que esta de-ver ser preparada com o maior cuidado possvel, de modo a que a integrao

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    se realize de uma forma suave e sem pr em risco aquilo que a integrao

    europeia j alcanou em mais de 50 anos. Outros pases candidatos adesoso a Crocia, pas que, em Outubro de 2005, viu facilitado o caminho parao incio das negociaes de adeso, e a antiga Repblica jugoslava da Mace-dnia, que em Dezembro de 2005 passou a ter o estatuto de pas candidato adeso sem que, no entanto, estivesse vista uma data concreta para o inciodas negociaes. Em 17 de Julho de 2009, a Islndia apresentou o seu pedidode adeso. Em 24 de Fevereiro de 2010, a Comisso Europeia recomendou aoConselho que iniciasse as negociaes para a adeso da Islndia.

    A Unio Europeia vira-se agora tambm, de forma resoluta, para os EstadosdosBalcs Ocidentais. A Unio decidiu utilizar nos pases dos Balcs Ociden-tais a mesma estratgia que usou para os novos pases de adeso, ou seja, umprocesso alargado de estabilizao e associao que ir proporcionar o quadroalargado para uma aproximao dos pases dos Balcs Ocidentais UE at sua adeso no futuro. Um primeiro passo importante neste contexto so asparcerias europeias existentes com a Albnia, a Bsnia e Herzegovina e aSrvia e Montenegro, incluindo o Kosovo (1)

    .As parcerias europeias, que, em

    casos especficos, necessitam de ser adaptadas s necessidades concretas, doresposta ao objectivo de prestar ajuda aos pases dos Balcs Ocidentais para quea preparao de uma eventual adeso se possa verificar num quadro ordenadoe consensual. Alm disso, proporcionam tambm um quadro para a elaboraode planos de aco dotados de calendrios para as reformas a executar e nombito dos quais devem ser definidas com rigor as verbas que os pases prev-em utilizar para darem resposta aos desafios de uma integrao mais forte naUnio Europeia.

    Mas tambm so tomadas previdncias relativamente a uma sada da Unio: noTratado UE foi introduzida uma clusula de sadaque permite a um Estado-Membro abandonar a Unio Europeia. A sada da Unio no est associadaa qualquer condio, requerendo apenas um acordo entre a UE e o Estado--Membro em questo sobre as modalidades de sada, ou, caso este acordo nose verifique, o cumprimento de um prazo de dois anos contados aps a notifica-o da inteno de sada para que esta se concretize mesmo sem acordo. Falta,no entanto, uma disposio sobre a excluso de um Estado-Membro da Unio

    Europeia, em caso de graves e repetidas violaes do Tratado.

    (1) De acordo com o estatuto definido na Resoluo 1244 do Conselho de Segurana das Naes Unidas.

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    Os princpios fundamentaisda Unio Europeia

    Artigo 2. do Tratado UE (valores da Unio)

    A Unio funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da

    liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito

    pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes

    a minorias. Estes valores so comuns aos Estados-Membros, numa

    sociedade caracterizada pelo pluralismo, a no discriminao, a tolerncia,

    a justia, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.

    Artigo 3. do Tratado UE (objectivos da Unio)

    1. A Unio tem por objectivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar

    dos seus povos.

    2. A Unio proporciona aos seus cidados um espao de liberdade,

    segurana e justia sem fronteiras internas, em que seja assegurada

    a livre circulao de pessoas, em conjugao com medidas adequadas

    em matria de controlos na fronteira externa, de asilo e imigrao, bem

    como de preveno da criminalidade e combate a este fenmeno.

    3. A Unio estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento

    sustentvel da Europa, assente num crescimento econmico equilibrado

    e na estabilidade dos preos, numa economia social de mercado altamente

    competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social,

    e num elevado nvel de proteco e de melhoramento da qualidade do

    ambiente. A Unio fomenta o progresso cientfico e tecnolgico.

    A Unio combate a excluso social e as discriminaes e promove

    a justia e a proteco sociais, a igualdade entre homens e mulheres,

    a solidariedade entre as geraes e a proteco dos direitos da criana.

    A Unio promove a coeso econmica, social e territorial, e a solidariedade

    entre os Estados-Membros.

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    A Unio respeita a riqueza da sua diversidade cultural e lingustica e vela

    pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do patrimnio cultural europeu.

    4. A Unio estabelece uma unio econmica e monetria cuja moeda

    o euro.

    5. Nas suas relaes com o resto do mundo, a Unio afirma e promove os

    seus valores e interesses e contribui para a proteco dos seus cidados.

    Contribui para a paz, a segurana, o desenvolvimento sustentvel do

    planeta, a solidariedade e o respeito mtuo entre os povos, o comrcio

    livre e equitativo, a erradicao da pobreza e a proteco dos direitos

    do Homem, em especial os da criana, bem como para a rigorosaobservncia e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito

    dos princpios da Carta das Naes Unidas.

    [...]

    A construo de uma Europa unida assenta em princpios fundamentais a queos Estados-Membros reconhecem estar obrigados e cuja concretizao cabe aosrgos executivos da Unio Europeia. Entre estes valores fundamentais figu-ram a garantia de uma paz duradoura, a unidade, a igualdade, a liberdade,

    a solidariedade e a segurana. A Unio Europeia assume o compromisso ex-presso de garantir todos os princpios, comuns a todos os Estados-Membros, dademocracia e do Estado de direito, bem como a proteco dos direitos humanose dos direitos fundamentais. Estes valores constituem tambm directrizes paraEstados que pretendam futuramente aderir Unio. Alm disso, uma violaograve e duradoura destes valores e princpios, por parte de um Estado-Membro,poder dar origem a uma sano. Se os chefes de Estado e de Governo, sobproposta de um tero dos Estados-Membros ou da Comisso e aps parecer fa-vorvel do Parlamento Europeu, verificarem a existncia de uma violao gravee persistente dos valores e princpios da Unio, o Conselho pode decidir pormaioria qualificada suspender alguns dos direitos decorrentes do TUE e doTFUE ao Estado-Membro em causa, incluindo o direito de voto do represen-tante do Governo desse Estado-Membro no Conselho. Os deveres decorren-tes dos tratados continuaro, pelo contrrio, a vincular o Estado-Membro emquesto. Tambm os efeitos sobre os direitos e respectivas obrigaes dos cida-dos e das empresas sero especialmente tomados em considerao.

    A UNIOEUROPEIA, UM BASTIODE PAZ

    Nenhum motivo foi mais poderoso para a unificao europeia do que a ne-cessidade de paz. No sculo XX, duas guerras mundiais opuseram Estados

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    europeus que hoje fazem parte da Unio Europeia. Por isso, fazer poltica

    europeia significa tambm fazer poltica de paz, e com a criao da UnioEuropeia conseguiu-se o elemento essencial para o estabelecimento de umaordem pacfica europeia, que torna impossvel qualquer guerra entre Esta-dos-Membros, e 50 anos de paz provam isso mesmo. Esta ordem pacfica tor-nar-se- tanto mais forte quanto mais Estados europeus a ela aderirem. Nestesentido, os dois ltimos alargamentos da Unio a 12 Estados localizados so-bretudo na Europa Central e Oriental vieram dar um importante contributopara o reforo da ordem pacfica europeia.

    A UNIDADEEAIGUALDADEENQUANTOFIOSCONDUTORES

    A unidade o fio condutor da Unio Europeia. S quando os Estados europeusavanarem no caminho para a unidade que podero superar os problemas actu-ais. E muitos so aqueles que pensam que a paz na Europa e no mundo, a demo-cracia e o Estado de direito, a prosperidade econmica e o bem-estar social nopoderiam ser assegurados, no presente e no futuro, sem a integrao europeia

    e a Unio Europeia. O desemprego, o crescimento insuficiente e a poluio dei-xaram h muito de ser problemas nacionais e no podem tambm ser resolvidoscom solues a nvel nacional. S no quadro da Unio Europeia se pode estabe-lecer uma ordem econmica estvel, s atravs de um esforo europeu comum sepode realizar uma poltica econmica internacional que aumente a competitivi-dade da economia europeia e ajude a fortalecer os fundamentos sociais do Estadode direito. Sem coeso interna, a Europa no pode afirmar a sua independnciapoltica e econmica face ao resto do mundo, nem reencontrar a sua influncia na

    cena internacional e ter um papel interveniente na poltica mundial.

    A unidade s pode existir se predominar a igualdade, e nenhum cidado daUnio pode ser colocado em desvantagem pela sua nacionalidade, isto ,discriminado. necessrio combater a discriminao baseada no gnero,raa, origem tnica, religio ou ideologia, deficincia, idade ou orientaosexual. A Carta dos Direitos Fundamentais no permaneceu imutvel facea estes aspectos. Tambm a discriminao em virtude da cor da pele, de ca-ractersticas genticas, da lngua, das opinies polticas ou de outro cariz, da

    pertena a uma minoria nacional, da fortuna ou do local de nascimento do-ravante proibida. Todos os cidados da Unio Europeia so tambm iguaisperante a lei. Em relao aos Estados-Membros, nenhum deve beneficiar deposies privilegiadas, e o princpio da igualdade exige que as diferenas que

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    a natureza gera, como a superfcie, o nmero de habitantes de um pas e as

    disparidades estruturais, sejam tratadas luz do princpio da igualdade.

    ASLIBERDADESFUNDAMENTAIS

    Corolrio da paz, da igualdade e da unidade a liberdade. A criao de um es-pao mais vasto, composto agora por 27 Estados, implica simultaneamente umasrie de liberdades que vo alm das fronteiras nacionais: a liberdade de circula-

    o de trabalhadores, a liberdade de estabelecimento, a liberdade de prestao deservios, a liberdade de circulao de mercadorias e a liberdade de circulao decapitais. Estas liberdades fundamentais permitem ao empresrio decidir livre-mente, ao trabalhador escolher o seu local de trabalho e ao consumidor escolherlivremente entre uma diversidade enorme de produtos. A livre concorrncia per-mite s empresas orientarem a sua oferta para um crculo incomparavelmentemaior de consumidores. O trabalhador escolhe ou muda de emprego em funodas suas expectativas e interesses em todo o espao da Unio Europeia. O con-sumidor consegue, devido a uma concorrncia mais forte, ter uma oferta consi-

    deravelmente maior dos melhores e mais baratos produtos.

    Nos casos dos cidados de Estados-Membros que aderiram Unio Europeiaem 1 de Maio de 2004 e 1 de Janeiro de 2007 encontram-se ainda par-cialmente em vigor disposies transitrias. No Tratado de Adeso UnioEuropeia foram previstas derrogaes quanto liberdade de circulao detrabalhadores e liberdade de estabelecimento e de prestao de servios.Posteriormente, os Estados-Membros podem ainda restringir a liberdade de

    circulao dos trabalhadores que sejam nacionais de um destes pases duran-te um mximo de sete anos, baseando a emisso de autorizaes de trabalhono direito nacional e/ou em disposies bilaterais.

    O PRINCPIODASOLIDARIEDADE

    A solidariedade o necessrio elemento correctivo da liberdade. A utiliza-o desmedida desta faz-se sempre em detrimento de outrem. Por isso, uma

    ordem comunitria, para ser duradoura, tem de reconhecer tambm a so-lidariedade entre os seus membros como princpio fundamental e repartiruniforme e equitativamente as vantagens, isto , a prosperidade, repartindoigualmente os custos.

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    Taormina (Itlia), 1 a 3 de Junho de 1955Joseph Bech, Paul-Henri Spaak e Johan Willem Beyen no jardimdo hotel que os alojou durante a Conferncia de Messina. Os trsministros dos Negcios Estrangeiros elaboraram o MemorandoBenelux, que seria depois discutido pelos representantes dos seispases durante a conferncia.

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    O RESPEITODAIDENTIDADENACIONAL

    Dever ser respeitada a identidade nacional dos Estados-Membros. Os Es-tados-Membros no devem fundir-se na Unio Europeia, mas antes trazerpara ela a sua identidade nacional. diversidade das caractersticas e dasidentidades nacionais que a Unio vai buscar a sua fora espiritual e moral,colocando-a ao servio de todos.

    O ANSEIODE SEGURANA

    Todos estes valores fundamentais dependem em ltima instncia da seguran-a. Sobretudo depois dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001,a luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada passou tambm denovo para primeiro plano na Europa. A cooperao policial e judiciria esta ser permanentemente aprofundada, enquanto se refora a proteco dasfronteiras externas comuns da Unio Europeia.

    Mas a segurana do continente europeu implica tambm uma seguranasocial para todos os cidados que vivem na Unio Europeia, a seguranados postos de trabalho e tambm dos acordos comerciais que sejam conclu-dos no mbito da confiana na estabilidade do enquadramento econmico.Nessa medida, os rgos da Unio Europeia so chamados a criar condiesnecessrias para que os cidados e as empresas possam encarar com seguran-a o futuro.

    OSDIREITOSFUNDAMENTAISEntre os valores e princpios fundamentais em que a Unio Europeia assentafiguram tambm os direitos fundamentais de cada cidado da Unio. A his-tria europeia caracteriza-se, h mais de dois sculos, por esforos constantespara reforar a proteco dos direitos fundamentais. Desde a Declarao dosDireitos do Homem e do Cidado, no sculo XVIII, que os direitos e asliberdades fundamentais esto consagrados na maior parte das constituiesdos pases civilizados. o que acontece de especial modo nos Estados-Mem-

    bros da Unio Europeia, cujas ordens jurdicas assentam na salvaguarda dosdireitos, assim como no respeito pela dignidade, liberdade e possibilidadesde realizao da pessoa humana. Existem numerosos acordos internacionaissobre esta matria, entre os quais se destaca, pela importncia excepcional

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    de que se reveste, a Conveno Europeia de Salvaguarda dos Direitos do

    Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH).

    A salvaguarda dos direitos fundamentais pela ordem jurdica comunitriafoi assegurada por uma jurisprudncia constante, ainda que algo tardia doTribunal de Justia da Unio Europeia (Tribunal de Justia), designadamen-te a partir de 1969. Com efeito, o Tribunal de Justia comeou por rejeitartodas as aces relativas a direitos fundamentais, alegando que as questes dedireito constitucional nacional no eram da sua competncia. Esta posio

    acabou por ter de ser revista, e designadamente por fora de um princpioque o prprio Tribunal de Justia estabelecera, a saber, o do primado dodireito da Unio sobre o direito nacional, j que este primado s vale se o di-reito da Unio puder garantir uma salvaguarda dos direitos fundamentaisequivalente das constituies nacionais.

    Ponto de partida para esta evoluo jurisprudencial foi o processo Stauder,no qual um beneficirio de uma penso de guerra considerou um atentado sua dignidade pessoal e ao princpio da igualdade o facto de ter de se iden-

    tificar para poder comprar manteiga a preos reduzidos (Weihnachtsbutter).Embora o Tribunal de Justia tenha comeado por considerar que, de acordocom as disposies comunitrias, no era obrigatria a identificao, e quepor isso se tornava desnecessrio examinar o modo como o direito fora vio-lado, acabou por reconhecer que o respeito pelos direitos fundamentais faziaparte dos princpios gerais da ordem jurdica comunitria e que lhe competiafaz-los respeitar. O Tribunal reconheceu assim, e pela primeira vez, a exis-tncia de um regime autnomo de direitos fundamentais na Unio Europeia.

    O Tribunal de Justia comeou por fixar salvaguardas pontuais dos direitosfundamentais com base numa srie de disposies do Tratado, tendo sobretu-do procedido desta forma em relao s inmerasproibies de discriminao,as quais constituem emanaes dos diferentes aspectos do princpio geral daigualdade. Merecem referncia a proibio de toda e qualquer discrimina-o em razo da nacionalidade (artigo 18. do TFUE), o combate a qualquerdiscriminao em razo do sexo, raa ou origem tnica, religio ou crena,deficincia, idade ou orientao sexual (artigo 10. do TFUE), a igualdade de

    mercadorias e pessoas no domnio das quatro liberdades fundamentais (circu-lao de mercadorias, artigo 34. do TFUE; circulao de pessoas, artigo 45.do TFUE; liberdade de estabelecimento, artigo 49. do TFUE; livre prestaode servios, artigo 57. do TFUE), livre concorrncia (artigo 101. e seguintes

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    do TFUE), bem como a igualdade de remunerao entre trabalhadores mas-

    culinos e femininos (artigo 157. do TFUE).As quatro liberdades fundamen-tais da Comunidade Europeia, que garantem as liberdades essenciais da vidaprofissional, podem tambm ser consideradas como um direito comunitriofundamental livre circulaoe exerccio de uma actividade profissional. Soalm disso ainda garantidas expressamente a liberdade de reunio (artigo 153.do TFUE), o direito de petio (artigo 24. do TFUE) e aproteco do segredocomercial e profissional (artigo 339. do TFUE).

    O Tribunal de Justia prosseguiu paulatinamente o desenvolvimento de umaordem jurdica comunitria de salvaguarda dos direitos fundamentais, qualfoi aditando novos direitos fundamentais. Para tal, reconheceu princpios jur-dicos gerais e aplicou-os, inspirando-se nas tradies constitucionais comunsdos Estados-Membros e nas convenes internacionais sobre proteco dos di-reitos do Homem, de que estes so partes signatrias. Entre estes textos conta-se, em primeira linha, a Conveno Europeia de Salvaguarda dos Direitos doHomem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), que determinou o conte-do dos direitos fundamentais da Comunidade relativamente aos mecanismos

    de salvaguarda. Partindo desta base, o Tribunal de Justia reconheceu o direitode propriedade, a liberdade de exerccio de uma actividade profissional, a invio-labilidade da habitao, a liberdade de opinio, o direito moral de cariz geral,a proteco da famlia (por exemplo no domnio do direito de reunio parafamiliares de trabalhadores imigrantes), a liberdade econmica, a liberdade reli-giosa e de culto, bem como uma srie de direitos processuais fundamentais comoo princpio fundamental do direito de aco judicial, o princpio fundamen-tal da common law de garantia da confidencialidade da correspondncia

    trocada com o advogado (o chamado legal privilege), a proibio da duplapunio ou o dever de fundamentao dos actos jurdicos da Unio atravs dosdireitos fundamentais previstos na ordem jurdica da Unio Europeia.

    Um princpio de grande significado, que frequentemente evocado em li-tgios de direito comunitrio, o da igualdade de tratamento. Em termosgerais, esse princpio dispe que factos equiparveis no podem ser objectode tratamento diferenciado, a no ser que seja provada objectivamente a exis-tncia de uma diferenciao.

    No entanto, esse princpio no pode impedir,

    segundo a jurisprudncia do Tribunal de Justia da Unio Europeia, quesejam adoptadas a nvel nacional medidas para os cidados e os produtosnacionais que sejam mais restritivas do que as aplicveis a cidados de outrosEstados-Membros ou a produtos de importao. Esta chamada discriminao

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    inversa no pode ser resolvida pelo direito da Unio, pois resulta de uma

    competncia limitada da Unio Europeia. O princpio da liberalizao resul-tante das liberdades fundamentais abrange designadamente, segundo a ju-risprudncia at aqui fundamentalmente aplicada pelo Tribunal de Contas,apenas processos de mbito transfronteirio. Em contrapartida, as disposi-es relacionadas com a produo e comercializao de produtos nacionais,bem como o estatuto jurdico dos cidados de cada Estado-Membro, s soabrangidos pelo direito comunitrio quando j existe alguma aco de har-monizao a nvel da Unio.

    Merc da jurisprudncia do Tribunal de Justia, o direito da Unio tem vin-do a consagrar um nmero considervel de princpios do Estado de direitorelacionados com os direitos fundamentais, e neste contexto adquire um emi-nente significado prtico o princpio da proporcionalidade. Este princpioinclui o princpio do equilbrio dos produtos e interesses, que por sua vezabarca os aspectos da adequao e necessidade da medida e da proibio deuma aco excessiva.

    H tambm que incluir nos direitos fundamentais os

    princpios gerais do direito administrativo e das garantias processuais dos ad-

    ministrados (due process), como por exemplo a garantia da confidencialidade,a proibio da retroactividade das disposies mais gravosas e a proibio deanular ou declarar retroactivamente nulos actos constitutivos de direitos oubenefcios, bem como o direito de aco judicial, que est consubstancia-do tanto nos procedimentos administrativos da Comisso Europeia comona possibilidade de recorrer ao Tribunal de Justia. Ganha particular rele-vo, neste contexto, a exigncia de transparncia acrescida, que implica queas decises sejam tomadas de uma forma to aberta e prxima do cidado

    quanto possvel. Um elemento essencial desta transparncia que qualquercidado da Unio ou qualquer pessoa colectiva estabelecida num Estado--Membro tem direito de aceder aos documentos do Conselho e da ComissoEuropeia. Alm disso, todos os pagamentos provenientes do oramento daUnio Europeia e que se destinem a pessoas singulares ou colectivas devemser divulgados, existindo para isso bases de dados que qualquer cidado daUnio pode consultar livremente.

    Embora se reconhea o trabalho realizado pelo Tribunal de Justia na de-

    finio dos direitos fundamentais no escritos, foroso constatar que esteprocesso de determinao dos direitos fundamentais europeus apresentauma grande lacuna: o Tribunal tem de se limitar a casos concretos. porisso que no conseguiu deduzir direitos fundamentais de princpios gerais do

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    Direito em todos os domnios onde isso parece ser necessrio ou desejvel.

    Tambm no lhe possvel determinar a extenso e os limites da protec-o destes direitos procedendo s generalizaes e diferenciaes necessrias.Este sistema no permite, por isso, aos rgos da Unio Europeia estaremsuficientemente seguros de que correm ou no o risco de violar um direi-to fundamental. Da mesma forma, impossvel para qualquer cidado daUnio determinar facilmente em cada caso se houve uma violao dos seusdireitos fundamentais.

    Uma soluo encarada desde h muito seria a adeso da Unio Europeia Conveno Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). No parecer 2/94,o Tribunal de Justia considerou que, no estado actual do direito da Unio,a UE no tinha competncia para aderir referida conveno. A este prop-sito, o Tribunal salientou que, embora a salvaguarda dos direitos do Homemconstitusse um requisito da legalidade dos actos da Unio Europeia, a ade-so CEDH exigiria uma alterao substancial do regime da Unio nessemomento, na medida em que teria implicado a insero da Unio Europeianum sistema institucional distinto de direito internacional, que o da Con-

    veno, e a transposio de todas as disposies da CEDH para a ordemjurdica da Unio. O Tribunal considerou ainda que uma tal modificaodo regime de proteco dos direitos do Homem na Unio Europeia, pelassuas implicaes institucionais tanto para a Unio como para os Estados--Membros, revestiria uma envergadura constitucional que, pela sua natureza,ultrapassava os poderes conferidos pelo artigo 352. do TFUE. A adeso daUnio Europeia CEDH foi, por isso, expressamente prevista pelo Tratadode Lisboa no artigo 6., n. 2, do TUE.

    O Tratado de Lisboa representou, contudo, um novo e muito decisivo passona criao de uma ordem jurdica de direitos fundamentais para a UnioEuropeia, e colocou numa nova base a proteco dos direitos fundamentaisna Unio. O novo artigo sobre os direitos fundamentais (artigo 6.) inscri-to no TUE refere que a Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Euro-

    peia vinculativa na actuao dos rgos e Estados-Membros da UE desdeque estes apliquem e executem o direito da Unio. Esta Carta dos DireitosFundamentais resulta de um texto elaborado por uma Conveno composta

    por 16 representantes dos chefes de Estado e de Governo, o presidente daComisso Europeia, 16 deputados do Parlamento Europeu e 30 deputadosnacionais (dois de cada um dos Estados-Membros antigos), sob a presidnciade Roman Herzog, que viria a ser oficialmente proclamado pelos presidentes

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    do Parlamento Europeu, do Conselho da Unio Europeia e da Comisso

    Europeia, na abertura do Conselho Europeu de 7 de Dezembro de 2000realizado em Nice, como Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Euro-peia. No decurso das consultas sobre uma constituio europeia, esta Cartados Direitos Fundamentais viria a ser revista, tornando-se parte integrantedo Tratado Constitucional de 29 de Outubro de 2004. Aps o fracasso doTratado Constitucional, a Carta dos Direitos Fundamentais foi de novo ofi-cialmente proclamada como acto jurdico autnomo pelos presidentes doParlamento Europeu, do Conselho da Unio Europeia e da Comisso Eu-

    ropeia em 12 de Dezembro de 2007 em Estrasburgo. O TUE remete agorapara o texto da Carta de uma forma vinculativa, conferindo-lhe um carctervinculativo e estabelecendo simultaneamente o mbito de aplicao dos di-reitos fundamentais no direito da Unio. No entanto, esta disposio no seaplica Polnia e ao Reino Unido. Estes dois Estados-Membros no pude-ram, ou no quiseram, subordinar o regime dos direitos fundamentais Car-ta por recearem que, com a aplicao dos direitos fundamentais consagradosna Carta, determinadas posies nacionais, designadamente em questes dereligio ou crena, ou do tratamento dado a minorias, poderiam ter de deixarde existir ou ser, pelo menos, alteradas. Para estes dois Estados-Membroso carcter vinculativo dos direitos fundamentais no resulta da Carta dosDireitos Fundamentais mas, tal como antes, da jurisprudncia do Tribunalem matria de direitos fundamentais.

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    Bruxelas, 27 de Setembro de 1964Automvel com matrcula europeia em frente ao estaleiro de construodo edifcio Joyeuse entre, futura sede da Comisso Europeia.

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    A Constituioda Unio Europeia

    Todas as sociedades tm uma Constituio. atravs dela que definidaa estrutura do seu sistema poltico, isto , a Constituio rege as relaes dos

    membros da sociedade entre si e face ao todo, fixa os objectivos comuns e de-fine o processo a seguir para a adopo das decises vinculativas. A Cons-tituio da Unio Europeia, que uma unio de Estados para a qual foramtransferidas tarefas e funes bem definidas, deve, por isso, poder responders mesmas questes que a Constituio de um Estado.

    As comunidades de Estados regem-se por dois princpios fundamentais:o primado do direito (rule of law) e a democracia. Toda a aco da Unio,para ser consonante com os princpios fundamentais do direito e da demo-

    cracia, deve ter legitimidade jurdica e democrtica: criao, organizao,competncias, funcionamento, papel dos Estados-Membros e suas institui-es, papel do cidado.

    A Constituio da Unio Europeia, depois do fracasso do Tratado Consti-tucional de 29 de Outubro de 2004, e tal como antes acontecia, no foi comoa maioria das constituies dos seus Estados-Membros consagrada num do-cumento constitucional coerente. Resulta antes da soma de normas e valores

    fundamentais que os responsveis encaram como vinculativos. Estas normasresultam quer dos prprios textos dos tratados europeus e dos actos jurdicosaprovados pelas instituies da Unio quer de usos e costumes consagrados.

    A NATUREZAJURDICADAUNIOEUROPEIA

    Determinar a natureza jurdicasignifica classificar juridicamente, em termosgerais, uma organizao com base nas respectivas caractersticas. Foi isto que

    foi feito em dois acrdos fundamentais de 1963 e 1964 que fazem parte dajurisprudncia do Tribunal de Justia das Comunidades Europeias e que,apesar de terem sido proferidos quando existia a CEE, continuam a ter comoantes validade jurdica para a Unio Europeia na sua actual configurao.

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    O PROCESSO VAN GEND & LOOS

    Neste processo, a empresa de transporte neerlandesa Van Gend & Loos in-tentara uma aco num tribunal dos Pases Baixos contra a administraoaduaneira neerlandesa, por esta ter cobrado direitos aduaneiros majorados importao de um produto qumico proveniente da Repblica Federal da

    Alemanha. A empresa considerava haver uma violao do artigo 12. do Tra-tado CEE, que probe a introduo de novos direitos aduaneiros e o aumen-to dos j existentes no mercado comum. O tribunal neerlands suspendeuo procedimento e apresentou um pedido de deciso prejudicial ao Tribunalde Justia, para que este esclarecesse o alcance e a interpretao jurdica doartigo invocado do Tratado CE.

    O Tribunal de Justia aproveitou a ocasio para fixar certos aspectos funda-mentais da natureza jurdica da Comunidade Europeia. No acrdo proferi-do a propsito pode ler-se:

    O objectivo do Tratado CEE, que consiste em instituir um mercado co-

    mum cujo funcionamento diz directamente respeito aos nacionais da Co-munidade, implica que este Tratado seja mais do que um acordo meramentegerador de obrigaes recprocas entre os Estados contratantes. Esta concep-o confirmada pelo prembulo do Tratado, que, alm dos governos, fazreferncia aos povos e, mais concretamente, pela criao de rgos investidosde poderes soberanos cujo exerccio afecta quer os Estados-Membros quer osseus nacionais... Daqui deve concluir-se que a Comunidade constitui umanova ordem jurdica de direito internacional, a favor da qual os Estados limi-taram, ainda que em domnios restritos, os seus direitos soberanos, e cujossujeitos so no s os Estados-Membros, mas tambm os seus nacionais [...].

    O PROCESSO COSTA/ENEL

    Um ano mais tarde, o processo Costa/ENEL deu ao Tribunal de Justiaa possibilidade de aprofundar ainda a sua anlise. Este caso assentava nosseguintes factos: em 1962, a Itlia nacionalizou a produo e a distribuiode electricidade, tendo transferido o patrimnio das empresas do sector para

    a sociedade ENEL. Enquanto accionista da sociedade atingida pela naciona-lizao, a Edison Volta, Flaminio Costa viu-se privado de dividendos a quetinha direito e recusou-se a pagar uma factura de electricidade de 1 926 lirasitalianas. Perante ogiudice conciliatorede Milo, Flaminio Costa justificou

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    a sua conduta fazendo valer, designadamente, o facto de que a lei da nacio-

    nalizao violava uma srie de disposies do Tratado CEE. O Tribunal deMilo apresentou ento ao Tribunal de Justia um pedido de deciso preju-dicial relativamente interpretao de algumas disposies do Tratado CEE.No seu acrdo, o Tribunal de Justia estabeleceu, a propsito da natureza

    jurdica da CEE:

    Diversamente dos tratados internacionais ordinrios, o Tratado CEE ins-titui uma ordem jurdica prpria que integrada no sistema jurdico dosEstados-Membros a partir da entrada em vigor do Tratado e que se impeaos seus rgos jurisdicionais nacionais. Efectivamente, ao institurem umaComunidade de durao ilimitada, dotada de instituies prprias, de capa-cidade jurdica, de capacidade de representao internacional e, mais espe-cialmente, de poderes reais resultantes de uma limitao de competncias oude uma transferncia de atribuies dos Estados para a Comunidade, esteslimitaram, ainda que em domnios restritos, os seus direitos soberanos e cria-ram, assim, um corpo de normas aplicvel aos seus nacionais e a si prprios.

    O Tribunal de Justia sintetiza do modo que se segue as concluses finaisalcanadas na sequncia de pormenorizadas deliberaes:

    Resulta do conjunto destes elementos que ao direito emergente do Tratado,emanado de uma fonte autnoma, em virtude da sua natureza originriaespecfica, no pode ser oposto em juzo um texto interno, qualquer que seja,sem que perca a sua natureza comunitria e sem que sejam postos em causaos fundamentos jurdicos da prpria Comunidade. A transferncia efectuadapelos Estados, da sua ordem jurdica interna em benefcio da ordem jurdi-

    ca comunitria, dos direitos e obrigaes correspondentes s disposies doTratado implica, pois, uma limitao definitiva dos seus direitos soberanos,sobre a qual no pode prevalecer um acto unilateral ulterior incompatvelcom o conceito de Comunidade [...].

    luz destes dois acrdos fundamentais do Tribunal de Justia, so os se-guintes os elementos que conjuntamente conferem caractersticas especficase singularidade natureza jurdica da Unio Europeia:

    a estrutura institucional, que garante que o processo de elaborao dasdecises na Unio Europeia tambm marcado ou influenciado pelointeresse geral da Europa, isto , os interesses da Unio que emergemdos objectivos;

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    a transferncia de competncias verificadapara as instituies da Unio

    num grau mais importante do que em outras organizaes internacio-nais e que abrange domnios nos quais os Estados-Membros geralmen-te conservam a respectiva soberania;

    a criao de uma ordem jurdica prpria, independente da dosEstados-Membros;

    a aplicabilidade directa do direito da Unio Europeia, que garante que asregras do direito da Unio devem desenvolver a plenitude do seu efei-

    to de uma forma completa e uniforme em todos os Estados-Membrose que tais disposies so fonte de direitos e de obrigaes, quer para osEstados-Membros quer para os respectivos cidados;

    oprimado do direito da Unio Europeia, que impede qualquer revoga-o ou alterao da legislao da Unio pelo direito nacional e garanteo primado do direito comunitrio em caso de conflito com o direitonacional.

    A Unio Europeia constitui, pois, uma entidade autnoma, dotada de direi-tos soberanos e de uma ordem jurdica independente dos Estados-Membrosque se impe, quer aos Estados-Membros quer aos respectivos cidados nosdomnios da competncia da Unio Europeia.

    As caractersticas da Unio Europeia deixam tambm claro os seuspontos co-munse as suas diferenas em relao sorganizaes internacionaistradicionaise s estruturas de tipo federal.

    A Unio Europeia no uma estrutura acabada, mas antes um sistema emconstruo cujos contornos finais no esto ainda definidos.

    O nico ponto comum entre as organizaes internacionais tradicionaise a Unio Europeia reside no facto de a Unio tambm ter nascido de um tra-tado internacional. No entanto, a UE j se afastou bastante destas razes dodireito internacional. Com efeito, os actos fundadores da Unio Europeia,que assentam tambm em tratados internacionais, levaram criao de umaUnio autnoma dotada de direitos soberanos e competncias prprias. Os

    Estados-Membros renunciaram a uma parte da respectiva soberania em fa-vor desta Unio. Acresce que as tarefas confiadas Unio Europeia se distin-guem claramente das que incumbem s outras organizaes internacionais.Enquanto estas ltimas assumem essencialmente misses de carcter tcnico

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    bem determinadas, executadas por uma instituio internacional, o campo

    de aco da Unio incide, na sua globalidade, em aspectos essenciais paraa existncia dos Estados.

    As diferenas da Unio Europeia em relao s organizaes internacionaiscorrentes aproximam-na de uma estrutura estatal. A renncia por parte dosEstados-Membros a uma parte da respectiva soberania em favor da Unioconstitui um dos elementos que permitiram concluir que a estrutura da UE

    j se identificava com a de um Estado federal. Todavia, esta concepo no

    atende ao facto de as competncias das instituies da Unio Europeia es-tarem circunscritas realizao dos objectivos consagrados pelos tratadose a certos domnios para os quais possuem competncias definidas especifica-mente. Estas instituies no podem, por isso, fixar livremente os respectivosobjectivos nem responder a todos os desafios que a um Estado moderno hojese colocam. Unio Europeia falta a plenitude de competncias que carac-teriza um Estado e a faculdade de instituir novas competncias (a chamadacompetncia das competncias).

    Em consequncia, a Unio Europeia no nem uma organizao internacio-nal clssica nem uma associao de Estados, mas uma entidade que se situaa meio caminho entre estas formas tradicionais de associao entre Estadoscom direitos de soberania. Em termos jurdicos, consagrou-se a delimitaodesta posio especial graas ao conceito de organizao supranacional.

    ASCOMPETNCIAS DAUNIOEUROPEIA

    As competncias da Unio Europeia aproximam-na muito do ordenamentoconstitucional de um Estado. No se trata, contrariamente, maior partedas outras organizaes internacionais, de uma transferncia de competn-cias tcnicas exactamente delimitadas, mas de domnios de actividade na suaglobalidade essenciais para a existncia dos Estados.

    As competncias da Unio Europeia so previsivelmente muito diversifica-das, abrangendo competncias econmicas, sociais e polticas.

    No cerne das competncias econmicas est a criao de um mercado comumque rena no seu seio os mercados nacionais dos Estados-Membros e noqual todas as mercadorias e servios possam ser vendidos e comercializados

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    nas mesmas condies que num mercado interno, ao qual todos os cidados

    da Unio devem aceder livremente e em igualdade de circunstncias.

    O conceito de criao de um mercado comum foi iniciado pelo antigo pre-sidente da Comisso Europeia,Jacques Delors, e realizado essencialmente at1992 atravs do Programa para a realizao do mercado interno, aprovadopelos chefes de Estado e de Governo. As instituies da Unio conseguiramcriar o quadro jurdico necessrio para o bom funcionamento do mercadointerno. Entretanto, este quadro foi amplamente preenchido com as medidas

    nacionais de transposio e o mercado interno tornou-se j uma realidade,visvel inclusivamente no quotidiano, sobretudo quando as pessoas se deslo-cam dentro da Unio Europeia sem terem de se sujeitar a controlos de iden-tificao nas fronteiras nacionais, abolidos h muito tempo.

    O mercado interno foi acompanhado pela Unio Econmica e Monetria.

    As competncias da Unio Europeia em matria de poltica econmica noconsistem, porm, em estabelecer e fazer funcionar uma poltica econmi-

    ca europeia, mas sim coordenar de tal forma as polticas econmicas queas decises econmicas de um ou mais Estados-Membros no tenham efei-tos negativos no funcionamento do mercado interno. Com esta finalidade,decidiu-se o estabelecimento de um Pacto de Estabilidade e Crescimentoque fixasse critrios especficos a cada um dos Estados-Membros que lhesservissem de orientao na tomada das suas decises no mbito da polticaoramental. Quando tal no acontece, a Comisso Europeia pode formularadvertncias, e em caso de dfice oramental excessivo e duradouro, o Con-

    selho da Unio Europeia pode aplicar sanes.

    As competncias tarefa da Unio Europeia em matria de poltica monetriaconsistem em introduzir uma moeda nica na Unio e gerir de uma forma cen-tralizada as questes monetrias. J se alcanou um primeiro xito parcial nestedomnio com a introduo, em 1 de Janeiro de 1999, do euro como moedanica europeia nos Estados-Membros que cumpriam j os critrios de conver-gncia definidos com esse objectivo. Esses pases foram aAlemanha, a ustria,a Blgica, a Espanha, a Finlndia, a Frana, a Irlanda, a Itlia, o Luxembur-

    go, os Pases Baixos e Portugal. Em 1 de Janeiro de 2002 as moedas nacionaisdesses pases foram substitudas por moedas e notas de euro, e desde entotodos os pagamentos e negcios quotidianos so efectuados exclusivamen-te em euros. A Grcia e a Sucia no cumpriam os critrios de convergncia.

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    A Grcia foi aceite em 1 de Janeiro de 2001. A Sucia, que essencialmente no

    conseguiu cumprir os critrios por no pertencer ao mecanismo de taxas decmbio do Sistema Monetrio Europeu (SME), antecmara do euro, estsujeita a uma derrogao, na medida em que a Comisso e o Banco CentralEuropeu (BCE), pelo menos de dois em dois anos, tm de elaborar um relat-rio de convergncia sobre este pas, no qual podem recomendar ao Conselhoa entrada da Sucia. Caso tal recomendao seja feita e o Conselho actue emconformidade, a Sucia no ter em princpio qualquer oportunidade de recu-sar essa participao. No entanto, a adeso zona euro no tem, de momento,

    qualquer apoio junto da populao sueca. Num referendo sobre o euro, reali-zado em 2003, 55,9% dos participantes rejeitaram a sua introduo. Segundoum inqurito feito em Dezembro de 2005, esta rejeio era ainda de 49%, com26% dos inquiridos a concordarem com a adopo da moeda nica. A situa-o diferente caso da Dinamarca e do Reino Unido. Estes Estados-Membrosdecidiram adoptar uma clusula de excluso (opting out) que lhes permite esco-lherem por si prprios se e quando desejam iniciar o processo de avaliao paraa adeso moeda nica. Tambm os novos Estados-Membros esto obrigadosa introduzirem o euro como moeda nacional logo que respeitarem os crit-rios de convergncia. Nenhum dos novos Estados-Membros beneficia de umaclusula opting out, e a maioria pretende adoptar o euro assim que possvel.

    J o conseguiram a Eslovnia(1 de Janeiro de 2007), Chipre (1 de Janeiro de2008),Malta(1 de Janeiro de 2008), a Eslovquia (1 de Janeiro de 2009) e a Le-tnia(1 de Janeiro de 2011). A chamada zona euro, isto , a zona onde o euro a moeda em circulao, abrange actualmente 17 Estados-Membros. (2).

    Para alm da poltica econmica e da poltica monetria, so tambm da

    competncia da Unio Europeia outras reas da poltica econmica, designa-damente a poltica agrcola e de pescas, a poltica de transportes, a poltica dedefesa do consumidor, a poltica estrutural e de coeso, a poltica de investiga-o e desenvolvimento, a poltica aeroespacial, a poltica ambiental, a polticade sade, a poltica comercial e a poltica energtica.

    Em termos depoltica social, a Unio Europeia tem a misso de zelar paraque as vantagens da integrao econmica no se limitem aos activos eco-

    nmicos e permitam tambm moldar o mercado interno na sua dimenso

    (2) Ao adoptar a moeda nica europeia em 1 de Janeiro de 2011, a Eslovnia tornar-se- o dcimostimo membro da zona euro.

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    Bruxelas, 6 de Dezembro de 1977

    Manifestao a favor de eleies directaspara o Parlamento Europeu e de uma moedanica, durante o Conselho Europeu de 5e 6 de Dezembro de 1977.

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    social. Um primeiro ponto de partida nesta matria , por exemplo, a in-

    troduo de um sistema de segurana social para trabalhadores migrantes.Este sistema garante que nenhum trabalhador que tenha exercido umaactividade profissional, em mais de um Estado-Membro e, em virtudedisso, tenha estado inscrito em diferentes sistemas de segurana social,seja prejudicado por esse facto nas suas regalias sociais (penso de velhice,penso de invalidez, cuidados de sade, prestaes familiares, subsdio dedesemprego). Um outro ponto de partida tambm importante para umamisso urgente no domnio da poltica social o facto de, perante a situa-

    o do desemprego na Unio Europeia, que suscita preocupao desde hvrios anos, se ter dado prioridade definio de uma estratgia europeiade emprego. Os Estados-Membros e a Unio Europeia so chamados a de-senvolver uma estratgia de emprego,e sobretudo a promover a qualificao,formao e flexibilidade dos trabalhadores, adaptando alm disso os mer-cados de trabalho s necessidades da transformao econmica. A promo-o do emprego entendida como uma oportunidade para o bem comum,que requer dos Estados-Membros a coordenao, no seio do Conselho,

    das suas actividades nacionais. A Unio Europeia deve contribuir paraque se atinjam nveis elevados de emprego, incentivando a cooperaoentre Estados-Membros, apoiando e, sempre que necessrio, completandoa sua aco, no pleno respeito das competncias dos Estados-Membrosnesta matria.

    No domnio poltico as competncias da Unio Europeia situam-se nocontexto da cidadania da Unio, da poltica de cooperao judicial em

    matria penal e da Poltica Externa e de Segurana Comum. A cidadaniada Unio permite reforar ainda mais os direitos e interesses dos cida-dos dos Estados-Membros no seio da Unio Europeia. Qualquer cida-do da Unio goza do direito de circular livremente na Unio Europeia(artigo 21. do TFUE), eleger e ser eleito nas eleies municipais (arti-go 22. do TFUE), e beneficia, no territrio de pases terceiros, de pro-teco por parte das autoridades diplomticas e consulares de qualquerEstado-Membro (artigo 23. do TFUE), goza do direito de petio ao Par-

    lamento Europeu (artigo 24. do TFUE) e, de harmonia com o princpioda no discriminao, goza do direito de ser tratado em qualquer Estado--Membro em plano de igualdade com os nacionais desse Estado-Membro(artigo 20., n. 18, conjugado com o artigo 18. do TFUE). No mbito da

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    Poltica Externa e de Segurana Comum as competncias da Unio Euro-

    peia abrangem os seguintes domnios:

    salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais e da inde-pendncia da Unio Europeia;

    reforo da segurana da Unio Europeia e dos seus Estados-Membros;

    salvaguarda da paz mundial e o reforo da segurana internacional;

    promoo da cooperao internacional;

    reforo da democracia e do Estado de direito, bem como o respeito dosdireitos do Homem e das liberdades fundamentais;

    construo de uma defesa comum.

    Uma vez que a Unio Europeia no um Estado, a realizao destes objec-tivos s pode ser feita gradualmente. Tradicionalmente, a poltica externa,e sobretudo a de segurana, fazem parte das reas em que os Estados-

    -Membros do uma especial ateno preservao da sua soberania (auto-ridade). Nesta perspectiva, difcil definir interesses comuns nesta rea,j que, na Unio Europeia, s a Frana e o Reino Unido possuem armasnucleares. Outro problema o facto de nem todos os Estados-Membros daUnio Europeia pertencerem aos pactos de defesa que so a Organizaodo Tratado do Atlntico Norte (NATO) e a Unio da Europa Ociden-tal (UEO). Actualmente, as decises em matria de Poltica Externa e deSegurana Comum so, por isso, tomadas ainda predominantemente no

    mbito da cooperao entre Estados. No entanto, desenvolveu-se um conjun-to de instrumentos de aco autnomo, atravs do qual a cooperao entreEstados adquiriu contornos jurdicos definidos.

    No domnio da cooperao judiciria em matria penal, trata-se sobretudodo exerccio pela Unio Europeia de competncias que so de interesse eu-ropeu, e que incluem em especial a luta contra a criminalidade organizadae trfico de seres humanos, bem como a sua punio. J no possvel lutarsozinho e com eficcia contra a criminalidade organizada a nvel nacional,

    sendo necessria uma actuao conjunta ao nvel da Unio. As primeirasmedidas promissoras neste domnio foram j tomadas com a directiva re-lativa luta contra o branqueamento de capitais e a criao de um servioeuropeu de polcia, a Europol (artigo 88. do TFUE), cuja actividade se

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    iniciou em 1998. Alm disso, trata-se neste contexto de facilitar e acelerar

    a cooperao nos processos judiciais e na aplicao de decises, facilitar asextradies entre Estados-Membros, estabelecer regras mnimas quantosaos elementos constitutivos das infraces penais e das penas nos dom-nios da criminalidade organizada, terrorismo, trfico de seres humanose explorao sexual de mulheres e crianas, trfico de droga e de armas,branqueamento de capitais e corrupo (artigo 83. do TFUE). Um dosprogressos mais significativos na cooperao judicial na Unio Europeia a criao da Eurojust em Abril de 2003 (artigo 85. do TFUE). A Eu-

    rojust, sedeada em Haia, inclui juzes e procuradores-gerais de todos osEstados-Membros da Unio Europeia. Compete-lhe facilitar a cooperaoentre o trabalho de investigao e a aco penal em processos relativosa delitos transfronteirios graves. A fim de combater as infraces lesivasdos interesses financeiros da Unio Europeia, o Conselho pode instituiruma procuradoria europeia a partir da Eurojust (artigo 86. do TFUE).Outro progresso , desde Janeiro de 2004, o mandado de deteno euro-peu. O mandado de deteno pode ser emitido assim que se verifique umainfraco para a qual se aplique uma pena mnima de mais de um ano depriso. O mandado de deteno europeu dever permitir acabar com oslongos processos de extradio.

    OSPODERESDAUNIOEUROPEIA

    Os tratados fundadores da Unio Europeia no concedem s instituiesda Unio qualquer competncia geral para adoptarem todas as medidas

    necessrias concretizao dos objectivos do Tratado, mas estabelecempara os diferentes captulos o mbito dos poderes para uma actuao empormenor. O princpio fundamental de que a Unio Europeia e as suasinstituies no podem tomar por si prprias decises sobre as suas basesjurdicas e competncias. Aplica-se tambm o princpio fundamental daatribuio de competncias especficas limitadas (artigo 2. do TFUE). OsEstados-Membros optaram por esta via para manterem uma viso de con-junto da renncia aos seus prprios poderes e controlar esse processo.

    A extenso material destes poderes especficos varia consoante as atri-buies da Unio Europeia. Desde que no tenham sido transferidaspara a Unio, as competncias continuam a pertencer exclusivamen-te aos Estados-Membros. O TUE refere expressamente que as questes

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    da segurana nacional permanecero na competncia exclusiva dos

    Estados-Membros.

    Isso coloca naturalmente a questo da delimitao das competncias daUnio Europeia em relao s dos Estados-Membros. Esta delimitao feita de acordo com trs categorias de competncias:

    competncia exclusivada Unio Europeia (artigo 3. do TFUE) nosdomnios em que exista uma presuno de que uma medida ao n-vel da Unio mais eficaz do que uma medida no coordenada dequalquer Estado-Membro. Estes domnios esto exactamente deli-mitados e abrangem a unio aduaneira, o estabelecimento das re-gras de concorrncia necessrias ao funcionamento do mercado in-terno, a poltica monetria para os Estados-Membros cuja moedaseja o euro, a poltica comercial comum e partes da poltica comumdas pescas. Nestas diferentes reas de actuao s a Unio Europeiapode actuar legislativamente e aprovar actos jurdicos vinculativos.Os Estados-Membros podem apenas intervir quando a Unio Euro-

    peia lhes conferir poderes para isso ou para aplicar actos jurdicos daUnio Europeia (artigo 2., n. 1, do TFUE);

    competncia partilhada entre a Unio Europeia e os Estados-Mem-bros (artigo 4. do TFUE) nos domnios em que uma intervenoda Unio tenha uma vantagem acrescida face a uma interveno dosEstados-Membros. Uma tal competncia partilhada est prevista naregulamentao do mercado interno, na coeso econmica, sociale territorial, na agricultura e pescas, no ambiente, nos transportes,nas redes transeuropeias, na energia, no espao de liberdade, segu-rana e justia, assim como em problemas comuns de segurana emmatria de sade pblica, investigao e desenvolvimento tecnolgi-co, espao, cooperao para o desenvolvimento e ajuda humanitria.Em todos estes domnios a Unio Europeia ser a primeira a exer-cer essa competncia, que alis se estende apenas s componentesregulamentadas do acto jurdico da Unio em questo e no a todaa poltica visada. Os Estados-Membros exercem as suas competncias

    na medida e desde que a Unio Europeia no tenha exercido a sua,ou a tenha decidido deixar de exercer (artigo 2., n. 2, do TFUE).Esta ltima situao verifica-se quando as instituies competentesda Unio Europeia decidem revogar um acto legislativo, sobretudo

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    para respeitarem os princpios de subsidiariedade e proporcionalida-

    de. O Conselho pode tambm, por iniciativa de um ou mais dos seusmembros, solicitar Comisso que apresente propostas para a revo-gao de um acto jurdico;

    competncias de apoio (artigo 6. do TFUE): no exerccio das compe-tncias de apoio, a Unio Europeia pode exclusivamente coordenarou completar as medidas dos Estados-Membros. Em nenhum casoa Unio poder proceder a uma harmonizao das disposies jur-

    dicas nacionais nos domnios sujeitos competncia de apoio (arti-go 2., n. 5, do TFUE). A responsabilidade pela forma jurdica cabe,assim, aos Estados-Membros, que para tal dispem de uma margemconsidervel de aco. Abrangidas por esta categoria de competnciasesto a proteco e melhoria da sade humana, a poltica industrial,a cultura, o turismo, o ensino, a juventude, o desporto e a forma-o profissional, a proteco contra catstrofes e a cooperao ad-ministrativa. Nos domnios da poltica econmica e de emprego, osEstados-Membros reconhecem expressamente que as suas medidas

    nacionais devem ser coordenadas no mbito da Unio Europeia.

    Merece registo o facto de as competncias da Unio Europeia no domnioda coordenao da poltica econmica e de emprego, assim como no do-mnio da poltica externa e de segurana comum, no poderem ser inclu-das em nenhuma destas trs categorias. Ficam, por conseguinte, excludasdesta lista de competncias. Contudo, uma declarao anexa aos tratadosesclarece que a poltica externa e de segurana comum da Unio no in-

    terfere com as competncias dos Estados-Membros no que se refere suaprpria poltica externa e imagem nacional no mundo.

    Para alm destes poderes especiais de aco, os tratados da Unio Euro-peia abrem tambm a possibilidade, s instituies da Unio Europeia, deintervirem quando tal for indispensvel para a realizao e funcionamentodo mercado interno e garantia de uma concorrncia leal (comparar como artigo 352. do TFUE, a chamada competncia para o preenchimento delacunas ou clusula de flexibilidade). Todavia, as instituies no tm po-

    deres de aco generalizados para agir em domnios que ultrapassam osobjectivos previstos nos tratados, do mesmo modo que no podem alar-gar as suas prprias competncias em detrimento dos Estados-Membros,invocando estes poderes de aco. Na prtica, as possibilidades que estas

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    competncias oferecem foram muito utilizadas no passado, uma vez que

    a Unio Europeia hoje chamada a intervir em novas situaes que no es-tavam previstas quando foram concludos os tratados fundadores, no lhetendo por isso sido atribudo nos tratados as respectivas competncias. Esteaspecto est sobretudo patente nos domnios da proteco do ambientee da defesa do consumidor, ou na criao do Fundo Europeu para o De-senvolvimento Regional, que dever contribuir para diminuir a distnciaentre as regies desenvolvidas e menos desenvolvidas da Unio Europeia.Para os referidos domnios foram, porm, entretanto previstas competn-

    cias especiais. Com estas regulamentaes claras diminuiu consideravel-mente a relevncia prtica da competncia para o preenchimento de lacu-nas. O exerccio desta competncia requer o aval do Parlamento Europeu.

    Por ltimo, as instituies da Unio Europeia tm poderes para tomarmedidas nos casos em que estas sejam necessrias ao exerccio eficaz e pon-derado dos poderes expressamente atribudos (poderes implcitos). princi-palmente no domnio das relaes externas que estas competncias adqui-riram uma especial relevncia. A Unio Europeia pode tambm contrair

    obrigaes face a pases no membros ou outras organizaes internacio-nais em domnios correspondentes s suas atribuies. Um exemplo ilus-trativo o do processo Kramer, que o Tribunal de Justia teve de analisare que tratava da competncia da Unio Europeia para, com o intuito de seestabelecerem quotas de capturas para a pesca em alto mar, cooperar co