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VELHOGENERAL.COM.BR O ABALROAMENTO DO USS PORTER 1 13/03/2020 | VELHOGENERAL.COM.BR | CATEGORIAS: ANÁLISE, EUA, MARINHA, NAVEGAÇÃO O ABALROAMENTO DO USS PORTER Por Carlos Norberto Stumpf Bento* O USS Porter navegando pelo Bósforo em 8 de agosto de 2019 (Foto: Yoeruek Isik/Stars and Stripes). “O preço da segurança é a eterna vigilância”. Frase padrão impressa próximo à assinatura do livro de Ordens Noturnas do Comandante do USS Porter. Em 12 de agosto de 2012, sete meses após o emblemático acidente com o Navio de Passageiros Costa Concordia, que colidiu com o fundo em uma ilha ao largo da costa italiana, o Contratorpedeiro (CT) USS Porter envolveu-se em um abalroamento 1 com um Navio Tanque (NT) próximo ao Estreito de Ormuz no Golfo Pérsico. Ao analisar os dois acidentes, percebe-se que ambos são exemplos claros de que os conceitos de e-navigation e de Gerenciamento das Equipes do Passadiço (BTM Bridge Team Management) não têm sido adequadamente aplicados na navegação aquaviária. O conceito de e-navigation foca na integração de ferramentas de navegação existentes, em particular as eletrônicas, em um sistema abrangente que contribuirá para aprimorar a segurança da navegação. Já o conceito de BTM, que já existe há muitos anos, visa à integração de todo o pessoal que guarnece os passadiços das mais diversas embarcações, sendo fundamentado em técnicas de organização, liderança e trabalho em equipe. O livro Navegação Integrada, em referência, aborda a importância de o navegante 1 Abalroamento ou Abalroação – choque mecânico entre embarcações ou seus pertences e acessórios (NORMAM-09/DPC). Antigamente significava um choque intencional, já que os balros eram instrumentos ou aparelhos formados por um cabo amarrado a uma balroa (gancho, fateixa ou garatéia), utilizados para abordar uma embarcação inimiga e mantê-la a acostada durante o combate (Nota do autor).

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VELHOGENERAL.COM.BR OABALROAMENTODOUSSPORTER 1

13/03/2020 | VELHOGENERAL.COM.BR | CATEGORIAS: ANÁLISE, EUA, MARINHA, NAVEGAÇÃO

O ABALROAMENTO DO USS PORTER PorCarlosNorbertoStumpfBento*

OUSSPorternavegandopeloBósforoem8deagostode2019(Foto:YoeruekIsik/StarsandStripes).

“Opreçodasegurançaéaeternavigilância”.FrasepadrãoimpressapróximoàassinaturadolivrodeOrdensNoturnasdoComandantedoUSSPorter.

Em12deagostode2012,setemesesapósoemblemáticoacidentecomoNaviodePassageirosCostaConcordia,quecolidiucomofundoemumailhaaolargodacosta italiana, o Contratorpedeiro (CT) USS Porter envolveu-se em umabalroamento1com um Navio Tanque (NT) próximo ao Estreito de Ormuz noGolfoPérsico.

Aoanalisarosdoisacidentes,percebe-sequeambossãoexemplosclarosdequeosconceitosdee-navigationedeGerenciamentodasEquipesdoPassadiço(BTM– Bridge Team Management) não têm sido adequadamente aplicados nanavegação aquaviária. O conceito de e-navigation foca na integração deferramentas de navegação existentes, em particular as eletrônicas, em umsistemaabrangentequecontribuiráparaaprimorarasegurançadanavegação.Jáo conceito de BTM, que já existe hámuitos anos, visa à integração de todo opessoal que guarnece os passadiços das mais diversas embarcações, sendofundamentado em técnicas de organização, liderança e trabalho em equipe. OlivroNavegaçãoIntegrada,emreferência,abordaaimportânciadeonavegante

1AbalroamentoouAbalroação–choquemecânicoentreembarcaçõesouseuspertenceseacessórios(NORMAM-09/DPC).Antigamentesignificavaumchoqueintencional,jáqueosbalroseraminstrumentosouaparelhosformadosporumcaboamarradoaumabalroa(gancho,fateixaougaratéia),utilizadosparaabordarumaembarcaçãoinimigaemantê-laaacostadaduranteocombate(Notadoautor).

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sabercomoequandoutilizarasmodernasferramentasdenavegaçãoatualmentedisponíveis, as quais o auxiliam na condução de sua embarcação por águasseguras e no acompanhamento adequado do tráfego de embarcações,contribuindo significativamente para evitar colisões com o fundo eabalroamentos, respectivamente. Ademais, ressalta a importância dogerenciamentodasequipesdepassadiço.

Em seu Capítulo 4, onde são analisadas as principais causas de ocorrência deacidentesaquaviários,asaber:fatoresambientais;explosãoouincêndioabordo;colisãocomofundo;eabalroamentos,éconstatadoqueasduasúltimascausasgeralmenteestãoassociadasànãoaplicaçãodos conceitosmencionados, comofoiocasodoCostaConcordia,queconcorreramparaasuacolisãocomofundo.

OpresenteartigopretendeevidenciarasfalhasnaaplicaçãodessesconceitosnoepisódioenvolvendooUSSPorter,queculminaramnoseuabalroamentoporumNavioTanque.

Apesardenão tero intuitodeprovaraocorrênciade falhasou fazerqualquertipo de julgamento dos envolvidos no acidente, é importante colher algunsensinamentos daquele episódio por meio de suposições, informaçõesextraoficiaisdisponíveisnainternetepelaanálisedoáudiodopassadiçoobtidodoVDR2doCTededadosAIS(SistemadeIdentificaçãoAutomático–AutomaticIdentificationSystem)tambémdisponíveisnaInternet.

SEQUÊNCIA DE EVENTOS OUSSPorterpossivelmenteevitavatrafegarpróximoaomarterritorialiraniano,regiãodegrandetensão,ondeem2010umnavioanfíbio foiabalroadoporumsubmarino nuclear, ambos estadunidenses, e onde já houve incidentesenvolvendoembarcaçõesiranianas,minaseatéoabatedeumAirbus,em1988.

OnaviosaíadafaixadetráfegonortedeumEsquemadeSeparaçãodeTráfego(TSS–TrafficSeparationScheme)edemandavaarotamaisaosul,contráriaaofluxo de navios que demandavam a faixa de tráfego sul do TSS, assumindo orumo230°comvelocidadedesconhecida(Figura1).AEquipedoPassadiçoeracomposta pelo Comandante, pelo Oficial de Quarto, pelo Oficial deManobra epeloTimoneiro,alémdaequipedenavegação3.

OComandantehaviaseausentadodopassadiçovisandoresolveralgunsafazeresnãorelacionadoscomanavegação.

Os Oficiais no passadiço então se deparam com a luz de bombordo do NavioTanque (NT) Shat Al Alab pela sua bochecha de bombordo (Figura 2)4, comvelocidadede10,5nós.

2VDR–Gravadordedadosdeviagem(VoyageDataRecorder).

3NaU.S.NavyoOficialdeQuarto(OOD–OfficeroftheDeck)éumoficialquesupervisionaoserviçodoOficialdeManobra(CONN–ConningOfficer),quegeralmenteéomaisinexperiente.

4Asfigurasde1a4foramelaboradascombaseeminformaçõesdoAIS(SistemadeIdentificaçãoAutomático)nodia11/08/2012,outroradisponíveisemhttp://www.shipfinder.co.Osnúmerosqueacompanhamasposiçõesdosnavios

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Como o contratorpedeiro aproxima-se muito do NT, o Oficial de Manobradeterminaaumentaravelocidadepara“todaforçaadiante”visandosafarlogoapopadomercante,játendoemmenteguinaremseguida,acentuadamenteparabombordo,reassumindoorumobase230°.

Figura1.

Nãose sabeseoCTguinouumpoucoparaborestea fimdeevitarumamaioraproximação com o NT. Provavelmente, devido à situação de perigo gerada, oComandanteéchamadoaopassadiço.Aochegaraocompartimentoeconstatarruídoexcessivo,eledetermina“Silêncionopassadiço!”.Desseeventoemdiante,a gravaçãodoáudiodoPassadiçoédisponibilizadadeacordocomaLei sobreLiberdadedeInformação(FreedomofInformationAct)dosEUA.

Nessemomento,outroNavioTanque,oNTOtowasan(totalmentecarregado),aumadistânciaaproximadadecincomilhasnáuticaspelaproaeaumavelocidadede 14nós, percebia oUSSPorter emuma situação de “roda a roda” e iniciavauma guinada para boreste (Figura 3), prevista no RIPEAM5, visando passar“bombordocombombordo”comoCT,semsaberdasintençõesdessedeguinarparabombordo.

O Comandante do Porter, também desconhecendo as intenções do Oficial deManobra e a situação em relação aoOtowasan, determina aoOficial deQuartoenvolvidosrepresentamominutoaproximadodasmesmas.AsposiçõesdoUSSPorterforamdeduzidasemvirtudedomesmo,porserumnaviodeguerra,operaroAISempassivo.

5RIPEAM–RegulamentoInternacionalparaEvitarAbalroamentonoMar.

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“lemeameio”.OcomandodelemeépassadoparaoOficialdeManobra,quandoeste já estava comandando ao Timoneiro “todo leme a bombordo”. OComandantequestionaoporquêdamanobraeaintensidadedaguinadajáqueoNT ShatAlAlab já havia passado. O Oficial de Quarto responde que estava selivrandodapopadoNTereassumindoorumobase230°.EmseguidaoOficialdeManobra determina ao Timoneiro “governar no rumo 230°”, e o Timoneiro oatende.OOficial deQuarto comenta: “OK.Vamosvoltaraonossorumobase”.OComandantedizquenão importaorumobase,massim fazercomqueonaviocruzeotráfego.

Figura2.

Figura3.

OOficialdeQuartodeterminaentãoaoTimoneiro“lemeameio” (semrumosaseguir)einformaaoComandantequetemoutroNavioMercantepelabochecha

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deboreste.OTimoneiroinformaqueaproajáestáem210°.NessemomentooOficial de Manobra participa ao Comandante que está avistando uma luzencarnada e solicita autorização para guinar para “boreste 250°” para passarbombordocombombordocomoNT.

Figura4.

Figura5.

Nessafasecrítica(Figura4),oComandantepergunta:“passarquem?”,eoOficialdeQuartoresponde:“essecarabemaqui!”.EmseguidaoComandantequestionaporquehaviamaumentadoavelocidadepara“todaaforça”,eoOficialdeQuartoresponde que também era para ajudar a se livrar da popa do Shat Al Alab,determinandoreduziravelocidadepara5nós.

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ComoprovavelmenteoCTestavanavegandoemformatura,seguem-sediálogossobreanecessidadedeinformarasituaçãoaoutronavio,possivelmenteonaviodoOCT(OficialdeComandoTático)ousimplesmenteoutronavioquefaziapartedoseuGrupo-Tarefa.

O timoneiro informa que está com a proa em 230°. O Comandante começa aorientaroOficialdeQuartoparanãousarnovamenteamáximavelocidade,poisentendequenãoédaquelaformaquesediminuioproblema.OOficialdeQuartodá o ciente, mas avalia que o NT está com aspecto de bombordo e que énecessárioagircomrapidez.

Figura6.

O Comandante avalia a situação e determina em sequência: “todo o leme abombordo (20graus?)”; “todoo lemeabombordoememergência (30graus)”; esoarcincoapitoscurtos6.

O Timoneiro informa que está com a proa em 180° e, quando o Oficial deManobraverificaqueestáem170°,estesugereaoComandantecontinuarnestaproa. O Comandante concorda e o Oficial de Quarto determina ao Timoneiroseguirorumo170°.ImediatamenteoComandantevisualizaumasituaçãoqueofazgritar“máquinasadiantetodaaforçaememergênciaesoarnovamentecincoapitoscurtos!”. Em seguida determina aoTimoneiro “todoo lemeabombordo”,quando há o choque (Figura 5) e são ouvidos, no passadiço, gritos (dedesconhecidos):“Segurem-se!Prepararparaacolisão!MeuDeus!Vocêestábem?Soaroalarmedecolisão!”.

O Oficial de Quarto pergunta ao Contramestre se todo mundo está bem. OComandantedeterminapararmáquinaseoOficialdeQuartomandatocarPostosdeCombate.

Provavelmente, devido à grande inércia do NT, principalmente por estarnavegando carregado, não houve redução significativa de velocidade. O NT

6Regra34d)doRIPEAM–Quandováriasembarcaçõesàvistaumadaoutraseaproximarem,eporqualquercausaalgumadelasnãoentenderasaçõesouintençõesdaoutra,ousetiverdúvidasobreseaoutraestiverefetuandoamanobraadequadaparaevitaracolisão,aembarcaçãoemdúvidaindicaráimediatamenteessadúvidaemitidopelomenoscincoapitoscurtoserápidos.Estesinalpoderásercomplementadocomumsinalluminosodenomínimodecincolampejoscurtoserápidos.

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atingiu,comaparteemângulodesuarodadeproa,oCTnaalturadoconvésdoCIWS7.

AgrandediferençadecaladoentreosdoisnaviosevitouqueobulbodeproadoNT atingisse as obras vivas do Porter, o que poderia ter consequências maissérias(Figura6).Oacidentenãotevevítimasemnenhumdosnaviosenvolvidos.

E-NAVIGAT ION O relatório final do acidente com o Costa Concordia ressalta que o navio nãodispunhadecartadegrandeescaladailhaexibindoapedracomaqualonaviocolidiu. O livro Navegação Integrada ressalta que, no episódio com o CostaConcordia,oComandantedispensoumodernasferramentasquepoderiamajudaraevitaracolisãocomofundo.ApesardesóserobrigatórioousodeumECDIS(SistemadeExibiçãodeCartasEletrônicas–ElectronicChartDisplaySystem)poraqueletipodenavioapartirde2014,talequipamentojáexistiaabordoehaviapessoalqualificadonasuaoperação.Essaferramentadenavegação,quepermiteintegrar todas as ferramentas de navegação do passadiço, possibilitaria exibiremdetalhesapedra;soarcomaantecedêncianecessáriaalarmesemrelaçãoàaproximaçãodaqueleperigo;eatéplotaraposição futuradonavioapartirdedados de rumo, velocidade e ângulos de leme. Contudo, o seu uso foinegligenciado.

ContratorpedeiroClasse“ArleighBurke”.

Damesmaforma,existiamabordodoNTOtowasanedoUSSPortermodernasferramentasdeacompanhamentoautomáticodeembarcações,taiscomooRadardotadodeARPA(AutomaticRadarPlottingAid–AuxíliodePlotagemAutomática

7CIWS–Close-InWeaponSystem(SistemaNavalparaDefesadePonto,concebidoparadefesacontramísseisantinavioeaeronavesdeataqueacurtadistância).

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Radar) e o AIS (Automatic Information System – Sistema de IdentificaçãoAutomático),baseadonatransmissãodedadosviaVHFentreembarcações.

PossivelmenteoRadar/ARPAdoNTOtowasandisparouumalarmedeCOLISÃO(Threat–Ameaça)emrelaçãoaoUSSPorter,queporpossuirgeometriafurtiva(stealth)deveteraparecidonatelaradardoNTcomoumapequenaembarcação.ComonaviosdeguerranãosãoobrigadosatransmitirossinaisAIS,operandoomesmoempassivo,oNTpodeterinferidoqueopequenoecoradartratava-sedeuma pequena embarcação sem AIS, ou mesmo de um navio de guerra caso otenhaobservadocomaspectodeestarfazendopartedeumaformaturanaval.OdesconhecimentodascondiçõesatmosféricasnolocalnãopermitegarantirqueoNTtenhaavistadoasluzesdebordodoCTantesdeguinarparaboreste.

JánoUSSPorter,pelaanálisedoáudiodopassadiço,nãohánenhumindíciodequealguémtenhapercebidoaguinadadoNTouquealgumalarmedeameaçaoucolisãotenhasidoacionadopeloRadar/ARPAe/oupeloAISemrelaçãoaele.Etaisalarmesgeralmentesãoconfiguradosparaserememitidosdeformasonora,somentesendo interrompidosporaçãodooperador.OAIS tambémécapazdeexibiraderrotapercorridadequalqueralvoeatéaderrotaplanejada,casosejainseridanosistema.Alémdisso,taisbelonavespossuememseusCIC(CentrosdeInformação de Combate) sensores eletromagnéticos e acústicos incomparáveisnadetecçãodequalquertipodeameaçaaérea,submarinaoudesuperfície.

GERENCIAMENTO DA EQUIPE DO PASSADIÇO Conformeéressaltadonocapítulo4dolivroNavegaçãoIntegrada,umacidenteraramenteéfrutodeumúnicoevento,masdeumasériedelesqueformamumacadeia de erros. Geralmente essa cadeia é formada por eventos do tipo: máconfiguração de equipamentos, confusão de identificação, erros de cálculo,informação mal interpretada ou por mal-entendidos, sendo agravada por umeventualdespreparodopessoal.

Somente aquele Oficial no passadiço que mantém permanentemente a“consciência situacional”, ou seja, que sabeo que está ocorrendo a bordo e noentornodonavioeestáalertaparapercebersinaisqueindiquemumatendênciaacriarumacadeiadeerros,podetomarumaatitudeparainterrompê-la.Muitasvezes a percepção de um desses sinais não indica necessariamente que umacidente está prestes a ocorrer, mas apenas que a navegação não está sendoconduzida adequadamente ou como planejado, podendo a “consciênciasituacional”serdegradada,comprometendodesnecessariamenteasegurançadanavegação.

Geralmente existem alguns sinais que, caso não sejam percebidos einterrompidos, podem levar ao desenvolvimento de uma cadeia de erros. Atabela a seguir, constante do livro Navegação Integrada (adaptada da obraBridgeTeamManagement),mostraalgunsexemplosdesinaistípicosquepodemcontribuirindesejavelmenteparaessasituação.

O Capítulo 4 do livro Navegação Integrada faz uma análise do caso CostaConcordia à luzdoGerenciamentodaEquipedoPassadiço e conclui que erros

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dos tipos 1c), 1d), 2b), 6 e 7 formaram a cadeia de erros naquele episódio. Orelatório final do acidente também aponta interpretações de ordens de lemeerradas por parte do Timoneiro (erro 4) e a falta de empenho da equipe dopassadiço por não ter sido suficientemente enfática em alertar o Comandantesobreasituaçãodeperigo.

Sinaistípicosdedesenvolvimentodeumacadeiadeerros.

Analisando o caso USS Porter, podemos também constatar os seguintes sinaisque,pornãoteremsidointerrompidos,formaramumafortecadeiadeerrosqueculminaramnoabalroamento.

Erro1c)OComandantediscordoudamanobraedavelocidadeadotadaspelosOficiaisdeserviçonopassadiço,semtera“consciênciasituacional”emrelaçãoàsintençõesdosOficiais,àvelocidadedopróprionavio,eàpresençaameaçadoradoNTOtowasan.

Erro1d)OComandante,comoérecomendadoemsituaçõescríticas,deveriaterassumidoimediatamenteamanobraenãoapenasterselimitadoainterferirnamanobradosOficiaisdeserviçonopassadiço.

Erro 1e) Os Oficiais de serviço no passadiço não conseguiram passarrapidamente ao Comandante as suas intenções de manobra e a situação emrelação ao NT Otowasan, nem foram suficientemente enfáticos em suaspercepçõesemrelaçãoàameaçadoNT.OBTMrecomendaqueseprocureevitarque o riscodo errodeumúnico indivíduopossa resultar emuma situaçãodecatástrofe.Tambémrecomendadeixarclaroemquesituaçõessedeve“chamaroComandanteaopassadiço”.

Erro 1f)NinguémnopassadiçopercebeuqueoNTOtowasan jáhaviaguinadoparaborestebemantesdeoComandantechegaraopassadiço,oquepoderiatersidofacilmenteconstatadopormeiodaidentificaçãodesuasluzesdenavegação,ou por meio do Radar/ARPA, ou pelo AIS, que, como já mencionado

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anteriormente, possuem eficientes alarmes para tal propósito, casoadequadamenteconfigurados.

Erro2a)Nãoexisteregistrodecargadetrabalhoexcessiva,stressoufadigaporparte dos Oficiais, mas sempre se deve levar em consideração que navegar ànoite,possivelmenteengajadoemmanobrasmilitares,emumaregiãoperigosacomooGolfoPérsico,podefacilmentecontribuirparaaincidênciadessesfatoresnegativos.

Erro 2b) Segundo divulgado na mídia, o Comandante havia se ausentado dopassadiço a fim de despachar relatórios de rotina, uma tarefa não relacionadacoma segurançadanavegação.Ao sairdoTSS8, oComandantedeveria ter emmentequecruzariaintensotráfegonosentidocontrário,evitandoausentar-sedopassadiço,aindamaisnavegandoànoiteeemformatura.

O Comandante não conseguiu recuperar a “consciência situacional” após seuregressoaopassadiçoedesperdiçouumvaliosotempodereaçãoocupando-se,durantecercadeumminuto,emparticiparareduçãodemáquinasparaoOCTeem advertir os Oficiais a respeito do uso das máquinas a toda força,procedimentoquejápoderiaconstardesuasordenserecomendações.Apáginadoseulivrodeordensnoturnasparaaquelanoiteestavaembranco,mashaviauma frase padrão impressa próximo ao local destinado à assinatura doComandante.

Erro3)QuandooComandantechegouaopassadiço,haviaumexcessoderuídonocompartimento,demonstrandocertaconfusão,agravadapelofatodeelenãoterefetivamenteassumidoamanobra.

Erro4)Éinteressanteconstatarque,naprimeirafaladoOficialdeManobra,elecomandaobordoerrado,corrigindo-oemseguidae,naúltimafaladoOficialdeQuarto,estedizqueonaviofoiatingidoporbombordo,quandonarealidadeofoiporboreste.Tal tipodeerroemrelaçãoaosbordos, casonãosejapercebidoatempoepassadona formadecomandoaoTimoneiro,poderapidamentegerarouagravarumasituaçãodeperigo.

Erro5)MesmoestandoclaroqueamanobrasemprepermaneceucomoOficialde Manobra, o fato de o Comandante não a ter assumido naquele momentocrítico, fez com que suas recomendações tivessem que passar pelo Oficial deQuarto epeloOficial deManobra antesde chegaremaoTimoneiro.Damesmaforma,oOficialdeQuartonecessitavasugeriramanobraaoComandanteeobterautorizaçãoantesdeagir.EumasituaçãodessasgeralmentetendeaseagravaremcasodapresençadoPráticonopassadiço.

Erro7)OUSSPorter,aocontráriodoNTOtowasan,nãocumpriuoRIPEAMnemefetuouchamadaVHFparacombinaramanobra.NãosetemconhecimentoseoUSSPorternavegavaemCONSET(CondiçãodeSilêncioEletrônico).

8AsregrasparanavegaremumTSS(EsquemadeSeparaçãodeTráfego),constamdoCapítulo3dolivroNavegaçãoIntegrada.

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CONCLUSÃO Podemos concluir que, se a ordem inicial do Comandante demanter o leme ameiotivessesidodadaatempo,nãohaveriaacolisão.Damesmaforma,casooOficial de Manobra mantivesse a velocidade máxima após a guinada,provavelmente cruzaria rapidamente a proa do NT. A perda da “consciênciasituacional”peloComandante;asuainterferêncianamanobra,semefetivamenteassumi-la;areduçãodrásticadevelocidade,limitandoacapacidadedemanobradonavio;eaincapacidadedaequipedopassadiçoemperceberaguinadadoNTeemparticiparativamentedasdecisõesdoComandanteforamfatais.

AnãoutilizaçãodemodernasferramentasdenavegaçãoeasdiversasfalhasnogerenciamentodaequipedopassadiçodoUSSPorter criaramumparadoxonoqualumnaviodeguerradamarinhamaispoderosadoplaneta,concebidoparaevitarasmaisdiversasameaças, incluindooataquepormísseissupersônicosacurta distância, não foi capaz de evitar ser atingido por um grande e lentopetroleiro.

Continuanapróximapágina:GRAVAÇÃODOÁUDIODOPASSADIÇODOUSSPORTER.

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GRAVAÇÃO DO ÁUDIO DO PASSADIÇO DO USS PORTER Tradução:CCMarcusAndrédeSouzaeSilvaeCT(USN)CharlesCalhounTodd.

Continua.

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Continua.

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Continua.

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BIBL IOGRAFIA BENTO, Carlos Norberto Stumpf. Navegação Integrada. Claudio VenturaComunicação,Niterói,2013.200p.(http://www.e-nav.net).

BRASIL, Marinha do Brasil. RIPEAM-72: Convenção sobre o RegulamentoInternacional para Evitar Abalroamento no Mar. (Tradução do COLREGs-72).DiretoriadePortoseCostas,RiodeJaneiro,2011.102p.

DEFENSENEWS-BridgeaudiofromUSSPorter’sAug.12collision.Disponívelem:http://www.defensenews.com/VideoNetwork/2372083607001/Bridge-audio-from-USS-Porter-s-Aug-12-collision.

SWIFT, A.J Captain; BAILEY, T.J Captain.BridgeTeamManagement:APracticalGuide.2nded.England:TheNauticalInstitute,2004.111p.

*Carlos Norberto Stumpf Bentoé capitão-de-mar-e-guerra da reserva da Marinha doBrasil.Guarda-marinha pelo ColégioNaval e pela EscolaNaval, possui formação comoOficial deEstadoMaioreDoutoradoemPolíticaeEstratégiaMarítimaspelaEscoladeGuerraNavaleMBAemGestãoInternacionalpeloCOPPEAD/UFRJ.EntresuasdiversasfunçõesnaMarinha,foiinstrutorde Navegação no Navio-Escola "Brasil", vice-diretor da Diretoria de Hidrografia e Navegação eAdidoNavaljuntoàEmbaixadadoBrasilemBuenosAires,Argentina.