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ENTREVISTAEntrevista comJosé Murilo de CarvalhoEntrevista concedida em 9 de outubro de 1998 a Lucia Lippi Oliveira,Marieta de Moraes Ferreira e Celso Castro.Você acabou de lançar um livro illlitulado Pontos e bordados. Por que essetítulo, e de que se trata?Quando minha mãe leu o título do livro, que estava sendo lançado emBelo Horizonte, disse: "Vai encher de costureiras no lançamento..." Por issomesmo coloquei o subtítulo Estudos de história e política. O título em si foiinspirado em um dos capítulos do livro, que tem a ver com os bordados de JoãoCândido. Escolhi-o não só porque os próprios bordados davam urna excelenteilustração de capa - corno deram -, corno também pela natureza desse capítulo,que me a�adou muito fazer.E um estilo de trabalho que misrura antropologia e história, lembra otipo de prática do Geertz e do Darnton. O terna não era tão vasto nem permitiatanta expansão corno O grande massacre de gatos, mas o estilo de trabalho vai namesma direção: pegar um pequeno documento histórico e procurar decifrá-lovia microanálise, procurar desdobrar suas possíveis significações no seu contextomais amplo. Por isso dei o título do capítulo ao livro. Foi um exercício novo para357358estudos hist6ricos • 1998 - 22mim e que, repito, me agradou muito fazer. Não sei se tive êxito. De resto, o livroé um apanhado do que tenho feito nos últimos dez anos em várias direções, tantono campo da história intelectual como no que respeita à intervenção no debatepolítico nacional.o livro saiu num momemo em que aEditora da Universidade Federal deMinasGerais está se reestrntllralllio.Sem dúvida. A Editora da UFMG está fazendo um esforço extraordinário para se transformar em uma editora com substância, séria e nacional, estátentando sair do provincianismo que mata muitas editoras regionais. E estátambém procurando superar esse problema constante das editoras universitárias,que é o da distribuição. Há um esforço nessas duas direções: em primeiro lugar,pegar temas e autores que tenham alguma circulação nacional e, ao mesmo tempo,procurar um esquema de distribuição mais eficiente. Considero seu trabalhoexcelente, e imagino que vai conseguir se transformar em uma editora importante- a direção está certa, a questão é ter êxito. Essa foi uma das razões por que aceiteiser publicado lá, porque todo mundo tem um certo pé atrás quando se trata deeditoras universitárias. Não distribuem direito, ficam limitadas e, se estão forado circuito Rio-São Paulo, pior ainda. Mas foi uma aposta dos dois lados, e porenquanto estou satisfeito. Fizeram uma edição primorosa e, ao que parece, estãofazendo um esforço de distribuição também bastante bom.A editora de Minas publica o livro do historiador mineiro... Nao deixa de serum retomo, uma viagem redonda. Por falar nisso, como foi sua infância no imerior deMinas? Quem o illcentivolt nos estudos' Sua mãe era professora?Não, minha mãe não é professora. Uma das grandes queixas que ela temé que meu avô não permitiu que continuasse os estudos. O velho patriarcalismo...Meu avô era uma figura curiosa: aos filhos, dava a possibilidade de terminaremos estudos primários e, se quisessem fazer o secundário, emprestava dinheiro.Agora, às filhas,só permitia quatro anos do primeiro grau. Não deixava ir adiante,achava que não era necessário.,Quem me empurrou para os estudos foi principalmente meu pai. Edentista, formou-se na velha Faculdade de Odontologia e Fallllácia de BeloHorizonte, mas sempre foi uma pessoa muito preocupada com a gramática, como português, vivia me corrigindo nas cartas que eu lhe mandava da escola. Tinhauma pequena bibliotecazinha, não muito grande, e certamente foi por suainfluência que me interessei por uma vida acadêmica. Embora a primeira coisaem que pensei, quando fui tentar o vestibular, tenha sido agronomia. Mas eu nãopoderia de maneira alguma ir por esse caminho, porque tinha feito o equivale

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ENTREVISTAEntrevista comJos Murilo de CarvalhoEntrevista concedida em 9 de outubro de 1998 a Lucia Lippi Oliveira,Marieta de Moraes Ferreira e Celso Castro.Voc acabou de lanar um livro illlitulado Pontos e bordados. Por que essettulo, e de que se trata?Quando minha me leu o ttulo do livro, que estava sendo lanado emBelo Horizonte, disse: "Vai encher de costureiras no lanamento..." Por issomesmo coloquei o subttulo Estudos de histria e poltica. O ttulo em si foiinspirado em um dos captulos do livro, que tem a ver com os bordados de JooCndido. Escolhi-o no s porque os prprios bordados davam urna excelenteilustrao de capa - corno deram -, corno tambm pela natureza desse captulo,que me a?adou muito fazer.E um estilo de trabalho que misrura antropologia e histria, lembra otipo de prtica do Geertz e do Darnton. O terna no era to vasto nem permitiatanta expanso corno O grande massacre de gatos, mas o estilo de trabalho vai namesma direo: pegar um pequeno documento histrico e procurar decifr-lovia microanlise, procurar desdobrar suas possveis significaes no seu contextomais amplo. Por isso dei o ttulo do captulo ao livro. Foi um exerccio novo para357358estudos hist6ricos 1998 - 22mim e que, repito, me agradou muito fazer. No sei se tive xito. De resto, o livro um apanhado do que tenho feito nos ltimos dez anos em vrias direes, tantono campo da histria intelectual como no que respeita interveno no debatepoltico nacional.o livro saiu num momemo em que aEditora da Universidade Federal deMinasGerais est se reestrntllralllio.Sem dvida. A Editora da UFMG est fazendo um esforo extraordinrio para se transformar em uma editora com substncia, sria e nacional, esttentando sair do provincianismo que mata muitas editoras regionais. E esttambm procurando superar esse problema constante das editoras universitrias,que o da distribuio. H um esforo nessas duas direes: em primeiro lugar,pegar temas e autores que tenham alguma circulao nacional e, ao mesmo tempo,procurar um esquema de distribuio mais eficiente. Considero seu trabalhoexcelente, e imagino que vai conseguir se transformar em uma editora importante- a direo est certa, a questo ter xito. Essa foi uma das razes por que aceiteiser publicado l, porque todo mundo tem um certo p atrs quando se trata deeditoras universitrias. No distribuem direito, ficam limitadas e, se esto forado circuito Rio-So Paulo, pior ainda. Mas foi uma aposta dos dois lados, e porenquanto estou satisfeito. Fizeram uma edio primorosa e, ao que parece, estofazendo um esforo de distribuio tambm bastante bom.A editora de Minas publica o livro do historiador mineiro... Nao deixa de serum retomo, uma viagem redonda. Por falar nisso, como foi sua infncia no imerior deMinas? Quem o illcentivolt nos estudos' Sua me era professora?No, minha me no professora. Uma das grandes queixas que ela tem que meu av no permitiu que continuasse os estudos. O velho patriarcalismo...Meu av era uma figura curiosa: aos filhos, dava a possibilidade de terminaremos estudos primrios e, se quisessem fazer o secundrio, emprestava dinheiro.Agora, s filhas,s permitia quatro anos do primeiro grau. No deixava ir adiante,achava que no era necessrio.,Quem me empurrou para os estudos foi principalmente meu pai. Edentista, formou-se na velha Faculdade de Odontologia e Fallllcia de BeloHorizonte, mas sempre foi uma pessoa muito preocupada com a gramtica, como portugus, vivia me corrigindo nas cartas que eu lhe mandava da escola. Tinhauma pequena bibliotecazinha, no muito grande, e certamente foi por suainfluncia que me interessei por uma vida acadmica. Embora a primeira coisaem que pensei, quando fui tentar o vestibular, tenha sido agronomia. Mas eu nopoderia de maneira alguma ir por esse caminho, porque tinha feito o equivalenteao clssico e nao tinha conhecimento suficiente de qumica, de biologia, de fsica,E/ltre/lista com Jos Muri/o de Carvalhode matemtica. Tentei economia, e a tambm a matemtica no deu. Termineina sociologia poltica.Mlc estudou em colgio intenw? Qual?Estudei num colgio de franciscanos holandeses, em Santos Dumont.Dei sorte porque eram franciscanos holandeses, e alguns muito cultos. Osfranciscanos holandeses so mais arejados. O sistema da poca, de internato, que era duro, por afastar da famlia. Sa de casa com dez anos, era realmentepesado. Mas a orientao deles era bastante liberal. E havia esse lado interessante:at certo ponto eu estava absorvendo uma tradio de cultura europia. Certamente meu interesse pela cultura, pela lngua, pela arte, vem em parte do meupai e em parte desses franciscanos.No captulo de abertura do meu livro, em que escrevo "sou do mundo,sou Minas Gerais", falo de uma descoberta que tambm me impressionou muito.Minha famlia vivia l no fim do mundo, eu andava descalo, pisando no barrode uma fazenda no interior de Minas, e de repente descubro que havia traosjansenistas em minha formao religiosa, via os lazaristas do Caraa, onde umbisav meu estudou. Tive realmente um choque ao descobrir esse percurso deidias e valores que partem de uma heresia do sculo XVII na Frana e se fazempresentes no interior de Minas. . . Isso uma coisa extraordinria! Estudandocultura, eu nunca poderia formular uma hiptese nessa direo, ia considerar essapossibilidade estapafrdia. No entanto, real. O que faz com que, ao interpretarcertas coisas brasileiras, certas tradies, no se tenha que ser tmido. Porquepode realmente haver esse tipo de transmisso, de transferncia, de deslocamentode idias e valores ao longo do tempo e do espao, de uma maneira absolutamentedifcil de suspeitar. Jos Guilherme Merquior j usou a expresso "outro Ocidente". Quem usou recentemente a expresso "Ocidente distante"? Li isso algumdia. Somos Ocidente! Um Ocidente distante, mas somos. Esse um exemplomuito interessante disso.Mlcelltrou para a FaCIlidade de Cincias Econmicas, em Belo Horizonte, em1962. Teve alguma participao /ws movimClltos de esquerda na poca?Minha militncia poltica foi toda a partir da faculdade. At l eu estavainternado, longe dos pecados do mundo... A Faculdade de Cincias Econmicasera uma escola bastante excepcional no Brasil naquele momento. Primeiro, pelamaneira como funcionava, particularmente pelo sistema de bolsas de graduaoque possua, e que era realmente extraordinrio, teve um efeito fantstico.Conseguia-se a bolsa por concurso, e nos primeiros anos havia inclusive umcontrole dos bolsistas: para sair e para entrar eles tinham que assinar ponto,tinham obrigao de ajudar os colegas, tinham obrigao de escrever um trabalho359360estudos hist6ricos 1998 - 22ao final de cada ano. Ao mesmo tempo, a faculdade era um centro de agitaopoltica de dimenso nacional. Alguns dos presidentes da UNE saram de l,como Vincius Caldeira Brant. Havia, portanto, uma combinao fantstica, deuma grande agitao, um grande envolvimento poltico, e ao mesmo tempo umgrande envolvimento acadmico. Ningum podia ser lder estudantil se no fossedos melhores alunos da turma. Uma das credenciais para ser lder era ser umexcelente aluno. Esse ponto de vista implicava tambm que a ao poltica erafreqentemente orientada por leituras. Obviamente, Marx era um autor que selia muito.Yc estudou sociologia cursando a Faculdade de Cincias Econmicas. Aomesmo tempo, vocsempre ressalta a influnciado professor FrallciscoIglsias, no perododa universidade, ,w seugosto pela histria. Oque Iglsiasfazia numa escolade ecollomia?Conw estava organizada essafaculdade?Essa faculdade, inicialmente, era particular. Depois que ela foi incorporada UFMG. E ento criou-se uma duplicao, porque havia um curso decincias sociais na Faculdade de Cincias Econmicas e outro na Faculdade deFilosofia. Eram duas realidades totalmente distintas. A Faculdade de CinciasEconmicas funcionava que era uma beleza, e a Faculdade de Filosofia eraconsiderada um lugar desorganizado- quer dizer, o normal para o Brasil. Por fimcancelaram o curso de sociologia da Faculdade de Cincias Econmicas e otransferiram para a Faculdade de Filosofia. A ele se juntou histria e aos cursosnormais da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. Ainda estudei naFaculdade de Cincias Econmicas, mas j vinculada UFMG - por isso Iglsiasestava l.A Faculdade de Cincias Econmicas fora criada por Yvon Leite deMagalhes Pinto com cursos de economia, administrao de empresas, cinciascontbeis - quer dizer, cursos para empresrios -, e ainda administrao pblica.E ele enfiou l tambm um curso de sociologia poltica, que ficava um poucodesvinculado do resto, mas, como disse, funcionava bem. De incio foi precisoatrair professores: na rea de economia, os primeiros freqentemente eramengenheiros; na rea de poltica, alguns vinham do direito, mas rapidamente seorientaram na direo da sociologia. O que comeou a acontecer logo depois foique os melhores alunos, quando se formavam, eram imediatamente contratados.Num perodo curto havia gente dando aula j formada na prpria faculdade. Essesprofessores eram obrigados, em seu primeiro ano, a produzir um manual da suacadeira, a escrever um trabalho. Era algo realmente muito pouco brasileiro. Odiretor da faculdade era um dspota esclarecido. Foi expulso de l por uma grevede alunos, por causa desse seu estilo. Mas teve o mrito de ter criado um cursoque at hoje funciona bem.Eutrepista com Jos Murilo de Carvalhoo que vocs liam nafaculdade? Quais eram as influncias principais?No que se refere s influncias, s leituras que fazamos, havia vriosblocos. No que diz respeito a Brasil, sem dvida o autor mais influente na pocaera Celso Furtado. Em histria econmica havia duas bblias, A formaoecO/zmica doBrasil, do Celso, eA histria econmica do Brasil, do Caio PradoJnior.A influncia do Celso foi alm, porque dele se lia muito tambmA pr-revoluobrasileira e A dialtica do desenvolvimento, livros posteriores e com conotaobastante poltica, particulatmente A pr-revoluao brasileira. Ainda entre osbrasileiros, OliveiraViana era um autor que se lia, noPopulaes meridio/zais, masprincipalmenteInstituies polticas brasileiras. E Faoro tambm, na parte poltica.Um outro grupo de autores brasileiros que era bastante influente era opessoal do Iseb. Um dos professores da faculdade, Jlio Barbosa, num certomomento, acho que depois da sada do Guerreiro Ramos, foi diretor do departamento de sociologia do Iseb, de modo que havia um contato bastante estreito.Do Iseb lamos principalmente Hlio Jaguaribe, O nacionalismo na atualidodebrasileira, e Guerreiro Ramos,A reduo sociolgica eA crise do poder no Brasil. EIncio Rangel, A dualidade bsica da economia brasileira. Eram autores que se liamuito. Havia ainda um gancho tipicamente mineiro, que eram os estudos depoder local e os estudos eleitorais, que eram publicados na Revista Brasileira deEstudos PoUticos. O primeiro trabalho que fiz estava, alis, um pouco dentro dessa. . -msplraao.O professorJlio Barbosa linhaformao em direito?Sim. Jlio Barbosa era formado em direito, mas sua orientao era muitosociolgica, talvez por seu envolvimento no Iseb. Seus trabalhos tinham a vercom anlises eleitorais. Alguns foram publicados. Foi ele, inclusive, quem crioua Revista Brasileira de Cincias Sociais, cujo nome, agora, a revista da Anpocsherdou. Creio que talvez fosse a melhor revista de cincias sociais produzida noBrasil at recentemente. Era urna extraordinria revista! Foi obra do JlioBarbosa.Voltando s nossas leituras, na rea sociolgica, eu diria que as grandesinfluncias eram dos clssicos, franceses e alemes: Marx, Weber e Mannheimno lado alemo e, no lado francs, principalmente Durkheim, Regras do mtodosociolgico, e Georges Gurvitch, uma figura que hoje ningum conhece. Gurvitchesteve em So Paulo durante algum tempo, e ns o usvamos tanto comointrprete dos clssicos quanto como autor de seus prprios trabalhos.Em um momento posterior, veio uma nova influncia, via Flacso. Umatestado da eficcia do sistema de bolsas da Faculdade de Cincias Econmicas que vrios alunos l formados foram aceitos pela Flacso com bolsa. Na primeiratUlma que foi para o Chile, entre as pessoas conhecidas estavam Fbio Wanderley361362estudos histricos. 1998 - 22Reis, Simon Schwartzman, Antnio Otvio Cintra; um pouco posteriormenteVilmar Faria. Isso sim, representou um corte bastante profundo na orientaodo curso. Essas pessoas foram para a Flacso, voltaram e comearam a dar aulasimediatamente. Eu, por exemplo, com uma diferena de dois, trs anos para oscolegas, cheguei a ser aluno do Fbio, do Antnio Otvio e do Simon, que tinhamido Flacso e voltado. E a sim, entrou um outro estilo de pensamento, uma outraorientao: entrou a cincia poltica americana, via Flacso. No foi realmenteminha ida para os Estados Unidos que me introduziu a esse campo; comecei aler os autores na bibliografia do Antnio Otvio, do Simon Schwartzman, doFbio Wanderley.Nessa poca Galtwzg esteve por aqui.Ele vinha para recrutar. Fui entrevistado por ele para ir para a Flacso efui aceito, mas sem bolsa, porque no consegui resolver uma equao, imaginoque bastante simples, que ele me mandou resolver na entrevista. Minha lgebrano foi suficiente... Sem bolsa, como eu no tinha dinheiro, no pude ir. Isso jmostra o estilo de orientao deles, particularmente do Galtung: uma orientaomuito matemtica, muito quantitativa, que tinha muito a ver com a cincia socialnorte-americana. O nico gancho que esse tipo de estudo encontrou naFaculdade de Cincias Econmicas foi via estudos eleitorais. Isso j existia l,Orlando de Carvalho tinha isso na Revista Brasileira de Estudos Polticos, e por ano houve um corte significativo. Mas do ponto de vista geral houve umamudana importante, que na poca, inclusive, gerou debate. Eu me lembro deum artigo do Antnio Otvio Cintra que se chamava "Sociologia: cincia ftica".Wanderley Guilherme dos Santos, que ento estava no Iseb, respondeu commuita nfase, como lhe prprio. Posteriormente Wanderley tambm foi para osEstados Unidos, mas certamente havia um conflito bastante grande entre a novaorientao e o que se praticava em So Paulo e no Rio de Janeiro, particularmenteno Iseb.Vrios dos que foram para a Flacso seguiram depois para os EstadosUnidos e l completaram suaformao. Outros, que no tinham ido para a Flacso,tambm foram para os Estados Unidos, como Amauri de Souza e BolvarLamounier. Houve ainda os que no foram estudar em lugar nenhum, mas depoistiveram muita influncia na poltica, como o Betinho, que no exlio passou peloCanad, mas no pelos Estados Unidos. Tudo isso aconteceu um pouco em funodo sistema de bolsas da faculdade, que produzia pessoas preparadas. Um pontoque eu talvez deva mencionar que, desse grupo todo, que eu saiba, fui o nicoque me orientei para a histria. O resto, ou virou cientista poltico, ou virousocilogo. Havia tambm muitos economistas no grupo, vrios dos quais estoEntrevista com Jos Murilo de Carvalhohoje em evidncia. Edmar Bacha, por exemplo, era de l, Paulo Haddad era del, Cludio de Moura Castro... Vrias pessoas.Outra coisa me que marcou tambm foi a exigncia que o sistema debolsas fazia, de que as pessoas escrevessem um texto a cada ano. Acabei escrevendo dois. Um foi um estudo sobre Barbacena, que foi publicado na revista doOrlando, e o outro foi um estudo sobre militares, que nunca foi publicado e nofaz falta.Uma coisa curiosa que ftz o estudo sobre Barbacena no meu terceiroano, mas acho que o primeiro estudo voc nunca esquece - como certas outrascoisas... Lembro bem dele, particularmente pelo seguinte: quando eu disse queia estudar Barbacena, em parte porque minha famlia morava l, um dos professores imediatamente me deu a receita: "Em Barbacena o latifndio que mandana poltica." Um tipo de marxismo bastante simples... Fui para l com aquelaidia na cabea, atrs do latifndio controlando a poltica, e no encontrei nada,pois Barbacena j era uma cidade quase terciria. O que havia l, sim, era o queHlio Jaguaribe chamava de Estado cartorial. Quer dizer, o recurso polticofundamental era o emprego pblico. De alguma maneira, era a poltica quepredominava. A poltica e a famlia.Isso me marcou muito, como me marcou o fato de ter que estudar histriapara fazer a histria de Barbacena. Foi ento que li Saint-Hilaire pela primeiravez. Afora a influncia de Iglsias como historiador, essa pesquisa me levou atrabalhar com documentos.Foi por a tambm que passei a ter certa simpatia pela histria ou, pelomenos, que passei a querer combinar histria com cincia social. Porque tpicoda cincia social ter suas hipteses, suas teorias, quando se vai para o campo, e vi,o perigo dos esquemas pr-fabricados. E preciso ter cuidado, sobretudo quandose parte de certos reducionismos simples como aquele, economicista, que me foipassado por um professor e que levei para Barbacena. Adquiri ento um senso decautela, de relativismo, muito grande. Percebi a importncia de um dilogo maisestreito com os dados, com a evidncia. A teoria tem que dialogar muito com osdados. Ela pode servir como um incio de aproximao, mas h que ter muitocuidado.Era comum em seu curso os alunosfazerem trabalhos de pesquisa emprica?No, no era comum. Na realidade, no conheo nenhum outro dessestrabalhos que tenha sido publicado. Dei sorte porque trabalhei com um temamuito caro a Orlando de Carvalho. Havia vrios estudos do gnero na RevistaBrasileira de Estudos Polticos, e ele publicou o meu porque se encaixava bem narevista.363364estudos histricos. 1998 - 22o curso no estimulava particularmente esse tipo de abordagem? Foi mais umainiciativa individual, sua?Foi. Pelo menos no que teve a ver com urna perspectiva mais histrica.Como disse, havia na faculdade uma tradio de estudos eleitorais. O que haviade empiria era a preocupao com partidos e eleies. Alguns, certamente sob ainfluncia de Jlio Barbosa, trabalharam com sociologia eleitoral, mas, que eusaiba, ningum mais publicou.O outro trabalho que fiz, sobre militares, foi tambm produto do estiloda faculdade, dessa vinculao estreita entre militncia e estudos. Ns todosramos politicamente envolvidos. Esses nomes todos que mencionei, ou eram daAp, ou da Polop ou do Partido Comunista. No havia praticamente ningumnesse grupo que fosse de direita. Eu, na poca, militava na AP. E o trabalho sobreos militares foi provocado por 64. De repente se tem um fato poltico que deixatodo mundo perplexo: tnhamos sido incapazes de prever aquela possibilidade.Fui ento trabalhar o problema historicamente.Foi essa a origem do seu texto quefoi publicadona Histria geral da civilizaobrasileira, "Asforas armadas na Primeira Repblica: o poder desestabilizador',?O primeiro trabalho, que nunca foi publicado, foi mais modesto, maissimples, mas tinha a ver com o captulo da HGCB. O esquema j estava l.Algumas inspiraes da teoria da organizao jogadas no contexto histrico. Foio primeiro exercicio que fiz e que me deu a bolsa para os Estados Unidos. Depoisaquilo foi ampliado e desenvolvido no trabalho que saiu na Histria geral docivilizao brasileira.Comofoi essa opo de ir para os Estados Unidos?Coincidiu que tetnlnei a graduao e, naquele momento, a FundaoFord tinha decidido investir nas cincias sociais na Amrica Latina, particularmente nas reas de cincia poltica, antropologia e economia; curiosamente, node histria. Esse apoio teve conseqncias grandes, porque em funo dele secriaram aqui vrios cursos de cincia poltica - o de Minas, o do Iuperj, no Rio-,de antropologia, de sociologia e de economia. A motivao da Fundao Fordveio obviamente da Revoluao Cubana. Mas preciso dizer em seu favor que elanunca cobrou absolutamente nada. Simplesmente entregava instituio odinheiro destinado a bolsas, e a instituio usava-o como queria. Eu estavaexatamente terminando a graduao quando se abriu a seleo de bolsistas paraos Estados Unidos. Fui entrevistado e selecionado para a primeira turma. Foramoutros logo depois, tanto de Minas corno do Iuperj. De Minas foram FbioWanderley, Bolvar Lamounier, Simon Schwartzman, Amauri de Souza. Do Rio,Wanderley Guilherme, Csar Guimares, Carlos Hasenbalg. PosteriormenteEllt/'cI'ista com Jos Murilo dc Ca,."alhoforam tambm Renato Boschi, Elisa Reis, Olavo Brasil, os trs de Minas. Todosfomos ao longo do perodo de tempo que durou essa doao.Como disse, alguma coisa da sociologia poltica norte-americana j tinhaentrado aqui via Flacso. Quando cheguei l, j tinha lido parte dessa literatura,principalmente as teorias de modernizao, cultura poltica, Almond, Verba,Eisenstadt. Minha ida foi realmente uma coincidncia: acabei a graduao,emendei e fui embora. Essa foi a razao de eu ir para os Estados Unidos, nenhumaoutra.A mesma razo que levou a Fundao Ford afinanciar a ida de brasileirospara os Estados Unidos levou-a, nos anos 60-70, afinanciar a vi/zda de americanos,para ca.Sim, obviamente. Era o problema da ameaa comunista na AmricaLatina. Naquele momento houve muito dinheiro para os centros latino-americanos e para bolsas na Amrica Latina. Isso produziu uma primeira grande levade estudantes norte-americanos que vieram fazer suas teses no Brasil. Surgiu afigura do brasilianista. Creio que houve uma melhor aceitao dos brasilianistasno Brasil na rea de cincia poltica do que na rea de histria. Uma dasexplicaes para o fato que, como a Fundao Ford no financiou departamentode histria aqui, no houve a ida de estudantes de histria para l. Com isso, ahistoriografia brasileira permaneceu profundamente vinculada tradioeuropia. Francesa em primeiro lugar, em segundo lugar inglesa e, mais recentemente, alem. At hoje assim.Freqentemente, a troca vem de relaes que se fazem aqui ou noexterior. So essas relaes que levam a um maior intercmbio, traduo delivros etc., e isso no aconteceu na rea de histria entre Brasil e EstadosUnidos.A nica coisa que aconteceu e que deu certa circulao a alguns brasilianistas foi Boris Fausto ter posto os trabalhos de trs deles na Histria geral dacivilizao brasileira: o de Robert Levine sobre Pernambuco, o de John Wirthsobre Minas e o de Joseph Love sobre o Rio Grande do Sul. A os trs foramincorporados. Em termos de divulgao, certamente o Skidmore tambm tevexito, porque fez um manual, coisa que os historiadores brasileiros s agora estose dignando a fazer. Mrito do Boris Fausto, um historiador respeitado queescreveu um manual para a graduao.Mas afora esses casos, qual foi o brasilianista que teve mais difuso noBrasil? Eu diria, posso estar equivocado, que foi o Stepan, que era da rea decincia poltica e trabalhou com militares, um tema-tabu para os cientistas sociaisbrasileiros. Depois fez trabalhos conjuntos com brasileiros sobre o autoritarismoe teve boa aceitao. O primeiro livro do Schmitter, sobre grupos de interesse no365366estudos histricos 1998 - 22Brasil, sobre o corporativismo - eram temas quentes -, tambm teve algumacirculao. Em geral quem tinha mais divulgao era o pessoal de poltica, porquefreqentemente era conhecido dos estudantes brasileiros que tinham ido para osEstados Unidos. No caso de histria, por exemplo, conheci pessoalmente o JohnWirth em Stanford e fiz a introduo do livro dele aqui.Por que, a seu ver, no houve imeresse em promover no campo da histria omesnw intercmbio que foi feito na rea de sociologia, cincia poltica etc.?O que eu posso especular. Obviamente, pareceu Fundao Fordque histria nao seria um campo eficaz para trabalhar. Havia a certamente aidia de que a cincia poltica, a sociologia e a antropologia seriam camposmais eficazes em termos de influncia na sociedade. Imagino que o tipo deinteno poltica que a Fundao Ford tinha ia, com certa razo, na direode disciplinas mais tericas. Teorias podem ter impacto fora do seu pas.Histria, com a sua especificidade, mais complicado. Levar um historiadorbrasileiro para fazer histria do Brasil nos Estados Unidos, em termos de umpossvel impacto extra-acadmico, era mais problemtico do que levar algumque estudasse cincia poltica, que trabalhasse com teorias supostamenteextra-nacionais - supostamente, porque vrias delas tinham sido desenvolvidas l dentro; e eram essas teorias, obviamente, que eles queriam que fossemdifundidas.,E interessame isso, porque nos anos 30, quando vieram missesfrancesas poraa USP e para a UDF, osfranceses tiveram muito mais cO/uJio de pmelTar, deformarpessoas, na rea de geografia do que na de histria. A histria sempre resisle muito mais influncia externa.Exatamente. Por exemplo, quais foram as grandes influncias em SoPaulo? Alm da geografia, a antropologia, com Lvi-Strauss e outros. Mas nome lembro no momento de nenhum historiador.Eles apregoam umaforte influncia do Braudel, mas parece tratar-se de umair/fluncia mais apregoada do que concreta. Talvez o problema da histriatenha a ver com a histria nacional. Seria difcil, por exemplo, um professorestrangeiro, seja francs, seja americano, vir para o Brasil e ensinar histriado Brasil. E vice-versa.Sim. O prprio Darnton tem problemas de ser aceito na Frana porquefaz histria francesa, e disso os franceses certamente no gostam. Existe urnarelao muito estreita da historiografia com o Estado nacional. E isso tira muitoa possibilidade de um intercmbio mais amplo.EntreJlista com Jos Murilo de CarvalhoDurante seu doutorado em Stanford, voc teve comato com o mUlldo doslatino-americaniscas?Tive contato com os que estavam em Stanford. Por acaso, oJohnJohnsonera professor l, e tambm oJohn Wirth. Ao fazer a tese, tive contato com algunsoutros. Mas no foi um contato muito grande e no teve nenhuma influncia naescolha do meu tema de tese, que veio mais de conversas com WanderleyGuilherme, que tinha ido para l, do que com qualquer outro. Wanderley, emborafosse formado em filosofia, tinha tambm, via Iseb, via Guerreiro Ramos, umaformao em Brasil, pelo lado da histria do pensamento. Das conversas com elefoi que me veio a idia de trabalhar com o Imprio e a elite imperial.Por que as conversas com Wanderley Guilherme dos Santos o levaram a escolhero Imprio como tema?Wanderley - vou dizer coisas aqui que no sei se correspondem ao queele pensa -, embora tivesse participado da fase final do Iseb, que era maismilitante, pelo menos naquele momento das nossas conversas tinha - e acho quetem at hoje - uma viso positiva da experincia brasileira. Ele tem bastanteresistncia a visoes muito crticas, muito negativas do Brasil. Creio at que noseu ltimo livro isso ainda est presente: a preocupao de valorizar a nossaexperincia. Naquelas nossas conversas, ento, apareceu a seguinte idia: nsconstrumos um Estado nacional no Brasil; essa foi uma experincia importanteque vale a pena estudar. Um ponto a examinar nessa construo era quemconstruiu. Sem dvida, quando se trata da construo do Estado, um papelimportante o da elite poltica. Foi por a que comeou o interesse da tese, tantoque ela foi publicada em dois volumes. Um, A conscrno da ordem, cobria maisesse aspecto, enquanto o outro trazia algo que foi incorporado do debate americano sobre como estudar elites. Uma viso era: devem-se estudar as pessoas. E aoutra era: no, preciso estudar as decises. Uma simples sociologia das elites,um estudo da origem social, podem no indicar em que direo elas vo se-comportar. E preciso ver as decises concretas. Isso deu a segunda parte da tese,que o Teatro de sombras: so as decises sobre oramento, sobre a Abolio, sobrea Lei de Terras, decises concretas.Portanto, o tema era brasileiro, e a maneira de abordar tinha a ver coma discusso sobre como estudar a elite. Havia um grande debate sobre poder nosEstados Unidos, alguns autores discutiam muito o lado metodolgico, diziamque h decises e nao-decises que importante estudar. Emendei essa literaturacom os clssicos, Pareto, Mosca, Michels, Mills, para ampliar o escopo terico,e da surgiu a idia do trabalho, que, como aconteceu com o trabalho sobre osmilitares, era muito contra a corrente. Era meio incmodo, naquela poca, falarsobre militares, como era muito incmodo, na poca em que a tese foi publicada,367368estudos lJisf1cos 1998 - 22falar sobre elites polticas. Quem trabalhava com militares e elites era imediatamente suspeito de ser conivente.Fazia-se uma confoso entre o tema e a opo poltica do autor. Como setrabalhar com elites ou com militares significasse ser afervor desses grupos.Sim. O livro sobre o Imprio durante muito tempo foi pouco lido, em,parte, sem dvida, por causa dessa confuso. E claro tambm que uma leituramais pesada, o trabalho ainda tem muito estilo de tese, especialmenteA coIIStruoda ordem. Tem muita tabela, uma leitura meio chata. Hoje o texto j est umpouco melhor, foi republicado e trabalhei em cima dele.Depois do seu doutorado, vocficou um tempo em Minas, at que resolveu virpara o Rio. Comofoi essa passagem?H fatores profissionais e fatores pessoais. Vou deixar os pessoais de ladoe ficar com os profissionais. Conheci o Wanderley em Stanford, nos tornamosamigos, voltei para o Brasil, ele voltou um pouco depois e me fez um convite paravir para o Iuperj. Naquele momento, me pareceu que seria uma experinciainteressante. Minas tem vantagens e desvantagens. No h dvida de que Rio eSo Paulo esto muito mais no centro do debate poltico. Eu estava trabalhandocom temas nacionais, e os grandes arquivos e bibliotecas esto no Rio de Janeiro.Trabalhar em Minas com temas nacionais, naquela poca, sem Internet, erabastante difcil. Mesmo para a tese, tive que vir vrias vezes ao Rio para poderpesquisar. O convite e mais esse lado prtico me convenceram a vir para c.Alguns anos depois de Stanford voc esteve em Princet011. vocprprio j disseque na poca de Stanford tillha uma crella maisfirme na objetividade. E que I!Q pocade PrillcetOIl ficou mais ctico, embora no tivesse passado a crer que as histrias dapoUtica e da vidafossem exatamentefico...Foram experincias totalmente distintas. Tanto porque eu mesmo estavaem uma fase distinta, como porque o ambiente era totalmente outro. As dcadasde 50 e 60 corresponderam ao auge do positivismo na cincia social americana,ao auge da crena no poder das cincias sociais de afetar a realidade. Foi o auge,inclusive, do prestgio da universidade americana, que surgiu durante a guerra edepois atingiu o ponto mximo com investimentos macios do governo. Haviaessa crena realmente positivista na idia de que a cincia social uma cinciaprecisa e que tem condies de afetar a realidade. Era a poca de Parsons, quefazia papers aconselhando o governo a adotar certas polticas em relao scincias sociais, a investir dinheiro etc. Foi realmente o topo, a idade de ouro dauniversidade americana de modo geral, e em particular das cincias sociais.Entrevista com Jos Muri/o de CarvalhoQuando fui para Princeton, na dcada de 80, essa crena j estava emdeclnio. Aquilo tudo no funcionou muito bem, o prestgio da universidadeestava caindo e continuou a cair consistentemente. Em segundo lugar, o modelode centro de estudos avanados, dos quais Princeton foi o primeiro exemplo,implicava um arranjo institucional totalmente distinto que forava o pesquisador, pelo prprio tipo de convivncia que se estabelecia, a sair de suas fronteirasdisciplinares. Princeton tem escolas de matemtica, de fisica, de cincias sociais,de histria. Conta com um grupo pequeno de professores permanentes, e a cada,ano vm de 60 a 70 visitantes escolhidos no mundo inteiro. E uma extraordinriaexperincia de troca, abrem-se os horizontes. Hoje existem vrios centros dessetipo no mundo. H um artigo interessante do criador do Instituto de Princetonque expe sua filosofia. O ttulo "A utilidade do conhecimento intil". E afilosofia esta: buscar pessoas que esto trabalhando em fronteiras, em geral maisjovens, e deix-las ficar um ano convivendo com pares, discutindo livremente eescrevendo o que lhes der na telha. A pessoa pode no escrever nada, um riscoque se corre. Mas deixa-se que ela trabalhe e produza.Na rea de cincias sociais, em Princeton, entre essas pessoas estavamHirschman, em economia, Michael Walzer, em cincia poltica, e Geertz, emantropologia. O Geertz e o Walzer ainda esto l, o Hirschman se aposentou.Havia um tema que amarrava o programa do ano e que servia para selecionar aspessoas. Eles diziam: "O tema este. J que voc trabalha neste tema, veja o queprope fazer aqui." A gente escrevia uma coisa simples, mandava para l, elesdiziam "tudo bem, venha", e pediam para voc participar de seminrios e fazeruma palestra pblica. Uma coisa de que eles faziam questo era que todo mundoalmoasse junto. Ento a gente almoava com um historiador da arte famoso queestava l e fazia palestras - pela primeira vez vi o que uma palestra sobre arte:pura projeo de s/ides; assim que se trabalha em arte. O pessoal de matemticano podia discutir com os historiadores da arte, mas jogava futebol com eles. Narea de histria estava l John Elliot, um historiador ingls que um dos maioresconhecedores da Espanha, tem um livro sobre o conde de Olivares, outro sobrea Espanha do sculo XVII, livros premiados. E assim em outras reas. Fizamizade com indianos, com franceses, holandeses, ingleses. Isso abre a cabearealmente, uma experincia absolutamente fantstica.Alm do convvio social, havia atividades propriamente acadmicas comuns?Havia as vrias escolas, de histria, cincia social etc., mas aos seminriospblicos todo mundo assistia. E dentro da sua escola s vezes vinha uma pessoa,para falar sobre outra disciplina, estabelecer relaes e abrir contatos. E ummodelo institucional fantstico. Claro, um luxo. Mas criou-se agora na Holandaum instituto desses, cujo diretor foi meu colega em Princeton, que financiado369370estudos histricos. 1998 - 22pelo Estado. A vem o lado europeu: o Estado entra mais, porque no h comocontar com os particulares.O que acontece quando se vai para um centro como Princeton? No sesofre uma influncia americana, mas uma influncia quese d em uma instituioamericana. No meu caso, tive contato mais prximo com Geertz, que era membrodo Instituto, com Darnton, que estava l no mesmo momento como visitante.Havia um historiador da classe operria, um historiador da arte, algum pessoalde economia. Havia vrios temas com que depois no digo que comecei atrabalhar, mas aos quais comecei a ficar atento. No havia mais nenhum ambientepositivista. Inclusive porque nessas outras reas, como arte e antropologia, issono era to comum. Isso me serviu enormemente. No que eu tivesse absorvidoa lio positivista, mas, enfim, era um ambiente que fortalecia a idia de que omodelo das cincias exatas no se aplica de maneira alguma ao trabalho que ocientista social ou o historiador fazem. Num ambiente desses a gente comea ase aproximar da antropologia, da crtica literria etc.Que tema voc escolheu para trabalhar l?Meu tema tinha a ver com o que eles tinham colocado para debate noano em que fui: crise e decadncia. Num ano foi apogeu, no outro crise edecadncia. Propus trabalhar com histria intelectual, com o processo de intercmbio de idias entre Brasil e Europa. Trabalhei e apresentei conferncias emtomo disso. Serviu de origem para outros trabalhos.o que se percebe que sua temtica comeou a se modificar depois de Princeton.Voc niJ trabalhou mais com elites polticas.No. Isso teve a ver tambm com o resultado da pesquisa sobre o Imprio.Cheguei ao final do Imprio e percebi que a elite tinha sido muito eficaz emconstruir um Estado, mas, e a nao? Comecei ento a deslocar o foco para o ladoda nao, em vez do Estado.Vc estudou as elites imperiais e depois foi vendo que houve um certofracassorepublicano, porque a Repblica nofoi capaz de incorporar o povo. Foi por isso que vocfez sua opo pela monarquia no plebiscito?Todo mundo me cobra isso. Acho que em muitos setores nunca fuiperdoado. Tenho exemplos concretos do alto custo que paguei. E o maisirnico que no era minha inteno defender a monarquia, eu no estavasendo monarquista quando me manifestei. Apenas, ao vir o plebiscito e ao secomearem a discutir regimes polticos e formas de governo, me pareceu que,do ponto de vista institucional e poltico, havia algumas lies a serem tiradasdo perodo do Imprio. Refiro-me particularmente ao papel do Poder Mode-Elltrevista com Jos Murilo de Carvalhorador e ao semiparlamentarismo imperial. Ns tnhamos um Poder Moderadorcuja importncia na configurao do Imprio inegvel e cujo papel foiexatamente o de servir como rbitro dos conflitos da elite. Quando as elitesimperiais perceberam que o Poder Moderador poderia ser um rbitro dosconflitos entre elas, a o sistema se estabilizou. Isso se deu em 1844, quando osrevoltosos de 42 voltaram ao poder. E a estabilidade permitiu que, lentamente,se fossem desenvolvendo um certo parlamentarismo e um sistema partidrionacional que, para as condies da poca, eram bastante razoveis. De um lado,a idia do parlamentarismo implicava a separao entre o chefe de Estado e ochefe de governo e, de outro, os partidos criavam lealdades bastante profundas,inclusive entre populaes do interior: havia famlias liberais, conservadoras erepublicanas.Eu achava, portanto, que no caso brasileiro - achava teoricamente, eratudo especulativo -, se o chefe de Estado, que no Imprio era um rei, fosse umafigura politicamente neutra, que no estivesse vinculada a partidos, poderiagarantir a estabilidade do sistema e permitir o conflito poltico. Esse era o grandeproblema que eu via e vejo at hoje no Brasil: garantir a possibilidade de haverum conflito poltico grande, forte, intenso, que seria uma conseqncia naturaldas grandes desigualdades sociais e econmicas que temos. Essa desigualdadedeveria, pelo menos em termos abstratos, gerar enoIlne conflito. Com o presidencialismo, o conflito rapidamente ameaa a chefia do governo, que ao mesmotempo a chefia do Estado, e exercida por um lder partidrio. Apenas propusdiscutir isso, sem nenhuma idia sobre se seria vivel ou no. Propus umadiscusso institucional que tem uma certa tradio entre ns. Eu me lembro queo Tlio Halperin Donghi costuma dizer que o Imprio brasileiro, do ponto devista poltico, era um luxo, exatamente porque seria institucionalmente maisrefmado do que o resto da Amrica Latina. Fiz a minha proposta, mas as respostasforam meio mal-humoradas, e algumas comearam a desviar para algo muitomais concreto, como se eu quisesse retornar ao Imprio. No tinha nada a vercom isso. Fui quase que sendo empurrado na direo de tomar uma posioconfundida com monarquista, o que no era o caso. Como disse, paguei um preobastante alto. Enfim, a minha verso da histria.H um pomo interessante nessa discussao. Construiu-se na historiografiabrasileira, mesmo a mais receme, toda uma inte/preroo do Imprio como uma coisaatrasada e da Repblica como uma coisa moderna. E os seus livros vieram mostrar queo Imprio tinha aspectos extremamente atuais e model'1lizadores. J.0c de certa formaentrou em choque com uma interpretao consolidada.H duas vertentes muito contrrias a essa interpretao que eu dou. Deum lado, a vertente positivista. Para o positivismo, a lei dos trs estados diz371372estudos histricos 1998 - 22claramente que h os estados teolgico, metafsico e positivo. A Repblicacorresponde ao estado positivo e, portanto, a monarquia o estado metafsico.Durante o plebiscito alguns positivistas claramente entraram no debate nessestermos: ser monarquista voltar atrs, ao estado metafsico, retornar na linhaevolutiva da histria estabelecida pelo prprio positivismo. Isso, de um lado.De ourro lado, h a historiografia paulista, que foi produzida com umainfluncia republicana muito maior, porque So Paulo no estava no centropoltico da poca, que era o Rio de Janeiro. Sem dvida, desenvolveu-se nahistoriografia paulista uma atitude muito mais negativa em relao ao centralismo do Imprio.Quando So Paulo comeou a aparecer, apareceu com demandas federalistas - no caso do Alberto Sales at separatistas -, conrra o poder cenrral. Achoque essa perspectiva ainda marca muito So Paulo. O que escrevi certamente nopoderia ter sido escrito a partir de So Paulo, a partir mesmo do Rio Grande doSul. Sem dvida, tinha que ser escrito a partir do Rio ou de algo que seassemelhasse ao Rio em termos de uma viso que no fosse profundamenteantiimperial, como eram a paulista e a rio-grandense.Depois que voc veio de Minas para o Rio, em 1 978, trabalhou muito tempoem instilllies de ensino de p6s-graduao, como oIuperj, ou exclusivame/lte de pesquisa,como a Casa de Rui Barbosa e o CPDOC. Como foi a experincia profISsional deretomar graduao 20 a/lOS depois? Como voc compara o seu tempo de aluno ou deprofessor de graduao em Minas e a experincia de dar aulas na graduao do IFCSda UFRJ, hoje?Foi bastante traumtica essa volta graduao. Realmente, eu noestava mais acostumado a enfrentar turma de 50 alunos e ter que dar aulasexpositivas. As salas do IFCS tm uma acstica horrvel, e devo ter parecidouma figura estranhssima, porque pedi diretora um microfone e falava aomicrofone, at que aprendi a me esgoelar. De outro lado, h a cultura estudantil, que certamente muito distinta daquela da poca em que me formei. Comodisse, havia naquela poca uma fuso muito grande entre ativismo poltico etrabalho intelectual. J quando comecei a dar aula na UFMG, no final de 1 969,estvamos nos piores anos da ditadura, e havia uma separao total entre oativismo poltico e o trabalho acadmico. Os militantes no podiam pisar emsala de aula, pegava mal. Era um ambiente muito desagradvel de trabalhar.Creio que hoje no bem assim, mas ainda h uma certa separao. Omovimento estudantil ainda est um pouco descolado da prtica acadmica.Os lderes estudantis no sentem a necessidade de serem os primeiros alunosda turma para serem lderes estudantis.Elltrevista com Jos Murilo de Carvalho,Que lugar tem hoje a pesquisa na sua vida? H espao, h condies? E maisdificil?Sem dvida, o tempo para a pesquisa ficou mais reduzido. No caso doIuperj, era ps-graduao e se tinha uma disciplina por semestre, se dava aulauma vez por semana. No CPDOC e na Casa de Rui no h carga docente. Nauniversidade tenho que dar pelo menos duas disciplinas por semestre. Ou duasde graduao, ou uma de graduao e uma de ps-graduao. So seis, oito horas,por semana. E claro que isso tira tempo de pesquisa. Estou no IFCS h poucotempo, e evenrualmente daria para comear a formar um grupo de pesquisa, quepoderia ser mais eficiente. Mas o pouco tempo ainda no pelInitiu.Seus interesses atuais de pesquisa so oJudicirio e a polcia. Como esses temasse configuraram cOmO reas de interesse espec fico, e como voc est pensando emtrabalh-los?Foram temas a que cheguei em conseqncia da preocupao que surgiunos livros que escrevi. Primeiro me preocupei com o Estado, depois com a naoe depois comecei a me preocupar com a cidadania. Trabalhando com isso, ecertamente com a cidadania civil, esbarra-se imediatamente nos obstculos queela enfrenta. Um deles o sistema policial brasileiro, e outro osistema judicirio.Foi por a que esbarrei nesses temas. No sei se vou persistir, h alguns dados dosculo XIX, que coletei quando estava no CPDOC, que ainda podem dar unsdois artigos. Evenrualmente poderia juntar rudo em um volume, mas no sei.Tenho trabalhado com cidadania um pouco no esquema clssico, queabrange o problema dos direitos e o problema das identidades coletivas, sobrerudo da identidade nacional, do Estado nacional. Vou agora aos Estados Unidose l terei que enfrentar, queira ou no, a mudana radical que est havendo nessetipo de conceito: a idia de cidadania cultural, que se desenvolveu recentementee se tomou quase que um "politicamente correto" nos Estados Unidos. Querdizer, houve uma invaso do ps-moderno pelo lado da crtica literria que agoraest atingindo tambm a poltica, e que quebra o esquema da vinculao estreita,entre cidadania e Estado-nao. E essa quebra que expressa na idia decidadania culrural, que tem a ver com grupos minoritrios. A cidadania a sevincula a identidades coletivas infra-Estado-nao, como o gnero, a raa, a cor,etc. E um fenmeno tipicamente norte-americano, sem dvida, mas hfenmenos internacionais, como a globalizao, que nos dizem que o Estado-,nao est realmente sob tenso. E preciso ver em que sentido isso vai afetar, forados Estados Unidos, onde esses movimentos de minorias so muito fortes, aprpria idia de cidadania.Nesse perodo nos Estados Unidos, pretendo trabalhar o tema teoricamente, para evenrualmente ver o que serve para o Brasil. Creio que o que est373374estudos histricos 1998 - 22acontecendo em alguns movimentos sociais no Brasil, com a importaodireta dessa idia de cidadania, envolve um equvoco. Significa jogar foraalgumas coisas negativas mas, junto com elas, certos elementos positivos. Lino jornal outro dia que os Estados Unidos esto querendo, para o censo doano 2000, permitir definies mltiplas de origens tnicas, quebrar o esquemargido que eles tm adotado - antes era preto e branco, hoje preto, branco,hispnico e asitico - e permitir que as pessoas se definam de maneiramltipla, o que caminhar na nossa direo, enquanto muitos entre ns esto,querendo caminhar na direo deles. Isso tem conseqncias prticas. E essatemtica que eu pretendo explorar.Em seus estudos sobre cidadania, voc utilizou muito o modelo de Marshall,baseado no caso ingls, onde se alcallaram direitos civis, direitospolticose direitossociais,nesta ordem. Isso nosignifica ficar atrelado a uma matrizrgida, evolucionista? No casobrasileiro, por exemplo, parece que alcanamos direitos sociais e direitos polticos, masestofaltando os civis...Essa pergunta me perturba constantemente. Usei o esquema de Marshallcomo um instrumento heurstico, como uma maneira de contrastar, exatamentepara mostrar que aqui o processo no seu deu daquela maneira e que, portanto,o esquema no serve para entender historicamente a situao brasileira. Mas avem a pergunta fundamental: isso bom ou ruim? Qual realmente o modelo aque devemos aspirar? Qual foi o nosso percurso? Meu ltimo artigo que saiu naEstudosHistricos, "Cidadania: tipos e percursos", tem a ver com isso. Quer dizer,h uma literatura que mostra que h percursos distintos. No caso europeu eamericano, chega-se a um ponto final que tem certas semelhanas, embora aAlemanha tenha uma cultura poltica distinta da da Frana e dos Estados Unidos.Mas, de alguma maneira, do ponto de vista geral do esquema marshalliano,trata-se de pases que desenvolveram bastante bem os trs componentes clssicosda cidadania. Certamente, ns no fizemos esse percurso, como a Alemanha nofez, como o Japo no fez. Isso significa apenas que o nosso percurso serdiferente, mas que deveremos eventualmente chegar ao ponto final como osoutros, ou no? A entra Richard Morse, que diz que no, que no se h deprocurar essa mesma direo, porqueela uma direo equivocada, um desastre.A Amrica ibrica tem uma tradio que , na boa expresso do Jos GuilhermeMerquior, a de um "outro Ocidente". Ocidente sim, mas um outro Ocidente,abortado, do sculo XVI, XVII em diante, mas que uma alternativa. A propostado Morse extremamente desafiadora.Busco em nossa tradio algo que possa ser positivo, que possa ser umaalternativa, mas at agora no encontrei. Ainda mantendo a idia de que h umoutro modelo aqui, um outro estilo, se examinamos a situao do ponto de vistaEntrevista com Jos Murilo de Carvalhoda garantia de direitos, de menos desigualdade social, de uma qualidade devida melhor, sem dvida foram os Estados Unidos e os pases europeus queconseguiram bons resultados, e no ns. Todos os aspectos positivos queMorse levanta, particularmente a idia de incluso, a idia de cooperao, queos positivistas ortodoxos tambm adotaram, tudo o que rejeita a idia deconflito, de direito individual, que d valor ao coletivo, tenho simpatia portudo isso. Mas o ponto : quais so as conseqncias concretas que isso temtido na nossa trajetria histrica? No muito encorajador a gente ver o quese conseguiu. Mas confesso que esse um problema que ainda no conseguiresolver na minha cabea. Porque h conseqncias prticas. Que tipo depoltica, que tipo de ao coletiva, que tipo de ao de Estado se pode propor?De uma coisa estou seguro: no h como, na nossa tradio, excluir o Estado,pelo menos como'parceiro do esforo. E acho que h certa fraude na idia decidadania cultural americana quando usada como um meio de determinarcritrios para a poltica pblica, porque a se traz o Estado de volta. A no s uma questo cultural mais, poltica mesmo.Agora, como se transfollIlam, no caso brasileiro, as virtUdes claras da nossarradio, que tm a ver com a solidariedade familiar, com a solidariedade religiosa,como se transfOImam essas virtUdes, que so privadas, em virtUdes pblicas, e no,em vcios pblicos, invertendo a fllIlula de Mandeville? E algo que no resolvemos.Mas h a um campo em que se pode caminhar em uma direo que no seja areproduo de outros percursos, e no qual talvez se possa chegar a um ponto finalque no seja necessariamente o mesmo a que outros chegaram.Algum j disse que uma das questes da cultura brasileira que ela no gostade direitos, gosta deprivilgios. Quando sefala em cidadania, comofica isso?A rradio da ortodoxia positivista vai muito na direo ibrica. A idiafundamental a de incorporao: no h direitos, h deveres mtuos entre asociedade e o cidado. O cidado tem certas obrigaes a cumprir, e a sociedadetem a obrigao de cuidar dele. O problema realmente que quando se rransferemas virtudes privadas para o pblico, isso se faz de maneira perversa. Se faz peloclientelismo, se faz pelo corporativismo, e no de uma maneira que seja virtuosa.,Como se constri a virtude cvica entre ns? E um ponto importante. Temosmuita virtUde privada, virtude at social, mas a virtude cvica, que exatamentea inter-relao entre privado e pblico, no consigo v-la entre ns, apesar deMorse.Gostaria de regionalizar a discusso e pensar no caso do RUi deJaneiro. EmOs bestializados vocfornece uma srie depistas acerca das estruturaspolticas do RUi,375376estudos histricos 1998 - 22dapredominncia das relaes informais nopoderetc. Como voc vhoje essesproblemasda informalidade dopoder, das redes de clientela /w Rio deJaneiro?O Rio talvez um exemplo extremado dessa problemtica, porquedurante muito tempo foi a capital poltica do pas, foi o centro do poder e, aomesmo tempo, na sua composio demogrfica, uma enorme parcela da populao, constituda tanto por ex-escravos quanto por operrios, estava no setorinformal. A grande maioria da populao, na virada do sculo e hoje ainda, estavae est no setor informal, fora das relaes disciplinares da fbrica. H, portanto,uma polarizao muito clara entre essapresena do poder, de um lado, e, de outro,essa massa da populao que no tem lima tradio cvica de se envolver e agirde acordo com as normas do sistema representativo. Essa populao nunca entroudentro do sistema para criar uma prtica democrtica de governo. Ela foiinicialmente incorporada, a partir da dcada de 30, por esquemas populistas.Pedro Ernesto comeou isso, como bem mostra o livro de Michael Connif.Getlio certamente seguiu o exemplo do Pedro Ernesto, no sentido de cooptaressa populao, e gerou essa fora populista aqui no Rio, que, como se viu nasltimas eleies, ainda muito forte. A aliana de PT e PDT nestas eleies podeintroduzir um elemento de organizao nessa massa e assim, eventualmente,trazer algo novo. Certamente a origem puramente populista no levaria a isso.Mas tambm uma aliana dificil, complicada, conflitiva. No se sabe at ondeela vai. A questo saber em que medida essa populao, que sempre foiindependente e agressiva, que em certos momentos se revoltava mesmo, pode serenquadrada num sistema democrtico de governo que possa levar a mudanasefetivas.Outra novidade no Rio, que tambm no se sabe onde vai dar, a entradados deputados evanglicos. Talvez haja a uma pequena indicao de mudana,mas puramente hipottica. Em Minas, o deputado federal mais votado foi ocabo que liderou a revolta da PM; entre os estaduais, o segundo mais votado foium sargento que tambm liderou a revolta. Os dois foram candidatos pelo PL, eos dois so crentes. Uma coisa com que nunca trabalhei, mas acho que se tem detrabalhar, o problema da relao entre religio e poltica. A identidade catlicae a identidade poltica e, hoje, a identidade evanglica e a identidade poltica.Para os antroplogos, cidadania identidade coletiva. Para eles algum cidadopertencendo Igreja catlica, pertencendo a isso e quilo, o que, a meu ver, quaseque esvazia o conceito de cidadania. No consigo ver o conceito de cidadaniadesvinculado do Estado-nao. Se ns tiverlllos que caminhar na direo americana, acho que vamos ter que substituir esse conceito, porque ele se tornaequvoco. Estaramos nos referindo a fenmenos bastante distintos, e seriamelhor inventar um outro conceito de cidadania, em vez de manter esse.Entrevista com Jos Murilo de CarvalhoNo Imprio -no trabalhei com isso mas urna coisa bvia- ser cidadoe ser catlico era a mesma coisa. Talvez eu no possa estudar a cidadania polticano Imprio sem estudar a cidadania catlica, porque havia essa unio entre Igrejae Estado. E corno hoje se trabalha com isso? O Rio daqui a pouco vai ser menosde 50% catlico. Acho que esse outro terna ao qual o Rio tem que prestar urnaateno enOlIne. No sei se esto trabalhando com ele. A mudana no vaidemorar. Os nossos dados j mostram que os catlicos so 56%. J urna revoluoreligiosa, vai ser urna revoluo cultural, e a pergunta o que vai representar emtermos de poltica. Teremos, ento, urna grande capacidade no s organizativa,mas de ao coletiva, de estilo virtuoso, quer dizer, de trabalho gratuito pelo bemda Igreja, da comunidade. H um potencial enorme a. Como se liga isso poltica? As nossas pesquisas mostram que as pessoas confiam em quem? Confiam em primeiro lugar nos lderes da religio. O que se conclui da? Que issopode significar eventualmente uma evoluo do nosso estilo prprio de cidadania, que no passa por um estrito individualismo, por urna estrita definiodo indivduo corno titular de direitos, mas passa pelo indivduo corno membrode urna comunidade em relao qual ele tem responsabilidades e deveres.377