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Novas tecnologias e degradação dos conhecimentos locais: implicações da

modernização no setor rural

Samir de Souza

Universidade Federal de São Carlos Rodovia Washington Luís, Km 235 – caixa postal 676 – Cep.: 13.565-905

São Carlos, SP – Brasil. [email protected]

Palavras-chaves: Saber local – Revolução Verde – Biotecnologia – Inovação

tecnológica

Título Abreviado: Modernização no campo

Abstract

The rural sector is a socioenvironmental space that, since the second half of twentieth

century, has experienced a technological change in the agriculture through the Green

Revolution that occasioned a deep modernization. At the same time, it was established

one discussion concerning the feasibility of this process considering the social and

environmental impacts on the rural landscape. The rational discourse on technological

innovations was unable to create a model to improve traditional techniques neither to

bring economic benefits. Nowadays, the discussion has new approaches with the

collaboration from international policies promoted by transnational enterprises and by

Biotechnology’s tools, putting local biodiversity at risk.

Resumo

O setor rural é um espaço socioambiental que ao longo do século XX foi cenário de

aplicações das novas tecnologias por meio da chamada Revolução Verde, visando a sua

modernização. Ao mesmo tempo estabeleceu um debate que discutia a viabilidade desse

processo frente os impactos sociais e ambientais se configurando num cenário de

contradições. O discurso racional embutido nas inovações tecnológicas não conseguiu

introduzir um modelo capaz de garantir o aprimoramento da técnica tradicional e

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benefício econômico. Hoje as discussões ganharam novos enfoques com a colaboração

de uma política internacional, ensaiada pelas transnacionais e as ferramentas da

Biotecnologia, colocando em risco a biodiversidade local.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa discutir como as inovações tecnológicas podem

desenvolver sistemas técnico-científicos que impactam diretamente no meio ambiente e

conseqüentemente nas formas de conhecimentos das populações locais. De forma mais

precisa estaremos analisando como as novas tecnologias direcionadas ao setor rural

podem causar danos ambientais, como o caso da produção de organismos geneticamente

modificados, e também sociais, na medida em que o uso de novas tecnologias termina

por se sobrepor a sistemas diversificados de trabalho, o que gera danos ambientais e

perdas em termos de conhecimento e práticas culturais.

A preponderância desse tema fez com que governos, universidades e empresas

introduzissem essa questão em seus debates. Ressaltam que no mundo contemporâneo a

inovação tecnológica possui uma ligação direta com os problemas sócio-ambientais e

políticos devido a apropriação do modelo econômico vigente pelas novas tecnologias.

Os desdobramentos resultam, sobretudo, em danos ambientais e escassez de recursos

naturais, conseqüências da necessidade de novas fontes de energia, além da poluição

hídrica e atmosférica, de uma forma inusitada e incontrolável (ANDRADE, 2005).

O desenvolvimento da sociedade contemporânea ocorreu com a junção da

realidade ambiental e o desenvolvimento tecnológico. Ao ousar um contínuo acúmulo

propiciado pela economia industrial, a questão ambiental adquire um fator intrínseco à

lógica do desenvolvimento sustentável. As tecnologias tradicionais são colocadas como

inviáveis economicamente, e as contemporâneas representam o desafio de conciliar

desenvolvimento econômico e conservação ambiental (ANDRADE, 2005).

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Um dos problemas das inovações tecnológicas na relação com o meio-ambiente,

especialmente no setor agrícola, consiste na padronização tecnológica e no

reducionismo, que deixam à parte formas de conhecimento exteriores à tradição da

cultura ocidental. Na padronização agrícola, por exemplo, são latentes os riscos

econômicos por atrelar a economia de um Estado a apenas um setor, e ser

caracteristicamente destinada à exportação, além de provocar danos ambientais por não

diversificar a produção no solo em questão, ignorando a existência da troca de

nutrientes entre este e o que se produz.

Nessa perspectiva Shiva (2003) relata que as novas tecnologias, na forma com

que são administradas hoje, interferem diretamente no saber local, compreendido como

o conhecimento de comunidades adquiridos por um processo contínuo de técnicas em

que se envolvem tradição e produção local de acordo com as disponibilidades

ambientais. Para a autora o ambiente das comunidades locais é colonizado por normas e

técnicas consideradas científicas e universais. Logo, considera-se o saber local

inadequado e não científico, junto de sua diversidade.

Na contemporaneidade saberes e valores de culturas milenares e alternativas são

subjugados pela racionalidade científica construída no mundo ocidental, com tamanho

poder de colonização, a ponto de tornar-se um valor universal.

A economia internacionalizada vigente estabelece um novo modelo de

colonização. Se antes as economias dos países de centro necessitavam de novos

territórios e ideologias para se expandirem, hoje os mesmos países estão por colonizar o

cerne da existência: a natureza. Um exemplo da exploração tecnológica que traz

problemas técnicos e ambientais são as sementes geneticamente modificadas. A alta

rentabilidade dos organismos geneticamente modificados, fomentados por direitos de

propriedade intelectual, estimula continuamente investimentos nesse setor.

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Com a introdução das novas tecnologias da engenharia genética, as sementes se

tornaram um elemento passível à manipulação. Estas terminam em direitos exclusivos

das grandes corporações, garantidos por leis de patentes. Deixam de ser um recurso vivo

e renovável de uso público, e tornam-se produtoras de germoplasma a ser geneticamente

modificado. Até mesmo o seu principal fim, a reprodução, fica implicado e apropriado

pelas leis de propriedade intelectual, ou seja,

As reivindicações de posse e propriedade dizem respeito a

recursos vivos, mas a precedência de uma custódia e uso desses

recursos pelos lavradores não é levada em conta nas concessões

de patentes. Em vez disso, é a intervenção da tecnologia que

determina o direito a seu uso exclusivo. A posse dessa tecnologia

torna-se assim a justificativa da posse pelas grandes empresas e

da concomitante espoliação e desfranqueamento dos lavradores

(SHIVA, 2001: 76).

Assim, torna-se necessária uma análise dos processos anteriores à modernização

no campo que apontaram as tendências para o modo que hoje está configurado, e dessa

forma compreender como o setor rural foi sendo gradativamente apropriado pela lógica

industrial do acumulo, influenciado pelas posições políticas e interferências dos grandes

conglomerados comerciais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A revolução verde

A revolução verde foi uma das primeiras iniciativas direcionadas ao setor rural

com o objetivo de modernizá-lo. Sua base se encontra no período após a II Guerra

Mundial, num momento em que os países europeus, que presenciaram o significado da

insegurança alimentar, registraram a desestabilização do abastecimento de alimentos. A

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reestruturação do continente incluiu o campo, lugar onde novas técnicas foram

introduzidas, sobretudo no que se refere à mecanização e rendimento do solo por meio

de fertilizantes (PORTO-GONÇALVES, 2006).

Somente nas décadas de 1960 e 1970 é que de fato foi utilizado o termo

Revolução Verde no sentido de uma política de modernização do campo,

especificamente nos países em desenvolvimento, com o intuito de reverter o atraso na

agricultura frente os setores industriais da economia, e colocá-lo como uma extensão da

lógica industrial (PORTO-GONÇALVES, 2006).

Esse período foi o início dos grandes saldos nas colheitas de grãos nos países em

desenvolvimento e ampliação da fronteira agrícola, enquanto a técnica científica era

desenvolvida nos países de centro, que após seriam exportadas para os locais de

aplicação: a periferia.

Os impactos impressionantes dos resultados dessa nova dinâmica se apresentam

em dois aspectos: Primeiro pelos números apresentados nos saldos de produtividade;

Segundo, pela afirmação de que o problema da fome e da miséria tinha uma solução, e

esta seria o desenvolvimento técnico-científico voltado para o campo. Fome e miséria

deixam de ser um problema social, político e cultural, e se desloca para uma solução

técnica.

Contudo o que parecia ser a solução da segurança alimentar em sintonia com as

relações sociais próprias do campo, no sentido de ser um setor da sociedade necessário

não só na questão cultural e de preservação ambiental, mas também como um espaço

que absorve mão-de-obra e fomenta a existência do meio urbano, acarretou em

desdobramentos cujas implicações resultaram em processos de descontinuidades no

desenvolvimento rural, ou ainda na apropriação dos recursos desse setor para o

benefício de grupos e agentes específicos.

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A revolução verde iniciou um processo de exclusão na agricultura e em suas

respectivas comunidades, além de danos ambientais. O objetivo de aumentar a

produtividade agrícola dos países em desenvolvimento por meio da introdução de

sementes manipuladas, agrotóxicos, normas técnicas e mecanização, resultou na

depreciação sócio-ambiental e exclusão social.

Segundo Brandemburgo (2005) notou-se que as novas técnicas de produção

estabeleciam uma relação predatória para com os recursos naturais. Se antes a utilização

do solo era feita em harmonia entre o que se produzia, a biodiversidade e os recursos

naturais, de modo a favorecer a diversidade de gêneros e a capacidade de produção do

solo, agora se revertiam: as produções se restringiam a um número limitado de gêneros

em grandes extensões de terras, o que ocasiona desmatamentos, esgotamento do solo e

de recursos naturais

A Revolução Verde criou uma situação paradoxal na agricultura com

preponderância de fatores questionáveis. Se por um lado houve uma situação mais

rentável incorporando-se a uma lógica de acumulação de capital por meio da técnica,

esta se limitou a um grande volume de capital apropriado e administrado por um grupo

minoritário de corporações e empresas privadas (SHIVA, 2003; BRANDEMBURGO,

2005; PORTO-GONÇALVES, 2006).

As inovações tecnológicas advindas da Revolução Verde também contribuíram

para a centralização do poder a medida que foram aplicadas. As sementes que resistem a

agrotóxicos e herbicidas são na maioria das vezes desenvolvidas por empresas químicas

e de sementes que compartilham ações e tecnologias. Estas traçam estratégias para

manter o agricultor dependente de seus produtos. Temos o caso das sementes terminator

do grupo Monsanto que ao final da produção o agricultor não obtém o número

necessário para o próximo cultivo (PORTO-GONÇALVES, 2006; ROBIN, 2008). Ou

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ainda as sementes round-up ready do mesmo grupo, que foram desenvolvidas para

suportar a ação química do pesticida round-up.

Esse contexto nos mostra que a Revolução Verde se manteve mais preocupada

com a aplicação de processos técnico-científicos, enquanto a sua produção se revertia

em lucros, do que com as premissas de garantir a alimentação mundial que justificava a

sua adesão tanto pelos agricultores quanto por parte dos Estados.

Em suma podemos concluir que um modelo de agricultura moderna e

sustentável apenas suscitou debates em que de um lado estavam os defensores de uma

política agrária que respeitasse os valores das comunidades tradicionais junto da

preservação ambiental, e de outro um discurso com tom progressista invocando a

modernidade no campo por meio da instrumentalização e técnica cientifica numa lógica

mercadológica com vistas ao acúmulo de capital.

Biotecnologia

As inovações tecnológicas tem sido o meio de desenvolvimento das sociedades

ocidentais. Trazem em seu bojo uma noção de cientificidade como se suas ações

pudessem controlar todas as instâncias da vida. A princípio é assim que elas se

apresentam, com um poder de mobilidade que influencia todas as áreas do

conhecimento.

A matéria produzida pela natureza é apreendida e manipulada com o objetivo de

proporcionar um retorno positivo à sociedade: maior produção de alimentos,

medicamentos mais potentes, descobertas científicas que substituem formas “arcaicas”

de produção e conseqüentemente novos meios de sociabilidade como encontrado hoje,

pautadas no conceito da informação (GARCIA DOS SANTOS, 2003).

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A ciência moderna possibilitou o domínio da matéria a ponto de ser trabalhada à

escala do nanômetro (equivalente a um milionésimo de milímetro), processo que dá a

matéria um caráter fragmentado, o que indica que não são mais elementos integrados e

sim compostos elementares, químicos e genéticos, cujas recombinações podem resultar

em novos elementos (PORTO-GONÇALVES, 2006).

O que se convencionou chamar de biotecnologia é o resultado desse processo

técnico indicado pela manipulação de partículas inanimadas apropriada pela engenharia

genética ao longo do período da revolução verde.

Vale ressaltar que esta é a forma de biotecnologia compreendia hoje, num

momento em que se tem a técnica como exclusividade da sociedade contemporânea

ocidental. Todas as sociedades são dotadas de técnicas desenvolvidas e transmitidas por

meio da tradição junto de um acúmulo de conhecimentos específicos a cada uma delas.

A tempos que comunidades tradicionais trabalham sobre a sua própria engenharia

genética em processos de enxertos de sementes, por exemplo, as espécies crioulas, com

o propósito de obter melhores resultados na produção (SHIVA, 2001).

De acordo com Porto-Gonçalves (2006) um modelo de biotecnologia começou a

ser configurado na década de 1980, momento em que ocorreram grandes transformações

na área rural. As inovações no campo trazidas pela revolução verde disponibilizaram de

alta produtividade e exigência de recursos custosos, como maior demanda por irrigação

e insumos. Essa nova etapa quebrou as barreiras genéticas tornando-se possível a

otimização de recursos e melhor adaptação de plantas em regiões distintas.

A engenharia genética tem a potencialidade de fazer com que qualquer gene seja

transportado de um organismo para outro. A fragmentação ocasionada pela

recombinação de DNA lhe transformou num recurso global usado para criar outras

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formas de vida. Isso fez da biotecnologia um ramo da ciência de grande difusão, não

comparada com nenhuma outra técnica instrumental já existente (SHIVA, 2003).

São inegáveis as transformações embutidas na biotecnologia, entretanto uma das

justificativas principais para a sua utilização, que no caso do campo se remete a

possibilidade de obter variedades de alimentos em condições dispare, não condiz com a

técnica aplicada pelas indústrias (SHIVA, 2001).

Os centros de decisões da biotecnologia são gerenciados por transnacionais

químicas, farmacêuticas e alimentícias. Estas dispõem de renomados centros de

pesquisa e possui quadros científicos sofisticados, o que lhe dá maior poder nas

negociações e no direcionamento das pesquisas e aplicações em torno da biotecnologia.

Embora grande parte do desenvolvimento biotecnológico tenha sido criado por

centros universitários, o seu controle permanece sob os interesses das transnacionais.

Estes órgãos corporativos por sua vez se diversificam entre os setores agroquímicos,

farmacêuticos, de alimentos e bebidas, e de sementes. A aproximação cada vez maior

dessas empresas mantém em evidencia a possibilidade de grandes fusões, podendo vir a

resultar no controle de grande parte do mercado mundial por um número menor de

corporações, beneficiadas ainda pelo fato da biotecnologia ter encontrado espaços em

todos os setores da economia. (PORTO-GONÇALVES, 2006).

A biotecnologia como um segmento que manipula matéria viva, lança

indagações sobre os riscos que as alterações genéticas possam causar. Traz em seu

discurso o anúncio de uma nova era na agricultura, livre de herbicidas e agrotóxicos,

uma solução sem riscos econômicos e ambientais, ao contrário do período da revolução

verde caracterizado pelos danos causados por produtos químicos, seja no solo, ao

agricultor durante o cultivo e no próprio consumo. A alternativa foi a criação de

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medidas seguras e biológicas presentes no termo “biotecnologia” que, no senso comum,

é sinônimo de segurança e viabilidade ecológica.

Entretanto, isenta de rotulações ela se apresenta no campo da engenharia,

caracterizada por apresentar soluções técnicas que por vezes não trabalha com a

complexidade encontrada por trás dos fatos, podendo resultar em novos problemas que

depois serão dados como efeitos colaterais imprevisíveis (SHIVA, 2003).

As controversas são explícitas, e o mito de que a biotecnologia está isenta de

produtos agroquímicos logo pode ser refutado. Multinacionais como Ciba Geigy, ICI,

Monsanto, e a Hoechst são tanto financiadoras de pesquisas como produtoras de

pesticidas e herbicidas. (SHIVA, 2003; PORTO-GONÇALVES, 2006; ROBIN, 2008).

Os interesses dessas empresas estão centrados na produção de organismos

alterados que resistam aos seus produtos. Mais uma vez torna-se ilustrativo o caso da

empresa Monsanto que desenvolveu a semente round-up ready para resistir ao herbicida

round-up de sua própria produção. Este não é um caso isolado,

um bom número de grandes companhias petroquímicas está

criando sementes com resistência a herbicidas fabricados por elas.

A soja tornou-se resistente ao herbicida Atrazine da Ciba Geigy, o

que aumentou as suas vendas anuais de herbicida em US$ 120

milhões. Também está sendo feita pesquisa para criar plantas

resistentes a outros herbicidas, como o Gist e o Glen da Dupont e

o Round-up da Monsanto, que são letais para a maioria das ervas

e, por isso não podem ser aplicados diretamente nas safras. A

criação e a venda bem-sucedida de sementes resistentes aos

herbicidas de uma determinada marca vão resultar em mais

concentração econômica no mercado da agroindústria,

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aumentando o poder de mercado das companhias transnacionais.

(SHIVA, 2003: 135-136).

O desconhecimento das implicações do modelo de biotecnologia implantado

mantém ocultos não só os riscos ambientais e a saúde, mais também as estratégias

político-econômicas que permeiam as relações entre as grandes companhias

transnacionais.

Com isso revela-se a constituição de um novo universo plenamente dotado de

mudanças e práticas que foram desenvolvidas no interior de laboratórios e transportadas

aos espaços sociais. Uma análise desse processo mostra que os desdobramentos desse

cenário irão acarretar em relações mediadas por tensões resultantes de interesses

divergentes dos grupos envolvidos, e sobreposição daqueles que detém a legitimidade

da técnica científica.

Direitos de propriedade intelectual como limitador do conhecimento

Os direitos de propriedade intelectual (DPI) como encontrado hoje têm suas

origens nas diretrizes da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, órgão

autônomo dentro das Nações Unidas, instituído em 1967. Tem por objetivo

regulamentar as leis de propriedade intelectual junto da cooperação dos Estados.

As críticas direcionadas aos direitos de propriedade intelectual se referem a

apropriação indevida dos sistemas de conhecimentos de comunidades tradicionais, ou,

como encontrado na literatura, em biopirataria (SHIVA, 2001; LACEY 2005) que seria

o meio legitimado pelos organismos e convenções internacionais como a OMC

(Organização Mundial do Comércio) em garantir o direito às grandes corporações e

transnacionais de patentearem a biodiversidade, ou parte dela, encontrada nos sistemas

de conhecimentos tradicionais, principalmente das comunidades dos países em vias de

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desenvolvimento. Nesse sentido compreende-se como dignos de produção apenas o que

se produz dentro de laboratórios, excluindo saberes e técnicas de conhecimento que não

utilizam dos mesmos princípios científicos.

Introduz-se uma forma globalizada de proteção intelectual orientada pelas

economias desenvolvidas que, quando aplicadas, se remetem a um processo de

dominação das grandes transnacionais sobre as economias periféricas. Estas, diante do

paradigma de modernização instituído, estão em vias de se desenvolverem, o que

ocorrerá caso possuírem a tecnologia vinda dos países desenvolvidos. Estes, por sua

vez, colaboram à medida que os países lhes permitem o acesso ao seu patrimônio

genético (GARCIA DOS SANTOS, 2003).

O resultado é um processo de exclusão dos sistemas tradicionais das leis de

proteção, tornando-os vulneráveis ao conhecimento científico desenvolvido no Norte.

Os interesses comerciais e leis de patentes fizeram com que a ciência se tornasse um

âmbito de conhecimento direcionado. As pesquisas fomentadas pelo capital financeiro

são encaminhadas para interesses específicos por estimularem tecnologias de modo a

favorecer a hegemonia cultural do ocidente.

Os DPI são uma tentativa de tirar dos lavradores, e das

mulheres, o que é da natureza e de chamar essa invasão de

melhoramento e progresso. Violência e pilhagem como

instrumento de geração de riquezas são essenciais à

colonização da natureza e de nossos corpos por meio das

novas tecnologias. Os que são explorados tornam-se

criminosos, os que exploram reivindicam proteção. O

Norte tem que ser protegido do Sul para poder continuar

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seu roubo ininterrupto da diversidade genética do Terceiro

Mundo (SHIVA, 2001: 81).

De acordo com a citação todos os sistemas de conhecimento não ocidentais são

subjugados e designados como não científico. Assim, autorizados por uma

pseudolegitimação provinda de acordos internacionais, a ciência ocidentalizada se

coloca como uma ciência universal, com o direito de intervir em outros sistemas de

saberes.

Lacey (2006) afirma que os DPI (Direitos de Propriedade Intelectual) são uma

forma de colaborar com a pilhagem do conhecimento, por meio do que ele chama de

“conhecimento científico obtido de acordo com as estratégias materialistas” (LACEY,

2006). As patentes protegem apenas uma versão do conhecimento, aquele adquirido de

acordo com as estratégias materialistas e exclui o conhecimento de populações

tradicionais.

Quando se refere às proteções atribuídas aos transgênicos, o autor as cita como

indevidas pelo fato dessas serem obtidas de sementes de agricultores tradicionais, cujo

manejo se remete ao conhecimento tradicional local. A estes não se atribui qualquer tipo

de reconhecimento ou recompensa sendo mero patrimônio da humanidade, passível de

apropriação sob influências de leis vigentes e de acordos internacionais, configurando,

na visão dos críticos, em biopirataria (LACEY, 2006).

Por esse motivo as patentes não apenas interferem no desenvolvimento de

sistemas de conhecimentos ausentes da cientificidade ocidental, como também

restringem os bens intelectuais comuns e biológicos que tornam possível a existência de

sociedades com um contexto próprio de vivencia.

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CONCLUSÃO

Na lógica do desenvolvimento o setor industrial foi construído como o meio

mais eficaz para que as nações atingissem, de acordo com o sistema econômico

capitalista, um tipo de progresso com base na valorização da mercadoria. A

modernidade no campo também foi uma tentativa de fazer com que as mercadorias

oriundas desse setor ganhassem um valor agregado maior, “industrializando” sua

produção.

Os benefícios comerciais obtidos durante esse processo, como no aumento das

exportações no caso dos países subdesenvolvidos, ou no grande investimento

tecnológico patrocinado pelos países de centro, não só deixou de avaliar as perdas

decorrentes do modelo assumido de desenvolvimento, como também possibilitou que

cada vez mais fosse criada uma dicotomia, estabelecendo quem ocuparia os espaços de

poder e de subalternidade.

Atualmente a análise sobre a valorização dos sistemas de saberes tradicionais

pela ciência ocidental, mostra que isso não é uma tentativa de integralizar e valorizar a

diversificação de conhecimentos, mas sim de apropriar-se de modo arbitrário de

determinado conceito de produção e integrá-lo a sistemas de proteção que inviabilizará

a sua disseminação, dado que, por meio das patentes, o seu controle estará sob as regras

dos acordos comerciais gerenciados pelos conglomerados comerciais e transnacionais.

A literatura que aborda essa discussão, junto dos diversos estudos de caso nos

lança uma pergunta: Por que não avaliamos o que estamos perdendo? De fato é um

alerta. Cabe as áreas do conhecimento e aos tomadores de decisão dos Estados rever o

projeto assumido de modernização no setor rural, de modo a reverter esse processo e

gerar condições equitativas de desenvolvimento, preservação ambiental e conservação

do desenvolvimento endógeno dos sistemas de saberes tradicionais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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