numeros transcedentais

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  • Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    Instituto de Geocincias e Cincias Exatas

    Campus de Rio Claro

    Nmeros Transcendentes e de Liouville

    Roberto Miachon Marchiori

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao Mestrado Prossional em Mate-

    mtica em Rede Nacional como requisito par-

    cial para a obteno do grau de Mestre

    Orientadora

    Profa. Dra. Elris Cristina Rizziolli

    2013

  • 512.7

    M317n

    Marchiori, Roberto Miachon

    Nmeros Transcendentes e de Liouville/ Roberto Miachon

    Marchiori- Rio Claro: [s.n.], 2013.

    36 f. : il.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Insti-

    tuto de Geocincias e Cincias Exatas.

    Orientadora: Elris Cristina Rizziolli

    1. Teoria dos nmeros. 2. lgebra. 3. Nmeros lgbricos. 4.

    Nmeros de Liouville. I. Ttulo

    Ficha Catalogrca elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP

    Campus de Rio Claro/SP

  • TERMO DE APROVAO

    Roberto Miachon Marchiori

    Nmeros Transcendentes e de Liouville

    Dissertao aprovada como requisito parcial para a obteno do grau de

    Mestre no Curso de Ps-Graduao Mestrado Prossional em Matemtica

    em Rede Nacional do Instituto de Geocincias e Cincias Exatas da Uni-

    versidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, pela seguinte banca

    examinadora:

    Profa. Dra. Elris Cristina Rizziolli

    Orientadora

    Prof. Dr. Aldcio Jos Miranda

    Instituto de Cincias Exatas - UNIFAL-MG - ALFENAS/MG

    Profa. Dra. Marta Cilene Gadotti

    Departamento de Matemtica - IGCE - UNESP - RIO CLARO/SP

    Rio Claro, 28 de Janeiro de 2013

  • Dedico essa dissertao minha esposa, famlia, amigos e alunos.

  • Agradecimentos

    Em primeiro lugar agradeo a Deus por ter me dado fora nos momentos de maior

    diculdade, e seguir em frente para tornar este momento possvel.

    Em seguida tenho muito a agradecer a minha esposa pelo incentivo para que me

    inscrevesse ao Programa de Mestrado Prossional em Matemtica em Rede Nacional -

    Profmat. Foram incontveis horas de estudos, noites em claro, trabalhos para entregar

    e avaliaes para me preparar, sem contar os sbados longe de casa. Em todos os

    momentos tive o apoio total de minha esposa, sempre presente e acreditando em mim

    e no meu potencial, mesmo diante das adversidades que encontrei pela frente como,

    por exemplo, conciliar o mestrado com o trabalho nas escolas onde leciono e tambm

    no Frum (acumulo duas prosses).

    Obrigado tambm a minha famlia e amigos que me incentivaram e, claro, no

    poderia deixar de citar meus alunos, principal fonte inspiradora para que voltasse a

    estudar e me aperfeioar para me tornar um professor um pouco melhor.

    Finalmente agradeo a todos os professores do Departamento de Matemtica da

    Unesp de Rio Claro, em especial minha orientadora Profa. Eliris e coordenadora

    Profa. Suzinei que sempre estiveram presentes para me auxiliar e aos amigos de curso

    Luis Henrique, Ronaldo, Ricardo e Pedro com os quais aprendi muito principalmente

    o valor de uma amizade.

  • O nico lugar em que sucesso vem antes de trabalho no dicionrio.

    Albert Einstein

  • Resumo

    Tudo nmero, diria o famoso matemtico grego Pitgoras. Os nmeros esto a

    nossa volta, como o oxignio que respiramos. Primeiro vieram os naturais, depois os

    inteiros, os racionais e os incrveis irracionais, que deixaram os pitagricos to perplexos

    a ponto de escond-los. Nmeros primos, perfeitos e outros vieram. E quando tudo

    parecia ser real apareceram os imaginrios. Que imaginao tem esses matemticos!

    Vamos nos aprofundar em um grupo intrigante de nmeros chamados transcendentes

    e aos nmeros estudados por um matemtico francs chamado Liouville.

    Palavras-chave: Teoria dos nmeros, lgebra, Nmeros lgbricos, Nmeros de Li-

    ouville.

  • Abstract

    All is number, say the famous Greek mathematician Pythagoras. The numbers are

    all around us, like the oxygen we breathe. First came the natural, then the integers,

    the rational and the irrational incredible that left perplexed the Pythagoreans so as to

    hide them. Prime numbers, perfect and others came. And when everything seemed

    to be real the imaginary appeared. What have these mathematical imagination! Let's

    delve in a group of intriguing numbers called transcendental numbers and studied by

    a French mathematician named Liouville.

    Keywords: Number Theory, Algebra, Algebraic Numbers, Liouville's Numbers.

  • Sumrio

    1 Introduo 8

    2 Nmeros Algbricos e Transcendentes 11

    2.1 Nmeros Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    2.2 Nmeros Algbricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    2.3 Nmeros Transcendentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    3 Os Nmeros de Liouville 25

    4 Nmeros Racionais e Irracionais: uma proposta didtica na prtica

    da sala de aula 33

    Referncias 36

  • 1 Introduo

    Os nmeros acompanham os passos do homem desde a Antiguidade e seu desen-

    volvimento est ligado inicialmente a duas funes bsicas: a contagem e a medio.

    Contar envolve a comparao entre grandezas discretas e para tal so usados os nme-

    ros inteiros.

    Por vezes medir envolve a comparao entre grandezas contnuas e assim so usados

    os nmeros reais. Com o aprimoramento dos nmeros foi possvel classic-los em

    conjuntos.

    A humanidade desenvolveu lentamente o princpio de contagem como a comparao

    entre grandezas discretas. Neste contexto podemos citar o exemplo clssico do homem

    que conta seu rebanho utilizando pedras, da a origem da palavra clculo.

    A caracterizao formal do conjunto dos Nmeros Naturais representado por N,por incrvel que possa parecer, recente (incio do sculo XX) e foi feita pelo matemtico

    italiano Giuseppe Peano. Tal caracterizao feita de forma axiomtica e baseada na

    ideia de sucessor. Assim os nmeros naturais so descritos pelo conjunto a seguir:

    N = {1, 2, 3, 4, 5, ...}.Com relao ao nmero zero no estar representado se deve ao fato de que alguns

    autores no o consideram natural, sendo facultativa sua representao. Tambm po-

    demos citar o fato histrico de que o zero surgiu bem depois dos nmeros naturais. O

    conjunto dos nmeros naturais munido de duas operaes bsicas: a adio e a multi-

    plicao. A adio associa a cada dois nmeros x, y N a soma x+y. A multiplicaopor sua vez associa a cada dois nmeros x, y N o produto x.y.Em seguida, temos o conjunto dos Nmeros Inteiros, representado por Z, o qual formado pelos nmeros naturais, pelo zero e pelos nmeros negativos. A necessidade

    da criao deste conjunto se deve ao fato de que dados a, b N, a diferena a b 6 Nse a < b. Assim representamos os nmeros inteiros da seguinte forma

    Z = {...,3,2,1, 0, 1, 2, 3, ...}.O conjunto dos Nmeros Racionais, representado por Q, denido como o quo-ciente de dois nmeros inteiros, sendo o denominador diferente de zero e sua represen-

    8

  • 9tao dada por

    Q ={p

    q: p , q Z e q 6= 0

    }.

    Todo nmero que pode ser escrito como a razo entre dois nmeros inteiros, exceto

    o zero como denominador, chamado de nmero racional. Em particular, os nmeros

    naturais e inteiros so racionais pois podem ser escritos com denominador 1. Assim

    conclumos que o conjunto dos nmeros naturais e o dos nmeros inteiros podem ser

    vistos como subconjuntos do conjunto dos nmeros racionais. Alm dos naturais e dos

    inteiros, as fraes, os decimais nitos e os decimais innitos peridicos so nmeros

    racionais. Por exemplo,

    2 =2

    1; 3 = 3

    1; 1, 5 =

    3

    2; 0, 44444... =

    4

    9

    A crena de que todo nmero poderia ser escrito como a razo entre dois inteiros

    comeou a cair na Grcia Antiga, mais precisamente na sociedade pitagrica. Foi

    surpreendente e perturbador para os pitagricos o fato de que a medida do comprimento

    de sua diagonal de um quadrado de lado unitrio no poderia ser expressa como um

    nmero racional. Por mais que se tentasse encontrar, no havia qualquer frao que

    multiplicada por ela mesma resulta 2. Foi um golpe mortal na losoa pitagrica

    segundo a qual tudo dependia dos nmeros inteiros. A descoberta da irracionalidade

    de

    2 provocou tamanha consternao entre os pitagricos que, por algum tempo, se

    zeram esforos para manter a questo em sigilo. Alguns historiadores dizem que o

    pitagrico Hipaso foi expulso da sociedade por revelar o segredo e teria sido lanado

    ao mar.

    Hoje os Nmeros Irracionais so bem compreendidos. So denidos como nme-

    ros que no podem ser expressos como a razo entre dois inteiros. Os nmeros racionais

    parecem ilhas de ordem num interminvel oceano de desordem representado pelos ir-

    racionais. H um nmero innito de racionais, porm os irracionais so bem mais

    numerosos. Enquanto os nmeros racionais tem um padro como as dzimas peridicas

    os irracionais so desprovidos de padro. Veja os exemplos:

    3

    7= 0, 428571 428571 428571...

    (3

    7 Q

    ).

    2 = 1, 414213562373095... (

    2 irracional ).

    Os nmeros irracionais formam espaos entre os padres. Foi o matemtico Georg

    Cantor que estudou os conjuntos innitos e se era possvel cont-los. Ele descobriu que

    os conjuntos dos nmeros naturais, inteiros e racionais so enumerveis (ou contveis),

    pois era possvel estabelecer uma bijeo entre estes conjuntos e o conjunto dos nmeros

    naturais. Porm o conjunto dos nmeros irracionais no enumervel (incontvel).

    A unio dos conjuntos dos nmeros racionais e dos irracionais forma o conjunto dos

    Nmeros Reais, representado por R, que no enumervel como veremos no prximocaptulo.

  • 10

    Nosso objeto de estudo ser a classicao dos nmeros em Algbricos e Trans-

    cendentes. Dizemos que um nmero algbrico se o mesmo soluo de uma equao

    polinomial com coecientes inteiros. Caso contrrio ele dito transcendente. Deste

    fato j podemos concluir que todo nmero racional p/q com p, q Z, q 6= 0, alg-brico pois soluo da equao polinomial de coecientes inteiros qx p = 0. Almdisso alguns irracionais tambm so algbricos como por exemplo

    2 que soluo da

    equao x2 2 = 0.Existem porm alguns nmeros irracionais que no so soluo de nenhuma equa-

    o polinomial com coecientes inteiros. o caso do pi, do e e dos nmeros de

    Liouville. Estes so chamados nmeros transcendentes. Alis, o matemtico fran-

    cs Joseph Liouville foi o autor da primeira demonstrao da existncia de nme-

    ros transcendentes estabelecendo um critrio para que um nmero seja transcendente.

    Este resultado permitiu a construo da famosa constante de Liouville, qual seja:

    0,110001000000000000000001...

    Este trabalho est composto por quatro captulos, a saber, a Introduo no cap-

    tulo 1, reservamos o captulo 2 para explorar nmeros irracionais e transcendentes, o

    captulo 3 ir apresentar os nmeros de Liouville e apresentamos no captulo 4 uma

    aula sobre nmeros racionais e irracionais.

    Finalmente observamos que so necessrias para a leitura deste trabalho noes

    bsicas sobre Anlise Real como prerrequisito.

  • 2 Nmeros Algbricos e

    Transcendentes

    A seguir exploramos os Nmeros Algbricos e Transcendentes. Iniciamos com de-

    nies e propriedades que envolvem os Nmeros Inteiros, uma vez que estes estabelecem

    a base para os prximos conceitos.

    2.1 Nmeros Inteiros

    Denio 2.1. Dados a, b Z, dizemos que a divide b, e escrevemos a|b, se existirq Z tal que b = qa. Neste caso, diremos que a um fator ou divisor de b ou aindaque b um mltiplo de a.

    Exemplo 2.1. 3|12, pois 12 = q3 = q = 4.Denio 2.2. (a) Um nmero p N, p > 1, chamado primo se este s admitedois divisores naturais: o 1 e si prprio. Assim p primo se para todo d N tal qued|p, ento d = p ou d = 1.(b) Um nmero p Z, p 6= 0 e p 6= 1, primo se os nicos nmeros inteirosque o dividem so p e 1.Exemplo 2.2. p = 5 e d|5 = d = 5 ou d = 1.Denio 2.3. Seja a Z. Um nmero inteiro b chamado mltiplo de a se b = aq,para algum q Z.Exemplo 2.3. a = 5, q = 4; b = 5.4 = b = 20 (20 mltiplo de 5).Denio 2.4. Dados a, b Z, um nmero natural d chamado o mximo divisorcomum de a e b, denotado por d := mdc(a, b), se satisfaz as armaes abaixo:

    (i) d|a e d|b;(ii) se r Z, tal que r|a e r|b, ento r|d.Exemplo 2.4. Se a = 30, b = 75 ento mdc(30, 75) = 15, pois 15|30 e 15|75 e almdisso se r|30 e r|75 ento r|15 (por exemplo se r = 3, temos que 3|30, 3|75 e ainda que3|15).

    11

  • Nmeros Inteiros 12

    Observao 2.1. O mdc(a, 0) no existe caso a seja nulo. Alm disso, assumimos

    que mdc(a, 0) = a, se a 6= 0.Teorema 2.1. (Algoritmo da Diviso) Se a, b Z, com b 6= 0, ento existem (eso nicos) q, r Z com 0 r < |b|, tais que,

    a = qb+ r. (2.1)

    Demonstrao. (i) Existncia.

    (b > 0) Consideremos o conjunto dos nmeros mltiplos de b ordenados de acordo

    com a ordem natural da reta, isto , o conjunto ..., 3b, 2b, b, 0, b, 2b, 3b, ...,com,

    ... 3b 2b b 0 b 2b 3b...Note que disso decorre uma decomposio da reta em intervalos disjuntos da forma

    [qb, (q + 1)b) = {x R : qb x < (q + 1)b},

    com q Z. Para q = 3, temos por exemplo,

    [3b,2b) = [3b, (3 + 1)b) = {x R : 3b x < 2b}.

    Assim, dado a Z, este pertence a apenas um desses intervalos e portanto necessa-riamente da forma a = qb+ r, com q Z e r 0. claro que r < (q+ 1)b qb = b.

    (b < 0) Aplicamos o teorema para |b|, logo existem q, r Z, com 0 r < |b| taisque

    a = q|b|+ r. (2.2)Fazendo q = q, como |b| = b, (pois b < 0), obtemos de (2.2) a = qb + r, ondeq, r Z e 0 r < |b|.

    (ii) Unicidade. Resta demonstrar que q e r, os quais satisfazem (2.1) so nicos.

    De fato, suponha que a = qb+ r e a = q1b+ r1, com 0 r < |b| e 0 r1 < |b|.Assim,

    qb+ r = q1b+ r1 r r1 = (q1 q)b. (2.3)Armamos que r = r1. Com efeito, se r 6= r1, ento: 0 < |r1 r|.Alm disso, |r1 r| < b. De fato, vamos admitir, sem perda de generalidade, que

    r < r1, consequentemente r1 r > 0 e |r1 r| = r1 r. Assim, se r1 r = |b|,ento r1 = |b|+ r e portanto r1 > |b|, que absurdo. Tambm, se r1 r > |b|, entor1 > |b|+ r > |b|, gerando novamente o absurdo r1 > b. Logo pela Lei da Tricotomia,

    |r1 r| = r1 r < |b|.

  • Nmeros Inteiros 13

    Segue que

    0 < |r1 r| < |b|. (2.4)Agora de (2.3) obtemos,

    |r1 r| = |q1 q||b|. (2.5)Substituindo (2.5) em (2.4), obtemos,

    0 < |q1 q||b| < |b|.

    Logo, 0 < |q1 q| < 1, o que um absurdo, pois |q1 q| um nmero inteiro (poisq e q1 Z e em Z vale a Lei do Fechamento da Adio). Portanto r = r1. Note queessa igualdade combinada com (2.3) implica q1 = q, j que 0 = (q1 q)b e b 6= 0 porhiptese.

    Exemplo 2.5. Se a = 17 e b = 5 ento obtemos q = 3 e r = 2 pois 17 = 3.5 + 2.

    Teorema 2.2. Dados a, b Z, pelo menos um deles no nulo, existem x0, y0 Z taisque

    ax0 + by0 = d

    onde d = mdc(a, b).

    Demonstrao. Considere o conjunto C de todos os inteiros positivos da forma ax+by,

    isto , C = {n N : n > 0 e n = ax + by, para algum x e algum y}. O conjunto Cno vazio, pois tomando x = a e y = b temos n = aa+bb C. Utilizando o Princpioda Boa Ordenao podemos armar que C tem um menor elemento.

    Dessa forma, existe d 1 tal que d = ax0 + by0, com x0, y0 Z, e

    d ax+ by (2.6)

    para todo ax+ by C. A seguir armamos que

    d | ax+ by (2.7)

    para todo ax + by C. Para demonstrar (2.7) suponhamos, por contradio, qued - ax+ by. Logo, existem q, r Z com 0 < r < d tais que

    ax+ by = qd+ r = q(ax0 + by0) + r,

    de onde segue que

    r = a(x qx0) + b(y qy0) (2.8)Como r > 0, a expresso (2.8) diz que r C. Porm isso um absurdo pois r < d,contrariando o fato de assurmirmos d como o menor elemento do conjunto C. Logo

    d | ax+ by.

  • Nmeros Inteiros 14

    A relao d | ax + by implica d | |a| e d | |b| pois, ou um deles zero e d | 0, ouambos so positivos e, nesse caso, ambos esto em C. De fato,

    |a| = a(sgn{a}) + b.0 (2.9)

    e analogamente para |b|; em (2.9) sgn{a} = +1 se a > 0 e sgn{a} = 1 se a < 0, eem ambos os casos sgn{a} Z. Consequentemente,

    d | a e d | b. (2.10)

    Por outro lado, se n N tal que n | a e n | b, ento n | (ax0 + by0), ou seja, n | d.Portanto, d | a e d | b e tambm para n N, n | a e n | b, ento n | d, conclumos qued o mximo divisor comum de a e b. Logo,

    d = ax0 + by0 = mdc(a, b),

    o que naliza a demonstrao.

    Lema 2.1. Sejam a, x0, b, y0, d Z, se d|a e d|b, ento d|(ax0 + by0).Demonstrao. Como d|a (pela denio 2.1) implica que existe q Z, tal que a = qd.Tambm (pela denio 2.1) d|b implica que existe p Z, tal que b = pd. Logo,

    ax0 + by0 = qdx0 + pdy0 = d(qx0 + py0).

    Observe que K = (qx0 + py0) Z, (pois vale a lei do fechamento da adio e multipli-cao em Z e q, x0, p, y0 Z). Portanto, ax0 + by0 = dK,K Z, ou seja,

    d|(ax0 + by0).

    Exemplo 2.6. 3|6 e 3|9 3|(6x0 + 9y0), x0, y0 Z.

    Lema 2.2. Seja p N um nmero primo, e a, b Z. Se p divide o produto ab entop divide a ou b.

    Demonstrao. Se p|a, nada temos que provar. Suponhamos que p no divide a, ouseja, p e a so primos entre si. Logo, pelo Teorema 2.2, existem x0, y0 Z tais queax0 + py0 = 1. Assim,

    abx0 + pby0 = b. (2.11)

    Como p|ab (por hiptese) e claramente p|pb, logo pelo Lema 2.1, segue que,

    p|(abx0 + pby0).

    Portanto de (2.11) segue que p|b.

  • Nmeros Algbricos 15

    Exemplo 2.7. 1. Sejam p = 3, a = 9, b = 5, assim 3|9.5 e tambm 3|9.2. p = 3, a = 9, b = 6, temos que 3|9.6 e tambm 3|9 e 3|6.

    Corolrio 2.1. Seja p N um nmero primo e a Z. Se p|an, ento p|a.

    Demonstrao. Esse resultado segue usando o Princpio da Induo Finita. Queremos

    mostrar a veracidade da sentena.

    P(n) : p|an = p|a,n N.

    Note que, obviamente, P(1) vlida,

    P(1) : p|a1 = p|a.

    Alm disso, observe que P(2) tambm vlida pois se p|a2, pelo Lema 2.2, se p|a.a,ento p|a ou p|a, isto , p|a.

    Suponha agora que para qualquer k N,

    P(k) : Se p|ak, ento p|a.

    Queremos mostrar que P(k + 1) vlida, ou seja,Se p|ak+1, ento p|a.

    Observe que p|ak+1 o mesmo que p|ak.a. Agora, do Lema 2.2, segue que p|ak ou p|a.Se p|a, o resultado est provado. Por outro lado, se p|ak temos por Hiptese de Induoque p|ak implica que p|a e tambm est provado. Portanto, p|ak+1 implica p|a.

    Uma vez explorados os Nmeros Inteiros, apresentamos os Nmeros Algbricos.

    2.2 Nmeros Algbricos

    Um nmero real ou complexo dito algbrico quando soluo de uma equao

    polinomial com coecientes inteiros, conforme a denio abaixo:

    Denio 2.5. Qualquer soluo de uma equao da forma

    xn + an1xn1 + ...+ a1x+ a0 = 0 (2.12)

    em que cada coeciente ai Z,i {0, 1, ..., n 1}, chamado de inteiro algbrico.

    Exemplo 2.8. 1. Seja a Z, ento a um inteiro algbrico, pois a soluo daequao x a = 0, a qual do tipo (2.12), para n = 1 e a0 = a.

  • Nmeros Algbricos 16

    2.

    5 um inteiro algbrico, j que soluo de x2 5 = 0.

    3.

    2 +3 um inteiro algbrico, uma vez que soluo de uma equao do tipo

    (2.12). A seguir descrevemos como obt-la.

    Para obtermos uma equao do tipo (2.12), precisamos aplicar duas quadraturas.

    Aplicando a primeira quadratura, temos

    x =

    2 +3 x2 = (

    2 +3)2 x2 = 2 +

    3.

    Para eliminar o radical que restou, aplicamos outra quadratura,

    x2 = 2 +3

    x2 2 =3

    (x2 2)2 = (3)2

    x4 4x2 + 4 = 3x4 4x2 + 1 = 0.Portanto, x4 4x2 + 1 = 0, a equao procurada.

    4. Todo nmero da forma

    b, com b N, um inteiro algbrico. De fato,

    x =b x2 = (

    b)2 x2 = b x2 b = 0,

    e esta ltima uma equao do tipo (2.12), para n = 2, a0 = b.

    5. Para cada a Z, o nmero complexo ia um inteiro algbrico, pois solu-o da equao x2 + a = 0.

    Observao 2.2. Dos exemplos acima, podemos observar que todos os Nmeros In-

    teiros so Inteiros Algbricos. Tambm, existem Inteiros Algbricos Irracionais e

    Complexos. O Teorema a seguir caracteriza os Inteiros Algbricos Reais.

    Teorema 2.3. Todo nmero inteiro algbrico (real) um nmero inteiro ou irracional.

    Demonstrao. Para provar que um inteiro algbrico no pode ser um nmero racional

    no inteiro, usaremos o tipo de demonstrao indireta, a saber, reduo ao absurdo.

    Suponha por absurdo, que o nmero racional x =p

    q, em que p, q Z, q > 1 e

    mdc(p, q) = 1, satisfaa a equao do tipo (2.12), ou seja,

    xn + an1xn1 + ...+ a1x+ a0 = 0.

    Ento, (p

    q

    )n+ an1

    (p

    q

    )n1+ ...+ a1

    (p

    q

    )+ a0 = 0

  • Nmeros Algbricos 17

    pn

    qn+ an1

    pn1

    qn1+ ...+ a1

    p

    q+ a0 = 0

    pn

    qn= an1p

    n1

    qn1 ... a1p

    q a0

    pn = qn(an1p

    n1

    qn1 ... a1p

    q a0

    )

    pn = (an1pn1q ... a1pqn1 a0qn)pn = q(an1pn1 ... a1pqn2 a0qn1).Considerando, j = (an1pn1 ... a1pqn2 a0qn1), temos que j Z (pois vale alei do fechamento, da adio e multiplicao em Z) e que pn = qj, ou seja, q|pn. Agora,seja r um fator primo de q, r 6= 1 (observe que se r for primo podemos considerarr = q); ento r divide pn e pelo Corolrio 2.1 isso implica que r|p. Obtemos assim que,r|q e r|p, o que contradiz o fato de mdc(p, q) = 1 (o absurdo ocorre quando admitimosque

    p

    q soluo da equao do tipo (2.12)).

    No prximo exemplo mostraremos a irracionalidade de algumas razes quadradas.

    Exemplo 2.9. (a)

    2 irracional. De fato, supomos

    2 racional, ento este pode ser

    escrito como

    a

    b, com a, b Z e b 6= 0 e a, b irredutveis, ou seja, primos entre si. Ento

    temos:

    2 =

    a

    b 2 = a

    2

    b2 a2 = 2b2. Como a2 par, ento a par (pois se a fossempar, ento a = 2k + 1, k Z a2 = 4k2 + 4k + 1 ento a2 seria mpar). Assim,sendo a par, ento a = 2k a2 = 4k2 2b2 = 4k2 b2 = 2k2 b2 par, da b par. Contradio, pois a e b so primos entre si.

    (b)

    3 irracional.

    Observe primeiramente que se p2 mltiplo de 3, ento p mltiplo de 3. De fato,

    vamos provar, usando a contrapositiva, que se p no mltiplo de 3, ento p2 no

    mltiplo de 3.

    Note que p no mltiplo de 3, pelo Teorema 2.1, signica que p = 3q + r, onde

    q Z e 0 < r < 3.Da,

    p2 = (3q + r)2 p2 = 9q2 + 6qr + r2 p2 = 3(3q2 + 2qr) + r2

    p2 = 3q + r2

    onde q = (3q2 + 2qr) Z.Estudemos o resto r, 0 < r < 3,

    (i) r = 1

    p2 = 3q + 1

  • Nmeros Algbricos 18

    Logo, neste caso, p2 no mltiplo de 3.

    (ii) r = 2

    p2 = 3q + 4 p2 = 3q + 3 + 1 p2 = 3q + 1onde q = (q + 1) Z. Tambm, neste caso, p2 no mltiplo de 3.Agora sim mostraremos que

    3 um nmero irracional. Para tanto, suponhamos

    por absurdo que

    3 um nmero racional. Logo, existem p, q Z, com q > 1 e

    mdc(p, q) = 1, tal que x =p

    q.

    Assim:

    x2 =

    (p

    q

    )2 3 = p

    2

    q2 3q2 = p2.

    Segue que p2 mltiplo de 3. Logo p mltiplo de 3. Consequentemente, p pode ser

    escrito da forma p = 3a, para algum a Z.Substituindo p = 3a, temos,

    3q2 = 9a2 3q2

    3=

    9a2

    3 q2 = 3a2.

    Logo, q2 mltiplo de 3, e assim, q mltiplo de 3.

    Portanto, p e q so mltiplos de 3, o que absurdo, j que por hiptese p e q so primos

    entre si.

    (c) Se um nmero natural no o quadrado de um outro nmero natural, sua raiz

    quadrada um nmero irracional. Para provar este fato, seja n N. Se pq Q talque (

    p

    q

    )2= n = p2 = nq2

    Como os fatores primos de p2 e q2 aparecem todos com expoente par, o mesmo deve

    ocorrer com os fatores primos de n. Ento n o quadrado de algum nmero natural.

    Alm dos nmeros racionais e irracionais, outros importantes nmeros reais so os

    nmeros algbricos e transcedentes, os quais so denidos a seguir.

    Denio 2.6. (a) Qualquer soluo de uma equao polinomial da forma

    anxn + an1xn1 + ...+ a1x+ a0 = 0, ai Z, i {0, ..., n} (2.13)

    chamado um nmero algbrico. Ou seja, um nmero algbrico quando possvel

    encontrar uma equao polinomial com coecientes inteiros, da qual seja raiz.

    (b) Um nmero que no seja algbrico chamado transcendente.

    Exemplo 2.10. (i) Qualquer nmero racional =p

    q, algbrico porque a raiz da

    equao qx p = 0.(ii) Qualquer inteiro algbrico um nmero algbrico.

  • Nmeros Transcendentes 19

    Os nmeros algbricos possuem algumas propriedades de fechamento, as quais so

    listadas no Teorema a seguir.

    Teorema 2.4. Valem as seguintes propriedades:

    (i) A soma de dois nmeros algbricos um algbrico;

    (ii) O produto de dois nmeros algbricos um algbrico;

    (iii) O simtrico de um nmero algbrico algbrico;(iv) O inverso 1 de um nmero algbrico 6= 0 um inteiro algbrico.

    Demonstrao. (i) e (ii) Vide [1].

    (iii) Se algbrico, ento ele raiz de uma equao do tipo (2.13). Portanto raiz da equao

    (1)nanxn + (1)n1an1xn1 + ...+ (1)a1x+ a0 = 0.

    (iv) Se satisfaz a equao (2.13) e 6= 0, ento 1 satisfaz equao

    a0xn + a1x

    n1 + ...+ an1x+ an = 0.

    2.3 Nmeros Transcendentes

    Como na seo 2.2, um nmero transcendente quando este no algbrico, ou seja,

    quando tal nmero no raiz de alguma equao polinomial de coecientes inteiros

    no nulos. No que segue, estamos interessados em mostrar a existncia de nmeros

    transcendentes. Para tal necessitamos de alguns conceitos.

    Denio 2.7. Um conjunto A enumervel se seus elementos podem ser coloca-

    dos em correspondncia biunvoca com os nmeros naturais. Mais precisamente, A

    enumervel se existir uma funo bijetiva, (isto , uma funo injetiva e sobrejetiva),

    f : N A.

    Exemplo 2.11. (a) O conjunto dos nmeros pares positivos enumervel. Seja P =

    {2n, n N}, e considere a seguinte funo

    f : N Pn 7 2n

    (i) f injetora. Suponha que f(x) = f(y). Queremos mostrar que x = y. Como

    f(x) = f(y) 2x = 2y x = y.

    Portanto f , injetora.

    (ii) f sobrejetora, isto f(N) = P . De fato,

  • Nmeros Transcendentes 20

    - f(N) P pela denio de imagem;- P f(N), pois, seja b P qualquer, ento b = 2n0 para algum n0 N. Tomandox = n0, temos que f(x) = f(n0) = 2n0 = b, ou seja, b f(N), logo b = f(x). Portantof sobrejetora.

    Logo por (i) e (ii), f bijetora.

    (b) O conjunto dos nmeros mpares positivos enumervel. Basta considerar a funo

    f : N In 7 2n 1onde I = {2n 1, n N}. A demontrao pode ser feita de modo anlogo ao exemplo(a).

    (c) O conjunto Z enumervel. Observe a correspondncia abaixo

    ..., 3, 2, 1, 0, 1, 2, 3, ...l l l l l l l

    ... 7, 5, 3, 1, 2, 4, 6, ...

    Esta correspondncia pode ser descrita pela funo denida por partes

    f : Z Nn 7 f(n),onde

    f(n) =

    {2n, se n > 0,

    2n+ 1, se n 0.(i) f injetora, isto , x 6= y f(x) 6= f(y), pois:- se x, y > 0, f(x) = 2x 6= 2y = f(y)- se x, y < 0, f(x) = 2x+ 1 6= 2y + 1 = f(y)- se x > 0 e y < 0, temos que f(x) = 2x ef(y) = 2y + 1 da, f(x) = 2x 6= 2y 6=2y 6= 2y + 1 = f(y);- se x < 0 e y > 0, idem item anterior;

    - se x = 0 e y > 0 (ou y = 0 e x > 0), ento f(x) = f(0) = 1 e f(y) = 2y, da

    f(y) = 2y 6= 1 = f(0) = f(x)- se x = 0 e y < 0 (ou y = 0 e x < 0), ento f(x) = f(0) = 1 e f(y) = 2y + 1, daf(y) = 2y + 1 6= 1 = f(0) = f(x)Portanto, pelos casos considerados acima, f injetora.

    (ii) f sobrejetora, isto , f(Z) = N. De fato,- f(Z) N pela denio de imagem;- N f(Z), pois, seja n N. Se n par, ento n = 2k, k N. Logo, tomando x = k,temos

    n = 2k = f(k) = f(x).

  • Nmeros Transcendentes 21

    Se n mpar, ento n = 2k + 1, k N, logo tomando x = k, temos

    n = 2k + 1 = 2(k) + 1 = f(k) = f(x) f(Z).

    Portanto f sobrejetora.

    Por (i) e (ii) f bijetora. Como f bijetora, existe g1 : N Z, assim bastatomarmos f = g1.

    (d) O conjunto dos nmeros racionais enumervel. Mostremos primeiramente que o

    conjunto dos nmeros racionais positivos enumervel.

    11 1

    213 1

    415

    21

    22

    23

    24

    25

    31

    32

    33

    34

    35

    41

    42

    43

    44

    45

    51

    52

    53

    54

    55

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    .

    Observe que todos os nmeros da forma

    p

    q, com p, q N e q 6= 0 aparecem no quadroacima. Se o percorrermos seguindo as echas temos uma ordenao desse conjunto, a

    funo f

    f : N Q+n 7 f(n) denida como f(n) = n-simo elemento que encontramos seguindo as echas. No

    difcil ver que f bijeo e que portanto o conjunto Q+ = {x Q, x > 0} enumervel.

    A enumerabilidade de Q segue do item (i) do prximo Teorema, lembrando queQ = Q+ Q {0}, onde Q = {x Q : x < 0}.A seguir demonstramos algumas propriedades sobre conjuntos enumerveis.

    Teorema 2.5. (i) A unio de um conjunto nito e um conjunto enumervel enu-

    mervel;

    (ii) A unio de dois conjuntos enumerveis enumervel;

    (iii) A unio de um nmero nito de conjuntos enumerveis enumervel;

    (iv) A unio de um conjunto enumervel de conjuntos nitos enumervel;

    (v) A unio de um conjunto enumervel de conjuntos enumerveis enumervel.

  • Nmeros Transcendentes 22

    Demonstrao. (i) Seja A = {a1, a2, ..., an} um conjunto nito e B = {b1, b2, ...} umconjunto enumervel. O conjunto A B enumervel. De fato, basta considerar acorrespondncia biunvoca entre A B e N dada por

    a1, ..., an, b1, b2, ...

    l l l l1 n n+ 1 n+ 2 ...

    (ii) Sejam A = {a1, a2, ...} e B = {b1, b2, ...} dois conjuntos enumerveis, ento A B enumervel, j que possui a seguinte correspondncia biunvoca,

    a1, b1, a2, b2, a3, ...

    l l l l l1 2 3 4 5 ...

    (iii) Sejam A1, A2, ..., An conjuntos enumerveis, queremos mostrar que A1A2...An, enumervel, n N. Para isto usamos o Princpio de Induo Finita. Note que parak = 1 a propriedade vlida pois A1 enumervel. Para k = 2 vlida pelo item

    (ii). Suponha que seja vlida para k, ou seja, se A1, A2, ..., Ak so enumerveis, ento

    A1A2 ...Ak enumervel. Provemos ento que a propriedade vlida para k+1.A1, ..., Ak, Ak+1 so enumerveis, ento

    A1 A2 ... Ak Ak+1 enumervel. Note que

    A1 A2 ... Ak Ak+1 = (A1 ... Ak) Ak+1Considere A = (A1 ... Ak), ento

    A1 A2 ... Ak Ak+1 = A Ak+1.Agora A enumervel por Hiptese de Induo e A Ak+1 enumervel por (ii).Portanto A1 ... Ak Ak+1 enumervel.

    (iv) Seja {A1, A2, ..., An, ...} um conjunto enumervel onde cada Ai um conjuntonito, para qualquer i {1, ..., n, ...}.Queremos mostrar que A1 A2 ... An ... enumervel. Suponha que A1 =

    {a11, a12, ..., a1l1}, A2 = {a21, a22, ..., a2l2} e An = {an1, an2, ..., anln}. Ento,A1 A2 ... An ... = {a11, a12, ..., a1l1 , a21, a22, ..., a2l2 , ..., an1, an2, ..., anln , ...}Dena a seguinte correspondncia entre A1 A2 ... An ... e N:

    a11, ..., a1l1 , a21, ..., a2l2 , ..., an1, ..., anln , ...

    l l l l l l1, ..., l1, l1 + 1, ..., l1 + l2, ..., l1 + l2 + ...+ ln1 + 1, ... ln+1 ...

  • Nmeros Transcendentes 23

    Logo, A1 A2 ... An ... enumervel.

    (v) Seja {A1, A2, ..., An, ...} um conjunto enumervel onde cada Ai um conjuntoenumervel para qualquer i {1, .., n, ...}. Suponha que

    A1 = {a11, a12, a13, ...},

    A2 = {a21, a22, a23, ...},An = {an1, an2, an3, ...}...Disponha os elementos de A1, A2, ..., An, ... como na tabela

    a11, a12, a13, ...

    a21, a22, a23, ...

    ... ... ... ...

    an1, an2, an3, ...

    ... ... ... ...

    ... ... ... ...

    ... ... ... ...

    Formando echas como feito em Q+ denimos f por f(n) = n-simo elemento que en-contramos seguindo as echas. Dessa forma denimos uma correspondncia biunvoca

    entre A1 A2 ... An ... e N e consequentemente provamos que um conjuntoenumervel.

    Observao 2.3. Se A enumervel e B A um conjunto innito, ento B tambm enumervel, pois como A enumervel existe uma correspondncia biunvoca, f , entre

    N e A, ento basta considerar a restrio f |B : B N.

    Teorema 2.6. O conjunto R dos nmeros reais no enumervel.

    Demonstrao. Demonstraremos que o conjunto dos nmeros reais x [0, 1), (isto ,0 x < 1) no enumervel e, em virtude da observao acima, segue que R tambmno enumervel. Primeiro note que os nmeros x [0, 1) tem uma representaodecimal da forma

    0, a1a2a3... (2.14)

    onde aj um dos algarismos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 ou 9. Alguns nmeros tem duas repre-

    sentaes da forma (2.14), por exemplo,

    12 igual 0, 50... ou 0, 499... Para tais nmeros,

    escolhemos a representao decimal que termina. Em outras palavras, eliminamos os

    decimais (2.14) que a partir de uma certa ordem todos os elementos so 9. Suponhamos

    que os decimais tipo (2.14), ou que os nmeros reais no intervalo [0, 1), formam um

    conjunto enumervel.

  • Nmeros Transcendentes 24

    0, a11a12a13...

    0, a21a22a23... (2.15)

    0, a31a32a33...

    ...

    Agora considerando o decimal 0, b1b2b3... do seguinte modo: todos os bi's so diferentes

    de 0 ou 9 e b1 6= a11, b2 6= a22, ... . claro que 0, b1b2b3 . . . 6= 0, an1an2an3 . . ., para todon, pois bn 6= ann. Logo 0, b1b2b3 . . . no est na tabela (2.15) o que um absurdo, jque um nmero real entre 0 e 1.

    Com os resultados anteriores provamos a existncia de nmeros transcedentes ga-

    rantido pelo seguinte teorema.

    Teorema 2.7. Existem nmeros transcendentes.

    Demonstrao. Dado um polinmio com coecientes inteiros,

    P (x) = anxn + ...+ a1x+ a0 (2.16)

    Denimos sua altura como sendo o nmero natural

    |P | = |an|+ ...+ |a1|+ |a0|+ n (2.17)

    O Teorema Fundamental da lgebra nos diz que P (x) = 0, tem exatamente n razes

    complexas. Todas, algumas ou nenhuma delas podem ser reais. Agora o nmero de

    polinmios do tipo (2.16) com uma dada altura apenas um nmero nito (observe

    que para essa armao que inclumos a parcela n na denio da altura em (2.17)).

    Logo, as razes de todos os polinmios de uma dada altura formam um conjunto nito,

    consequentemente o conjunto de todas as razes de todos os polinmios de todas as

    alturas formam um conjunto enumervel de conjuntos nitos. (Por exemplo, se P (x) =

    3x4x3+x5, ento |P | = |3|+ |1|+ |0|+ |1|+ |5|+4, pelo Teorema Fundamentalda lgebra P (x) possui quatro razes complexas e com essa altura podem existir at

    treze polinmios). Portanto, podemos concluir que o conjunto dos nmeros algbricos

    reais enumervel.

    Agora, o conjunto dos nmeros reais pode ser considerado como a unio do con-

    junto dos nmeros algbricos reais com o conjunto dos nmeros transcendentes reais.

    Assim, como o conjunto R no enumervel, o conjunto dos transcendentes reais deveser no enumervel, j que, caso contrrio, pelo item (ii) do Teorema 2.5, R seria enu-mervel. Consequentemente, existe um conjunto innito no enumervel de nmeros

    reais transcendentes.

  • 3 Os Nmeros de Liouville

    O Teorema 2.7 apresentado no captulo anterior garante a existncia de nmeros

    transcendentes e, de fato, existem em abundncia, mas no fornece explicitamente

    nenhum nmero transcendente. Foi o matemtico francs Joseph Liouville, em 1851,

    que estebeleceu um critrio para que um nmero real seja transcendente. Com o seu

    trabalho, passou a ser possvel escrever explicitamente alguns nmeros transcendentes.

    Denio 3.1. Um nmero algbrico de grau n se ele for raiz de uma equao

    polinomial de grau n com coecientes inteiros, e se no existir uma equao desse tipo,

    de menor grau, da qual seja raiz.

    Exemplo 3.1. Os Nmeros Racionais coincidem com os nmeros algbricos de grau

    1, pois qualquer nmero racional da forma p/q, com p, q Z e q 6= 0 raiz da equaopolinomial de grau 1

    qx p = 0.

    Denio 3.2. Dizemos que um nmero real aproximvel na ordem n por racionais

    se existirem uma constante c > 0 e uma sucesso {pj/qj} de racionais distintos, comqj > 0 e mdc (pj, qj) = 1 tais que pjqj

    < cqnj . (3.1)Observao 3.1. Segue que, se um nmero for aproximvel na ordem n, ento ele

    aproximvel em qualquer ordem k, com k < n. De (3.1) obtemos que pjqj < c , (3.2)o que mostra que a sucesso {qj} no se mantm limitada. Podemos, portanto, deduzirque qj +. Logo, de (3.1) conclumos que

    limj

    (pjqj

    )= . (3.3)

    Ainda, veja que a importncia da Denio 3.2 no est na existncia de uma sucesso

    de racionais convergindo para (tais sucesses sempre existem qualquer que seja o real

    25

  • 26

    , essa a chamada densidade dos racionais no conjunto dos reais), mas no fato de

    que uma sucesso particular de racionais converge para de acordo com (3.1). Outro

    ponto relevante na Denio 3.2 que podemos tomar racionais todos diferentes, o

    que acarretar, em particular, que possamos torn-los diferentes de , mesmo no caso

    deste ser racional.

    Na sequncia vamos estabelecer as relaes entre os dois conceitos introduzidos nas

    Denies 3.1 e 3.2 dadas anteriormente.

    Teorema 3.1. Todo nmero racional (nmero algbrico de grau 1) aproximvel na

    ordem 1, e no aproximvel na ordem k, para k > 1.

    Demonstrao. (i) (todo nmero racional aproximvel na ordem 1)

    Seja p/q um nmero racional, com q > 0 e mdc(p, q) = 1. Pelo Teorema 2.2 existem

    x0, y0 Z tais quepx0 qy0 = 1. (3.4)Na verdade a equao

    px qy = 1 (3.5)tem um nmero innito de solues da forma

    xt = x0 + qt, yt = y0 + pt, (3.6)

    para qualquer t Z, as quais satisfazem (3.5), isto ,

    pxt qyt = 1. (3.7)

    Fixando k N, tal que k > x0/q, considere as sucesses {xj}, {yj}, denidas a partirde (3.6) por

    xj = x0 + q(k + j), yj = y0 + p(k + j), j N. (3.8)Pela restrio sobre k, temos xj > qj e da xj > 0, pois q > 0. Agora, armamos que

    yjxj6= yjxj, se j 6= j , (3.9)

    pois caso houvesse igualdade entre os racionais em (3.9), por (3.6) e (3.4) teramos j =

    j. Em virtude de (3.7), os xj's e os yj's, denidos em (3.8), satisfazem a desigualdadepq yjxj = 1qxj < 2xj ,o que prova que p/q aproximvel na ordem 1.

    (ii) (todo nmero racional no aproximvel na ordem k, para k > 1) Para qualquer

    racional v/u 6= p/q com u > 0, tem-sepq vu = |pu qv|qu 1qu. (3.10)

  • 27

    Ora, se p/q fosse aproximvel na ordem 2, teramos a existncia de um c > 0, e de uma

    sucesso de racionais vj/uj diferentes, tais quepq vjuj < cu2j . (3.11)De (3.10) e (3.11), segue-se que 1/quj < c/u

    2j , isto , uj < qc, o que, entretanto,

    no pode ser verdade, pois uj +. Dessa forma, p/q no aproximvel na ordem2, e portanto, tambm no aproximvel em nenhuma ordem superior.

    Observao 3.2. A parte (ii) do Teorema 3.1 consequncia de um resultado mais

    geral demonstrado abaixo, a saber Corolrio 3.1.

    Teorema 3.2. Todo nmero irracional aproximvel na ordem 2, isto , existe uma

    constante c > 0 tal que a desigualdade abaixo se verica para um nmero innito de

    racionais p/q distintos, pq < cq2 .Demonstrao. Seja um nmero irracional e n N. Representamos por [x] a parteinteira de um nmero real x, isto , o maior inteiro menor ou igual a x. Considere

    agora os n+ 1 nmeros reais

    0, [], 2 [2], ..., n [n], (3.12)

    os quais pertencem ao intervalo [0, 1) = {x : 0 x < 1}. Considere em seguida apartio do intervalo [0, 1) em n intervalos, disjuntos dois a dois, e da forma[

    j

    n,j + 1

    n

    ), j = 0, 1, ..., n 1. (3.13)

    claro que, pelo menos, dois dos reais em (3.12) esto em um mesmo intervalo do tipo

    (3.13). Digamos que eles sejam n1 [n1] e n2 [n2], com 0 n1 < n2 n, paraos quais temos ento

    |n2 [n2] n1 + [n1]| < 1n. (3.14)

    Seja agora k = n2 n1 e h = [n2] [n1], os quais so inteiros com k > 0, h 0.Logo, (3.14) pode ser escrito como

    |k h| < 1n

    ou

    hk < 1nk ,segue que hk

    < 1k2 , (3.15)para k < n. Em sntese, mostramos que, para cada n, existe um racional da forma

    h/k, com k < n, para o qual (3.15) se verica. Agora, armamos que (3.15) se verica

  • 28

    para um nmero innito de racionais h/k distintos. Suponha que tal no seja verdade,

    isto , h apenas h1/k1, ..., hr/kr, racionais distintos satisfazendo (3.15).

    Agora seja

    = min{| h1/k1|, ..., | hr/kr|}e tome n N tal que 1/n < . Vimos que existe um racional h/k tal que hk

    < 1nk .Como 1/nk < 1/n < , segue que h/k 6= hi/ki, para i = 1, ... , r. Isso umacontradio, pois h/k satisfaz (3.15).

    Observao 3.3. (i) O Teorema 3.2 arma que um nmero irracional aproximvel,

    pelo menos, na ordem 2. Dependendo do nmero irracional ele poder ser aproximvel

    numa ordem superior a 2. O Teorema 3.3 abaixo fornece informaes mais precisas

    sobre essas ordens de aproximao.

    (ii) Hurwitz provou que a menor constante c que vlida para todos os irracionais na

    desigualdade acima 15. Mais precisamente, se A Aq2 .Teorema 3.3. Seja um nmero algbrico real de grau n. Ento existe uma constante

    A > 0 tal que pq > 1Aqn (3.16)para todo racional p/q. (Se n = 1, tome p/q 6= )

    Demonstrao. Uma vez que um nmero algbrico real de grau n, segue que

    uma soluo de uma equao polinomial da forma

    f(x) = anxn + an1xn1 + ...+ a1x+ a0 = 0. (3.17)

    Seja d > 0 tal que, no intervalo [d, +d] a nica raiz de f(x) = 0 . A existnciade um tal d segue do fato que a equao polinomial tem no mximo n razes reais.

    Portanto d pode ser qualquer nmero menor que a menor das distncias de as demais

    razes reais.

    A seguir observamos que a derivada f (x) de f(x) um polinmio de grau n 1, e,portanto, ela limitada em qualquer intervalo nito. Seja pois M > 0 tal que

    |f (x)| < M, para x [ d, + d]. (3.18)

  • 29

    Para qualquer racional p/q, com q > 0, em [ d, + d] temos, aplicando o Teoremado Valor Mdio, que

    f() f(p/q) = ( p/q)f (),com ( d, + d). Como f() = 0, obtemosf (pq

    ) = pq |f ()| M pq

    , (3.19)em que usamos a estimativa (3.18) no ltimo passo. Para obter a desigualdade buscada,

    necessitamos de uma estimativa inferior para f(p/q):f (pq) = anpn + an1qpn1 + ...+ a0qnqn

    1qn . (3.20)De (3.19) e (3.20) segue que pq

    > 1Mqn ,para p/q [ d, + d]. Se p/q no estiver nesse intervalo teremos, ento pq

    > d,e como q 1 temos pq

    > dqn .Tomamos, nalmente, 1/A igual ao menor dos nmeros 1/M e d, e obtemos a relao

    (3.16) para todos os racionais p/q.

    Corolrio 3.1. Se um nmero algbrico real de grau n, ento no aproximvel

    na ordem n+ 1.

    Demonstrao. Por contradio, suponha que existe c > 0 e uma sucesso pj/qj de

    racionais distintos tais que pjqj < cqn+1j . (3.21)Para tais racionais, seguir-se-ia de (3.16) e (3.21) que

    1

    Aqnj 2, ento h apenas um nmero nito de racionaisp/q satisfazendo desigualdade pq

    1q ,para um dado nmero algbrico . E nalmente, uma consequncia imediata disso

    o seguinte resultado. Dados um nmero algbrico e um nmero > 0, existe uma

    constante c > 0 tal que pq Cq2+para todos os nmeros racionais p/q.

    Denio 3.3. Um nmero real chamado um nmero de Liouville se existir uma

    sucesso {pj/qj}, qj > 0,mdc(pj, qj) = 1, com todos os elementos diferentes, e tal que pjqj < 1qjj . (3.22)Observao 3.5. Em particular podemos dizer que um nmero real chamado de

    nmero de Liouville se para todo nmero inteiro n existirem inteiros p e q tais que:

    0 1.Os nmeros de Liouville so nmeros que podem ser aproximados tanto quanto se

    queira por nmeros racionais.

    Vemos a seguir que os nmeros de Liouville so irracionais e transcendentes.

    Teorema 3.4. Todo nmero de Liouville irracional.

    Demonstrao. Suponha, por contradio, que um certo nmero de Liouville =a

    bseja um inteiro positivo n tal que 2n1 > b. Como nmero de Liouville, ento

    0 12n1q 1qn ,o que leva a uma contradio.

    Teorema 3.5. Todo nmero de Liouville transcendente.

  • 31

    Demonstrao. Suponha, por absurdo, que um certo nmero de Liouville seja alg-

    brico, digamos de grau n. Ento, pelo Teorema 3.3, a relao (3.16) seria vlida para

    todo racional. Em particular, para os pj/qj da Denio 3.3. Dessa forma teramos

    1

    Aqnj 0. (Ateno: noexigimos que mdc(vj, uj) seja 1). Ento um nmero de Liouville.

    Demonstrao. Considere a sucesso {pj/qj}, com qj > 0 e mdc(pj, qj) = 1 denidapor

    pnqj

    =vnuj.

    Ento, pjqj = vjuj

    < 1ujj 1qjj ,o que prova que um nmero de Liouville.

    Exemplo 3.2. Seja

    =k=1

    1

    10k!. (3.24)

    Consideremos a sucesso de racionais denida por

    vjuj

    =

    jk=1

    1

    10k!.

    Temos, vjuj =

    k=j+1

    1

    10k!=

    1

    10(j+1)!

    (1 +

    1

    10(j+2)!(j+1)!+ ...

    ). (3.25)

    A expresso em parnteses majorada por

    1 +1

    10+

    1

    102+ ... =

    10

    9.

  • 32

    Logo, o ltimo membro de (3.25) majorado por

    1

    (10j!)j10j!.10

    9