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DADOS DE COPYRIGHTSobre a obra:A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivode oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercialdo presente conteúdoSobre nós:O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devemser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site:LeLivros.us ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link."Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro epoder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."Nova Biblioteca de Ciências Sociaisdiretor: Celso CastroAndré ProusO Brasilantes dos brasileirosA pré-história de nosso país2a edição revistaZAHARJorge Zahar EditorRio de JaneiroSumárioIntroduçãoO estudo do passado e a arqueologiaBreve história da arqueologia no BrasilAsfontes da história pré-cabralina1Os primeiros habitantesAsdiscussões sobre a entrada do homem na AméricaO que sabemos sobre os primeiros sul-americanos?As“populações de Lagoa Santa”2A pré-história do Brasil meridionalOs primeiros ocupantes do litoral meridionalOs primeiros ocupantes das terras interioranas:as “Culturas” Umbu e HumaitáOs ceramistas do PlanaltoA arte rupestre meridional3A arqueologia do Pantanal4A pré-história do Brasil central e do NordesteOs caçadores-coletoresOs primeiros agricultores e ceramistasA arte rupestreOs aldeões (Aratu-Sapucaí e Uru)A tradição rupestre dos lajedosOs ceramistas do Maranhão5A onda tupiguaraniO domínio tupiguaraniA indústria tupiguaraniA vida comunitária: alimentação, guerra, rituais e arteA grande questão: qual é a origem dos Tupiguarani?6Arqueologia amazônicaAsprimeiras populaçõesA Tradição PolicromaA Tradição Incisa-PonteadaOcorrências (ainda) isoladas7Reflexões finaisLutar contra os mitos redutoresContinuidades e rupturas vistas pelos acadêmicosA arqueologia brasileira hojeGlossárioLeituras recomendadasCréditos das ilustraçõesIntroduçãoQUANDO SE ESTUDAM os habitantes do Brasil antes da chegada dos portugueses,é preciso inicialmente lembrar que o país é uma criação política recente, cujasfronteiras atuais não correspondem a limites entre as populações pré-históricas,exatamente como hoje existem índios Guarani tanto em parte do Brasil quanto noParaguai. Durante um bom período da pré-história, os moradores da baciaamazônica devem ter sido muito mais isolados das populações do Sul brasileiro queestes dos grupos que ocupavam os pampas argentinos. Por outro lado, tendemos apensar que as sociedades dos primeiros habitantes das terras baixas da América doSul eram muito parecidas com as dos remanescentes indígenas atuais; ou, então,procuramos uma imagem deles a partir de relatos dos cronistas nos séculos XVI eXVII, como Jean de Léry, Hans Staden, André Thevet, Gabriel Soares de Souza,Carvajal e os padres jesuítas.Ora, sabemos hoje que as sociedades indígenas estavam implantadas no Brasil hámais de 12.000 anos e tiveram muito tempo para se transformar. Por outro lado, os“índios” descritos pelos cronistas são essencialmente os Tupi e os Guarani do litoral,cujas sociedades e costumes eram muito distintos das tribos de outros gruposlinguísticos ou étnicos existentes naquela época.O estudo do passado e a arqueologiaEstamos acostumados a estudar as sociedades a partir dos textos escritos quealguns de seus integrantes deixaram (sobretudo quando se trata de sociedadespassadas) ou da observação direta (quando é o caso de populações vivas).

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DADOS DE COPYRIGHTSobre a obra:A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivode oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercialdo presente contedoSobre ns:O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nosso site:LeLivros.us ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link."Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."Nova Biblioteca de Cincias Sociaisdiretor: Celso CastroAndr ProusO Brasilantes dos brasileirosA pr-histria de nosso pas2a edio revistaZAHARJorge Zahar EditorRio de JaneiroSumrioIntroduoO estudo do passado e a arqueologiaBreve histria da arqueologia no BrasilAsfontes da histria pr-cabralina1Os primeiros habitantesAsdiscusses sobre a entrada do homem na AmricaO que sabemos sobre os primeiros sul-americanos?Aspopulaes de Lagoa Santa2A pr-histria do Brasil meridionalOs primeiros ocupantes do litoral meridionalOs primeiros ocupantes das terras interioranas:as Culturas Umbu e HumaitOs ceramistas do PlanaltoA arte rupestre meridional3A arqueologia do Pantanal4A pr-histria do Brasil central e do NordesteOs caadores-coletoresOs primeiros agricultores e ceramistasA arte rupestreOs aldees (Aratu-Sapuca e Uru)A tradio rupestre dos lajedosOs ceramistas do Maranho5A onda tupiguaraniO domnio tupiguaraniA indstria tupiguaraniA vida comunitria: alimentao, guerra, rituais e arteA grande questo: qual a origem dos Tupiguarani?6Arqueologia amaznicaAsprimeiras populaesA Tradio PolicromaA Tradio Incisa-PonteadaOcorrncias (ainda) isoladas7Reflexes finaisLutar contra os mitos redutoresContinuidades e rupturas vistas pelos acadmicosA arqueologia brasileira hojeGlossrioLeituras recomendadasCrditos das ilustraesIntroduoQUANDO SE ESTUDAM os habitantes do Brasil antes da chegada dos portugueses, preciso inicialmente lembrar que o pas uma criao poltica recente, cujasfronteiras atuais no correspondem a limites entre as populaes pr-histricas,exatamente como hoje existem ndios Guarani tanto em parte do Brasil quanto noParaguai. Durante um bom perodo da pr-histria, os moradores da baciaamaznica devem ter sido muito mais isolados das populaes do Sul brasileiro queestes dos grupos que ocupavam os pampas argentinos. Por outro lado, tendemos apensar que as sociedades dos primeiros habitantes das terras baixas da Amrica doSul eram muito parecidas com as dos remanescentes indgenas atuais; ou, ento,procuramos uma imagem deles a partir de relatos dos cronistas nos sculos XVI eXVII, como Jean de Lry, Hans Staden, Andr Thevet, Gabriel Soares de Souza,Carvajal e os padres jesutas.Ora, sabemos hoje que as sociedades indgenas estavam implantadas no Brasil hmais de 12.000 anos e tiveram muito tempo para se transformar. Por outro lado, osndios descritos pelos cronistas so essencialmente os Tupi e os Guarani do litoral,cujas sociedades e costumes eram muito distintos das tribos de outros gruposlingusticos ou tnicos existentes naquela poca.O estudo do passado e a arqueologiaEstamos acostumados a estudar as sociedades a partir dos textos escritos quealguns de seus integrantes deixaram (sobretudo quando se trata de sociedadespassadas) ou da observao direta (quando o caso de populaes vivas). Dessaforma, os historiadores analisam sobretudo os documentos escritos, enquanto ossocilogos e antroplogos privilegiam a observao direta e os testemunhos orais.Quando queremos conhecer as sociedades indgenas desaparecidas, nodispomos de textos, pois elas no utilizavam a escrita. Por outro lado, as sociedadesamerndias que sobreviveram at hoje so poucas em relao s que existiramoutrora, e se modi?caram demasiado para oferecer uma imagem adequada dosprimeiros habitantes do territrio que hoje chamamos Brasil. Dependemos,portanto, exclusivamente dos vestgios materiais que eles deixaram, quase sempreinvoluntariamente, e com os quais nem historiadores nem antroplogos estoacostumados a tratar.Os especialistas que estudam esses restos de corpos, instrumentos, atividades,moradias dentro do contexto ambiental da poca so os arquelogos. Tm osmesmos objetivos dos outros pesquisadores das cincias humanas, mas apenasutilizam mtodos e tcnicas diferentes (relacionados s cincias da vida e daTerra), e dependem do estudo dos vestgios materiais. Isso os leva a dar grandeimportncia tanto ao que se convm chamar de cultura material quanto aosaspectos da vida quotidiana e ao ambiente no qual viveram as populaespretritas.Dessa forma, este livro fundamenta-se essencialmente em informaes obtidaspela arqueologia, embora elas sejam muitas vezes interpretadas em funo deteorias e conhecimentos relacionados antropologia.Com efeito, e como qualquer rea cient?ca, a arqueologia no expe fatosobjetivos que permitiriam atingir uma verdade absoluta, mas interpreta os indciosdisponveis em funo dos pressupostos dos arquelogos. Estes variam de acordocom o momento (tambm existem modas na cincia) e as tendncias dospesquisadores (h abordagens prticas e correntes tericas diferenciadas em cadapoca).Breve histria da arqueologia no BrasilNo Brasil, os primeiros estudos de vestgios arqueolgicos se devem a P. Lund, umpioneiro da paleontologia, que encontrou em 1843 ossadas humanas misturadascom as de animais desaparecidos nas cavernas de Lagoa Santa, em Minas Gerais.Naquela poca, acreditava-se que os grandes animais tivessem desaparecido com odilvio bblico, e Lund foi o primeiro a pensar na existncia de um homemantediluviano nas Amricas, mas nisso no foi seguido. Tambm descreveu para opblico europeu instrumentos de pedra polida encontrados pelos camponeses ea?rmou que os amontoamentos de conchas encontrados no litoral brasileiro (ossambaquis) eram obra dos primeiros habitantes do lugar. Isso foi importante para oreconhecimento da origem humana dos stios parecidos que existem no norte daEuropa.No ?nal do sculo XIX, foram realizadas as primeiras escavaes arqueolgicasnos sambaquis de Santa Catarina, por Von den Steinen, e em stios do Amap, porEmlio Goeldi. Na perspectiva daquela poca, tratava-se essencialmente deencontrar objetos que permitissem saber qual era o patamar evolutivo atingidopelos indgenas brasileiros em relao a uma escala estabelecida na Europa.Considerava-se que os nativos do Brasil eram muito primitivos, e que seusancestrais seriam incapazes de elaborar as belas cermicas e esculturas de pedraencontradas em vrios stios. Dessa forma, muitos atriburam as cermicasMarajoara a povos fencios ou gregos que teriam desembarcado aqui naAntiguidade , e as esculturas dos sambaquis a uma in?uncia das culturasandinas.Aomesmo tempo, R. Krne estudava os sambaquis do litoral de So Paulo ecorrelacionava, de modo pioneiro, suas variaes culturais s mudanasambientais, como as alteraes do nvel do mar. Infelizmente, quase no houveoutras pesquisas arqueolgicas durante a primeira metade do sculo XX.Foi preciso esperar at a segunda metade do sculo XX para que a arqueologia seimplantasse no Brasil, primeiramente sob orientao de pesquisadores franceses enorte-americanos (durante os anos 1950 e 1960), e, a seguir, com programasindependentes realizados pelos pioneiros formados por esses mestres estrangeiros.No ?nal dos anos 1960, um projeto Nacional de Pesquisa Arqueolgica(Pronapa), orientado por Betty Meggers e Cli?ord Evans, procurou montar umquadro preliminar da pr-histria dos estados da fachada martima, desde o RioGrande do Sul at o Rio Grande do Norte, a partir de prospeces e sondagensrpidas. Desse trabalho nasceram as principais Tradies ceramistas at hojereconhecidas.Os seguidores do Pronapa procuravam evidenciar, por meio da anlise dos restosde cermica pr-histrica, a disperso ao longo dos eixos ?uviais de grupos pr-histricos caraterizados por sua cultura material. Trabalhavam dentro da linha dodeterminismo ecolgico norte-americano (a ideia de que o ambiente localdetermina o grau de complexidade das sociedades que nele evoluram).Paralelamente, outros pesquisadores, quase sempre influenciados ou orientados porW. Hurt ou Annette Laming-Emperaire, estudavam os vestgios de populaes maisantigas a partir de escavaes amplas em stios escolhidos geralmente emsambaquis ou abrigos sob a rocha , e ateno especial foi dedicada chamadaarte rupestre, muito comum no Brasil central e nordestino.Com a anlise mais aprofundada dos stios de regies limitadas, essespesquisadores passaram a se interessar mais por reconstituir a evoluo doambiente local e a organizao do espao habitado.O nmero de pesquisadores comeou a crescer nos anos 1980, e hoje, emboraainda haja muita carncia de pro?ssionais (existem vrios estados sem ao menosum arquelogo residente), a maioria das pesquisas realizada por equipesnacionais. Com a criao da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), em 1980,houve uma abertura para novas in?uncias, em particular as vindas da arqueologiaprocessual anglo-saxnica, que pretendia alcanar maior cienti?cidade naarqueologia procurando leis permanentes que regessem as sociedades e suasrelaes com o meio.A partir dos anos 1990, vrios arquelogos criticaram algumas pretensesexageradas desse movimento (cujos princpios no chegaram a sersistematicamente aplicados ao Brasil), insistindo sobre o fato de que, tal comoocorre entre historiadores, cada gerao ou escola arqueolgica tem sua prpriainterpretao do passado, em funo da qual os fatos arqueolgicos soescolhidos e interpretados. Dessa forma, os arquelogos tornaram-se conscientes deque a pesquisa cient?ca no neutra, mas ideologicamente orientada. Hoje preciso equilibrar essa conscincia das limitaes de nossa interpretao com oesforo para se alcanar um mnimo de autocrtica, alm de procedimentos detrabalho que garantam o mximo de objetividade. Caso contrrio, corremos o riscode cair num ceticismo estril ou numa licenciosidade interpretativa quejustificaria qualquer posio poltica e tiraria a credibilidade da pesquisa cientfica.Um exemplo dos problemas que isso levanta a exigncia de indgenas de MinasGerais de participarem da reconstruo do seu passado. Em reunies de trabalhona Universidade Federal de Minas Gerais, em 2002, professores indgenascobraram a possibilidade de fazer sua prpria arqueologia, guiada por seus prpriosprincpios obviamente muito diferentes dos que regem os acadmicos formadospela sociedade dominante.De fato, ser que pode haver uma arqueologia branca e uma arqueologiaindgena, da mesma forma como houve uma arqueologia histrico-cultural euma arqueologia processual? Trata-se apenas de um problema ideolgico, do quala cincia teria de se manter afastada, ou seria a cincia ocidental tambm umaideologia como qualquer outra? Os partidos comunistas j falavam em cinciaburguesa oposta a uma cincia proletria, o que se provou catastr?co para abiologia sovitica. Ser que um arquelogo indgena formado pela universidadeocidental no absorveria as formas de pensar e os mtodos de seus mestres? Serque esses procedimentos no seriam inerentes prpria cincia? Por outro lado,ser o material arqueolgico pr-histrico patrimnio do Estado brasileiro (querepresenta a viso ocidental), ou dos indgenas (e, neste caso, de quais)?No pretendemos aprofundar aqui essa discusso, mas ela estar certamente nocerne dos debates dos prximos anos, como j acontece em outros pases decolonizao moderna como a Austrlia, os Estados Unidos e o Canad.Asfontes da histria pr-cabralinaVimos que todas as fontes da histria do territrio hoje conhecido como Brasil,antes da chegada dos europeus, so arqueolgicas ou seja, compostas de vestgiosmateriais deixados pelos homens e parcialmente preservados dos processos naturaisde degradao. Os ossos humanos informam sobre idade, sexo, caractersticasfsicas tanto individuais quanto diagnsticas de tipo de populao (evita-se o termoraa), posturas frequentes e tipos de esforos mecnicos, doenas e alimentao. Osrestos de animais pequenos fornecem dados sobre o ambiente local (umidade,temperatura); os de animais caados, sobre as escolhas e os hbitos de preparoalimentar. Os vegetais (raramente preservados) evidenciam as tcnicas de coletae/ou de cultivo, e as modificaes genticas sob domesticao.Os instrumentos de pedra (mais facilmente preservados, mas nem por isso osmais comuns na poca pr-histrica), de osso, de cermica ou artefatos vegetaisinformam sobre as tecnologias conhecidas pelo grupo que os fabricou, mas tambmas marcas espec?cas que diferenciavam a produo de um grupo com refernciaaos vizinhos (por vezes at se pode reconhecer o jeito de um indivduo). Osvestgios de uso nos artefatos (estudados no microscpio ou a partir de anlisesqumicas) podem indicar os produtos fabricados ou preparados. Os gra?smos(pinturas, gravuras) deixados em paredes (a chamada arte rupestre) ou empequenos objetos, assim como as esculturas e modelagens, permitem abordar aesfera do pensamento simblico por meio de temas, formas e ritmos privilegiadospelas populaes.Por outro lado, alm de vestgios culturais, importam os vestgios naturaisque informam sobre o paleoambiente: clima, vegetao, fauna e topogra?a, quemudam ao longo do tempo, in?uenciando as coletividades humanas. Alm disso,no somente a presena de vestgios que deve ser veri?cada, mas tambm aausncia de outros elementos: por exemplo, a excluso de determinado animal dadieta to significativa quanto a presena de outro; a ausncia sistemtica de ossosde criana num cemitrio pode ser to importante quanto a presena de esqueletosadultos.Mas a arqueologia no se faz apenas da coleta de objetos isolados. Somente arelao dos vestgios contemporneos entre si permite reconhecer as estruturasarqueolgicas e arriscar uma interpretao da vida quotidiana. Os vestgiosencontram-se em conjuntos que denominamos stios arqueolgicos. Estes podemconter vestgios de apenas uma ocupao ou de vrias delas. No segundo caso, necessrio tentar separar os restos de cada ocupao (seja esta um breve momentoou um perodo de vrios anos), o que se faz com escavaes estratigr?cas,procurando-se distinguir os estratos sedimentares uns dos outros. Trata-se de ummtodo de aplicao delicada que permite separar os objetos mais recentes dosmais antigos, sem tornar possvel calcular a idade exata dos estratos considerados.Para se obter uma cronologia mais precisa, devem-se obter dataes por mtodosfsico-qumicos. Destacam-se o do radiocarbono (que possibilita, em certascondies, calcular a idade da morte dos seres vivos a partir da radioatividaderesidual do carbono preservado em carves vegetais, em ossos ou em conchas) e oda termoluminescncia residual em torres de barro queimado e cacos decermica.Figura1. Escavao de um nvel datado em aproximadamente 11.000 anos naLapa Vermelha IV.Os stios arqueolgicos no so entidades isoladas, mas elementos dentro daocupao de um territrio por uma populao. Alguns deles re?etem ocupaessazonais, enquanto outros correspondem a habitaes de longa durao. Algunsmostram apenas atividades precisas e limitadas (cemitrios, locais de extrao dematria-prima, atelis de fabricao de instrumentos, locais de preservao dealimentos etc.), enquanto outros guardam vestgios de atividades diversi?cadas.Uns evidenciam a explorao de zonas baixas (por exemplo, para agricultura oupesca), enquanto outros correspondem a um uso casual (tal como caa, coleta dedeterminadas plantas ou realizao de rituais). Cada stio deve ser abordado deuma maneira espec?ca, e nenhum deles apresenta uma viso completa daocupao do territrio.Dessa forma, a prtica da arqueologia extremamente complexa, e o arquelogodepende da colaborao de vrios especialistas (bilogos, geomorflogos, fsicosetc.). Por outro lado, ele dispe apenas de fragmentos da realidade do passado sobretudo o lixo, e ainda por cima selecionado pelos agentes de degradaonatural. En?m, o processo de identi?cao e coleta em campo, bem como ainterpretao dos resultados de anlise, deve ser submetido a inmeras crticas:sero os stios estudados representativos das atividades da populao em pauta? Osvestgios apresentados so signi?cativos o bastante para sustentar asinterpretaes? Ser que alguns dos supostos instrumentos podem ter sidoproduzidos pela natureza? Os carves encontrados so de origem antrpica ouno? Os vestgios vegetais e sseos so restos de alimentao humana ou animal?Ou seriam restos de algum animal morto acidentalmente no lugar onde morava?Ser que a escavao foi realizada segundo o procedimento correto? Teria havidoperturbaes estratigr?cas no reconhecidas pelo arquelogo? Ou contaminaodas amostras datadas?Essas dvidas costumam ser levantadas em funo dos argumentosapresentados pelos arquelogos (sobretudo quando os resultados so inesperados) eda sua credibilidade em geral. Explicam por que vrios especialistas tm opiniesdivergentes a partir dos mesmos dados presentes numa publicao. A crticaesperada dos pesquisadores por seus pares a melhor garantia da qualidade daspesquisas futuras. Nas discusses aparecem os limites do trabalho realizado esurgem novas propostas para responder aos questionamentos.Tentaremos a seguir expor conhecimentos razoavelmente consensuais, e nodetalhar as discusses inteligveis apenas para os especialistas. Mas no deixaremosde mencionar as mais importantes controvrsias da atualidade.1Os primeiroshabitantesAsdiscusses sobre a entradado homem na Amrica SABIDO QUE A HUMANIDADE no nasceu nas Amricas, tendo penetrado nestecontinente em algum momento do Pleistoceno final (o Pleistoceno o perodo geolgico quese estende entre 2.000.000 e 10.000 anos AP*, ao qual sucede o perodo atual, oHoloceno). Mas quando entrou, onde e como? O fenmeno de povoamento do Brasil deveser considerado no panorama geral da colonizao das Amricas.No incio do sculo XX, acreditava-se que antepassados diretos dos asiticos atuais teriampenetrado recentemente (h poucos milnios) na Amrica do Norte, justi?cando o aspectomongoloide da maioria dos indgenas americanos. O francs Paul Rivet tinha, no entanto,obser vado que a conformao craniana dos homens de Lagoa Santa (mg), j consideradospossivelmente os mais antigos restos sseos conhecidos no continente, se pareciam mais coma dos australianos que com a dos asiticos. Imaginou, portanto, que teria havido tambmuma migrao para a Amrica do Sul a partir da Austrlia, pelo Pac?co meridional. Aspesquisas posteriores mostraram que a presena do homem nas ilhas do Pac?co era muitorecente, e a ideia foi abandonada.Em meados do sculo XX, veri?cou-se a presena de populaes humanas (as primeirasobservadas foram chamadas Clvis, em referncia ao nome do stio onde foramreconhecidas pela primeira vez, e as seguintes, Folsom) na Amrica do Norte desde cerca de11.500 anos atrs, durante um perodo mais frio que o de hoje (as temperaturas podiam serentre 6 e 10 abaixo das atuais). No incio, somente se conheciam desses grupos algunsstios de matana de grandes animais, como mamutes e bisontes de uma espcie hojeextinta. Com as ossadas desses animais apareciam alguns artefatos de pedra, tais como lascascortantes e pontas de dardo muito so?sticadas. Apresentavam-se, portanto, esses povoscomo grandes caadores, especializados na matana de animais de grande porte em zonasabertas uma pre?gurao dos ndios histricos que, aps terem aprendido a montar oscavalos introduzidos pelos europeus, passaram a caar os bisontes das grandes plancies.Somente nos ltimos anos foi possvel veri?car que as populaes Clvis estavamadaptadas a ambientes muito variados, inclusive s ?orestas do sudeste americano, ondeviviam da coleta de vegetais, complementada pela caa a animais de mdio e pequeno porte.De fato, j havia grupos bastante diferenciados, que tinham em comum sobretudo tcnicasoriginais de lascamento da pedra para extrair dos blocos de slex ou obsidiana longas lminascurvas e para fabricar pontas retocadas bifacialmente com uma delicada preparao parafacilitar o encabamento (a canelura, caracterstica das pontas de Clvis e de Folsom).Enquanto os caadores Clvis parecem ter perseguido os animais maiores com lanasmanuais e varas que os obrigavam a chegar muito perto das presas, os Folsom dispunham deum propulsor vareta com gancho que permite lanar facilmente dardos com forte poderde penetrao a cerca de 30m. De qualquer forma, nenhum desses grupos conhecia o arco.Os artesos Clvis escolhiam com cuidado as rochas de melhor qualidade para produzir seusso?sticados instrumentos, importando-as ou trazendo-as por vezes de centenas dequilmetros de distncia.At os anos 1990, a maioria dos arquelogos sobretudo os norte-americanos achavaque esses chamados paleondios haviam sido os primeiros habitantes do continente e queteriam penetrado na Amrica pela Berngia (uma faixa entre a Sibria oriental e o Alascaemersa durante boa parte do Pleistoceno). Com efeito, ao longo dos perodos glaciais, asprecipitaes ?cavam retidas, na forma de gelo, nas regies polares, provocando um d?cithdrico e um rebaixamento do nvel do mar (cerca de 120m em relao ao atual, h cercade 18.000 anos!). Dessa forma, os locais por onde teria acontecido a passagemintercontinental estariam hoje sob o mar, fora do alcance dos arquelogos.No entanto, as pesquisas realizadas nos ltimos decnios revelaram uma presenahumana inquestionvel entre 11.500 e 13.000 anos atrs na Amrica do Sul particularmente no Chile meridional (em Monte Verde), no Brasil central (Lapa do Boquete,em Minas Gerais, e Santa Elina, no Mato Grosso), no Nordeste e na Amaznia (MonteAlegre). Como consenso quase geral que os primeiros povoadores da Amrica chegarampela Berngia, isso signi?ca que estavam presentes na Amrica do Norte j havia milnios,portanto, anteriormente Cultura Clvis. Nos ltimos anos, stios como Cactus Hill (EUA),com dataes entre 12.000 e 25.000 anos, apresentam indcios bastante convincentes deocupao nesse perodo, e alguns outros ganham credibilidade tambm na Amrica do Sul.Alguns arquelogos acreditam ter encontrado evidncias ainda mais antigas da presenahumana, mas estas parecem duvidosas. No Brasil, o stio mais discutido no ?nal do sculoXX foi o abrigo sob rocha de Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara (PI),amplamente escavado ao longo dos anos 1970 e 1980. At a base so encontrados carves,conjuntos de pedras por vezes queimadas, blocos de quartzito e de quartzo toscamentelascados; plaquetas de quartzito com manchas vermelhas cadas da parede foraminterpretadas como vestgios de pintura.No entanto, todos esses elementos esto sob discusso. Um estudo recente dos carves defogueiras, entre os mais antigos, mostrou que eles esto rolados podem ser oriundos defogos naturais, sendo depois trazidos pelas enxurradas. Os supostos instrumentos lascadosso todos feitos a partir de seixos que at hoje caem no abrigo quando h chuvas fortes, deuma altura de 80m; alguns deles apresentam lascamentos espontneos parecidos com osque se encontram nos nveis pleistocnicos. Finalmente, as manchas pigmentadas no tmcomposio diferente da dos escorrimentos naturalmente presentes no paredo, emborauma estudiosa observe que apresentam granulometria mais constante.Recentemente, dataes de mais de 20.000 e 40.000 anos foram obtidas para umaconcreo que cobre uma pintura rupestre na mesma regio, implicando antiguidade aindamaior dessa ?gura. Mas a datao direta do pigmento por um mtodo geralmenteconsiderado mais con?vel indicou a idade de menos de 4.000 anos. Dessa forma, ?cadifcil acreditar na origem antrpica dos indcios mais antigos do Parque da Serra daCapivara. Em compensao, os vestgios humanos tornam-se evidentes e incontestveis porvolta de 11.000 anos atrs. Nos estados do Mato Grosso e de Minas Gerais, os abrigos deSanta Elina e da Lapa Vermelha foram tambm achados indcios datados entre 15.000 e30.000 anos, mas os arquelogos que os encontraram se mostram prudentes em suasinterpretaes.Figura2. Raspadeira de pedra, o mais antigo instrumento lascado de Minas Gerais.O que sabemos sobre os primeiros sul-americanos?A densidade das populaes pioneiras deve ter sido baixa embora su?ciente para evitar umisolamento gentico fatal. Assim, so poucas as chances de se preservarem e encontraremstios caractersticos, sobretudo levando-se em conta a raridade das pesquisas arqueolgicasem contexto pleistocnico. Os stios so raros, e as informaes muito fragmentrias.Sabemos hoje com certeza que os pioneiros encontraram um continente bastante diferentedo atual.Entre 20.000 e 12.000 anos atrs, a linha de costa estava longe da atual, e os stios quepoderiam documentar sua ocupao esto hoje submersos. No interior, as temperaturaseram mais baixas cerca de 6 o que signi?ca invernos rigorosos no sul do pas e geadas nasterras altas do sul de Minas Gerais, onde vicejavam ?orestas parecidas com as do planaltoparanaense, dominadas pelo pinheiro Araucaria. Boa parte do Brasil central e nordestino eramais seca que hoje, e os cerrados ocupavam muito espao, oferecendo pastos para manadasde grandes herbvoros hoje extintos: preguias terrestres gigantes, com at 4m decomprimento, em Minas Gerais, e 6m, na Bahia; mastodontes (espcie de elefantes),toxodontes (parecidos com hipoptamos) nos brejos, e cameldeos (parecidos com grandeslhamas) percorriam os espaos abertos sob o olhar atento dos ltimos tigres-dentes-de-sabree de pequenos ursos.Teriam os primeiros brasileiros caado esses grandes animais? provvel, embora no setenham achado provas de?nitivas, j que sobreviveram at 9.500 anos atrs, na regio deLagoa Santa. O osso do brao de uma preguia encontrada na Bahia ostenta marcas dedesarticulao e de corte dos msculos que somente podem ser creditados a instrumentosde pedra. Um osso de bacia de mastodonte de Lagoa Santa apresenta sinais de retirada delminas de osso que acreditamos tambm serem de origem humana embora este caso sejamenos claro. No stio chileno de Monte Verde, restos de ossos e pele de mastodonte,preservados em pntanos, parecem ter sido utilizados na edificao de moradias.No Brasil, no se conhecem instrumentos de pedra inquestionveis dessa poca. Vimosque os de Pedra Furada poderiam ser acidentais, e a idade de um instrumentoinquestionvel de Lapa Vermelha, encontrado em camada depositada h mais de 15.000anos, por ser isolado, est sob suspeita: o objeto poderia ter migrado de um estrato maisrecente sem que os escavadores percebessem sinais de perturbao. No foram encontradosrestos sseos humanos com mais de 11.500 anos, e podemos apenas supor que o aspectofsico dos paleoindgenas seria semelhante ao das populaes de Lagoa Santa conhecidas apartir dessa data.Aspopulaes de Lagoa SantaOs vestgios dessa poca, entre 12.000 e 8.000 anos atrs, so agora inquestionveis eocorrem em vrias partes do territrio brasileiro, o que signi?ca que este j estavadensamente ocupado. Quase todos os stios so abrigos sob rocha no porque os homensneles morassem normalmente, mas porque preservaram melhor os vestgios e so maisfacilmente localizados pelos arquelogos. Desconhecemos, portanto, as moradias principais,provavelmente edi?cadas a cu aberto. Descreveremos rapidamente alguns dos stios dereferncia.Lagoa Santa e serra do CipUm pouco ao norte de Belo Horizonte, a regio de calcrio de Lagoa Santa e a encosta daserra do Cip forneceram a maior coleo de esqueletos disponveis para o estudo biolgicodas primeiras populaes americanas. Muito parecidos entre si, formam a chamada raa deLagoa Santa; o mais antigo esqueleto, popularizado sob o nome de Luzia, foi encontrado noabrigo no IV da Lapa Vermelha.Figura3. Crnio de Luzia em fase de evidenciao.Grande nmero de abrigos e sales de entrada de grutas ainda na zona iluminada pelaluz natural foi utilizado como cemitrio entre 11.000 e 8.000 anos atrs. Dezenas decorpos (cerca de 80 na Lapa Morturia de Con?ns) em posio ?etida foram depositados empequenas covas, eventualmente embrulhados numa rede (Santana do Riacho); a terra quepreenchia a cova era misturada com pigmentos vermelhos. Colares de sementes vegetaisacompanhavam certos corpos, e blocos de pedra cobriam a fossa, protegendo-a dos animais.Nos abrigos de Santana do Riacho e de Cerca Grande VI, parte do espao disponvel erautilizado para trabalhar. Encontram-se ali milhares de lascas de quartzo, muitas delasobtidas ao se esmagarem os cristais sobre uma bigorna. As menores eram utilizadas comocanivetes, enquanto as maiores eram retocadas numa face para obter raspadores, ou emambas as faces para se tornarem pontas de projtil. Instrumentos lascados mais robustos(raspadeiras), porm menos cortantes e destinados ao trabalho da madeira, eram feitos apartir de plaquetas de quartzito marginalmente retocadas numa das faces. Ao mesmotempo, transportavam-se rochas resistentes (como a hematite, o an?bolito e o gabro) a partirde dezenas de quilmetros para fabricar, por picoteamento e polimento, lminas demachado e mos de pilo.Esse uso da tcnica do polimento (que permite obter gumes resistentes, embora menoscortantes que os criados pelo lascamento) encontra-se na mesma poca no Piau, mas noaparece nos demais stios brasileiros. S iria se generalizar milhares de anos depois.Com patas de veados faziam-se esptulas, e com a ponta dos chifres, sovelas. Foramencontrados tambm anzis e contas de osso para colares. Os restos alimentares incluemalguns cervdeos, mas sobretudo animais de porte mdio ou pequeno, como tatus. Nosabemos se esses vestgios representam a alimentao do dia a dia, mas a patologia dentriasugere uma dieta baseada muito mais em vegetais que em protenas animais.O vale do rio Peruau e a Lapa do BoqueteNo extremo norte de Minas Gerais, os abrigos do vale do rio Peruau preservaram magnficospisos de ocupao. Ali no foram encontrados esqueletos humanos desse perodo talvez oscorpos fossem sepultados fora dos abrigos. Os instrumentos de pedra eram feitos de slex, aslascas eram extradas do bloco de matria (chamado ncleo) segurando-o na mo e batendonele tangencialmente, sem uso de bigorna. As lascas so bem maiores que as da regiocentral de Minas Gerais, e os instrumentos mais tpicos, chamados lesmas, so muitorobustos e retocados numa das faces. No abrigo da Lapa do Boquete encontram-se, a oeste,espaos reservados s fogueiras alimentares, cheias de conchas de moluscos aquticos e decoquinhos queimados. Outros espaos eram reservados ao trabalho do osso (fabricao deesptulas), preparao de pontas de ?echa trabalhadas bifacialmente ou ao trabalho namadeira. Instrumentos descartados concentravam-se num buraco rodeado por pequenosblocos. Placas de calcrio, usadas para quebrar sementes duras, apresentam depressescaractersticas.A ocupao estendia-se do lado de fora do abrigo, onde se encontram os maioresinstrumentos lascados. Num canto do abrigo, os homens pr-histricos tinham reunido umagrande quantidade de concrees bonitas (chamadas prolas de caverna), e, num lugarde passagem, algum deixou cair tinta vermelha de um recipiente cheio demais. A leste,encontram-se poucos vestgios minerais ou orgnicos. Talvez aquele fosse um espao derepouso.Do Norte ao Sul do BrasilOs instrumentos pesados e espessos muitos deles em forma de lesma so particularmentecaractersticos desse perodo antigo em todo o Brasil central, no Nordeste e at na Amaznia(na Lapa Pintada de Monte Alegre); em vrias regies, esto associadas a pontas de projtilde slex ou de cristal de quartzo, delicadamente lascadas bifacialmente. Estes artefatoscaracterizam uma indstria ltica inicialmente reconhecida no estado de Gois e chamadaItaparica. Evidenciam uma certa mestria no lascamento, com utilizao de percutores(martelos) de madeira e a capacidade de retirar lascas laminares (compridas e estreitas)no processo de preparar os instrumentos de pedra retocados. Observa-se tambm um desejode padronizao dos instrumentos lascados que desapareceria no perodo posterior.Outros stios datados da transio entre os perodos Pleistoceno e Holoceno foramencontrados em outras regies, no Sul (ao longo do rio Uruguai) e no Oeste do Brasil (Lapado Sol, no Mato Grosso), mas suas indstrias parecem bastante diferentes. No Sul, so seixostoscamente lascados (choppers) ou lascas espessas simples, no muito caractersticas.O aspecto fsicoVimos que os Homens de Lagoa Santa apresentam caractersticas cranianas que osaproximam de populaes australianas e africanas atuais ou passadas, mais que dos gruposasiticos atuais. Pesquisas recentes evidenciaram traos similares nos demais esqueletos bastantes raros datados do incio do Holoceno e encontrados em outras partes da Amrica.Levantou-se, portanto, a hiptese de que a primeira leva de imigrantes seria formada pordescendentes dos primeiros grupos de Homo sapiens que saram da frica em direo aoExtremo Oriente. De l teria havido duas rotas de migrao: uma para o sul (os ancestraisdos aborgenes australianos) e outra para o norte, que teria alcanado a Amrica pelaBerngia. Dessa forma, esses pioneiros poderiam apresentar ainda feies bastante prximasdaquelas dos africanos primitivos. Nota-se que isso no implica obrigatoriamente uma cor depele escura, pois a permanncia em altas latitudes na sia e na Amrica poderia ter sidosu?ciente para modi?car essa caracterstica adaptada s zonas tropicais ensolaradas. Almde uma conformao peculiar do crnio, as populaes de Lagoa Santa, no Brasil central,apresentam outras feies que as distinguem dos grupos posteriores.Com efeito, a partir de 8.000 a 7.000 anos atrs, os esqueletos encontrados no Brasilapresentam morfologia mongolizada, muito mais parecida com a dos modernos indgenas.Uma possvel explicao que os habitantes da sia central sofreram uma evoluoadaptativa que os tornou semelhantes s populaes atuais. Uma nova migrao teria levadoparte desses povos mongolizados para a Amrica, onde teriam rapidamente sobrepujado osprimeiros ocupantes, seja por seu nmero, seja por serem portadores de caracteresgeneticamente dominantes em caso de mestiagem. Outra possibilidade seria uma evoluoparalela e convergente no sentido da mongolizao, tanto na sia quanto na Amrica. Masparece improvvel que isso tenha ocorrido em to pouco tempo na Amrica. De qualquerforma, trata-se de uma discusso para especialistas em bioantropologia.De fato, em algumas regies muito isoladas, populaes parecidas com a de Lagoa Santasobreviveram bem mais tempo por exemplo, na Baixa Califrnia (extremo noroeste doMxico).Haveria uma arte rupestre dessa poca?Muitos vestgios da Tradio Itaparica encontram-se em abrigos cujas paredes foramornadas com pinturas rupestres. Vimos que se encontraram pigmentos preparados emcamadas arqueolgicas desse perodo em Minas Gerais, no Piau e no Par. No entanto, astintas podem ter sido usadas para outros propsitos, e no parece haver prova de?nitiva deelaborao de gra?smos em suporte de pedra at cerca de 9.000 anos atrs. Em MinasGerais, por exemplo, os cemitrios exclusivos da populao de Lagoa Santa no apresentampinturas nem gravuras, e os poucos cujas paredes so decoradas foram ocupados tambmpor grupos posteriores, que poderiam ser responsveis pela execuo dos gra?smos. Ospesquisadores do Piau acreditam, no entanto, que algumas das ?guras da chamadaTradio Nordeste, com representaes de animais e seres humanos, j teriam sido pintadash mais de 10.000 anos.A sociedadeH pouca coisa que podemos a?rmar a respeito da vida social dessas populaes. A maioriados arquelogos brasileiros, inspirada nos tradicionais modelos norte-americanos, consideraque elas viveriam em bandos, ou seja, em grupos pequenos (com no mximo duas ou trsdezenas de indivduos), caracterizados por alta mobilidade, ausncia de hierarquia, e nosquais a nica diferena signi?cativa de status seria em funo de sexo e idade. De fato, amobilidade pode no ter sido to grande, particularmente nos territrios mais ricos porexemplo, nos ambientes martimos ou ao longo dos principais rios. Infelizmente, noconhecemos seus stios nessas condies. A movimentao de matrias-primas parece tersido bastante ampla, com pedras trazidas de dezenas de quilmetros, e, em Lagoa Santa,com a presena de conchas martimas que teriam viajado centenas de quilmetros. Masesses produtos podem ter sido adquiridos tanto por trocas sucessivas como por viagensrealizadas por poucas pessoas, e provavelmente no refletem movimentos de populaes.H diferenas culturais, expressas, por exemplo, pelo modo de sepultar os mortos (emabrigos, no centro de Minas Gerais; provavelmente fora deles, no norte desse estado, ou emGois), ou na forma de trabalhar a pedra: polimento em paralelo ao lascamento em certasregies, apenas lascamento em outras; fabricao ou no de instrumentos de tipo lesma,utilizao de percutores de madeira ou apenas de pedra para extrair lascas dos ncleos etc. claro que no devemos imaginar que essas diferenas pontuais re?etemobrigatoriamente etnias. possvel fabricar os mesmos instrumentos e falar lnguasdiferentes ou ter conceitos religiosos opostos. Do mesmo modo, pode-se falar a mesma lnguae diferenar-se no modo de sepultar os mortos. Mas somente podemos tratar as diferenas esemelhanas a partir dos vestgios disponveis. Estes evidenciam uma razovel diferenciaodos grupos quer tenham evoludo separadamente, desenvolvendo aptides e gostosdiferentes, quer mantivessem contatos, mas a?rmassem sua especi?cidade em relao aosoutros por meio de idiossincrasias algumas delas arqueologicamente visveis.Nos captulos seguintes, iremos apresentar a pr-histria das grandes regies brasileiras(Sul, Oeste, Centro, Nordeste e Amaznia). Somente a Cultura Tupiguarani, que estevepresente em vrias delas, ser objeto de captulo parte.*AP, antes do presente; por conveno, o presente o ano de 1950, em referncia descoberta da datao por carbono-14, em 1952.2A pr-histria doBrasil meridionalO BRASIL MERIDIONAL (desde o sul de So Paulo at o Rio Grande do Sul) comporta trsambientes principais que apresentam caractersticas arqueolgicas contrastantes: a plancielitornea, os planaltos e os vales do rios Uruguai e Paran.Os primeiros ocupantes do litoral meridionalApenas acerca de 7.000 anos atrs, o oceano que, a partir de 15.000 anos atrs, invadiaprogressivamente as terras emersas se aproximou do seu nvel atual e comeou a delinearas praias que conhecemos hoje. Dessa forma, os stios deixados pelos grupos que exploraram afaixa costeira antes dessa data esto submersos e ainda permanecem fora do alcance dosarquelogos.Os stios mais visveis na paisagem litornea so os conhecidos sambaquis, que ocupam olitoral do Rio de Janeiro at Torres (RS), mas existem outras formas de ocupao, como oscerritos da Tradio Vieira, no Rio Grande do Sul e no Uruguai, e os stios mais discretos daTradio Itaipu, no litoral do Rio de Janeiro.Os stios mais antigos que conhecemos so construes edi?cadas com valvas demoluscos, chamadas sambaquis; aparecem entre 7.000 e 5.000 anos atrs, pelo menos, epermanecem at 2.000 anos AP. Seus autores eram caadores e pescadores que tambmcoletavam mariscos. Instalavam-se geralmente em baas como as de Guanabara, Iguape,Paranagu, Joinville, Laguna, no limite entre vrios ambientes complementares (mar aberto,enseadas profundas, mangue) que forneciam, cada um, alimentos espec?cos e recursos emgua, madeiras e rochas diferentes.A no ser excepcionalmente, evitavam as zonas lineares de restinga, mais pobres emrecursos. Aproveitando a grande capacidade do ambiente aqutico de fornecer protenas emgrandes quantidades o ano todo, logo devem ter edi?cado estabelecimentos estveis eformado populaes bastante densas nos locais adequados, contando algumas centenas ouat poucos milhares de pessoas. Uma das suas atividades (provavelmente con?ada smulheres e crianas) consistia em coletar moluscos e crustceos, enquanto os homenspescavam e caavam animais aquticos (caavam pouco os mamferos terrestres). Osgrandes mamferos marinhos encalhados forneciam enorme quantidade de carne, gordurae ossos utilizados como matria-prima para estruturas funerrias e fabricao deinstrumentos.Os sambaquis do SulDesde o Rio de Janeiro at o litoral norte do Rio Grande do Sul, essas populaes guardavamas valvas dos mariscos mais abundantes (ostra, mexilho, berbigo), acumulando-as emplataformas sobre as quais instalavam suas residncias e sepultavam seus mortos. Enquantomuitas apresentam tamanho modesto (algumas dezenas de metros de dimetro e poucosmetros de altura), outras alcanam centenas de metros de comprimento e at mais de 30mde altura.Figura4. Sambaqui.O estudo da repartio dos stios no norte de Santa Catarina ao longo de cada grandemanguezal (cada um dos quais poderia ter sido a base territorial de um determinado grupo)sugere que teria havido um grande sambaqui acompanhado por vrios satlites menores.Muitas vezes o sambaqui mais alto apresenta maior densidade de sepultamentos e objetosrituais, o que nos levou a considerar a possibilidade de que teria funes pelo menosparcialmente diferenciadas. Um projeto em andamento no sul de Santa Catarina mostraque alguns deles eram construdos apenas na ocasio dos rituais funerrios. Mais de 43.000pessoas teriam sido enterradas no stio de Jabuticabeira II, segundo a arqueloga responsvelpela escavao.Possivelmente a altura do sambaqui-mor era motivo de orgulho para seus moradores ea?rmava na paisagem natural o direito de posse territorial desde os tempos ancestrais. Comcerteza esses locais no eram edi?cados de uma s vez. As dataes evidenciam umaacumulao que durava desde alguns decnios at mais de um milnio sem que possamossaber se haviam sido ocupados em carter permanente, sazonal ou abandonados duranteperodos mais ou menos longos. Provavelmente todos esses casos ocorreram, e gruposbastante diferentes devem ter ocupado o litoral durante milhares de anos e nos mais de1.000km aos longo das quais os sambaquis foram construdos.Com efeito, alm de um equipamento bsico generalizado, h diferenas regionaismarcantes. Em todos os stios encontram-se bigornas de pedra e percutores de gnaisse ougranito para quebrar sementes duras de coquinho ou moer ossos e vegetais. Sobre as bigornasextraam-se lascas muito cortantes de pequenos blocos de quartzo retirados de ?lesincludos no gnaisse que forma o embasamento das ilhas da regio. Com os seixos de diabsio(uma rocha intrusiva nos granitos e gnaisses) encontrados nas praias rochosas fabricavamse, em poucas horas, lminas de machado. Esboavam-nas por lascamento (mtodo rpido epouco custoso, mas que no permite fornecer um gume muito resistente ao choque),polindo o gume a seguir em suportes rochosos de granito, cujo desgaste formava baciaspolidas que ainda podem ser vistas em algumas praias. Essas populaes precisavam dessesmachados para abater as rvores necessrias construo das casas e das canoas.Com ossos de peixe recortados faziam-se as pontas usadas como farpas e anzis. Ossos demamferos marinhos eram transformados em recipientes, ou usados como tbuas,aproveitadas como material de construo em alguns sepultamentos mais so?sticados.Dentes de porco-do-mato e de grandes roedores serviam de buril. Algumas conchas tinhama borda serrilhada por lascamento e eram usadas como facas ou serras. No se fabricavacermica, mas os sambaquianos do litoral catarinense cavavam pequenas fossas nasacumulaes de concha, que revestiam de argila para torn-las impermeveis. Dessa forma,podiam us-las como recipientes para receber lquidos e at ferver a gua, jogando nelapedras quentes. Obviamente os objetos vegetais raramente foram preservados.Alm desse equipamento generalizado e muito simples de pedra e de osso, em cada regiofabricavam-se alguns artefatos espec?cos que permitiam diferenar os membros dasdiversas comunidades. O exemplo mais bvio dos zolitos, esculturas de pedraencontradas s centenas, mas apenas do sul de So Paulo (Iguape) at o norte do Uruguai, esomente nos maiores sambaquis de cada enseada. Representam vrios tipos de animaismarinhos (peixes, mamferos aquticos, inclusive o peixe-boi, hoje extinto no litoralmeridional), assim como alguns pssaros e animais terrestres, e apresentam uma cavidadeaberta na parte ventral ou lateral da representao. Certamente so objetos ligados a rituaisimportantes, que talvez servissem para apresentar ou preparar substncias valorizadas.Diferenciam os sambaquis meridionais daqueles do litoral de So Paulo e do Rio de Janeiro,marcando talvez a extenso de crenas distintas entre os nrdicos e os meridionais.Talvez os primeiros entalhassem esculturas semelhantes em madeira, mas a escolha dapedra pelos segundos matria-prima difcil de se trabalhar j bastaria para marcar umavontade de diferenciao.ZolitosFigura5. Peixe platiforme.Figura6. Extremidade de propulsor de dardo, feito em osso de baleia.Figura7. Pea cruciforme.Figura8. Anzol de osso.Figura9. Pontas de osso.Por outro lado, algumas categorias de escultura so repartidas ao longo de toda a costameridional: so peas geomtricas em forma de cruz ou de tringulo, pouco naturalistas,que apresentam apenas uma boca incisa e olhos indicados por picoteamento. Emcompensao, outras categorias geralmente bem mais naturalistas so exclusivas de umadeterminada regio, como as aves e baleias (inclusive de osso), perto de Joinville, os lindospeixes de forma achatada da laguna de Imarui, as peas sobre pedestal de Imbituba e ostoscos nucleiformes A de Torres. Dessa forma, se todos os sulistas compartilhavamdeterminadas crenas e rituais, cada grupo se afirmava por meio do seu tipo favorito.Muitos outros objetos diferenciam cada agrupamento de sambaqui: os propulsores de ossodecorado, em Joinville, os colares de vrtebras de peixe preferidos no Paran ou dedentes de tubaro favoritos em Santa Catarina. O investimento na esttica dosinstrumentos polidos em Santa Catarina, que contrasta com o preparo apenas funcional daslminas de machado, mais ao norte; os objetos de pedra em forma de engrenagem ou dehalteres perto de Laguna etc.Discute-se muito a existncia de uma diferenciao social dos sambaquianos. Como emqualquer sociedade, devia haver tarefas espec?cas de cada sexo. Por exemplo, a ossi?caodo ouvido interno observada nos esqueletos de sexo masculino sugere que aos homens eramreservadas as tarefas que demandavam mergulho frequente. Mas tambm devia haverpapis especializados para algumas pessoas: os xams (peritos em contato com os mortos e osespritos) existem em todas as tribos atuais e j deviam ento desempenhar suas tarefas.Talvez sejam eles que se encontrem sepultados junto com esculturas de pedra. Era precisotambm existir uma camada de ?guras principais com grande prestgio para organizar asatividades coletivas sobretudo se houve fases construtivas aceleradas dos sambaquis. Noentanto, nada sugere uma grande diferena de status entre as pessoas: a maioria daspequenas covas de sepultamento simplesmente marcada com pigmento vermelho e algumbloco de pedra perto da cabea do morto, cujo corpo costuma ser enterrado em posio?etida. Raramente observa-se uma cama de argila endurecida por queima e pintada, oualgum objeto que exigisse um investimento de mais de algumas horas para ser fabricado.Obviamente podia ser que se dispusessem nas sepulturas muitos adornos perecveis e objetosde pena, cuja presena escapa aos arquelogos.H poucos indcios de comunicao entre os sambaquianos e as culturas contemporneasdo plat. A serra do Mar parece ter atuado, at 2.000 anos atrs, como barreira tantopsicolgica quanto fsica. No entanto, l onde os rios entalham profundamente a encosta daserra, abrindo caminho para o plat, encontram-se sambaquis modestos, feitos com conchasde gua doce e sobretudo de caramujos terrestres. No mdio vale do rio Ribeira de Iguape,esses stios ainda pouco conhecidos datam de at 10.000 anos, evidenciando aimportncia da coleta de moluscos desde aquela poca e con?rmando a possibilidade daexistncia de sambaquis martimos muito antigos espera do desenvolvimento daarqueologia subaqutica.No h arte rupestre que possa ser atribuda com segurana aos sambaquianos. Noentanto, vrias ilhotas ao redor da ilha de Santa Catarina apresentam um ou diversos painisde gravuras orientadas para o alto-mar, decorados com ?guras geomtricas. Como so deacesso difcil e at perigoso e como existe um sambaqui em uma delas, e os gruposindgenas mais recentes (como os Carij) no paream ter tido o hbito de enfrentar o altomar , podemos supor que seus autores tenham sido os construtores dos concheiros.Os stios de pesca e coleta no construdosNa ilha de Santa Catarina no existem sambaquis verdadeiros. Talvez no houvesse lproduo de ostras e de berbigo su?ciente para construir edi?caes. No entanto, h stiosde pesca e coleta que apresentam os mesmos instrumentos (inclusive zolitos) dossambaquis. Mas a camada de ocupao pouco espessa, cerca de 1m apenas; contendopoucas conchas, apresenta uma cor preta, por ser enriquecida de matrias orgnicas. Osmortos eram enterrados no embasamento arenoso das dunas.O que, 4.000 anos atrs, era uma peculiaridade da ilha passou a regra cerca de 2.000anos mais tarde, quando em todo o litoral, deixam de edi?car plataformas de conchas. Aomesmo tempo, alguns novos instrumentos de osso apareceram, tais como anzis curvos epontas de projteis pedunculadas de osso. Em compensao, os zolitos desapareceram. Emvrios stios, os sepultamentos esto dispostos em crculo, como se tivessem sido feitos aolongo das paredes de habitaes circulares. Acredita-se que essa mudana de hbitocorresponda pelo menos no litoral do continente in?uncia de populaes vindas doplanalto, que trouxeram consigo uma cermica de formas simples, sem decorao, noParan e no norte de Santa Catarina (cermica Itarar), ou decorada por pequenos relevosmais ao sul (cermica Taquara).Aspopulaes sambaquianasOs homens dos sambaquis tinham um aspecto fsico bastante diferente da populao deLagoa Santa. Completamente mongolizados como as populaes indgenas modernas ,possuam os crnios mais largos que os lagoassantenses. Seus ossos, muito mais robustos,evidenciam tambm maior dimor?smo sexual (ou seja, havia notveis diferenas entrehomens e mulheres).Asatividades e a alimentao deixaram suas marcas: ossi?cao do ouvido interno doshomens, numerosos casos de fraturas decorrentes de intensa atividade fsica. Umafrequente patologia dos ossos da testa sugere carncia de ferro, talvez decorrente deparasitas intestinais. Nota-se grande desgaste dos dentes em ambos os sexos resultadosobretudo da presena de areia misturada com a alimentao, mas tambm, entre os Itaipu,do consumo de vegetais com ?bras duras. Em compensao, quase no se encontram cries.Anlises recentes de pequenos fragmentos carbonizados (que se preservam melhor) no meiodas conchas e de resduos encontrados na superfcie dos dentes dos esqueletos permitiramidentificar restos de alimentao vegetal bastante variada.H discretas variaes esqueletais entre as diversas regies, mas tambm foi assinalada airrupo tardia de uma populao com morfologia distinta na regio de Joinville, ao mesmotempo que aparecia a cermica e quando os sambaquis construdos foram substitudos porstios rasos. Provavelmente tratava-se de grupos chegados do interior, responsveis, pelomenos em parte, pelas mudanas verificadas na cultura material ao longo da costa.Os cerritos e a Tradio VieiraAosul de Torres e a nordeste do Uruguai nunca houve sambaquis. Nas grandes lagoas rasasque se formaram durante o perodo holocnico e ao longo dos canais que as interligam,havia populaes de pescadores que aproveitavam a excepcional riqueza sazonal das guaslagunares. Em vez de se instalarem nos terraos que dominam as lagoas, preferiram levantarpequenas plataformas de terra nas praias ciclicamente inundveis para proteger suashabitaes das guas. Esses montculos de areia, chamados localmente cerritos, so bemmais modestos que os sambaquis. A maioria apresenta uma altura entre 0,5m e pouco maisde 2m, embora uns poucos sejam mais altos (um stio de tamanho excepcional alcana 7mde altura e cerca de 100m de dimetro).H duas hipteses a respeito dos seus habitantes. Uma delas considera que os cerritosserviam de base estvel para as habitaes de populaes de pescadores instaladas nasregies inundveis, enquanto outros grupos caadores que aproveitavam os vegetais deterra ?rme, como as sementes da palmeira Butia ocupariam os terraos mais elevados.Segundo outra, os moradores dos cerritos exploravam a regio das lagoas quando os peixesmarinhos as ocupavam para engordar, durante a primavera e o incio do vero. Com efeito,em algumas escavaes, somente foram encontrados ossos desses peixes migratrios. Noinverno, os construtores de cerritos iriam para um territrio complementar, provavelmentemais rico em caa e vegetais comestveis. Talvez fosse a regio do alto rio Negro, ondeaparece a mesma cermica da Tradio Vieira dos cerritos litorneos. Os ceramistas doscerritos colonizaram tambm as terras baixas das Misiones argentinas, entre os rios Paran eUruguai.Trabalhos recentes sobretudo realizados do lado uruguaio mostram que os cerritos jestavam sendo edi?cados h 5.000 anos; mas, a partir de 3.000 a 2.000 anos atrs, apopulao deve ter aumentado, pois os stios ocupam novas redes de drenagem. Alm dosconjuntos que contam poucos aterros de dimenses pequenas, como no perodo anterior,aparecem agrupamentos com estruturas mais numerosas e algumas mais altas, sugerindoum importante trabalho coletivo na construo. Veri?cou-se que, alm de servir de basepara as habitaes, os cerritos maiores eram tambm usados como cemitrios. Assim comoocorria nos sambaquis, os stios maiores provavelmente constituam centros cerimoniais emarcos territoriais, a?rmando a posse da zona circunvizinha e dos seus recursosalimentares.Os sepultamentos so bastante variados e em geral primrios, com o corpo inteiroenterrado em posio ?etida, muitas vezes acompanhado por pigmento vermelho e tambmpelo esqueleto de um cachorro americano. Teriam sido estes animais domesticadoslocalmente? Elementos de colar em dentes de tubaro e lobo-marinho, assim comofuradores de osso e at zolitos certamente importados dos sambaquis acompanhamcertos corpos. Vrios ossos humanos, sobretudo do crnio, apresentam indcios deferimentos, e existem crnios enterrados isoladamente, o que se pode interpretar comoindcio de atividades belicosas e talvez do hbito de se guardarem cabeas-trofus. Nota-seque quase todos os corpos cujo sexo foi identificado so masculinos.O material ltico associado aos cerritos inclui lascas de quartzo, bolas de boleadeira, pedraspolidas com protuberncias que se imagina serem rompe-cabeas, seixos utilizados comopesos de rede e trituradores, ou com uma pequena depresso circular polida (pedras comcovinha), e lminas de machado polidas com sulco perifrico para facilitar umencabamento de cip dobrado. Essas lminas so muito raras em razo da ausncia, naregio, de matria-prima adequada para fabric-las.Cerca de 3.000 anos atrs apareceu uma cermica no decorada, com vasos abertos defundo plano, provavelmente destinados a preparar peixe, que definem a Tradio Vieira.A alimentao inclua peixes e crustceos, mas tambm mamferos marinhos e os grandescervdeos que frequentavam as reas pantanosas. Depois de 3.000 anos AP, caavam epescavam um nmero maior de espcies, inclusive animais de porte mdio e pequeno. Acoleta de mariscos tornou-se mais intensa, talvez em razo de um crescimento demogr?coque obrigava a explorar mais sistematicamente os recursos naturais e defender o territrio,aumentando os conflitos com a vizinhana.Para este perodo, multiplicam-se os indcios de uma diversi?cada coleta de vegetais etambm de uma agricultura incipiente: ?tlitos (elementos silicosos da haste de vriosvegetais) de milho, feijo e abboras, assim como gros de amido de milho e feijo, datadosentre 3.600 e 3.000 anos atrs, foram reconhecidos em Isla Larga um dos maiores cerritosuruguaios, prximo fronteira brasileira, e que alcana quase 4m de altura. Maistardiamente (cerca de 1.000 anos atrs) apareceram tambm nos instrumentos restos dosamidos de uma cana selvagem e de uma amaranta esta possivelmente domesticada.Supe-se que os construtores dos cerritos tenham sido os ancestrais de Charrua eMinuano, ndios que os espanhis e portugueses encontraram no sculo XVI e quepermaneceram muito mais arredios ao contato com os europeus que os Guarani.Os sambaquis do litoral central e a Tradio ItaipuNo litoral carioca existem sambaquis instalados em zonas rochosas. No se veri?caramdiferenas entre os objetos encontrados nos grandes e nos menores sambaquis (alguns delesinstalados em ilhas): moradias, atelis e sepultamentos parecem ocorrer com a mesmafrequncia, e no foram observados objetos que permitam diferenci-los.Em compensao, no se construram embasamentos de concha para os stiosencontrados em zonas dunares ou lagunares, onde se exploravam essencialmente os peixes.Seus moradores faziam a conteno das dunas com argilas trazidas de longe, nas quais?ncavam os postes que sustentavam as casas. Encontra-se nesses locais grande riqueza deequipamento feito em ossos e sobretudo em conchas trabalhadas. So comuns os blocos depedra com uma face levemente cncava utilizados como moedores, sugerindo intensoprocessamento de vegetais ricos em ?bras. Estes deviam ser uma parte importante da dieta,como sugere o exame dentrio dos esqueletos. Talvez fossem cultivadores de mandioca.Tratar-se-ia de populaes culturalmente distintas das dos sambaquis? Pensando assim,os arquelogos cariocas chamaram de Tradio Itaipu os estabelecimentos desse tipo. Noentanto, no se pode ainda excluir a possibilidade de serem acampamentos desambaquianos especializados na explorao de recursos do interior. Talvez o estudo daproximidade gentica entre esqueletos de ambos os tipos de stio, por meio das modernastcnicas de bioantropologia, ajude a resolver a dvida.Os primeiros ocupantes das terras interioranas:asCulturas Umbu e HumaitPara entender as atuais discusses sobre a pr-histria mais antiga do Brasil meridionalprecisamos levar em conta dois fatos importantes. O primeiro que os arquelogoscostumam considerar os stios (ou os nveis arqueolgicos) onde no aparece cermicaanteriores inveno ou introduo de seu fabrico na regio. Fala-se, ento, de stios (oude nveis) pr-cermicos.O segundo aspecto que os abrigos naturais de grande dimenso so raros no sul do pas,pois no existem grandes formaes calcrias onde se desenvolvem as grutas e os abrigoscaractersticos de muitas paisagens do Brasil central ou da Bahia. Dessa forma, a maioria dosstios preservados a cu aberto e muito mais difceis de serem localizados que osabrigados. So tambm mais facilmente submetidos eroso e raras vezes apresentam boaestratigra?a. A consequncia que a maioria dos stios conhecidos no interior apresentaapenas vestgios de superfcie que so extremamente difceis de se datar e que muitas vezescorrespondem a uma mistura de vrias ocupaes, eventualmente separadas por longo lapsode tempo.No ?nal dos anos 1960, os arquelogos gachos, catarinenses e paranaenses veri?caramque havia dois tipos de stios super?ciais sem cermica. Os da primeira categoriaapresentavam pontas de projtil de pedra bem elaboradas, lascadas bifacialmente, compednculo, aletas e um corpo triangular. Junto a elas encontram-se numerosas lascas, porvezes retocadas em raspadores ou facas bifaciais (chamadas talhadores pelos pesquisadoresgachos) e outros instrumentos especializados, em geral pequenos e pouco espessos, feitosde arenito ou de quartzo.Esses stios encontram-se sobretudo nos planaltos, em zonas de campo aberto, a mais de400 ou 500m de altitude. Em alguns dos pequenos abrigos sob rocha que se formaram naencosta da serra do Mar (abrigo cerrito Dalpiaz), ou na encosta do planalto meridional(abrigos Batinga e Ivoti), veri?ca-se a presena, no refugo alimentar, de animais de mdio epequeno porte (incluindo caramujos terrestres) e ovos de ema. Havia pesca com anzis deosso, e encontram-se agulhas perfuradas, assim como adornos feitos de dentes por vezes,de animais martimos. Nos stios datados com idade relativamente recente aparecem bolasde boleadeira de pedra.Esses stios, atribudos a caadores que formariam bandos pouco numerosos e de altamobilidade dentro de seu territrio, foram agrupados no interior de uma Tradio chamadaUmbu.Nas matas ciliares, ao longo dos grandes rios, encontrou-se outra categoria de stios, sempontas de ?echa de pedra (isso no signi?ca que no usariam dardos, mas que osfabricariam de matria perecvel, como a madeira) e com artefatos lascados de basalto earenito silici?cado muito maiores e macios que os da Tradio Umbu. Trata-se de objetoschamados choppers e bifaces, usados como pices, machados e cunhas para trabalhar amadeira e cavar o solo. Os stios desse tipo esto agrupados na Tradio Humait.Na verdade, veri?cou-se nos ltimos anos que a oposio no to grande entre os dois:h stios Umbu em zonas baixas e Humait, no alto de encostas. Por outro lado, no selevaram su?cientemente em conta as funes dos stios: pontas de projtil (sobretudoquebradas) podem ser numerosas no lugar onde esto sendo fabricadas e ausentes numacampamento de onde foram levadas, embora ambos os lugares tenham sido ocupados pelasmesmas pessoas. Vestgios de pedra maiores e pesadas sero mais numerosos num local deextrao de matria-prima ou de morada que num acampamento de caa. H pesquisadoresque acham mesmo que certos stios considerados Humait seriam de fato locais depassagem, onde grupos ceramistas tupiguarani bem mais recentes teriam abandonado seusinstrumentos de pedra, porm nenhum fragmento das suas vasilhas inteis para umaestada curta e incmodas de transportar.A atual gerao de pesquisadores tem a tarefa de revisitar as ocorrncias levantadas pelospioneiros da arqueologia. Mesmo assim, no h dvida de que existiram vrias fciesculturais pr-cermicas, cada qual caracterizada por uma tecnologia peculiar e fabricaode instrumentos espec?cos. Dentro da Tradio Humait, a mais original a CulturaAltoparanaense, encontrada tanto no Brasil quanto na Argentina, ao longo do vale do rioUruguai e at o planalto catarinense. Os altoparanaenses fabricavam bifaces extremamenterobustos: alguns longos, retos e de seo quadrangular quase quadrada; outros curvos e ditosem bumerangue, em razo da sua forma.Os ceramistas do PlanaltoCerca de 2.000 anos atrs, os stios super?ciais e sem cermica dos caadores antigos dosplats foram substitudos por conjuntos que evidenciam uma forte mudana na tecnologia enos hbitos. Ao mesmo tempo que aparecem a cermica chamada itarar (no Paran) outaquara (no Rio Grande do Sul) e o consumo de vegetais cultivados, encontram-se novasestruturas de habitaes, conhecidas como casas subterrneas. Nas regies mais altas decampo aberto, submetidas s geadas e ao vento frio do inverno, as aldeias se instalam noscapes de pinheiros-do-paran (Araucaria). So caracterizadas por covas profundas de 3mat 18m de dimetro e com profundidade de 1m at 6m, cavadas com pices de pedra nopiso de alterao do arenito. A terra escavada era disposta em anel ao redor do buraco paradesviar as guas de enxurrada, e um poste central com cerca de 15cm de dimetrolevantava um teto de folhas, cujos caibros, calados com pedras, se apoiavam ao redor dadepresso. Nas casas mais profundas, uma banqueta corria ao longo da base da parede; umarampa ou algumas lajes fincadas na parede guisa de escada permitiam o acesso.Figura10. Casa subterrnea.Uma fogueira era instalada perto do centro da estrutura, alimentada por ns de pinho timo combustvel. Muitas vezes isoladas ou aos pares, essas habitaes podem, no entanto,agrupar-se em conjuntos de at 36 unidades mas no parecem ter sido habitadas todas aomesmo tempo. Em certos casos, pequenos corredores foram cavados para unir duas casasvizinhas. Encontram-se, na camada superior de entulho, restos de uma ou duas dezenas devasilhas e alguns instrumentos de pedra abandonados na ltima ocupao da casa. Amaioria dos detritos acha-se espalhada no exterior, onde se jogavam provavelmente osfragmentos de vasilhas quebradas. Fora tambm deviam lascar para fabricar os instrumentosde pedra e cozinhar provavelmente embaixo de um pequeno abrigo provisrio, comosugere uma escavao recente. No se pode excluir a possibilidade de que algumas dessascasas tenham sido usadas para armazenar pinhes.Espalhados entre as casas, pequenos aterros com cerca de 1m de altura parecem ter sidousados para sepultar os mortos mais importantes. No topo das elevaes, em cujo ?ancoabrem-se as casas semi-subterrneas, encontra-se por vezes um muro de terra poucoelevado, isolando um espao circular ou quadrangular com algumas dezenas de metros dedimetro provavelmente um local pblico para reunies polticas ou cerimoniais. Emalgumas encostas abrem-se galerias, eventualmente rami?cadas, que teriam sido refgiosem caso de conflito sobretudo com os Tupiguarani que ocupavam os vales vizinhos.Em regies mais baixas, nos morros prximos da plancie, a mesma cermica tpica dascasas subterrneas e os artefatos lticos formam pequenas aglomeraes e correspondemprovavelmente a habitaes super?ciais utilizadas sazonalmente. Em muitas delasencontram-se alguns objetos tupiguarani, atestando os contatos entre as duas populaes.Na encosta do planalto, os pequenos abrigos e grutas que se formaram nas imediaes dascachoeiras foram utilizados para sepultar os mortos. Ao que parece, a entrada era vedada poruma esteira de taquara. Os corpos eram cobertos por um montculo de terra e abandonadoscom alguns pertences e alimentos. Os arquelogos encontraram a restos de cabaa eporongo, sabugos de milho e conchas de moluscos. Anis vegetais calavam os potes defundo redondo, e havia tambm fragmentos de cordes, sacolas, furadores de osso e contasde colar.Asoleiras taquara/itarar fabricavam vasilhas de forma simples, pequenas (com 20 a30cm de dimetro); algumas pouco profundas e abertas, outras com at 40cm deprofundidade e paredes verticais. Os fundos so sempre arredondados, e as paredesapresentam por vezes furos de suspenso ou pequenas alas. So raramente decoradas aonorte (desde Itarar, em So Paulo, at Santa Catarina), mas as cermicas meridionais (RioGrande do Sul e nas Misiones argentinas) apresentam muitas vezes uma superfciedelicadamente ornada de impresses ponteadas, incisas ou beliscadas, ou impresses decestaria; os relevos provocam um efeito bonito, com jogos de luz e sombra. Alguns vasos tmpequenos apndices de forma mamilar. Faziam-se tambm bonecas e discos perfurados(adornos pregados como botes?) em cermica.Os instrumentos de pedra lascada so bastante toscos, incluindo pices de basalto componta tridrica, talhadores, lascas grandes de basalto e rilito, assim como lascas menoresde arenito silici?cado e calcednia obtidos por esmagamento sobre bigorna. De pedra polidaso as lminas de machado e sobretudo grandes mos de pilo de at 80cm decomprimento, feitas a partir de colunas prismticas de basalto. Acreditamos que estas noeram utilizadas normalmente (os instrumentos de madeira seriam feitos com maior rapidez,se mostrariam to e?cientes e menos frgeis), mas que se tratava de peas denotadoras deprestgio.Na regio setentrional (sudoeste de So Paulo e Paran) foram encontradas algumasdezenas de peas polidas de fatura cuidadosa que parecem associadas Tradio Itarar:so os chamados virotes. Trata-se de objetos alongados, com cerca de 10cm de comprimentoe seo circular, que apresentam uma cabea mais larga que as partes central e posterior,terminada por uma protuberncia arredondada. Essa forma corresponde exatamente dasarmaes de setas de osso ou madeira que os caadores indgenas de penas utilizam hojepara abater aves sem faz-las sangrar. As de pedra parecem muito pesadas para esse uso, mastalvez sejam imitaes dos virotes de madeira, tendo valor mais simblico que funcional.Figura11. Virote de pedra, Itarar, So Paulo.Figura12. Vasilha de cermica taquara, Rio Grande do Sul.Infelizmente, os vestgios alimentares no foram preservados no sedimento cido dascasas subterrneas, e dependemos dos restos encontrados nos abrigos funerrios paraimaginar qual seria a dieta dessa populao.Supe-se que os autores das casas subterrneas tenham sido os ancestrais dos indgenaschamados Guaian nos textos do sculo XVI, e sobre quem se escreveu que moravam emtocas ou furnas. Seus descendentes recentes so quase com certeza os Kaingang e Xoklengreduzidos no incio do sculo XX. Nesse perodo, formavam comunidades cuja subsistncia evida social eram baseadas na explorao do pinho. No outono, quando este ?cava maduro,havia fartura do alimento rico em carboidratos e tambm caa pois os animaisaproveitavam igualmente o pinho. Dessa forma, grupos aparentados chegavam a partir doterritrio argentino.Os pinheirais eram divididos entre as famlias, e as sementes, transformadas em farinha,que podia ser conservada para o inverno e parte da primavera. No ?nal da colheitarealizavam-se as cerimnias que requeriam a reunio dos parentes e aliados, e os visitantesvoltavam para seu territrio. Os principais mortos eram enterrados em pequenos aterros. No?nal do inverno, quando as reservas ?ndavam, havia maior disperso das famlias, epodemos supor que as moradias isoladas de zonas mais baixas correspondam aacampamentos transitrios, para ocasies em que se exploravam recursos das zonas dealtitude menor, campos cultivados, ou havia troca de produtos dos campos de altitude comalimentos cultivados pelos Tupiguarani.Com efeito, no sabemos se os portadores da Tradio Taquara/Itarar eram mesmoagricultores, ou essencialmente coletores-caadores. Algumas casas subterrneas e umvirote isolados foram localizados nas regies mais frias de Minas Gerais (em Andrelndia ena Zona da Mata, onde ainda h restos de mata nativa de Araucaria, vestgios de umpaleoclima mais frio, e no sop da serra do Cip). Documentam certamente a existncia demovimentao de pessoas e ideias entre os domnios tropical e subtropical ao longo dos doisou trs ltimos milnios.A arte rupestre meridionalEncontram-se alguns stios de arte rupestre ao longo da escarpa do planalto meridional quedomina o rio Jacu, no Rio Grande do Sul, ou no planalto de Lages, em Santa Catarina. NoRio Grande do Sul, so mataces isolados ou paredes de pequenos abrigos que apresentamgravuras muito simples, algumas delas realadas por restos de pinturas. Os traos formamgrades, desenhos semelhantes aos de pisadas de ave (?guras tridtilas), de felinos (umcrculo maior rodeado por outros menores) ou parecidos com vulvas (tringulos com umtrao interno vertical).Em Santa Catarina, os tringulos do principal abrigo decorado parecem ter sido retocadose transformados em caras humanas. No h como datar as gravuras do Sul do Brasil, emboraelas sejam geralmente atribudas aos caadores da Tradio Umbu, quando ocorrem emabrigos que foram ocupados por populaes dessa Tradio.3A arqueologiado PantanalASPESQUISAS ARQUEOLGICAS sistemticas na parte brasileira do Pantanal tiveramincio apenas nos ltimos anos do sculo XX. O ambiente, muito peculiar, necessitava deuma adaptao espec?ca das populaes ao ciclo anual, que alterna perodo de enchentegeneralizada com meses de emerso dos campos, quando as guas se concentram em rios,lagoas e nos pequenos canais que as interligam. Dessa forma, existem trs grandescompartimentos aproveitveis: a encosta dos plats que margeiam a plancie, sempre seca ecoberta por matas, onde a agricultura possvel, assim como a caa a mamferos terrestres;os campos sazonalmente alagadios que apresentam grandes extenses de gramneas inclusive variedades de arroz silvestre, que pode ter sido uma das bases alimentares daspopulaes locais , onde se coletam caramujos e crustceos aquticos no perodo deenchente e caam grandes roedores como a capivara; enfim, os rios permanentes e as lagoas,em que, alm da pesca, possvel caar grandes rpteis o ano todo, sem se afastar doscampos alagadios.Nessas condies, as populaes tinham de se limitar ocupao das terras altasmarginais, ou inventar um meio de se precaver contra as mudanas do nvel das guas. Issofoi feito edi?cando-se aterros nas zonas inundveis, mas onde a profundidade da guanunca ultrapassa 1 ou 1,5m. Esses aterros, alinhados ao longo dos rios e canais, ouformando anis ao redor das lagoas, medem entre 20 e 100m de comprimento, noultrapassando 3m de altura. Foram construdos com a terra arenosa retirada da periferia,cavando-se assim um canal marginal que facilitava a drenagem. A primeira camada de areiaera estabilizada com um leito de conchas de moluscos. Sucessivas capas de matriaorgnica, detritos domsticos misturados com areia, elevavam progressivamente o conjunto.Essas plataformas sustentavam as habitaes, rodeadas por palmeiras acuri, que fornecempreciosos alimentos (polpa, palmito e coquinho), e so ocupadas hoje por fazendas e curraispara gado. Na espessura das camadas arqueolgicas aparecem vestgios alimentares,instrumentos de pedra e osso (nos stios ou nas camadas ocupacionais mais recentes,tambm a cermica) e, eventualmente, sepulturas. As fogueiras parecem ter repousadosobre uma base empedrada de seixos, talvez para isol-las melhor da umidade. Fossas cheiasde conchas e conjuntos de blocos interpretados como calos para postes de sustentao dashabitaes formam o essencial dos achados.A adaptao das populaes ao ambiente pantaneiro no foi imediata. No Pleistoceno, essagrande plancie ainda no era inundvel, e um perodo de instabilidade climtica deve terdificultado o processo de povoamento.Os primeiros indcios de ocupao provavelmente episdica foram encontrados numnico stio datado em pouco mais de 8.000 anos. Localizados no p do plat, sugerem umapopulao ainda acostumada a viver sobretudo no meio terrestre, mesmo explorando osterrenos alagadios vizinhos. Os vestgios de instrumentos so essencialmente de pedra; osmais abundantes so blocos com faces planas que apresentam uma depresso circular de 2ou 3cm de dimetro ou oval, com 6 a 10cm de comprimento. As primeiras devem serquebra-cocos, e as ltimas, ms ou bigornas para obteno das lascas cortantes em quartzo.Numerosas bolas de calcrio, com 5 a 6cm de dimetro so outros artefatos tpicos dessapoca. De calcrio tambm so os maiores instrumentos, com gume toscamente lascado(talhadores). Encontram-se percutores de hematite (um mineral de ferro) e plaquetas desiltito (rocha pouco resistente, fcil de se trabalhar por polimento) perfuradas provavelmente adornos. Algumas lminas de machado com um sulco perifrico para facilitara ?xao com cordas deviam servir para cortar as rvores para fazer canoas e choupanas.Algumas pontas e esptulas de osso e bordas do orifcio natural das conchas, talvezrecortadas para serem usadas como anzis, completam o equipamento que resistiu ao tempo.Entre 4.400 e 3.500 anos atrs, alguns stios registram uma ocupao um pouco maisdensa e constante, que ainda evita os campos alagadios para se concentrar nas encostas ena periferia das lagoas. Os instrumentos de pedra so pouco numerosos, e os de osso sopontas estreitas. Seriam furadores, agulhas ou armaes de dardos para pesca?At esse perodo, no parece que os mortos tenham sido enterrados nos aterros, fosseporque as bases permanentes de habitao se encontrassem fora da regio pesquisada, ouporque os ritos fossem outros.A partir de 2.200 anos atrs, os indcios de ocupao sistemtica da regio pantaneiramultiplicam-se. Os antigos aterros foram reocupados, enquanto se levantaram outros novos.Os stios maiores e mais ricos encontram-se ao longo dos canais ou circundam as lagoas,porm, estabelecimentos mais modestos aventuram-se nos campos alagadios. Seriam eles osprimeiros acampamentos-base pelo menos parcialmente ocupados o ano todo e,provavelmente, por toda a populao durante a estao seca, enquanto pequenos gruposfamiliares se espalhariam pelos campos durante as enchentes? Ou representariam pequenosgrupos residenciais aparentados com um stio de referncia para as cerimnias coletivas em particular as funerrias? Com efeito, no h sepultamentos nos stios menores, enquantoos cemitrios recebem, nos grandes aterros, tanto corpos inteiros depositados com ossosainda em conexo quanto pacotes de ossos, por vezes incompletos (embora nunca falte ocrnio), que podem ter sido trazidos dos stios menores meses depois da morte, para receberum enterro definitivo.Os vestgios materiais dessa ltima ocupao pr-histrica servem para de?nir a TradioArqueolgica Pantanal. Destaca-se o aparecimento da cermica, com vasilhas simples eutilitrias de tamanho modesto (menos de 30cm de dimetro) e fundo arredondado; sopanelas abertas, vasos para guardar lquido (um pouco mais profundos e com gargalo) esobretudo tigelas. As paredes tm em geral sua superfcie bem-alisada ou at polida. Emboraa maior parte dos cacos coletados no apresente decorao, devemos lembrar que o fundodas vasilhas decoradas era deixado liso. Cinco a 10% dos potes parecem ter recebido umbanho de tinta vermelha, e muitos outros apresentam uma superfcie decorada porcorrugaes (a pasta era beliscada antes da queima para produzir rele vos, lembrando ocouro de um jacar). Alguns foram decorados por aplicao de cordas na pasta fresca,formando padres geomtricos uma modalidade que no se conhece em outras culturasda pr-histria brasileira.Os cacos de panelas quebradas eram por vezes reaproveitados. A borda podia serregularizada, criando elementos discoidais (?chas) ou retangulares; entalhes laterais efuros permitiam seu uso como elementos decorativos, costurados em tecidos ou penduradosnum colar. Fabricavam-se tambm discos perfurados para servir de tortual de fuso,cachimbos e contas tubulares.Por enquanto somente foi publicado o material ltico dos stios de campo alagado,quantitativamente pouco expressivo. O lascamento se fazia apenas batendo, sobre bigorna,fragmentos de quartzo, calcednia, quartzito e at de calcrio ou hematite estas ltimasrochas pouco adequadas obteno de gumes a?ados. As lminas de machado apresentamum sulco perifrico e so feitas de rochas resistentes importadas para a regio (basalto,diorito). Seixos achatados de calcrio com um gume polido ( difcil saber se este naturalou arti?cial) eram trazidos tambm nos aterros. Os artefatos mais originais so pequenosseixos perfurados, provavelmente adornos. Colares de dentes de porco-do-mato, contasdiscoidais de concha de gastrpodes ou elementos tubulares de osso so encontrados emparticular nos sepultamentos. Pontas agudas foram feitas com ossos de peixe; e outras, maisfortes, sobre ossos de veado, armavam os projteis. H tambm esptulas feitas com ossos demamferos.Os possveis restos alimentares comportam grande variedade de conchas (entre as quaispredominam as Pomatia), mas difcil saber at que ponto representam um material deconstruo, restos de comida de aves ou alimento humano. Entre os peixes, destacam-se osbagres e outras espcies de peixes de tamanho modesto. H muitos vestgios de porco-domato, cervo-do-pantanal, jacars e sobretudo de roedores de porte mdio (Cavia).Curiosamente, faltam vestgios de capivaras, to abundantes nos baixios. Seria sua caaproibida, ou essa carne era consumida exclusivamente fora dos aterros?Asprimeiras pesquisas evidenciam, apesar de caractersticas comuns, uma certadiversidade entre vrios conjuntos de aterros. J mencionamos a oposio entre os stios decampo alagado (raridade de cermica, ausncia de sepultamentos, vestgios alimentarescom predominncia de crustceos e moluscos) e os que se encontram ao longo dos rios ouperto das lagoas. Mas tambm entre estes ltimos variam os tipos de adornos (de dente oude concha) e a decorao dominantes na cermica. Os pesquisadores interpretam essasdiferenas menores como expresso de individualidade das comunidades que ocupavamterritrios vizinhos. Sabe-se que, nos sculos XVI e XVII, os canoeiros do Pantanalpertenciam a numerosos grupos lingusticos e formavam comunidades rivais em francacompetio. Provavelmente o termo Tradio Pantanal rene os ancestrais dos Guato,Guaicuru, Payagu e de muitos outros grupos desaparecidos.Nas terras ?rmes s margens da regio pantaneira foram identi?cados stios tupiguarani.Os potes tpicos desses agricultores aparecem, casualmente intrusivos, nos aterros maisrecentes. Sabe-se, por Cabea de Vaca*, que os Guarani estavam travando uma luta dein?uncia com os grupos pantaneiros, que ia desde a aliana at a guerra, passando porrelaes episdicas de vassalagem, talvez atestadas pela aceitao de vasilhas emblemticas.Os arquelogos que trabalham no Pantanal explicam a presena de gravuras rupestres nospisos laterticos prximos s lagoas e aos banhados pela necessidade de marcar os limitesterritoriais das comunidades. Os traos picoteados comportam sobretudo crculos (por vezesconcntricos, com um ponto central, ou radiados) eventualmente interligados por traossinuosos. Encontram-se tambm pisadas humanas ou animais (tridctilos, sugerindopisadas de aves) e raras representaes serpentiformes. Essas caractersticas lembramgravuras encontradas ao longo de alguns rios do oeste paulista e do vale do rio Araguaia, emGois, que inclumos provisoriamente na Tradio (rupestre) Itacoatiara. No se sabe quaisgrupos pr-histricos seriam os autores dessas manifestaes.*Alvar Nunes Cabea de Vaca, viajante portugus que esteve no Brasil no sculo XVI.4A pr-histria doBrasil central e do NordesteDEPOIS DO FIM da Tradio Itaparica, o Centro e o Nordeste do Brasil continuarampovoados por grupos de caadores, cujas caractersticas no so ainda claramente de?nidas.Esse perodo marcado por uma intensa produo de gra?smos pintados e gravados emabrigos e lajedos. Nos dois ltimos milnios antes da Era Crist surgiram os primeiros indciosde horticultura, tornando-se a seguir a cermica um elemento importante na identi?caodas culturas arqueolgicas mais tardias.Os caadores-coletoresA partir de 9.000 ou 8.000 anos atrs, segundo as regies, as caractersticas de ocupaodos stios modi?cam-se em todo o Brasil central e nordestino. Nota-se uma diminuioquantitativa dos vestgios de instrumentos e, muitas vezes, dos vestgios alimentaresencontrados nos abrigos, sugerin do que estes eram pouco frequentados na vida quotidiana.No entanto, continuam utilizados, pelo menos para ?nalidades rituais: decorao dosparedes (arte rupestre), por exemplo, s vezes sepultamentos. Cada regio, no entanto,desenvolve algumas peculiaridades, seja no modo de sepultar os mortos, seja nos temaspintados ou gravados nos suportes rochosos, seja, ainda, na forma de represent-los.Os stios de habitao e provavelmente a maioria dos cemitrios deviam ser instalados nosterraos dos rios, tais como os de Buritizeiro (MG) ou Justino (SE) ambos na margem do rioSo Francisco. No entanto, a raridade de stios estudados de forma sistemtica sobre os quaish material publicado de maneira adequada e com sequncias datadas com preciso tornamqualquer sntese prematura. Dessa forma, nos limitaremos a apresentar algumas informaesmuito gerais, estendendo-nos com maiores detalhes sobre a chamada arte rupestre,bastante estudada nos ltimos anos e que decora milhares de abrigos naturais.Enquanto a Tradio Itaparica era bem-de?nida pela produo de numerososinstrumentos de pedra de forma caracterstica, obtida por retoque de grandes lascas, osvestgios das populaes que a sucederam so bem menos tpicos. Cada regio apresentaparticularidades em funo, sobretudo, das matrias-primas utilizadas , mas parece queas populaes costumavam extrair dos blocos de pedra lascas de tamanho mediano oupequeno, utilizadas imediatamente sem maior modi?cao (ou seja, sem seremconformadas com preciso por meio de retoques ?nais). No mximo, acertavam uma partede um gume natural defeituoso, criando pequenos bicos ou serrilhados, sem se preocuparem ter instrumentos de forma padronizada. Mesmo assim, ainda sabiam fabricarocasionalmente ou obtinham por troca artefatos plano-convexos retocados numa nicaface para trabalhar a madeira e belas pontas de projtil retocadas bifacialmente. Essesobjetos, bem como os detritos provenientes de sua fabricao, aparecem discretamente nomeio dos milhares de lascas simples utilizadas como facas.Asrobustas conchas dos grandes caramujos terrestres eram perfuradas por percusso. Issocriava um gume particularmente adequado retirada da casca dos galhos cortados para setransformar em armas e instrumentos diversos. As representaes rupestres mostram que,nessa poca, os dardos utilizados na caa ou em combates eram lanados no com um arco,mas com um propulsor basto com gancho que proporciona longo alcance e fortepenetrao. Com efeito, alguns indcios feridas registradas em ossos, cenas rupestres mostram que havia confrontos entre as diversas populaes nordestinas na poca. Asdiferenas entre os grupos deviam ser proclamadas por rituais, traos estilsticos nafabricao dos artefatos, na decorao corporal e na arte rupestre. Os stios decorados talvezdesempenhassem um papel espec?co, ao marcar fronteiras ou pontos estratgicos dosterritrios.Os rituais funerrios so bastante variados. Em alguns abrigos observa-se a prtica doenterramento do corpo inteiro em covas como na Lapa do Boquete (MG) e Buique (PE).No Gentio (noroeste de Minas) e na Gruta do Padre (BA), em compensao, os mortos eramcremados, e os pacotes de ossos depositados nos abrigos. Entre 7.000 e 4.000 anos atrs, naPedra do Alexandre (PE), assim como na Lapa do Boquete, os sepultamentos de crianaspequenas eram vivamente coloridos com pigmentos vermelhos e amarelos. Em vrioslugares, os arquelogos encontraram os corpos acompanhados por colares de ossos, deconcha, embrulhados em ?bras vegetais. No Justino (SE), os corpos jaziam estendidos numterrao que domina o rio So Francisco. Em outras regies, como em Lagoa Santa, no sesabe o que se fazia com os mortos, cujos corpos desaparecem do registro arqueolgico aps8.000 AP. Devem ter sido destrudos de alguma forma voluntria (exposio, cremaocompleta) ou natural (enterrados a cu aberto em solo cido).Os primeiros agricultores e ceramistasH indcios de cultivo de plantas domsticas e da criao de reservas alimentares ou desementes para plantio no ltimo milnio antes da nossa era, e talvez no ?nal do milnioanterior. Gros de milho escavados em Santana do Riacho (MG) foram datados com certezade cerca de 2.800 anos atrs, enquanto outros, de origem estratigr?ca mais duvidosa,teriam quase 4.000 anos. Pinturas rupestres atribudas a uma fase tardia da Tradio SoFrancisco representam razes e tubrculos, provavelmente cultivados. Na Lapa do Malhador,no vale do rio Peruau (MG), duas ?guras da mesma Tradio parecem representar tipitis(prensas para tirar o suco venenoso da mandioca amarga).Mas sobretudo a partir do perodo entre 2.500 e 1.200 anos atrs que as evidncias semultiplicam. Depsitos de espigas de milho, mandioca, caroos de algodo, cascas deamendoim (os mais recentes contm tambm gros de feijo) e outros elementos perecveis,guardados em estruturas vegetais tranadas, ou mantidas por cordes, foram encontradosem vrios abrigos do norte de Minas Gerais e do oeste da Bahia. Alm de vegetais cultivados,contm coquinhos, restos de fruto de jatob, urucum, sementes de maracuj e at penascoloridas.Na Lapa do Boquete, veri?cou-se que essas estruturas de armazenamento eramrecobertas por cinzas para despistar os roedores e prevenir a infestao por insetos. Algunsdesses silos so muito bem-preservados e datados de at 1.200 anos atrs, mas possvelreconhecer, na estratigra?a, sinais de depsitos anteriores que foram retirados, perturbandoos sedimentos mais antigos sem que seja possvel saber em que poca os abrigos comearama ser utilizados como celeiros.Em vrias partes do interior do Brasil central e nordestino, a cermica aparece tambmperto do incio da Era Crist, embora dataes bem mais antigas para a tcnica sejamconhecidas mais ao norte, em stios de tipo sambaqui da Amaznia e do litoral doMaranho, e no cemitrio do Justino (SE), perto da foz do rio So Francisco (entre 7.000 e5.000 anos atrs).Essas primeiras vasilhas em cermica no amaznica so em geral de tamanho reduzido,apresentam formas globulares e no so decoradas. No Brasil central, geralmente se renemsob a denominao de cermica de Tradio Una, e, no Nordeste, de Tradio Pedra doCaboclo. As peas menores so fabricadas por modelagem, e as maiores formam pilhas deroletes cilindros de argila posteriormente reunidos por presso e alisamento. Essa tcnicase manteve at a chegada dos europeus, pois os amerndios no utilizaram o torno. O uso demoldes, comum nos Andes, no parece ter chegado ao Brasil.Os agricultores do incio da nossa era frequentavam, portanto, os abrigos, mas nomoravam neles. Utilizavam-nos para proteger seus depsitos vegetais e sepultareventualmente seus mortos. No norte de Minas Gerais e no oeste baiano cavavam fossas nosedimento, por vezes no meio dos silos, onde deitavam ou sentavam os mortos, cujo corpoera mantido flexionado com tiras de embira (entrecasca).Em Minas Gerais, onde houve processos de mumi?cao natural (lapas da Babilnia, doGentio, do Boquete, de Carangola), veri?cou-se que os corpos dos adultos podiam serrevestidos com uma capa de folhas de palmeira amarrada com um cordo. Cestas ou sacolascontinham instrumentos para a sobrevivncia no alm. Recipientes vegetais (cabaas) ou decermica, um arco quebrado com uma seteira farpada acompanhavam ainda alguns mortos.Um estojo de sobrevivncia em cabaa continha esptulas feitas em osso de veado, buris dedentes de roedor e de porco-do-mato, novelos de cordas, lminas de machado enroladas emtiras de embira, cera de abelha (para fabricar o grude necessrio ao encabamento) e umafaca de concha. Crianas muito pequenas eram sepultadas em pequenas urnas de cermica,com a cabea coberta por penugem branca e colares de osso. Na Furna do Estrago (PE),flautas de osso com vrios furos acompanhavam um dos adultos.Figura13. Ponta de flecha lascada em slex, Andrelndia, Minas Gerais.Figura14. Ponta de flecha lascada em cristal de quartzo, descartada aps quebra acidentaldurante a fabricao, aproximadamente h 9.000 anos, Diamantina, Minas Gerais.Figuras15 e 16. Instrumento lascado plano-convexo (lesma), Diamantina,Figura17: Concha de gastrpode terrestre, perfurada para servir de plaina, Lapa doBoquete, Minas Gerais.Figura18: Duas lascas cortantes de quartzito, utilizadas sem retoque, Buritizeiro, MinasGerais, c. 6.000 anos.Figura19: Contas de colar feitas de semente. Sepultamento datado de c. 8.500 anos,Santana do Riacho, Minas Gerais.Figura20: Esptula de osso de pata de veado, recortado e polido, Lapa do Boquete, vale dorio Peruau, Minas Gerais.Figura21 e 22: esq.: lasca com retoque limitado, criando um bico utiliza