novo regime de contratações militares

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1 Regime especial de contratações de produtos e sistemas de defesa militares no Brasil: oportunidade para desenvolvimento de uma Indústria Nacional de Defesa e Parcerias Público-Privadas 1 Lucas Navarro Prado 2 Denis Gamell 3 RESUMO: Este artigo trata do novo regime de contratações de produtos e sistemas de defesa. Introdutoriamente, é comentada a inclinação atual do Estado Brasileiro para o incentivo de pesquisa e desenvolvimento ("P&D") por meio de uma política de compras governamentais. Com a Estratégia Nacional de Defesa, essa inclinação torna-se diretiva para Setor de Defesa Nacional. Focando no desenvolvimento de tecnologias sob domínio nacional e no fomento e reestruturação da chamada Base Industrial de Defesa, cria-se uma nova perspectiva de investimentos para as Forças Armadas após anos de desamparo. Na sequência, aborda algumas das novidades do regime especial, como regras especiais de licitação, conceitos como os de Empresa Estratégica de Defesa, Produto de Defesa, Sistema de Defesa, Produto Estratégico de Defesa e Parcerias Público-Privadas militares. O conceito de Empresa Estratégica de Defesa é examinado nos seus elementos essenciais. Um desses elementos, relativo ao controle societário por pessoas naturais brasileiras, não obstante, pode gerar discussão sobre sua constitucionalidade, em face das alterações promovidas na Ordem Econômica pela Emenda Constitucional nº 6 de 1995. Quanto ao âmbito de aplicação do novo regime, reflete-se sobre a redação legal, inclusive, sobre a eventual extensão do regime às polícias militares. Por fim, trata-se das oportunidades de Parcerias Público-Privadas no setor de Defesa e das vantagens contratuais alcançáveis nessa modalidade de contratação, bem como da hipótese de dispensa de licitação em casos potencialmente comprometedores da segurança nacional. 1 Os autores agradecem os comentários do Coronel Marcelo Meirelles e do advogado Rodrigo Bueno, que gentilmente leram e apontaram críticas relevantes a este artigo. Eventuais equívocos ou opiniões dissonantes que tenham permanecido neste artigo são imputáveis unicamente aos autores, devendo-se afastar qualquer responsabilidade dos revisores a quem ora se agradece. 2 Advogado especializado em infraestrutura, regulação e contratações governamentais. Sócio de Navarro Prado Advogados ( www.navarroprado.com.br ). Bacharel em direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Finanças Corporativas e Investment Banking pela Fundação Instituto de Administração da USP. 3 Acadêmico de direito da Universidade de Brasília (UnB). Colaborador de Navarro Prado Advogados (www.navarroprado.com.br ).

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Page 1: Novo Regime de Contratações Militares

1

Regime especial de contratações de produtos e sistemas de defesa militares

no Brasil: oportunidade para desenvolvimento de uma Indústria Nacional de

Defesa e Parcerias Público-Privadas1

Lucas Navarro Prado2

Denis Gamell3

RESUMO: Este artigo trata do novo regime de contratações de produtos e sistemas de

defesa. Introdutoriamente, é comentada a inclinação atual do Estado Brasileiro para o

incentivo de pesquisa e desenvolvimento ("P&D") por meio de uma política de compras

governamentais. Com a Estratégia Nacional de Defesa, essa inclinação torna-se diretiva

para Setor de Defesa Nacional. Focando no desenvolvimento de tecnologias sob

domínio nacional e no fomento e reestruturação da chamada Base Industrial de Defesa,

cria-se uma nova perspectiva de investimentos para as Forças Armadas após anos de

desamparo. Na sequência, aborda algumas das novidades do regime especial, como

regras especiais de licitação, conceitos como os de Empresa Estratégica de Defesa,

Produto de Defesa, Sistema de Defesa, Produto Estratégico de Defesa e Parcerias

Público-Privadas militares. O conceito de Empresa Estratégica de Defesa é examinado

nos seus elementos essenciais. Um desses elementos, relativo ao controle societário por

pessoas naturais brasileiras, não obstante, pode gerar discussão sobre sua

constitucionalidade, em face das alterações promovidas na Ordem Econômica pela

Emenda Constitucional nº 6 de 1995. Quanto ao âmbito de aplicação do novo regime,

reflete-se sobre a redação legal, inclusive, sobre a eventual extensão do regime às

polícias militares. Por fim, trata-se das oportunidades de Parcerias Público-Privadas no

setor de Defesa e das vantagens contratuais alcançáveis nessa modalidade de

contratação, bem como da hipótese de dispensa de licitação em casos potencialmente

comprometedores da segurança nacional.

1 Os autores agradecem os comentários do Coronel Marcelo Meirelles e do advogado Rodrigo Bueno,

que gentilmente leram e apontaram críticas relevantes a este artigo. Eventuais equívocos ou opiniões dissonantes que tenham permanecido neste artigo são imputáveis unicamente aos autores, devendo-se afastar qualquer responsabilidade dos revisores a quem ora se agradece. 2

Advogado especializado em infraestrutura, regulação e contratações governamentais. Sócio de

Navarro Prado Advogados (www.navarroprado.com.br). Bacharel em direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Finanças Corporativas e Investment Banking pela Fundação Instituto de Administração da USP. 3 Acadêmico de direito da Universidade de Brasíl ia (UnB). Colaborador de Navarro Prado Advogados

(www.navarroprado.com.br).

Page 2: Novo Regime de Contratações Militares

2

SUMÁRIO

1 Introdução....................................................................................................................3

2 Contexto de criação no Brasil de um regime especial de contratação para o Setor de

Defesa Nacional ...................................................................................................................4

3 Entendendo as novidades do novo regime de licitação para contratação de produtos e

sistemas de defesa ...............................................................................................................9

4 O conceito de Empresa Estratégica de Defesa ............................................................... 11

4.1 Possível discussão em torno da constitucionalidade do conceito de Empresa

Estratégica de Defesa...................................................................................................... 17

5 O que são produtos e sistemas de defesa e produtos estratégicos de defesa para efeito de

aplicação do regime especial de licitação ............................................................................. 21

5.1 Produtos de uso administrativo e sua contratação conjunta com PRODE ................ 25

6 Alguns comentários sobre a quem se aplica o novo regime............................................ 26

6.1 Referência a empresas privadas ........................................................................... 27

6.2 Referência a entidades controladas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos

Municípios: há possibilidade de extensão do regime especial às polícias militares estaduais e

outras forças? ................................................................................................................ 28

7 Oportunidade para desenvolvimento de PPPs............................................................... 30

7.1 Regime aplicável em casos de comprometimento da segurança nacional................ 36

8 Conclusão ................................................................................................................... 39

Page 3: Novo Regime de Contratações Militares

3

1 Introdução

O Estado Brasileiro tem se mostrado inclinado a incentivar a pesquisa e o

desenvolvimento (“P&D”) de tecnologias nacionais de forma geral. Entre outros

instrumentos, pretende se utilizar das compras públicas como incentivo nesse sentido4.

No Setor de Defesa Nacional, criou-se recentemente um regime especial de

contratação pública para produtos e sistemas de defesa militares que, em linhas gerais,

busca incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias nacionais e/ou a

transferência de tecnologias estrangeiras para o domínio nacional. Esse novo regime

está alinhado com a Estratégia Nacional de Defesa (“END”), aprovada pelo Decreto

Presidencial nº 6.703/2008, a qual estabelece, como um de seus eixos estruturantes, a

“reorganização da indústria nacional de material de defesa, para assegurar que o

atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas apoie-se em

tecnologias sob domínio nacional”.5

4 Chame-se a atenção, por exemplo, para alterações realizadas na Lei Federal nº 8.666/93, a Lei Geral de

Licitações e Contratações Públicas do Brasil (“Lei de Licitações”). De fato, a Presidência da República, por meio da Medida Provisória nº 495/2010, posteriormente convertida na Lei Federal nº 12.349/2010, introduziu diversas regras especiais de compras públicas para incentivar a pesquisa e o desenvolvimento

de tecnologias nacionais, com destaque para as seguintes alterações: a) passou a figurar como critério de desempate em licitações públicas a produção de bens ou a prestação de serviços por empresas que invistam em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no País; b) passou a ser admitida a previsão no Edital de margem de preferência adicional para os produtos manufaturados e para os serviços nacionais

resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País. Na prática, significa a possibilidade de a Administração Pública pagar mais por um produto nacional, em relação a um produto estrangeiro, e ainda um pouco mais se o produto for resultante de inovação ou desenvolvimento tecnológico realizado no País. O limite para essa margem de preferência é de até 25% sobre o preço dos

produtos manufaturados e serviços estrangeiros; c) passou a ser admitida, nas contratações destinadas à implantação, manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados estratégicos em ato do Poder Executivo Federal, que a l icitação seja restrita

a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País. 5 Até a presente data, aguarda apreciação pelo plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Decre to

Legislativo nº 818/2013 que se aprovado tornará vigentes as novas Estratégia Nacional de Defesa e Política Nacional de Defesa (“PND”), assim como o Livro Branco de Defesa Nacional (“LBDN”). O

documento da nova END no tocante à Indústria de Defesa segue em linhas gerais as mesmas orientações da END anterior. A apreciação da matéria pelo Congresso Nacional está de acordo com o que prescreve a Lei Complementar nº 136 de 25 de agosto de 2010, segundo a qual o Poder Executivo

deve encaminhar na primeira metade da sessão legislativa ordinária, de quatro em quatro anos, a partir de 2012, para apreciação do Congresso os documentos atualizados da END, da PND e do LBDN.

Page 4: Novo Regime de Contratações Militares

4

Além de incentivar P&D de tecnologia nacional e a transferência de tecnologias

estrangeiras para o domínio nacional por meio de regras especiais de compras públicas,

mormente as relativas à prática de offset6, o Estado Brasileiro também criou um regime

tributário diferenciado com o objetivo de tornar a indústria nacional de defesa mais

competitiva.

Tanto o regime especial de contratações públicas de produtos e sistemas de

defesa, quanto o regime especial tributário para tais produtos e sistemas, foram

introduzidos na legislação brasileira por meio da Medida Provisória nº 544 de 29 de

setembro de 2011, posteriormente convertida na Lei nº 12.598 de 22 de março de 2012,

sem grandes alterações.

O regime especial de contratações de produtos e sistemas de defesa militares foi

regulamentado por meio do Decreto nº 7.970, de 28 de março de 2013. Já o regime

tributário especial para tais produtos e sistemas foi regulamentado pelo Decreto nº

8.122, de 16 de outubro de 2013.

O presente artigo pretende discutir o que é e a quem se aplica o novo regime de

contratações públicas de produtos e sistemas de defesa, tendo em vista o disposto na Lei

nº 12.598/12 e no Decreto nº 7.970/13. Não tratará, portanto, do regime tributário

especial supra mencionado.

2 Contexto de criação no Brasil de um regime especial de contratação para o

Setor de Defesa Nacional

6 As práticas de offset surgidas no cenário internacional no âmbito das contratações de defesa s e

caracterizam como formas de compensação prestadas pelo vendedor em face dos altos custos envolvidos na compra de produtos de defesa. No Brasil, o offset está regulado no setor de defesa pelas Leis nº 12.598, de 22 de março de 2012, pelo Decreto nº 7 .970, de 23 de março de 2013, ambos objetos

de estudo mais profundo por parte deste artigo, pela Portaria Normativa nº 764, de 27 de dezembro de 2002 do Ministério da Defesa, e por uma série de Portarias e atos normativos específicos de cada Força Armada. A prática, no entanto, já era admitida em nossa legislação geral de licitações e contratos administrativos, desde a publicação da Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010, e do seu

regulamento, o Decreto nº 7.546, de 02 de agosto de 2011. As práticas de offset tanto no setor de defesa quanto nos contratos administrativos em geral se caracterizam por medidas de compensação tais quais: (i) coprodução; (ii) produção sob licença; (iii) produção subcontratada; (iv) investimentos; (v)

transferência de tecnologia; (vi) countertrade; (vii) troca; (viii) counter purchase; e (ix) buy-back. Essas medidas requerem metodologia específica de aplicação que, no entanto, não cabe neste artigo tratar.

Page 5: Novo Regime de Contratações Militares

5

As contratações de produtos de defesa pelo Estado Brasileiro no Setor de Defesa

Nacional foram bastante reduzidas desde o início da redemocratização do Brasil em

meados dos anos 1980. As Forças Armadas, desgastadas perante a sociedade brasileira

após o período de aproximadamente duas décadas em que esteve à frente do governo e

diante da grave crise fiscal enfrentada pelo Brasil até o final da década de 1990,

receberam diminuta atenção orçamentária do Governo Federal, de maneira que pouco se

fez em termos de aquisição de produtos ou sistemas de defesa nesse período.

Nos anos 2000, dado uma sensível melhora das condições fiscais do Brasil, a

pretensão brasileira de ocupar uma nova posição estratégica no cenário geopolítico

global (inclusive, pleiteando um assento do Conselho de Segurança da ONU e enviando

tropas em missões de paz, destacando-se a missão para o Haiti), e ainda a descoberta de

grandes reservas de petróleo na costa brasileira (Pré-sal), o Governo Federal passou a

adotar uma postura mais favorável às Forças Armadas e às aquisições de produtos e

sistemas de defesa.

Destaquem-se quatro projetos ilustrativos dessa nova fase:

a) O PROSUB, Programa de Desenvolvimento de Submarinos, projeto em

andamento com custo total da ordem de 6,7 bilhões de euros envolvendo o

desenvolvimento e a produção de quatro submarinos convencionais (S-BR), a

construção do Submarino de Propulsão Nuclear (SN-BR), compra de

torpedos e despistadores, projeto e construção de um estaleiro e uma base

naval no município de Itaguaí (RJ), além de transferência de tecnologia e

offset.7

7 PROSUB - Programa de Desenvolvimento de Submarinos, 2011, https://www.mar.mil.br/menu_v/ccsm

/temas_relevantes/prosub-completo.pdf, acessado em 10 de julho de 2013.

Page 6: Novo Regime de Contratações Militares

6

b) O SISFRON, Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras, projeto

cujo objeto consiste em síntese no serviço de implantação e integração de

sistema de sensoriamento, de apoio à decisão e de apoio à atuação

operacional integrada de diversos agentes de defesa nas faixas de fronteira

terrestre do País, está orçado em um valor global de R$ 839.664.954,32,

sendo titular do contrato o consórcio Tepro formado pelas empresas Savis

Tecnologia e Sistemas S/A e OrbiSat Indústria e Aerolevantamento S/A,

empresas controladas pela Embraer Defesa e Segurança.8

c) O projeto HX-BR, contrato com o consórcio de empresas Eurocopter e

Helibrás de produção e aquisição no Brasil de 50 helicópteros de médio porte

de emprego geral para as três Forças Armadas, avaliado em 1,89 bilhão de

euros.9

d) a compra de 36 caças supersônicos do modelo sueco Gripen NG,

fabricados pela SAAB, no valor total de US$ 4,5 bilhões, conforme

recentemente anunciado pela Presidente Dilma Rousseff, que deverá

implicar transferência de tecnologia para empresas brasileiras, as quais

participarão do desenvolvimento e da produção das aeronaves no Brasil.

Os valores envolvidos têm aumentado o interesse de diversas empresas,

nacionais e estrangeiras, pelo mercado brasileiro de compras de produtos e sistemas de

defesa.

Mas há uma marca peculiar nessas aquisições: o Governo Federal vem buscando

impor contrapartidas de transferência de tecnologia para empresas nacionais ou mesmo

a contratação de desenvolvimento integral de novos produtos sob a liderança de

empresas brasileiras.

8 SISFRON, http://www.ccomgex.eb.mil.br, acessado em 10 de julho de 2013.

9 Reaparelhamento – Brasil garante manutenção dos motores do helicóptero EC-725, 28 de setembro de

2011, http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?mostra=8575, acessado em 10 de julho de 2013.

Page 7: Novo Regime de Contratações Militares

7

Essa busca reflete o objetivo declarado do Governo Federal de fortalecimento da

defesa nacional mediante o desenvolvimento de uma Base Industrial de Defesa – BID

nacional capaz de apoiar o país em eventuais momentos de estresse militar com outras

nações. Nesse contexto, procura-se efetivamente transferir tecnologia militar ou apoiar o

seu desenvolvimento para ou por meio de empresas brasileiras, assim entendidas não

apenas aquelas que tenham operações e estejam devidamente autorizadas a funcionar no

Brasil, mas particularmente as que sejam controladas, em última instância, por cidadãos

brasileiros. Essa intenção fica muito clara com a criação do conceito de “Empresa

Estratégica de Defesa”, como se verá mais adiante.

Outro interesse do Governo Federal — além do desenvolvimento de uma BID e

o consequente fortalecimento da defesa nacional — é o desenvolvimento de tecnologias

que possam ter também aplicações civis e aumentar a produtividade da indústria

brasileira. Historicamente, diversas tecnologias difundidas no dia-a-dia das empresas e

pessoas físicas tiveram sua origem em pesquisas para desenvolvimento de tecnologia

miliar. Há inúmeros exemplos dessa utilização civil de tecnologia originalmente militar.

A título de ilustração, podem ser mencionadas: a tecnologia de micro-ondas

desenvolvida durante a guerra fria e adaptada ao uso civil na forma dos fornos de micro-

ondas; o GPS desenvolvido em 1973 no âmbito do Departament of Defense dos Estados

Unidos e atualmente acessível ao uso civil; e a internet, resultado dos esforços de

desenvolvimento tecnológico da Defense Advanced Research Projects Agency durante a

Guerra Fria.

É nesse contexto que o Governo Federal estabeleceu um marco legal específico

para as compras de produtos e sistemas de defesa, ao que tudo indica, justamente para

fomentar dois objetivos: transferir tecnologia para a indústria nacional e/ou viabilizar

economicamente o desenvolvimento de tecnologia por empresas brasileiras (no sentido

de empresas controladas por cidadãos brasileiros, em última instância).

Page 8: Novo Regime de Contratações Militares

8

Vale reconhecer a existência de críticas a esse novo modelo. Particularmente,

sob a perspectiva econômica, diz-se que o mercado brasileiro não teria dimensão

suficiente para incentivar o desenvolvimento de tecnologia por empresas brasileiras, se

comparado, por exemplo, ao mercado norte-americano ou europeu. Nesse contexto, a

tentativa de desenvolvimento de tecnologia militar própria, na fronteira do

conhecimento disponível, acabaria impondo custos elevados para o país sem perspectiva

de nos aproximar significativamente do nível tecnológico militar norte-americano ou

europeu. Segundo esse argumento, ainda, seria mais vantajoso financeiramente

simplesmente adquirir produtos com tecnologia estrangeira de nações amigas, com

compromissos de transferência dessa tecnologia, ao invés de inves tir no seu

desenvolvimento próprio. O Brasil conseguiria mais rapidamente tecnologia avançada e

a um custo inferior.

Embora a crítica parta de premissas fáticas verdadeiras — pois, de fato, os

mercados norte-americano e europeu para aquisição de produtos e sistemas de defesa

são substancialmente maiores que o brasileiro —, vale lembrar que o novo modelo não

impõe a opção de desenvolvimento de novas tecnologias nacionais. Ao contrário, uma

de suas alternativas é justamente privilegiar as compras que impliquem transferência de

tecnologia para o domínio nacional. Nesse contexto, a eventual decisão do Governo

Federal de apoiar o desenvolvimento de uma nova tecnologia militar, mediante uma

promessa firme de compra do produto ou serviço que venha a contemplar essa

tecnologia, é apenas uma alternativa e não necessariamente a solução a ser adotada em

cada caso concreto.

Outra crítica difundida está na avaliação sobre a conveniência de investir no

desenvolvimento tecnológico militar, enquanto o país apresenta diversas deficiências

crônicas nos seus sistemas de saúde, educação, habitação, transportes públicos etc.

Ora, novamente, é preciso ter em vista que o novo marco legal em questão

apenas incentiva o desenvolvimento ou a transferência de tecnologia por ou para

empresas nacionais, na hipótese de aquisição de produtos ou sistemas de defesa, e não

interfere na alocação de recursos orçamentários. Dessa perspectiva, não houve, por

conta de novo marco para contratações no setor de defesa, qualquer compromisso de

aplicação de recursos orçamentários adicionais nesse setor.

Page 9: Novo Regime de Contratações Militares

9

De qualquer forma, vale dizer que a crítica desconsidera a indução ao

desenvolvimento econômico por meio dos investimentos no setor de defesa. Conforme

já mencionado, diversas das tecnologias de uso civil foram inicialmente desenvolvidas

para uso militar. O aumento da produtividade e da competitividade da economia

brasileira depende, em larga medida, da sua capacidade de inovação. Nesse contexto, o

incentivo à inovação e ao desenvolvimento ou absorção de novas tecnologias se

constitui em um objetivo de política pública também do ponto de vista social. Não se

trata, pois, da mera busca pelo aumento da capacidade militar de se defender contra

agressões externas. Muito mais que isso, os investimentos no setor de defesa funcionam

como alavanca para o desenvolvimento e absorção de tecnologias na fronteira do

conhecimento humano.

3 Entendendo as novidades do novo regime de licitação para contratação de

produtos e sistemas de defesa

O regime especial de contratações públicas de produtos e sistemas de defesa

militares cria regras especiais em relação à Lei Federal nº 8.666/93.

Em particular, cria a possibilidade de restringir o acesso às contratações públicas

de produtos ou sistemas de defesa, de maneira que possam participar das licitações

apenas:

a. empresas brasileiras credenciadas como “Empresas Estratégicas de

Defesa”, cujo conceito será discutido mais adiante, sendo que essa

restrição pressupõe que o objeto da licitação se limite à contratação de

Produto Estratégico de Defesa (art. 3º, § 1º, inc. I, da Lei Federal nº

12.598/12); ou

b. fabricantes de Produtos ou Sistemas de Defesa produzidos ou

desenvolvidos no País ou que utilizem insumos nacionais ou com

inovação desenvolvida no País (art. 3º, § 1º, inc. II, da Lei Federal nº

12.598/12).

Além disso, permite que:

Page 10: Novo Regime de Contratações Militares

10

c. assegure-se à empresa nacional fabricante de produto de defesa ou a

Instituição Científica e Tecnológica (“ICT”) 10 , a transferência do

conhecimento tecnológico empregado ou a participação na cadeia

produtiva, no percentual e nos termos fixados no edital e no contrato (art.

3º, § 1º, inc. III, da Lei Federal nº 12.598/12).

Os itens “b” e “c” acima mencionados são mais simples de se compreender, pois

estão alinhados com outras regras já existente no marco geral de licitações e

contratações com a Administração Pública.

A possibilidade de que o Edital restrinja objeto da licitação à contratação de

produtos “produzidos ou desenvolvidos no País ou que utilizem insumos nacionais ou

com inovação desenvolvida no País” segue a mesma linha de outras alterações

promovidas na própria Lei Federal nº 8.666/93 no sentido de incentivar a produção e

inovação nacional bem como a geração de empregos no Brasil. A discussão que se pode

ter nesse ponto é saber em que medida se deve considerar um bem como produzido no

Brasil ou contendo inovação desenvolvida nesse mesmo país. A Lei Federal nº

12.598/12 não explicitou critérios específicos para essa avaliação; tampouco o Decreto

nº 7.970/13 tratou desses critérios. Na prática, diante dessa omissão, pode haver alguma

celeuma por conta de que boa parte dos produtos de defesa é constituída de peças e

tecnologias desenvolvidas e/ou fabricadas em diversas partes do globo terrestre.

Destaque-se, nesse contexto, a importância de que o Edital de Licitação preveja, clara e

objetivamente, os parâmetros caracterizadores da produção ou desenvolvimento no País.

10

Órgão ou entidade da Administração Pública orientada para a pesquisa científica ou tecnológica definida conforme a Lei nº 10.973 de 2 de dezembro de 2004.

Page 11: Novo Regime de Contratações Militares

11

A possibilidade de que o Edital exija “a transferência do conhecimento

tecnológico empregado ou a participação na cadeia produtiva”, para ou de “empresa

nacional fabricante de produto de defesa ou a alguma instituição perte ncente à

Administração Pública de ciência e tecnologia”, por sua vez, assemelha-se muito a outra

regra já introduzida em 2010 no regime geral de licitações e contratos com a

Administração Pública, que prevê a possibilidade de exigência de “medidas de

compensação comercial, industrial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de

financiamento”, tanto em favor da Administração Pública quanto de terceiros por ela

indicados de forma isonômica11. Trata-se da figura do offset, que se pretende difundir

não apenas no âmbito de contratos no setor de defesa, mas também em outras compras

governamentais, a fim de acelerar o processo de capacitação tecnológica da indústria

brasileira.

A grande novidade do regime especial de contratação de produtos e sistemas de

defesa, nesse contexto, fica por conta da possibilidade de restrição na licitação para

participação apenas de “Empresas Estratégicas de Defesa”, conceito apresentado no

próximo tópico.

4 O conceito de Empresa Estratégica de Defesa

A restrição à licitação para que participem apenas licitantes classificados como

Empresa Estratégica de Defesa (“EED”) se constitui em uma exceção ao regime geral

da Lei Federal nº 8.666/93.

EED pode ser resumidamente definida como toda pessoa jurídica credenciada

pelo Ministério da Defesa mediante o atendimento cumulativo de certos requisitos,

conforme o inc. III do art. 2º da Lei nº 12.598 de 2012. A Lei estabelece não só um

conceito, sobre o que é EED, mas também uma competência, a de o Ministério da

Defesa credenciar como EED quem preencher certos requisitos.

Os requistos para o credenciamento como EED, os quais devem ser atendidos

cumulativamente, são apresentados e discutidos brevemente nas linhas abaixo.

11

O art. 3º, § 11, da Lei Federal nº 8.666/93, prevê: “[o]s editais de licitação para a contratação de bens,

serviços e obras poderão, mediante prévia justificativa da autoridade competente, exigir que o contratado promova, em favor de órgão ou entidade integrante da administração pública ou daqueles por ela indicados a partir de processo isonômico, medidas de compensação comercial, industrial,

tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecida pelo Poder Executivo federal”.

Page 12: Novo Regime de Contratações Militares

12

1. Ter como finalidade, em seu objeto social, atividades específicas

relacionadas ao desenvolvimento e produção de Produto Estratégico de Defesa,

bem como serviços correlatos

O texto da Lei implica leitura cuidadosa, pois apresenta redação extensa e que

remete inclusive a outro dispositivo legal (art. 10). Na tentativa de consolidar o conceito

em uma única redação lógica, sugere-se que o estatuto ou contrato social contemple no

objeto da sociedade empresarial algo semelhante à seguinte redação: “prestação de

serviços de tecnologia industrial básica, elaboração de projetos, realização de pesquisa,

desenvolvimento e inovação tecnológica, assistência técnica, transferência de

tecnologia, industrialização, produção, reparo, conservação, revisão, conversão,

modernização e manutenção de Produto Estratégico de Defesa no País, incluídas a

venda e a revenda somente quando integradas às atividades industriais supracitadas”.

O ponto central desse requisito é que todas essas atividades orbitam em torno do

conceito de “Produto Estratégico de Defesa”, apresentado mais adiante neste artigo.

2. Ter no País a sede, a administração e o estabelecimento industrial,

equiparado a industrial ou prestador de serviços

O dispositivo não parece prescindir de maiores esclarecimentos. Dada a ausência

de uma regulamentação específica, sugere-se que sejam tomadas as definições de

estabelecimento industrial e equiparado a industrial por analogia do Direito Tributário.

Precisamente, são encontradas nos art. 8º e 9º do Decreto nº 7.212 de 2010 que

regulamenta o regime do IPI. Da mesma forma, a definição de estabe lecimento

prestador de serviço pode ser tomada da Lei Complementar nº 116 de 2003, art. 4º, que

dispõe sobre o ISS.

Destaque-se que existe aí uma especificidade em relação à Lei Federal nº

8.666/93, que com algumas exceções, veda “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos

de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu

caráter competitivo, (...) e estabeleçam preferências ou distinções em razão da

naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes” (itálico acrescentado).

Page 13: Novo Regime de Contratações Militares

13

O critério ora em comento se constitui em mais uma exceção a essa regra geral,

mas que não foi estabelecida na própria Lei Federal nº 8.666/93 e, isto sim, na lei

específica para contratação no setor de defesa.

3. Assegurar a continuidade produtiva no País

A Lei 12.598/12 não explica o que pretendeu com esse critério. O Decreto

7.970/13, que regulamenta a Lei 12.598, lança um pouco de luz sobre o tema, embora

permaneçam pontos obscuros sobre esse requisito.

De fato, o Decreto estabelece, como formas de assegurar a continuidade

produtiva no país, a apresentação nas licitações de garantias, a serem executadas no

caso de descontinuidade ou encerramento da pessoa jurídica, de:

i. transferência à União, quando requisitado, da tecnologia relacionada aos

PED;

ii. disponibilização da capacidade tecnológica e produtiva para outras EED;

iii. autorização da produção, sob licença, por outras EED;

iv. transferência da propriedade intelectual;

v. ressarcimento dos investimentos realizados pela União; ou

vi. garantias reais.

Aparentemente, esse é um tema destinado a ser construído nos editais de

licitação e, particularmente, nos respectivos contratos.

4. Dispor, no País, de comprovado conhecimento científico ou tecnológico

próprio ou que este seja complementado por acordos de parceria com

Instituição Científica e Tecnológica para realização de atividades conjuntas de

pesquisa científica e tecnológica e desenvolvimento de tecnologia, produto ou

processo, relacionado à atividade desenvolvida

Esse requisito pretende incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico no

país, o que, aliás, parece ser a tônica do marco legal de contratações no setor de defesa.

Page 14: Novo Regime de Contratações Militares

14

O “conhecimento científico ou tecnológico” em questão deve, em princípio,

estar relacionado com o objeto da licitação. Caberá ao Edital definir a forma como esse

requisito poderá ser comprovado.

A “Instituição Científica ou Tecnológica” de que trata o requisito ora sob

comento deve ser um “órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão

institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de

caráter científico ou tecnológico” (cf.: art. 2º, inc. X, da Lei Federal nº 12.598/12).

Destaque-se, assim, a necessidade de ser pertencente à Administração Pública.

Embora não haja ilegalidade ou inconstitucionalidade na exclusão de instituições

científicas ou tecnológicas privadas, a restrição é inconveniente. Não parece haver

razoabilidade na exclusão de instituições privadas. O critério deveria ser, assim como a

tônica da Lei, a origem brasileira dessa instituição, e não sua natureza jurídica pública

ou privada.

5. Assegurar, em seu ato constitutivo ou no ato de seu controlador direto ou

indireto, que o conjunto de sócios ou acionistas e grupos de sócios ou acionistas

estrangeiros não possam exercer em cada assembleia geral número de votos

superior a 2/3 (dois terços) do total de votos que puderem ser exercidos pelos

acionistas brasileiros presentes

Esse critério, embora se constitua em novidade legislativa, reflete regra do

estatuto social da Empresa Brasileira de Aeronáutica – EMBRAER (art. 4º, III, “b”),

sociedade de economia mista privatizada durante o Governo FHC, segundo a qual “o

conjunto dos acionistas e grupos de acionistas estrangeiros não poderá exercer votos em

número superior a 2/3 do total de votos conferidos ao conjunto de acionistas brasileiros

presentes”.

Dois aspectos merecem ser destacados: (i) a linha de divisão entre acionistas

brasileiros e acionistas estrangeiros; e (ii) o fato de que, para efeito de atribuição do

número de votos aos acionistas estrangeiros, é preciso considerar o número de

acionistas brasileiros presentes, ou seja, é preciso saber e certificar quem de fato

participa da reunião de assembleia geral.

Novamente em linha com o disposto no estatuto da EMBRAER, a Lei Federal nº

12.598/12 considera como sócios ou acionistas brasileiros:

Page 15: Novo Regime de Contratações Militares

15

a. pessoas naturais brasileiras, natas ou naturalizadas, residentes no Brasil

ou no exterior;

b. pessoas jurídicas de direito privado organizadas em conformidade com a

lei brasileira que tenham no País a sede e a administração, que não

tenham estrangeiros como acionista controlador nem como sociedade

controladora e sejam controladas, direta ou indiretamente, por uma ou

mais pessoas naturais de que trata a alínea ‘a’; e

c. os fundos ou clubes de investimentos, organizados em conformidade

com a lei brasileira, com sede e administração no País e cujos

administradores ou condôminos, detentores da maioria de suas quotas,

sejam pessoas que atendam ao disposto nas alíneas ‘a’ e ‘b’.

Portanto, em última instância, o critério é o controle, direto ou indireto, por

pessoas naturais brasileiras, natas ou naturalizadas, residentes no Brasil ou no exterior.

Note-se que, na hipótese de controle indireto, a EED deve ser diretamente controlada

por meio de pessoas jurídicas com sede e administração no Brasil, mas indiretamente

controladas por pessoas naturais brasileiras, natas ou naturalizadas.

Esse tema levanta uma polêmica em torno da constitucionalidade da regra, tendo

em vista que a Emenda Constitucional nº 06/1995 suprimiu do texto constitucional as

distinções com fundamento no critério de nacionalidade do controle que separavam as

“empresas brasileiras” das “empresas brasileiras de capital nacional”, ponto que será

tratado na sequência.

Por ora, cumpre refletir um pouco sobre a regra que limita os votos dos

acionistas estrangeiros a 2/3 dos votos atribuídos aos acionistas brasileiros presentes.

O teor dessa regra deve fazer com que, do ponto de vista de incentivos

envolvidos, acionistas estrangeiros não tenham interesse em adquirir participação maior

que 40% no capital votante de Empresas Estratégicas de Defesa 1 2 . Eventualmente,

podem até adquirir participação maior por conta dos interesses econômicos (distribuição

de dividendos, sobretudo), mas isso não refletirá em maior poder na definição dos

rumos da sociedade empresarial.

12

Agradecemos ao advogado e colega Fil ipe Maldonado que nos chamou a atenção para esse aspecto.

Page 16: Novo Regime de Contratações Militares

16

O quadro a seguir faz algumas simulações supondo que todos os acionistas

estejam presentes:

Tabela 1 - Participação estrangeira em EEDs e número máximo de votos a serem exercidos

Total de ações ou

quotas com direito a

voto de propriedade de

sócios presentes

Total de ações ou quotas

com direito a voto de

propriedade de sócios

brasileiros presentes

Total de ações ou quotas

com direito a voto de

propriedade de sócios

estrangeiros presentes

Número máximo de votos a

serem exercidos por sócios

estrangeiros (2/3 dos votos de

sócios brasileiros presentes)

1.000.000 900.000 100.000 100.000

1.000.000 800.000 200.000 200.000

1.000.000 700.000 300.000 300.000

1.000.000 600.000 400.000 400.000

1.000.000 500.000 500.000 333.333

1.000.000 400.000 600.000 266.667

1.000.000 300.000 700.000 200.000

1.000.000 200.000 800.000 133.333

1.000.000 100.000 900.000 66.667

Como se vê, a importância da participação estrangeira cresce até o ponto em que

alcança 40% do total de ações ou quotas com direito a voto. A partir desse ponto, ainda

que o sócio estrangeiro aumente sua participação, o seu número de votos total acabará

reduzido, a fim de impedir que se ultrapasse a proporção de 2/3 do total de votos dos

acionistas brasileiros presentes.

Outro ponto relevante de discussão envolve saber os limites para eventuais

acordos de acionistas. A razão é que alguns pactos societários induzem ou mesmo

impõem ao sócio com maioria de votos a transferência ou o compartilhamento do

controle de uma dada empresa para ou com sócios minoritários.

Page 17: Novo Regime de Contratações Militares

17

O conceito de controle trazido pelo art. 116 da Lei das S.A. é bastante mais

complexo e amplo que simplesmente a averiguação de quem detém a maioria de votos

em assembleias gerais. Daí a possibilidade de que se considere controlador quem, por

meio de acordo de acionistas ou de fato, efetivamente dirige as atividades e orienta o

funcionamento da companhia.

Já o requisito da Lei Federal nº 12.598/12 é específico e trata não propriamente

do conceito de controle, mas apenas da maioria de votos em uma dada assembleia geral.

Quais seriam, nesse contexto, os limites para a negociação de acordos de

acionistas, particularmente quanto ao estabelecimento de quóruns especiais de

aprovação no âmbito de Diretoria e de Conselho de Administração, poderes de veto, e

regras de eleição e destituição de administradores?

Embora a redação da Lei nº 12.598/12 não tenha sido explícita, parece-nos que a

melhor hermenêutica induz ao entendimento de que jamais poderá ser transferido o

controle para os sócios estrangeiros mediante acordo de acionistas ou instrumentos

assemelhados, sob pena de descaracterizar a “Empresa Estratégica de Defesa”.

A preocupação por trás da criação do conceito de EED está, obviamente, na

proteção dos interesses da nação e, daí, a exigência de que o comando da empresa esteja

a cargo de pessoas naturais brasileiras. Admitir que o controle seja indiretamente

transferido a ou compartilhado com sócios estrangeiros, mediante instrumentos

societários ou congêneres, implicaria burla ao espírito da lei, o que não se coaduna com

as regras da boa hermenêutica.

Em suma: as eventuais garantias oferecidas aos sócios estrangeiros, por

conseguinte, não podem chegar ao ponto de caracterizar compartilhamento ou

transferência de controle. Não pode haver dúvidas de que o comando da empresa esteja

nas mãos de pessoas naturais brasileiras. Essa a regra de ouro para se saber sobre os

limites para eventuais acordos de acionistas ou instrumentos congêneres.

4.1 Possível discussão em torno da constitucionalidade do conceito de Empresa

Estratégica de Defesa

Page 18: Novo Regime de Contratações Militares

18

O conceito de EED pode reacender discussão enfrentada durante a década de

1990 por ocasião da Emenda Constitucional de nº 6 de 1995 sobre empresas de capital

nacional e empresas brasileiras, todavia de capital estrangeiro.

Como foi demonstrado no tópico anterior, a exigência de que, nas assembleias,

por meio de disposições no ato constitutivo, o total de votos do conjunto de sócios

estrangeiros não possa exceder a 2/3 do total de votos passíveis de serem exercidos por

sócios brasileiros, não implica que a maioria do capital social seja composta por

brasileiros ou pessoas jurídicas controladas por brasileiros; consequentemente, são

possíveis diversas distribuições de capital quanto à origem. Todavia, na prática, a

exigência assegura aos brasileiros, entendidos por pessoas naturais, natas ou

naturalizadas, o controle efetivo da EED.

Antes da Emenda Constitucional nº 6 de 1995 ser editada, havia na Constituição

de 1988 uma distinção entre Empresas Brasileiras de Capital Nacional (“EBCN”) e

Empresas Brasileiras simplesmente.

O art. 170, que define os princípios gerais da ordem econômica, trazia como um

de seus princípios o tratamento favorecido às EBCN. Estas, por sua vez, eram definidas

no art. 171 como aquelas cujo controle efetivo estivesse em caráter permanente sob a

titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou

de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa

a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do

poder decisório para gerir suas atividades.

Havia também disposição no art. 176, § 1º que deferia somente à EBCN a

pesquisa e a lavra de recursos minerais e a exploração dos potenciais hidroenergéticos.

A Emenda Constitucional nº 6 teve o condão de substituir o princípio do

favorecimento das EBCN de pequeno porte pelo do favorecimento das empresas de

pequeno porte em geral, revogar todo o art. 171 e alterar a redação do art. 176, § 1º para

deferir as atividades que menciona a empresas brasileiras, entendidas por aquelas com

sede e administração no País.

Tabela 2- Antes e depois da Emenda Constitucional nº 06 de 1995

Antes da EC 06/95 Após EC 06/95

Tratamento favorecido para

pequenas empresas

Apenas empresas brasileiras de

capital nacional Empresas constituídas sob

legislação nacional, com sede e

Page 19: Novo Regime de Contratações Militares

19

administração no Brasil

Exclusividade para a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o

aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica

Apenas empresas brasileiras de

capital nacional

Empresas constituídas sob legislação nacional, com sede e

administração no Brasil

Preferência na aquisição de bens e serviços pelo Poder

Público

Apenas empresas brasileiras de capital nacional

Deixou de existir no plano constitucional.

Autorização para criação, por

lei, de proteções e benefícios especiais temporários para

desenvolver atividades consideradas estratégicas para

a defesa nacional ou imprescindíveis ao

desenvolvimento do País

Aplicável às empresas brasileiras de capital nacional

Deixou de existir no plano constitucional.

Ora a pergunta que aqui se poderia fazer é, se em face das alterações promovidas

pela Emenda Constitucional nº 6 de 1995, haveria ainda espaço no ordenamento para

uma distinção gerada entre empresas tal qual a que se cria com o conceito de EED.

Primeiramente, vale notar que o critério de EBCN era de “controle direto ou

indireto por pessoas físicas domiciliadas e residentes no País”, enquanto o critério de

EDD é, em termos, o controle efetivo, direto ou indireto, por pessoas físicas

consideradas brasileiras natas ou naturalizadas, residentes no Brasil ou no exterior, na

medida em que se condiciona o total de votos de estrangeiros a 2/3 do total de votos de

brasileiros.

Portanto, o critério de EBCN parecia estar mais associado ao critério de

domicílio que ao de nacionalidade propriamente dito. Em princípio, bastaria que a

pessoa física controladora fosse domiciliada no Brasil para que a empresa respectiva

pudesse ser enquadrara como EBCN. Já o critério de EED é estritamente relacionado

com a nacionalidade das pessoas naturais que, em última instância, controlam a

empresa.

Daí, conclui-se que, do ponto de vista formal, a Lei 12.598 não recupera o

conceito extinto com a EC nº 06/1995, mas estabelece um critério efetivamente distinto,

com foco na nacionalidade da pessoa natural, e não em seu local de domicílio ou

residência.

Page 20: Novo Regime de Contratações Militares

20

É interessante observar, ainda, a fim de dar resposta a essa questão, que a

Exposição de Motivos Interministerial nº 37/MJ/MF/MPOG/MPAS/MARE/MME, de

16 de fevereiro de 1995, que acompanhou o Projeto de Emenda Constitucional, PEC nº

5 de 1995, que resultou na Emenda nº 6, esclarecia: “Note-se que as alterações

propostas não impedem que legislação ordinária venha a conferir incentivos e

benefícios especiais a setores considerados estratégicos, inexistindo qualquer vedação

constitucional nesse sentido”.13

Concordante com a exposição de motivos foi o parecer da Comissão Especial

destinada a proferir parecer sobre a PEC nº 5 de 1995:“Por fim, lembre-se que as

mudanças sugeridas não impedem que a legislação ordinária venha a conferir

incentivos e benefícios especiais a setores considerados estratégicos, já que inexistiria

qualquer vedação constitucional nesse sentido”.14

De fato, a configuração da Constituição de 1988, após a alteração produzida pela

Emenda Constitucional nº 6, não criou amarras à legislação ordinária para a criação de

incentivos. É certo que revogou o conceito de EBCN e os incentivos e benefícios a ela

associados, mas não estabeleceu proibição em contrário para a legislação ordinária.

Todavia, seria simplista e equivocada uma interpretação da constituição que

simplesmente admitisse que o que fora revogado no âmbito constitucional pudesse

voltar da mesma forma nas vestes de lei ordinária.

Se o propósito da Emenda nº 6 era exatamente a revogação da distinção, em face

da necessidade de maiores investimentos de capital estrangeiro e não a mera

desconstitucionalização da distinção para que permanecesse em âmbito

infraconstitucional, não parece adequado supor que distinções tais quais as das EBCN

pudessem retornar ao ordenamento sem uma nova emenda constitucional.

Conforme a exposição de motivos e o parecer mencionado, o que se admite na

forma de lei ordinária diz respeito a setores estratégicos. Faz sentido, portanto, que uma

distinção que gere incentivos e benefícios como os que são dispensados no caso das

EED só exista motivadamente – e sob motivação de cunho eminentemente estratégico,

tal como concorrer para a defesa e a soberania nacionais.

13

Diário do Congresso Nacional, Seção I, Março de 1995, Quarta feira 15, p. 3246. 14

Diário do Congresso Nacional, Seção I, Março de 1995, Sábado 20, p. 10607.

Page 21: Novo Regime de Contratações Militares

21

Nesse sentido, entende-se ser constitucional, dentro do ordenamento brasileiro, o

conceito de EED com os benefícios que lhe são consequentes. Não obstante, embora

essa questão apenas possa ser resolvida, em última instância, pelo Supremo Tribunal

Federal, por ora, as disposições atinentes ao conceito de EED ficam amparadas pela

presunção de constitucionalidade das leis.

5 O que são produtos e sistemas de defesa e produtos estratégicos de defesa para

efeito de aplicação do regime especial de licitação

O conceito de Produto de Defesa (“PRODE”) foi definido no inc. I do art. 2º da

Lei nº 12.598 de 2012 como:

“todo bem, serviço, obra ou informação, inclusive armamentos, munições, meios de

transporte e de comunicações, fardamentos e materiais de uso individual e coletivo

utilizados nas atividades finalísticas de defesa, com exceção daqueles de uso

administrativo”.

Por sua vez, o conceito de Sistema de Defesa (“SD”) é definido no inc. III do art.

2º da mesma lei como: “conjunto inter-relacionado ou interativo de Prode que atenda a

uma finalidade específica”. Como se pode ver, o conceito de SD é dependente do

conceito de PRODE, deste modo, só se pode ter em vista o significado de SD

entendendo-se previamente o de PRODE.

Ora, o conceito de PRODE se estende por realidades bastante amplas: obras,

bens e serviços dos mais diversos podem ser abarcados dentro dele. Deste modo o que o

diferencia um PRODE de outras obras, produtos e bens, não é tanto a sua natureza, mas

a finalidade que lhe é atribuída. Tomando por premissa que a expressão ‘utilizados nas

atividades finalísticas de defesa’ se refere a ‘todo bem, serviço, obra ou informação’,

teremos que armamentos, munições e fardamentos, meios de transporte e de

comunicação, materiais de uso individual e coletivo, assim como quaisquer outros bens,

serviços e obras, serão PRODE apenas quando afetados às atividades finalísticas de

defesa.

Cabe compreender, então, o conceito de atividades finalísticas de defesa.

Page 22: Novo Regime de Contratações Militares

22

A Exposição de Motivos Interministerial nº 211/MD/MDIC/MCT/MF/MP que

acompanhou a Medida Provisória nº 544 de 2012, pode lançar alguma luz a este

respeito. A EMI nº 211 de 2012, ao comentar a Estratégia Nacional de Defesa (“END”),

lembra que um de seus eixos estruturantes é a reorganização da indústria nacional de

defesa, como uma forma de assegurar a autonomia no exercício das competências das

Forças Armadas. Além disso, comenta que, conforme a END, o atendimento das

necessidades de equipamento das Forças Armadas deve estar atrelado ao

desenvolvimento de tecnologias sob domínio nacional e prevê, como um dos objetivos

da medida provisória, a garantia da eficácia das contratações das Forças Armadas.1 5

A Medida Provisória nº 544 de 2011 foi desde o início vocacionada para

assegurar a eficácia das contratações das Forças Armadas para o devido cumprimento

de suas competências. Isso não mudou com a sua conversão na Lei nº 12.598 de 2012.

Trata-se de uma premissa suficientemente adequada para se concluir que, ao utilizar a

expressão atividades finalísticas de defesa, a lei pretendeu se referir justamente àquilo

que se atribui às Forças Armadas como sendo de sua alçada precípua, pois não seria

outro o objetivo da compra de produtos de defesa pelas Forças Armadas senão o de

viabilizar a realização de suas competências.

Não se quer dizer que há apenas essa forma de pensar o conceito, todavia parece

mesmo que o conceito de atividade finalística de defesa poderia ser integrado por

aquelas funções essenciais e atribuições subsidiárias das Forças Armadas, definidas na

Constituição e na Lei Complementar nº 97 de 1999 e, neste caso, consideradas pelo

mesmo diploma como atividade militar.1 6

15

“3. A END determina a organização da indústria de defesa para que possa ser assegurada ao País

autonomia operacional necessária ao exercício das competências atribuídas às Forças Armadas, sob o pressuposto de que a organização, o preparo e o emprego da Marinha, do Exército e da Aeronáutica devem corresponder ao desenvolvimento econômico e tecnológico nacional. 4. É nessa ordem de idéias que a END situa a reorganização da indústria de defesa como um de

seus eixos estruturantes, assegurando que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas esteja atrelado ao desenvolvimento de tecnologias sob domínio nacional. Para tanto, faz-se necessário capacitar a indústria para que conquiste autonomia em tecnologias indispensá veis à defesa

do País. 5. Com esses propósitos, o presente projeto de Medida Provisória visa a estabelecer regimes jurídico, regulatório e tributário especiais que inibam os riscos do imediatismo mercantil e assegurem a regularidade das compras públicas a partir de um planejamento criterioso, racional e voltado à eficácia

das contratações das Forças Armadas.” 16

Tenha-se em vista que a Constituição Federal definiu algumas das funções das Forças Armadas no seu art. 142, são elas em resumo: (i) a defesa da Pátria; (ii) a garantia dos poderes constitucionais; e (i ii) a

garantia da lei e da ordem por iniciativa de qualquer dos três poderes. Em seguida, o § 1º do mesmo artigo deixou para lei complementar a regulamentação das normas gerais de organização, preparo e

Page 23: Novo Regime de Contratações Militares

23

Portanto, ao tratar das funções e atribuições das Forças Armadas para a definição

de atividade finalística de defesa, é central a noção de que atividades finalísticas de

defesa são atividades exercidas pelas Forças Armadas ou diretamente relacionadas a

elas. Sendo assim, retomando o raciocínio anterior sobre PRODE, os mais diversos

produtos seriam PRODE sempre que estivessem afetados a essas funções e atribuições

das Forças Armadas.

Com a regulamentação levada a efeito pelo Decreto nº 7.970 de 2013, no

entanto, essas discussões sobre a substância do conceito de PRODE perdem um pouco

de sua relevância diante do estabelecimento de um procedimento formal para a

classificação de um produto como PRODE.

A classificação deve se realizar segundo as normas do Sistema Militar de

Catalogação das Forças Armadas - SISMICAT.17 Há três caminhos para a classificação

de um produto como PRODE: (i) por ação de um órgão do Ministério da Defesa

chamado Centro de Catalogação das Forças Armadas – CECAFA; (ii) por ação de

entidades de catalogação públicas ou privadas autorizadas pelo Ministério da Defesa,

desde que homologadas pelo CECAFA; (iii) ou, se o produto não for abrangido pelo

SISMICAT ou estiver em processo de catalogação, por ato do Ministro da Defesa em

face de proposta da Comissão Mista da Indústria de Defesa – CMID, órgão criado pelo

mesmo decreto para assessorar o Ministério da Defesa nos assuntos das contratações

militares.

emprego das mesmas forças. Por sua vez, a Lei Complementar nº 97 de 1999 que veio a regulamentar o art. 142, § 1º, tratou tanto das atribuições constitucionais das Forças Armadas como de outras subsidiárias. São atribuições tais como: (i) o próprio preparo das Forças Armadas que compreende planejamento,

organização e articulação, instrução e adestramento, desenvolvimento de doutrina e pesquisas específicas, inteligência e estruturação, além de atividades de inteligência e mobilização; (ii) o emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais, na garantia da lei e da ordem intestinas e na participação em operações de paz; (iii) atividades de defesa civil realizadas pelas

Forças Armadas; (iv) as atribuições subsidiárias das Forças Armadas de prevenção e repressão de delitos transfronteiriços e ambientais nas faixas de fronteira, no mar e nas águas interiores, além de outras atribuições subsidiárias específicas de cada Força, como a fiscalização do espaço aéreo, combate ao

tráfico de drogas e o cumprimento da lei dentro das águas nacionais; (v) a requisição das Forças Armadas pelos órgãos da Justiça Eleitoral na garantia de suas decisões e na garantia de votações e apurações. 17

Conforme o Manual do Sistema Militar de Cataloga ção (SISMICAT), Vol. I, 2ª ed. 2003, o SISMICAT

consiste em um sistema de normas e parâmetros para catalogação de itens, produtos, e empresas fornecedoras, adotando a uniformidade do NATO Codification System, o sistema de catalogação utilizado pela OTAN do qual o Brasil é signatário. Cada item ou empresa é catalogado de modo que se

permita a sua inequívoca identificação, compondo o Catálogo de Itens e Empresas - CAT-BR. Utilizando esse sistema de catalogação, é possível, entre outras coisas, a identificação dos itens pelo conceito a

Page 24: Novo Regime de Contratações Militares

24

Por sua vez, os produtos estratégicos de defesa (“PED”) foram definidos no inc.

II do art. 2º como: todo Prode que, pelo conteúdo tecnológico, pela dificuldade de

obtenção ou pela imprescindibilidade, seja de interesse estratégico para a defesa

nacional, tais como:

1. recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais;

2. serviços técnicos especializados na área de projetos, pesquisas e

desenvolvimento científico e tecnológico;

3. equipamentos e serviços técnicos especializados para as áreas de

informação e de inteligência.

Deste modo, PED é sempre uma espécie de PRODE qualificado por ser de

interesse estratégico para a defesa nacional em face de alguma das características que o

inciso menciona: conteúdo tecnológico, dificuldade de obtenção ou imprescindibilidade.

Essas três características não têm um conteúdo muito seguro para que se possa

afirmar com precisão o que seja um PED. Da mesma forma, a qualificação de “interesse

estratégico para a defesa nacional” não é precisa.

Todavia, a exemplificação seguinte daqueles PRODE que constituiriam PED nas

alíneas do inciso II – recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais, serviços

técnicos especializados na área de projetos, pesquisas e desenvolvimento científico e

tecnológico, equipamentos e serviços técnicos especializados para as áreas de

informação e de inteligência – permite ter alguma noção sobre que espécie de produtos

e que grau de conteúdo tecnológico, dificuldade de obtenção e imprescindibilidade

devem possuir.18

que servem, podendo-se identificar uma série de itens que correspondem a uma mesma finalidade conceitual o que, por sua vez, permite um maior controle de estoques e gerenciamento de aquisições. De outro lado, a adoção de um sistema uniforme de catalogação permite o controle centralizado das

compras das três Forças, assim como uma gestão centralizada mais eficiente. 18

Anote-se que esses produtos de defesa exemplificados nas três alíneas, são, inclusive com a mesma redação, objeto de dispensa de licitação conforme o Regulamento do inc. IX do art. 24 da Lei nº 8.666 de

1993, o Decreto nº 2.295 de 1997. O mencionado inciso da Lei de Licitações e Contratos estabelece como hipótese de dispensa de licitação aqueles casos em que houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional . Por sua

vez, o decreto ao regulamentar o inciso estabeleceu em seu art. 1º a dispensa de licitação para as compras e contratações de obras ou serviços quando envolverem: aquisição de recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais (inc. I); contratação de serviços técnicos especializados na área de projetos,

pesquisas e desenvolvimento científico e tecnológico (inc. II); e aquisição de equipamentos e contratação de serviços técnicos especializados para a área de inteligência (inc. III). Desde que,

Page 25: Novo Regime de Contratações Militares

25

A classificação de PED, conforme o Decreto nº 7.970/2013, é feita através da

reclassificação de produtos já classificados como PRODE, por ato do Ministro da

Defesa, precedido por proposta da CMID, desde que considerados de interesse

estratégico para a defesa nacional devido ao conteúdo tecnológico, dificuldade de

obtenção ou imprescindibilidade.

Em suma, nesse contexto, o que irá distinguir, na prática, um PRODE ou PED

de outros produtos é o critério formal da sua classificação como tal.

5.1 Produtos de uso administrativo e sua contratação conjunta com PRODE

A Lei nº 12.598 de 2012 exclui da definição de PRODE os bens, serviços e

obras de uso administrativo. É possível que em contratações cujo escopo abrangente

envolva alta complexidade e não poucas obrigações — como, por exemplo, ocorre nas

concessões administrativas, uma das modalidades de Parceria Público-Privada de que

trata a Lei Federal nº 11.079/04 —, surja a dúvida a respeito da possibilidade de, sob

um mesmo contrato, incluírem-se PRODE e outros objetos contratuais de finalidade

meramente administrativa.

Pense-se, apenas para ilustrar, em uma concessão administrativa que envolva a

construção e manutenção de um complexo militar com infraestrutura para guardar

material bélico, combustíveis etc., além de infraestrutura própria para instalações

burocráticas de cunho administrativo e a manutenção de ambas.

Não parece razoável que nesses casos a resposta deva ser uma separação

contratual, isto é, um contrato para PRODE e outro para produtos de uso administrativo,

ainda que o resultado final esteja interligado, pois, por óbvio, uma tal solução levaria a

um aumento da complexidade tanto na elaboração quanto na gestão dos projetos, assim

como dos custos e riscos dos projetos como um todo e sem que houvesse uma

justificativa plausível para tanto.

acrescente-se, a revelação de sua localização, necessidade, característica, especificação ou quantidade coloque em risco objetivos da segurança nacional.

Page 26: Novo Regime de Contratações Militares

26

Mais sensato, a princípio, parece ser que a contratação se realizasse de modo

conjunto. Os princípios da eficiência e da economicidade poderiam subsidiar de forma

muito clara esse entendimento. Portanto, havendo eficiências econômicas, como ganhos

com economias de escala ou de escopo, na elaboração de um projeto que envolva a

contratação ao mesmo tempo, tanto de PRODE ou SD como objetos de uso tão somente

administrativo, parece absolutamente sensato que a contratação ocorra por meio de um

único contrato regido pelo novo regime, o que, ao cabo, resulta em benefício da

Administração.

6 Alguns comentários sobre a quem se aplica o novo regime

As regras para se determinar o âmbito de incidência do novo regime de

contratações encontram-se insculpidas no art. 1º da Lei nº 12.598 de 2012.19 Levam em

consideração dois critérios: um, de natureza objetiva, porque envolve o objeto da

contratação; o outro, de natureza subjetiva, porque envolve o(s) sujeito(s) da

contratação.

O caput do art. 1º contém um critério objetivo para delimitar o alcance do

regime, pois estabelece os atos jurídicos sobre os quais este incidirá. São atos jurídicos

que ensejam a aplicação do regime: as compras, as contratações e o desenvolvimento de

produtos de defesa e sistemas de defesa. A separação entre compras, contratações e

desenvolvimento não é precisamente técnica. Compras e desenvolvimento são

operações contratuais que qualificam espécies do gênero das contratações, e. g.,

contratações de compra e venda e de desenvolvimento. Em outras palavras, apenas a

expressão contratações, por sua generalidade, incluiria em si contratos de compra e

venda, de desenvolvimento, assim como de prestação de serviços e de obras de modo

geral.

19

Art. 1o Esta Lei estabelece normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de

produtos e de sistemas de defesa e dispõe sobre regras de incentivo à área estratégica de defesa. Parágrafo único. Subordinam-se ao regime especial de compras, de contratações de produtos, de sistemas de defesa, e de desenvolvimento de produtos e de sistemas de defesa, além dos órgãos da

administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e privadas, as sociedades de economia mista, os órgãos e as entidades públicas fabricantes de produtos de defesa e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União, pelos Estados, pelo

Distrito Federal e pelos Municípios.

Page 27: Novo Regime de Contratações Militares

27

Os conceitos de produto de defesa e sistema de defesa, assim como de PED, já

foram tratados no tópico 5, inclusive quanto à possibilidade de contratação simultânea

destes com produtos de uso administrativo no tópico 5.1. Portanto, não há mais a

acrescentar sobre o entendimento a respeito do critério objetivo para incidência do

regime especial de contratação no setor de defesa.

Já o parágrafo único do art. 1º estabelece um critério subjetivo para delimitar a

incidência do regime, pois trata dos sujeitos que se subordinam à sua aplicação. Este

critério subjetivo merece alguns reparos. É disso que trata o presente tópico, em

especial.

Segundo a Lei, subordinam-se ao regime especial os órgãos da administração

direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e

privadas, as sociedades de economia mista, os órgãos e as entidades públicas fabricantes

de produtos de defesa e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pela

União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

É de se notar que, além de não haver restrição da incidência do regime aos

órgãos e entidades da administração direta e indireta que não sejam da esfera federal,

foram incluídas expressamente, no rol das entidades subordinadas, (i) as empresas

privadas e (ii) as entidades controladas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos

Municípios.

6.1 Referência a empresas privadas

A referência a “empresas privadas” precisa ser interpretada no âmbito de um

contexto mais amplo de licitações e contratações pelo setor público, bem como

considerando os objetivos da Lei em questão.

Claramente, a referência a “empresas privadas” no parágrafo único supracitado

não indica simplesmente a natureza jurídica da pessoa jurídica envolvida, até porque

tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista são tidas por

“pessoas jurídicas de direito privado” no âmb ito de nossa legislação, embora com

algumas peculiaridades quanto ao regime jurídico incidente. Portanto, o legislador

parece ter pretendido se referir, efetivamente, a empresas privadas no sentido de

oposição a empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista, que

são também listadas no indigitado parágrafo único).

Page 28: Novo Regime de Contratações Militares

28

Ora, naturalmente, as empresas privadas que contratarem com a Administração

PRODE ou SD se subordinam ao regime especial, mas se subordinam como empresas

que concorrem entre si para contratar com a Administração, participando de uma

licitação, ou como empresas que se sujeitam a serem escolhidas para contratar por meio

de processos de dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Não é cabível, por certo, qualquer interpretação de que as empresas privadas (em

oposição às empresas estatais) do setor de defesa tenham que se subordinar ao regime

da mesma forma que a Administração, isto é, sendo obrigadas a licitar ou a promover

processos de dispensa ou inexigibilidade para contratar. Nesse sentido, é mais feliz a

redação do art. 1º, parágrafo único da Lei nº 8.666 de 1993 que não gerou esse tipo de

confusão.20

A referência a empresas privadas (em oposição às empresas estatais), por

conseguinte, apenas pode ser compreendida quando se pensa que a Lei trata não apenas

do regime especial de licitação e contratação, como também do regime especial de

tributação. Quanto a esse último aspecto, por evidente, o objetivo da Lei era que as

empresas privadas pudessem se beneficiar desse regime especial tributário. O problema

hermenêutico é gerado pelo fato de que o parágrafo único, na sua literalidade, apenas se

refere ao regime especial de licitação e contratação. Todavia, esse problema de

interpretação pode ser facilmente contornado mediante uma leitura sistemática da Lei,

dado o contexto geral do sistema de licitações e contratações no Brasil.

6.2 Referência a entidades controladas pelos Estados, pelo Distrito Federal e

pelos Municípios: há possibilidade de extensão do regime especial às polícias

militares estaduais e outras forças?

20

Lei nº 8.666 de 1993: Art. 1

o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a

obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e

Municípios.

Page 29: Novo Regime de Contratações Militares

29

Sobre a inclusão de entidades controladas pelos Estados, pelo Distrito Federal e

pelos Municípios e a ausência de uma restrição às entidades que não as da

administração direta e indireta federais, a questão a ser destacada tem a ver com o

conceito de “atividades finalísticas de defesa” e sobre quem é responsável por executá-

las.

Em princípio, trata-se de competência da União a ser exercida pelas Forças

Armadas, i.e., a Aeronáutica, a Marinha e o Exército. Claramente, o legislador parece

ter pensado nas Forças Armadas como sujeito primordial do novo regime de

contratações no setor de defesa. A exposição de motivos da Medida Provisória nº 544

de 2011 corrobora essa tese. De fato, a EMI nº 211, de 2011, reitera diversas vezes a

ideia de contratações voltadas para as Forças Armadas.

Dessa perspectiva, não faria muito sentido a referência a entidades controladas

pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, dado que apenas a União possui

Forças Armadas.

Uma forma de dar sentido lógico a esse parte do parágrafo único em questão

seria admitir que o regime pudesse ser estendido não apenas às Forças Armadas, mas

também às demais forças militares, em especial às polícias militares estaduais. No caso

das guardas municipais, a extensão torna-se um pouco mais difícil, dado que são

essencialmente civis, e não militares. Existe um interesse econômico relevante nessa

extensão, particularmente em face do regime especial tributário envolvido e da

possibilidade de restrição à participação de Empresas Estratégicas de Defesa nas

respectivas licitações.

O contra-argumento a essa interpretação é que as polícias militares atuam

especialmente em questões de segurança pública, e não propriamente de defesa. A

própria Constituição da República tratou de separar o tratamento das Forças Armadas

(art. 142) daquelas forças responsáveis por segurança pública (art. 144).

Deve-se, sopesar, por outro lado, que a Estratégia Nacional de Defesa

(orientador geral que ensejou o novo marco de contratações no setor de defesa)

considera a questão da defesa nacional sob uma perspectiva muito mais ampla que

simplesmente a atuação das Forças Armadas. Daí, não seria descabido buscar também

uma interpretação mais extensiva do conceito de “atividades finalísticas de de fesa”,

quando se pensa no contexto geral da Estratégia Nacional de Defesa.

Page 30: Novo Regime de Contratações Militares

30

Essa interpretação mais extensiva teria um efeito muito benéfico sobre a

indústria, pois os produtos envolvidos em defesa (no sentido estrito de atuação das

Forças Armadas) e em segurança pública são, por vezes, quase idênticos. Dessa

perspectiva, seria possível pensar em uma escala muito maior para o mercado de

“produtos de defesa” e para as “empresas estratégicas de defesa” se os clientes puderem

ser não apenas as Forças Armadas, mas também as polícias militares e a polícia federal,

por exemplo. Isso está em linha com o objetivo maior da Estratégia Nacional de Defesa

de fomentar a Indústria de Defesa nacional.

Por evidente, existem outros interesses envolvidos no equacionamento dessa

questão, como, por exemplo, as consequências fiscais, dado que essa interpretação

extensiva poderia ensejar uma renúncia fiscal indireta, por conta do benefício tributário

envolvido (RETID).

Não é possível antecipar com segurança, nesse contexto, qual será a

interpretação dos tribunais de contas, dos demais órgãos de fiscalização e do próprio

Judiciário, caso se realize na prática uma interpretação que acabe por estender o novo

regime também às polícias militares estaduais e à própria polícia federal.

7 Oportunidade para desenvolvimento de PPPs

O novo marco de contratações para o setor de defesa lembrou especificamente

da alternativa de contratação por meio de concessões administrativas, uma das

modalidades de Parceria Público-Privada, de que trata a Lei Federal nº 11.079/042 1 .

Ficou expressamente admitida, assim, a realização de PPPs no setor de defesa, o que,

aliás, está em linha com a prática internacional.

21

Trata-se do art. 5º da Lei Federal nº 12.598, que assim estabelece: “Art. 5º As contratações de Prode ou SD, e do seu desenvolvimento, poderão ser realiza das sob a forma de concessão administrativa a que se refere a Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, observado, quando couber, o regime jurídico aplicável aos casos que possam comprometer a segurança nacional. § 1º O edital definirá, entre outros

critérios, aqueles relativos ao valor estimado do contrato, ao período de prestação de serviço e ao objeto. § 2º O edital e o contrato de concessão administrativa disciplinarão a possibilidade e os requisitos para a realização de subcontratações pela concessioná ria. § 3º Caso as contratações previstas

no caput envolvam fornecimento ou desenvolvimento de PED, mesmo que sob a responsabilidade dos concessionários, suas aquisições obedecerão aos critérios e normas definidos por esta Lei”.

Page 31: Novo Regime de Contratações Militares

31

Lembre-se que existe um conceito estrito de PPP na legislação brasileira, o qual

não se confunde com a expressão “public-private partnership” muito frequentemente

utilizada na literatura estrangeira. De fato, internacionalmente, o termo PPP tem sido

frequentemente referido para significar qualquer tipo de parceria de longo prazo entre o

setor público e o setor privado. Já no Brasil o acrônimo PPP se refere a dois tipos

específicos de contrato: concessão patrocinada e concessão administrativa22.

O tipo contratual aplicável ao setor de defesa é a concessão administrativa, cuja

definição, nos termos do art. 2º, § 2º, da Lei Federal nº 11.079/04, apresenta-se a seguir:

“contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta

ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”.

A primeira característica a se destacar é que esse tipo de contrato tem a natureza

de “prestação de serviços”. Usualmente, no entanto, é precedido de algum investimento

de monta por parte do parceiro privado, seja no desenvolvimento de um ativo específico

a ser explorado na prestação dos serviços objeto da PPP, ou ainda na formação de

recursos humanos e desenvolvimento de uma tecnologia ou produto.

De qualquer forma, o contrato de PPP não pode ser reduzido a um simples

contrato de construção de obra, ou de fornecimento de equipamento, ou ainda de

terceirização de mão-de-obra (cf.: art. 2º, § 4º, inc. III). Trata-se, como regra geral, de

um objeto complexo, cujo foco é a prestação de serviços, mas que pode ser precedido de

construção de obra e/ou fornecimento de equipamentos e outros produtos.

Pelas suas características e dado o contexto do setor de defesa, as PPP tendem a

se difundir primeiramente para atender aquelas demandas consideradas “atividades-

meio” das Forças Armadas, tais como, construção e manutenção de próprios

residenciais e prédios administrativos para abrigar pessoal das Forças, ou até mesmo

colégios militares. Essa parece ter sido a tendência, ao menos até o momento,

considerando-se a maior parte dos projetos de PPP em discussão no Brasil no âmbito

das Forças Armadas. Todavia, verificam-se também, embora com menos frequência,

projetos de PPP para desenvolvimento, modernização e/ou manutenção de veículos e

equipamentos, armamentos, e outros bens com aplicação direta em atividades de

combate.

22

Para uma discussão mais profunda acerca do conceito de PPP, recomenda -se a leitura da obra

Comentários à Lei de PPP: fundamentos econômico-jurídicos (Malheiros: 2007), de autoria de Lucas Navarro Prado (ora co-autor deste artigo), juntamente com Maurício Portugal Ribeiro.

Page 32: Novo Regime de Contratações Militares

32

O uso de PPPs para fins militares já possui amadurecida experiência no

estrangeiro, sendo diversos os países que possuem iniciativas desse jaez a exemplo do

Reino Unido e dos Estados Unidos. As possibilidades de estruturação de projetos de

PPP para fins militares são inúmeras e adaptáveis às necessidades de suprir ou

aperfeiçoar capacidades militares desejadas. Os projetos variam desde desenvolvimento,

planejamento, produção, manutenção, renovação e treinamento de pessoal envolvendo

determinados produtos como aviões, helicópteros, carros de combate, satélites até a

gestão de habitações militares. Tomem-se por exemplos:

1) Military Flying Training System ("MFTS") no Reino Unido, parceria

público-privada cujo contrato — de £ 635 milhões celebrado com a

Ascent, joint venture composta por Lockheed Martin e VT Group, e com

duração de 25 anos — tem por escopo prover as Forças Armadas

inglesas com treinamento avançado de pilotagem de jatos e a

infraestrutura adequada para isso.23

2) Future Strategic Tanker Aircraft ("FSTA") no Reino Unido, parceria

público-privada com objetivo de prover a Royal Air Force com aviões-

tanque e aviões de transporte para substituir os modelos em serviço

VC10 e Lockheed Tristars, contratada com a Air Tanker Ltd., consórcio

formado por Rolls Royce, Cobham, EADS e Thales Group, no valor de £

13 bilhões.24

23

Welcome to the UK Military Flying Training System Website, 2005,http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/

20050513213031/http://www.ukmfts.mod.uk/pages/faqprogramme.shtml, acessado em 10 de julho de 2013. 24

Ministry of Defence, Future Strategic Tanker Aircraft (FSTA)

http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/20121026065214/http://www.mod.uk/DefenceInternet/FactSheets/ProjectFactsheets/FutureStrategicTankerAircraftfsta.htm, acessado em 10 de julho de 2013.

Page 33: Novo Regime de Contratações Militares

33

3) Military Housing Privatization Initiative ("MHPI") nos Estados Unidos,

programa de parcerias público-privadas estruturadas em que ao parceiro

privado, por conta própria, é conferido a responsabilidade de construir,

operar, manter, aperfeiçoar e, por vezes, renovar a infraestrutura de

habitações familiares para militares. A política pública foi editada pelo

Congresso Norte-Americano em 1996 como parte do National Defense

Authorization Act para o ano fiscal de 1996. O programa resolveu muitos

dos problemas concernentes à habitação militar, principalmente,

problemas de restrições orçamentárias ao permitir a participação

competitiva da iniciativa privada. Como parte da política do Department

of Defense, um projeto de parceria deve gerar um benefício de no

mínimo US$ 3 em termos de desenvolvimento habitacional para cada

US$ 1 do contribuinte destinados ao projeto. Para o programa como um

todo, esse potencial de geração é, em média, de US$ 10 para US$ 1.25

As concessões administrativas no setor de defesa são instrumentos excelentes

para se alcançar o objetivo de fomento à Indústria Nacional de Defesa, pois resolvem

dois problemas graves que historicamente têm prejudicado o setor:

instabilidade das disponibilidades orçamentárias: o setor de defesa tem

sido tradicionalmente assolado por sucessivos cortes orçamentários,

havendo baixa previsibilidade de recursos disponíveis, particularmente

quando se avalia o médio e longo prazo. Evidentemente, as empresas

privadas têm dificuldade em mobilizar capital para o desenvolvimento da

Indústria Nacional de Defesa sem a perspectiva de disponibilidade

orçamentária das Forças Armadas, dado o mercado ainda incipiente. No

âmbito das concessões administrativas, no entanto, é possível afastar a

possibilidade de cortes orçamentários, bem como oferecer garantias de

adimplemento ao parceiro privado quanto aos pagamentos

governamentais que sejam devidos no âmbito da PPP26;

25

Military Housing Privatizations FAQs, http://www.acq.osd.mil/housing/faqs.htm, acessado em 10 de julho de 2013. 26

Isso não deve obscurecer o fato de que, ao se proteger a PPP contra cortes orçamentários, criam-se

pressões internas, no âmbito de cada Força, contrárias à celebração da PPP por parte dos gestores dos demais contratos. A razão é o temor de que, havendo necessidade de acomodar eventuais

Page 34: Novo Regime de Contratações Militares

34

contratos de curto prazo: como se sabe, no âmbito da Lei Federal nº

8.666/93, os contratos de prestação de serviços estão limitados a 5 anos

como regra geral e, no setor de defesa, em alguns casos, podem alcançar

vigência de 10 anos 27 . Já no âmbito das PPPs, o prazo pode ser

estabelecido em até 35 anos. Nesse contexto, as concessões

administrativas são instrumentos muito mais adequados para oferecer às

empresas privadas estabilidade de longo prazo na demanda pelos seus

serviços. Esse ponto também é fundamental para estimular as empresas

privadas a mobilizarem capital para o desenvolvimento de uma Indústria

de Defesa Nacional.

Recentemente, o Governo Federal tem demonstrado interesse em PPPs militares,

havendo projetos, inclusive, na pauta do Comitê Gestor de Parceria Público-Privada

federal28 em desenvolvimento:

contingenciamentos, os cortes serão dirigidos aos demais contratos em andamento, com exceção da(s) PPP(s). Isso implicaria um esforço fiscal maior por determinados departamentos da Força contratante, em comparação com aquele departamento responsável pela PPP (o qual não sofreria a pressão do corte orçamentário). Assim, a celebração de uma PPP pode significar a formação de “perdedores” e

“ganhadores”, do ponto de vista orçamentário, o que naturalmente tende a criar resistências ao desenvolvimento de um programa robusto de PPPs militares. Aliás, esse não é um problema exclusivo das PPPs no âmbito das Forças Armadas, mas presente em qualquer burocracia estatal organizada. 27

A possibilidade de vigência pelo prazo de 10 anos foi prevista no art. 57, inc. V, da Lei Federal nº

8.666/93. Segundo esse dispositivo, as hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, também da Lei Federal nº 8.666/93, admitem contratos com vigência por até 120 meses, caso haja interesse da administração. As hipótese específicas do setor de defesa são as seguintes : (a) quando

houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional; (b) para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais,

aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto; e (c) para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade

máxima do órgão. 28

Resolução nº 03 de 14 de dezembro de 2011 do CGPPP federal.

Page 35: Novo Regime de Contratações Militares

35

1) AGEFROT, Sistema de Abastecimento e Gerenciamento de Frota do

Exército Brasileiro, envolvendo provisão de combustíveis e lubrificantes

necessários às operações do Exército Brasileiro, implantação de sistema

que permita o monitoramento da frota terrestre e o controle do

fornecimento e do consumo de combustíveis utilizados durante os

deslocamentos e a construção, modernização, manutenção e operação de

postos de abastecimento de propriedade do Exército Brasileiro.29

2) PNRs (Próprios Nacionais Residenciais) do Complexo Naval em Itaguaí,

cujo objeto é a construção e gestão de habitações militares para os

militares que estiverem lotados no Complexo Naval de Itaguaí cuja

construção é parte do escopo do PROSUB como mencionado no início

deste artigo.30

3) Construção de Polo Tecnológico integrado ao Instituto Militar de

Engenharia ("IME") em Guaratiba - RJ, ainda em fase de planejamento

com a minuta da proposta de manifestação de interesse já tendo sido

enviada ao Ministério do Planejamento pelo Exército, prevendo a

construção de 1,5 mil habitações, pistas de voo aéreo não tripulado e

centro tecnológico para agregar instalações de diversas empresas ligadas

à área de defesa.31

4) Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, modernização da infraestrutura e

operação dos órgãos destinados ao reparo e à manutenção dos meios

navais.32

29

Planejamento convida iniciativa privada para apresentar projetos de PPP para o Exército Brasileiro e a Marinha do Brasil, 05 de março de 2013,

http://www.planejamento.gov.br/hotsites/ppp/conteudo/noticias/2013/130205_plan_convida.html, acessado em 10 de julho de 2013. 30

Planejamento convida iniciativa privada para apresentar projetos de PPP para o Exército Brasileiro e a

Marinha do Brasil, 05 de março de 2013, http://www.planejamento.gov.br/hotsites/ppp/conteudo/noticias/2013/130205_plan_convida.html, acessado em 10 de julho de 2013. 31

Nicholle Murmel ,Exército estuda PPP para construção de polo tecnológico, 27 de junho de 2013, via

Valor Econômico, http://www.forte.jor.br/tag/parceria -publico-privada/, acessado em 10 de julho de 2013. 32

Comitê Gestor de PPPs federais define projetos prioritários, 27 de agosto de 2012,

http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/comit%C3%AA-gestor-de-ppps-federais-define-projetos-priorit%C3%A1rios, acessado em 10 de julho de 2013.

Page 36: Novo Regime de Contratações Militares

36

5) NCMM, Novo Colégio Militar de Manaus, construção e manutenção de

novo Colégio Militar em Manaus, projeto com licitação prevista para

setembro de 2014.33

6) CEFAN, Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes,

implantação de infraestrutura, operação e manutenção de complexo

esportivo.34

7) Novo fuzil, fabricação e manutenção de novo fuzil desenvolvido pela

Indústria de Material Bélico do Brasil (“IMBEL”).35

Alguns desses projetos, como é o caso do NCMM, de CEFAN e dos PNRs do

Complexo Naval em Itaguaí, não parecem atinentes ao conceito de PRODE ou SD, pois

não estão tão diretamente relacionados ao que em tópico anterior se entendeu por

atividade finalística de defesa. Esses projetos estão mais próximos daquilo que foi

tratado como produtos de caráter administrativo. Sendo assim, a essas parcerias, em

tese, não se aplicam as regras do regime especial. A situação é diferente nas parcerias

cujo escopo pode ser claramente identificado como relativo a atividades finalísticas de

defesa.

As concessões administrativas, nesse contexto, estão aptas a revolucionar os

contratos com a Administração Pública no setor de defesa, oferecendo maior

previsibilidade, estabilidade e garantias às empresas privadas. A utilização desse

instrumento facilitará a prestação de serviços caracterizados como “atividades-meio”

das Forças Armadas, bem como tem potencial também para apoiar o desenvolvimento,

com mais qualidade e agilidade, de uma efetiva Base Industrial de Defesa nacional.

7.1 Regime aplicável em casos de comprometimento da segurança nacional

33

Projetos em andamento/prioritário, http://www.epex.eb.mil.br/index.php/ppp/projetos -em-andamento acessado em 10 de julho de 2013. 34

Comitê Gestor de PPPs federais define projetos prioritários, 27 de agosto de 2012,

http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/comit%C3%AA-gestor-de-ppps-federais-define-projetos-priorit%C3%A1rios, acessado em 10 de julho de 2013. 35

Comitê Gestor de PPPs federais define projetos prioritários, 27 de agosto de 2012,

http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/comit%C3%AA-gestor-de-ppps-federais-define-projetos-priorit%C3%A1rios, acessado em 10 de julho de 2013.

Page 37: Novo Regime de Contratações Militares

37

É interessante notar que o final do caput do art. 5º da Lei Federal nº 12.598/12

determina, quando couber, a observância do regime jurídico aplicável aos casos que

possam comprometer a segurança nacional. A Lei Federal nº 8.666/93, ao lado disso,

menciona uma vez em todo o seu corpo o comprometimento da segurança nacional, não

por outra razão, senão para fins de dispensa de licitação, cuja regulamentação se

encontra no Decreto nº 2.295/97.

Conforme o decreto, há duas possibilidades de dispensa de licitação nos casos de

comprometimento da segurança nacional.

Na primeira delas, serão dispensadas de licitação as contratações de obras ou

serviços quando a revelação de sua localização, necessidade, característica do objeto,

especificação ou quantidade coloque em risco os objetivos da segurança nacional e

forem relativos à (i) aquisição de recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais; (ii)

contratação de serviços tecnológicos especializados na área de projetos, pesquisas e

desenvolvimento; (iii) aquisição de equipamentos e contratação de serviços técnicos

especializados para a área de inteligência. Note-se, por sua vez, que se trata dos

mesmos tipos de contratações que exemplificam o conceito de PED na Lei nº

12.598/12.

Não obstante, esses casos de dispensa de licitação devem ser necessariamente

precedidos de justificativa quanto ao preço da contratação e quanto à escolha do

contratado, cabendo, ainda, a sua ratificação pela autoridade com a prerrogativa de

Ministro de Estado da pasta ou órgão competente.

A segunda possibilidade abarca as dispensas para os casos em que possa haver

comprometimento da segurança nacional não previstos na primeira hipótese de dispensa

de licitação. Nessas hipótese, passa a ser necessário para a dispensa que os casos sejam

submetidos à apreciação do Conselho de Defesa Nacional.

Page 38: Novo Regime de Contratações Militares

38

A grande vantagem da previsão contida na Lei nº 12.598/12 — ao

expressamente prever a possibilidade de aplicação da hipótese de dispensa de licitação

— é a supressão de uma lacuna jurídica, por vezes discutida no regime geral de PPPs:

saber se a estas se aplicam as normas de dispensa e inexigibilidade. Ao menos para fins

das PPPs militares que envolvam contratação de PRODE ou SD, portanto, quando possa

haver comprometimento da segurança nacional e desde que preenchidos as exigências

do Decreto nº 2.295/97, é possível concluir inequivocamente pela possibilidade jurídica

de dispensa de licitação36.

36

Registre-se que um dos coautores deste artigo, aliás, já havia se posicionado pela possibilidade de

aplicação das hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação, observados os limites do art. 175 da Constituição quando o objeto envolver a prestação de serviços públicos. Cite-se o trecho do livro conjunto de Maurício Portugal Ribeiro e Lucas Navarro Prado, registrando, já em 2007, em seus

Comentários à Lei de PPP: fundamentos econômico-jurídicos (Editora Malheiros), a posição desses autores: “Cabe, por fim, indagar se a exigência de realização de licitação contida no caput do art. 10 afasta a possibilidade de aplicação dos dispositivos sobre inexigibilidade e dispensa previstos na Lei 8.666/1993. A resposta a essa questão requer, em primeiro plano, separar as PPPs cujo objeto é a

prestação de um serviço público daquelas que tratam de atividade econômica em sentido estrito, pois o art. 175 da CF, ao exigir que a contratação de concessões de serviço público seja realizada ‘sempre através de licitação’, realizou essa separação. Por razões didáticas, tratemos primeiro do caso das PPPs

relativas à atividades econômicas em sentido estrito. Nosso entendimento é que, em relação às PPPs cujo objeto é a exploração de atividade econômica em sentido estrito, o art. 10 da Lei de PPP não afasta a aplicação dos casos de inexigibilidade e dispensa previstos na Lei 8.666/1993. O caso da inexigibilidade nos parece óbvio. Uma licitação é inexigível quando não há possibilidade de competição. Ora, a

impossibilidade de competição é um fato da natureza; se ele ocorre, mesmo que quiséssemos manter contrafaticamente a exigência do art. 10 acima, ela seria inútil. Resultaria em desperdício de recursos públicos em um procedimento licitatório que restará com apenas um participante, ou que não resultará em contratação, porque o eventual selecionado não será capaz de dar cabo do fim colimado. Já as

hipóteses de dispensa de licitação referem-se, em regra, a casos nos quais a licitação seria viável, mas cuja realização contrariaria algum interesse público entendido, na situação, como superior àqueles que exigem a licitação. Se a lei geral de contratos administrativos perfilha entendimento no sentido de que

há interesses públicos que devem prevalecer em situações específicas à própria exigência da licitação, não nos parece razoável que o mero silêncio da Lei de PPP sobre esse assunto tenha o condão de afastar a aplicação às PPPs dos dispositivos presentes na Lei 8.666/1993, que é subsidiária à Lei de PPP. Aqui, é importante assinalar que inexigibilidade e dispensa são institutos que desempenham funções

importantíssimas para a consecução de interesses públicos. O fato de que sejam muitas vezes usados indevidamente, para favorecer este ou aquele contratante, não é razão para se negar sua utilidade ou restringir sua aplicação. A providência contra o uso indevido da dispensa ou inexigibilidade deve ser a punição dos que as utilizam indevidamente; e não a poda, de forma genérica e preventiva, ou a

eliminação, por meio de uma hermenêutica extremamente restritiva, das possibilidades de uso de tais institutos. Já em relação às PPPs que envolvem a exploração de serviço público, elas estão sujeitas ao disposto no art. 175 da CF, o qual diz que as contratações de concessões de serviços públicos serão

realizadas “sempre através de licitação”. Temos que o efeito disso é que em relação às PPPs cujo objeto seja a exploração de serviço público não caberá a realização de dispensa de licitação. Parece-nos, entretanto, perfeitamente cabível a aplicação do instituto da inexigibilidade. Como já aludimos acima, o instituto da inexigibilidade trata de uma impossibilidade do mundo fático, do mundo material, que não

pode ser contornada. Tentativa de fazê-lo resultaria, como anotamos anteriormente, em prejuízos para a Administração. Já a dispensa de licitação é realizada em vista de interesses públicos que em determinadas situações a lei entende conflitantes e superiores à exigência de licitação. O ra, a valo ração

sobre a superioridade dos interesses que justificam a dispensa de licitação é realizada pela Lei 8.666/1993, que é a lei que atualmente disciplina o assunto. Como, entretanto, no caso das concessões

Page 39: Novo Regime de Contratações Militares

39

8 Conclusão

O novo regime de contratações de produtos e sistemas de defesa trouxe, na

esteira da Estratégia Nacional de Defesa, conceitos novos como os de empresa

estratégica de defesa (EED), produto de defesa, sistema de defesa, produto estratégico

de defesa e novidades no sistema de licitação e contratos, mormente a possibilidade de

realizar licitações: exclusivamente entre EEDs para contratações envolvendo produtos

estratégicos de defesa; destinadas a contratação de produtos ou sistemas de defesa

somente produzidos e desenvolvidos no país; e que assegure à empresa nacional defesa

ou a Instituição Científica e Tecnológica, a transferência de conhecimento tecnológico

ou participação na cadeia produtiva, no percentual e nos termos fixados no edital e no

contrato.

Ainda que sem pretensão de esgotar o assunto, tratou-se do conceito de EED e

principalmente de uma das exigências da lei para o credenciamento como EED: em seus

atos constitutivos deve ser assegurado que os votos de sócios estrangeiros não excedam

2/3 do total de votos de sócios brasileiros presentes. Foram avaliadas as implicações

dessa regra. Uma delas foi a conclusão de que não há incentivos para que os sócios

estrangeiros detenham mais que 40% do capital votante de uma EED. Sob a perspectiva

constitucional, entendeu-se que a diferenciação pelo critério de nacionalidade do

controlador (pessoal natural brasileira, nata ou naturalizada, em última instância) não

agride a Constituição da República de 1988, mesmo após a Emenda Constitucional nº 6,

de 1995.

O âmbito de incidência do regime especial de contratações é delimitado por dois

critérios, um objetivo e outro subjetivo.

Quanto ao primeiro critério, observou-se que incide sobre contratações versando

sobre produtos de defesa e sistemas de defesa. O conceito de sistema de defesa deriva

do conceito de produto de defesa, é sempre um conjunto inter-relacionado deste último

e que atenda a uma finalidade específica. Produto de defesa, por seu turno, consiste em

qualquer bem, serviço ou obra que esteja afetado a uma atividade finalística de defesa e

não seja de uso administrativo.

de serviço público, a Constituição estatui claramen te ser sua contratação sempre através de licitação,

deve-se entender que o interesse a fundamentar a realização de licitação nesses casos prevalece sobre qualquer outro. Por essa razão, não se aplicariam as hipóteses de dispensa previstas em lei”.

Page 40: Novo Regime de Contratações Militares

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Produto estratégico de defesa é uma espécie de produto de defesa que merece

uma classificação especial dado seu conteúdo tecnológico, dificuldade de obtenção ou

imprescindibilidade, além de interesse estratégico para a defesa nacional. A lei de

contratações de produtos de defesa exemplifica tipos de produto estratégico de defesa.

Quanto à contratação de produtos de defesa e sistemas de defesa juntamente com

produtos de uso administrativo, isto é, em um único contrato, não há motivos para

rejeitar essa possibilidade. A lei, apesar de excluir do conceito de produto de defesa os

produtos de uso administrativo, não deve excluir, por consequência, a aplicação do

regime quando houver benefícios de ordem econômica para Administração em contratar

produtos de defesa e de uso administrativo sob um mesmo contrato. Haja vista

economias de escala e de escopo, a existência de produto de defesa a ser contratado

conjuntamente com produto de uso administrativo deve atrair a aplicação do novo

regime, sem prejuízos para a legalidade da contratação.

Com relação ao critério subjetivo, a redação legal se mostra um pouco confusa.

De qualquer forma, parece-nos que a referência a empresas privadas (no sentido de

oposição a empresas estatais) deve ser interpretada sistematicamente, para que seus

efeitos se restrinjam à possibilidade de submissão ao regime especial tributário, e não ao

regime especial de licitações e contratações, a despeito da literalidade do parágrafo

único do art. 1º da Lei 12.598/12. Parece ter ocorrido um defeito de técnica legislativa,

que passou despercebido durante a tramitação da Medida Provisória na sua conversão

em lei.

A menção à possibilidade de aplicação do regime especial às entidades

controladas pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios abre espaço para

interpretações extensivas que permitam incluir, como sujeitos do novo regime, também

as polícias militares estaduais, sendo mais difícil essa extensão para as guardas

municipais, dado o regime essencialmente civil desses últimos agentes públicos.

Todavia, isso implica uma interpretação teleológica do novo marco legal, tendo em vista

o conceito amplo da Estratégia Nacional de Defesa, que pressupõe um estímulo ao

desenvolvimento da Indústria Nacional de Defesa.

Page 41: Novo Regime de Contratações Militares

41

A abertura para aplicação do regime especial também às contratações feitas

pelas polícias militares e polícia federal tornaria esse mercado muito mais interessante

para as empresas e fomentaria o desenvolvimento da Indústria Nacional de Defesa. Não

é possível antecipar, neste momento, no entanto, qual será a interpretação dada pelos

tribunais de contas, demais órgãos de fiscalização e o próprio Judiciário, caso essa

interpretação seja adotada nos editais de licitação.

Ademais, registre-se que o novo marco para o setor de defesa previu

expressamente a possibilidade de contratação de Parcerias Público-Privadas na

modalidade de “concessões administrativas”. As concessões administrativas estão aptas

a revolucionar os contratos com a Administração Pública no setor de defesa, oferecendo

maior previsibilidade, estabilidade e garantias às empresas privadas, particularmente

porque resolvem dois problemas históricos do setor: instabilidade das disponibilidades

orçamentárias e contratos de curto prazo. A utilização das PPPs poderá facilitar tanto a a

contratação de “atividades-meio”, quanto o desenvolvimento, com mais qualidade e

agilidade, de uma efetiva Base Industrial de Defesa nacional.

Por fim, destaque-se ter ficado assegurada a contratação por dispensa de

licitação para as PPPs em que haja risco de comprometimento da segurança nacional,

observado a regulamentação vigente específica sobre esse ponto. Isso elimina, ao menos

para esse tipo de PPP, uma discussão acadêmica que se tem visto, por vezes, em torno

da possibilidade de aplicação de hipóteses de dispensa de licitação às PPPs em geral.

Brasília, 22 de dezembro de 2013.

Page 42: Novo Regime de Contratações Militares

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