notas sobre o direito constitucional pós-moderno, em particular sobre certo neoconstitucionalismo...

Notas sobre o direito constitucional ps-moderno, em particular sobre certo neoconstitucionalismo brasileira

Manoel Gonalves Ferreira Filho*

*Professor titular (aposentado)dedireito constitucionaldaFaculdadedeDireitodoLargode SoFrancisco,daUSP.DoutoremdireitopelaUniversidadedeParis.DoutorhonoriscausapelaUniversidadedeLisboa.MembrodaAcademiaBrasileiradeLetrasJurdicas.

1. Introduo

NoBrasil,entreosjuristasdedicadosaodireitoconstitucional,extremamentedifundidaatesedaexistnciadeumconstitucionalismopsmodernoou,comocomumdizer,umneoconstitucionalismo.Aquestocomplexaedelicada,trazvriosdesaosquemerecemseranalisadosobjetivamente.

Cabeindagar,abemdaverdade,emqueconsisteessedireitoconstitucionalpsmoderno?Essaindagao,todavia,sedesdobraemduasoutras,nemsemprepostascadaumanoseulugar.Aprimeiradelaspodeserexpressanaseguinte interrogao: HumEstadopsmoderno, cuja estruturao justique falaremdireitoconstitucionalpsmoderno?Asegunda,quenopresumedemodoabsolutoarespostanegativaprimeira,podesertraduzidanoquestionamento:Quecaracterizaoneoconstitucionalismocomoumacorrentedoutrinria?Nesteltimocaso:Justicasefalaremneoconstitucionalismo?

Nestebreveartigo,procurasedelineararespostaaessasperguntas,demodosucinto,emboraelasjusticassemfosseescritoumtratadoarespeito.

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Revista de Direito Administrativo152

2. O Estado ps-moderno

A fronteira entre modernidade e ps-modernidade

Aprimeiradiculdadequesurgenaanliseconcerneseparaoentremodernidadeepsmodernidade:Quemodernidadeeatquandodura?Quepsmodernidadeeapartirdequandosurge?Adiculdade,ademais,seintensica,eisqueoshistoriadores,oslsofos,ossocilogoseosjuristasnoestodeacordosobreacaracterizaodessestipos,nemsobreseustermostemporais.

A modernidade

AeramodernaterseiainiciadocomaquedadeConstantinopla(1453),oquesedeu,portanto,hmaisdecincosculos.OaparecimentodoEstadoregistradoporMaquiavelnolimiardosculoXVIeEstadoaaparececomoumtiponovodeorganizaopoltica,atentoinexistente,oquedispensaoqualicativodemodernoquemuitosaeleassociam.Nofalta,todavia,quem,comboasrazes,vejaatransformaodesseEstadoemEstadomoderno,comostratadosdaWestflia,emmeadosdosculoXVII.Vm,nonaldosculoXVIII,asrevoluesquegeramoconstitucionalismo,ouoconstitucionalismomoderno,naterminologiadeMcIlwain,aRevoluoAmericanaem1776,aRevoluoFrancesaem1789.Ora,esseconstitucionalismo,emborainspiradoemideologiasdiversasenorarocontraditrias,seestendepelosculoXIXepelosculoXXatquando?

O limite temporal da modernidade

Umjovemestudiosoousousugerirdatasparaainstalaodamodernidadeesuasuperaopelapsmodernidade.Segundoele,amodernidadeseinstaurouem1900edurouat1950,apsmodernidadevemapartirde1950.1AposionoaceitvelnoqueconcernetantoconguraodoEstadoquantodoutrinaconstitucional.NoquedizrespeitoaoEstado,suaestruturabsicanoapresentaqualquermudanasignicativa,nemem1900,aseparlodoEstadoanterioraesseperodoemaisexplicitamentedoEstadoconstitucionaliniciadonosculoXVIII,nem,anossover,em1950.certoque,apsaIIGuerraMundial,triunfaonormativismocoma

1SiqueiraJr.,2008.

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Notas Sobre o Direito Constitucional Ps-Moderno 153

consagraonaEuropadocontroledeconstitucionalidade,masissonopassadeumdesdobramentolgicodaideiaanteriordasupremaciadaConstituio.Ebemantesde1950essasupremaciajeraasseguradapelocontrolenosEstadosUnidos,noBrasiletc.,emesmonaustriadoentreduasguerras.2

A questo do Estado ps-moderno

Umestudoobjetivodo(pretendido)Estadopsmodernofoiapresentado(comaclarezagaulesaenocomasbrumasgermnicas),porJacquesChevallier.3

ElepartedaposiodeMaxWeberparaquemamodernidadesecaracterizaporumroldeelementostcnico(odesenvolvimentocientcoetcnico),econmico(aconcentraodosmeiosdeproduo)epoltico(aapariodoEstado)quetraduzemumprocessoderacionalizaodassociedades,emtodososplanos(Chevallier,2008:16).

Ora, comapoioemnumerosospensadores,eleapontaqueocorreumacrisegeraldasinstituiesevaloresdamodernidade.Istodevelevarpenofuturodubitativo,noteseaumaultrapassagemdamodernidade(Chevallier,2008:17).

Na realidade, ele jv essaultrapassagempraticamente concretizada,poisarmaqueassociedadescontemporneasentraramnumanovalgica,queresumeecondensaoconceitodepsmodernidadeChevallier,2008:19).

Consequnciadesse fenmeno seria ativarseumareconguraodoEstado4 (oque levariaa falarnumEstadopsmoderno).Ressalvaqueoprocessoatualdemundializao (globalizao)pode levar,noaumahomogeneizaodasformasdeorganizaopoltica,masaativarasdiferenas.5

Assim,muitoclaramentepenofuturo,nonaatualidade,umEstadopsmoderno.verdadequetalfuturolhepareceprximo,emprocessodeconcretizao.

Caractersticas desse Estado in fieri

Chevallier (2008:89), antes de abordar o Estado propriamente dito, dedicalargoespaosmudanasqueseinsinuamnasociedadecontempornea.Insiste,

2Quantodoutrina,1950tambmnomarcaadeniodequalquerviragem.3Chevallier,2008.4Ocaptulo1dolivrointitulaseLarecongurationdesappareilsdtat,oquedeperserevelasuavisoeoquadrodasmudanasqueprev.5 Chevallier, 2008:13. Referese, nesse ponto, s observaes de Huntington sobre o choque dascivilizaes.

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inclusive,nastransformaesdodireito.Seriamuitolongomesmoresumiloefugiriaaoescopodestetrabalho.

Vale,todavia,reproduziralgunsaspectosdoqueelevcomoredeniodoliamepoltico(Chevallier,2008:139esegs.).Avultamquantoaissoasconsideraesquefazacercadoestadodedireito(Chevallier,2008:153esegs.)edademocracia(Chevallier,2008:162esegs.).

Em relao aoprimeiro, registra adifusodeumaviso sincrticaque incorporaatradiodotatdedroitedoRuleofLaw.Redundaistonaideiadeumpoderfundadonorespeitododireito,mastambmlimitadopelodireito,pormeiodeumconjuntodedireitosinternacionaisreconhecidos.6oquemostramconstituiesditadasnonaldosculoXIX(Chevallier,2008:156157).

Com referncia ao segundo aspecto, salienta a depreciao da democraciarepresentativa,emrazodeumadesmisticaodarepresentao,causaeconsequnciadodescrditodosrepresentantes(Chevallier,2008:146).Distoadvm,desde logo, a desmisticaoda vontade geral que abalou a primazia da leieabriucaminho,emcontrapartida,aojuiz,especialmenteoconstitucional,paratornarseator,aparteinteira,dojogopoltico(Chevallier,2008:158).Assim,resultaumabalonavisotradicionaldaseparaodospoderes,jcontrariadapelainsosmvelprepondernciadoExecutivo(Chevallier,2008:163).

Avisopsmodernadademocraciaaapresentariacomoumademocraciadeliberativarepousandosobreaconfrontaopermanentedosinteressessociaisecomoumademocraciaparticipativa,dandoaoscidadosumdireitodesuperviso(regard)eumcontrole (emprise)maisdiretosobreacoisapblica.7Oelementodeliberativoviriadaassociaosdecisesdosgruposinteressadosnasmesmasdecises,inclusivesolicitandoaopiniodopblico.Istosereetirianarenovaodasinstituies,comodesenvolvimentodefrunscvicosetambmnoaparecimentodeinstrumentosdeparticipao,apardospartidos,comoasONGs.8Tallevariaaumademocraciadialgica,queimplicaumaconfrontaopermanentedasopinies.9

Certamente, essa nfasenadeliberao j importanumaparticipao,portanto,numademocraciaparticipativa.Chevallier,todavia,insistenessepasso,nodesenvolvimento enamultiplicaodas experinciasda chamadademocraciasemidireta,particularmentedoreferendo(Chevallier,2008:174esegs.).

6Chevallier,2008:155.Aqui,oautorseapoiaemMockleeConac.7Ibid.,p.171.Aqui,oautorserefereaPapadopoulos.8Ibid.,p.172.MasasONGsnoseriamumanovavestimentadosgruposdeinteresseoupresso?9Ibid.,p.173.Nessepasso,ChevalliersearrimaemHabermaseoutros.

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3. Duas concepes do direito ps-moderno

O direito ps-moderno

indubitvelqueastransformaesdasociedadehpoucoaoradasafetemodireitoeadoutrinadodireito.Naverdade,essas transformaesnumacertamedidaresultamdamaneiradeconceberodireitoeretroalimentamestedireito,numprocessoquehojebemconhecido.

Chevalliervolteseaeleanalisaessastransformaesdodireito(p.89esegs.).Assinalavriosaspectosdignosdemeno.Umdelesserodireitocontemporneofrequentementeumdireitonegociado(p.123esegs.),cuja legitimidadeadvmdapassagempordiferentesformasdediscusso.Tambmtendeaserumdireitoexvel(souple),10umasoolaw,emqueadimensocoercitivacedeadiretivas, recomendaesetc. (oqueabreao juizopapel construtivodecodeterminao).11

Taldireitopsmodernotendeaserumdireitoreexivo.Querdizer,umdireitodependentedeumaavaliaodeseusefeitosreaisesobremododeseuimpactosocial(Chevallier,2008:135esegs.).(apartirdissoquesedesenvolveachamadalegstica,preocupadacomaprevisoaspectoexantedoresultadodasnormas(ecciaeefetividade)eapuraoexpostdoquadroproduzido).12

O entendimento de Canotilho

OilustremestredeCoimbra,depoisdedensasconsideraesconcebeodireitoemgeraleodireitoconstitucionalemparticular,nessaperspectiva.Armaelequeodireitodesdelogoodireitoconstitucional,noumdireitoativo,dirigenteeprojetante,masumdireitoreexivoautolimitadoaoestabelecimentodosprocessosdeinformaoedemecanismosredutoresdeinterfernciasentrevriossistemasautnomosdasociedade(jurdico,econmico,socialecultural).Porissosedizqueodireitoconstitucionalpsmodernoumdireitopsintervencionista(=processualizado,dessubstantivado,neocorporativo,ecolgico,medial)(Canotilho,1998:1234).

10Chevallier,2008:128.OautorcitaaquiZagrebelsky.11Ibid.12Paramaiorentendimentosobreoassunto,verconfernciadoautordesteartigo,Processolegislativo.Tcnicaslegislativaselegstica,publicadapeloCentrodeEstudosJurdicosdaProcuradoriaGeraldoMunicpiodeSoPaulo(Cejur).

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4. O neoconstitucionalismo brasileira

A afirmao enftica do novo constitucionalismo

Oprimeiropontoaobservar,nestaanlisecientca,concerneaomodopeloqualadoutrinaexposta.Estaapresentadacomoumaverdadeconsagradaeindiscutida.13Aelasomenteseopemalgunsrenitenteseultrapassadosoperadoresdodireito, todosapontados comopositivistas (e esse termoassumeaconotaodeumainjria).14

CasoagranteotratamentodadoConstituiode1988.Esquecidosdatesedequeseriaumaconstituiodirigente,quemuitosdosneoconstitucionalistasathpoucosustentavam,hojeveemnelaomodelodeumaconstituiopsmoderna,umaconstituiodeprincpiosqueprevalecemsobreasregras,umaconstituioprincipiolgica.

Ora, jfoidemonstradocabalmenteque,notextode1988,predominamregrasenoprincpios.15Seriaela,nomximoeaobservaominha,umaconstituioaberta,nosentidoqueCanotilho(1998:1033)dexpresso.

Outraarmaoinfundada,mas,enfaticamenteformulada,concerneaserelaumaconstituiodeumEstadodemocrticodedireitoexpressoinfelizusadanotextovigente,verdade.Extraemdessaexpressoumsentidopsmoderno,numainterpretaopersonalssimadesuasignicao.ObservesequeoconceitodeEstadodemocrticodedireitoestausentedamaior,emelhorparte,dadoutrinauniversal.FoicunhadoporElasDaz(1984:111esegs.)paradesignaroEstadodetransioparaosocialismonumaperspectivamarxista.

verdadequeospronunciamentosadianteexaminadossoapresentadoscomoconcernindoaoBrasil.16Maisainda,comooregistrodotriunfododireitoconstitucionalemnossopas(Barroso,2005:142).Entretanto,otomemqueseexprimemdenunciaapretensodedescreverummodelouniversal.Almdisso,antecipesequeosmarcosdoneoconstitucionalismoquesoapontados(aquesevoltar),soidenticadosnoestrangeiro,comoestnotextocitadonanotaanterior.

13Tratasedeumaconhecidatcnica.Houveumjuristabrasileiroanterioraoneoconstitucionalismoqueausavacomperfeio.Comeavasuaspalestraslanandoapremissamaiorquelheconvinha,acompanhadadasfrases:Quemnosabequetalcoisaassim?Quemnoosabeumignorante!.Assim,punhadeprontoosquenoauditriopoderiamduvidardesuatesenaposiopoucoinvejveldeignarose,emdecorrnciadisto,podia,semtemordecontradio,exporsuasideias,poresdrxulasquefossem.14BomexemplodissootrabalhodeLnioLuizStreck,2009:203esegs.15Quantoaisso,esmagadoraaliodeHumbertovila,2009:187esegs.16 Streck (2009), por exemplo, fala sempre de terrae brasilis (alis, num latim que sugerequestionamentos).

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Nosenegue,todavia,ummrito.Adoutrinafrequentementeformuladacomsedutoragraaliterria.17

O direito ps-positivista e o neoconstitucionalismo

Registremseosprincipaispilaresdareferidadoutrinabrasileira.Doutrinaque,numafrasedebeloefeitoliterrio,ditapstudo,psmarxista,pskelseniana,psfreudiana(BarrosoeBarcellos,2001:43).

Dessespilares,um,quiomais importante, tratadaintegrao,senodaidenticao,entredireitopsmodernoeochamadodedireitopspositivista.

Essepontoapresentadoporumdeseusepgonos,apsumveredictosobreasuperaodadogmticajurdicatradicional,oelogiodateoriacrticadodireito(comrevernciaaMangabeiraUnger),apostulaodaascensoedadecadnciadojusnaturalismo,bemcomodaascensoedadecadnciadopositivismojurdicoeaexaltaodanormatividadedosprincpios(BarrosoeBarcellos,2001:42esegs.).Princpiosdigasequeeminenteneoconstitucionalistabrasileiro,discordandodeDworkin,deAlexyeoutros,negaseremmandadosdeotimizao(Streck,2009:213).Talpspositivismo(BarrosoeBarcellos,2001:72)caracterizadodemododifuso(otermoestnotexto):

Opspositivismoidenticaumconjuntodeideiasdifusasqueultrapassamolegalismoestritodopositivismonormativista,semrecorrerscaractersticasdarazosubjetivadonaturalismo.Suamarcaaascensodosvalores,oreconhecimentodanormatividadedosprincpioseaessencialidadedosdireitosfundamentais.

Noutrotrabalho,tpicodaescolaneoconstitucionalista(BarrosoeBarcellos,2006:51),encareceseopapeldanovahermenutica.Noh,todavia,mudanasubstancialnatese.armadosolenemente:Opspositivismoadesignaoprovisriadeumideriodifuso,noqualseincluemadeniodarelaoentreprincpios e regras, aspectosda chamadanovahermenutica constitucional e ateoriadosdireitosfundamentais,edicadasobreofundamentodadignidadehumana(BarrosoeBarcellos,2006:56).

17 Lus Roberto Barroso abre um artigo sobre os fundamentos tericos e loscos do direitoconstitucionalbrasileiro,comainvocao:PlanetaTerra.InciodoSculoXXI.Aindasemcontactocom outros mundos habitados. Entre luz e sombra, descortinase a psmodernidade (Barroso eBarcellos,2001:42).

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Enm,oestudodeBarrosoeBarcellos(2005:142),certamenteodemaiorpretenso(nobomsentidodotermo),examinandooneoconstitucionalismo,salientapossuirestetrsmarcos.

Omarcohistrico,ouseja,avinculaododireitoconstitucionaldemocracia,comaLeiFundamentaldeBonn,em1949,eainstalaodoTribunalConstitucionalFederal,em1951. (Surpreendentementeaponteseademocracianoteriaestadopresenteemconstituiesmuitoanteriores.Querdizer,aprimeirademocraciaconstitucionalnahistriateriasidoaalem...Armaoquesurpreenderiaosprpriosalemes,semsefalarnossuos,escandinavos,franceses,americanosetc.)

Omarcoloscoopspositivismo(umconjuntodifusoeabrangentedeideias)(BarrosoeBarcellos,2005:4)quemarcaavoltadaticaedosvaloresparaodireito.Mais,elevaialmdalegalidadeestritaeincluiaatribuiodanormatividadeaosprincpioseadeniodesuasrelaescomvaloreseregras(BarrosoeBarcellos,2001:5).

Enm,omarco terico: a foranormativadaConstituio (a atribuio normaconstitucionaldostatusdenormajurdica)(BarrosoeBarcellos,2001:5),maisaexpansodajurisdioconstitucional,echegamaislongeconstitucionalizaododireito.

O ps-positivismo como iderio

Valeformularalgumasobservaesdendolecientcasobreessasposies.Delas,oncleoessencialopspositivismo.No,evidentemente,fcildiscutirumideriodifuso.

Cabetrazercolaoumreparodedestacadoautornorteamericano,CassSunstein:Algumasvezesopsmodernismovalorizaauidezeatransformaoporsimesmaseasoferececomofundamentoparaaprticaconstitucional(Sunstein,2009:160).EessereparovisaclaramenteaUngereaseusadeptos.

Ademais, acrescenta o mesmo autor que As alegaes psmodernas demaiorvalia tendemanoserpsmodernasporcompleto,mas,pelocontrrio,sopartedaheranaloscadopragmatismo(Sunstein,2009:160).Eousoacrescentardeoutrascorrentes jurdicasdopassado,bemcomode liesdeautoresprximosnotempo.

Inadequao da expresso

Uma observao preliminar concerne impropriedade da expresso pspositivismo.Elainduzideiadeque,antesdapsmodernidade,aprevalnciadopositivismoeraabsoluta.Ora,istoestlongedaverdade.Numerosaseramas

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correntesquecomelecompetiame,semdvida,grandeslsofosdodireitonoeramadeptosdessadoutrina.Para citar alguns,GustavRadbruch, JohnRawls,GiorgiodelVecchio,MiguelRealeetc.

Talexpresso,emconsequncia,fazcaricaturasimplicativa,esimplria,darealidadejurdica,oqueevidentementeservedeexpedienteparaocombatecontraodireitomoderno.E,emcontrastecomosdemaistraosapontadosdopspositivismo,distorcidoessedireitomodernocomoumdireitoformalista,cegoparaosprincpios,maquinalnainterpretaoesemdarforajurdicasnormasconstitucionais.Tudoissoinexato.

O direito moderno e os valores

Ora,outropontoasalientarexatamenteofatodequeodireitomodernonoeracegoparavalores,nemparaatica.Inuenteescolaalemdaprimeirametadedosculopassado(alem,commeilfaut,senonoserialevadaasrio)foiadaFilosoadosValores(Wertphilosophie),prevalentenaescoladeBaden,tambmchamadadesudocidentalalem,que,inspiradaemWindelbandeoutros,foilideradaporGustavRadbruch.18

Apontaeste,porexemplo,queodireitoumfatooufenmenocultural,isto,umfatoreferidoavalores(Radbruch,1974:51).Mais,paraele,amoralofundamentodaobrigatoriedadedodireito(Radbruch,1974:132135).

Lembrese,ademais,que,naoutramargemdoReno,namesmapoca,GeorgesRipertescreviaoclssicoLarglemoraledanslesobligationsciviles,quetantainunciateve.Omestrefrancslembraqueasnormasjurdicashodeajustarsemoral,namedidaemqueoobjetolcito(moral,pois)condiodevalidadedetodososatos.19

Esernecessriorecordaroalterumnonlaedere,deUlpiano?

A normatividade dos princpios

Anormatividadedosprincpiosnoigualmentedescobertapsmoderna.Nemosjuristas,nemoscdigosaignoravam.Serialongaaenumeraodostextos

18Leiaseasubstanciosaintroduoaseupensamento,apresentadacomoprefcioedioportuguesadeFilosoadodireito(Coimbra,1974)pelotradutor,oeminenteprofessorL.CabraldeMoncada.19VeraatenodadaporVicenteRo(1952)aessejurista.

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sobreoassunto.Basta,porsntese,lembraroart.4odaLeideIntroduobrasileiracomsuarefernciaaosprincpiosgeraisdedireito,queojuizpoderiaaplicar.claroquenocontralegem,poisnoforaesquecido,oquehojeparecepostodelado,queadensicaodosprincpios,numademocracia,cabeaoPoderLegislativo,noaojuiz.Este,quandoofaz,crianormaadhocparaocasoconcreto,podendoresvalarparaaarbitrariedade.

Almdisso,todososvelhosmestresdahermenuticasempreapontaramquedasregrasseextraemprincpiosaelasanterioresequeassubsumem,princpiosquedevemseraplicadosemmatriasemquealeiomissaenassituaesnovas,noprevistaspelolegislador.

CarlosBastideHorbach(2006)traztextodeCarlosMaximiliano(2005:99).CitandoJhering,assinalaqueointrpretetemadifciltarefadededuzirdedisposiesisoladasoprincpioquelhesformaabase,edesseprincpioasconsequnciasquedeledecorrem.

certoquebemprpriodoneoconstitucionalismosustentarasuperaodaregrapeloprincpio(Streck,2009:204).Issonopodesignicaroutracoisasenoqueoaplicadordodireitopodeignorararegraexpressanaleinaleiexpressodavontadegeral,portantodademocracia,peloquelhepareceaconvenienteadequaodoprincpioaocaso.

Essemenosprezopelaleicontrariaoart.6odaDeclaraode1789,queconcebeasoberaniapopularmanifestandosepelaleiesuasupremacia:Aleiaexpressodavontadegeral.Todososcidadostmodireitodeconcorrerpessoalmenteouporseusrepresentantessuaformao.20Emrealidade,oneoconstitucionalismo,apesardapretensavaloraodosdireitosfundamentais,noparecefamiliarizadocomessadeclaraoparadigmtica.21

Naverdade,aprevalnciadoprincpiosobrearegraconsistenatransformaodoarbtrioemprincpiojurdico,emdetrimentoda(reacionria...)seguranajurdica,emdetrimentoda(superada)democraciarepresentativa...

Aocontrrio,asregrasnormalmenteoferecemaprecisonecessriaparaimpediroarbtrio.E,longededemandaremsempreumtudoounada,podemserconciliadasemesmocorrigidaspelaequidade.22

20 Traduo livre: La Loi est lexpression de la volont gnrale. Tous les citoyens ont droit de concourirpersonnellement,ouparleursreprsentantssaformation...21Aobservaofeitaemrazodatraduoqueumdosexpoentesdesseneoconstitucionalismodsobreo citado art. 6o.Nesta, segundo essaverso, o textodiz: A lei expressodavontadegeralinstitucionalizada(grifei).Cf.BarrosoeBarcellos,2001:53,nota28.22Masquemserecorda,entreosneoconstitucionalistas,davelhaequidade?

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A fora normativa da Constituio

Outra descobertadopspositivismo a foranormativadaConstituiovejasequeissoaparececomomarcotericodoneoconstitucionalismocomaobrigatriarefernciaaKonradHesse.23Ouseja,aobrigatoriedadedasnormasconstitucionaisnascerianaEuropaapenasnasegundametadedosculopassado;antesessasnormaseramvistascomomeramentepolticasesemforacogente.

Isso no espelha a realidade. So incontveis os europeus que antes da IIGuerrasustentaramaforanormativadaConstituio,almdasuasupremacia.24Oquefaltavameramosmeiosdeefetivaodesuacogncia.

Cabem, ademais, alguns reparos.AEuropa, oumais restritamente aAlemanha,noomundo.QuemestudouemYale,ounoBrasil,sabemuitobemqueessa foranormativaestavareconhecidadesdeasprimeirasconstituies.Faltava,namaiorpartedaEuropa,nonosEstadosUnidos,nemnoBrasil,omeiojurdicodeefetivaodessaforanormativaocontroledeconstitucionalidade.Alis,antesdaIIGuerra,constituieseuropeiaspreviamessecontrole:ouustriaePortugalnocamnaEuropa?certoqueumdesenvolvimentoimportante para a efetividadedas constituies o desenvolvimento da justiaconstitucional,apartirdaConstituioitalianade1947,antes,portanto,daLeiFundamentaldaRepblicaFederaldaAlemanha(1949).OmodelofoiconsagradonaItlia,depoisimitadoedesdobrado.

A valorao dos direitos fundamentais

Curioso,nomnimo,opspositivismoinvocarparasiavaloraodosdireitos fundamentais.Essavaloraoumpontodenidodoconstitucionalismomoderno.Vinculaeste,demodoclarssimo,aideiadeConstituiodeguardadosdireitosfundamentais.Leiaseoart.16daDeclaraodosDireitosdoHomemedoCidadode1789:Todasociedadenaqualagarantiadosdireitosnoestassegurada,nemdeterminadaaseparaodospoderes,notemConstituio.25

23KonradHesse(1991)dedicasearefutaratesedeLassallequantoConstituioreal.EstassimnotextodosneoconstitucionalistascomoPilatosnocredo.24 Ver, por exemplo, as consideraes sobre a noo jurdica de Constituio, que Paul Bastid(1985),meumestreemParis,apresentanolivroLidedeConstitution.Emparticular,aanlisedesuasupralegalidade(p.24).25 Traduo livre: Toute socit dans laquelle la garantie des droits nest pas assure, ni la sparation despouvoirsdtermine,napointdeconstitution.

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A nova hermenutica26

Oltimopontoconcernenovahermenutica.27

Esta, por um lado, importaria na rejeioda ideia de que o juiz seriameramenteabocada lei. Ignoraessaposio,oufazdeconta fazlo,aposiodeinmerasescolasdeinterpretaoquesuperaramaescoladaexegese.28Paraoneoconstitucionalismobrasileira,athojesomenteexistiuestaltimaescolainterpretativa,simplicaoquemuitolhefacilitaaargumentao...Dequalquermodo,comoaindasublinhaomestreVedel,oprpriojuizconstitucional...umcensor,noumdecididor,ouseja,umaplicador,noumcriadordodireito.29

Parte,poroutrolado,essanovahermenuticadanegaodequeasnormaseprincipalmente asnormas constitucionais tenhamumsentidodenido,apreensvelpelointrprete.Aocontrrio,sustentamosneoconstitucionalistasqueasclusulasconstitucionais,porseucontedoaberto,principiolgicoeextremamentedependentedarealidadesubjacente,noseprestamaosentidounvocoeobjetivoqueumacertatradioexegticalhespretendedar.Elassoumameramolduradentrodaqualsedesenhamdiferentespossibilidadesinterpretativas(BarrosoeBarcellos,2006:53).Oquetrazimplcitoqueointrpreteentreelaslivrementeescolhe.

Talideiapeca,antesdemaisnada,pelageneralizaoquantosnormasconstitucionais.Ouseja,elavtodascomoprincpios,quando,inegavelmente,sejanalinhadeDworkin,sejanalinhadeAlexy,agrandemaioriadelasformadaporregras.Alis,excepcionalqueapontemprincpiosabstratos,comoofazaConstituiode1988.

Umasegundaobjeovemdofatobviodequeasnormasseexprimemempalavrasquetmsentidonalnguausada.Seno,comooshomenssecomunicariam?ConformeSunsteinobserva: Aspessoasque rejeitamosprincpios semnticos(deinterpretao)revelamqueapenasnoentendemoquesignicamdeterminadaspalavras(Sunstein,2009:127).

Mais,aConstituiociteseaindaSunsteinnosignicaoquedeterminadaspessoasqueremqueelasignique,casocontrrionoserialeialguma(Sunstein,2009:11).Taisposiescondenamdemodoperemptrioumadasteses

26Ver,sobreotema,BarrosoeBarcellos,2006.27CarlosBastideHorbachdissecaanovahermenuticaemHorbach(2006).28Porexemplo,aescoladeKantorowiczcomaFreirechtslehre.29A observao do prof. Georges Vedel, que orientouminha tese em Paris, por inteiro: Le jugeconstitutionnelnestuneMuse,niunchefdorchestre,niungnralissime.Ilestuncenseur,nonundcideur(destaquei).MathieueVerpeaux,1998.

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deneoconstitucionalistasbrasileiros,comooquedecretaoabandonodaspossibilidadesdesealcanarverdadesconteudsticasemdireito(Streck,2009:212).

Naverdade,essalivreinterpretaoserveparaqueosintrpretesfaamprevalecerseusvalores,compromissos,posiesideolgicassobreosdolegislador.

Acrescentesequeosprincpiosdeinterpretao(BarrosoeBarcellos,2006:69esegs.),que,aomenosnaopiniodeumdosneoconstitucionalistasmaisemevidncia,caracterizamessenovoestilo,seencontramnosespecialistasdamatria,comoobrasileiroMaximiliano,30ouobelgaChamPerelman.31Ounopassamdedesdobramentosdetaisprincpios.Comexceodedois.

Umoprincpiodeproibiodoretrocesso(BarrosoeBarcellos,2006:76).Vedariaesterevogaoourestriodenormasqueconcedamdireitos.Tratasedeumaideiacujoalcancenofoimedidopeloautor,pois,combasenelanoseadmitiriamnovasrestriesaodireitodepropriedade.Ouestenodireito,efundamental,nostermosdoart.5o,caput,daConstituio?Esteprincpiobloqueariaaadaptaododireitoanovostemposeanovasexigncias.

Trataseaquinodeumprincpiointerpretativo,masumprincpioideolgicooupoltico.Quenaordemdascoisasoavanoouoretrocesso?Oqueeraontemavano,hojeretrocesso,oquehojeavano,poderseramanhretrocesso.paradoxalqueopspositivismoquerenegaoiluminismo,reitereumadasideiasforasdeste,adeprogresso.Deprogressoconstante,irreversvel,paraummundosempremelhor.

Outrooprincpiodadignidadedapessoahumana(BarrosoeBarcellos,2006:77esegs.).Essadignidadeofundamentodosdireitoshumanos,comotenhoapontadoemoutrosestudos(FerreiraFilho,2008:1esegs.).Oproblemaqueessadignidadeconcebidademododiferentepelaslosoas,religieseculturas,oquepeemriscoaobjetividadedainterpretao.Muitasvezesjtemservidoabusivamentedechavefalsa(perdoemeaimagem)paraqueointrpretearbitrariamentefaaprevalecersuaconcepoideolgicacontralegemoupraeterlegem.Istosemumajusticaopolticasubstantiva,comoreclamaSunstein(2009:127).

A constitucionalizao do direito

Oneoconstitucionalismo,naversoqueestudo,noincluiaconstitucionalizaododireitoentreostraostpicosdopspositivismo.Insereacerto

30Maximiliano,1951.31Veja,porexemplo,Perelman(1976).

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noneoconstitucionalismo(Barroso,2005:4).Noespaojurdicoatual,entretanto,umapeculiaridadeagranteexatamenteoquesevemchamandoespecicamentedeconstitucionalizaododireito.

Podesedizer, tomandoemsentidogeralo termoconstitucionalizao,queesse fenmenoestpresentedesdeosprimrdiosdoconstitucionalismo, jquetododireitolegisladosobumaconstituiotemdeatenderaesta,inclusiverespeitandoosseusprincpiossubstantivos(mesmoimplcitos)e,especialmente,osdireitosfundamentais.Tendoemvistaessefato,jensinavamosmestresfrancesesquetodoodireito,includoodireitoprivado,temsuattedechapitrenaLeiMagna.

Hoje, todavia, outro o sentido que se d expresso. Designase comoconstitucionalizaododireitoumfenmenonovo.Tratasedaaplicaodiretaeimediatadasnormasconstitucionaispelojuiznoequacionamentodoscasosconcretos,pondosedeladoalegislaoinfraconstitucionalcabvel(semqueocorraadeclaraodeinconstitucionalidadedesta).

Esseposicionamento,todavia,condenvel.Talmenosprezolei(japontado)contraria,porumlado,aseparaodospoderes,poroutro,aprpriademocracia.Aseparaodospoderes,porqueojuizsesubstituiaolegisladorefunodestedensicarosprincpiosconstitucionaiseintermediarpelaregulamentaoqueeditaasuaaplicaoacasosconcretos.Ademocracia,porqueelefazdojuizum governante, no tendo, contudo, legitimidade para tanto. Como registra aConstituiobrasileira,opovoexerceopoder,oudiretamente,oupormeioderepresentanteseleitos(art.1o,pargrafonico).

Observaes finais

Persistncia do constitucionalismo moderno

Comosemostrounocorpodestetrabalho,aindanoexisteumnovotipodeEstado,oqueseconvencionouchamardeEstadopsmoderno.Naverdade,istocomprovadopelodireitocomparado,poisnohdiferenasimportantesentreasconstituiesmaisrecenteseomodelodoconstitucionalismomoderno.Este,nascidonoliberalismo,adaptousesemmaioresproblemasaosignodosociale,provavelmente, s exignciasda chamadapsmodernidade.Noh,portanto,destengulo,razoparajusticarumconstitucionalismopsmodernoouumneoconstitucionalismo.

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Um direito constitucional ps-moderno?

Noestdenida,noplanodoutrinrio,aexistnciadeumdireitoconstitucionalpsmoderno.AliodeCanotilhoapresentaseantescomoumdesideratodoquecomoumarealidadedemonstrada.

O neoconstitucionalismo

J adoutrina brasileiradoneoconstitucionalismoaomenosnos ensinamentosqueapreendinosesustenta.Oseupspositivismopeacentraldomodelo simplistaeno traz inovaes,masusa, semdizlo,de ideiasdehmuitoconhecidasnoplanododireito.Naverdade,paraobemdacausa,adoutrinaanteriorreferidademodocaricaturalesimplista,quandonoconvenientementeignorada.

Oneoconstitucionalismobrasileiraapesarda sustentao cientcadesuaprincipalestrelano,essencialmente,senoumaideologia,umaroupagempretensamentecientca,paracoonestarumativismodeoperadoresdodireito.Eleservedeinstrumentoparaimplantaropoliticamentecorreto,reformaromundoe,depassagem,opas,numarremedodesocialismoutpico(paralembraraliodeMarx).

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notas sobre o direito constitucional pós-moderno, em particular sobre certo neoconstitucionalismo...

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