nutracêuticos: o que significa?...
TRANSCRIPT
Art
igo
Nutracêuticos: o que Significa?
Silvia Cozzolino - Professora titular da FCF-USP; Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição-SBAN. A evolução da ciência da nu-
trição permitiu que, na atu-alidade, muito mais se saiba
sobre a ação de cada nutriente no or-ganismo e, além disso, vem demons-trando que algumas substâncias nor-malmente presentes nos alimentos, denominadas compostos bioativos (CB), mas ainda não consideradas como nutrientes, podem ser impor-tantes, principalmente para redução do risco de doenças. À medida que o conhecimento sobre a ação desses CB for crescendo, estes poderão vir a fazer parte dos nutrientes de interes-se para a promoção da saúde. Entre-tanto, embora hoje muito se venha propagando e se discuta sobre essas substâncias, muito pouco ainda se sabe do ponto de vista científico so-bre o poder de redução do risco de doenças, e principalmente sobre as recomendações de uso de tais subs-tâncias.
O termo nutracêutico, como questionado neste artigo, vem sen-do utilizado por alguns cientistas no sentido de mostrar o alimento com ação de medicamento, ou seja, re-tornando aos escritos de Hipócra-tes (460-370 AC) que já afirmava: “Deixe o alimento ser o seu remédio e o remédio seu alimento”. Certa-mente, já naquela época, o poder de observação de Hipócrates o levou a
concluir que a alimentação adequa-da reduzia o risco de doenças e pro-movia a saúde. Mas, segundo a lite-ratura, nutracêuticos são definidos como CB apresentados na forma far-macêutica, como em cápsulas, com-primidos, tabletes etc.
Zeisel (1999) definiu nutracêuti-cos como: suplementos alimentares que contêm a forma concentrada de um composto bioativo de alimento, apresentado separadamente da ma-triz alimentar e utilizado com a fina-lidade de melhorar a saúde, em doses que excedem aquelas que poderiam ser obtidas de alimentos. Entretanto, historicamente, a utilização de ali-mentos com finalidade de redução do risco de doenças teve início no Japão, na década de 1980, por in-centivo de cientistas do Ministério da Saúde e Bem Estar daquele país, que, em 1990, criaram a categoria de alimentos denominada FOSHU (Foods for Specified Health Use), que tinha como princípio a promoção de alimentos que conferissem mais saúde à população. A definição pro-posta para essa nova categoria de ali-mentos foi: “Alimentos projetados e processados para suprir funções re-lacionadas aos mecanismos de defe-sa do organismo, controle do ritmo corporal e prevenção e recuperação de doenças”.
fevereiro 2012 – ABESO 55 – 5
Em seguida, este conceito de ali-mentos (que se convencionou cha-mar de Alimentos Funcionais) passou a ser discutido em outros países e, em 1995, o ILSI (International Life Science Institute) apresentou a pri-meira definição para estes alimentos que foi aceita mundialmente, e que transcrevemos a seguir: “Alimentos Funcionais são aqueles que melho-ram ou afetam a função corporal, além do seu valor nutricional nor-mal”. Ou seja, alimentos que, além de sua função primordial de nutrir, teriam também características espe-cíficas que contribuiriam para redu-ção do risco de doenças.
Roberfroid classificou as subs-tâncias que poderiam levar à produ-ção de alimentos funcionais, como: 1) um macronutriente essencial que teria efeito fisiológico específico, como, por exemplo, amido resisten-te, ácido graxo w3, dentre outros; 2) um micronutriente essencial, desde que ele conferisse um benefício espe-cial, por meio da ingestão de doses acima das DRIs (Dietary Reference Intakes); e, 3) não nutrientes que te-riam um efeito fisiológico, tais como oligossacarídeos e fitoquímicos em geral.
No Brasil, a ANVISA (Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitá-ria), com o objetivo de definir e re-gulamentar esta classe de alimen-tos, constituiu uma Comissão de Assessoramento Técnico Científico em Alimentos Funcionais e Novos Alimentos (CTCAF), com a fina-lidade de estabelecer normas e cri-térios para a comercialização destes alimentos. A definição de alimentos funcionais e novos alimentos pro-posta por este grupo foi: “Alimen-tos semelhantes em aparência ao alimento convencional, consumido como parte da dieta usual, capaz de
produzir efeitos metabólicos ou fi-siológicos demonstráveis, úteis na manutenção de uma boa saúde fí-sica e mental, podendo auxiliar na redução do risco de doenças crôni-cas não transmissíveis, além de suas funções nutricionais básicas”.
Verificamos na atualidade que as pesquisas sobre este tema avançaram de forma surpreendente, e hoje tem--se demonstrado ação para uma série de substâncias, encontradas tanto no reino vegetal como animal. O maior problema advindo desse interesse é a difusão desses conhecimentos, ain-da não totalmente conclusivos para a maioria das substâncias estudadas, como se já fossem totalmente escla-recidas. Dentre as principais dificul-dades encontradas, podemos ressaltar inicialmente as relacionadas à quan-tidade dessas substâncias presentes nos alimentos, muitas vezes insigni-ficantes para os efeitos pretendidos. A maioria dos trabalhos realizados com estes compostos utilizou doses purificadas muito mais altas daquelas que seriam normalmente obtidas por meio dos alimentos.
Além disso, muitas vezes o efeito é observado em populações que fa-zem uso desses alimentos de forma regular, ou seja, habitual. Podemos citar, por exemplo, a população asi-ática, cujo hábito alimentar de con-sumir soja em quantidades muito superiores às normalmente consu-midas em outras regiões, poderia re-duzir os riscos da osteoporose; ou mesmo, da população do mediter-râneo, cuja alimentação mais rica em frutas, verduras, azeite de oliva e vinho tinto poderia reduzir o risco de DCV, câncer e obesidade, den-tre outros.
Outro aspecto importante é a biodisponibilidade do CB, que, da mesma forma que para os nutrien-
tes em geral, pode variar de acor-do com a matriz alimentar, e com o processamento do alimento. Por outro lado, considerando apenas o CB isolado, purificado, este também pode ter sua capacidade diminuída para a ação, dependendo do proces-so de extração utilizado. Outro as-pecto não menos importante está re-lacionado aos efeitos toxicológicos que eventualmente poderão existir, pois, mesmo considerando que es-ses compostos estão naturalmente presentes nos alimentos, a utiliza-ção de doses acima das normalmen-te encontradas poderia causar algum efeito adverso não conhecido.
Portanto, todos esses aspectos de-verão ser pesquisados em ensaios clí-nicos bem conduzidos, antes de sua indicação para redução do risco de doenças. Porque esses cuidados são importantes? Porque ao recomen-darmos a utilização de um alimen-to com uma finalidade esperada e a população em geral não observar nenhum sinal de eficácia, estaremos pondo em risco toda a credibilida-de dessa ciência que promete muito no futuro e que, certamente, poderá contribuir para a promoção da saú-de e melhoramento dos índices de desenvolvimento do país.
Para finalizar, apresentamos al-guns exemplos de alimentos fun-cionais que estão sendo estudados e suas finalidades: 1) dentre os lipíde-os com características funcionais, os fitosteróis estão sendo considerados com ação sobre o colesterol, e a pro-posta é de que poderiam reduzir os riscos para DCV (doença cardiovas-cular); 2) os ácidos graxos da família do ômega 3, embora alguns estudos demonstrem sua ação também re-duzindo o risco de DCV; em outros trabalhos não foram demonstrados efeitos, e ainda em outros foram ob-
6 – ABESO 55 – fevereiro 2012
servados efeitos controversos; 3) os polifenóis, encontrados nas frutas e vegetais folhosos, englobam as clas-ses de flavonóides, dos ácidos fenó-licos, dos estilbenos e das lignanas.
A ação destes compostos na redu-ção do risco de doenças está ligada à atividade antioxidante, e estes CB são também referidos como fitoquí-micos. Outras classes de CB encon-tradas em plantas, como glicosino-latos e carotenóides, também apre-sentam ação antioxidante e podem ser incluídos nesta lista. Dentre os micronutrientes, algumas vitaminas e minerais como, por exemplo, vita-minas E, vitamina C, selênio e zin-co, dentre outras, possuem ativida-de antioxidante, bem como atuam
no sistema imune, conferindo bene-fícios ao organismo em seu sistema de defesa.
Dentre as proteínas, alguns pep-tídeos estão sendo mais estudados como CB, e dados promissores es-tão sendo publicados com relação aos peptídeos do leite, com ação na redução do peso corporal assim como na redução da pressão arterial. Dentre a fração dos alimentos consi-derada como fibra alimentar, alguns compostos apresentam característi-cas que permitem incluí-los nesta lista de alimentos funcionais, uma vez que têm ação na redução de do-enças como, por exemplo, na obesi-dade, promovendo maior saciedade, assim como atuando no controle da
diabetes. A inulina e alguns oligos-sacarídeos, com atividade prebiótica, estão incluídos nesse grupo.
Portanto, este é um campo da ci-ência intrigante e aberto para pes-quisa, e certamente muito ainda será descoberto sobre a capacidade destes compostos em agir modificando o risco para doenças ou retardando seu aparecimento, assim como a ciên-cia vem demonstrando a influência dos nossos genes, alterando nossas respostas tanto em relação aos nu-trientes como em relação aos CB. E, desta forma, com este conheci-mento, no futuro poderemos indi-car uma alimentação mais persona-lizada, com o objetivo de promover a saúde e a longevidade. c
Referências Bibliográficas
1. BARNES, S. Nutritional genomics, polyphe-
nols, diets, and their impact on dietetics.
J.Am. Diet. Assoc. 108:1888-1895, 2008.
2. BINNS, N. & JOHN HOWLETT- Func-
tional Foods in Europe: international de-
velopments in science and health claims.
Eur. J.Nutr. 48 (Suppl): S3-S13,2009.
3. BERNAL, J. Et al - Advanced analysis of nu-
traceuticals. J.of Pharm.Biom.Analysis. 55;
758-774, 2011.
4. HORST, M.A. & F.M. LAJOLO – Biodispo-
nibilidade de compostos bioativos de ali-
mentos. In. Cozzolino, S.M.F. – Biodisponibi-
lidade de Nutrientes, 2012, p. 879-914.
5. RIEDIGER, N.D. ET AL- A systematic review
of roles of n-3 fatty acids in health and dis-
ease. J.Am.Diet.Assoc. 109;668-679, 2009.
6. SCALBERT, A. ET al- Databases on Food
phytochemicals and their health –promot-
ing effects. J.Agric.Food.Chem. 59; 4331-
48, 2011
7. ZEISEL, S.H.- Regulation of nutraceuticals.
Science 285:1853-55,1999.
"Este é um campo da ciência intrigante e aberto para pesquisa, e certamente muito
ainda será descoberto sobre a capacidade destes compostos em agir modificando
o risco para doenças ou retardando seu aparecimento..."
fevereiro 2012 – ABESO 55 – 7
A pós um ano marcado por muita polêmica, diversos de-bates e muita argumentação
de ambas as partes – de um lado, os especialistas em obesidade, repre-sentados pela ABESO e SBEM; de outro, a Agência Nacional de Vigi-lância Sanitária – a ANVISA bateu o martelo no início de outubro de 2011 sobre a questão envolvendo os anorexígenos catecolaminérgicos e a sibutramina.
A decisão foi publicada no Diário Oficial da União, em 10/10/2011, na Resolução n° 52. A Presidente da ABESO destaca os pontos prin-cipais:
1. Ficam proibidas a fabricação, importação, exportação, avia-mento, manipulação e a comer-cialização dos medicamentos a base de anfepramona, fempro-porex, mazindol e sais derivados.
2. A sibutramina pode ser comer-cializada até a dose máxima di-ária de 15mg. A indicação para o seu uso está restrita aos indiví-duos com IMC igual ou maior a 30 kg/m2, com idade mínima de 18 anos e máxima de 65 anos.
3. Para prescrever a sibutramina, o profissional prescritor deve se cadastrar junto ao Sistema Na-cional de Notificações para a Vi-gilância Sanitária (NOTIVISA).
rESo
LUÇ
Ão
AN
ViS
A
O que É Preciso Saber sobre a rDC 52Rosana Bento Radominski –
Presidente da ABESO.
Para a manipulação ou dispensa-ção do medicamento, o respon-sável pela farmácia ou drogaria também necessita ser cadastrado junto ao órgão fiscalizador.
4. Passa a ser de notificação com-pulsória todo e qualquer efeito adverso relacionado ao uso da si-butramina e seus sais. São os se-guintes os responsáveis pela no-tificação: profissionais de saúde, empresas detentoras do registro do medicamento e estabeleci-mentos de manipulação ou dis-pensação desse medicamento.
5. A prescrição médica (que conti-nua a ser feita no receituário azul B2) tem que ser acompanhada de um Termo de Responsabili-dade do Médico, que deverá ser assinado também pelo pacien-te, preenchido em três vias. Uma via deverá ser arquivada junto à ficha do paciente, outra arquiva-da pela farmácia e uma terceira, com o paciente.
6. As empresas detentoras do regis-tro têm que apresentar um plano de minimização de riscos, a ser monitorado por um ano, com reavaliação posterior.
No Termo de Responsabilida-de do Prescritor constam, além das contraindicações já bem estabeleci-das em bula:
1. A informação do diagnóstico do paciente.
2. A restrição da indicação do uso da sibutramina: IMC maior ou igual a 30kg/m2, com idade en-tre 18 e 65 anos.
3. A contraindicação do uso da si-butramina para pacientes com sobrepeso (ainda que portadores de complicações da obesidade); para adolescentes (independente dos valores de IMC); e para pa-cientes diabéticos, que tenham outro fator de risco, dentre eles: dislipidemia, nefropatia inci-piente, hipertensão arterial con-trolada com medicamentos, ta-bagismo, etc.
4. Independente da resposta tera-pêutica, a duração do tratamen-to fica limitada a dois anos.
5. Não havendo resposta terapêu-tica, a medicação deve ser des-continuada.
Este Termo de Responsabilidade do Prescritor está integral no anexo I da RDC 52, pág 55, volume 195, DOU de 2011.
ComentáriosA presidente da ABESO, Dra. Ro-sana Radominski, lembra que “o Conselho Federal de Medicina en-trou com uma ação liminar contra esta decisão da ANVISA, a qual foi
8 – ABESO 55 – fevereiro 2012