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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 1 - NOVAS TECNOLOGIAS E ENSINO: DIÁLOGO MAIS DO QUE POSSÍVEL NA ESCOLA PÚBLICA Úrsula Nascimento de Sousa Cunha 1 (UNEB/UFPB) Resumo: As tecnologias fazem parte da vida cotidiana de muitas pessoas, dentre elas alunos e professores das escolas públicas. No entanto, mesmo utilizando equipamentos tecnológicos de forma eficiente na vida cotidiana, muitos professores não se sentem aptos a incluir essas ferramentas em suas aulas, como uma estratégia de ensino, que pode fomentar aprendizagem significativa. Este artigo tem como objetivo refletir sobre o uso consciente e planejado de ferramentas tecnológicas pelo professor e a capacidade de gerar maior aprendizagem do aluno, tendo como elementos-chave o método ativo de Piaget, a autonomia cognitiva do estudante, a partir de Freire, e a escola humanista, de Gramsci. Palavras-chave: Novas tecnologias. Ensino. Escola Pública. Abstract: The technologies are part of everyday life for many people, including students and teachers in public schools. However, even using technological equipment efficiently in everyday life, many teachers do not feel able to include these tools in their classrooms as a teaching strategy that can foster meaningful learning. Therefore, this article aims to reflect on the conscious use of technological tools and planned by the teacher and the ability to generate greater student learning, with the key elements of the active method of Piaget, the cognitive autonomy of the student, from Freire and the humanistic school of Gramsci. Palavras-chave: New technologies. Education. Public School. INTRODUÇÃO Com a implementação das novas tecnologias, entre elas o computador, aparelho celular, caixa eletrônico, vídeo games, ipods, entre outros equipamentos tecnológicos do mundo moderno, na sociedade, notamos mudanças estruturais em práticas cotidianas de muitas pessoas. Inegavelmente, as tecnologias atuais têm exercido grande influência na forma de pensar e de compreender o mundo, de comunicação e interação entre os pares, de entretenimento e relações comerciais, de aprendizagem e manifestações culturais. Percebemos, na atualidade, a

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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação

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NOVAS TECNOLOGIAS E ENSINO: DIÁLOGO MAIS DO

QUE POSSÍVEL NA ESCOLA PÚBLICA

Úrsula Nascimento de Sousa Cunha1 (UNEB/UFPB)

Resumo: As tecnologias fazem parte da vida cotidiana de muitas pessoas, dentre elas alunos e professores das escolas públicas. No entanto, mesmo utilizando equipamentos tecnológicos de forma eficiente na vida cotidiana, muitos professores não se sentem aptos a incluir essas ferramentas em suas aulas, como uma estratégia de ensino, que pode fomentar aprendizagem significativa. Este artigo tem como objetivo refletir sobre o uso consciente e planejado de ferramentas tecnológicas pelo professor e a capacidade de gerar maior aprendizagem do aluno, tendo como

elementos-chave o método ativo de Piaget, a autonomia cognitiva do estudante, a partir de Freire, e a escola humanista, de Gramsci. Palavras-chave: Novas tecnologias. Ensino. Escola Pública. Abstract: The technologies are part of everyday life for many people, including students and teachers in public schools. However, even using technological equipment efficiently in everyday life, many teachers do not feel able to include these tools in their classrooms as a teaching strategy that can foster meaningful learning. Therefore, this article aims to reflect on the conscious use of technological tools and planned by the teacher and the ability to generate greater student learning, with the key elements of the active method of Piaget, the cognitive autonomy of the student, from Freire and the humanistic school of Gramsci. Palavras-chave: New technologies. Education. Public School.

INTRODUÇÃO

Com a implementação das novas tecnologias, entre elas o computador,

aparelho celular, caixa eletrônico, vídeo games, ipods, entre outros equipamentos

tecnológicos do mundo moderno, na sociedade, notamos mudanças estruturais em

práticas cotidianas de muitas pessoas. Inegavelmente, as tecnologias atuais têm

exercido grande influência na forma de pensar e de compreender o mundo, de

comunicação e interação entre os pares, de entretenimento e relações comerciais,

de aprendizagem e manifestações culturais. Percebemos, na atualidade, a

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mudança no cenário de nossas casas, hospitais, bibliotecas, universidades,

instituições de ensino básico, empreendimentos econômicos, que se tornaram

“arquipélagos tecnológicos”, despertando-nos para a urgência de se refletir sobre a

tecnotécnica e sua relação com o ser humano.

Por essa razão, a reflexão sobre a influência das tecnologias da informação e

comunicação (TIC) em nossa sociedade deve abordar dois campos de estudos

relevantes na constituição de um ser social: o ensino e a aprendizagem. Assim, este

artigo se propõe a investigar, a partir de revisão de literatura e de entrevistas com

alunos e professores da Escola Estadual Régis Bittencourt, em Feira de Santana,

Bahia, o quanto tais tecnologias têm influenciado-os em sua vida acadêmica e no

processo de ensino e de aprendizagem desses alunos e suas formas de interação

com colegas, professores e outros interlocutores.

Penso que analisar a relação entre novas tecnologias e educação escolar,

tendo como viés a aprendizagem e a interação do aluno, constituir-se--á em uma

ferramenta importante para o planejamento docente, que poderá reprogramar

conteúdos e práticas pedagógicas, para que assim possam interagir, de forma

eficiente, com os aprendizes do século XXI, afinal, é preciso apostar,

simultaneamente, na preparação dos professores, formação de ação, para que eles

aprendam fazendo, aprendam refletindo e analisando a sua prática, num processo

contínuo de reflexão-ação-reflexão.

APOSTAS PARA A EDUCAÇÃO E PARA A APRENDIZAGEM: INTERTEXTOS

EDUCACIONAIS

Na sociedade em constante aprendizagem do século XXI, as instituições

educativas são desafiadas para o empreendimento de uma nova concepção de

ensino, que efetivamente estabeleçam relações entre o conhecimento e a vida

cotidiana do aprendiz. Nessa perspectiva, evidencia-se a necessidade de oferecer

uma educação que promova a vida e a socialização da aprendizagem,

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redesenhando, de forma criativa e inovadora, as escolas para que atendam às

demandas por uma aprendizagem significativa e um viver ético.

A sociedade pós-industrial requer uma forma de educação, em que a

tecnologia será uma das chaves de concretização de um novo modelo educativo,

capaz de promover um vínculo maior entre o aluno e a sua comunidade, enfatizar a

descoberta e a aprendizagem, possibilitar o sujeito-autor, que percebe a

necessidade de aprender na escola e aprender fora dela. Dessa forma, é necessário

re-estrutuar o modelo educacional vigente que vem sendo reproduzido desde a

época industrial, uma educação baseada no modelo fabril (que visa à produtividade

e à automação do ser aprendente, apesar de essas finalidades não aparecerem de

forma explícita nos currículos escolares) para uma forma de educação em que a

autonomia do aluno e suas potencialidades de aprendizagem passam a ser

observadas, pois, nesse contexto, valoriza-se o aprender a aprender1.

Apostar na sala de aula como comunidade de aprendizagem, a meu ver, seria

uma das atitudes relevantes para que a nova dinâmica social também reflita dentro

dos centros de ensino de educação básica, gerando uma nova escola, novas aulas,

nova didática, acrescentando novos conteúdos acadêmicos, que também acolham

novas propostas de aprendizagem. Entretanto, para pensar nessa aposta, sem ser

ingênua ou superficial, proponho-me a uma reflexão dialógica com algumas teorias

educacionais, tendo como interlocutores nesse primeiro diálogo Piaget, Gramsci e

Lévy.

1 Creio ser importante ressaltar que ao utilizar a expressão “aprender a aprender”, tão presente em

documentos educacionais, como destaca Duarte (2008), não pretendo minimizar o valor das aprendizagens adquiridas na coletividade. Mas apenas destacar que é importante, neste século, que os alunos possuam autonomia para gerenciar aprendizagens, tanto dentro da escola como fora dela. No decorrer deste artigo, apresento a tese de que as tecnologias poderiam ser um dos instrumentos materiais para essa autonomia cognitiva.

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PIAGET E A ÊNFASE NO PROCESSO

Para se pensar em um sistema educacional que também incluam as novas

tecnologias como uma das bases de ensino e de aprendizagem na era atual, é

essencial ter um olhar atento em relação ao sujeito aprendiz e às suas escolhas e

estratégias para o desenvolvimento de atividades escolares. Ao ler Psicologia e

Pedagogia, de Jean Piaget (1975), fica evidente que à pedagogia o mais adequado

seria a ênfase no processo de construção do aluno e não apenas no resultado final

de suas questões em exames, por exemplo.

Essa ênfase no processo de aprendizagem e não apenas no resultado do aluno

pode tornar-se uma estratégia de trabalho docente rotineira a partir da utilização

das novas tecnologias em sala de aula. Isto é: “A tecnologia é mais poderosa

quando utilizada com abordagens construtivistas de ensino que enfatizam mais a

solução do problema2, o desenvolvimento de conceitos e o raciocínio crítico do que

a simples aquisição de conhecimento factual” (Sandholtz et al, 1997, p. 166). E é a

partir desse viés que pretendo ampliar a investigação sobre a utilização das

tecnologias como prática docente, apesar de reconhecer (e conhecer) a existência

de inúmeros estudos contemporâneos sobre essa temática.

No entanto, noto ser necessária a continuação desse debate, pois esses

estudos ainda não são familiares a muitos professores (dentro os quais incluo

docentes da Escola Estadual Régis Bittencout). Entretanto, é importante que, para

essa discussão, o professor possa entrar em cena, não apenas como coadjuvante,

mas como pensador de sua ação, de forma reflexiva, entendendo que a introdução

das tecnologias nas salas de aula não muda radicalmente a educação, mas

“concede aos professores”, que nunca serão substituídos pela máquina, “uma

licença para experimentarem” (Sandholtz et al, 1997, p. 164).

2 Os autores mencionados nessa citação apesar de usarem a expressão “solução do problema” não

pretendem ser reducionistas apenas ao resultado final de uma atividade, mas sim à lógica do processo que tenha levado à solução (que pode ser passível de erros).

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QUAL O PAPEL DO PROFESSOR? REFLEXÕES A PARTIR DE PIAGET

Como destaca Thurler (2002), com a introdução de novas necessidades de

aprendizagem, o professor também deve pensar em novas metodologias para a

organização do ensino, que visem atender à heterogeneidade de seus alunos. Dessa

forma, o docente atual deve partir de uma “exploração colaborativa”3, em que o

discente possa também intercambiar seus conhecimentos com o mestre e com seus

pares. Assim, o papel docente deve ser reestruturado para atender demandas

educacionais do século XXI.

Durante muito tempo em nossa história, o professor é visto como o

transmissor de saberes que “possui uma cultura geral elementar e algumas receitas

aprendidas, que lhe permite inculcá-la na mente dos alunos” (Piaget, 1975, p. 20).

Com a introdução das novas tecnologias na educação, esse paradigma do papel do

professor necessita ser ampliado, pois é urgente a reconfiguração dos papéis

docente e discente, tendo em vista que agora as informações estão acessíveis a

todos4.

Realmente, é inegável a importância da inclusão das novas tecnologias nas

práticas docentes, hoje; mas é relevante também que o docente esteja seguro dos

objetivos da utilização dessas ferramentas em suas aulas, pois “muito mais do que

‘treinamento’, é necessário que os professores desenvolvam a habilidade de

beneficiarem-se da presença dos computadores e de levarem este benefício para

seus alunos.” (Papert, 1985, p. 70), evitando assim que esses instrumentos se

tornem apenas inovações ou modismos. Isto é: para se partir das novas tecnologias

3 Thurler (2002) utiliza o termo “exploração colaborativa” para mostrar a necessidade de intercâmbio entre os conhecimentos docentes, na perspectiva professor-professor. Utilizo o termo de Thurler, mas amplio sua concepção, pois, a meu ver, com as novas tecnologias, não apenas deve existir intercâmbio constante e colaborativo em relação aos saberes entre professor-professor, mas também entre professor-aluno e aluno-aluno. 4 Neste artigo, não tenho como pretensão falar sobre os excluídos digitaismente, embora reconheça que esse grupo também representa um importante tema de pesquisa, já fomentada na atualidade por diversos autores, dentro os quais destaco a professora Maria Sallet Tauk Santos (UFRPE), no livro Inclusão digital? Inclusão social?.

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como uma das estratégias de ensino, devemos romper as barreiras disciplinares,

tão dicotomizadas nos currículos escolares, planejamentos de ensino e na prática

pedagógica, além de agora ser condição essencial o mestre conhecer o processo de

aprendizagem de seu alunado.

Além disso, Piaget destacada que é função da sociedade como um todo (e

não apenas de setores sociais, a exemplo das instituições governamentais ligadas à

educação) fixar os objetivos da educação que as escolas (e outras agências de

letramento) devem fornecer às suas crianças, adolescentes e jovens; pensando a

partir de uma proposta piagetiana, é necessário perceber como a educação

recebida por nossos alunos (e/ou outros grupos de aprendizes) possa ter relação

com a vida em sociedade, permitindo assim uma real inserção social.

As novas tecnologias enquanto suportes que possibilitam múltiplas leituras e

ferramentas de construção de conhecimento e de informação (a partir de uma

estrutura de aprendizagem que apresentam novos elementos) não poderiam estar

ausentes das discussões dos projetos educacionais, muito menos das salas de aula,

pois “o objetivo principal do ensino é desenvolver a própria inteligência, e

sobretudo aprender a desenvolvê-la ‘o mais longamente possível’, isto é, além do

término da vida escolar” (Piaget, 1975, p. 35). Poderíamos ir além disso: que as

aprendizagens escolares possam fazer sentido não apenas no dia-a-dia escolar, mas

além dos muros da escola e para toda a vida.

Outro ponto interessante que serve de intercâmbio entre Piaget e a inclusão

das novas tecnologias nas salas de aula diz respeito ao aluno, a partir dessas mídias

digitais, constituir-se em um ser ativo e também responsável por sua

aprendizagem, o que gera certa autonomia, categoria ainda a ser discutida em

outro momento deste artigo. Para Piaget, “os conhecimentos derivam da ação [...].

Conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo, apreendendo os mecanismos

dessa transformação vinculados com as ações transformadoras” (1975, p. 37). Para

que essa autonomia da aprendizagem possa fazer parte do sujeito-aprendiz, Papert

(1993, p. 37) diz que é necessário que a escola também inclua, entre suas

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finalidades, a formação da “cultura da responsabilidade pessoal” e da “identidade

intelectual” (p. 41) de seus alunos.

Penso, dessa forma, que a aprendizagem deve se configurar a partir de um

movimento de ação, mas que não exclui a reflexão do aprendente em relação ao

processo de aprendizagem e ao conteúdo aprendido e muito menos a presença de

um mediador entre a informação adquirida e o conhecimento a ser gerado. Então,

poderíamos dizer que essa proposta de aprendizagem (que faz parte do método

ativo de Piaget) é também o centro do modo como se processa a aprendizagem por

meios virtuais, pressupostos apresentados por Lévy. Nessa abordagem, não se

percebe o lugar da cópia de informações (ctrl C ctrl V, para se utilizar a linguagem

tecnológica), mas a mediação, que deve ser feita pelo professor, entre as

informações que estão disponíveis em diversos portadores da mídia tecnológica e a

ação-reflexiva sobre esses conteúdos, gerando, assim, aprendizagens significativas.

Ainda mais: cabe ao professor, na visão piagetiana, formar o espírito

experimental do aluno, tornando-o um pesquisador. As TIC, na contemporaneidade,

seriam um instrumento que facilitaria esse processo, a partir de bases já

delimitadas em conjunto (professor, alunos, comunidade escolar, matrizes

escolares etc), tendo como ênfase não apenas o trabalho individual, mas,

principalmente (mesmo que não prioritariamente), o coletivo.

Para que o uso de tecnologias na educação possa ser bem sucedido, como

destacam Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (1997, p. 163), “exige que os professores

confrontem suas crenças sobre a aprendizagem”. Trabalhar em nossas aulas a

partir dessa perspectiva “exige do mestre um trabalho diferenciado e bem mais

ativo”, pois “uma pedagogia ativa implica uma formação muito mais consequente”

(Piaget 1975, p. 75) tanto para o docente quanto para o discente.

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A ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO DE FORMAÇÃO HUMANISTA

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394 / 96), em seu

artigo 2º, define os princípios e fins da educação no país: promover o pleno

desenvolvimento do educando, preparando-o para a cidadania e qualificando-o

para o trabalho5 (grifo meu).

Atentar-se para a semântica dessa função social – pleno desenvolvimento do

educando – é entender o princípio de escola integral e unitária proposto por

Gramsci (1982) e reelaborado por Freire ao pensar no integrante discente do grupo

escolar como um sujeito autônomo. Pleno desenvolvimento significa cuidar não

apenas de atividades intelectuais / acadêmicas, tendo como único foco o ensino,

mas dar conta de muitas outras dimensões que fazem da pessoa um ser humano

completo.

Para Gramsci (1982, p. 121),

A escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo, “humanismo”, em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional) ou de cultura geral deveria se propor a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa.

Para atingir esse fim, o autor defende a revisão dos conteúdos e das

disciplinas escolares e a gradativa mudança de enfoques em relação aos princípios

educacionais, tendo como parâmetro a idade e necessidade do aluno. O ensino

dogmático (conteúdos fechados em si mesmos, em que a memória exerce papel

fundamental na aprendizagem) deve ser conservado no ambiente escolar em certo

momento de construção de uma identidade escolar, mas, ao decorrer do tempo,

deve-se passar à fase criadora e da autonomia do aprendiz. “Da escola com

5 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 205, já incluía a finalidade do sistema educacional, sendo a LDB uma complementação (com algumas ampliações) da lei magna.

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disciplina de estudo imposto e controlada autoritariamente passa-se a uma fase de

estudo ou de trabalho profissional na qual a autodisciplina intelectual e a

autonomia moral são teoricamente ilimitadas” (Gramsci, 1982, p. 123).

A criação da autodisciplina intelectual e autonomia moral necessárias para o

autogerenciamento da aprendizagem é também um fator essencial em relação à

aprendizagem a partir das novas tecnologias e isso não pode ser ignorado pelo

professor e pelo aluno. A ideia da escola criadora de Gramsci, que deve servir de

base para qualquer empreendimento escolar, principalmente se esse pretende

utilizar a tecnologia como uma ferramenta de ensino e de aprendizagem, poderia

ser designada como um método que privilegia a investigação (espontânea ou

mediada) e “indica que a aprendizagem ocorre notadamente graças a um esforço

espontâneo e autônomo do discente, e no qual o professor apenas exerce a função

de guia amigável” (Gramsci, 1982, p. 124). O docente não deve ser passivo e sim

engajado na proposta da escola unitária, “que no corpo de professores tenha

existido a consciência de seu dever e do conteúdo filosófico deste dever” (Gramsci,

1982, p. 131).

Enfim, para a formação humanista, é importante ter como princípio uma

escola única, destituída de dualidades, como exemplo: estudo x trabalho; teoria x

prática; trabalho intelectual x trabalho manual; mente x corpo; conhecimento

acadêmico x conhecimento cotidiano etc. Essa abordagem permite uma maior

aproximação da escola com a vida o que ocasiona uma participação mais ativa dos

indivíduos na sociedade, fato que também pode acontecer a partir da utilização

das tecnologias na educação.

PERFIL TECNOLÓGICO DOS ALUNOS DA ESCOLA ESTADUAL RÉGIS

BITTENCOURT

BREVE PERFIL DISCENTE E DOCENTE DA ESCOLA

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A investigação da problemática deste artigo foi realizada com 15 alunos da

7ª série6 do Ensino Fundamental II, da escola Estadual Régis Bittencourt, localizada

na avenida Rio de Janeiro, próxima ao centro da cidade. A instituição, atualmente,

atende a uma clientela de 400 alunos, sendo que aproximadamente 65% deles são

de bairros periféricos da cidade (Três Riachos, Pedra do Descanso, Invasão Jussara,

Feira X e Bem-te-vi) e 35% das regiões centrais (DNER, Vila Olímpia, Muchila,

Marajó, Praça da Matriz).

Cerca de 60% do corpo discente da escola (mais de 240 alunos), declarou-se

afrodescendente ao preencher o formulário de matrícula escolar no início do ano

letivo. Do total de alunos, também de acordo com o registro de matrícula (RM),

mais de 70% vivem em lares com renda familiar de até dois salários mínimos; 40%

das famílias fazem parte do programa do governo federal Bolsa Família, muitos

alunos estão com um nível escolar superior a de seus pais e, dos responsáveis que

estudam, muitos são alunos da escola, no noturno.

Em relação ao corpo docente, é formado por 18 professores, sendo sete

professores efetivos e com formação universitária na área ou em área afim a que

lecionam, quatro sem licenciatura em nenhuma área de conhecimento e sete

professores estudantes universitários, que atuam como estagiários.

ALUNOS DO RÉGIS E TECNOLOGIAS

O surgimento e a ampliação contínua de acesso às tecnologias – fato que hoje

também já é realidade em comunidades periféricas onde residem 65% dos alunos da

Escola Estadual Régis Bittencourt --, implicam mudanças reflexivas em relação a

práticas docentes, discussão essa que não pode estar ausente das unidades

escolares, apesar de essas instituições, mesmo percebendo a presença de

tecnologias na vida de seus alunos, ignorarem esse fenômeno e promover o

6 Escolhi os alunos da 7ª série para essa pesquisa, pois no horário da aplicação do instrumento para produção de dados, eles estavam com aula vaga e, assim, poderiam responder ao questionário sem interromper a aula e o professor da classe.

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apagamento ou a proibição da utilização de alguns equipamentos, principalmente o

telefone celular, em suas dependências.

Ao realizar uma pesquisa para traçar o perfil tecnológico dos alunos da 7ª

série da escola, pude perceber que todos os alunos pesquisados fazem uso de pelo

menos um equipamento tecnológico em sua vida diária, desde aparelhos celulares,

a máquinas fotográficas digitais, computadores (ou notebooks) ou jogos de vídeo-

game.

Das ferramentas tecnológicas mais utilizadas no dia-a-dia pelos alunos e suas

famílias, configura-se em primeiro lugar o aparelho celular, não apenas para

receber ou fazer ligações, mas muito utilizado para enviar mensagens, devido ao

baixo custo financeiro que a transmissão desses textos acarreta e, assim, poder

estabelecer um maior número de comunicações com outras pessoas.

Todos os alunos da 7ª série que responderam ao questionário possuem pelo

menos um aparelho tecnológico e faz uso dele diariamente, sendo os celulares os

aparelhos mais comuns de utilização. Alguns alunos, por exemplo, devido à

diversidade de operadoras e às vantagens econômicas que são oferecidas por elas,

a depender do pacote promocional, possuem mais de uma linha de telefonia móvel,

no sistema pré-pago. Além desse tipo de aparelho, outros recursos da tecnologia da

informação e comunicação estão presentes na vida dos alunos e de suas famílias,

conforme evidencia o gráfico a seguir.

Gráfico 1: Aparelhos tecnológicos mais utilizados pelos alunos pesquisados da 7ª série e

quantidade de acesso

TECNOLOGIAS ACESSO QUANT ACESSO PORCENTAGEM

Celular 35% Uma vez por semana 63%

Computador 14% Mais uma vez semana 20%

TV 34% Menos uma vez

semana 12%

DVD 10% Não Acessa 5%

Vídeo-game 7%

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Em relação ao acesso à internet, a pesquisa releva que acontece menos de

uma vez por semana, sendo na casa de amigos e/ou parentes o local de maior

acesso; as lan houses, o segundo local de acesso e em sua própria residência, o

último lugar. Os gráficos a seguir ilustram a situação de acesso à internet e os sites

mais utilizados pelos alunos entrevistados.

Gráfico 2: Sites mais acessados pelos alunos da 7ª série

A partir do gráfico 2, percebemos que os sites preferidos por esses alunos,

que têm entre 13 a 17 anos de idade, são moradores de bairros periféricos da

cidade e, em média, possuem renda familiar no valor do salário mínimo, são os que

geram entretenimento (os jogos), que podem ser executados tanto sozinhos como

em forma de competição com outras pessoas que estejam on-line no mesmo

momento de acesso. Sites que geram interação entre os sujeitos (os jogos também

estão incluídos nesse processo) são de preferência desses alunos, a exemplo do

msn. No entanto, o email, outro site que promove a interação, não é tão utilizados

por eles, que dizem preferir a conversa imediata proporcionada pelo msn. Outra

ferramenta da internet muito utilizada pelos alunos são os sites de pesquisa, a

exemplo do Google.

Dessa forma, fica evidente que as tecnologias já fazem parte da vida do

aluno de camadas populares. Agora, cabe ao professor (e à escola, de modo geral),

aproveitar-se dessa ferramenta como parte integrante do seu fazer pedagógico,

pois nesse contexto é importante perceber que o conhecimento sistematizado não

está mais reunido unicamente em bibliotecas, nem o acesso a ele se dá apenas em

SITES ACESSO

Jogos 60%

Google 16%

Email 7%

MSN 17%

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salas de aula; o conhecimento circula em complexas redes, sendo veiculados não

apenas pelos meios de comunicação (televisão, rádio etc), como também pelo

computador e, sobretudo, pela internet.

Então, pensar a instituição escolar e sua função humanista e de integração

social, atualmente, significa pensar também sua relação com esses equipamentos

tecnológicos e meios de comunicação modernos. Ou seja: entender que a relação

das pessoas com o saber sistematizado passa por outras alternativas e fontes de

conhecimento, além da escola.

O PROFESSOR E AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E

COMUNICAÇÃO: INTERCÂMBIO NECESSÁRIO

Desde meados do século XX e, mais efervescentemente nesses primeiros anos

do século XXI, verificamos que os conhecimentos sistematizados não estão reunidos

unicamente em bibliotecas, nem que o acesso a eles se dá unicamente nas salas de

aula das escolas. Esse fato ocorreu, em primeiro lugar, devido ao avanço das

tecnologias, o que permitiu que o conhecimento no mundo contemporâneo

circulasse em redes, não apenas através de tecnologias já tradicionalmente

conhecidas, a exemplo da televisão, rádio, jornais, revistas, mas também pelos

sistemas de computadores, através do serviço da internet.

Apesar de essa ferramenta de informação e comunicação (internet) fazer

parte da vida da comunidade escolar e da vida rotineira de muitas pessoas, e de os

governos implantarem laboratórios de informáticas em muitas escolas, entre elas a

Escola Estadual Régis Bittencourt7, com acesso à internet, muitos professores da

instituição não se sentem preparados para utilizar esses recursos como forma de

mediação pedagógica e de ampliação do conteúdo de suas aulas.

7 Apesar de a Escola Estadual Régis Bittencourt possui laboratório de informática, contando com dez computadores e duas impressoras, a instalação elétrica do prédio, que é muita antiga, não permitiu que esses equipamentos fossem ligados todos ao mesmo tempo, devido à queda de energia.

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No entanto, para que a escola possa cumprir sua função social e humanista

nesse novo contexto, é preciso pensar na relação entre professores-alunos e novas

tecnologias, uma vez que a sociedade do conhecimento, como caracteriza Lévy

(1999), necessita de uma nova estrutura escolar e de novos meios de ensino e de

aprendizagem. Sinalizar pela necessidade da reconstrução de novos modelos é

justamente fortalecer o papel da escola, tendo em vista que, mesmo com todos os

aparatos que as novas tecnologias podem propor, ela não terá sua importância

diminuída, pois ainda se constitui a porta de entrada da maior parte da população

para o acesso ao mundo do conhecimento.

Dessa forma, é importante pensar na dinâmica de uma escola que tenha

como eixo as aprendizagens colaborativas ou cooperativas. Assim, “os professores

aprendem ao mesmo tempo que os estudantes e atualizam continuamente tanto

seus saberes “disciplinares” como suas competências pedagógicas” (Lévy, 1999, p.

171). Para isso, seria perceptível um novo perfil de professor, pois “o professor

torna-se um animador da inteligência coletiva dos grupos que estão ao seu encargo

(...), no acompanhamento e na gestão das aprendizagens” (ibidem).

Mas para que essa nova imagem do professor possa ser realidade, é

importante também que o docente perceba que “quem ensina aprende ao ensinar e

quem aprende ensina ao aprender” (Freire, 2011, p. 25). Além disso, o perfil do

aluno deve ser remodelado, pois agora também o aluno deve envolver-se com sua

aprendizagem (o que seria uma das premissas do método ativo de Piaget), sendo

bem conhecido o papel fundamental do envolvimento pessoal do aluno no processo de aprendizagem. Quanto mais ativamente uma pessoa participar da aquisição de um conhecimento, mais ela irá integrar e reter aquilo que aprende. Ora, a multimídia interativa, graças à sua dimensão reticular ou não linear, favorece uma atitude exploratória, ou mesmo lúdica, face ao material a ser assimilado. (Lévy, 2008, p. 40)

Falar em aprendizagem por meio eletrônico é pensar no uso de informações

eletrônicas e da tecnologia das comunicações para oferecer produtos de

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aprendizagem voltados para a expansão dos conhecimentos e a melhoria do

desempenho do aprendiz. Esse mecanismo é a chave para a aprendizagem

contínua, pois essa ocorre o tempo todo e em todos os lugares, através de diversas

possibilidades, como a exploração, pesquisa, colaboração, interação e

compartilhamento de conhecimentos e experiências.

Assim, pode-se falar em um novo modo de armazenar informações e dados

que em outras épocas de ensino eram tão relevantes serem memorizados pelos

alunos, agora fazem parte de outro tipo de memória: da memória de curto prazo

migra-se para a memória ótica ou magnética. “Ao prolongar determinadas

capacidades cognitivas humanas (memória, imaginação, percepção), as tecnologias

intelectuais com suporte digital redefinem seu alcance, seu significado, e algumas

vezes até mesmo sua natureza” (Lévy, 1999, p. 172).

Entretanto, esse ponto que, a meu ver, seria extremamente positivo, pois

passaríamos do ensino da memorização dos fatos para a sua inter-relação e

explicação, é justamente um dos pontos apontados como negativo em relação à

tecnologia pelos professores da escola campo. Ou seja, de acordo com esses

docentes8, com as tecnologias os alunos não memorizam mais os assuntos, o que,

para eles, seria algo muito prejudicial para a construção do conhecimento.

Para esclarecer esse primeiro obstáculo visto por esses docentes em relação

à utilização das tecnologias no espaço escolar, é preciso que as ações escolares

(que podem ser promovidas pelo governo do estado, pela gestão da escola, pelos

próprios professores etc), tenham em foco a transição de “uma educação e uma

formação estritamente institucionalizadas (a escola, a universidade) para uma

situação de troca generalizada de saberes” (ibidem).

Então, entender que o saber sistematizado não se dá apenas nas instituições

educacionais, mas em outras instâncias de convívio social é ainda um desafio

docente da contemporaneidade. Ou melhor, os docentes da escola, na entrevista,

8 Para este texto, foram entrevistados seis docentes da escola, que possui um total de 18 professores.

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sinalizaram que a informação está em todo lugar (inclusive pode-se ter acesso a ela

através das tecnologias), mas o conhecimento é principalmente adquirido nos

bancos escolares.

Não discordando dessa visão de mundo, acrescento ainda outros pontos que

são apontados pelos professores da escola como fatores inibidores da introdução

das tecnologias nas suas aulas:

A falta de tempo do docente para acompanhar o mundo de

informações que são veiculadas na internet, assim, tendo uma sensação de

sempre estar desatualizado;

A dificuldade em operacionalizar as tecnologias em suas aulas (a

exemplo da TV pen drive, computadores, aparelhos de DVD) e, assim,

mostrarem-se fragilizados perante os alunos;

Quando solicitam pesquisas escolares, os alunos apenas “copiam e

colam” os conteúdos, não fazendo mais a verdadeira atividade de pesquisa e

procura de dados;

Gasta-se muito tempo da aula tentando ligar equipamentos e adequá-

los para a aula.

No entanto, essas falas refletem, conforme Freire (2011), as ideologias

educacionais tradicionais, que são muito presentes na formação de professores e

em práticas pedagógicas. É preciso o professor entender que “formar é muito mais

do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas” (Freire, 2011,

p. 16). Além disso, é importante não apenas ao profissional de educação, mas

também aos seus educandos apresentarem uma “curiosidade epistemológica”

(ibidem), reforçar a capacidade crítica do educador e do educando, um ensino em

que a transmissão de conhecimento não seja o principal objetivo do professor,

apesar de ser o da escola.

Para Kenway (2001, p. 116),

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educar os estudantes para o cambiante mundo do trabalho e para o papel das novas tecnologias deve constituir uma parte importante do currículo, mesmo que isso signifique conceder atenção a impopulares culturas extra-escolares.

Exemplificando: dos alunos pesquisados da 7ª série da Escola Estadual Régis

Bittencourt, com faixa etária entre 13 a 17 anos de idade, menos da metade (ver

gráfico 2) afirma ter acessa à internet mais de uma vez por semana,

principalmente em lan houses. Todos os alunos entrevistados disseram pouco

perceber elementos de sua cultural local (ou informações de seus bairros) na rede

e confessam não sentir falta de ver esses elementos (“que estão acostumados a ver

todos os dias”, segundo eles) veiculados nessa mídia. Os sites mais acessados por

esses sujeitos são os de jogos, de relacionamento e ferramentas de pesquisa.

Apesar desse uso cotidiano das ferramentas tecnológicas por eles, a escola se fecha

em si mesma e pouco apresenta atividades que necessitem de pelo menos um

recurso tecnológico para desenvolvê-las.

Nota-se, assim, que se deve tornar papel da escola desenvolver habilidades

que permitam que o estudante utilize os meios digitais de forma adequada às suas

expectativas discursivas. Assim, é necessária uma melhor compreensão da mudança

do papel da escola por toda equipe escolar, ou seja, a necessidade de a escola

repensar a respeito de sua organização, sua maneira de definir os tempos, os

espaços e os meios e os modos de ensinar. No entanto, em nome dessa

reestruturação, não se pode perder de vista a função social da escola: preparar os

alunos para exercer a cidadania e o trabalho no contexto de uma sociedade

complexa, isto é, de uma sociedade denominada como do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já foi discutido, a criação de novos conhecimentos nunca foi tão

acelerada como na atualidade, o que tem gerado grande ansiedade nas pessoas

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(inclusive dentro da comunidade escolar) em relação ao que realmente se deve

aprender e como reorganizar em novas bases todo o saber acumulado.

No entanto, mesmo sentindo uma sensação de incerteza, decidir não

acompanhar essas transformações é colocar-se em desvantagem em relação a uma

nova postura de situar-se no mundo e, claro, dentro da escola. Características

relacionadas à estrutura atual de saber – velocidade de criação e renovação, acesso

múltiplo e contínua exigência por atualização – faz parte da “sociedade do

conhecimento”.

Fazer parte da sociedade do conhecimento, entretanto, não diz respeito

apenas a dominar o uso de equipamentos e das novas tecnologias. Para Lévy (1999,

p. 172),

Não se trata aqui apenas de usar a qualquer preço as tecnologias, mas acompanhar conscientemente e deliberadamente uma mudança de civilização que recoloca profundamente em causa as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas

educativos tradicionais notadamente os papéis do professor e aluno.

Além disso, já é uma das premissas escolares de que os conhecimentos

aprendidos pelos alunos fora da escola são relevantes ao processo educacional.

Então, cabe ao sistema de educação a implementação de mecanismos e processos

para o reconhecimento de saberes “savoir-faire” (Lévy, 1999, p. 175) adquiridos na

vida social, profissional e também pela tecnologia.

As tecnologias, se bem utilizadas como instrumentos acadêmicos, seriam um

dos recursos para fomentar nos alunos aprendizagens permanentes, sendo a

pesquisa uma das possibilidades de ensino. Nossos estudantes precisam ser

formados para novas competências, para vivenciar as redes colaborativas de

aprendizagem. No entanto, a inclusão das tecnologias não tem o papel de

tecnologizar o ensino, pois esse ainda deve continuar ser focada para desenvolver a

realização plena do sujeito, do ser humano, que também é qualificada pelo

conhecimento.

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Cabe à escola, ademais, o papel socializador do saber tecnológico, pois

assim ocorrendo, na visão de Santos (2009, p. 21), aconteceria “o exercício de

democracia direta em grandes comunidades em situação de mudança e

desterritorialização”, mesmo que essa democratização não se constitua, a

depender do convívio social com a tecnologia, plenamente em autonomia do

sujeito que utiliza esses recursos (Williams, 1975, apud Santos, 2009), mas pode

interferir na concepção identitária que os sujeitos possuem de si mesmos.

Ribeiro (2007) acredita que, com as tecnologias da comunicação e

informação, principalmente a internet, a identidade de um povo deixa de ser algo

unitário e cede lugar para um sujeito coletivo que, aos poucos, interfere nas

subjetividades e identidades. “O sujeito é o elo de uma teia de relações, formando

um ecossistema, no qual, sozinho, não é ninguém.” Assim, fica claro que outra

função atribuída à escola, ao implementar o trabalho com as TIC em suas

atividades cotidianas, é considerar as identidades individuais e garantir o respeito à

diversidade, sem uma ideologia homogeneizadora” (ibidem, p. 85).

Nota-se, assim, que se deve tornar papel da escola desenvolver habilidades

que permitam que o estudante utilize os meios digitais de forma adequada às suas

expectativas discursivas. E, para que isso aconteça Kenway (2001) acredita que “a

competência tecnológica constitui o novo equipamento básico dos educadores”,

pois, para ela, “o computador tornar-se um instrumento indispensável e uma

faceta de todo e qualquer local da prática humana” (ibidem, p. 117).

Mas para isso acontecer, segundo Deacon e Parker (2001, p. 149), é

necessária “a mudança em direção à produção de aprendizes ativos e auto-

regulados, em vez de aprendizes controlados e passivos, exigirá a reinvenção das

identidades e das subjetividades tanto de professores quanto de aprendizes”,

identidades essas que podem ser reveladas, preservadas e modificadas através do

ciberespaço.

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REFERÊNCIAS

DEACON, Roger; PARKER, Ben. Escolarização dos cidadãos ou civilização da sociedade? In: SILVA, Luiz Heron (org). A escola cidadã no contexto da globalização. 5 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001 DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Polêmicas dos nossos tempos. Campinas: Autores Associados, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 41 reimpressão. São Paulo: Paz e Terra, 2010. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. KENWAY, Jane. Educando cibercidadãos que sejam “ligados” e críticos. In: A escola no contexto da globalização. 5 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. LÉVY, Pierre. O que é virtual?. São Paulo: Editora 34, 1996. _____________. Tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Editora 34, 2008. 15 Reimpressão. ________________. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. PAPERT, Saymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Artmed, 1993. PERRENOUD, Philippe; THURLER, Monica Gather et al. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Artmed, 2002. PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia. Psicologias da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Editora Centauro, 2003. PRETTO, Nelson de Luca. Uma escola sem/com futuro. Educação e multimídia. 3 ed. Campinas: Papirus, 2001. RIBEIRO, Otacílio José. Educação e novas tecnologias: um olhar para além da técnica. In: COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa. Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

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SANTOS, Salett Tauk. Inclusão social, inclusão digital? – Introdução. In: ________________ (org). Inclusão social, inclusão digital? Usos das tecnologias da informação e comunicação nas culturas populares. Recife: Editora do autor, 2009.

1 Úrsula CUNHA, professora mestra em Crítica Cultural (UNEB), doutoranda em Educação (UFPB), atua como professora no

curso de Letras na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e na Escola Estadual Régis Bittencourt, na Bahia, Email: [email protected].