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161 Notícias sobre TV: o Diário de S. Paulo e a cobertura sobre a implantação da PRF-3-TV-Tupi de São Paulo Noticias sobre TV: el Diário de S. Paulo y la cobertura informativa sobre la im- plantación de la PRF-3-TV de São Paulo Mônica Rodrigues NUNES 1 Resumo: O presente artigo faz uma recuperação históri- ca, a partir da cobertura jornalística realizada pelo Diário de S. Paulo – jornal da cadeia dos “Diários Associados” de Assis Chateaubriand –, sobre a implantação da primeira estação de televisão de São Paulo, a PRF-3-TV-Tupi.O período estudado é o do ano de inauguração da televisão no Brasil – de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 1950. Da leitura do periódico podem ser retiradas algumas in- formações sobre a instalação e as primeiras programa- ções da televisão no país. Nas matérias do jornal sobre o tema, nota-se a presença de seis temas principais: alcance da TV; equipamentos e montagem; receptores de TV; transmissões experimentais; inauguração da televisão; e programação. Palavras-chave: Diário de S. Paulo; PRF-3-TV-Tupi; TV na Taba; transmissões experimentais; transmissões regu- lares; programação. Resumen: El presente artículo hace una recuperación de la memoria histórica, de la cobertura informativa he- cha por el Diário de S. Paulo – periódico de la cadena de periódicos y emisoras de radio (“Diários Associados”) de Assis Chateaubriand –, sobre la implantación de la pri- mera estación de televisión de São Paulo, la PRF-3-TV- Tupi . El período estudiado es del año de inauguración de 1 Jornalista, Mestre (2003) e doutora (2007) em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, com estágio doutoral na Universidad Complutense de Madrid. Atualmente é professora Ad- junto II do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, da Universi- dade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: monicarodriguesnunes@ gmail.com la televisión en Brasil – de 1º de enero a 31 de diciembre del 1950. De la lectura del periódico se pude sacar al- gunas informaciones sobre la instalación y las primeras programaciones de la televisión en Brasil. En las materias del periódico sobre el tema, se nota la presencia de seis temas principales: alcance de la TV; equipos y montaje, receptores de TV; transmisiones experimentales; inaugu- ración de la televisión; y programación. Palabras clave: Diário de S. Paulo; PRF-3-TV-Tupi; “TV na Taba”; transmisiones experimentales; transmisiones regulares; programación. A TV no jornal Desde a inauguração das primeiras emissoras de televisão no mundo, revistas – principalmente aquelas especializadas em cinema e rádio – e jornais brasileiros noticiaram sobre o novo invento. Reportagens, notas, notícias, ensaios, comentários e artigos procuravam in- formar aos leitores sobre a nova tecnologia, curiosidades, programas, elenco, etc.. Entre as revistas que tiveram a televisão como pauta, antes mesmo da inauguração da primeira emis- sora brasileira, está a Cinearte que passou a editar desde a década de 1930 diversas páginas sobre o tema; sen- do o primeiro texto “Agora, a televisão”, publicado na edição 283 de 1931. Entre os jornais paulistanos, um exemplo é a série de ensaios, intitulada “Daguerreotipo ou televisão”, assinada por José Geraldo Vieira, no Suplemento Literário da Folha da Manhã, durante o ano de 1947. Na década de 1940, os veículos impressos dos “Diários Associados” passaram a publicar textos sobre o funcionamento e características de emissoras de televi- são em atividade na Europa e nos Estados Unidos, além de informar sobre as negociações e compra dos equi- pamentos para a montagem das primeiras emissoras de televisão brasileiras. A história da televisão no Brasil começou a es- boçar-se quando Chateaubriand ao ver, nos escritórios da RCA Victor em New York, em 1946, a televisão em pleno funcionamento, decidiu comprar equipamentos para a montagem de duas emissoras de TV: uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo. Para a compra do equipamento de TV para São Paulo, Chateaubriand depositou, em 1947, a primeira parcela (duzentos mil dólares) na conta bancária da RCA e, ficou por mais de dois anos no aguardo do envio do transmissor. Ao mesmo tempo acertou com a General

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Notícias sobre TV: o Diário de S. Paulo e a cobertura sobre a implantação da PRF-3-TV-Tupi de São PauloNoticias sobre TV: el Diário de S. Paulo y la cobertura informativa sobre la im-plantación de la PRF-3-TV de São Paulo

MônicaRodriguesNUNES1

Resumo: Opresenteartigofazumarecuperaçãohistóri-ca,apartirdacoberturajornalísticarealizadapeloDiário de S. Paulo – jornaldacadeiados“DiáriosAssociados”deAssisChateaubriand–,sobreaimplantaçãodaprimeiraestaçãodetelevisãodeSãoPaulo,aPRF-3-TV-Tupi.OperíodoestudadoéodoanodeinauguraçãodatelevisãonoBrasil–de1ºdejaneiroa31dedezembrode1950.Daleituradoperiódicopodemserretiradasalgumasin-formações sobre a instalaçãoe asprimeirasprograma-çõesdatelevisãonopaís.Nasmatériasdojornalsobreotema,nota-seapresençadeseistemasprincipais:alcanceda TV; equipamentos e montagem; receptores de TV;transmissõesexperimentais; inauguraçãoda televisão;eprogramação.

Palavras-chave:Diário de S. Paulo; PRF-3-TV-Tupi;TVnaTaba;transmissõesexperimentais;transmissõesregu-lares;programação.

Resumen: El presente artículo hace una recuperacióndelamemoriahistórica,delacoberturainformativahe-chaporelDiáriodeS.Paulo–periódicodelacadenadeperiódicosyemisorasderadio(“DiáriosAssociados”)deAssisChateaubriand–,sobre la implantacióndelapri-meraestacióndetelevisióndeSãoPaulo,laPRF-3-TV- Tupi.Elperíodoestudiadoesdelañodeinauguraciónde1Jornalista,Mestre(2003)edoutora(2007)emComunicaçãoSocialpelaUniversidadeMetodistadeSãoPaulo,comestágiodoutoralnaUniversidadComplutensedeMadrid.AtualmenteéprofessoraAd-juntoIIdoCursodeComunicaçãoSocial–Jornalismo,daUniversi-dadeFederaldeUberlândia(UFU).E-mail:[email protected]

latelevisiónenBrasil–de1ºdeeneroa31dediciembredel 1950.De la lectura del periódico sepude sacar al-gunasinformacionessobrela instalaciónylasprimerasprogramacionesdelatelevisiónenBrasil.Enlasmateriasdelperiódicosobreeltema,senotalapresenciadeseistemasprincipales:alcancedelaTV;equiposymontaje,receptoresdeTV;transmisionesexperimentales;inaugu-racióndelatelevisión;yprogramación.

Palabras clave:Diário de S. Paulo; PRF-3-TV-Tupi;“TVna Taba”; transmisiones experimentales; transmisionesregulares;programación.

A TV no jornalDesdeainauguraçãodasprimeirasemissorasde

televisão nomundo, revistas – principalmente aquelasespecializadasemcinemaerádio–e jornaisbrasileirosnoticiaram sobre o novo invento. Reportagens, notas,notícias, ensaios, comentáriose artigosprocuravam in-formaraosleitoressobreanovatecnologia,curiosidades,programas,elenco,etc..

Entreas revistasque tiverama televisãocomopauta, antesmesmo da inauguração da primeira emis-sorabrasileira,estáaCineartequepassouaeditardesdea década de 1930 diversas páginas sobre o tema; sen-dooprimeiro texto“Agora, a televisão”,publicadonaedição 283 de 1931. Entre os jornais paulistanos, umexemploéasériedeensaios,intitulada“Daguerreotipoou televisão”, assinada por José Geraldo Vieira, noSuplementoLiteráriodaFolha da Manhã,duranteoanode1947.

Nadécadade1940,osveículos impressosdos“DiáriosAssociados”passaramapublicar textossobreofuncionamentoecaracterísticasdeemissorasdetelevi-sãoematividadenaEuropaenosEstadosUnidos,alémde informar sobre as negociações e compra dos equi-pamentosparaamontagemdasprimeirasemissorasdetelevisãobrasileiras.

AhistóriadatelevisãonoBrasilcomeçouaes-boçar-se quandoChateaubriand ao ver, nos escritóriosdaRCAVictoremNewYork,em1946,atelevisãoempleno funcionamento, decidiu comprar equipamentosparaamontagemdeduasemissorasdeTV:umanoRiodeJaneiroeoutraemSãoPaulo.

ParaacompradoequipamentodeTVparaSãoPaulo, Chateaubriand depositou, em 1947, a primeiraparcela(duzentosmildólares)nacontabancáriadaRCAe,ficoupormaisdedoisanosnoaguardodoenviodotransmissor.Aomesmo tempoacertoucomaGeneral

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ElectricacompradeequipamentosimilarparaaTV Tupi doRiodeJaneiro,umavezqueaRCAhaviapedidoprazoaindamaiorparaaentregadeumsegundotransmissor.

Sobre os recursos para a compra dos equipa-mentos para as emissoras do Rio de Janeiro e de SãoPaulo,AssisChateaubriandescreveu,emartigopublica-donoDiário de S. Paulo,em31deagostode1950,quesófoipossívelgraçasaoapoiodainiciativaprivada,es-pecificamentedasempresas:Wolff,SulAméricaSeguros,Sams (lãs doMoinho Santista) eGuaranáChampagne(Antarctica). Alguns dias depois, em 22 de setembro,Chateaubriandtraziaaseguinteinformação:

Ao sentirmos madura a televisão nosEstados Unidos e na Inglaterra, pedi-mosàquelesquatroanunciantesnossosque,emvezdenosentregaremautori-zação de publicidade por três meses,demonstrassemumpoucomaisdecon-fiançaemnossaestabilidade.Eelesnosderamsuasordensdeinserçãodeanún-ciospordozeedezoitomeses.Munidosdessas ordens fomos aos bancos quetrabalham conosco, descontando auto-rizaçãodepublicidade,porantecipação.Fizemosdetrêsgolpes,paraadquiriremontardoisequipamentos,doRioeSãoPaulo,dezesseismilhõesdecruzeiros,oquenãoéaindaumaterçapartedocus-todonegócio.

Enquanto os trâmites para a implantação dasprimeiras emissoras de televisão eram acertados, a di-reçãodos“DiáriosAssociados”utilizoualgunsdeseusveículosdecomunicaçãoparainformarsobreachegadadessenovoveículoaopaís.

DepropriedadedosDiários Associados,nacapitalpaulista,circulavamcomdestaque,nasdécadasde1940e1950,arevistaCruzeiroeosjornaisDiário da Noite e Di-ário de S. Paulo.OvespertinoDiário da Noitefoifundado,emsetedejaneirode1925,porumgrupodejornalistasformadoporLeoVaz,OswaldodaCosta,AntonioFi-gueiredo, Plínio Barreto e Rubens doAmaral.No en-tanto,poucosmesesapósolançamento,estejornal,pormotivosfinanceiros,foicolocadoavenda.InteressandoeminiciarnovosempreendimentosemSãoPaulo,AssisChateaubriand, que já era proprietário do periódicoO JornaldoRiodeJaneiro(adquiridoem1924),comprouoDiário da Noite.

AfirmaFernandoMorais (1994,p. 153-4)que,“nodiadoisde junhode1925, emboraonomeaindanãoaparecessenocabeçalhonemnoexpediente,oDiá-rio da NoiteerapropriedadedeChateaubriand,queman-tevePlínioBarretoeRubensdoAmaralcomodiretorese Leo Vaz como redator-chefe”. Completa este autor,quemenos de seismeses apósmudar demãos, o jor-nalapresentavaótimoslucros(MORAIS,1994,p.170).Doisanosdepois,esteperiódicopassouaseradminis-tradoporOswaldoChateaubriandefoi,nesteperíodo,quetevesualinhaeditorialdefinida:jornalpopular,feitoparaasmassas.

Comodesejode ampliar sua rededeveículosimpressos2,AssisChateaubriandpreparouemsigiloumnovoprojetoparaacidadedeSãoPaulo.Tratava-sedolançamentodoDiário de S. Paulo,umjornalfeitoparaaelite paulistana, que buscava semelhança com o jornalamericanoThe New York Times.Suaestreiafoiemcincodejaneirode1929.

Editadodeterçaadomingo,oDiário de S. Pau-lo começouacircularcomtiragemconsiderávelparaoperíodo,chegandoaimprimir90milexemplares.Jánoseu lançamento,este jornal inovouaopublicaraspági-nasorganizadasemeditorias,edesdeoiníciobuscoudarespaçoparaasartesealiteratura(NUNES,2007).Emsuaprimeirasemanadecirculaçãolançouumsuplemen-toliterário,eapartirde17demarçode1929,passouapublicara Revista de Antropofagia–Segunda Dentição.

Comodito anteriormente, tanto oDiário de S. Paulo quanto oDiário da Noite permaneciam em circu-laçãonadécadade1950.Masfoioprimeirodelesquepassou a trazer, mais frequentemente, para o públicopaulista, informaçõessobreatelevisãonomundoenoBrasil.Entreoutrostextospublicadosnestejornal,logoque as primeiras sinalizações da compra dos transmis-sores foram confirmadas, Chateaubriand, que assinavadiariamenteumartigonaprimeirapáginadoDiário de S. Paulo,passouainformarosleitoressobreacompraeainstalaçãodasprimeirasemissorasdeTVnoBrasil.

De primeiro de janeiro a 31 de dezembro de1950localizamos,noDiário de S. Paulo,cercade803tex-tosabordandootematelevisãoemSãoPaulo.Esteserameditadosemdiferentespartesdojornal–desdeacapaatéoSuplementoDominical4.Muitasmatériaseramacom-2Nesteperíodojáestavamemcirculação,O JornalnoRiodeJaneiro,o Diário da NoiteemSãoPaulo,oEstado de MinasemBeloHorizonteearevistaCruzeiro.3ParaopresenteartigoconsultamostodasasediçõesdoDiário de S. PaulonoArquivodoEstadodeSãoPaulo.Em1950,estejornaleraeditadodeterça-feiraadomingo.4SegundodefiniçãodopróprioDiário de S. Paulo.“Suplemento:de-zesseispáginasemtrêscoresquevalemporumarevista”.Nelehavia,

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panhadasporfotografias,ajudandoa ilustrarospassosparaaimplantaçãodaTVnestacidade.Deve-seressaltaraqui, a presença demuitas notas publicadas na coluna“CidadedoRádio”,assinadaporAyrtonRodrigues.

OstextospublicadosnoDiário de S. Paulopermi-tementenderaspectosdamontagemdaPRF-3-TV(ouTV TupideSãoPaulo)edaproduçãodaprogramaçãoexibidanas transmissõesexperimentais edasprimeirastransmissõesregulares.AtravésdeanálisedeconteúdoverificamosapresençadeseisassuntosprincipaisparaotematelevisãoemSãoPaulo:alcancedaTV;equipamen-tosemontagem;receptoresdeTV;transmissõesexperi-mentais;inauguraçãodatelevisão;eprogramação.

Curiosamente, em breve leitura de outros diá-rios5,emcirculaçãonacapitalpaulista,em1950,verifi-ca-seaausênciadeinformaçõessobreaimplantaçãodaprimeiraemissoradeTVnacapitalpaulista.Noentanto,paulatinamenteoassuntopassouaserpautaemalgunsjornais,quepublicavaminformaçõessobreaprograma-çãodaPRF-3-TV.EntreelesoJornal da Tarde,quelogoapósoiníciodastransmissõesregulares,lançouaseção“Cartaz:Cinema-teatro-televisão-circo”.

Não podemos deixar de ressaltar que os da-dos coletados das páginas do jornal, em certamedida,demonstram a percepção/visão do responsável pelaimplantaçãodaTVemSãoPaulo,umavezqueChate-aubrianderaproprietáriodoDiário de S. PauloedaPRF-3-TV.Tambéméprecisoconsiderarqueautilizaçãodojornalimpressocomofontebásicaparaolevantamentodos dados, em particular, da programação, é limitado.Istoporquenãoépossívelconfrontarasinformaçõesdi-vulgadascomosprogramasefetivamentecolocadosnoar.

O alcance da TV em São PauloDesdeo iníciodasnegociaçõesparaacompra

de transmissores deTVpara serem instalados emSãoPaulo e noRio de Janeiro,Chateaubriand demonstroupreocupação com o alcance da TV. Chegou, inclusive,a solicitar a presençadeperitos para quefizessemumestudosobreosinaldaTVdeSãoPaulo.

SegundoChateaubriand,emartigopublicadonoDiário de S. Paulo,em31deagostode1950,técnicosdaMarconiWirellesCorporation,emvisitaàcapitalpaulistaem1947,foramtotalmentecéticosquantoàspretensões

alémdapublicaçãodecontos,reportagenseentrevistas,asseguintesseções:FilmseEstrelas;Rádio;Teatro;Livros, leitoreseautores;eCiênciaPopular.5Em1950, alémdos jornaisAssociados, circulavam, entreoutros,emSãoPaulo:Folha da Manhã, Folha da Tarde, Folha da Noite,A Gazeta, Correio Paulistanoe O Estado de S. Paulo.

desechegarosinaldaTVaJundiaí,SantoseCampinas.OdesejodequeaTVpudessealcançaressascidadesfoiumdosmotivospelademoraemassinarocontratocomaRCA(maisdeumanoemeio).Emoutroartigo,de22desetembrode1950,Chateaubriandinformavaque,em1947oraiodealcancedaTVerade20milhas.Otrans-missorrecebidopelaTV TupideSãoPaulo,em1950,erade5KW,semelhanteaosinstaladosnosEstadosUnidos,alcançando80milhas.Eacrescentou:

Felizmente, o nosso amigo Brunnetguardou,durantepertodetrêsanos,osprimeirosduzentosmildólaresque lheentregamos, esperando maiores inova-ções no campo das distâncias a cobrirpela televisão. (...)Aí temos, depois de32 meses do pagamento do sinal dacompradotransmissorpaulista,oacon-tecimentoinesperado:acurvadaSerra,deCubatãoparaSantos,eoparedãodaSerra dos Cristais, que se interpõe en-treSãoPaulo, JundiaíeCampinas,nãoconstituemmaisobstáculosparaentra-dadonossosinalnastrêscidades-satéli-tesdestacapital.

Entreagostoesetembrode1950,transmissõesexperimentais foramvistas comnitideznas cidadesdeCampinas,JundiaíeSantos6.Assimcomonacapital,re-ceptoreseramcolocadosemlocaispúblicosnohoráriodas transmissões: das 17h às 19h. Desta forma, antesmesmodainauguraçãodefinitiva,aPRF-3-TVchegavaalugaresdistantesdosestúdiosdosDiários Associados.

ParaqueaTV Tupipudessealcançaralémdascidadescitadas,ouumraiomaiorque75km,eraprecisoinstalarsubestações.OlocalescolhidoparamontagemdaantenadaTVemSãoPaulofoioprédiodoBancodoEstado,naépoca,umdosedifíciosmaisaltosdaAméricadoSul.

6ApósainauguraçãodefinitivadaTV,o Diário de S. Paulopublicou,em05deoutubrode1950,queosinaldaTVchegavaaBrangança/SP.

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Fig.01:AntenadaPRF-3-TVnoaltodoBancodoEs-tado.“AtelevisãoemSãoPaulo”(DSP,25/06/1950)

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ApreocupaçãocomoalcancedaTV,possivel-mente,tinhamotivoeconômico.Seesteempreendimen-to era uma aventura cara e o retorno do investimentoumaincógnita,oseualcanceseriaapossívelsaídaparaalgumretornofinanceiro.Quantomaioroalcancedosi-naldaTV,maiorseriaopúblicopotencial,aumentandoaschancesdeempresasinvestirememanúnciospublici-tários.

Nãoporacaso,osresponsáveispeloDiário de S. Paulonoticiaram,em29dedezembrode1950,oprimei-rocontratodepublicidadedaTVondehaviaaseguin-te informação: “o advento da televisão em São Paulo,comaPRF-3-TV,trouxeaosanunciantesaformamaiscompletaeeficientedepublicidadeexistentenomundo.Atransmissãode imagemàdistânciaacompanhadadosom”.OsprimeirosanúnciosemvídeoveiculadospelaTVdeSãoPaulo,apartirde1ºdejaneirode1951,se-riamdasfirmasvarejistas“TecidosPrincesa”e“UniãoComercialdeTecidos”,dosirmãosEmílio,WillianeJeanHaidar.

Equipamentos e montagem da PRF-3-TV Embora a entrega do transmissor, pela RCA,

paramontagemdaPRF-3-TVtenhasidoanunciadaporChateaubriandem16deoutubrode1949,oembarquedoequipamentoocorreuapenasem11dejaneirodoanoseguinte.

A bordo do cargueiro “Mormacyork”, vinte equatrotoneladas,referenteaoaparelhamentocompletoparamontagemdaTV,foramenviadasdaFiladélfiaaoportodeSantosemSãoPaulo.Nocarregamentoesta-vam,entreoutros:antenatripla(SuperTurnstile),carrosretransmissores(unidadesmóveisdetelevisão),câmeras,antenasparabólicas,doisprojetoresdefilmesde16mm.

Fig.02:PartedoequipamentodaPRF-3-TVnoPortodaFiladélfia.“TelevisãoparaSãoPaulo”(DSP,19/01/1950)

Achegadadosequipamentos,aoBrasil,paraamontagemdaprimeiraestaçãodetelevisãodeSãoPauloocorreuem1ºdefevereirode1950.Cercade210volu-mesforamdescarregadosearmazenadosnaCompanhiaDocasnoportodeSantos.

Para a ocasião, Chateaubriand preparou umasériedeeventoseconvidouautoridadeseartistasparaparticipardeumcoquetel,aabordodonavio,eparaumalmoçonoParqueBalneárioHotel,emSantos.

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Fig.03:ChegadaaSantosdoequipamentodatelevisão.“Recepçãoaosaparelhosdetelevisão”(DSP,05/02/1950)

ParafestejarachegadadoequipamentoaRádio Tupiofereceu,nodia2defevereiro,umshownoTeatroColiseuemSantos.Artistasdoelencodestaemissoraeconvidadas internacionais, como a cantora portuguesaAmáliaRodrigueseadançarinacubanaRayitodeSol,seapresentaramemrecitalqueteveinícioàs23h.

OaparelhamentoparaamontagemdaprimeiraemissoradeTVdeSãoPaulopermaneceupor56diasnoportodeSantosaguardandoasformalidadesalfandegá-riasparaoseudesembaraço.Em24demarçode1950,quatro caminhões, com a viatura de televisão à frente,formaramumafrota,quetomourumoaSãoPaulopelaViaAnchieta.

ComachegadadoequipamentodeTVàcapital,o Diário de S. Paulopassouapublicarumasériederepor-tagenssobreoassunto.Emgeral,oenfoquedasmatériasapontavaparaumanovaconquista,odesenvolvimentodas comunicações, atravésdomodernomeiode trans-missãodeimagemàdistância,queestariaaoalcancedapopulaçãodeSãoPaulo.

Doismeses após a chegadado equipamento aSãoPaulodeu-se início à instalaçãoda torredaTV.Amontagemfoi realizadapor técnicosbrasileiros forma-dos nosEstadosUnidos e por engenheiros e técnicosamericanoseinglesesenviadospelaRCA.Amontagemdatorrefoiconcluídanaprimeiraquinzenadejulho.

AomesmotempoemqueatorretransmissoraerainstaladanoaltodoBancodoEstado,ChateaubriandmandouconstruirumestúdiodetelevisãonoaltodoSu-maréaoladodasemissorasderádioTupieDifusoraqueformavamocomplexodenominado“CidadedoRádio”.Suaconclusãoocorreuemagostode1950.

Receptores de TV

Atéjulhode1950,ostelevisoresqueexistiamnacapitalpaulistaeramdepropriedadedos“DiáriosAsso-

ciados”.Nostextosanalisados,nãoháinformaçãosobreaquantidadedeles;apenasquandodaestreiadoserviçodetelevisão,comatransmissãodoshowdeFreiMojica,em7dejulhode1950,foipublicadoquedoisaparelhoshaviamsidocolocadosnohalldoEdifícioGuilherminaGuinle.

Algunsautores,entreelesSérgioMattos(2000,p.92),afirmamqueChateaubriandteriacontrabandeado200receptoresparaqueasirradiaçõesdaTVpudessemser conhecidaspelopúblicopaulista. No entanto, nasmatérias publicadasnoDiário de S. Paulo nãohápistassobre este feito. O que se verifica é que logo que oequipamentoparamontagemdaPRF-3-TV chegou aoBrasil, uma reportagem, publicada na edição de 09 defevereirode1950,traziainformaçõessobreaimportaçãodeaparelhosreceptoresdeTV.

Em entrevista, o proprietário das lojas CassioMuniz,HelioMuniz,avisavaqueseriamimportadostrêsmilaparelhosRCAde10polegadasequeesteschega-riam ao Brasil em cinco ou seis semanas; fato que sóocorreuem22dejulhode1950.Tratava-sedoprimeirocarregamentodogêneroquechegavaaSãoPaulo.

Esteprimeirolotedereceptoresmarcaummo-mento importantena implantaçãoda televisãoemSãoPaulo.Somentedepoisdele,équefoipossíveliniciarastransmissõesexperimentais,emcaráterregular,emSãoPaulo,permitindo,também,testaroalcancedosinaldaTVnascidadesvizinhasdeSantos,JundiaíeCampinas.

AonoticiarachegadadosprimeirosreceptoresdeTV,em23dejulhode1950,oDiário de S. Paulopu-blicou:

ATelevisãoacabadeentraremsuapri-meirafasedeexpansãogeral:umcarre-gamento de grande número de apare-lhos receptores RCA, totalizandomaisdeseismilquilosdepesofoidesembar-cadoontemànoiteemCongonhas,debordo de dois cargueiros especiais daPanairDoBrasil.

Onúmerode aparelhosquechegaramnocar-regamento,importadopelaslojasCassioMuniz,nãofoimencionadonareportagemdoDiário de S. Paulo.Oquesenota,pelosanúnciospublicados,nestejornal,équeo númerode receptores àvenda emSãoPaulo, antesdainauguraçãooficialdatelevisão,eraexpressivo.Istopor-que,alémdalojaCassioMuniz,haviapelomenosdoisoutros estabelecimentos comercializando televisores,comentregaimediata,emsetembrode1950.

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NodiaanterioràinauguraçãodaTV,doisanún-ciosforampublicadosnacapadoDiário de S. Paulo:deH.Lopes Importadoreda lojaNatalEletricaLtda.Nestaúltima,oanúnciotraziaoseguintetexto:“assistaconfor-tavelmenteemseularoselecionadoprogramainauguralda PRF-3-TV amanhã, adquirindo magnífico receptorGeneralEletric”.

OvalordosreceptoresdeTVerabastantealto–principalmentesecomparadoaodorádio–compatívelcomodasluxuosasrádiovitrolas.OsmodelosdemesacustavamemtornodeCr$10.950,00eosde“console”,maissuntuososfeitosemmogno,cercadeCr$12.950,00.Ospreçostambémvariavamdeacordocomonúmerodepolegadas,comtelasde10,14,16,19e20.

Uma curiosidade é a variedade de marcas deaparelhos de TV disponíveis no mercado paulistanoem1950.EramvendidosaprontaentregamodelosdaGeneralElectric,RCA-Victor,PhilcoeAdmiral.Eatédezembrodesteano,maislojaspassaramaanunciarnoDiário de S. Pauloavendadereceptores.Entreelas:CasaSãoNicolau,S.PauloElétrica,PhilcoRádioeTelevisãoS.A.eRadioGreif.

Fig.04:ChegaaSãoPaulooprimeirocarregamentodereceptoresdeTV.“ProgramasdetelevisãoemS.Pauloparadentrodepou-cosdias”(DSP,23/07/1950)

***

Nãofosseafaltadeaparelhosreceptores,pos-sivelmenteastransmissõesexperimentaisregularestives-seminiciadoummêsantes.Istoporque,tecnicamenteaPRF-3-TV tinhacondiçõesderealizartransmissõesem

longa distância a partir demeados de julho, quando amontagemdatorredaTVjáhaviasidoconcluída.Pare-cepoucoprovávelque200aparelhosreceptorestenhamsidocontrabandeados,númerosuficienteparadarinícioàsdemonstraçõesdatelevisãoemcaráterexperimental.Sehouvecontrabando,devetersidodenúmeromenosexpressivo.

TV: realidade em São Paulo – transmissões ex-perimentais

ATVchegaaSãoPauloemummomentodegrandedesenvolvimentoeconômicodacidade.Deacor-docomocensodemográficode1950,apopulaçãodacapitalpaulista,impulsionadapeloaumentodosetorin-dustrial,passoude2para3,5milhões.

Nestemesmoperíodo,acidadecomeçouaga-nharproeminêncianocampodasartesecultura.Nadé-cadaanterior,sobretudoapós1945,foramcriados,nestacapital, teatros comooTBC (TeatroBrasileiro deCo-média),museuscomooMASP(MuseudeArtedeSãoPaulo)eoMAM(MuseudeArteModerna)eaCompa-nhiaCinematográficaVeraCruz.O rádiovivia sua eradeouro,gozandodegrandesucessodeaudiênciacomprogramasdeauditórioeradionovelas.

Nestecontexto,antesmesmodamontagemdaTVdeSãoPaulo,notíciasalimentavamaimaginaçãodosfuturostelespectadoressobreonovoinvento.Atelevi-são era colocada como uma conquista daquele tempoondeoresultadodelaera:“cinema,teatro,rádioemaisojornalcombinados”(DSP,02/02/1950).

Algumas notas e notícias traziam informaçõessobreoquesepoderiaesperardaprogramaçãotelevisi-va.Entreasnovidadesestavaapossibilidadedeassistir,de casa, não apenas programas realizados em estúdioscomofilmeseshows,mas,também,transmissõesdejo-gosdefuteboleoutrosacontecimentosesportivoscomoturf. Outra novidade era a telenovela, que seria trans-mitida pelaPRF-3-TV. “Não apenas ‘ouvir’, mas ‘ver’novelas.Elasnãoserãoapenasvozes,diálogoeruídos,queoouvinte temquecompletara imaginação” (DSP,12/02/1950).

ATVtornou-serealidadeem7dejulhode1950.MomentoemqueapopulaçãodeSãoPaulopôdeexpe-rimentaraexperiênciadevertelevisãopelaprimeiravez,atravésdaTV Tupi.Aprimeiraexibiçãopública–con-sideradaaestreiadoserviçodetelevisãodasEmissorasAssociadas–foiatransmissãodeumshowmusicaldocantorereligiosomexicanoFreiJoséFranciscodeGua-dalupeMojica.

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A apresentação aconteceu no auditório doMuseudeArte de SãoPaulo, no 3º andar doEdifícioGuilhermeGuinle(mesmoedifíciodos“DiáriosAsso-ciados”),nocentrodeSãoPaulo.Paraqueapopulaçãopudesseassistiraprimeiraexibiçãodatelevisãopaulista,foramcolocadosdoisaparelhosdeTVnohalldoEdi-fício.A transmissão foi assistida, segundo informaçõespublicadasnoDiário S. Paulo, em08de julhode1950,pormaisdedezmilpessoasqueseaglomeraramnoscru-zamentosdasruas7deAbrileBráulioGomes.

Fig. 05: Primeira transmissão daPRF-3-TV: estreia doserviçodetelevisão.“Uma realidade a televisão em São Paulo” (DSP,12/07/1950)

NodiaseguinteàapresentaçãodeFreiMojica,foi igualmente televisionadaa reinauguraçãodoMuseudeArte(localizadonomesmoedifíciodos“DiáriosAs-sociados”).No entanto, estasduas transmissões foramfeitasapenasemcircuitointernoeaovivo.

Em 16 de agosto de 1950, um mês antes dainauguraçãodefinitivadatelevisão,aPRF-3-TVpassouatransmitirprogramaçãoregular,emcaráterexperimen-tal,emlongadistância.Nestedia,receptoresRCAVictorforam colocados, pela primeira vez, em vários pontoscentrais da cidade (entre eles: lojaMesbla, bares, cafése confeitarias, nohall doEdifícioGuilhermeGuinle enohalldaRádioTupi,noaltodoSumaré)paraqueopúblicopaulistanopudesseassistiraoprimeiroprogramadeTVtransmitidoemlongadistância.Osaparelhosins-taladosduranteastransmissõesexperimentaiseramdos“DiáriosAssociados”edelojistasquecomprarammo-delosportáteis7parainstalaremseusestabelecimentos.

Enquantoaguardavaomomentooportunoparainaugurar oficialmente a televisão, variados programas

7Apartirde16deagostode1950alojaCassioMunizS.A.começouavender,nacapitalpaulista,receptoresRCA.

gravados–filmesproduzidospelaequipedaPRF-3-TV,desenhosanimados,comédiascurtasempelículaedocu-mentários (fornecidospor consuladose embaixadas)–eramtransmitidos,desegundaasábado,das17hàs19h.AdireçãodestastransmissõeseradoengenheiroMarioAlderighi,e,naparteartística,odiretoreraCassianoGa-busMendes.

Duranteastransmissõesexperimentais,fotogra-fiaspublicadasnoDiário de S. Paulodemostramgrandeinteressepopularpelatelevisão.Ondehouvesseumapa-relhodeTV,curiososseaglomeravamparaconhecera

novatecnologia.

Fig. 06: Público assistindo a programação da televisãoemestabelecimentocomercial. “Iniciousuastransmis-sõesexperimentaisaPRF-3-TVdasEmissorasAssocia-das”(DSP,17/08/1950)

Transmissão inaugural da TVOBrasilentroudefinitivamentenaeradatelevi-

são,em18desetembrode1950.NestadataaPRF-3-TV inauguravaoficialmenteoseuserviçodetransmissãodeimagemesomàdistância.Inicialmente,Chateaubrianddesejavaentregara televisãoàpopulaçãodeSãoPauloemjunhode1950,quandopoderiatransmitiraCopadoMundo,realizadanoBrasil.

AconclusãodostrabalhosdemontagemdaPR-F-3-TVnoprimeirosemestrede1950nãofoipossíveldevidoaumasequênciadeacontecimentos,sendoade-moradachegadadoequipamentoàcapitalpaulistaopri-meirodeles.Afaltadeaparelhosreceptoreseoatrasonaconclusãodoestúdiodetelevisãona“CidadedoRádio”tambémimpossibilitaramoiníciodastransmissõesnesteperíodo.

Na ediçãode 18de setembrode 1950, oDiá-rio da Noite anunciavacomdestaquenaprimeirapágina:“HojeemSãoPauloaTelevisão.Sonhoquesefazreali-

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dade”.Masestanãoeraaprincipalnotíciadestaedição,poisasmanchetesestavamdirecionadasparaasituaçãopolíticanacional,àsvésperasdaeleiçãopresidencialquelevariaGetúlioVargasdevoltaaopoder.

Já noDiário de S. Paulo, uma série de reporta-gensfoipublicadanosdiasqueantecederamesucede-ramainauguraçãooficialdaPRF-3-TV.De14a17desetembro,asmatériasbuscavamdetalharoprogramaasertransmitidonoprimeiroshowdaTV;explicavamaosleitorescomofuncionavaumaemissoradetelevisão(de-talhestécnicos,aparelhagenseprofissionaisnecessários);ressaltavama rapidezdamontagemdaTV(trêsmesesdetrabalhos)ereforçavamoêxitodastransmissões,nãoapenasemSãoPaulo,masnascidadesdeSantos,Cam-pinaseJundiaí.

Na descrição do planejamento da transmissãodefinitivadaTV, constavaumacerimôniade inaugura-ção,cominícioàs17h,ondedeveriamcomparecerauto-ridades civis,militares e eclesiásticas, representantesdaindústriaedocomércio,parceladapopulaçãoeartistasderelevo;eumshowdeaberturadasnovasatividadesprincipiandoàs21h,devendoprolongar-seporduasho-ras ininterruptamente.Todaatransmissão(cerimôniaeshowdeabertura)foidescritaemdetalhes,inclusiveosenquadramentosutilizadosnosplanosdascâmeras.

A concepção do show inaugural era de CostaLima e Cassiano Gabus Mendes, direção de CassianoGabusMendes,direçãotécnicadeMarioAlderighieJor-geEdo,direçãomusicaldeRenatoOliveira,regentedaorquestraTupi,ecoreografiadeMaríliaFranco.

NosdiasposterioresàtransmissãoinauguraldatelevisãoemSãoPaulo,ostextosabordaramosdetalhesdo show inaugural, intitulado “TVnaTaba” (primeirocomtransmissãodeprogramasaovivo),as impressõesdepersonalidadesnacionaiseestrangeiras(política,ecle-siástica,militaresesociedadecivil)emensagensendere-çadasàsAssociadassobreainauguraçãodaPRF-3-TV.

Nareportagem“EntregueaSãoPauloaTVAs-sociada”, de 19 de setembro de 1950, omomento foidefinido como “completo êxito tanto artístico quantotécnico”,eainda:

Às 17 horas, na presença de distintopúblico, foi para o ar o primeiro pro-grama de televisão, anunciado na vozdo locutor Homero Silva. Numerososaparelhos, instalados por toda cidade,registraram o despontar de uma novaera para o broadcasting sul-americano.D. Paulo Rolim Loureiro, bispo-auxi-

liardeSãoPaulo,nopalcodatelevisão,abençoouosestúdios,dirigindopalavrasde estímulo aos que promoveram tãoauspiciosa criação no rádio brasileiro.Caminhouatéàmáquinadefixaçãodaimagem, aí aspergindo água benta (...).Cominíciopoucodepoisdas21hoes-petáculoinauguraldaTVemSãoPauloprolongou-se, ininterruptamente, du-ranteduashoras.

Em20desetembrode1950,EliézerBurla,autordaseção“RádioeTV”,editadanoDiário de S. Paulo,es-creveusuasimpressõessobreoprogramainaugural:

Ligados apenaspor simpatia aopesso-al artístico e técnico da Difusora TV,queremos daqui cumprimentá-los peloseuprimeiroprograma:cheiodefalhas,comoerainevitável,masafinalumpro-gramadetelevisão.Esteprograma,den-trodealgunsmesesficaráenterradosobosnovosquesurgirãocadanoite,comoapedra fundamental se esconde soboedifício.

Embora não especifique, em seu texto, quaisseriamasfalhasocorridasnodiadainauguração,Burlapoderiaestarsereferindoànecessidadedeimprovisaçãonaexecuçãodealgumasatraçõesemrazãododefeitodeumadascâmeras,impedindoqueosprogramasfossemtransmitidosdomesmomodoque foramplanejados eensaiados,exigindograndeesforçodeartistasetécnicos.

Segundo Simões (1986, p. 21) o problema emumadascâmeras,atrasouoiníciodasatividadesemmaisdeumahoraemeia.Masnãoháinformações,noDiário de S. Paulo,queconfirmemestaafirmação.Emdiferentesedições,nasreportagenseemseçõesfixascomo“CidadedoRádio”e“RádioeTV”,publicou-sequeacerimôniadeinauguraçãocomeçouàs17h,comohaviasidoplane-jadaeoshowdeabertura iniciou-se logoapósàs21h.EmentrevistaàrevistaÉpoca Online,em18desetembrode2010,LolitaRodrigues,quecantouohinodaTVnaestreiadaPRF-3-TV,dissequeumadascâmerasparoudefuncionarsemmotivoaparente,equeCassianoGa-busMendesiniciouatransmissãocomapenasumadelas.

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Fig.07:Reportagemcomdetalhesdacerimôniadeinau-guraçãoedoshowdeabertura.“EntradefinitivamenteoBrasilnaeradatelevisão”(DSP,17/09/1950)

ComopartedasfestividadescomemorativasdainauguraçãodaPRF-3-TV,adireçãodasEmissorasAs-sociadas tambémofereceuumbanquetenos salõesdoJockeyClubedeSãoPaulo.

Programação (setembro a dezembro de 1950)

Enquantoos técnicosfinalizavamamontagemdoequipamentodeTVnacapitalpaulista,osdiretoresda PRF-3-TVcomeçaramaprepararumasériedepro-gramasgravados.Em23dejulhode1950,EliézerBurlainformava, emsuacolunanoDiário de S. Paulo,queasassociadaspaulistaspretendiampreparar“umasériein-tensiva de shorts cinematográficos e sketches deTV”,acrescentava que aTV Tupi já tinhamais de quarentaprogramasprontosequeostrabalhoscontinuavampelanoiteadentro,semparar,hámaisdetrêssemanas.

A equipe daPRF-3-TV – elenco de artistas, aequipededireção edeproduçãodosprogramas– eraformada por profissionais que trabalhavam nas rádiosTupieDifusora (EmissorasAssociadas).Artistasinterna-cionaisquevisitavama“CidadedoRádio”tambémeramconvidadosaseapresentaremnatelevisão.

Emrazãodafaltadeexperiênciadosprofissio-naisedepoucosmodelosdeprogramasdetelevisão(ape-nasrealizadosforadoBrasil),oquesevianosprimeirosmesesdaTV Tupi,eraumacópiadosprogramasfeitosnasrádiosTupieDifusora.Entretanto,essaaproximaçãoentre a televisão e o rádio era vista pelos diretores daPRF-3-TV,de formapositiva:“Osradio-ouvintes têm,assim,oportunidadedeconhecer,atravésdatelevisãoosseus astros preferidos, atuando em audições plenas debomhumor,ritmoesequênciasváriasondeapolítica,ocanto,eapoesiasejuntamnumentretenimentodosmaiscompletos(...)”.(DSP,30/09/1950).

Aocontráriodastransmissõesexperimentaisre-gulares,emquetodososprogramasexibidoseramgra-vados,amaiorpartedastransmissõesrealizadasapósainauguraçãooficial,eraaovivo.SegundoÁlvarodeMoya(Apud:SIMÕES,1986,p.19),oprincipalmotivoera ainexistênciadeumaindústriacinematográficanoBrasilque pudesse alimentar a sua programação.Os poucosprogramas gravados eram capitados em películas noformato de 16mm.Um exemplo era a transmissão dealgumasediçõesdoprimeirotelejornaldaTVbrasileira8,“ImagensdoDia”,apresentadoporRuyResendeePauloSalomão.

NostrêsprimeirosmesesdeatividadesdaTV,asatraçõeseramtransmitidasdesegundaasábado,prin-cipiandoàs20horas.Comduraçãodeaproximadamenteumahora emeia, cada edição apresentava entre seis eseteatrações.Nesteperíodo,umacaracterísticadapro-gramaçãodaPRF-3-TV eraos frequentesatrasos–naaberturaeantesdecadaprograma–que,segundoMárioFannuchi(1996,p.19),aconteciamdevidoàausênciadeexperiênciaemfazertelevisãoeafracaestruturadeequi-pamentosemãodeobra.

NovediasapósainauguraçãodefinitivadaPRF-3-TV,oDiário de S. Paulo passouapublicar,nacapa,aprogramação diária das transmissões.Como ainda nãohavia uma grade de programação com dias e horáriosfixos,estaeraaformadostelespectadoressabereman-tecipadamente quais atrações seriam exibidas naqueledia.Nostrêsprimeirosmesesdetransmissõesregulares,“ImagensdoDia”eraoúnicoprogramaapresentadoemtodasasedições,emgeral,encerrandoaprogramaçãodaPRF-3-TV.

Fig. 08 Lista de programas exibidos pela PRF-3-TV (DSP,24/10/1950)

8Aprimeiraediçãofoiem19desetembrode1950.

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Apartirde15deoutubrode1950,aTV Tupi passouaterprogramaçãoaosdomingos,comtransmis-sõesdejogosdefutebol.AprimeirapartidatelevisionadafoientreSãoPauloePalmeiras,noEstádiodoPacaem-bu.

Oprimeirofilmedelongametragemtransmiti-dopelaPRF-3-TVfoioitaliano“Trágicaperseguição”,em24desetembrode1950.Jáaprimeirapeçateatralfoi“Avidaporumfio”,transmitidaaovivonanoitede29denovembrodomesmoano.

Uma característica daTV Tupi, neste período,eraaprogramaçãodesexta-feira,dedicadainteiramenteaopúblicomirim9.Osprogramasmaisfrequenteseram:“Caixadebrinquedos”comHomeroSilvaeosartistas-mirinsdoClubePapaiNoel,“DoisMalucosnaTV”comFuzarcaeTorresmo,“SuzanaRodrigueseseusbonecos”(fantoches),“7instrumentos”comMisterBroni.

Operfildaprogramaçãoda televisãoem1950era bastante variado, composto por programas como:reportagens(“Imagensdodia”,deRuiRezendeePauloSalomão);VídeopolíticocomMaurícioLoureiroGama(comentários das eleições); apresentaçõesmusicais (or-questras, cantores do rádio, instrumentistas, etc); dan-ça; documentários; lutas (Ring naTV,Hercules e seuslutadores), desenho animado; telefilme;mágica; poesia;humor(RanchoAlegrecomMazzaroppi);FolclorecomAlceuMaynardAraújo;TeatrodeWalterForster;entre

outros.

Algumas considerações

NãofoiporacasoqueChateaubriandescolherao Diário de S. Paulo comoprincipalmeiodecomunica-ção impressopara informar àpopulaçãodeSãoPauloeregiãosobreachegadadatelevisão.Alémdetiragemconsiderável,imprimindoaosdomingosmaisde140.000jornais,tratava-sedeveículovoltadoparaaelite,ames-maqueteriacondiçãodecomprarumcaroreceptordetelevisãoparaassistir,doconfortodolar,asemissõesdaPRF-3-TV.

9SegundoMárioFanucchi(1996,p.152),logoqueaTVTupifoiaoar, as crianças semostraram encantadas com este novo veículo.Enãoapenaspelosprogramasvoltadosexclusivamenteparaelas,comoosdesenhosanimados,masseinteressavamportudoqueeratrans-mitido.“Eraumaadmiração incondicional, semamínimarestrição(...)”.Esse interessepelaTVcriouumproblemaparaas famílias, jáque ascriançaspassaramase recusara irdormirantesdofimdaprogramação.Foinestecontexto,apósmuitascartasenviadaspelospaisfazendoumapeloaosdirigentesdaTV,quefoicriadoumjingle,veiculadodiariamente,às21h,comaseguinteinformação:“Jáéhoradedormir...Nãoesperemamãemandar.Umbomsonopravocêeumalegredespertar!”.

OstextoseasimagenspublicadosnoDiário de S. Paulo, emcertamedida,permitementenderdiversasetapasquederamorigemàtelevisãobrasileira:dacom-pradoequipamentoàtransmissãoregular.Omaterialre-colhidopodeserdivididoemdoisgrandesblocos:antesdastransmissõesexperimentaiseapóselas.Noprimei-ro bloco verifica-se o desejo em explicar ao público oqueeraumaemissoradetelevisão–suascaracterísticasepossibilidades;provocandoa formaçãodeumimagi-náriosobreonovomeiodecomunicação.Nosegundo,buscamreproduzir“a realidadedaTV”emSãoPaulo,abordando,sobretudo,opioneirismoeoêxitodastrans-missõesemlongadistância.

Porfim,deve-seressaltarqueatelevisãochegouaoBrasilatravésdainiciativaprivada,comopartedeumconglomerado de comunicação: de jornais, de revistase de emissoras de rádios espalhados em várias regiõesdopaís.Ojornal,emparticularoDiário de S. Paulo,tevepapel importante ao publicar informações sobre a im-plantaçãodaPRF-3-TVemSãoPaulo,umveículodesco-nhecidodamaioriadapopulação,ajudandoaformarumimaginárioemtornodatelevisão;etambém,porpubli-caraprogramaçãodaemissora–istoporque,hápoucosregistrosaudiovisuaisdoperíodoformativodatelevisãobrasileira,emparticular,daTV TupideSãoPaulo.

Referências bibliográficas:

FANUCCHI,Mário.Nossa próxima atração: o Interpro-gramanocanal3.SãoPaulo:Edusp,1996.

MATTOS,Sérgio.A televisão no Brasil:50anosdehistória(1950-2000).Salvador:PAS-EdiçõesIanamá,2000.

MORAIS,Fernando.Chato: o rei do Brasil.3ªed.SãoPau-lo:CompanhiadasLetras,1994.

NUNES,MônicadeFátimaRodrigues.Paulicéia literária:páginasesuplementosliteráriosemjornaispaulistanos.Tese.UniversidadeMetodistadeS.Paulo,SãoBernardodoCampo/SP,2007.

SIMÕES, Inimá. “TV à Chateaubriand”. In: COSTA,A.H.SIMÕES,I.F.&KEHL,M.R.Um país no ar.SãoPaulo:Brasiliense,1986.

Periódicos:

BURLA,Eliézer.“CrônicaDominical”.Suplemento.Di-ário de S. Paulo,23jul1950.p.11.

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______________.“RádioeTV”.Diário de S. Paulo,20set1950,p.8.

CHATEAUBRIAND, Assis. “Uma TV que vai serra-abaixo, serra-acima”.Diário de S. Paulo, São Paulo, 31agosto1950,capa.

________________.“OsinaldatelevisãodocéudePi-ratininga”.Diário de S. Paulo,SãoPaulo,22set1950,capa.

“Umaconquistadonossotempo:cinema,teatro,rádioemaisojornalcombinados”.Diário de S. Paulo,SãoPaulo,02fev1950.

“Serãocadavezmaisacessíveisospreçosdosreceptoresdetelevisão”.Diário de S. Paulo,09fev1950.

“Nãoapenas‘ouvir’,mas‘ver’novelas”.Diário de S. Pau-lo,SãoPaulo,12fev1950.

“TelevisionadoFreiJoséMojicaparaopovo”.Diário de S. Paulo,SãoPaulo,08jul1950.

“Programas de televisão em S. Paulo para dentro depoucosdias”.Diário de S. Paulo,SãoPaulo,23jul1950.

“Entregue a SãoPaulo aTVAssociada”. Diário de S. Paulo,SãoPaulo,19set1950.

“DançadecâmeranaTV”.Diário de S. Paulo,SãoPaulo,30set1950.

“FirmavarejistadetecidosassinacontratocomaTV”.Diário de S. Paulo,SãoPaulo,29dez1950.

60anosdeTV.“LolitaRodriguesCantouohinodaTVbrasileira”.Revista Época Online,27deset2010.Disponí-velem:http://colunas.revistaepoca.globo.com/60anos-detv/2010/09/18/lolita-rodrigues-ela-cantou-o-hino-da-tv-brasileira/[Consultadoa:01dejulhode2012].

“Agora,atelevisão”.Cinearte,RiodeJaneiro,29.jul1931,p.20.

Recebido:03/10/2012Aprovado:05/03/2013