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O Sul é um órgão de in- formação que visa divulgar a cultura e pro- mover o debate de ideias e a partilha de co- nhecimento. O Sul orienta-se pelos princípios da liberdade, do pluralismo e da independência, pro- curando assegurar a todos o direito à informação. O Sul acolhe os contributos de todos os que lhe quiserem fazer chegar as suas opiniões, refle- xões, análises e informa- ções, pu- blicando os arti- gos que con- siderar mais per- tinentes pelo seu valor jornalístico e interesse público. O Sul está ao serviço do desenvolvimen- to da identidade regional e nacional e da pro- moção do progresso económi- co, social e cultural das popula- ções, tendo sempre pre- sentes princípios de sustentabilidade. O Sul entende que a existência de uma opi- nião pública informada, activa e inter- veniente é condi- ção fundamental da democracia e da dinâmica de uma sociedade aberta e plural. O Sul tem uma distribuição física, em papel, de âmbito regional e garante a sua difusão nacional e internacional atra- vés da Internet (www. jornalosul.com). O Sul res- peita os di- reitos, li- berdades e garantias consignados na Constituição da República Portuguesa, bem como todas as de- mais leis, em parti- cular as aplicáveis à comunicação social. O Sul rege-se pelos princípios da Prima Folia, cooperati- va cultural que o edita. O Sul visa divulgar a cultura e promover o debate de ideias e a partilha de conhecimento O jornal impresso tem de se reinventar ou tornar- se-á irrelevante. Repetida inúmeras vezes nos últi- mos anos devido à pene- tração cada vez maior dos meios electrónicos (rádio, televisão e Internet), esta profecia foi tida em con- ta antes de se avançar com este projecto. Mas como recriar um meio de co- municação com séculos de existência numa era do- minada por novas tecnolo- gias? Como torná-lo útil na construção de um espaço público mais plural, mais inclusivo e com cidadãos mais interventivos? E que nome dar-lhe, numa épo- ca em que a marca é tudo? Recuou-se até 1901, ano da criação do jor- nal O Sul, um semanário republicano em tempos monárquicos para o qual escreveram figuras como Ana de Cas- tro Osório ou Paulino de Oliveira. A filosofia contra- corrente agradou, assim como o perfil dos colabo- radores e a sua ligação à região. Quanto ao nome, era curto, forte e evocativo. Tínhamos marca. Era agora pre- ciso renovar, tanto a marca como o meio. Mantendo a força do original, ac- tualizámos o logótipo e o design da publicação. Por vivermos numa época de excesso de informação, op- támos pela periodicidade mensal. Para chegarmos ao maior número possível de leitores, decidimos que a edição em papel seria gra- tuita e complementámo-la com um espaço na Internet (www.jornalosul.com).Só faltava dar conteúdo ao projecto. Voltámos atrás no tempo e inspirámo-nos nas in- fluentes publicações de dis- cussão literária e política do século XIX para criar O Sul - Jornal Cultural e de Debates. Adaptando o conceito aos nossos dias, este mensá- rio será composto por re- portagens, entrevis- tas, artigos de opinião e textos de divulgação do patrimó- nio históri- co, cultural e natural que nos envolve.Além de reproduzir parcialmente o jornal em papel, a versão online conterá trabalhos que, tendo qualidade para publicação e merecendo ser partilhados pela comuni- dade, não tenham encontrado o seu lugar na edição impressa. Querendo contribuir para a renovação do de- bate público e da cidada- nia activa, O Sul será um espaço de partilha, aberto à co- laboração de todos os que tenham algo a comunicar. A função da equipa que está deste lado será lançar desafios e pro- ceder à triagem dos traba- lhos mais pertinentes e/ou com melhor qualidade, os quais podem ser enviados por todos os que queiram intervir publicamente na construção da sociedade. Afinal, O Sul quando nasce é para todos. Luís Humberto Teixeira Os Portugueses, ensaio de Miguel Real PÁG. 15 Mensário . Nr 00 . Janeiro de 2010 . Preço: € 0,01 . Director: Luís Humberto Teixeira 01 . 10 Igualdade no casamento PÁG. 08 Estatuto Editorial O Sul nasce para todos ASTROLÁBIO Transformar a cidade PÁG. 06 NR 00

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PÁG. 08 PÁG. 06 divulgar a cultura e promover o debate de ideias e a partilha de conhecimento PÁG. 15 O Sul res- peita os di- reitos, li- berdades e garantias consignados na Constituição da República Portuguesa, bem como todas as de- mais leis, em parti- cular as aplicáveis à comunicação social. O Sul rege-se pelos princípios da Prima Folia, cooperati- va cultural que o edita. ensaio de Miguel Real siderar mais per- tinentes pelo seu valor jornalístico e interesse público.

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O Sul é um órgão de in-

formação que visa divulgar a

cultura e pro-mover o debate de ideias e a partilha de co-nhecimento.

O Sul orienta-se pelos princípios da liberdade, do pluralismo e da independência, pro-curando assegurar a todos o direito à informação.

O Sul acolhe os contributos de todos os que lhe quiserem fazer

chegar as suas opiniões, refle-

xões, análises e informa-

ções, pu-blicando

os arti-gos que

con-

siderar mais per-tinentes pelo seu valor jornalístico e interesse público.

O Sul está ao serviço do desenvolvimen-to da identidade regional e nacional e da pro-moção do progresso económi-co, social e cultural das popula-ções, tendo sempre pre-sentes princípios de sustentabilidade.

O Sul entende que a existência de uma

opi-n i ã o pública informada,

activa e inter-veniente é condi-ção fundamental da democracia e da dinâmica de uma sociedade aberta e plural.

O Sul tem uma distribuição física, em papel, de âmbito regional e garante a

sua difusão nacional e internacional atra-vés da Internet (www.jornalosul.com).

O Sul res-peita os di-reitos, li-berdades e garantias consignados na Constituição da República Portuguesa, bem como todas as de-mais leis, em parti-cular as aplicáveis à comunicação social.

O Sul rege-se pelos princípios da Prima Folia, cooperati-va cultural que o edita.

“ O Sul visa divulgar a cultura e promover o debate de ideias e a partilha de conhecimento

O jornal impresso tem de se reinventar ou tornar-se-á irrelevante. Repetida inúmeras vezes nos últi-mos anos devido à pene-tração cada vez maior dos meios electrónicos (rádio, televisão e Internet), esta profecia foi tida em con-ta antes de se avançar com este projecto. Mas como recriar um meio de co-municação com séculos de existência numa era do-minada por novas tecnolo-gias? Como torná-lo útil na construção de um espaço público mais plural, mais inclusivo e com cidadãos mais interventivos? E que nome dar-lhe, numa épo-ca em que a marca é tudo?

Recuou-se até 1901, ano da criação do jor-nal O Sul,

um semanário republicano em tempos monárquicos para o qual escreveram figuras como Ana de Cas-tro Osório ou Paulino de Oliveira. A filosofia contra-corrente agradou, assim como o perfil dos colabo-

radores e a sua ligação à região. Quanto ao nome, era curto, forte e evocativo. Tínhamos marca. Era agora pre-

ciso renovar, tanto a marca como o meio. Mantendo a força do original, ac-tualizámos o logótipo e o

design da publicação. Por vivermos numa época de excesso de informação, op-támos pela periodicidade mensal. Para chegarmos ao maior número possível de leitores, decidimos que a edição em papel seria gra-tuita e complementámo-la com um espaço na Internet (www.jornalosul.com).Só faltava dar conteúdo ao projecto.

Voltámos atrás no tempo e inspirámo-nos nas in-fluentes publicações de dis-cussão literária e política do século XIX para criar O Sul - Jornal Cultural e de Debates.

Adaptando o conceito aos nossos dias, este mensá-rio será composto por re-portagens, entrevis-tas, artigos de opinião e textos de divulgação do patrimó-nio históri-co, cultural e natural que nos envolve.Além de reproduzir parcialmente o jornal em papel, a versão online conterá trabalhos que, tendo qualidade para publicação e merecendo ser partilhados pela comuni-

dade, não tenham encontrado

o seu

lugar na edição impressa.Querendo contribuir

para a renovação do de-bate público e da cidada-nia activa, O Sul será um espaço de partilha, aberto à co-laboração de todos os que tenham algo

a comunicar. A função da equipa que está deste lado será lançar desafios e pro-ceder à triagem dos traba-lhos mais pertinentes e/ou com melhor qualidade, os quais podem ser enviados por todos os que queiram intervir publicamente na construção da sociedade.

Afinal, O Sul quando nasce é para todos.

Luís Humberto Teixeira

Os Portugueses, ensaio de

Miguel RealPÁ

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Mensário . Nr 00 . Janeiro de 2010 . Preço: € 0,01 . Director: Luís Humberto Teixeira

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Igualdade no casamentoP

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Estatuto Editorial

O Sul nasce para todos ASTROLÁBIO

Transformar a cidade

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Um incentivo para contemplar o céuBalanço do Ano Internacional da Astronomia

A Anime, associação se-diada na Quinta do Conde, foi uma das entidades mais dinâmicas durante o AIA2009, tendo realizado observações em múltiplos eventos ao lon-go do ano nos concelhos de Sesimbra, Lisboa, Almada, Palmela e Mértola.

Estimando que cerca de 7.000 pessoas participaram nestas iniciativas da Anime, Pedro Cotrim, coordenador da área de Astronomia da as-sociação condense, diz que o feedback recebido indica que «a experiência de espreitar por um telescópio para observar um objecto longínquo é uma surpresa para a grande maio-ria dos participantes», desta-cando o Verão como a época do ano em que esta actividade tem mais saída.

«No início do Verão, numa

iniciativa na Fortaleza de San-tiago, em Sesimbra, tivemos 1.500 pessoas numa só noite», recordou, sublinhando que o mais interessante é a varieda-de do público que aflui a estas noites de astronomia, pois «às tantas, damos por nós a falar de filosofia, de história, de fic-ção científica, da Guerra Fria, da corrida ao espaço, de tudo um pouco, pois o céu propor-ciona muitas conversas».

Dado o prolongamento do AIA2009 até ao final de Março de 2010, Pedro Cotrim revelou que a Anime pondera realizar mais iniciativas em breve, apesar de já ter feito um encerramento simbólico do AIA no concelho de Sesimbra entre os dias 9 e 12 de Dezem-bro. Nessa ocasião, os espaços da Biblioteca Municipal e da Junta de Freguesia da Quinta

do Conde acolheram grupos de jovens que «demonstraram grande entusiasmo pelos jogos e actividades sugeridos».

Quem desejar iniciar-se nesta área pode investir 10 euros num curso que pretende transmitir conhecimentos e estimular a curiosidade sobre esta ciência onde «a contem-plação, tão rara nos dias de hoje, é fundamental», como sublinha Pedro Cotrim.

A acção da Anime tem tido particular impacto nas escolas, onde os alunos «fi-cam fascinados com o teles-cópio para observar o sol, um equipamento especial que só pode ser utilizado durante o dia» e que foi adquirido pela associação com o apoio de verbas do Ministério da Ci-ência e Tecnologia.

Por falar em escolas, fica

a informação de que todos os alunos do ensino básico e secundário ainda podem concorrer até 31 de Janeiro ao Concurso Astronomia Artísti-ca, organizado pela Sociedade Portuguesa de Astronomia.

Tendo como finalidade promover o diálogo astro-nomia/arte e o interesse dos alunos por esta ciência, in-centivando a sua criatividade, originalidade e capacidade de inovação, este concurso aceita trabalhos de Artes Plásticas e Multimédia, Poesia, Conto e Música.

Os interessados podem obter mais informações no site nacional do AIA2009 (www.astronomia2009.org) ou junto de Fernanda Freitas, a coordenadora do concurso ([email protected]).

De olhos nas estrelas

A celebração de Anos Inter-nacionais, dedicados a um ou vários temas, é uma iniciativa patrocinada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, que decorre com carácter regular desde 1957.

Os Anos Internacionais têm como objectivo não só celebrar, informar e promo-ver as temáticas seleccionadas junto do grande público, mas igualmente fomentar a coope-ração internacional entre as nações. Por exemplo, o Ano Internacional da Geofísica (1957-1958) marcou o reatar das relações Este/Oeste, inter-rompidas em consequência da Guerra Fria. No quadro deste evento, a União Soviética lan-çou a 4 de Outubro de 1957 o primeiro satélite artificial – Sputnik (Companheiro de Viagem) – tendo os Estados Unidos, pouco depois, colo-cado em órbita o seu próprio satélite, que descobriu as cin-turas de radiação de Van-Allen que rodeiam a Terra.

Nessa mesma altura des-cobriram-se as fossas sub-marinas, que confirmaram a Teoria da Tectónica de Pla-cas, e realizaram-se também várias expedições científicas à Antárctida, fazendo com que, até à data, o Ano Interna-cional da Ge-ofísica fosse o maior projecto científico in-ternacional de sempre.

Em 2006, a 62.ª Assem-b l e i a - G e r a l da ONU pro-clamou 2009 como o Ano Internacional da Astronomia (AIA2009), no seguimento de uma proposta de 2003 da União Astronó-mica Internacional (UAI). A UNESCO foi designada como instituição responsável pelo evento, cabendo à UAI a im-plementação.

O ano de 2009 revestiu-se de uma importância par-ticular neste domínio, pois celebraram-se os 400 anos das primeiras observações astronómicas feitas com um

telescópio por Galileu Galilei e a publicação da obra As-t r o n o m i a N o v a , d e J o h a n n e s Kepler, um dos maio-res tratados da história d a A s t r o -nomia.

C o m e -moraram-se igualmente ou-tras efemérides, como a ex-pedição de Eddington à ilha do Príncipe, a 29 de Maio de 1919, para validar a Teoria da Relatividade através de observações de um eclipse Solar, bem como a primeira alunagem pela Apollo 11, a 20

de Julho de 1969.O coordenador global do

AIA2009 foi o português Pedro Russo, astrónomo do European South Observatory de Munique, e a nível nacio-nal a coordenação coube ao astrónomo João Fernandes, sob a égide da Sociedade Por-tuguesa de Astronomia.

Findo o ano de 2009, é chegado o momento de fa-zer um balanço sobre as ini-ciativas promovidas a nível nacional, e do impacto que estas tiveram. E este balanço é extremamente positivo, pois 2009 foi palco de um gran-de número de iniciativas que colocaram a temática da as-tronomia e da exploração do Espaço na ribalta.

Por cá, o início das come-morações do AIA2009 ocor-reu ainda durante 2008, com a exposição Espaço, a Última Fronteira que esteve patente no Pavilhão do Conhecimento em Lisboa, de 27 de Setembro de 2008 a 30 de Agosto de

2009. A exposição, especial-mente dedicada aos mais no-vos, propunha aos visitantes serem astronautas por um dia, pilotando o vaivém espacial em simulador, manobrando um rover marciano, ou ainda admirando uma réplica à es-cala 1:10 da Estação Espacial Internacional.

Oficialmente, o Ano Inter-nacional da Astronomia foi inaugurado na sede da UNES-CO em Paris, a 15 de Janeiro de 2009, seguido de uma cerimónia nacional, que teve lugar a 31 de Janeiro, na Casa da Música do Porto, onde se realizou uma palestra da as-trónoma Teresa Lago, seguida de um concerto pela Orques-tra Nacional do Porto.

A primeira grande mani-festação do AIA2009 teve lugar a 2 de Abril com as 100 Horas de Astronomia, durante as quais se realizou uma série ininterrupta de observações astronómicas e palestras. Foi de particular destaque o no

“ O Instituto Supe-rior Técnico foi selec-cionado pela Agência Espacial Europeia para a construção de uma instalação que irá si-mular a fase de entrada de veículos espaciais em atmosferas planetárias

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A celebração de Anos Inter-nacionais, dedicados a um ou vários temas, é uma iniciativa patrocinada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, que decorre com carácter regular desde 1957.

Os Anos Internacionais têm como objectivo não só celebrar, informar e promo-ver as temáticas seleccionadas junto do grande público, mas igualmente fomentar a coope-ração internacional entre as nações. Por exemplo, o Ano Internacional da Geofísica (1957-1958) marcou o reatar das relações Este/Oeste, inter-rompidas em consequência da Guerra Fria. No quadro deste evento, a União Soviética lan-çou a 4 de Outubro de 1957 o primeiro satélite artificial – Sputnik (Companheiro de Viagem) – tendo os Estados Unidos, pouco depois, colo-cado em órbita o seu próprio satélite, que descobriu as cin-turas de radiação de Van-Allen que rodeiam a Terra.

Nessa mesma altura desco-briram-se as fossas submari-nas, que confir-maram a Teoria da Tectónica de Placas , e realizaram-se também vá-rias expedi-ções científicas à Antárctida, fazendo com que, até à data, o Ano Inter-nacional da Geofísica fosse o maior projecto científico internacional de sempre.

Em 2006, a 62.ª Assem-bleia-Geral da ONU procla-mou 2009 como o Ano In-ternacional da Astronomia (AIA2009), no seguimento de uma proposta de 2003 da União Astronómica Interna-cional (UAI). A UNESCO foi designada como instituição responsável pelo evento, cabendo à UAI a implemen-tação.

O ano de 2009 revestiu-se de uma importância par-ticular neste domínio, pois celebraram-se os 400 anos

das primeiras observações astronómicas feitas com um telescópio por Galileu Galilei e a publicação da obra Astrono-mia Nova, de Johannes Kepler, um dos maiores tratados da história da Astronomia.

Comemoraram-se igual-mente outras efemérides, como a expedição de Edding-ton à ilha do Príncipe, a 29 de Maio de 1919, para validar a Teoria da Relatividade através de observações de um eclipse Solar, bem como a primeira alunagem pela Apollo 11, a 20 de Julho de 1969.

O coordenador global do AIA2009 foi o português Pedro Russo, astrónomo do European South Observatory de Munique, e a nível nacio-nal a coordenação coube ao astrónomo João Fernandes, sob a égide da Sociedade Por-tuguesa de Astronomia.

Findo o ano de 2009, é che-gado o momento de fazer um balanço sobre as iniciativas promovidas a nível nacional, e do impacto que estas tiveram. E este balanço é extremamen-

te positivo, pois 2009 foi palco de um grande número de iniciativas que colo-c a r a m a temática da astronomia e da explo-r a ç ã o d o

Espaço na ribalta.Por cá, o início das come-

morações do AIA2009 ocor-reu ainda durante 2008, com a exposição Espaço, a Última Fronteira que esteve patente no Pavilhão do Conhecimento em Lisboa, de 27 de Setembro de 2008 a 30 de Agosto de 2009. A exposição, especial-mente dedicada aos mais no-vos, propunha aos visitantes serem astronautas por um dia, pilotando o vaivém espacial em simulador, manobrando um rover marciano, ou ainda admirando uma réplica à es-cala 1:10 da Estação Espacial Internacional. Oficialmente, o Ano Inter- nacional da Astronomia foi inaugurado na sede da UNES-

“ O astrofotógrafo português Luís Miguel Santo conquistou o pri-meiro prémio da compe-tição Beyond the Earth (Para além da Terra) das Noites de Galileu

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Um incentivo para contemplar o céu

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Electrodomésticos, o que devemos mesmo comprar?

transportes e obras públicas

Quando pensamos em comprar um electrodomés-tico, tomamos a decisão que mais nos satisfaça. Por vezes ela não é evidente, e devemos ponderá-la bem. Primeiro, há que perceber se vale mesmo a pena comprá-lo; se o que já temos funciona bem, para quê comprar um novo? Mas talvez o que temos dê alguns problemas, ou os mode-los novos sejam muito melhores, ou nos últimos anos tenhamos enriquecido e já possamos ter um modelo de topo.

Em certas de-cisões, vale a pena fazer contas para avaliar hipóteses. No caso de uma escolha de trans-portes podemos fazê-lo, por exemplo, para decidir entre realizar uma viagem de comboio ou de helicóptero entre Setúbal e Lisboa. Apesar de o heli-cóptero ser rápido, é claro para a maioria das pessoas que o preço não compensa a rapidez. Se a viagem de heli-cóptero custar 300€ a mais e poupar 30 minutos, a es-colha seria certa apenas se o nosso tempo valesse 600€/hora. O exemplo é absurdo, mas o mesmo princípio pode

ser aplicado a dúvidas mais realistas, como escolher entre o comboio e o carro.

Esperaríamos que os go-vernos fizessem o mesmo por nós, quando tomam decisões sobre obras públicas. Este tipo de ponderação é tanto mais importante de fazer quanto maior é o investimento em causa. Por isso gastamos mais tempo a estudar as hipóteses

q u a n d o compra-mos um carro ou uma casa d o q u e q u a n d o s e t r a t a d e u m s i m p l e s e lectro-d o m é s -t i c o . N o caso dos

investimentos públicos, essa é precisamente uma das áreas em que economistas e engenheiros podem ser mui-to úteis: avaliar os impactes positivos e negativos de várias soluções possíveis e apontar para a melhor. Existe inclusivé um guia da Comissão Euro-peia destinado a ajudar os governos a desenvolver este tipo de estudos, denominados Análises Custo-Benefício.

Infelizmente as decisões dos nossos governos sobre

invest imentos em transportes

não têm seguido esta via. Recorde-se a

decisão da construção do novo aeroporto na Ota, fundamentada na comparação entre ape-nas duas soluções, só

sob a óptica ambiental. Foi a sociedade civil quem, através de um estudo da CIP, “obrigou” o Governo a realizar uma análise mais séria (ainda assim não exaustiva, e feita à pressa) sobre a localização do Novo Aeroporto, que mudou a decisão para Alcochete. A his-tória quase se repetiu com a 3ª Travessia do Tejo. Desta vez o LNEC veio a concluir que a solução previamente decidida era de facto a melhor, o que terá ocorrido por casualidade dado que a análise em questão não tinha antes sido feita.

Hoje a agenda é marcada pelo comboio de Alta Velo-cidade (AV). Foram tomadas as decisões políticas para a sua construção em 2003 na Cimeira Luso-Hispânica, e em Resolução do Conselho de Mi-nistros em 2004, que aprovou o desenvolvimento da rede nas l igações Lisboa-Madrid, Lisboa-Porto, P o r t o - Vi g o , Lisboa-Faro-Huelva e Avei-ro-Salamanca. Como habitual, antes de tomar a decisão o Go-verno não colo-cou seriamente a questão: os benefícios para os portugueses são maiores do que os custos? No entanto, se viajar de helicóptero é uma opção ridícula para a maioria das pessoas, algumas destas

hipóteses não parecem mui-to distantes disso, tendo em conta os custos elevadíssimos da construção.

É importante referir que estudos daquele tipo foram depois realizados pela RAVE, em 2008. Porquê realizar os estudos, se a decisão já havia sido tomada? É que para obter financiamento da UE eles são necessários, com resultados positivos. Para perceber me-lhor a questão, é importan-te saber que a missão da em-presa pública RAVE pressu-põe um man-dato claro para a concretização da rede de AV, e com isso tam-bém o empre-go de quem lá trabalha. Serão, pois, estes es-tudos (disponí-veis no site da RAVE) fiáveis? Os resultados deste tipo de análises são facilmente “orien-táveis” pelos pressupostos assumidos, como o volume de procura, os custos, ou o valor do tempo para os pas-sageiros. Para garantir o rigor e isenção, teria sido importan-te serem concretizados por uma entidade independente do resultado. Mas, como ficou

claro, o ob-jectivo dos estudos não foi verificar o mérito da AV, mas ape-nas justificar o financia-mento eu-ropeu.

Existem portanto al-

gumas incongruências bási-cas no processo de decisão do comboio de alta velocidade. Quando deveríamos ter feito as contas a fim de avaliar se os custos compensam os bene-

fícios deste electrodoméstico topo de gama que é o TGV, fizémo-lo apenas a posteriori para justificar o financiamento do “pai”.

E porque não optam os governos por gastar o nosso dinheiro em grandes obras públicas com base num estu-do rigoroso dos seus méritos? Há vários motivos possíveis: a) obra feita dá votos; b) ig-norância dos políticos sobre como tomar as decisões de

f o r m a r i -gorosa; c) pacto cons-c i e n t e o u inconsciente de políticos com interes-ses particu-lares.

Tudo isto faz parte da democracia, a t é c e r t o ponto. Mas as conse-q u ê n c i a s n e g a t i v a s podem ser

minimizadas. Uma forma é precisamente a acção da so-ciedade civil, que pode aju-dar a denunciar que muita e vistosa obra não é neces-sariamente coisa boa. Outra forma possível seria obrigar por lei os governos a tomar decisões deste tipo apenas após a realização de estudos custo-benefício, verificados por uma entidade indepen-dente do ciclo político.

Os investimentos em car-teira para as linhas Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto cus-tarão 7 mil milhões de Euros. Dava para várias viagens de helicóptero por português. Se-ria bom que os investimentos em carteira para a AV só vies-sem mesmo a ser realizados se valessem mesmo a pena, facto que gostaria muito de ver seriamente esclarecido.

João Bernardino, consultor de transportes

“ Para garantir o rigor e isenção, teria sido importante [os estu-dos sobre a AV] serem concretizados por uma entidade independente do resultado. Mas, como ficou claro, o objecti-vo dos estudos não foi verificar o mérito da AV, mas apenas justificar o financiamento europeu.

“ Como habitual, antes de tomar a decisão [de avançar com a AV] o Governo não colocou seriamente a questão: os benefícios para os portugueses são maiores do que os custos?

“ E porque não optam os governos por gastar o nosso dinheiro em grandes obras públicas com base num estudo rigoroso dos seus méritos?

RITA OLIVEIRA MARTINS

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A outra margem

O SUL está na rua! E agora?, jantar-tertulia a 15 de Janeiro

Stars Aligned, exposição de Francisco Noá, patente até 28 de Janeiro

Ocidente vs Oriente, jantar com Miguel Portas a 23 de Janeiro

Concerto O Cubo Mágico de Nuno Barreto a 6 de Fevereiro

O Consumo dos Animais na Alimentação Contemporânea, jantar com Carla Santos a 5 de Fev.

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ACADEMIA PROBLEMÁTICA E OBSCURA a questionar desde 1721

Pegava no telefone e fala-va com ela, eu em Lisboa, ela no Barreiro, chamada local. Pouco mais de 8 quilómetros de linha. Quando a saudade apertava e o namoro mais substancial se impunha, pe-gava no carro e fazia quase 30 quilómetros para lá chegar. As horas dos namorados nem sempre são compatíveis com os horários dos catamarãs, que à altura nem existiam. Às vezes olhávamos para o rio e imaginávamos uma pequena ponte que ligasse o Seixal ao Barreiro transformando em escassas centenas de metros uma dúzia de voltas e contra voltas que exigia ir picar o ponto a Coina para atraves-sar o belíssimo braço de rio de sapais e moinhos de maré. Em outras noi-tes de maior delírio, imagi-návamos uma nova avenida a ligar a Grande Lisboa. Entre-tanto nasceu de facto uma ponte, dita cir-cular, nas mar-gens de Lisboa e nas margens do grande nú-cleo populacional a Sul do Tejo. Mas olho para o Tejo e imagino que lhe falta uma perpendicular fundamental, uma artéria que reduza o es-forço aos passantes, que lhe reduza as “margens”, que potencie a malha densa, que estimule a sua valorização, a sua reabilitação, que enobreça e reúna a Grande Cidade. Sou fã de pontes, é este o meu a

priori.Mas sou também fã de boas

contas, de, salvo raríssimas excepções, não se gastar o que não se tem e de, caso já se tenha uma “senhora dívi-da”, eleger o pagamento da dita e a redução dos encargos com os juros como uma exce-lente aposta de investimento com os olhos no futuro. Por

isso, olhan-do para a extensa lis-ta de obras p ú b l i c a s que temos p r o j e c t a -das, olhando para a dívida de décadas que temos acumulada e em cresci-mento con-

tínuo e olhando para o impe-rativo que a crise actual impõe em termos de apoios sociais, todos os alertas de prudência e cautela extrema em termos de apoiar grandes obras nos tempos mais próximos dis-param com alarido.

Decidir fazer uma nova ponte não é decisão que se tome de ânimo leve. Falei da ponte sobre o Tejo porque

l h e r e -conheço utilidade e potencial de gera-ção de riqueza que é alheio e anterior ao TGV e ao aero-porto. Observo as interacções e a circulação pendular entre as duas margens e parece-me natural imaginar uma exten-são sólida, uma via a meio termo entre as duas pontes existentes, ligando zonas ur-banas há muito consolidadas e amadurecidas.

Não acredito na eficácia e bondade de não ligar para não saturar, como muitos que se opõem a novas pontes no Tejo têm defendido. Prefiro ofere-cer uma excelente alternativa de transportes colectivos (o comboio) e mitigar os tempos de espera, os quilómetros nos acessos às circulares a que são forçados os que de facto preci-sam de entrar na cidade e, cla-ro, espero que tenhamos, em breve, uma alternativa muito mais amigável às cidades em termos de combustível, a ní-vel das emissões poluentes.O Tejo acarreta contudo uma dificuldade adicional: fazer

pontes por lá é particular-mente dispendioso porque é também tecnicamente desa-fiante, segundo me dizem. E, muito francamente, não sei se os próximos a n o s s ã o - t a m b é m p a r a e s t a obra, a que reconheço a capacidade de gerar ga-nhos impor-tantes a nível do bem estar e do desen-volvimento económico do país - o tempo oportuno face às restrições e condicionantes presentes e futuras que se adivinham para as contas públicas.

Em todo o caso, olhando em particular para o TGV e para as auto-estradas que se propõem ligar cidades já ser-

vidas de outras auto-estradas, este parece-me um investi-mento claramente prioritário, no melhor interesse de um nú-mero muito mais expressivo

de portugueses e com capaci-dade de lhes melhorar sig-nificativamente as condições de vida, reduzindo as assimetrias i n a c e i t á v e i s que existem ainda no seio da própria área metropolitana

de Lisboa.Havendo dinheiro, era aqui

e, modularmente, no Aeropor-to que deveríamos começar por avançar em termos de Grandes Obras públicas.

Rui Cerdeira Branco, economista

“ Havendo dinheiro, era aqui [Ponte Lisboa-Barreiro] e, modular-mente, no Aeroporto que deveríamos começar por avançar em termos de Grandes Obras públicas

“ Olho para o Tejo e imagino que lhe falta uma perpendicular fun-damental, uma artéria que reduza o esforço aos passantes, que lhe reduza as “margens”, que potencie a malha densa

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Electrodomésticos, o que devemos mesmo comprar?

transportes e obras públicas

Quando pensamos em comprar um electrodomés-tico, tomamos a decisão que mais nos satisfaça. Por vezes ela não é evidente, e devemos ponderá-la bem. Primeiro, há que perceber se vale mesmo a pena comprá-lo; se o que já temos funciona bem, para quê comprar um novo? Mas talvez o que temos dê alguns problemas, ou os mode-los novos sejam muito melhores, ou nos últimos anos tenhamos enriquecido e já possamos ter um modelo de topo.

Em certas de-cisões, vale a pena fazer contas para avaliar hipóteses. No caso de uma escolha de trans-portes podemos fazê-lo, por exemplo, para decidir entre realizar uma viagem de comboio ou de helicóptero entre Setúbal e Lisboa. Apesar de o heli-cóptero ser rápido, é claro para a maioria das pessoas que o preço não compensa a rapidez. Se a viagem de heli-cóptero custar 300€ a mais e poupar 30 minutos, a es-colha seria certa apenas se o nosso tempo valesse 600€/hora. O exemplo é absurdo, mas o mesmo princípio pode

ser aplicado a dúvidas mais realistas, como escolher entre o comboio e o carro.

Esperaríamos que os go-vernos fizessem o mesmo por nós, quando tomam decisões sobre obras públicas. Este tipo de ponderação é tanto mais importante de fazer quanto maior é o investimento em causa. Por isso gastamos mais tempo a estudar as hipóteses

q u a n d o compra-mos um carro ou uma casa d o q u e q u a n d o s e t r a t a d e u m s i m p l e s e lectro-d o m é s -t i c o . N o caso dos

investimentos públicos, essa é precisamente uma das áreas em que economistas e engenheiros podem ser mui-to úteis: avaliar os impactes positivos e negativos de várias soluções possíveis e apontar para a melhor. Existe inclusivé um guia da Comissão Euro-peia destinado a ajudar os governos a desenvolver este tipo de estudos, denominados Análises Custo-Benefício.

Infelizmente as decisões dos nossos governos sobre

invest imentos em transportes

não têm seguido esta via. Recorde-se a

decisão da construção do novo aeroporto na Ota, fundamentada na comparação entre ape-nas duas soluções, só

sob a óptica ambiental. Foi a sociedade civil quem, através de um estudo da CIP, “obrigou” o Governo a realizar uma análise mais séria (ainda assim não exaustiva, e feita à pressa) sobre a localização do Novo Aeroporto, que mudou a decisão para Alcochete. A his-tória quase se repetiu com a 3ª Travessia do Tejo. Desta vez o LNEC veio a concluir que a solução previamente decidida era de facto a melhor, o que terá ocorrido por casualidade dado que a análise em questão não tinha antes sido feita.

Hoje a agenda é marcada pelo comboio de Alta Velo-cidade (AV). Foram tomadas as decisões políticas para a sua construção em 2003 na Cimeira Luso-Hispânica, e em Resolução do Conselho de Mi-nistros em 2004, que aprovou o desenvolvimento da rede nas l igações Lisboa-Madrid, Lisboa-Porto, P o r t o - Vi g o , Lisboa-Faro-Huelva e Avei-ro-Salamanca. Como habitual, antes de tomar a decisão o Go-verno não colo-cou seriamente a questão: os benefícios para os portugueses são maiores do que os custos? No entanto, se viajar de helicóptero é uma opção ridícula para a maioria das pessoas, algumas destas

hipóteses não parecem mui-to distantes disso, tendo em conta os custos elevadíssimos da construção.

É importante referir que estudos daquele tipo foram depois realizados pela RAVE, em 2008. Porquê realizar os estudos, se a decisão já havia sido tomada? É que para obter financiamento da UE eles são necessários, com resultados positivos. Para perceber me-lhor a questão, é importan-te saber que a missão da em-presa pública RAVE pressu-põe um man-dato claro para a concretização da rede de AV, e com isso tam-bém o empre-go de quem lá trabalha. Serão, pois, estes es-tudos (disponí-veis no site da RAVE) fiáveis? Os resultados deste tipo de análises são facilmente “orien-táveis” pelos pressupostos assumidos, como o volume de procura, os custos, ou o valor do tempo para os pas-sageiros. Para garantir o rigor e isenção, teria sido importan-te serem concretizados por uma entidade independente do resultado. Mas, como ficou

claro, o ob-jectivo dos estudos não foi verificar o mérito da AV, mas ape-nas justificar o financia-mento eu-ropeu.

Existem portanto al-

gumas incongruências bási-cas no processo de decisão do comboio de alta velocidade. Quando deveríamos ter feito as contas a fim de avaliar se os custos compensam os bene-

fícios deste electrodoméstico topo de gama que é o TGV, fizémo-lo apenas a posteriori para justificar o financiamento do “pai”.

E porque não optam os governos por gastar o nosso dinheiro em grandes obras públicas com base num estu-do rigoroso dos seus méritos? Há vários motivos possíveis: a) obra feita dá votos; b) ig-norância dos políticos sobre como tomar as decisões de

f o r m a r i -gorosa; c) pacto cons-c i e n t e o u inconsciente de políticos com interes-ses particu-lares.

Tudo isto faz parte da democracia, a t é c e r t o ponto. Mas as conse-q u ê n c i a s n e g a t i v a s podem ser

minimizadas. Uma forma é precisamente a acção da so-ciedade civil, que pode aju-dar a denunciar que muita e vistosa obra não é neces-sariamente coisa boa. Outra forma possível seria obrigar por lei os governos a tomar decisões deste tipo apenas após a realização de estudos custo-benefício, verificados por uma entidade indepen-dente do ciclo político.

Os investimentos em car-teira para as linhas Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto cus-tarão 7 mil milhões de Euros. Dava para várias viagens de helicóptero por português. Se-ria bom que os investimentos em carteira para a AV só vies-sem mesmo a ser realizados se valessem mesmo a pena, facto que gostaria muito de ver seriamente esclarecido.

João Bernardino, consultor de transportes

“ Para garantir o rigor e isenção, teria sido importante [os estu-dos sobre a AV] serem concretizados por uma entidade independente do resultado. Mas, como ficou claro, o objecti-vo dos estudos não foi verificar o mérito da AV, mas apenas justificar o financiamento europeu.

“ Como habitual, antes de tomar a decisão [de avançar com a AV] o Governo não colocou seriamente a questão: os benefícios para os portugueses são maiores do que os custos?

“ E porque não optam os governos por gastar o nosso dinheiro em grandes obras públicas com base num estudo rigoroso dos seus méritos?

RITA OLIVEIRA MARTINS

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Apesar de serem dos mais recentes e, por isso, não cons-tarem formalmente da Decla-ração Universal dos Direitos Humanos, nem por isso os direitos à habitação e à cidade deixam de ocupar e preocu-par, de modo crescente, todos os que desempenham missões político-governativas em todo o planeta. De facto, estamos perante dois direitos sociais que são reconhecidos, em mo-mentos temporais distintos, somente em pleno século XX: o direito à habitação no pós II Guerra Mundial e o direito à cidade em 1996, na Confe-rência de Istambul das Nações Unidas sobre Habitat II.

No caso de Por tu-gal, a con-s a g r a ç ã o do direito à habitação só aconteceu na Consti-t u i ç ã o d e 1976. Con-tudo, deve salientar-se q u e , a p e -sar de nada constar nes-ta Constituição sobre as cida-des, este direito à habitação aparece já relacionado com o ordenamento do território e o urbanismo, a qualidade de vida e o ambiente. Não será demais lembrar, a propósi-to, que este reconhecimento constitucional não significa que o direito à habitação se torne realmente efectivo para todos. A realidade está aí para o provar: trata-se de um direi-to que continua a não estar ao alcance de uma parte muito significativa dos portugueses. De facto, os dados fornecidos pelos Censos 2001 são mes-mo chocantes e não podem deixar de nos fazer pensar: há 325.000 fogos degradados, 544.000 vazios e quase um milhão sem água canaliza-da, esgotos ou electricidade. Isto quer dizer que o direito à habitação considerado funda-mental pela Lei fundamental da República não passa, ainda, de um direito muito condicio-nado e limitado!

Ao falar-se de direito à

cidade há que ter presente que se trata de um domínio cívico e político ainda sem antecedentes na maioria das Constituições dos países, mas que vem ganhando terreno desde a queda do muro de Berlim, em 1989. A partir des-sa data assistiu-se, no Leste da Europa, mas também um pouco por todo o lado, ao ruir de Estados fechados e imper-meáveis ao diálogo com os governos locais e outros ac-tores sociais.

Neste novo contexto na-cional e internacional, e por pressão de movimentos so-ciais afluindo na sustentabili-

dade ambiental e dos territó-rios em geral, foi possível a emergência de um novo olhar sobre a cidade e a importância em o articular com o direito à habitação, direitos agora considerados inseparáveis e convergentes. Neste sentido, uma referência

deve ser feita à Conferência Habitat II, realizada em Istam-bul, em 1996, e que teve como objectivo principal actuali-zar os temas e paradigmas que fundamentam a política urbana e habitacional, com vista a reorientar a linha de acção dos órgãos e agências de cooperação internacional para estes temas.

Pode então afirmar-se que foi nesta Conferência de Is-tambul que se lançou m u n d i a l -m e n t e o tema do di-reito à cida-de. A partir de então vá-rios têm sido os Fóruns U r b a n o s Mundiais, o próximo dos quais será no Rio de Janeiro, de 22 a 26 de Março deste ano, onde se tem reafirmado a ne-cessidade de repensar e rene-gociar as bases fundamentais

da cidade que queremos.Na verdade, num mundo

onde as cidades continuam a ser submetidas a um proces-so de metropolização intensa, muito há ainda por fazer nesse sentido. Defender o direito à cidade é defender o direito a um espaço democrático que rompe com a exclusão e com o processo de fragmentação existente hoje nas nossas cidades. Mas para que o di-reito à cidade seja uma rea-lidade efectiva e concreta e não apenas retórica, há que pressionar e fazer convergir nesse sentido a acção dos go-vernos, da iniciativa privada, dos movimentos organizados e da população em geral. Des-ta convergência (quase sem-pre conflitual) de objectivos será possível modificar a re-alidade urbana por meio da construção de cidades mais humanas, democráticas e sustentáveis.

É claro que neste processo negocial os governos desem-penham um papel essencial, por poderem garantir a sua efectivação, seja por meio de regulamentações, programas, acções, projectos ou políticas, mas também por poderem ter em conta a visão dos habi-tantes e o que estes pensam dos esforços concretos, sem esquecer quais os direitos que entendem que não foram ain-da atendidos pelas Políticas Públicas.

Antes de terminar este apontamento sobre o tema do direito à cidade, será esti-mulante concluir com o pen-samento crítico de David Har-vey, expresso no Fórum Social

Mundial que teve lugar em Belém de Pará, em Fevereiro de 2008:

« O d i r e i -to à cidade é o direi to de t r a n s f o r m a r as cidades em algo radical-mente diferen-te, o direito de

participar dos processos de transformação das cidades que, normalmente, são cons-truídas segundo os interesses do capital em detrimento das

pessoas. A luta pelo direito à cidade é uma luta contra o capital. Há um estreito rela-cionamento entre o capital e os processos de construção das cidades».

No entender deste pen-sador há que criar alterna-

tivas, mas as alternativas só poderão surgir se se começar o debate sobre a alternativa ao capitalismo com o debate sobre o direito à cidade.

Carlos Vieira de Faria, sociólogo-urbanista

Transformar as cidades

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em algo diferente

“ O reconhecimen-to constitucional não significa que o direito à habitação se torne realmente efectivo para todos. A realidade está aí para o provar: trata-se de um direito que continua a não estar ao alcance de uma parte muito significativa dos portugueses.

“ Defender o direi-to à cidade é defender o direito a um espaço democrático que rompe com a exclusão e com o processo de fragmenta-ção existente hoje nas nossas cidades.

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Passemos do papel à realidadeNão pertenço a qualquer

força política organizada, em-bora não consiga manter-me alheia ao que se passa na so-ciedade, tanto mais que sou das que insistem em acreditar na existência de um mundo melhor. Nesse sentido, tento dar o meu melhor em todas as áreas e com todas as entidades possíveis.

Um dos últimos contri-butos foi junto da concelhia sadina do Bloco de Esquerda, à qual fiz chegar um docu-mento acerca dos direitos dos animais, abordando re-sumidamente o que, penso eu, deveria cons-tar em todos os programas eleitorais au-tárquicos. Até c e r t o p o n -to, uma mera adaptação local da Declaração Universal dos Direitos dos Animais a uma sociedade, no geral, pou-co respeitadora dos artigos nela constantes, mas só isto dava um outro artigo e com muito mais a discutir, por isso, adiante.

Embora apenas alguns pontos tenham sido inseri-dos no programa municipal daquele partido, não pude deixar de me comprazer com o facto. As medidas apresentadas foram fruto, sobretudo, de muitas trocas

de informação com pessoas que trabalham no terreno, na defesa dos animais, aqui em Setúbal e não só; pessoas que se preocupam e que gracio-sa e fervorosamente cedem o seu tempo, esforços e finan-ças para colmatar uma lacuna existente, no final de contas, devido à inércia da maioria dos cidadãos.

Há factos que não podemos de forma alguma disfarçar, apesar de, todos os dias, muita gente se empenhar em ignorá-los. Um dos mais prementes, na minha opinião, relacio-

na-se com o número de animais abandona-dos, negli-genciados e mal tratados que não di-minui, antes pelo contrá-rio (também o circo e a tourada me parecem te-

mas importantes para abor-dar, mas neste texto cinjo-me a esta problemática).

Claro que, quando se fala deste assunto, o canil muni-cipal é ponto obrigatório. O canil setubalense foi, como tantos outros pelo país fora, a resposta possível a um cená-rio que, visto de forma muito estrita, constitui uma ameaça à segurança e à saúde públi-cas. E digo foi porque acredito que, actualmente, se pode fa-

zer muito melhor! E, aparentemente não sou

só eu, pois, pelo menos desde 2002, fala-se na possibilida-de de construção de um canil intermunicipal (Setúbal/Pal-mela). Já no início de 2009, foi aprovada em reunião pública a desanexação de terreno para este projecto, junto ao Cemi-tério de Algeruz. Espero que traga dignidade aos animais que por lá passem, traduzi-da em melhores condições de vida, num esforço real para o seu encaminhamento para uma família, na abolição da política de abate a animais cujo único crime é ocuparem espaço… Esperanças à parte, a concretização deste projecto seria uma lufada de ar fresco para todos os envolvidos na luta pelos animais.

Uma lufada de ar fresco ainda mais refrescante, se houvesse lugar à criação de uma entidade oficial – o ideal seria esta entidade ter uma acção nacional, mas trabalhar através de vários núcleos mu-nicipais; pensar globalmente, agir localmente! – encarre-gada de defender os animais, nomeadamente na fiscaliza-ção efectiva da legislação que, embora ainda muito deficiente e quase desconhecida, já exis-te para proteger estes nossos amigos.

Esta entidade seria ainda apoiada por uma estrutu-ra, envolvendo veterinários municipais, bombeiros, forças de segurança e associações,

capaz de permitir e garantir o socorro, recolha e acolhi-mento de animais em risco, abandonados ou não.

Infelizmente, “não há al-moços grátis” e, assim sendo, toda esta mudança pesaria no erário público. Mas nem isto é argumento, pois há outras formas de ali-geirar o “peso”. Algum do fi-nanciamento poderia advir directamente da aplicação d e c o i m a s , oriundas da f iscalização efectiva, que referi acima, por exemplo. E por que não convidar os mu-nícipes a contribuir com um euro mensal para o bem-estar animal? Muitos aceitariam o desafio e quem sabe não se envolveriam mais com a questão, funcionando tam-bém este ponto como factor de sensibilização.

As parcerias são também um aspecto importantíssi-mo. Existirão, com certeza, a par dos funcionários que deveriam receber formação da Direcção Geral de Vete-rinária, voluntários aptos a colaborar com o projecto mu-nicipal – mãos que tratam os animais, que acarinham, que passeiam os cães, que organi-zam e incentivam campanhas de adopção, pelo simples fac-

to de receberem um olhar de agradecimento em troca!

Há empresas e cidadãos conhecedores do mecenato social – que pode ser aqui aplicado através do recurso às terapias assistidas com ani-

mais, junto de crianças e idosos em risco –; além de veteriná-rios que te-rão gosto em util izar os seus conhe-cimentos e capacidades para ajudar.

E diversas superfícies comerciais

poderiam ser desafiadas a doar ração – cujo prazo de validade esteja já próximo de expirar, por exemplo – e outros bens considerados essenciais.

São apenas ideias e suges-tões, é verdade. Mas acredito que, com boa vontade e di-álogo, é possível modificar uma situação que integra o rol de preocupações de muita gente, setubalenses ou não. Basta não baixar os braços e mostrar a nossa disponibilida-de para que as ideias passem do papel para a realidade. A mudança passa por todos nós. E é sempre possível fazer mais e melhor!

Susana Andrade,activista

LUÍS

TE

IXE

IRA

Direitos dos animais

“ Há empresas e cidadãos conhecedores do mecenato social – que pode ser aqui aplicado através do recurso às terapias assistidas com animais, junto de crian-ças e idosos em risco

“ A concretização deste projecto [o canil intermunicipal Setúbal/Palmela] seria uma lufada de ar fresco para todos os envolvidos na luta pelos animais

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Igualdade no CasamentoApenas mais um passo na luta pelos direitos LGBT

Com os resultados das últimas eleições legislativas criaram-se finalmente as con-dições para que o casamento civil entre dois cidadãos do mesmo sexo fosse aprovado em Portugal. E o Parlamen-to aproveitou essa oportunidade a 8 de Janeiro, com a aprovação de um projecto lei que eli-mina esta forma de discriminação.

O casamento ci-vil entre pessoas do mesmo sexo não irá retirar quaisquer di-reitos aos casais he-terossexuais, nem irá interferir nos casa-mentos religiosos. Apenas irá estender a opção do contrato civil de casamento, com os seus direitos e obrigações, a um tipo de casal que até ao momento não tinha esta opção. Desde problemas com heranças e transferência de rendas de habitação, questões fiscais e de segurança social ou direito de visita em hospitais, é justo que casais do mesmo sexo possam ter exactamen-te os mesmos direitos que os casais heterossexuais.

A única barreira significati-va a este desenvolvimento te-ria sido a eventual realização de um referendo, que chegou a ser solicitada por um gru-po de peticionários ligados à Igreja. A recusa do mesmo é

um facto muito importante para a defesa dos direitos ci-vis em Portugal. Realizar um referendo sobre este tema se-ria um precedente perigoso, pois, por princípio, direitos fundamentais não se devem

referendar. A maioria não deve por sua iniciativa de-cidir sobre a discrimina-ção das mi-norias.

Contudo, após a es-perada le-galização do casamento entre indiví-

duos do mesmo sexo, outras questões terão de ser discuti-das, nomeadamente o direito à adopção, com o qual o PCP no passado já demonstrou não concordar, e que, por não ser contemplado na nova lei, será uma fonte de discriminação muito forte. Quem deve de-cidir em questões de adopção são os assistentes sociais, caso a caso, escolhendo a melhor opção para cada criança, li-vres de constrangimentos legais que excluam à partida casais do mesmo sexo.

Também o direito à pro-criação medicamente assis-tida não deve ser recusado a nenhuma mulher, não com-petindo à lei excluir mulheres solteiras ou casais do mesmo

sexo do acesso à inseminação artificial ou aos tratamentos de fertilidade. Estas são barreiras discriminatórias artificiais que acabam, na prática, por não impedir nenhuma mulher que o deseje de engravidar, e criam mais problemas do que aque-les que supostamente desejam resolver.

O direito à igualdade de género é outra questão ain-da por resolver. Um cidadão que faça uma operação de alteração de sexo ainda não pode facilmente mudar para um nome do sexo oposto, fi-cando muitas vezes exposto a situações constrangedoras. Devia por isso ser possível que, assim que iniciasse um processo de alteração de sexo, um indivíduo pudesse adoptar oficialmente um novo nome, mais condizente com o género que está em vias de ter.

A legalização do casamen-to entre pessoas do mesmo sexo é por isso apenas mais um (importante) passo numa longa caminhada que ainda há por fazer no que toca aos direitos LGBT e às liberda-des individuais em Portugal. Porventura, é o passo possível neste momento, numa socie-dade que ainda é muito pouco liberal e que vai aos poucos aprendendo a respeitar a di-ferença.

Miguel Duarte, presidente do Movimento Liberal SocialA

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5 e 6 de FEVEREIRO

FÓRUM CULTURAL DE ALCOCHETE

“ O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo não irá retirar quaisquer direitos aos casais heteros-sexuais, nem irá interferir nos casa-mentos religiosos.

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Uma petição para combater a precariedadeO ano arranca, infelizmente

com poucas razões para gran-des esperanças para a maioria da população. 2009 foi mais um ano de cri-se profunda e adivinham-se mais dias di-fíceis. No ano que passou , como nos ante-riores, agrava-ram-se incon-testavelmente as condições para trabalhar e viver: para lá do desempre-go a atingir pesadamente um número crescente de pesso-as, a precariedade impõe-se como regra implacável nas relações laborais e na vida. Desemprego e precariedade: duas faces da mesma moeda, que ameaçam tudo e todos e prometem aumentar a explo-ração no trabalho e diminuir a capacidade de organização social para lhe responder, utilizando descaradamente a chantagem e o medo.

Mas traçar o cenário das dificuldades não pode ser ape-nas contribuir para a desespe-rança generalizada, já muito alimentada pela desilu-são e falta de p e r s p e c t i -vas. É preci-so mobilizar, responder e propor.

É esse que tem sido o percurso da luta contra a precarie-dade. E foi esta vontade e disponibili-dade que juntou quatro mo-vimentos de trabalhadores

precários – APRE! (Activis-tas Precários), FERVE (Far-tos d’Estes Recibos Verdes),

Plataforma dos In-termitentes do Es-pectáculo e Audio-visual, e Precários Inflexíveis – na or-ganização de uma petição a enviar à Assembleia da Re-pública, com o ob-jectivo de terminar com as injustiças do trabalho a fal-sos recibos verdes, nomeadamente

no que diz respeito às con-tribuições para a Segurança Social.

Os milhares de pessoas que já assinaram a petição “Antes da Dívida Temos Di-reitos” exigem que termine a insensi-bilidade que leva a Segurança Social a cobrar dívidas injustas às vítimas do trabalho ilegal-mente precário: se quem trabalha a falsos recibos verdes é preju-dicado nos descontos, não se podem constituir devedores

sem averiguar como foram contraídas as dívidas. É preciso que quem sempre deveu direitos não escape mais uma vez no momento de fazer as contas difíceis – os patrões poupam porque não fazem contratos e são poupados, mais uma vez, quando a factura pesa.

Esta é uma ques-tão fundamental.

Não só porque existem hoje cerca de 900 mil pessoas a

trabalhar a falsos recibos ver-des, privadas de um contrato de trabalho apesar de assegu-rarem funções permanentes e sem nenhuma autonomia (não são “independentes”, portanto), muitas vezes com rendimentos muito baixos e impedidas de cumprir as suas contribuições para a Seguran-ça Social. Acabar com esta in-justiça é responder ao desafio de combater por um sistema de Segurança Social efectivo, para todos e com futuro.

Sabemos bem que esta é uma luta que diz respeito ao conjunto dos trabalhadores. A Segurança Social tem de traduzir a solidariedade e a garantia nos momentos di-

fíceis – e não transformar-se em mais um peso sobre os mais fracos. Por isso apelamos a que se jun-tem ainda mais subscr ições , para engrossar esta exigência – basta consultar

o site www.antesdadividate-mosdireitos.org para subs-crever online e até contribuir para a recolha.

Lançada no final de No-vembro último, esta petição conseguiu as 4 mil assina-turas necessárias logo nos primeiros cinco dias. Em breve será entregue na As-sembleia da República, pelo que o Parlamento terá mesmo de discutir esta proposta. Cá estamos para este combate, para o qual sabemos serem precisas muitas vozes e cada vez mais força – certo é que nada nos será oferecido.

Tiago Gillot, membro dos Precários InflexíveisIM

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...

“ Existem hoje cerca de 900 mil pessoas a trabalhar a falsos recibos verdes, privadas de um contrato de trabalho apesar de assegurarem funções permanen-tes e sem nenhuma autonomia

“ A SegurançaSocial tem de traduzir a solida-riedade e a garan-tia nos momentos difíceis – e não transformar-se em mais um peso sobre os mais fracos

“ Acabar com esta injustiça é responder ao de-safio de combater por um sistema de Segurança Social efectivo, para todos

e defender a Segurança Social

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A Poetisa do SadoM a r i a n a A n g é l i c a

d’Andrade nasceu em Casa Branca, Sousel, em 11 de Maio de 1840. Era filha de Joaquim António Serrano, poeta, escri-tor e jornalista do Diário de Notícias e de Francisca Pe-reira da Silva. Aos 4 anos veio para Setúbal, onde vivia a sua madrinha Gertrudes Angélica d’Andrade, que a criou e edu-cou e de quem adoptou os apelidos que usava. Provavelmente, vi-veu na Rua Nova da Conceição (actual Av. 5 de Outubro), no nº 21.

Dado o sis-tema educativo português da altura – 1846-1850 –, é natu-ral que Mariana tenha frequenta-do o ensino pri-vado ou tido uma preceptora, solução adoptada pelas famílias mais abastadas para dar alguma instrução às meninas. Viúva de um rico proprietá-rio, a madrinha de Mariana fazia parte da burguesia da cidade e foi umas das pessoas que mais contribuiu para a existência e manutenção do Asilo da Infância Desvalida de Setúbal.

Mariana começou a es-crever poesia muito cedo. O poema Estações da Vida tem a data de 1854 e foi publicado no seu primeiro livro, Murmúrios do Sado, de 1870, volume que mereceu a atenção do Grémio Literário do Brasil, tendo sido lavrado à autora um diploma de sócia honorária. Ainda em 1870, a sua comédia As Espo-ras do Alferes foi estreada em Setúbal e representada pelo actor José Ro-mano.

Casou civil-mente em 1874 com o escritor, filólogo e poeta António Cândi-do de Figueire-do, com o qual se correspon-dera durante anos e que estimulou a sua actividade poética. Foi des-

ta troca de correspondência que o amor nasceu entre eles, sendo ele ainda estudante em Coimbra. Foi viver para Lis-boa, na Calçada do Duque, 13-2º.

Viveu na época do libe-ralismo político, moral e ar-tístico. Foi o

t e m - po da Regeneração em Portugal, de-pois de findas as lutas entre absolutistas e liberais. Na sua poesia estão presentes: o “eu”, o sentimentalismo, a fantasia, a melancolia, a na-tureza individuali-zada, o reflexo dos estados de ânimo, a morte, a noite, a evasão. Verifica-se na obra poética a sua revolta, a sua insatisfação, a sua mágoa com o facto de ser mulher.

Um dos aspectos que a preocupava era a Educação em geral, e a das mulheres

em par t icu lar, tendo aborda-do o assunto por várias vezes nas publicações onde colaborava. Em termos estéticos, Mariana Angélica d’ Andrade foi uma romântica e tratou também temas re-

lacionados com problemas políticos e sociais do seu tem-

po – a guerra, a injustiça, a pobreza, a liberdade – os quais foram recitados em festas e recitais em Setúbal.

Os seus versos valeram-lhe o cognome de “A Poetisa do Sado”, mas Mariana tam-bém foi autora de artigos de opinião e de crítica, contos, fantasias e duas comédias e

traduziu para português romances de autores es-

trangeiros, que foram publicados em fo-

lhetins de jornais e revistas.

Escreveu que a mulher não devia aspirar à vida políti-ca e aos car-gos públicos, mas defendeu a emancipação da mulher pelo

trabalho e pela educação. A po-

etisa nunca abor-dou as questões ju-

rídicas ou políticas de emancipação da mulher,

pois nela coexistiam ideias conservadoras e progressistas, mas creio poder dizer que foi uma defensora dos direitos da mulher e da melhoria da sua condição, sobretudo, se tivermos em consideração o contexto e o tempo em que

viveu.Mariana An-

gélica faleceu às 3 horas da madrugada, em 14 de Novembro de 1882, vítima de tuberculose pulmonar. Ti-nha 42 anos e duas filhas: Ro-

salina e Corina, de 7 e 5 anos, respectivamente. Foi enter-rada a 16 de Novembro, às 11 horas da manhã, no Cemitério Ocidental, hoje Cemitério dos Prazeres.

A obra Revérberos do Poente foi publicada postumamente, em 1883, no Porto, com pre-fácio de Gomes de Amorim. E as suas Rimas Selectas foram, em 1917, incluídas por Nuno Catarino Cardoso na antologia Poetisas Portuguesas.

Anita Vilar, psiquiatra

É tarde de função, encheu-se a praça,Não resta em toda ela um só lugar;No doido entusiasmo a populaça

Assobia, e não cessa de gritar.Acode tudo: há classes variadas,Clero, nobreza e povo; e custa crerQue cenas, já de si tão condenadas,Sirvam de passatempo e de prazer!

As mães levam seus filhos, ensinandoQue é bonito, que é bom morrer assim,Em luta desigual, inglória, e dandoÀ morte aquele aspecto de festim!

Cavalos expirando, como é lindo!...Pegar um boi à unha…encantador!...O sangue cobre a arena, e o povo rindo!

Ao som de um hino, cai um lutador!Nos velhos circos romanosEram às feras lançadosCentenas de desgraçados,Que tinham martírio atrozEram prazeres insanosDe requintada maldade;A ignorância, a crueldade

De um povo tornado algoz!Porém hoje… hoje, evitemosQue esta mancha do passadoSeja um opróbrio legadoÀs gerações de amanhã.Filhos da luz, não devemosAplaudir por modos váriosEsses quadros sanguinários

Da velha Roma pagã…Como é triste e dolorosoVer ali em holocausto,Caindo por terra exaustoUm artista forte e audazO seu braço vigoroso,O seu talento e destreza,Valiam mais, com certeza,

Nas santas lutas da paz.Lutas em prol do seu berço,Nos ofícios e nas artes, Que vão em todas as partes Espalhar bens sem rivais.Mal entendido progressoQue consente por tão poucoO combate inútil, louco, Dos homens com animais!

Alguns dos que ali vão jogar a vida- Não pela liberdadeDa pátria, ou outra causa justa e santa –Caem feridos. Alguém há que os levanta,E a festa continua divertida…Mas depois, para os filhos na orfandadeImplora-se uma esmola…

……………………………………………..

Não mais touradas! Finde a espúria raça,Da velha Roma; e em vez de cada praçaLevante-se uma escola!

Mariana Angélica d’Andrade, 1881

Ao Sr. Conselheiro José Silvestre RibeiroAs Touradas

Mariana Angélica d’Andrade

“ Verifica-se na obra poética a sua revolta, a sua insatisfação, a sua mágoa com o facto de ser mulher

“ [Mariana An-gélica d’Andrade] defendeu a eman-cipação da mulher pelo trabalho e pela educação

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O Sul – Como é que um enfermeiro decide enveredar pelo mundo da música?

Luís Soares – A questão talvez se coloque ao contrá-rio: Porque é que um suposto aspirante a músico decide ir para enfermagem? Obvia-mente, a escolha foi bastante ponderada, pois sempre fui muito metódico e concentra-do naquilo que deveria fazer para alcançar objectivos. A música exige investimento e para a sustentar eu tinha de ter um emprego sólido com o qual me identificasse. É a enfermagem que me permite manter a “carreira de aspiran-te a músico”. [risos]

Uma coisa consolida a outra. Em mim, há uma sim-biose entre as duas áreas, que se complementam perfeita-mente. Num futuro não muito distante gostava de diminuir a carga horária na enferma-gem para me dedicar mais à música, mas enquanto esta última não der maior retorno financeiro...

S – De onde vem o nome Djimi Band?

LS – Djimi é a minha al-cunha desde os 15, 16 anos, porque a minha primeira in-fluência foi Jimi Hendrix. Por isso, depois de pensarmos em vários nomes, optámos pela simplicidade: “Sou o Djimi e esta é a minha banda”. O nome tem sonoridade, em apenas três sílabas.

S – Já tinha havido uma maquete há três anos e, em

Dezembro, foi apresentado o álbum...

LS – Sim, entretanto houve reestruturações da banda, no-vas ideias, novos instrumen-tos a entrar. O álbum é um trabalho mais pensado, com objectivos mais definidos.

S – Como o descreveria?LS – É um álbum positivo,

acima de tudo, para transmitir boas vibrações, bons pensa-mentos. A reflexão que faço e coloco nas letras é de que há sempre forma de resolvermos e superarmos as dificuldades com que nos deparamos e de nos divertirmos perante cada situação.

S – Chega na altura certa, face à actual conjuntura de crise?

LS – Para mim, a crise não é tanto económica mas mais de valores, de identificação do que é realmente impor-tante, e é disso que também falo nas músicas. Creio que precisamos de redefinir as nossas prioridades e objec-tivos e percebermos do que necessitamos mesmo para sermos felizes.

S – Um dos temas que já passa, e que está disponível no MySpace (www.myspa-ce.com/djimiband), é Preto branco, que nos remete para a multiculturalidade. Sente-se numa fronteira?

LS – Sim, é quase um tema autobiográfico. Eu tenho as-cendência europeia e africana, sou metade preto e metade

branco e não me sinto nem uma coisa nem outra. Sinto-me esse “preto branco”. O que importa não é de onde viemos mas para onde vamos, pois acima de tudo somos pessoas e somos todos iguais na von-tade de estarmos juntos.

S – Como surgiu a oportu-nidade de o tema integrar a banda sonora dos Morangos com Açúcar?

LS – O álbum foi apresen-tado à editora do grupo Media Capital e acabou por chegar à produção da série (onde tam-bém tínhamos um contacto), que se mostrou interessada. Passou na série de Verão e vai continuar a passar na série que acompanha este ano lectivo. É uma óptima oportunidade de divulgar o projecto e que já foi aproveitada por outras bandas da região, como os Arsha ou os Hands on Approach.

S – Dado o receio das ma-jors em apostar em novas bandas, como estão a planear o futuro?

LS – A nossa confiança no projecto é muita, pelo que não vale a pena estarmos parados à espera que decidam apostar em nós. Por isso avançámos com uma edição independente e na parte de design, fotos de promoção e videoclips junta-mos várias cabeças criativas de Setúbal, o que está a ser muito giro. Se temos aqui as pessoas e há vontade, vamos aproveitar. Este pode ser um projecto independente, mas tem uma vontade profissional e isso faz muita diferença.

Luís Humberto [email protected]

Luís Soares, vocalista e líder da Djimi Band

Novo Dia é o nome do primeiro álbum da Djimi Band. O Sul entrevistou Luís Soares, vocalista e líder deste projecto musical que tem a sua origem em Setúbal mas já se faz ouvir por todo o país, através da série Morangos com Açúcar.

«Somos todos iguais na vontade de estarmos juntos»

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João Vaz e Setúbal

Até ao final de Fevereiro, está patente ao público na Casa da Baía (Av. Luísa Todi, em Setúbal), a exposição João Vaz e Setúbal, composta por três centenas de obras de um dos principais pintores natu-ralistas portugueses.

João Vaz nasceu em Setú-bal em 1859. Embora tenha daqui saído aos 13 anos para ir estudar em Lisboa – e por lá tenha ficado a residir depois de casar – visitou e pintou regularmente a sua cidade natal, o Sado, Tróia, a Arrá-bida e suas praias.

Foi um pintor de muito sucesso em vida, vendendo quase toda a obra que produ-zia; e parte da que não vendeu, a família encarregou-se de o fazer após a sua morte. Desse modo, a sua obra encontra-se espalhada por variadíssimas

colecções particulares, tor-nando-se difícil aos aprecia-dores de Arte tomar contacto com um número considerável de quadros seus. Assim, en-quanto o Museu da Cidade não reabrir as suas portas para podermos observar a sala dedicada ao grande mestre, só em raras exposições, como esta, os setubalenses terão à sua disposição um pouco da sua vasta obra.

João Vaz teve uma forma-ção clássica de base, cursando Desenho e frequentando au-las de Pintura de Paisagem na Academia Real de Belas-Artes de Lisboa. Também decisiva para a sua formação foi a estadia por um ano em Paris (1883/84), onde o então jo-vem pintor de 24 anos tomou contacto com o Impressio-nismo.

Outro aspecto de grande importância no percurso de João Vaz foi a sua participação no Grupo do Leão, que levou a cabo importantes exposições. Dele faziam parte os pintores António Ramalho, Sousa Pin-to, Silva Porto, José Malhoa e os i rmãos Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro, entre outros artistas e intelectuais.

Pintor de ar livre, João Vaz registou dife-rentes condições atmosféricas e de luz. Nos seus quadros, as formas e o ar adquirem as tonalidades próprias de cada ambiente. Neles sentimos a luz, a temperatura e a humi-dade do local e do momento registados. Em vários dos seus

quadros há ambientes de pa-leta cromática reduzida, onde ele cria maravilhosas harmo-nias investindo nas nuances que os diferentes tons podem proporcionar.

João Vaz não pinta regular-mente com pincelada solta e

justaposta, à base de cores primá-rias, com vista a uma mistura óp-tica dessas cores, como era habitual nos impressionis-tas. Ele usa a pin-celada solta sobre-

tudo em esboços e no registo dos reflexos da água.

É curiosa, e importante, a relação entre a Pintura e a Fo-tografia na obra deste pintor, que possuía um número con-siderável de fotografias que ele próprio tirava ou adquiria

nos locais por onde passava. Às imagens a preto e branco, João Vaz acrescentava um deslumbrante colorido.

A sua obra tem uma rele-vante importância histórica e etnográfica. Nalgumas telas observamos troços de Setúbal que já não existem e outros que se encontram profunda-mente modificados. Foram di-versas as embarcações que registou, dando-nos ainda a conhecer alguns métodos e apetrechos de pesca. Pode-mos mesmo dizer que João Vaz é o grande pintor de ma-rinhas português. E é um dos que mais pintou a sua terra natal; por certo aquele que mais a pintou não estando a residir nela.

António Galrinho,professor

João Vaz . Cais de Setúbal . Óleo sobre tela, 35x57. 1913-21 . Cascais, Museu-Biblioteca Condes Castro Guimarães

“ A sua obra [de João Vaz] tem uma relevante im-portância histórica e etnográfica

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Encantadoras feiticeiras o trabalho exemplar das Avozinhas de Palmela

Conheci o grupo de teatro As Avozinhas a propósito de um trabalho de investigação relacionado com projectos performativos experimentais que exploram as potencialida-des de participantes não pro-fissionais no enriquecimento das linguagens artísticas. Foi durante uma entrevista a João Brites, sobre a sua experiência de trabalho com intérpretes que não são actores (nem profissionais, nem amadores), que ouvi os primeiros relatos sobre as especificidades e pe-culiaridades deste grupo.

Com cerca de 7 anos de existência, As Avozinhas tor-naram-se conhe-cidas a partir das encenações pro-duzidas no âmbito das actividades da associação cultu-ral FIAR – Festival Internacional de Artes de Rua de Palmela, dirigida por Dolo-res de Matos. O FIAR assume como objectivo primordial a promoção do encontro entre diferentes referências artís-ticas e culturais, convidan-do anualmente artistas com origens distintas a produzir criações originais em duas frentes: em conjugação com os artistas locais ou trazendo propostas experimentais que

permitam apresentar à popu-lação espectáculos de cariz contemporâneo. Foi a partir da insistência no primeiro tipo de cruzamento – entre a comunidade local e a arte contemporânea – que nas-ceu, não tanto o grupo (que tinha já algumas experiências anteriores à sua relação com o FIAR) mas a sua qualidade única e o seu poder, podería-mos dizer, encantatório.

Um dos primeiros “enfei-tiçados” foi o (à época) jovem escritor Gonçalo M. Tavares que, no final da apresenta-

ção de um dos espectáculos do grupo, de-safiou Dolores de Matos a tra-balhar um texto da sua autoria, ainda inédito, e que viria a ser publicado

pela editora Caminho na série Bairro, com o título O Senhor Henri (2003). Encenado por João Brites, assim surgiu o primeiro espectáculo em que As Avozinhas se lançaram na aventura da performance contemporânea lidando, do ponto de vista dramatúrgico e da interpretação, com textos e linguagens artísticas e cénicas que até aí desconheciam. Este trabalho e o sucesso do grupo

seria consolidado com o pro-jecto seguinte: o espectáculo A Cotovia (2007), a partir do Auto da Feiticeira Cotovia e outros textos da autoria de

Natália Correia.Sabemos que existem vá-

rios e muito relevantes pro-jectos comunitários que uti-lizam os meios de expressão

artística como instrumentos de intervenção social. Sabe-mos também que a prática teatral amadora é um meca-nismo de construção identitá-ria que desempenha um papel crucial na sobrevivência e es-truturação de sociabilidades locais no mundo contempo-râneo globalizado. O que não é tão comum é assistirmos ao encontro coerente da exigên-cia significativa da produção artística de nível profissional com as histórias comuns de mulheres especiais – lin-guagens complexas e apa-rentemente inconciliáveis. É quando o espectador se deixa afectar por esse choque, que o feitiço é lançado por estas encantadoras mulheres, cons-cientes do seu poder cénico. Esta operação, no entanto, não é perceptível a olho nu e muito menos literal. Ela surge a partir daquilo que de mais importante a arte tem para dar: uma interpretação poé-tica da urgência de agir sobre o mundo.

Por isso, se As Avozinhas actuarem num palco perto de si, não deixe escapar a opor-tunidade. Mas só se estiver disponível para se deixar enfeitiçar!

Teresa Fradique,antropóloga

“ Um dos pri-meiros “enfeitiça-dos” foi o (à época) jovem escritor Gon-çalo M. Tavares

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Cortar as amarras que nos prendemReza a lenda que um mou-

ro – pai de duas filhas formo-síssimas – geria uma taberna onde os pescadores de Setúbal paravam antes de ir para a faina. Um deles apaixonou-se por uma das moças... que lhe correspondeu. Quando o pai descobriu, encantou a filha: não voltaria a ser vista enquanto houvesse dor, fome e inveja sobre a Terra.

O curto e simples enredo serviu de base ao novo mu-sical do Teatro Animação de Setúbal (TAS): A Lenda da Moura Encantada, em cena até ao final de Fe-vereiro no Teatro de Bolso. Esta 111.ª produção do TAS foi encenada por Fernando Gomes, que acrescentou à história uma série de pontos que lhe dão um carácter mais apela-tivo e repleto de paralelismos com os dias de hoje, apesar de a trama se desenrolar no século XIV.

Para começar, acoplou à peça uma versão sui generis da conhecida lenda da Rainha Santa Isabel (“são rosas, se-nhor”), na qual D. Dinis (inter-pretado por Duarte Victor) é retratado como um soberano

temido que manda os súbdi-tos trabalharem para o país se desenvolver, enquanto ele se entretém com Caim, de José Saramago – um pormenor anacrónico a evocar a descri-ção que o jornalista-escritor espanhol Juan Árias faz do livro do Nobel português: «um grito contra todos os deuses falsos e ditadores criados para amordaçar o homem, impedindo-o de viver, em total liberdade, a sua vida e o seu destino».

A mesma ideia de liberta-ção serve de pano de fundo à

lenda que dá tí-tulo ao musical, na qual Afonso (José Nobre) e a moura Zuleima (Isabel Ganilho) desenvolvem um amor que ultra-passa todas as

barreiras e em que um aceita o outro tal como é, inclusive do ponto de vista religioso.

Este amor é realçado por contraste com outro par amo-roso, composto por Tóino (Mi-guel Assis), o melhor amigo de Afonso, e pela irmã de Zulei-ma (Susana Brito), que se con-verte ao cristianismo, muda o nome para Fátima e foge com o pescador para Castela, bem

longe da então pequena vila de Setúbal, apresentada como um lugar onde impera a male-dicência e a intolerância para com os estrangeiros, mesmo quando estes são “mouros de trabalho” e honestos – o pai das jovens é o único que não compra fiado…

Mas, entrelinhas socio-políticas à parte, A Lenda da Moura Encantada é uma boa oportunidade para descon-trair, com diversos momentos cómicos servidos ao longo das cerca de duas horas de espectáculo.

Luís Humberto [email protected]

FICHA TÉCNICA:A Lenda da Moura Encantada

Texto e encenação:Fernando Gomes

Actores: Célia David, Duarte Victor, Isabel Ganilho, José Nobre, Maria Si-mões, Maria Sobral, Miguel Assis, Sónia Martins e Susana Brito

Composições e arranjos musicais: Quim TóDirecção vocal: Nuno BatalhaCoreografia: Luís SousaCenografia e grafismo: Luís ValidoFigurinos: Zé Nova

Desafios para as próximas ediçõesO Sul é um jornal aberto

à colaboração de todos, aco-lhendo artigos de opinião, reflexão ou análise, reporta-gens, entrevistas ou textos de divulgação científica, que se-rão lidos pela Direcção e pelo Conselho Editorial, estruturas cuja função é seleccionar o que será publicado online e/ou em papel.

São aceites todo o tipo de contributos, sem restrições quanto ao assunto, mas como sabemos que às vezes o mais difícil é decidir sobre o que escrever, avançaremos em cada edição com sugestões de temas para as edições se-guintes. Seguem abaixo os nossos desafios para os pró-ximos números. As sugestões feitas a seguir aos temas são

meramente indicativas, dado que os ângulos de abordagem dependem da criatividade de cada um.

Edição n.º 1Entrega: até 1 de FevereiroSai a 11 de Fevereiro

Biodiversidade – 2010 é o Ano Internacional da Biodiversida-de. Diga-nos quais as medidas que deveriam ser tomadas, pelo Estado e pelos cidadãos, para garantir ecossistemas mais diversos e dinâmicos, ou fale de espécies ou habitats que mereçam uma protecção especial e explique porquê.

Juventude – Já dizia a canção que «a Primavera da vida é bonita de viver, tão depressa

o Sol brilha como a seguir está a chover». Opine, reflicta ou faça a sua análise sobre esta fase da vida composta por paixões e depressões.

Migrações – Ir viver para ou-tro país, região ou concelho pode representar não só uma mudança geográfica como também um choque cultural. Em que medida podem os mi-grantes alterar os hábitos dos locais para onde vão? Quais são os seus direitos? E os seus deveres?

Edição n.º 2Entrega: até 1 de MarçoSai a 11 de Março

Mulher – Catalogadas como “sexo fraco” durante séculos,

as mulheres têm hoje um pa-pel cada vez mais relevante. Escreva-nos com o seu ponto de vista acerca dos custos in-dividuais e sociais desta as-censão, recorde sufragistas como Ana de Castro Osório ou conte-nos histórias de ou-tras mulheres, reconhecidas ou nem por isso.

Teatro – Em Março celebra-se o Dia Mundial do Teatro, uma arte milenar que conti-nua a atrair espectadores. Se a vida é um palco em que todos desempenhamos um papel, terá qualquer um capacidade para ser actor? E como pode uma arte que vive da presença física competir com o apelo de novos mundos virtuais à distância de um clique?

Ecologismo – Há 25 anos teve lugar em Tróia o primeiro Encontro Nacional de Eco-logistas. Esteve lá e gostaria de recordar algum episódio curioso? E o que pensa da evolução do movimento eco-logista e da implantação des-tes ideais na nossa sociedade? Se ainda estamos longe de ser uma civilização sustentável, o que podemos todos nós fazer para passar a sê-lo?

Os artigos e afins devem ser enviados para o e-mail [email protected]. Caso não tenha possibilidade de usar este meio de comu-nicação, contacte-nos através do telefone 963 883 143, para, em conjunto, encontrarmos uma solução.

“ A Lenda da Moura Encan-tada é uma boa oportunidade para descontrair

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FICHA TÉCNICA:Propriedade e Editor: Prima Folia - Cooperativa Cultural, CRL Morada: Largo António Joaquim Correia, n.º 7 1º Dto - 2900-231 Setúbal Director: Luís Humberto Teixeira Subdirectores: José Luís Neto e António Serzedelo Consultor Especial: Fernando Dacosta Conselho Editorial: Anita Vilar, Hugo Silva, Leonardo da Silva, Maria Madalena Fialho e Patrícia Trindade Coelho Directora de Arte: Rita Oliveira Martins Consultor Artístico: João Raminhos Morada da redacção: Rua Deputado Henrique Cardoso, 30-34 - 2900-109 Setúbal E-mail: [email protected] Site: http://www.jornalosul.com Registo ERC: Periodicidade: Mensário Tiragem: 6.000 exemplares Impressão: Tipografia Rápida de Setúbal Morada da tipografia: Travessa Jorge d'Aquino, 1 r/c - 2900-389 Setúbal

Os PortuguesesMais generosos que ava-

ros, mais comunitários que individualistas, mais emotivos que racionais, mais espiritua-listas que materialistas, mais supersticiosos (Fátima) que devotos, mais líricos que pro-saicos, mais soltos que disci-plinados, mais improvisadores que metódicos, sempre des-prezados pelos poderes pú-blicos, os portugueses são um povo desejoso de abastança e solidariedade, um povo que defende ser a razão menos importante que a paixão, o calculis-mo menos impor-tante que a fruição lúdica da vida, um povo que, face aos interesses económi-cos, tem pugnado pelos valores do sentimento e da comoção, os valores do gregarismo e da generosida-de, os valores da partilha e do companheirismo, unidos e vinculados a um sentido transcendente orientador na busca da justiça, que desespe-ra por nunca chegar. Volta-se então para Nossa Senhora, es-perando do Céu o que a terra lhe nega.

A fibra de lutador dos Por-tugueses advém da sua his-tória e da sua cultura – uma história, primeiro, de guerra contra os mouros; depois, de guerra contra a natureza e os povos “pagãos” que descobria em África, no Oriente e no Brasil; finalmente, arredado da fruição do Ouro do Brasil, restrito às elites políticas, a luta pela sobrevivência numa vida em permanente miséria económica até à actualidade. Todas estas causas fizeram dos portugueses um povo menos votado a uma vida certa e ro-tineira e mais votado a uma vida improvisada, na qual cada um deveria “desenras-car-se” por si próprio ou no interior de um pequeno grupo de companheiros.

Dos Descobrimentos, ficou-nos uma fortíssima capacidade de improvisação

e a necessidade de, para além de tudo, acreditarmos que Nossa Senhora nos privile-gia e nos salva. Mais do que trabalharmos arduamente e criativamente, acreditamos que o euromilhões, um em-prego de ocasião, um negócio milagroso ou uma herança salva a nossa vida.

Da Idade Média, profun-damente religiosa, ficou-nos uma marca: o pensamento é superior à matéria e o es-pírito ao corpo. Assim, hoje,

sem transcen-dência espiri-tual de valores ligados à bele-za, ao bem e ao sagrado (mesmo à natureza como sagrado), Portu-

gal transformar-se-á numa mera região geográfica da Comunidade Europeia, cheia de sol, de turistas e de euros, coarctada, porém, do essen-cial da vida que realiza os po-vos e os cidadãos. Não são os Portugueses, no século XXI, analfabetos e pobres, como os albaneses ou os sudaneses, mas cidadãos culturalmente ignorantes, robôs movidos a dinheiro, tão alegres ex-teriormente quanto vazios e infelizes interiormente. O presente português alimenta-se da mutilação do homem, unidimensionaliza-o numa estreita visão economicista. O futuro consistirá na libertação deste homem-máquina e na assunção de um homem plu-ridimensional, aberto a todos os valores, vivenciando uma realização quotidiana assen-te na união entre o corpo e o espírito – pensar, amar, traba-lhar serão fundidos num único verbo: viver em plenitude.

Os Portugueses sempre defenderam um punhado de valores clássicos (lealdade, amizade, honestidade, gene-rosidade…), alimentado por um sentido transcendente da História e do Homem (Deus, para uns; o Homem/Huma-nidade, segundo a Declaração

Universal dos Direitos do Ho-mem, para outros). Este es-piritualismo nasceu de um conjunto de constrangimentos histórico-sociais muito par-ticulares: menos o privilégio ao indivíduo e à liberdade e mais ao gregarismo comuni-tário; menos a autonomia e independência da sociedade civil e mais o endeusamento do Estado (a “Corte”); menos a separação e distinção radical entre as esferas da religião e do Estado e mais a prevalência dos modos tra-dicionais de so-cialização do sa-grado; menos a generalização da riqueza do todo distribuída entre as partes e mais a concentração em pequenos grupos privilegiados; menos medidas de reforço da socie-dade civil e mais subordina-ção do todo da comunidade ao Estado; menos o trabalho

rigoroso e disciplinado, hora a hora, semana a semana, criando progressivamente riqueza própria, e mais a es-peculação de terras e imóveis, ou seja, menos produção e mais comercialização e es-peculação.

Portugal é um país igual aos outros, carregado de de-feitos e virtudes, mas com um jeitinho muito especial para

operar consensos. Porventura devido à sua localização geográfica (cabo da Europa, olhos vira-dos para o Atlânti-co e para África), à sua dimensão (país territorial-mente pequeno) e fraca capacidade económica, as ini-ciativas de Portu-gal não ameaçam

outras posições no tablado geoestratégico internacional. Neste sentido, nunca estando no topo das estatísticas mun-diais, os Portugueses também não se situam na base, antes

pelo contrário: situam-se no “meio”, ganhando a confiança dos que têm menos sem ame-drontar os que têm mais. É a posição do “meio” que serve permanentemente a Portugal – uma força “mediadora”, um povo de “capatazia”, como di-zia Agostinho da Silva, nem de arquitectos/engenheiros, nem de trolhas e pedreiros.

Assim, os Portugueses podem augurar a exercer um papel colectivo cada vez mais importante no conflito entre as nações, gerando oportuni-dades para a paz internacional, a justiça mundial, preparando um novo modelo organizati-vo e institucional onde mais prevaleça a harmonia que a desarmonia. Por outro lado, o jeito lento de sermos, a con-tenção na ambição de que somos feitos (consequência de 800 anos de cristianismo), a alegria natural de que so-mos possuídos sempre que em grupo, a predominância da afeição pelo sagrado (as romarias, os santuários, as procissões, Fátima) e o amor que devotamos à natureza (conservamos alguns dos mais selvagens – genuínos – parques naturais da Europa), podem funcionar como ele-mentos atractivos para os po-vos da Europa do Norte, mais frios, racionais, ambiciosos e trabalhadores do que nós, forçando-os a mudarem de vida e a seguirem as nossas pisadas, abandonando-se a uma vida calma, justa, harmó-nica, gregária, numa palavra, feliz.

A ideia portuguesa de Quinto Império, hoje, sécu-lo XXI, consiste justamente numa Europa harmónica com a natureza, um território de paz, um continente justo, uma terra da alegria, onde o traba-lho teria uma importantíssima componente comunitária e o Estado velaria pelas necessi-dades de todos os cidadãos.

Miguel Real,professor e escritor

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“ Acredita-mos que o euro-milhões (...) salva a nossa vida

“ Portugal é um país igual aos outros, carregadode defeitos e virtudes, mas com um jeitinho muito especial paraoperar consensos

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