notas sobre a construção do “bom gosto” na música popular ......

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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. NOTAS SOBRE A CONSTRUÇÃO DO “BOM GOSTO” NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA RODRIGO APARECIDO VICENTE 1 Resumo: este trabalho apresenta e discute a dinâmica e a arbitrariedade do processo de construção do “bom gosto” na música popular brasileira, concentrando-se em dois momentos históricos específicos: a “moderna” década de 1950, sobretudo o contexto que circunda o advento da Bossa Nova; e a passagem dos anos 1930 e 1940, tomando como exemplo a inter-relação entre o Estado Novo, a Rádio Nacional e o samba enquanto símbolo da “nação”. Nesse percurso, procura-se evidenciar e compreender algumas práticas e representações que ajudaram a constituir uma hierarquia de legitimidades e gostos na história da música popular brasileira, enfatizando os conflitos simbólicos e a multiplicidade de instâncias e fatores envolvidos nesse processo. Em níveis mais amplos, essa “hierarquização” parece agir no sentido de legitimar as diferenças sociais. Palavras-chave: música popular brasileira; conflitos simbólicos; hierarquização; “bom gosto”. 1. Intelligentsia musical e os códigos do “bom gosto” A “Canção do Amor de Demais” obteve grande aceitação por quatro motivos: música admiravelmente comunicativa de Antonio Carlos Jobim, a poesia de Vinicius de Moraes, a voz cálida e flexível de Elizete Cardoso e um registro sonoro dos mais perfeitos já produzidos no país (...). Primeira indagação: será música popular ou erudita? Daquela possui todos os elementos de ritmo, imagens, colorido, menos o primarismo do conteúdo poético, a harmonia grosseira, defectiva e rudimentar. Música erudita ainda não é, muito embora algumas das melodias estejam próximas aos melhores “Lieder”. (...) O “Lied” acha-se ligado a seu texto. O menor desvio da palavra torna-se sua ferida, seu impudor, sua tolice. Tudo se passa numa concentração de espaço e dos sentidos, onde a sensação nada dissocia, onde nenhuma ficção desvia nem anestesia. (...) Quando ele se comprime num medalhão, aí nenhum artifício é mais possível, nenhuma falta ao pensamento e bom gosto . (Grifo meu). (José Veiga de Oliveira, O Estado de São Paulo, 28/02/1959 apud BOLLOS, 2010: 86-87). Nessa crítica dirigida ao célebre disco Canção do amor demais (Festa, 1958), 2 considerado por alguns estudiosos e entusiastas como o “prenúncio” da Bossa Nova (CASTRO, 1 É bacharel em Música Popular e mestrando em Música pela UNICAMP. Sua pesquisa atual conta com o auxílio financeiro da FAPESP. 2 O selo Festa pertencia ao jornalista Irineu Garcia, e era dedicado ao registro sonoro de poemas de escritores ilustres da época. No caso de Canção do amor demais, Vinicius de Moraes, poeta e diplomata já consagrado, precisou convencer Garcia de que o disco seria de poemas da sua autoria musicados por Tom Jobim, a fim de conseguir apoio para a gravação (CASTRO, 1990: 176).

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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

NOTAS SOBRE A CONSTRUÇÃO DO “BOM GOSTO” NA MÚSICA

POPULAR BRASILEIRA

RODRIGO APARECIDO VICENTE1

Resumo: este trabalho apresenta e discute a dinâmica e a arbitrariedade do processo de construção do “bom gosto” na música popular brasileira, concentrando-se em dois momentos históricos específicos: a “moderna” década de 1950, sobretudo o contexto que circunda o advento da Bossa Nova; e a passagem dos anos 1930 e 1940, tomando como exemplo a inter-relação entre o Estado Novo, a Rádio Nacional e o samba enquanto símbolo da “nação”. Nesse percurso, procura-se evidenciar e compreender algumas práticas e representações que ajudaram a constituir uma hierarquia de legitimidades e gostos na história da música popular brasileira, enfatizando os conflitos simbólicos e a multiplicidade de instâncias e fatores envolvidos nesse processo. Em níveis mais amplos, essa “hierarquização” parece agir no sentido de legitimar as diferenças sociais. Palavras-chave: música popular brasileira; conflitos simbólicos; hierarquização; “bom gosto”.

1. Intelligentsia musical e os códigos do “bom gosto”

A “Canção do Amor de Demais” obteve grande aceitação por quatro motivos: música

admiravelmente comunicativa de Antonio Carlos Jobim, a poesia de Vinicius de Moraes, a voz cálida e flexível de Elizete Cardoso e um registro sonoro dos mais perfeitos já produzidos no país (...). Primeira indagação: será música popular ou erudita? Daquela possui todos os elementos de ritmo, imagens, colorido, menos o primarismo do conteúdo poético, a harmonia grosseira, defectiva e rudimentar. Música erudita ainda não é, muito embora algumas das melodias estejam próximas aos melhores “Lieder”. (...) O “Lied” acha-se ligado a seu texto. O menor desvio da palavra torna-se sua ferida, seu impudor, sua tolice. Tudo se passa numa concentração de espaço e dos sentidos, onde a sensação nada dissocia, onde nenhuma ficção desvia nem anestesia. (...) Quando ele se comprime num medalhão, aí nenhum artifício é mais possível, nenhuma falta ao pensamento e bom gosto. (Grifo meu). (José Veiga de Oliveira, O Estado de São Paulo, 28/02/1959 apud BOLLOS, 2010: 86-87).

Nessa crítica dirigida ao célebre disco Canção do amor demais (Festa, 1958),2

considerado por alguns estudiosos e entusiastas como o “prenúncio” da Bossa Nova (CASTRO,

1 É bacharel em Música Popular e mestrando em Música pela UNICAMP. Sua pesquisa atual conta com o auxílio financeiro da FAPESP. 2 O selo Festa pertencia ao jornalista Irineu Garcia, e era dedicado ao registro sonoro de poemas de escritores ilustres da época. No caso de Canção do amor demais, Vinicius de Moraes, poeta e diplomata já consagrado, precisou convencer Garcia de que o disco seria de poemas da sua autoria musicados por Tom Jobim, a fim de conseguir apoio para a gravação (CASTRO, 1990: 176).

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1990: 175), observa-se a aplicação de referenciais estético-musicais oriundos da esfera erudita à

música popular brasileira. A apreciação se atém à relação “orgânica” estabelecida entre “poesia”,

música e a interpretação vocal de Elizeth Cardoso, valorizando o fato de que nenhum elemento se

sobressai em detrimento de outro. Não há “exageros”, “desvios” ou “artificialidades” que

pudessem prejudicar a compreensibilidade do todo ou afetar a “razão” e o “sentimento” do

ouvinte “distinto”, a saber, aquele apto a contemplar uma obra de arte.

Essa concepção guarda analogias com uma outra surgida em meados do século XVIII

num contexto absolutamente diferente:

(...) uma boa música será aquela que unir mais perfeitamente os ornamentos artificiais

do canto ao tom natural da declamação: aquela cujas árias simples e graciosas façam sentir com delicadeza o movimento da natureza, aproximando-se da pronunciação comum, e as graças da arte, afastando-se dela. Uma tal música terá todos os encantos da verdade e todos os da ilusão (Carta de Mm. du Coin Roi, à Mm. du Coin de la Reine, 1754 apud CARVALHO, 1999: 100).

“Natureza” e “delicadeza” em detrimento do “artificial”. Num momento histórico precedente já

era possível ler frases como “é preciso [para exprimir os movimentos da alma duma maneira

natural] sujeitar o canto e a sinfonia às palavras e aos versos, cujas narrativas e cujos sentimentos

devem ser ouvidos (...)” (Ménestrier, 1681: 135 apud CARVALHO, 1999: 112). Seja numa

simples carta de uma senhorita francesa pertencente à sociedade de elite ou no imaginário de um

teólogo jesuíta, ressaltam-se aspectos de uma estética musical mais ampla emergente sobretudo

na Europa do século XVIII, que se achava ligada a uma classe burguesa “ilustrada” em plena

ascensão. São inúmeros os conflitos simbólicos existentes entre esse grupo social e a aristocracia

de corte no que tange à concepção de arte em níveis de criação e recepção-fruição, embora

burgueses e aristocratas convivessem muitas vezes num mesmo espaço - nas cortes. Segundo

Norbert Elias (2011), tais grupos constituíram uma relação de interdependência nesse processo de

transformações econômicas, políticas, sociais, culturais e psíquicas - que se refere à sensibilidade

-, o que resultou na interpenetração dos valores, costumes e referenciais estéticos entre esses

grupos sociais.

Para o musicólogo e sociólogo Mário Vieira de Carvalho (1999: 125-133), o que a

burguesia ascendente criticava na aristocracia secular era a sua concepção de arte pautada no

“exibicionismo do eu”, aquela em que a virtuosidade e os “artifícios” técnicos atuavam no

sentido de dissimular o que era “natural” ou “imanente” ao homem. Essa estética encontra um

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modelo exemplar na ópera italiana do século XVII, quando do apogeu dos castrati. Em seu lugar,

a nova perspectiva apontava para uma obra artística que, a fim de suscitar sentimentos e emoções

“verdadeiros” e “espontâneos”, deveria se afastar dos “artifícios”, na medida em que estes se

distanciavam da “natureza” humana. No entanto, o pesquisador revela que as obras concebidas

dentro dessa nova estética apresentavam uma estrutura interna ainda mais complexa e

racionalizada se comparada com a anterior, haja vista, por exemplo, as óperas de Gluck de

meados do século XVIII. Além disso, esse sistema sócio-comunicativo trouxe uma mudança na

relação produção-recepção, exigindo um maior “autocontrole” das pulsões e emoções de ambas

as partes - daí os imperativos da “contenção de excessos”, do “silêncio” e da “concentração” nas

salas de espetáculos. A partir dessas considerações, pode-se dizer que a concepção de arte

burguesa emergida na fase iluminista representa um novo estágio de desenvolvimento da

sensibilidade, do autocontrole, enfim, uma nova etapa do processo de civilização dos hábitos e

costumes (Idem).

Embora tenham sido ressignificados, são alguns desses valores, que aliam naturalidade,

sofisticação e complexidade, que parecem povoar o imaginário de José Veiga de Oliveira, crítico

e musicólogo - na época, esta denominação se restringia aos estudiosos da música erudita - que

escrevia no Suplemento Literário de um dos principais jornais dos anos 1950 - O Estado de São

Paulo - (BOLLOS, 2010: 86). Entusiasmado por encontrar “qualidades” da música “séria” em

uma música popular (“Canção do amor demais”), como a instrumentação “distinta” formada

pelas cordas, flauta, trompa e piano; os contrapontos elaborados segundo os preceitos da música

erudita; a ausência de um andamento fixo; a estrutura assimétrica; a inter-relação sutil entre voz e

acompanhamento; o cuidado com a dinâmica e condução de vozes; as combinações timbrísticas

anticontrastantes; o “refinamento” das letras, ou melhor, da “poesia” de Vinicius de Moraes, etc.,

o autor acaba por reforçar uma prática que se consagraria com o fenômeno da Bossa Nova e a

aproximação cada vez maior de músicos eruditos ao universo popular: a saber, a aplicação de

critérios analíticos da esfera culta na esfera popular, visando legitimá-la perante as classes

intelectualizadas.3 Isso porque “Canção do amor demais”, no caso, não apresentava o

“primarismo do conteúdo poético, a harmonia grosseira, defectiva e rudimentar” supostamente

comuns às manifestações populares.

3 Um exemplo relativamente conhecido, nesse sentido, são as análises e apreciações reunidas no livro Balanço da Bossa e outras bossas, empreendidas por músicos e artistas brasileiros ligados à estética erudita e de vanguarda como Brasil Rocha Brito, Júlio Medaglia e Augusto de Campos (CAMPOS, 2008).

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Não há dúvidas quanto ao aspecto hierarquizante desse hábito consagrado na história da

música popular brasileira. Todos os “antônimos” das qualidades descritas acima - harmonias

“simples”, letras “primitivas”, “artificialidades” - e as produções que neles se enquadram (ou

tentaram enquadrar) foram preteridas ao longo das últimas décadas pelos trabalhos acadêmicos.

Álvaro Neder reconhece esse fato ao questionar a eficácia e coerência do aparato teórico e

metodológico utilizado freqüentemente pelos musicólogos nas análises de música popular. É

muito comum ainda a aplicação de critérios oriundos do século XIX, pautados no ideal de arte

autônoma e desinteressada, da racionalidade em detrimento dos impulsos corporais e emocionais.

Esse pensamento está intimamente ligado ao ideal de escuta da música erudita, mais

individualista, “corporalmente inerte, imersa no silêncio e contemplação da sala de concerto ou

do lar burguês” (NEDER, 2010: 186-187). A música popular, ao contrário, pode ser produzida e

ouvida numa multiplicidade de espaços, individuais e coletivos, mediados por medias ou não,

onde ela atende a diferentes “funções” e “interesses” (Idem). É o escritor e musicólogo

modernista Mário de Andrade, estudioso e defensor do elemento folclórico e popular - “não-

popularesco”, diga-se de passagem - quem revela, talvez involuntariamente, sua orientação

estética “erudita” ao discorrer sobre um desfile de uma escola de samba do Rio de Janeiro nos

anos 1930:

Ah, não me esquecerei jamais daquella noite de janeiro, faz dois annos, em que vi descer

do morro uma escola, cantando aquelle admirável samba que em seguida Francisco Mignone aproveitou na sua ‘Quarta Fantasia’ para piano e orquestra. O céu estava altíssimo e a noite parára exhausta de tanto calor. E o pessoal veio do morro, cantando a sua linha de tristeza, tão violenta, tão nítida, que era de matar passarinho. O negro da estiva fazia o solo mais ou menos, e logo o côro largava a se desesperar. As vozes das mulheres, quando então subiam nas quatro notas do arpejo ascendente inicial, vozes abertas, contradictoriamente alviçareiras, como que ainda empurravam mais o espaço dos grandes ares, deixando mais amplidão para a desgraça. Uma desgraça real, nascida por certo de inconsciências tenebrosas, que quasi impedia a contemplação da musica bellissima, de tão irrespirável tornava esta vida. Sei que não pude agüentar (ANDRADE, 1963: 282, apud PEREIRA, 1967: 209).

O fenômeno da transposição dos valores e estéticas forjadas na esfera culta para a esfera

popular deve ser tomado enquanto um processo. A distância temporal dos exemplos comentados

anteriormente reforça essa necessidade. Longe de se desenvolver de modo autônomo, há uma

inter-relação entre as práticas musicais e suas representações e as mudanças ocorridas em níveis

históricos, sociais e culturais. Desde o advento do fonógrafo e do rádio, os quais se

desenvolveram e se expandiram enquanto objetos do espaço privado a partir dos anos 1930,

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principalmente, tornando-se ao mesmo tempo os meios privilegiados na produção e reprodução

da música popular brasileira, o ideal de escuta, a sensibilidade auditiva, em suma, foram se

aprimorando em direção à individualidade da recepção.

Canção do amor demais não deixa de ser um produto da nova sensibilidade e dos novos

meios e espaços de fruição da música popular. Há uma série de fatores em grande evidência nos

anos 1950 que lançam luz para a compreensão tanto da estética musical apresentada pelo disco

quanto das leituras (ou escutas) que se fizeram do mesmo: as pequenas boates noturnas,

concentradas principalmente na revitalizada e elitizada zona sul do Rio de Janeiro, haviam se

tornado os espaços privilegiados para a apreciação de música ao vivo, sobretudo para a classe

média ascendente do segundo pós-guerra; Elizeth Cardoso, Vinicius de Moraes e Tom Jobim, os

protagonistas do referido disco, freqüentavam e atuavam nesses ambientes mais intimistas e

“sofisticados”, por onde circulavam artistas do rádio, intelectuais, jornalistas, turistas estrangeiros

etc.; o repertório ali divulgado era amiúde eclético (SARAIVA, 2007: 30), mas predominavam o

samba-canção, o bolero e as versões de canções norte-americanas e francesas; as formações

instrumentais eram reduzidas, em virtude do espaço restrito, comportando em média três ou

quatro integrantes. O texto de contracapa do disco Jantar no Rio: Fafá Lemos e sua orquestra

(RCA Victor), de 1954, ilustra um pouco a atmosfera desses ambientes:

Na Praia Vermelha, bem à beira-mar, encontra-se o Casablanca, de bom gosto e

discreto. Em qualquer boite do Rio goza o turista de um cortês e atencioso tratamento, podendo calmamente saborear a sua refeição e apreciar a paisagem e a música. (...) A música, naturalmente, precisa ser suave, dansável e cativante aos ouvidos. E cremos ser a música proporcionada por Fafá Lemos e pelo conjunto que ele dirige uma das mais deliciosas. Fafá Lemos, um violinista notavelmente suave, combina o seu instrumento com clarinete, violão e instrumentos de ritmo para produzir a sua delicada música. Seu repertório inclui consagradas melodias norte-americanas e francesas, além de novos e antigos sucessos brasileiros - alguns dos quais de autoria do próprio Lemos. (Grifos meus).

Ambiente de “bom gosto e discreto”, tratamento “cortês e atencioso”, música “suave e delicada”:

eis alguns índices de uma estética “civilizada”.

Mas como todo processo, este encerra uma série de conflitos e contradições. É

relativamente conhecido, por exemplo, o desprezo que parte da intelligentsia da música popular

dos anos 1950 e 1960 sustentava em relação a certos padrões vigentes no âmbito da música de

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ampla circulação da época, como o canto “operístico” 4 e a temática “melodramática” de alguns

sambas-canções, cuja tônica era o sofrimento “interminável” causado por uma decepção

amorosa.5 No entanto, o musicólogo José Veiga de Oliveira, um dos representantes da

intelligentsia, parece não reconhecer essas “qualidades” na letra de “Canção do amor demais”,

que traz versos como “Quero chorar porque te amei demais/ Quero morrer porque me deste a

vida/ (...) Tudo me diz que amar será meu fim...” ou então, na própria interpretação de Elizeth

Cardoso, marcada pelos prolongamentos das vogais e intensidade características do bel canto.

Tais contradições conduzem novamente a discussão para a importância assumida, no

resultado final dos fonogramas, pelo emprego de elementos e procedimentos oriundos da música

erudita na música popular, bem como ao papel desempenhado pelos críticos “especializados”,

dotados de “capital simbólico”, na legitimação de certas obras em prejuízo de outras. Em última

análise, esses resultados apontam para a necessidade de se considerar uma série de fatores,

musicais e “extramusicais”, na tentativa de compreensão das práticas artísticas e das

representações inscritas nos discursos da época. Acatar a complexidade do processo, as relações

de interdependência entre as classes sociais, enfim, é um imperativo do pesquisador dessa área.

2. A Rádio Nacional e a “civilização” do samba: um exemplo paradigmático

Não é preciso retroceder muito no tempo para encontrar alguns índices desse fenômeno.

Pode-se notar já nos anos 1930 uma atenção especial dedicada à música popular brasileira por

parte das classes intelectualizadas. Num contexto de incipiente internacionalização da economia e

da cultura, em que era do interesse do Estado a construção (simbólica) de uma “identidade” e de

uma “imagem” de Brasil não mais identificada ao “atraso” e ao subdesenvolvimento, e sim o

alinhamento com as nações “modernas” (capitalistas), a produção cultural nacional, sobretudo o

4 O cantor e violonista João Gilberto, representante paradigmático da estética “moderna” e de “bom gosto” consagrada a partir da Bossa Nova, revela em entrevista algumas das motivações que o levaram a desenvolver seu estilo interpretativo: “Eu estava então [década de 50] muito descontente com o vibrato dos cantores – Mariiiina moreeeena Mariiiina você se pintoooou – e achava que não era nada disso. (...) Sentia que aquele prolongamento de som que os cantores davam prejudicava o balanço natural da música.” (Grifo meu) (SOUZA & ANDREATO, 1979: 49-56 apud GARCIA, 1999: 127-128). 5 O compositor e intérprete Carlos Lyra, um dos protagonistas da jovem geração bossanovista dos anos 1950, é enfático nesse sentido: “Porque eu acho que tem dois tipos de sambas-canções: o samba-canção de alta categoria, de grande classe, e o samba-canção de fossa, que vem com aquele negócio de ‘edredom azul’, ‘abajur lilás’, exatamente aquelas coisas de ‘apaga essa luz, garçom, que eu quero encher a cara e vou ficar aqui no bar, caindo aos pedaços’. (...) parece aqueles boleros mexicanos em que a mulher é a desgraça do homem” (NAVES, 2006: 89).

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samba - produto do mestiço e do negro -, emergiu como o representante potencial da suposta

“identidade” e “imagem” que se pretendia erigir e propagar. No entanto, na visão de alguns

intelectuais ligados ao Estado Novo, como Álvaro Salgado, por exemplo, o samba tal como era

praticado até aquele momento não se adequava ao “projeto” por eles almejado, sendo necessário,

antes de mais, “civilizá-lo”. O seu discurso sintetiza algumas representações correntes:

(...) o samba, que traz em sua etimologia a marca do sensualismo, é feio, indecente,

desarmônico e arrítmico. (...) Enquanto não dominarmos esse ímpeto bárbaro, é inútil e prejudicial combatermos no ‘broadcasting’ o samba, o maxixe, a marchinha e os demais ritmos selvagens da música popular. Seria contrariarmos as tendências do povo. (...) A marchinha, o samba, o maxixe, a embolada, o frevo, precisam, unicamente, de escola (SALGADO, 1941: 84-86 apud ZAN, 1997: 74-75).

É nesse momento que se destaca o papel desempenhado pelo maestro e arranjador

Radamés Gnattali à frente de diversos programas musicais da Rádio Nacional e de gravadoras da

época. Pianista erudito de formação, Radamés se constituiu numa espécie de “mediador cultural”

(VOVELLE, 2004: 207-224) ao entrar para o campo de produção de música popular na década

de 1930, elaborando arranjos para os mais diferentes gêneros e estilos musicais. Dentre os

trabalhos que o consagraram como arranjador, encontra-se a Orquestra Brasileira da Rádio

Nacional, formada em 1943 para atuar no programa Um Milhão de Melodias, ponta-de-lança da

empresa Coca-Cola no Brasil (SAROLDI & MOREIRA, 1984: 30-31).

Com o objetivo precípuo de oferecer à música popular brasileira um “tratamento

orquestral semelhante ao dispensado às composições estrangeiras” - leia-se, o das big bands de

jazz norte-americanas -, os idealizadores do programa não deixaram de se preocupar, contudo,

com a necessidade de imprimir um caráter “brasileiro” à Orquestra, ou seja, que a distinguisse

das produções internacionais. Foi assim que, numa postura nacionalista, Radamés procurou

diferenciá-la através da instrumentação, substituindo a base rítmica do jazz, composta por piano,

contrabaixo, guitarra e bateria, por violões, cavaquinho, acordeon e uma percussão “tipicamente”

brasileira, com pandeiro, ganzá, caixeta, entre outros. (Idem).

É o ex-redator e crítico de rádio Pedro Anísio quem resume algumas representações

erigidas em torno da importância de Radamés Gnattali e da Orquestra Brasileira para a música

popular:

Radamés Gnattali deu uma organização ao samba - a Orquestra Brasileira. Nunca o

samba chegara a sonhar com uma orquestra assim: grande, completa, perfeita. Radamés Gnattali começou a tratar o samba de forma como nunca fora tratado. Fez

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grandes arranjos para ele, emoldurou-o, descobriu-lhe riquezas que nunca imaginara ter. E tratado pela cultura e bom gosto de Radamés, o samba, com a Orquestra Brasileira, começou a viajar pelo mundo afora, através das ondas curtas da Rádio Nacional. O samba (...) conquistou o seu título legítimo de ‘música verde-e-amarela’, digno e elegante representante do espírito musical de nossa gente, indo visitar, pelas emissoras de ondas curtas da Rádio Nacional, os lares do mundo inteiro. (Grifos meus) (ANÍSIO apud BARBOSA & DEVOS, 1984: 54).

Esse fenômeno encontra um momento decisivo já em 1939, quando da gravação de

“Aquarela do Brasil” (Ary Barroso), tida por muitos como o primeiro samba-exaltação da história

(SEVERIANO & MELLO, 2002: 177). Coerente com o clima nacionalista e ufanista do Estado

Novo e com o “projeto” civilizador e modernizador em voga, tanto a composição quanto o

arranjo elaborado por Radamés Gnattali para este samba representaram uma espécie de ruptura

com os padrões estético-musicais vigentes no campo da música popular. Foram empregadas na

ocasião técnicas de orquestração incomuns para o samba, mais “elaboradas”, inspiradas em parte

nas big bands norte-americanas, que tiveram ampla ressonância entre os arranjadores locais

(ZAN, 1997: 79). Levando-se em conta a consagração dessa nova sonoridade via rádio e disco,

concomitantemente ao aperfeiçoamento dos suportes técnicos desses meios de produção e

reprodução de música, é possível afirmar que os anos iniciais da década de 1940 conheciam um

novo estágio de treinamento da sensibilidade auditiva - ou, nas palavras de Walter Benjamin, do

“sensório humano” (1994: 169-170) -, assim como novos padrões de “bom gosto” na esfera

popular.

Segundo Virginia de Almeida Bessa, apesar da valorização do mestiço e do samba como

símbolos nacionais, o período que compreende a passagem das décadas de 1930 e 1940 assiste a

certo afastamento dos músicos populares representantes desse ideário do mercado de produção de

música popular - ao menos da música popular “oficial”, concebida nos moldes nacionalista e

civilizado dos intelectuais ligados ao Estado Novo. A autora identifica esse fenômeno em três

níveis:

Socialmente, pela preterição, nas rádios e gravadoras, dos músicos oriundos das camadas mais baixas da população em favor dos compositores e intérpretes provenientes da classe média. Ideologicamente, pela substituição, nas letras de samba, das temáticas pertinentes à realidade social dos sambistas pelo discurso de valorização do trabalho ou, ainda, pelo samba-exaltação, que durante o governo Vargas encontrou um fértil terreno para sua produção e comercialização. Esteticamente, pelo afastamento cada vez maior da canção comercializada em disco e rádio das práticas musicais urbanas, como as rodas de choro ou de samba, substituídas por processos “semi-eruditos” de composição, interpretação e arranjo (BESSA, 2010: 235).

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Um caso digno de nota é o da atuação de Pixinguinha (músico negro) como arranjador

em gravadoras e rádios na mesma época em que Radamés Gnattali e outros maestros (brancos)

como Léo Peracchi e Lyrio Panicalli estavam em ascensão. Após um período profícuo e intenso

entre finais dos anos 1920 e meados de 1930, em que esteve à frente da Orquestra Típica

Pixinguinha-Donga, Orquestra Victor Brasileira, grupo Diabos do Céu, grupo da Guarda Velha,

entre outros, seus trabalhos com formações orquestrais vão se tornando cada vez mais escassos

em princípios de 1940, como revelam seus registros fonográficos.6

Embora fosse um nome consagrado nacionalmente como instrumentista, compositor de

choros e como autor de arranjos “tipicamente” brasileiros para suas orquestras, a estética musical

da qual era um dos principais representantes parecia não se adequar aos projetos de modernização

e civilização que a intelligentsia local imaginava para a música popular brasileira naquele

momento. Em outras palavras, a sonoridade de seus arranjos era valorizada e ao mesmo tempo

“confinada” a um passado supostamente portador da “verdadeira” identidade nacional, mas que

ainda guardava resíduos de um estágio “primitivo” e “não-civilizado” da história do país. Daí a

incompatibilidade com um período em que se buscava, nos dizeres de Pedro Anísio, dar um

tratamento “digno e elegante” ao samba. O próprio Radamés Gnattali compartilhava desse ponto

de vista, chegando a afirmar, anos mais tarde, que o conjunto Oito Batutas, liderado por

Pixinguinha nos anos 1920, era uma “esculhambação” em níveis de performance: “Tinha três

violões, não tinha? Cada um fazendo um baixo diferente. Tava todo mundo lá de cana e achando

muito bom. Mas não era, pô!” (BESSA, 2010: 256).

Aliás, a associação ao alcoolismo se tornou um lugar-comum na historiografia da música

popular brasileira para explicar o relativo afastamento do arranjador Pixinguinha do cenário

artístico dessa fase. No entanto, como se viu, o processo é mais amplo e complexo, envolvendo

fatores “externos” que produziram ressonâncias imediatas na prática e no cotidiano dos artistas.

De qualquer forma, o fato é que o músico enfrentou dificuldades para sobreviver nesse período,

encontrando uma saída anos depois na parceria proposta pelo flautista Benedito Lacerda que, em

troca da ajuda financeira e do novo impulso prometidos à sua carreira, exigiu a co-autoria em

6 BESSA, 2010, pp. 302-313. Encontra-se nesse trabalho um levantamento dos registros fonográficos de Pixinguinha como arranjador no período citado. Além deste, vale a pena consultar um pequeno gráfico elaborado por Dmitri Cerboncini Fernandes em sua tese, onde se encontra exposta a curva da produção de sambas e choros gravados por Pixinguinha entre 1913/14 e 1961. Após uma fase bastante expressiva entre o final dos anos 1920 e meados dos anos 1930, os números caem abruptamente por volta de 1940, tomando novo fôlego, embora incomparável ao período “áureo”, somente por volta de 1947 - os motivos dessa “reviravolta” serão discutidos mais adiante (FERNANDES, 2010: 114).

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diversos choros seus, bem como o papel de solista nas dezenas de gravações que iriam realizar

juntos (Ibidem: 244-245). Foi dessa parceira que Pixinguinha se consagrou com os seus célebres

“contrapontos”, executados ao saxofone tenor sobre as melodias de Benedito Lacerda.

Esse cenário assumirá novos contornos no segundo pós-guerra, quando os artistas de

origem mestiça e negra, intimamente associados ao samba e ao choro dos anos 1920 e 1930,

serão revalorizados enquanto representantes “legítimos” de um passado “puro” e

“autenticamente” brasileiro: a chamada “Época de Ouro” da música popular. O momento-chave

dessa retomada da tradição, ou melhor, dessa “reinvenção” da tradição é o lançamento, em 1947,

do programa O pessoal da Velha Guarda, idealizado por Almirante na Rádio Tupi e que contava,

em sua linha de frente, com Pixinguinha (NAPOLITANO, 2007: 61). Mas as razões, os

conflitos, as contradições e o contexto mais amplo em que esse processo complexo se deu

merecem um estudo à parte.

Os casos expostos anteriormente são índices da interpenetração entre esferas

pertencentes a ordens distintas - Estado e mercado, intelectuais e artistas, músicos “eruditos” e

populares (ORTIZ, 1994). Esse momento histórico apresenta de forma nítida certa confluência

entre os interesses e representações do poder estatal e dos grupos intelectualizados, os quais se

mostram sensivelmente orientados pelos ideais nacionalista, modernizador e civilizador.

Partindo desses apontamentos, não é difícil concluir que esse fenômeno produziu

ressonâncias em outros períodos. Assim como nos anos 1950, observam-se nas décadas

precedentes alguns indícios de que a legitimação de uma obra popular também dependia da sua

proximidade com a estética musical consagrada na esfera erudita. Caso contrário, ou era

interpretada em chave folclórica, sendo relegada ao passado e à “tradição”, ou definitivamente

desqualificada e excluída da “linha evolutiva” da música popular brasileira.

Considerações finais

Não há dúvidas quanto à necessidade de aprofundamento do problema apontado neste

trabalho. Os conflitos e contradições inerentes ao processo de construção da idéia de “bom gosto”

na música popular brasileira são inúmeros. No entanto, os exemplos apresentados aqui não

deixam de iluminar um fenômeno perceptível apenas em recortes históricos relativamente

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amplos. A abordagem interdisciplinar, que buscou articular história, sociologia e musicologia,

revela-se imprescindível nesse sentido. A partir dessas considerações, propõe-se a seguinte

hipótese: o aspecto que orientava a distinção das produções musicais entre “boas” e “ruins”,

“modernas” e “arcaicas”, reside também nos estilos interpretativos dos músicos e conjuntos em

conexão com os elementos, procedimentos e padrões estéticos previamente consagrados na esfera

“erudita”, para além dos julgamentos de gosto que (aparentemente) giram em torno apenas de

parâmetros específicos ou das meras classificações e denominações de gêneros que compunham

o repertório variado da época. Esses parâmetros da intelligentsia brasileira parecem encerrar, em

última análise, uma estética musical “civilizada”.

Para encerrar, vale chamar a atenção para uma questão sociológica mais ampla que

esse processo envolve. Pierre Bourdieu é esclarecedor nesse sentido:

A negação da fruição inferior, grosseira, vulgar, venal, servil (...) que constitui como tal

o sagrado cultural, traz em seu bojo a afirmação da superioridade daqueles que sabem se satisfazer com prazeres sublimados, requintados, desinteressados, gratuitos, distintos, interditados para sempre aos simples “profanos”. É assim que a arte e o consumo artístico estão predispostos a desempenhar, independentemente de nossa vontade e de nosso saber, uma função social de legitimação das diferenças sociais” (BOURDIEU, 2008: 14).

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