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Nutrigenômica: situação e perspectivas na alimentação animal

Nutrigenomics: state of the art and perspective in animal feeding

Fernanda M. Gonçalves*, Marcio N. Corrêa, Marcos A. Anciuti,Fabiane P. Gentilini, Jerri Teixeira Zanusso, Fernando Rutz

Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

Resumo: O objetivo desta revisão é relatar a situação de estudos em nutrigenômica em sistemas de produção animal discutindo perspectivas quanto à utilização prática das inter-ações entre nutrição e genótipo e os benefícios produtivos relacionados. A importância da nutrição para a saúde e suainfluência na ocorrência de doenças já é comprovada cientifica-mente por instituições de pesquisa. A conversão metabólica decomponentes da dieta atua como um mecanismo de controlepara a expressão genética. Desta forma, estudos em nutri-genômica têm despertado o interesse de cientistas, buscandoentender a maneira como a alimentação regula a expressão degenes. O conhecimento de que a interação dieta-genoma possacontribuir para resolução de doenças crônicas ainda é discutidomundialmente, e o mecanismo de atuação de componentesdietéticos em nível molecular, ainda não foi evidenciado. Emsistemas intensivos de produção animal, esta área de estudoscontribuirá para um melhor aproveitamento dos ingredientesdas rações os quais representam um percentual considerável noscustos de produção. A necessidade em fornecer ingredientesnaturais e biodisponíveis em dietas para animais, motiva a pes-quisa em nutrição e alimentação animal para o conhecimento decomo determinados nutrientes irão atuar nos sistemas orgânicose, conseqüentemente, melhorar o desempenho zootécnico epadrão sanitário dos efectivos animais. De acordo com o que foidescrito, o artigo de revisão abordará a aplicação desta ciênciaem sistemas de produção animal bem como os estudos já desenvolvidos nesta área.

Summary: The aim of this review is to discuss the worldwidestudies in nutrigenomics applied in farm animals systems, considering the perspectives about practical applications ofnutrition gene interaction for animal health and the related benefits. The value of nutrition for health and its influence inmany diseases is proved by researches laboratories and institu-tions. The metabolic conversion of chemical elements of dietsalso acts like a control mechanism for genetic expression.Therefore, the interest of nutrigenomics researches appears tobe stronger, were scientific communities searches for answersabout how food can regulated gene expression. The evidences ofdiet and genome interaction contribution for the wellness inchronic diseases conditions still remains in discussion, and themechanisms by which nutrients perform molecular changes arestill to be explained. In intensive animal production systems,

this area of knowledge will contributed for a better used of dietsingredients, which represented a considerable high cost in theactivity. The needed to offer natural and available ingredients inanimal diets motivates research in animal nutrition and feedinginto the explanation of the acting mechanism of the nutrients inorganics systems in order to increase the performance and sanitary condition of animals. According to that, this review willaddress the application of nutrigenomics concepts in animalproduction systems and the research development in this field.

Introdução

Em sistemas de produção animal que visam obteralimentos para consumo humano, a maior parte doscustos, independente da espécie animal a ser explora-da, concentra-se nas despesas com a alimentação dosrebanhos. Estima-se que tal despesa represente de 70 a 80% do total de recursos despendidos em um sistema de produção animal intensivo. A precisão na determinação dos ingredientes ideais que irãofavorecer índices zootécnicos de interesse pode ser asolução para reduzir esse custo com alimentação(Berchielli et al., 2006).

Um adequado consumo de macro e micronutrientesque considere a idade, a constituição genética e ometabolismo de cada indivíduo, permite uma melho-ria na saúde e na eficiência produtiva a um baixo custoem relação a outros procedimentos (Ames, 2004).

A importância da interação entre nutrição e saúde éevidente em um sistema de produção animal, aindaque fatores ligados a ambiente e manejo tambéminfluenciem o desempenho produtivo do indivíduo edo rebanho por conseqüência. Nesse contexto, algunsalimentos poderão apresentar-se como componentesbioativos na proteção do organismo contra enfermi-dades que possam acometer os rebanhos (Afman eMuller, 2006; Ferguson, 2006), sendo que alguns elementos como, selênio, vitamina E, ácido ascórbicoe carotenos, por exemplo, já foram identificados comoagentes protetores.

Com o desenvolvimento de métodos bioquímicos ede técnicas de biologia molecular, a elucidação dos

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R E V I S T A P O R T U G U E S A

CIÊNCIAS VETERINÁRIASDE

ARTIGO DE REVISÃO

*Correspondência: [email protected]/fax: +55 53 32757274

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mecanismos químicos de ação de constituintes dadieta, assim como seus efeitos subseqüentes emmecanismos homeostáticos relacionados à condiçãode saúde ou doença, está avançando de forma rápida egradual. O mapeamento do genoma humano e ensaiosrealizados em modelos biológicos também possibili-taram a condução de estudos e a identificação degenes responsáveis por reações específicas ligadas amudanças dietéticas em indivíduos susceptíveis adeterminadas enfermidades. Ainda que parte da informação sobre os genes que constituem o códigogenético, suas respectivas localizações no cromosso-ma, estrutura e função tenham sido identificadas,ainda serão necessários estudos sobre a formaorquestrada em que os genes atuam no metabolismo(Marti et al., 2005). Essas interações são estudadaspela genômica da nutrição, ciência conhecida comonutrigenômica. O termo faz referência ao modo comocertos nutrientes interagem com os genes de um sistema orgânico em particular, favorecendo a síntesede proteínas de forma benéfica ao indivíduo.Atualmente, muitas publicações na área de nutrição esaúde humana têm utilizado conceitos de nutri-genômica para estudar a prevenção e, em menorpotencial, o tratamento de doenças multifatoriais(Sedová e Seda, 2004; Ferguson, 2006; Trujillo et al.,2006). Assim, trata-se de uma área da ciência emexpansão e que ainda necessita de muitos estudos paraque ações sejam adotadas a fim de maximizar osbenefícios do melhor entendimento das interaçõesgene-nutrientes. Ainda são escassos na bibliografiamundial, estudos ou revisões que procurem informartécnicos e pesquisadores dedicados as áreas de ciências biológicas e agrárias sobre os conceitos eaplicações da nutrigenômica em sistemas de produçãoanimal.

O objetivo desta revisão é relatar a atual situação de estudos de nutrigenômica bem como discutir perspectivas do conhecimento e entendimento dasinterações entre nutrição e genótipo para a saúde animal e, conseqüentemente, os benefícios produtivosrelacionados.

Nutrigenômica: estado da arte

A combinação de dados através de projetos para mapeamento do genoma das espécies, e adisponibilidade de ferramentas de alta tecnologia paraa investigação da expressão gênica, permitem oesclarecimento sobre a complexa interação entrenutrição e genoma a qual afeta diretamente a funçãocelular. Embora a nutrigenômica seja uma ciênciarecentemente descoberta, o conhecimento de quecomponentes dos alimentos afetam a expressão dedeterminados genes e, por conseqüência, a expressãofenotípica, já esta claramente evidenciada (Bergmannet al., 2006).

As informações obtidas a partir de estudos de nutri-genômica poderão orientar para a elaboração de umadieta mais específica considerando a condição desaúde dos animais e a composição nutricional dos alimentos, o que poderá proporcionar melhoresrespostas metabólicas e, conseqüentemente, de produção. Esta nova ciência permitirá a prevenção dedoenças importantes em humanos como obesidade,hipertensão e diabetes, bem como otimizar as terapiaspara estas enfermidades. Em animais também poderãoser prevenidas enfermidades prevalentes, em especialàquelas ligadas a condição nutricional do indivíduo(Sedová e Seda, 2004), como é o caso da cetose, porexemplo, uma enfermidade de etiologia metabólica aqual acomete principalmente rebanhos leiteiros comcondição corporal acima do preconizado no momentodo parto (Ingvartsen, 2006). Desta maneira, poderãoser prevenidas doenças de origem metabólica emfunção de uma correta nutrição dos rebanhos(Goodacre, 2007), através do mapeamento de genesrelacionados a expressão de determinadas característi-cas da espécie, sexo, padrão racial, genético e quepotencialmente sejam suprimidos por componentesfuncionais das dietas. Em aves domésticas, já foramdescritas várias diferenças no pareamento de bases(2,8 milhões) entre linhagens (International ChickenPolymorphism Map Consortium, 2004), evidenciandoa ampla diversidade genética em uma mesma espéciee, até mesmo, em um mesmo gênero.

A utilização das ferramentas para a pesquisa emnutrigenômica permitirá estudar os mecanismo denutrientes ou alimentos bioativos sobre a expressão(transcrição e tradução) e sobre o metabolismo degenes, especialmente sobre o mecanismo molecular erequerimento de nutrientes (Jiang et al., 2004; Trujilloet al., 2006), bem como sobre a forma em que alimentos bioativos podem interagir entre si. Nestecontexto a nutrigenômica apresenta algumas premis-sas básicas (Trujillo et al., 2006):

- a dieta e os componentes dietéticos podem alteraro risco de desenvolvimento de doenças, modulando osprocessos múltiplos envolvidos com o início, aincidência, a progressão e/ou severidade;

- os componentes do alimento podem agir no genoma, direta ou indiretamente, alterando aexpressão dos genes e dos produtos destes;

- a dieta pode potencialmente compensar ou acentuar efeitos de polimorfismos genéticos;

- as conseqüências de uma dieta são dependentes doestado da saúde ou da doença e da genética de cadaindivíduo;

- intervenções na dieta baseadas fundamentalmenteno conhecimento das necessidades nutricionais e nogenótipo, podem ser utilizadas para o desenvolvimen-to de planos nutricionais individualizados queotimizem a saúde e previnam ou minimizem os efeitosdas doenças crônicas.

A possibilidade de adequar a alimentação às carac-

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terísticas do código genético de cada indivíduo, a fimde prevenir o desenvolvimento de certa enfermidadeidentificada geneticamente, tem estimulado pesquisa-dores de todo o mundo a aprofundar conhecimentosnesse segmento de pesquisa. Em estudos de labo-ratório, pesquisadores já verificaram que a lunasinaencontrada na soja, influencia 123 genes envolvidosno surgimento do câncer de próstata auxiliando ainterrupção no crescimento do tumor. Também foi evidenciado que o brócolis estimula a ação de genesenvolvidos na produção de antioxidantes que atuammantendo as artérias saudáveis (Moraes e Colla,2006). Assim como a soja e o brócolis apresentamefeitos benéficos para saúde humana, atuando comocoadjuvantes na prevenção de doenças, outros alimentos poderão igualmente atuar como suportes em tratamentos de doenças crônicas em animais deprodução, uma vez que sejam estudadas e evidencia-das suas propriedades terapêuticas. Alguns alimentostêm sido estudados a fim de elucidar seus princípiosativos, entretanto, informações concretas de comoestes componentes nutricionais atuam no processo de síntese de aminoácidos e proteínas, em nível decódigo genético, e a maneira como serão aplicadas,ainda não são totalmente esclarecidas.

Na área de clínica veterinária, alguns marcadoresbiológicos têm sido utilizados como ferramentas paradiagnóstico definitivo de alguma doença ou, atémesmo, como medida de profilaxia. Um exemplo, é autilização de biomarcadores para a detecção deexposição à aflatoxinas (Lino et al., 2007), as quaisinibem a síntese proteica e do DNA, promovem stressoxidativo, induzem a fragmentação do DNA e inter-rompem o ciclo celular (Lino et al., 2004). Nos estu-dos em nutrigenômica, utilizam-se técnicas como omicroarranjo para analisar as adaptações metabólicasque são induzidas pelas variações da nutrição (Baueret al., 2004). O microarranjo (gen chip) é uma técnicaexperimental da biologia molecular que busca mediros níveis de expressão de transcritos em larga escala,isto é, medindo muitos (em alguns casos todos) transcritos simultaneamente. O desenvolvimento datecnologia de microarranjo permite aos cientistas umaferramenta para examinar sítios potenciais de ação decomponentes alimentares e suas interações com váriosprocessos celulares. Com o uso desta ferramenta,diversos genes e sua expressão relativa são avaliadossimultaneamente em células normais e doentes, antesou depois da exposição a diferentes componentesdietéticos. Como exemplo de tal evolução, cita-se oprogresso do projeto do genoma suíno e de aves, oqual apresentou consideráveis avanços quanto aoentendimento da seqüência de nucleotídeos associadaa genes específicos de suínos permitiu a produçãocomercial de microarranjos individuais (gen chip) quepodem ser utilizados para avaliação de 23256 transcrições correspondentes a 20201 genes do geno-ma desta espécie (Caetano et al., 2004).

Estas informações podem auxiliar a descoberta denovos biomarcadores para o diagnóstico de doenças ea predição de prognóstico, além de novas alternativasterapêuticas (Trujillo et al., 2006).

O surgimento dos estudos em nutrigenômica e emnutrigenética, dois campos com diferentes abordagenspara a elucidação da interação entre dieta e genes, possui um objetivo final em comum: otimizar a saúdeatravés de uma dieta personalizada e fornecerpoderosa aproximação para decifrar a complexarelação entre moléculas nutricionais, polimorfismogenético e o sistema biológico por inteiro (Mutch etal., 2005). A nutrigenômica descreve o uso de ferra-mentas para investigar um sistema biológico em particular, de acordo com um estímulo nutricional que irá permitir o conhecimento de como nutrientesinfluenciam mecanismos metabólicos e de controleshomeostáticos. Por outro lado, a nutrigenética visacompreender como o tipo genético de um indivíduocoordena a resposta deste a uma dieta, e isto con-siderando o polimorfismo genético. O polimorfismogenético é reconhecido como um fator que pode alterar a resposta a componentes da dieta (efeito datranscrição nutricional) por influenciar a absorção,metabolismo ou sítio de ação (Kussmann et al., 2006).

A nutrigenômica em sistemas de produçãoanimal

Os estudos que estão sendo realizados na área danutrigenômica são, em maior parte, desenvolvidos emhumanos. Desta maneira, ainda serão necessáriosmuitos ensaios para determinar e compreender osbenefícios advindos de nutrientes que sabidamentesão responsáveis por contribuir para um desempenhoprodutivo satisfatório, mas que ainda não foram consolidados em relação a possíveis interações comdeterminados genes em diferentes espécies. Nestecontexto inserem-se os minerais, nucleotídeos,aminoácidos, as vitaminas, dentre outros elementosorgânicos que podem modificar a transcrição de genescom o potencial de alterar as respostas biológicas emetabólicas envolvidas em processos como o cresci-mento e a diferenciação celular.

Siske et al. (2000) observaram maior peso dos ovosquando utilizaram zinco e manganês, ambos na formaorgânica, nas dietas de aves produtoras de ovos. Emuma primeira análise, não se observa uma correlaçãoentre a suplementação de tais minerais e o incrementode solutos e líquidos na composição do ovo. No entanto, estes elementos atuam ativamente como co-fatores em processos enzimáticos importantes parao organismo. A enzima anidrase carbônica, por exemplo, necessita da presença de zinco para catalisara reação que produz ácido carbônico a partir de águae dióxido de carbono (Slattery et al., 2004), necessáriapara a formação da casca. É possível que outras

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reações orgânicas sejam direta ou indiretamente influenciadas por diferentes minerais, e que interaçõesentre estes e o conteúdo genético do indivíduo ocorram durante a exposição. A utilização de nutri-entes com maior biodisponibilidade ao organismopoderá fornecer as quantidades ideais de um determi-nado mineral após o estabelecimento da dieta gênicapara uma raça ou linhagem.

Em um experimento com cobaias, observou-se queratos alimentados com uma dieta pobre em selêniodemonstraram um aumento na expressão de genesenvolvidos no processo de danificação do DNA, noestresse oxidativo e no controle do ciclo celular e,ainda, apresentaram redução na expressão de genesenvolvidos na detoxificação (Sreekumar et al., 2002).Blanchard et al. (2001) utilizaram arranjos de cDNApara demonstrar mudanças na expressão gênica intes-tinal induzida por deficiência de zinco em roedores.Estes estudos indicam que o perfil de expressãogenética pode ser utilizado para a detecção de dosessubótimas de micronutrientes essenciais utilizados nas dietas comerciais para as diversas espécies deinteresse zootécnico.

Os componentes do alimento com potencial bioati-vo modificarão diversos processos simultaneamente.Assim, um dos desafios no campo da pesquisa é aidentificação de quais processos, ou a interação entreprocessos, serão mais importantes para proporcionaruma mudança fenotípica (Trujillo et al., 2006). Outroaspecto relevante a ser observado é a identificação dequais doenças poderão ser prevenidas ou debeladaspor uma intervenção através da dieta. No estudo darelação nutrição-gene também deverá ser consideradoo fator ambiental como um agente modulador daresposta, a qual será única frente às variadascondições ambientais. A progressão de um fenótiposaudável para um fenótipo de doença crônica deveocorrer por mudanças na expressão de genes ou pordiferenças na atividade de proteínas e enzimas (Kaput e Rodriguez, 2004), sendo estas ativadas ousuprimidas por agentes extrínsecos ao animal.

Um grande número de componentes dietéticos podealterar eventos genéticos e, de tal modo, influenciar a saúde. Além dos nutrientes essenciais, tais como cálcio, zinco, selênio, folato, vitaminas C e E, existeuma variedade de classes de nutrientes não essenciaise de componentes bioativos que parecem influenciarde maneira significativa a saúde. Estes compostosessenciais e não essenciais do alimento, sabidamentemodificam um número de processos celulares associados à prevenção de doenças, incluindo ometabolismo carcinogênico, o balanço hormonal,mecanismos de sinalização celular, controle do ciclocelular, apoptose e angiogênese (Davis e Uthus,2004). A vitamina E, por exemplo, é um potenteseqüestrador de radicais livres e o mais poderosoantioxidante lipossolúvel da natureza (Souza et al.,2006), sendo associada à defesa das membranas extra

e intracelulares contra espécies reativas que danificamas células, conferindo, conseqüentemente, proteção aoconteúdo genético destas estruturas. Souza et al.(2006) relataram efeitos positivos para força de cisalhamento (força de corte) em músculos de frangosde corte suplementados com níveis crescentes de vitamina E nas dietas, atribuindo esta maior firmeza à função de proteção da vitamina E às injúrias na membrana celular durante o processo de congelamen-to. Contudo, tal resultado pode ser utilizado para umainvestigação mais profunda, associando a composiçãoestrutural muscular de frangos suplementados comvitamina mais firme à expressão de genes para a síntese de proteínas estruturais da fibra muscular, porexemplo. Desta forma, uma avaliação genômica daação da vitamina E no organismo animal conduziria auma determinação mais específica sobre a funçãoestrutural deste nutriente.

Uma questão sobre o selênio interessante de serdestacada é que estudos demonstraram que este mineral reduz a incidência de câncer no fígado, próstata e nos pulmões de humanos (Clark et al.,1996). Entretanto os indivíduos não respondem damesma forma a suplementação com selênio, já que avariabilidade genética consiste em um dos fatores quecontribuem para o nível e o tipo de resposta. A glutationa peroxidase é uma enzima dependente deselênio que atua no sistema antioxidante da membranacelular. Um polimorfismo no códon 198 da glutationaperoxidase em humanos resulta em uma substituiçãode leucina por prolina, sendo este mecanismo associa-do ao aumento do risco de câncer de pulmão (Singh etal., 2006). Não foram identificadas neste estudo ascausas que influenciaram este polimorfismo, noentanto, tal alteração pode estar relacionada a quanti-dade de selênio que é necessária para otimizar a atividade da enzima. A eficácia do uso de selênio comdiferentes alelos para a glutationa peroxidase não étotalmente conhecida (Hu e Diamond, 2003).

A atividade da vitamina D constitui um outro exemplo sobre os efeitos mediados pela expressãogenômica de receptores para a mesma. Por sua vez, a expressão de genes para estes receptores são dependentes dos níveis de cálcio na dieta e do consumo de Vitamina D (Slattery et al., 2004). Dada aimportância desta vitamina nos mais diferentesprocessos fisiológicos dos animais, informações quepossam maximizar os benefícios de seus efeitos,implicaram em novas aplicações de conceitos nutricionais na formulação de dietas para animais deprodução.

A nutrigenômica em nutrição animal promete seruma alternativa de grande utilidade principalmente emsistemas de produção intensiva, onde a alimentaçãocontribui, associada a outros fatores inerentes aoambiente e métodos de manejo, com uma parcela significativa para a melhoria do desempenho zootéc-nico dos lotes, bem como na rentabilidade econômica

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das unidades. Para este aumento na eficiência biológica, a aplicação de novas tecnologias em produção animal serão responsáveis por custos de produção mais baixos e competitivos. Nos domíniosmetabólico, genético, reprodutivo e produtivo, novastécnicas que não apresentem riscos à saúde pública e que sejam eticamente aceitas pelo consumidor, permitirão aplicar no próximo século e nos sistemasde produção intensiva, tecnologias de produção que incrementem o setor primário de produção de alimentos (Portugal, 2002).

Os princípios de nutrigenômica a serem aplicadospara animais de produção, poderão não ter somente oobjetivo de prevenir doenças relacionadas a alteraçõesgenéticas, mas também correlacionar à utilização decerto nutriente em uma dieta animal com o aumentode índices produtivos. As descobertas a serem reali-zadas na próxima década utilizando ferramentas moleculares, tais como os microarranjos, irão revolu-cionar nosso entendimento básico sobre a fisiologiados rebanhos e auxiliarão a definir novos métodospara o controle nutricional dos animais. Em longoprazo, provavelmente a transcrição destes perfis serácapaz de fornecer diversas ferramentas elementarespara a avaliação do status nutricional e fisiológico deum indivíduo, animal ou grupo de animais (Dawson,2006). As técnicas utilizadas para a elucidação dagenômica nutricional não são diferentes daquelas utilizadas nas pesquisas em genética molecular. Umarede integrada que simultaneamente examina a genética e associa polimorfismo com doenças ligadasa dietas (nutrigenética), nutrientes induzindo a metilação do DNA e a alteração da cromatina (epigenômica nutricional), nutrientes que induzemmudanças na expressão gênica (transcriptômica nutri-cional) que alteram a formação e/ou bioativação deproteínas (proteômica) irá permitir um completoentendimento da inter relação entre dieta e desen-volvimento de doenças (Davis e Milner, 2004).

Alimentos funcionais

O termo “funcional”, bioativo ou nutracêutico, vemsendo aplicado como conceito de alimentos que proporcionam um benefício fisiológico adicional alémdas qualidades nutricionais básicas. Tais alimentostambém são vistos como promotores de saúde, sendomuitas vezes associados a um tratamento profilático àinstalação ou retardo de alterações pré- estabelecidas(Moraes e Colla, 2006).

Variações entre os alimentos ingeridos não somenteinfluenciam o consumo de componentes bioativoscomo alteram o metabolismo celular, influenciando ossítios de ação de ambos nutrientes essenciais e nãoessenciais (Milner, 2004).

Segundo Diplock et al. (1999) foi definido consen-sualmente o conceito europeu de alimento funcional

como “um alimento em que está satisfatoriamentedemonstrado possuir efeito benéfico em uma ou maisfunções fisiológicas alvo, para promover a saúde ebem-estar e/ou reduzir o risco de doença”. Um alimento funcional deve assim configurar-se, e seusefeitos devem ser demonstrados em doses que possamser normalmente esperadas em uma dieta. Emboraassociado, este conceito não deve ser confundido com o conceito de nutracêutico, o qual se refere a um composto químico presente naturalmente nos alimentos ou substâncias encontradas naturalmente na natureza possíveis de ser ingeridas, como as ervas aromáticas, por exemplo, que sabiamente sãobenéficas para o organismo humano na prevenção outratamento de uma ou mais doenças, reforçando asreações fisiológicas.

Embora, a maioria das substâncias de ocorrêncianatural benéficas a saúde originem-se de plantas, também existem diversos componentes fisiologica-mente ativos em produtos de origem animal quedevem ser destacados devido a função em potencial napromoção de saúde como, por exemplo, os ácidosgraxos conjugados encontrados em produtos cárneos,principalmente (Prates e Mateus, 2002).

As recomendações nutricionais variam conforme a espécie, sexo, categoria linhagem ou raça e, considerando estas características, diversos manuaissão elaborados baseados em exigências específicas.Em muitas situações a formulação das dietas não permitem a máxima expressão do potencial genéticodos animais de produção, desconsiderando o manejonutricional como favorecedor do desempenho. Amaioria das vezes, tal medida é realizada através de ensaios que avaliam o desempenho dos animaissubmetidos a uma dieta e também por estudos dedigestibilidade que determina, através das excretas doanimal, a porção do alimento ingerido que realmentefoi aproveitada pelo organismo. Estes ensaios, comunsnos estudos de nutrição animal, necessitam de ummelhor aproveitamento de seus resultados, sendonecessário o conhecimento do sistema orgânico queestá sendo favorecido por determinado nutriente.Nesse sentido, estudos de nutrigenômica permitiriamo entendimento do efeito de alimentos bioativos nasdiversas funções celulares.

Embora os estudos em nutrigenômica tenham progredido consideravelmente, a complexidade dainteração entre nutrientes e genes promove questiona-mentos ainda não esclarecidos, impossibililitando aaplicação dos benefícios relacionados a este novoconceito nos sistemas de produção animal.

Conclusão

Considerando o que foi relatado nessa revisão,entende-se que a variação genética individual podeinfluenciar a maneira com que nutrientes são assimi-

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lados, metabolizados, armazenados e excretados peloorganismo.

Certamente o estudo da nutrigenômica permitiráuma maior compreensão de fatores ambientais e comportamentais que influenciam o fenótipo, possi-bilitando a formulação de dietas que favoreçam acondição de cada sistema de produção animal emespecial, personalizando estas unidades de produção.O sucesso em aplicação deste novo conceito emnutrição possibilitará a maximização dos índices deprodutividade e, conseqüentemente, a rentabilidade daatividade agropecuária.

Para tal, muitos estudos ainda precisam ser desen-volvidos a fim de identificar e validar o potencial de alimentos ou componentes nutricionais que deter-minarão características ou condições desejáveis no organismo animal ou mesmo minimizar as nãodesejáveis.

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