notas das aulas do curso de michel foucault

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MARIA ELIZABETH BARROS DE BARROS JÉSIO ZAMBONI (Organizadores) Notas das aulas do curso de Michel Foucault “O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS” MARIA ELIZABETH BARROS DE BARROS JÉSIO ZAMBONI (Organizadores) Editora Saberes

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Maria Elizabeth Barros de Barros & Jésio Zamboni

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  • MARIA ELIZABETH BARROS DE BARROS

    JSIO ZAMBONI (Organizadores)

    Notas das aulas do curso de Michel Foucault

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

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    Editora Saberes

  • 1NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    Maria ElizabEth barros dE barrosJsio zaMboni(Organizadores)

    NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT O GOVERNO DE SI

    E DOS OUTROS

    2013

    Editora

  • 2NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    Editora Saberes

    Conselho Editoral: Jsio Zamboni, Antnio Martins Vitor Junior, Ana Rosa Murad Szpilman, Giselly Ferreira Martins e Victor Johne Freitas Pacheco.

    Reviso: Alina da Silva Bonella

    Reviso final: Alina da Silva Bonella

    Capa: Srgio Rodrigo Ferreira

    Projeto grfico e diagramao: Jos Carlos Vieira Jnior

    B278 Barros, Maria Elisabeth Barros de(Org.)Notas das aulas do curso de Michel Foucault O Governo de si e dos outros/ Maria Elisabeth Barros de Barros e Jsio Zamboni(Organizadores). Vitria: Saberes Instituto de Ensino, 2013. 77 p. ; 21 cm ISBN: 9788587858108 1. Psicologia 2. Educao 3. Produo de conhecimento I. Ttulo II. Zamboni, Jsio

    CDD: 150

  • 3NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    SUMRIO

    NOTA DE ABERTURA .......................................................... 5Antnio Martins Vitor JuniorGiselly Ferreira MartinsVictor Johne Freitas Pacheco

    NOTA DAS AULAS ................................................................. 85 de janeiro de 1983 .......................................................................... 9Maria Elizabeth Barros de Barros

    12 de janeiro de 1983 ........................................................................ 15Ana Rosa Murad SzpilmanBeatriz Cysne CoimbraEllen Horato do Carmo Pimentel

    19 de janeiro de 1983 ........................................................................ 23Anne Karoline FerrariKeli Lopes Santos

    26 de janeiro de 1983 ........................................................................ 29Lgia Ribeiro e Silva GomesRafaela Gomes Amorim

    2 de fevereiro de 1983 ....................................................................... 39Antnio Martins Vitor JuniorVictor Johne Freitas PachecoGeuvania Rosa do Nascimento Gomes

    9 de fevereiro de 1983 ....................................................................... 45Valeska Campos TristoThalita Calmon CapeliniLuzimar dos Santos Luciano

    23 de fevereiro de 1983 ..................................................................... 52Jsio Zamboni Thiago de Sousa Freitas Lima

    9 de maro de 1983 ........................................................................... 58Giselly Ferreira MartinsLuciana P. R. G. SoaresLuisa Fernanda Delgado MartnezVivianni Barcellos de Araujo

  • 4NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    SUMRIO

    SITUAO DAS NOTAS DO CURSO .................................. 64

    Clever Manolo CoimbraJanana Madeira BritoLuziane de Assis Ruela Siqueira

    OUTRAS NOTAS ................................................................ 72Minha fala encarnada. Impresses ................................................. 73Mrcia Cristina Almeida de Oliveira

    Depoimento ................................................................................... 76Luisa Fernanda Delgado Martnez

  • 5NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DE ABERTURA

  • 6NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    O caderno que segue foi produzido a partir de encontros de uma disciplina ofertada para alunos de ps-graduao. A princpio, foram vrias as vinculaes que nos colocaram em uma mesma sala. Sade Coletiva, Psicologia Institucional, Educao, Docncia, Trabalho, Sade Mental, enfim, vrios saberes que se encontraram em uma disciplina e que, no processo, se fizeram trama aberta, colocando em xeque distintos modos de pesquisar, de pensar o mundo que trazamos anteriormente.

    Para a rdua tarefa de analisar o que estamos fazendo de nosso presente, preciso se despir das naturalizaes e concepes dadas de antemo. Um desafio lanado, ento, na tentativa de produzir, em grupo, questionamentos e reverberaes em relao ao pensamento de Michel Foucault (MF). Uma escolha certeira, o livro-texto O governo de si e dos outros (FOUCAULT, 2010), em torno do qual nos reunamos semanalmente para conversar sobre as questes que a leitura nos incitava. Um grupo formado disposio dos desdobramentos que o encontro pudesse proporcionar, aberto ao que as conversas pudessem disparar. Organizados, ora em pequenos grupos que liam e tomavam notas, ora em outros conglomerados ou em conversas em outros espaos (que nos faziam certamente mais potentes), chegvamos a cada semana com um conjunto de questes a ser compartilhado a fim de que nossa discusso se encaminhasse.

    Movimentos, aproximao e inveno, o grupo nos lanava ao encontro da alteridade e (re)inaugurava no apenas conceitos, mas modos de pensar pesquisa e estar no mundo. Os personagens brotavam... entre Ions, Polbios, Creusas, Apo los e Dionsios. Os enredos mudavam com a leitura de cada um: Quem tem a parresa? O que isso? Algum tem? Quem tem? Assim, as discusses seguiam cursos no curso. E Foucault, com sua habilidade sem igual de nos fazer repensar o que havamos produzido no trajeto, tornou-nos um pouco mais prximos daquilo que Walter Benjamin (1993) j definia como necessrio para caminhar: preciso um educar em se perder. Ento, experimentar descaminhos vem nos envolvendo como um modo possvel de caminhar, de se posicionar, seja na cidade, seja na floresta, seja num grupo de estudos, perder-se dos caminhos j identificados e j dados de nossas naturalizaes e se permitir acessar outros possveis, novas

    NOTA DE ABERTURA

  • 7NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DE ABERTURA

    tramas ao sabor dos encontros. Perdidos nos misturvamos.

    Estas notas que se seguem so pistas desse trajeto. De nossos ensaios em se perder e tentar caminhos nos estudos de MF. Aproximaram discusses de vrios campos de trabalho e pesquisa aos quais estamos vinculados. Isso tornava a leitura polifnica, proporcionada pelo trabalho coletivo, no qual interesses e usos dos conceitos eram compartilhados em grupo, produzindo discusses que alimentavam mais interesse em um querer mais, um saber mais.

    Referncias

    BENJAMIN, W. Obras escolhidas II: rua de mo nica. So Paulo: Brasiliense, 1995

    FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: curso no Collge de France (1982-1983). So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    Antnio Martins Vitor Junior1Giselly Ferreira Martins1

    Victor Johne Freitas Pacheco1

    1- Psiclogos; mestrandos em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Esprito Santo.

  • 8NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS

  • 9NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 5 de janeiro de 1983

    5 dE JanEiro dE 1983

    Preliminares

    Foucault lecionou no Collge de France no perodo 1971-1984. Sua cadeira era Histria do Pensamento e sua aula inaugural foi em 2-12-1970.

    Havia um modo de funcionamento dos cursos no Collge que no agradava a Foucault: os professores no tinham alunos, mas ouvintes. Em vrias ocasies, ele indicava o desejo de ter a oportunidade de discutir com os alunos suas pesquisas; no bastava apresent-las, queria mais.

    Os professores deveriam apresentar anualmente uma pesquisa original que vinham desenvolvendo. Esse aspecto me parece muito interessante, pois afirma uma direo para esse gnero profissional que no temos privilegiado nas universidades hoje: a pesquisa como disparador das aulas. Deleuze (2004) tambm chegou a dizer que alguns minutos de aula demandavam muita inspirao e, quando isso no foi mais possvel, ele abandonou o ofcio. O que temos feito desse gnero?

    As aulas no Collge tinham uma carga horria de 26 horas anuais, metade ministrada como seminrios.

    Como nos indica Frdric Gros (2010), que foi um dos editores do curso de 1983 ministrado por Foucault, a arte desse pesquisador era de diagonizar a atualidade pela histria, jogando luz no presente a partir da histria da filosofia.

    No curso de 1983, ele prolonga o de 1982 A hermenutica do sujeito quando realiza um estudo histrico da relao entre subjetividade e verdade. Partindo do cuidado de si grego e romano, descreve tcnicas, historicamente situadas, pelas quais um sujeito constri uma relao determinada consigo, d forma existncia, estabelece de maneira regrada sua relao com o mundo e com os outros. Importante destacar que no se trata, para Michel Foucault, de cuidado de si como egosmo, narcisismo ou atitude espontnea, movimento natural da subjetividade. Ele nos diz: Era preciso ser chamado por outrem a esse cuidado correto de si (FOUCAULT,

  • 10NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 5 de janeiro de 1983

    apud GROS, 2010). Convoca, ento, a figura do mestre antigo, que seria uma alternativa histrica ao diretor de conscincia crist.

    Se, em 1982, Michel Focault se volta para a anlise do que estrutura a fala dirigida ao discpulo foco no tema da parresa como fala franca, coragem da verdade, o governo de si , em 1983, volta-se para o governo dos outros, que passa a ser seu novo ponto de partida.

    Primeira hora

    Inicia apresentando sua proposta para o curso de 1983, destacando que seu mtodo no o de fazer uma histria das mentalidades ou das representaes, mas uma histria do pensamento e, nessa direo, o texto de Kant o disparador das anlises. Destaca a importncia do texto O que o iluminismo (KANT, apud FOUCAULT, 2010) para discutir uma atitude crtica.

    Faz um pequeno retrospecto de suas pesquisas:

    a) analise dos focos de experincia: Em As palavras e as coisas formas de um saber possvel;

    b) em Vigiar e punir uma preocupao com as matrizes normativas de comportamento; o que no o mesmo que estudar a dominao, mas tcnicas e procedimentos pelos quais se conduz em os outros;

    c) a anlise das formas de subjetivao ganha fora na Histria da sexualidade, quando foca esse processo por meio das tecnologias de relao consigo.

    por meio do texto de Kant sobre o Iluminismo que busca essa relao do governo de si com o governo dos outros, oferecendo pistas para esta anlise.

  • 11NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 5 de janeiro de 1983

    MF destaca que o incio da era moderna se ope s exigncias de uma governamentalidade pastoral. A questo do Iluminismo outra: como no ser governado? A dessujeio nos marcos de uma poltica da verdade moderna a pista que o texto kantiano oferecia para os propsitos de pesquisa de MF. Considerava, ento, que esse era um perodo histrico privilegiado para o estudo dos dispositivos de poder-saber assujeitadores.

    Importante destacar que essa retomada do texto kantiano no significou uma inscrio na herana transcendental de Kant, que buscava estabelecer regras de verdades universais a fim de prevenir desarranjos de uma razo dominadora. Herda de Kant sua atitude crtica, ou seja, uma atitude de provocar o presente partindo da questo que somos?.

    Nessa primeira hora da aula, busca determinar seu lugar nessa herana filosfica indagando o estatuto de sua prpria palavra.

    Em 1982, deteve-se no modo como o mestre de existncia provocava a clera do discpulo denunciando seus vcios. Em 1983, temos uma preocupao com a parresa poltica: a palavra dirigida a uma assembleia de forma a fazer triunfar sua concepo de interesse geral parresa democrtica. Assim, reafirma seu propsito de estudar, em 1983, as prticas de subjetivao tica articuladas dimenso poltica, o cuidado com os outros: Que relao com o outro deve ser construda naquele que quer dirigir os outros e naqueles que lhe obedecero?

    Destacaria aqui o mtodo de Michel Foucault: no se deter aos grandes eventos histricos; ao contrrio, diz ele, o essencial da histria passa pelo buraco de uma agulha. Com essa direo metodolgica, buscava identificar, em textos-chave, linhas de mudana e ruptura, o que vai fazer com o texto de Kant. Michel Foucault procede por problematizao e esse seu mtodo. No procede por dogmas. Sua aposta na capacidade tica dos indivduos e no na adeso cega a doutrinas. Considero que aqui o careca faz aluso a certo modo de funcionamento dos intelectuais que procuram se colocar frente das massas definindo seus trajetos, o que em certa ocasio definiu como os intelectuais orgnicos, que seguem as igrejas ideolgicas dos partidos ou grupos. Um dizer a verdade que precisa inquietar, transformar modos de ser e no fazer seguir de forma quase religiosa os dogmas afirmados

  • 12NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 5 de janeiro de 1983

    pelos intelectuais. Esse o intelectual que denomina especfico. Que est atento aos acontecimentos, ao que passa pelo buraco da agulha, atento ao que acontece hoje. A atualidade seu foco. No se trata de acompanhar a trama ideolgica que torna possvel um progresso, mas isolar na histria um acontecimento que tem valor de sinal: sinal da existncia de uma causa que guiou os homens no caminho do progresso. Parte, ento, das questes levantadas por Kant relativas revoluo. Passagem fantstica, na minha avaliao!

    O que pode uma revoluo? Revoluo como sinal!! Sinal de qu? Sinal de uma tendncia do gnero humano de caminhar no sentido do progresso. Revoluo como acontecimento, ruptura, subverso. Mas no se trata, certamente, de um progresso no sentido de uma evoluo que nos levaria a um lugar mais elevado! Mas um entusiasmo, uma vontade de mudana, uma vontade de criar problema! Um progresso que sinaliza uma vontade dos homens de terem o direito de decidir a constituio poltica que lhes convm, que eles querem. Um progresso como movimento em direo autonomia ou, se quisermos, na direo de Clot, uma vontade de ampliar o poder de agir. Autonomia e autoridade do saber. Ateno aos efeitos que um acontecimento como a Revoluo produz: o que acontece com aqueles que no fazem, diretamente, a revoluo? Efeitos de um acontecer.

    MF termina a primeira hora indicando uma tradio filosfica crtica a partir do legado kantiano que coloca a questo das condies em que um conhecimento verdadeiro possvel:

    a) analtica da verdade;

    b) ontologia do presente - outro modo de interrogao de tradio crtica: o que a atualidade.

    Segunda hora

    O Iluminismo como sada do homem de sua menoridade, o que

  • 13NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 5 de janeiro de 1983

    de sua responsabilidade. A menoridade a incapacidade de se servir do seu entendimento sem a direo de outrem.

    MF destaca, no texto de Kant, o fato de no se tratar o momento presente como um momento de transio, mas um momento de transio pelo qual se entra num estado estvel. Ele define o momento da Aufklarung no como pertencimento mas como momento presente, como sada, movimento pelo qual nos desprendemos de alguma coisa, sem que nada seja dito sobre para onde vamos.

    MF considera que esse debate sobre o que menoridade implica tomar, como dimenso de anlise, as trs crticas de Kant. O que significa sair da menoridade? Em seus textos, Kant nos oferece algumas pistas para esse debate e insiste que sair da menoridade e exercer a atividade crtica implica no fazer nosso dever dependendo de forma pura do imperativo.

    Conforme MF (2010):

    [...] a Aufklarung dever fazer o que ela est fazendo [...] redistribuir as relaes entre governo de si e governo dos outros. Como est sendo feita esse redistribuio do governo de si e governo dos outros? Ora, nos indica Kant: s pode haver obedincia onde h ausncia de raciocnio, sair da menoridade utilizar a faculdade de raciocnio. H menoridade cada vez que se faz coincidir, cada vez que se superpe o princpio da obedincia - confundido com o no raciocinar e no apenas, claro, uso privado, mas tambm o uso pblico do nosso entendimento.

    Gostaria de destacar o debate que ele suscita no que tange ao par que caracteriza o estado de menoridade constitudo pelas esferas do privado e do pblico. Privado seria um uso das nossas faculdades; e o que Kant chama de pblico certa maneira de fazer funcionar e de fazer uso das nossas faculdades.

    Foucault nos adverte que o que Kant chama de privado o que chamaramos de pblico a atividade profissional, a atividade pblica, pois seramos pea de uma mquina, com papel especfico a desempenhar

  • 14NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 5 de janeiro de 1983

    funcionamos como indivduos. Faz-se uso privado de nossa faculdade dentro de um conjunto quando se encarregado de uma funo global e coletiva.

    O uso pblico se efetiva quando, como sujeito racional, nos dirigimos ao conjunto dos seres racionais, por exemplo, a atividade do escritor dirigindo-se ao leitor.

    Na maioridade, desconectam-se raciocnio e obedincia. MF termina a aula de 5 de janeiro indicando que, na filosofia moderna, a anlise da atualidade foi introduzida por Kant.

    Referncias

    DELEUZE, G. Labcdaire. Paris: Montparnasse, 2004. 3 DVD.

    FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: curso no Collge de France (1982-1983). So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    GROS, F. Situao do curso. In: FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: curso no Collge de France (1982-1983). So Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 341-356.

    Maria Elizabeth Barros de Barros2

    2- Psicloga; mestre em Psicologia Escolar; doutora em Educao Brasileira; ps-doutora em Sade Pblica; professora do Departamento de Psicologia, do Programa de Ps-Graduao em Educao e do Programa de Ps-Graduao em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Esprito Santo.

  • 15NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 12 de janeiro de 1983

    12 dE JanEiro dE 1983

    Primeira hora

    Michel Foucault (2010) inicia a aula de 12 de janeiro de 1983 retomando alguns pontos importantes acerca de seus estudos:

    a) projeto geral: procurar analisar os focos ou matrizes de experincia, como a loucura, a criminalidade, a sexualidade;

    b) analis-los segundo a correlao de trs eixos: o eixo da formao dos saberes, que se desloca de uma histria do desenvolvimento do conhecimento e se efetiva a partir de uma anlise das formas de veridio; o eixo da normatividade dos comportamentos, que implica se desprender de uma Teoria Geral do Poder, das explicaes de dominao e empreender a histria e anlise dos procedimentos e das tecnologias de governamentalidade; e, enfim, e o eixo da constituio dos modos de ser do sujeito, a partir de uma anlise da pragmtica do sujeito e das tcnicas do si.

    Nessa aula do curso de 1983, Michel Foucault (2010, p. 44) prope o tema parresa: o [...] dizer-a-verdade nos procedimentos do governo e na constituio de [um] indivduo como sujeito para si mesmo e para os outros. Diz ele: [...] com a noo de parresa, temos uma noo que est na encruzilhada da obrigao de dizer a verdade, dos procedimentos e tcnicas de governamentalidade e da constituio da relao consigo.

    De incio, pode ser interessante nos perguntarmos sobre o porqu de estarmos reunidos nos debruando sobre essa discusso de Foucault. Em que nos convoca esse tema do Governo de Si e dos Outros?

    Certamente no se trata de um convite para olharmos as formaes histricas, os modos como historicamente tem se dado a relao sujeito e verdade. Ao menos no se trata apenas disso. No toa que Foucault abre

  • 16NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 12 de janeiro de 1983

    o curso desse ano com a discusso do que seria a crtica, expondo que a virtude crtica justamente uma ateno ao presente, ao que nos passa, e como nos vinculamos ao que nos passa.

    Gros (2010), na Situao do curso, instiga-nos ao apontar que o estudo histrico das prticas de subjetivao tica no desvia Foucault do poltico, mas nos auxilia a recolar a questo.

    A parresa, questo mais especfica dessa aula, significada a partir de trs eixos: dizer tudo, dizer-a-verdade, e fala franca. Se at ento essa noo tinha sido evocada no contexto particular da direo de conscincia, Foucault prope para o curso de 83 um estudo da parresa no contexto mais amplo do governo de si e dos outros. Equivocando a aparente diretividade da parresa, alerta que se trata de uma noo rica, ambgua, difcil. Ele a apelida ainda como uma noo-aranha, que estende seus fios em todos os sentidos e vrios domnios, sendo por isso muito difcil definir com exatido seu sentido e sua economia. Foucault vai, ento, como aponta Gros, identificar textos-chave, descrever estratgias de uso, desenhar linha de evoluo e/ou de ruptura.

    Acerca da noo de parresa, destaca:

    a) a longussima durao dessa noo, seu longussimo uso no decorrer de toda a Antiguidade;

    b) a pluralidade dos registros nos quais encontramos essa noo: na prtica da direo individual, no campo poltico, no campo da experincia e na temtica religiosas;

    c) qualquer que seja a sua valorizao geral e constante, na realidade h muita ambiguidade girando em torno dessa noo, e sua valorizao no era nem totalmente constante nem totalmente homognea.

    Nas prticas da direo de conscincia na Antiguidade, a parresa designava: uma virtude, uma qualidade: [...] h pessoas que tm a parresa e outras que no tm a parresa; um dever: [...] preciso, sobretudo em alguns casos e situaes, poder dar prova de parresa; uma tcnica: [...] h

  • 17NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 12 de janeiro de 1983

    pessoas que sabem se servir da parresa e outras que no sabem se servir da parresa. A parresa , ento, a virtude, dever e tcnica da qual devem se valer aqueles que dirigem a conscincia de outros, ajudando-os a constituir uma relao consigo mesmos que seja adequada.

    Foucault (2010, p. 43) retoma a poca de ouro do cuidado de si, (Antiguidade, da poca clssica Antiguidade tardia), dizendo que a se viu desenvolver toda uma arte de si que implica uma relao com o outro, sendo [...] o papel desse outro precisamente dizer a verdade, dizer toda a verdade, ou em todo caso dizer toda a verdade necessria, e diz-la de uma certa forma que precisamente a parresa, que mais uma vez traduzida pela fala franca.

    O autor nos apresenta o texto de Plutarco, Vidas paralelas, mais especificamente a parte dedicada a Dion. Nesse texto, vemos em cena Plato, Dion e Dionsio. Nesse texto, encontramos uma cena que Foucault considera exemplar do que seria a parresa: um homem se ergue diante de um tirano e lhe diz a verdade.

    O que faz com que Plutarco possa dizer que Don pratica a parresa? De incio, apontamos o fato de ele dizer a verdade. Don, ao dizer a Dionsio que Gelon inspirava confiana cidade, enquanto que ele no, e por isso a cidade era agora infeliz, d prova de parresa. Entretanto, pondera Foucault, Plutarco, ao retomar a cena e reafirmar que de fato a cidade governada por Gelon era mais feliz, pois este inspirava confiana, no d prova de parresa; ele apenas repete. O que podemos apreender, ento, que a parresa no se define pelo contedo do que dito. Trata-se, portanto, de uma certa maneira de dizer a verdade.

    uma maneira de demonstrar, uma maneira de persuadir, uma maneira de ensinar, uma maneira de discutir?

    No uma maneira de demonstrar: no se garante pela utilizao de um estrutura racional do discurso, ainda que se utilize de elementos de demonstrao. A parresa no pode tambm se definir, no interior do campo da retrica. Ainda que se faa presente um desejo de persuadir, a persuaso no necessariamente o objetivo ou a finalidade. Tampouco se pode definir essa noo como uma maneira de ensinar [...] se verdade que a parresa sempre se dirige a algum quem se quer dizer a verdade, no

  • 18NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 12 de janeiro de 1983

    se trata necessariamente de ensinar a este (FOUCAULT, 2010, p. 53). No pertence erstica: no faz parte da arte da discusso na medida em que esta faz triunfar o que acreditamos ser verdadeiro. O que aproxima a parresa da erstica o fazer valer de sua estrutura agonstica. E Foucault (2010, p. 54) retorna ao texto de Plutarco, a respeito de Dionsio que fora confrontado pelo dizer verdadeiro de Plato: Dionsio no est nem persuadido, nem ensinado, nem vencido numa discusso.

    Se a parresa no pode ser apreendida por uma anlise das formas internas do discurso, nem nos efeitos que esse discurso se prope obter, como e onde situ-la? Foucault vai desfiando ento alguns fios-pistas dessa noo-aranha:

    a) h parresa quando o dizer-a-verdade se diz em condies tais que o fato de dizer-a-verdade, e o fato de t-la dito, vai, pode ou deve acarretar consequncias custosas para os que disseram a verdade;

    b) a parresa deve ser procurada do lado do efeito que o prprio dizer-a-verdade pode produzir no locutor, do efeito de retorno que o dizer-a-verdade pode produzir no locutor a partir do efeito que ele produz no interlocutor.

    Segunda hora

    MF comea a segunda hora abordando a forma de enunciao exatamente inversa da parresa: os enunciados performativos. Para haver um enunciado performativo, preciso que haja certo contexto, mais ou menos estritamente institucionalizado, um indivduo que tenha o estatuto requerido ou que se encontre numa situao bem definida. O enunciado performativo na medida em que a prpria enunciao efetua a coisa anunciada.

    H algumas diferenas apontadas por Foucault (2010) entre enunciados performativos e os enunciados parresisticos:

  • 19NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 12 de janeiro de 1983

    Num enunciado performativo, os elementos dados na situao so tais que, pronunciado o enunciado, segue-se um efeito, efeito conhecido de antemo, regulado de antemo, efeito codificado. Ao contrrio, na parresa, qualquer que seja o carter habitual, familiar, quase institucionalizado da situao em que ela se efetua, o que faz a parresa que a introduo, a irrupo do discurso verdadeiro determina uma situao aberta ou, antes, abre a situao e torna possvel vrios efeitos que, precisamente, no so conhecidos: A parresa no produz um efeito codificado, ela abre um risco indeterminado (FOUCAULT, 2010, p. 60).

    O enunciado performativo comporta uma indiferena em relao ao que se anuncia. Por exemplo: algum pode dizer desculpe, ainda que sua vontade seja que o outro suma da sua frente. A parresa no admitiria essa indiferena, pois uma espcie de formulao da verdade em dois nveis: a) enunciado da prpria verdade nesse momento, como no performativo, diz-se a coisa e ponto final; b) afirmao de que essa verdade que nomeamos ns a pensamos, ns a estimamos, ns a consideramos efetivamente como autenticamente verdadeira.

    Foucault aponta que h, no interior do enunciado parresostico, um pacto duplo: o sujeito diz na parresa Eis a verdade! e, na medida em que diz Sou aquele que disse essa verdade, ele se liga, portanto, enunciao e assume o risco por todas as suas consequncias.

    A terceira diferena, o enunciado performativo supe que aquele que fala tenha um estatuto que lhe permita, ao pronunciar seu enunciado, realizar o que enunciado; ele tem que ser presidente para abrir efetivamente a sesso, por exemplo. O que caracteriza um enunciado parresistico, por sua vez, no o fato de que o sujeito que fala tenha este ou aquele estatuto. Fora do estatuto e de tudo o que poderia codificar e determinar a situao, o parresiasta aquele que faz valer sua prpria liberdade de indivduo que fala: liberdade na enunciao da verdade, liberdade do ato pelo qual o sujeito diz a verdade, liberdade nesse pacto em que o sujeito se liga ao enunciado e enunciao da verdade. E, nessa medida, no encontramos no cerne da parresa o estatuto social, institucional do sujeito, encontramos sua coragem (FOUCAULT, 2010, p. 63).

  • 20NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 12 de janeiro de 1983

    Tentemos, ento, dar uma organizada nos apontamentos de Foucault (2010, p. 64) acerca da noo de parresa: uma maneira de dizer a verdade e, ainda, uma maneira de dizer a verdade tal que abrimos para ns mesmos um risco, e mais, trata-se de uma

    [...] maneira de abrir esse risco vinculado ao dizer-a-verdade, constituindo-nos de certo modo como parceiros de ns mesmo quando falamos [...] uma maneira de se vincular a si mesmo no enunciado da verdade, de vincular livremente a si mesmo e na forma de um ato corajoso.

    Trata-se, segundo Foucault, de um ponto fundamental na anlise da parresa: os efeitos de retorno que o enunciado e o ato de enunciao vo ter sobre o prprio sujeito, pois a parresa aquilo pelo qual o sujeito se liga ao enunciado, enunciao e s consequncias desse enunciado e dessa enunciao.

    MF passa a definir o que seria uma pragmtica do discurso. A anlise pragmtica do discurso a anlise dos elementos e dos mecanismos pelos quais a situao na qual se encontra o enunciador vai modificar o que pode ser o valor ou o sentido do discurso. Na parresa, quase inversamente, no a situao real de quem fala que vai afetar ou modificar o valor do enunciado, mas o [...] enunciado e o ato de enunciao vo, ao mesmo tempo, afetar de uma maneira ou de outra o modo de ser do sujeito e fazer, pura e simplesmente, que aquele que disse a coisa a tenha dito efetivamente e se vincula, por um ato mais ou menos explcito, ao fato de t-la dito (FOUCAULT, 2010, p. 66).

    O modo singular de vinculao do sujeito prpria enunciao da verdade o que abriria o campo para estudos possveis sobre a dramtica do discurso verdadeiro.

    Da, ele comea a desenhar o que seria o pano de fundo mais geral do curso o Governo de Si e dos Outros: a questo filosfica da relao entre a obrigao da verdade e o exerccio da verdade. E ainda pontua que o que se prope a desenvolver nesse curso (proposta que ele certamente vai

  • 21NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 12 de janeiro de 1983

    retomar e rever, e escrever de outras formas incansavelmente ao longo das aulas, como o fez nessa aula tantas vezes), uma [...] histria do discurso da governamentalidade que tomaria como fio condutor essa dramtica do discurso verdadeiro (FOUCAULT, 2010, p. 67).

    MF passa a identificar, ao longo da histria, a formao de certas dramticas do discurso verdadeiro na ordem poltica: a) dramtica do conselheiro, na Antiguidade; b) dramtica do ministro, que aparece por volta do sculo VXI; c) dramtica do crtico, que adquire certo estatuto no sculo XVIII; d) dramtica do revolucionrio.

    No fim da aula, ele entra no texto de Eurpedes, mais especificamente na histria de on, sinalizando alguns outros fios-pistas dessa noo-aranha que sero discutidos melhor na prxima aula.

    Para Michel Foucault (2010, p. 64), a parresa introduz uma questo filosfica fundamental que o vnculo estabelecido entre a liberdade e a verdade.

    No a questo de saber at que ponto a verdade bitola, limita ou constrange o exerccio da liberdade, mas de certo modo a questo inversa: como e em que medida a obrigao de verdade, em que medida essa obrigao ao mesmo tempo o exerccio da liberdade, e o exerccio perigoso da liberdade?

    Questo instigante e que nos parece fundamental na presente aula... Foucault mesmo sinaliza que sobre o fundo dessa questo que ele acredita ter de se desenvolver toda a anlise da parresa.

    Para finalizar, supomos uma pista que parece vir se desenhando nas entrelinhas dessas aulas: a parresa, como exerccio, no um ponto de partida nem um ponto de chegada; tem a ver com a relao e os efeitos que se produzem.

    Heliana de Barros Conde Rodrigues e Cristine Monteiro Mattar (2012), no texto Parresa cnica e poltica: herosmo filosfico e psicologia social (que, apesar do ttulo, oferece uma discusso que no se restringe

  • 22NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 12 de janeiro de 1983

    ao fazer psi), sinalizam que algo em nossa relao com a verdade, por mais que procuremos inclin-la na direo de sonhadas liberdades, mantm-nos meramente espreita, espera... Como figurar esses sonhos, essa espera, em exerccios, utopias ativas? Elas apostam que essas discusses que Foucault empreende nos seus ltimos cursos (Hermenutica do Sujeito, Coragem da Verdade, O Governo de Si e dos Outros) podem nos equipar e nos auxiliar a nos desprendermos do encargo de guardies da ordem e oferecer-nos uma [...] via rgia de intervenes simultaneamente relevantes e libertrias (RODRIGUES; MATTAR, 2012, p. 231).

    Referncias

    FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: curso no Collge de France (1982-1983). So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    GROS, F. Situao do curso. In: FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: curso no Collge de France (1982-1983). So Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 341-356.

    RODRIGUES, H. B. C.; MATTAR, C. M. Parresa cnica e poltica: herosmo filosfico e psicologia social. Estudos Contemporneos da Subjetividade, Campos dos Goytacazes, v. 2, n. 2, p. 230-247, 2012.

    Ana Rosa Murad Szpilman3Beatriz Cysne Coimbra4

    Ellen Horato do Carmo Pimentel5

    3- Odontloga; mestre em Sade Coletiva e doutorando em Educao pela Universidade Federal do Esprito Santo; professora adjunta do Curso de Medicina da Universidade Vila Velha.4- Graduada em Administrao de Empresas; mestranda em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Esprito Santo; funcionria Tcnico-Administrativa da Universidade Federal do Esprito Santo.5- Graduada em Psicologia e mestranda em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Esprito Santo.

  • 23NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 19 de janeiro de 1983

    19 dE JanEiro dE 1983

    Primeira hora

    Foucault (2010) sinaliza a continuao do estudo da noo de parresa em seus trs eixos: dizer tudo, dizer-a-verdade e fala franca, observando que pretende ultrapassar o contexto da direo de conscincia, tomando-o mais amplo, do governo de si e dos outros.

    Esclarece o que pretende fazer agora especialmente por meio das significaes polticas da noo de parresa na histria, ou seja, nas estratificaes da histria, partindo de textos clssicos importantes, como os de Eurpides: on, As fencias, Hiplito e As bacantes.

    O texto on apontado por Michel Foucault (2010, p. 72) como uma tragdia consagrada parresa, [...] percorrida de cabo a rabo por esse tema da parresa, do dizer tudo, do dizer-a-verdade e da fala franca.

    Atentando para o fato de que o personagem on surge de genealogias eruditas reavivadas para [...] assentar e justificar a autoridade poltica e moral de alguns grandes grupos familiares (FOUCAULT, 2010, p. 72), dando ancestrais a uma cidade, reivindicando os diretos dessa cidade, justificando uma poltica, MF recupera o contexto histrico, social e poltico em que a tragdia de Eurpedes se inscreve.

    A histria de on, narrada por Eurpides, apresenta on como ateniense, mas ao mesmo tempo ancestral dos inios, assim Atenas juntou os povos Inios, aqueus e drios. O manuscrito conclui que [...] tudo o que povoa a Grcia tem uma raiz em Atenas (FOUCAULT, 2010, p. 74, nota de rodap). Mostra o quanto Atenas reivindicava a Autoctonia, isto , o fato de que os habitantes de Atenas no teriam sido gente vinda de outras partes, mas teriam nascido em solo ateniense.

    Nesse sentido, torna-se imperioso dar nova significao lenda de on. Se, em Aristteles, on algum que vem da Acaia e emigra para Atenas, reorganizando-a ( atribuda a on a primeira grande revoluo/reforma da

  • 24NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 19 de janeiro de 1983

    constituio ateniense, pela qual a repartio do povo ateniense em quatro tribos organiza a poltica de Atenas), em Eurpides, o nascimento de on em Atenas.

    A nova significao lenda permite, segundo MF, construir a funo ancestral e fundadora de on tanto em relao aos inios (ou jnios, que habitavam a antiga Acaia no Peloponeso), quanto prpria Atenas.

    Essa transformao de on de imigrante autctone, na pea de Eurpides, constitui uma estratgia poltica que ir compor um imperialismo genealgico capaz de preservar o poderio ateniense.

    A pea de Eurpedes consiste na descoberta da verdade sobre o nascimento de on, que filho de Creusa, ateniense, concebido de uma unio secreta entre Creuza e Apolo, e que foi raptado e transformado em servo do templo em Delfos sem saber suas origens. Ou seja, um pleno ateniense que vai poder voltar a Atenas e consumar a misso histrica e poltica de reorganizar a cidade e a fundao da dinastia dos Inios. E essa descoberta s poder ser feita se Creusa ou Apolo disserem a verdade sobre o que se passou, sobre o que fizeram. Vale destacar que Creusa dada como esposa a Xuto que um estrangeiro (no nasceu em Atenas), como recompensa por ele ter auxiliado o exrcito ateniense.

    A forma pela qual ocorrer a revelao dessa verdade a forma oracular, o que, para Michel Foucault (2010, p. 76), significa um dizer-a-verdade de forma [...] reticente, enigmtica, difcil de compreender e, no entanto, ineludivelmente diz o que e o que ser.

    O local preciso do dizer-a-verdade no adro do templo, lugar em que o Deus diz-a-verdade, por meio da palavra oracular e enigmtica. Mas a verdade no vai ser dita pelo poder do orculo. Nesse caso, s Apolo (um Deus) pode dizer-a-verdade. Da envia Atenas para dizer, j que a verdade mostra que Apolo incorreu em erro e culpado. Antes disso, Apolo diz uma meia-verdade (deslocamento da verdade) a Xuto (marido de Creusa) e afirma que on seu filho (de Xuto).

    Na pea, a verdade sobre o nascimento do filho [...] s poder se dar se o deus e a mulher, o homem e a mulher, o pai e me disserem, ao confessar o que fizeram, a verdade (FOUCAULT, 2010, p. 77).

  • 25NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 19 de janeiro de 1983

    A partir do exposto, elenca dois aspectos centrais da tragdia de on: o primeiro aspecto a representao dramtica do dizer-a-verdade poltico no campo da constituio e do exerccio do poder em Atenas; o segundo o nmero de analogias que a pea comporta, por exemplo, com o dipo de Sfocles.

    Apesar das analogias, h que se prestar ateno s diferenas, que constituem entre on e dipo uma oposio da dramaturgia do dizer-a-verdade: em dipo ele prprio que quer saber a verdade, portanto o dizer-a-verdade efetuado pelo prprio dipo; em on, quem busca a verdade so seus pais. So dois processos diferentes e que conduzem a resultados inversos: um tinha um pai a menos e obrigado a deixar sua ptria, o outro tem dois pais e, graas a esse fato, tem direito sua ptria. on no queria a verdade, seu objetivo era praticar a parresa, diferente de dipo.

    Michel Foucault (2010, p. 84) situa o que constitui a mola propulsora do drama, que a prpria dificuldade de dizer a verdade, a reticncia essencial [...] como que o dizer-a-verdade vai se instaurar e instaurar ao mesmo tempo a possibilidade de uma estrutura poltica no interior da qual ser possvel dizer a verdade na parresa?. A resposta que a deficincia do deus em dizer-a-verdade, sua reticncia, vai conduzir os homens/os humanos a desencavar essa verdade e praticar o dizer-a-verdade.

    Segunda hora

    Foucault (2010, p. 91) prope que seja retomada a tragdia de on, destacando a recusa dele por um jogo de meias-verdades. on quer a verdade. Quer a verdade porque quer fundar o direito, seu direito: [...] seu direito poltico em Atenas. Seu direito poltico de falar, de dizer tudo, de falar a verdade, de usar a fala franca, de parresa demanda que a verdade seja dita.

    on tambm recusa a paternidade de Xuto j que, para ocupar uma posio principal na cidade, era preciso uma dupla ascendncia ateniense, pois Atenas autctone, isenta de qualquer mistura estrangeira.

    Assim, em Atenas, o direito de cidadania, que s era reconhecido

  • 26NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 19 de janeiro de 1983

    aos filhos de pai e me atenienses, tinha o objetivo de no inflar a populao, mas isso serviu para diminu-la e torn-la frgil em guerras. Quando se percebeu essa fragilidade, a lei foi alterada.

    on distingue trs categorias de cidados em Atenas no de acordo com suas riquezas, mas de acordo com a distribuio do poder. Fez essa distino a partir da repartio de autoridade poltica. Ele faz essa diferena quando imagina a reao dos cidados de Atenas ao receb-lo como filho de Xuto, sem o direito parresa. Distingue trs categorias entre aqueles considerados cidados em Atenas.

    A primeira categoria a dos adnaton (impotentes), cidados de pleno direito que no renem capacidade para fazer algo pela cidade fazer a cidade prosperar , seja por si mesmos, seja por suas riquezas. Assim, no possuem um adicional que lhes confira autoridade.

    Os kheresto e os dynmenoi constituem a segunda categoria. Os primeiros so as pessoas moralmente estimveis, as pessoas de bem. So a elite, os poderosos, os que possuem a riqueza. Entre eles, esto presentes tambm os shopho (sbios) que, apesar de possurem a riqueza e o poder, no se ocupam de poltica e de negcios em nome de sua sabedoria. J os dynmenoi so aqueles a quem o nascimento e a riqueza proporcionaram o exerccio do poder.

    A ltima categoria de cidados tambm composta pelos ricos, poderosos, pessoas de bem, mas que, ao contrrio dos sbios, no se calam. Eles lidam com a poltica e com a razo, ou seja, com a polis (os negcios da cidade). Eles tm, portanto, a cidade, o controle da cidade.

    on, desse modo, recusa na pea sua ida a Atenas, j que, como estrangeiro em Atenas, s poder exercer um tipo de poder, o poder da tirania. Apesar da negativa inicial, cede aos apelos de Xuto que, ao apresentar-lhe uma srie de arranjos possveis, alcana seu consentimento. H que se observar, no entanto, que o aceite de on acompanhado de seu lamento, porque ainda assim no lhe ser possvel o exerccio da parresa.

    Essa passagem da tragdia permite refletir sobre o fato de que no a parresa o exerccio do prprio poder, tampouco dada pelo poder tirnico (no a palavra de comando, no a palavra que pe os outros sob seu jugo),

  • 27NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 19 de janeiro de 1983

    nem mesmo o estatuto de cidado.

    A definio de parresa surge: parresa no se confunde com o exerccio de poder. algo alm do puro e simples estatuto de cidado. a palavra mais alta, mais alta que o estatuto de cidado, diferente do exerccio do puro e simples poder. a palavra que exercer o poder no mbito da cidade, porm em condies no tirnicas. o risco poltico da palavra que d liberdade a outras palavras e se atribui como tarefa no dobrar os outros sua vontade, mas persuadi-los.

    Fazer agir essa palavra verdadeira, sensata, agonstica o exerccio da parresa. Esse exerccio nem o poder tirnico, nem o estatuto de cidado podem proporcionar.

    Surgem os riscos do exerccio da parresa: [...] que a palavra que voc pronuncia no persuada e que a multido se volte contra voc. Ou ainda, que a palavra dos outros, qual voc cede lugar ao lado da sua, no prevalea sobre a sua (FOUCAULT, 2010, p. 98). So esses riscos o que constitui para MF o campo prprio da parresa.

    A histria, o essencial da histria passa pelo buraco de uma agulha

    A tragdia de on para Michel Foucault (2010, p. 100) uma resposta ao problema poltico do dizer-a-verdade na ordem poltica e ao mesmo tempo ao drama grego sobre a histria poltica do dizer-a-verdade:

    [...] se formulou esse grande drama de on como drama da formulao do verdadeiro e da fundao do dizer-a-verdade poltico em funo do dizer-a-verdade oracular. Como se pode passar desse dizer-a-verdade oracular ao dizer-a-verdade poltico? [...]. Os homens que vo fazer o trajeto rumo ao dizer-a-verdade, esse dizer-a-verdade do nascimento de on que poder enfim fundar seu direito de dizer a verdade na cidade.

  • 28NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 19 de janeiro de 1983

    Referncia

    FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: curso no Collge de France (1982-1983). So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    Anne Karoline Ferrari6

    Keli Lopes Santos7

    6- Assistente social no Tribunal de Justia do Estado do Esprito Santo.7- Graduada em Psicologia; mestranda em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Esprito Santo.

  • 29NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    26 dE JanEiro dE 1983

    Primeira hora

    Ler a tragdia de on do dizer-a-verdade, da parresa, da fundao da fala franca.

    A tragdia: conta a histria do filho secreto que nasce dos amores secretos de Creusa com Apolo, filho abandonado, enjeitado, desaparecido, dado como morto, e que sua me, acompanhada agora por seu esposo legtimo, Xuto, vem pedir de volta a Apolo de Delfos. Creusa vai a Delfos e no sabe que seu filho est sua frente, como um servidor de do templo. Ela desconhece sua identidade. Essa uma histria com paralelos edipianos, do filho enjeitado, perdido e que se encontra diante de seus genitores sem saber quem so eles. No caso de dipo, medida que sabia quem era, fora expulso de sua terra. A situao era inversa em on. Ao saber de sua identidade, poderia retornar sua terra como senhor e poder exercer os direitos fundamentais da palavra. Trata-se de uma historia de matriz edipiana com polaridade, ou uma orientao diferente.

    O acesso verdade como aspecto invariante que o autor vai identificar, necessita de uma me para falar dessa invariante: essa histria do rapaz que no pode ter conhecimento da verdade e do dizer-a-verdade, a no ser que consiga arrancar esse segredo que passa pelo segredo de seu nascimento.

    So muito particulares as determinaes que aparecem nessa pea de Eurpedes, e podemos dizer em Atenas Clssica, por certo princpio, que o princpio da ordem jurdica, poltica e religiosa, a saber, que o direito e o dever de dizer-a-verdade direito e dever intrnseco ao exerccio do poder s podem ser fundados sob duas condies: por um lado, que seja identificada e dita em verdade de uma genealogia, no duplo sentido da continuidade histrica e do seu pertencimento territorial; e, por outro lado, que esse dizer-a-verdade da genealogia esteja em certa relao da verdade dita pelo Deus, mesmo que essa verdade seja arrancada por violncia.

  • 30NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    Conta a histria de Xuto e Creusa: ambos foram consultar Apolo. Creusa dissera que o que ela tinha ido procurar no era exatamente a mesma coisa que Xuto. Surge a criao de uma meia-mentira dita por Creusa que ela vinha da parte da irm buscar o fim que levara aquele filho ilegtimo dessa irm. Meia-mentira para obter a verdade.

    Quanto a Xuto: interrogou ao deus se um dia ele no teria descendncia. E o deus havia respondido com essa meia-mentira, que como simtrica a pergunta meio falsa de Creusa dizendo a Xuto: Vou lhe dar o primeiro que voc encontrar. E o primeiro que Xuto encontra ao sair do templo on, claro. O deus havia dado uma reposta que era parcialmente verdadeira. De fato, ele havia dado a Xuto e a Creusa algum que de fato podia lhes servir de filho. Mas o dizer-a-verdade do deus era o mnimo inexato. Xuto era um estrangeiro em Atenas e s foi integrado cidade devido a uma batalha que ele ajudou a vencer. Seu filho no poder desfrutar dos direitos ancestrais de exerccio do poder poltico. E on entende isso perfeitamente. on se mostra muito reticente a essa proposta porque entende que, se retornar a Atenas como bastardo de Xuto, no ser nada (nada filho de ningum) ou ser um tirano. Em todo caso, ele no poder, nessas condies, desfrutar daquele adicional que permite elevar-se primeira fileira (prton zugn) e que faz com que se exera o poder sobre a cidade utilizando uma linguagem sensata e verdadeira. O uso comum do logos e da polis, esse governo da polis pelo logos no lhe poder ser dado legitimamente. Para que essa parresa, ou seja, o uso da cidade e da linguagem sensata e verdadeira lhe seja dado, necessrio, portanto, um passo frente, ir alm dessa soluo bastarda e ilusria que o orculo props buscar a verdade.

    A segunda parte da pea: a primeira parte calma, simples um tanto sofocliana; a segunda agitada (cheia de som e de fria), to perpassada por paixes e peripcias.

    Como podemos comparar dipo Rei e on: dipo quer buscar a verdade seja qual for o seu preo. Sua sina foi uma profecia feita para a peste que o alcanaria e a resposta foi dada a Creonte. dipo s podia interrogar e ser interrogado. Em on, ao contrrio, o processo de desvendamento da verdade se d pela aleturgia, que no tem um agente principal, nem central,

  • 31NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    como no caso de dipo. Na realidade, a verdade vai se revelar, de certo modo, independente de todo mundo. Independente de deus, independente dos personagens.

    Os personagens vo descobrir o choque das paixes dos diferentes, distintos uns dos outros, e essencialmente o choque das paixes de Creusa e on, defrontados um com o outro na medida em que no se reconheceram e se creem inimigos um do outro. O choque dessas paixes faz eclodir a verdade, sem mestre de obras, sem vontade de procur-la, sem ningum se encarregando da investigao e levando-a at o fim.

    A grande diferena entre dipo Rei e on est na relao entre alethia e pthos (entre a verdade e a paixo). No caso de dipo Rei, ele mesmo foi em busca da verdade. Ao encontrar a verdade, recai sobre si o golpe do destino e, por conseguinte, sua existncia inteira aparece como pthos (sofrimento, paixo). Em on, ao contrrio, temos uma pluralidade de personagens que se defrontam uns com os outros a partir de suas paixes (FOUCAULT, 2010, p. 108).

    Como podemos pensar essa aleturgia? O autor indica dois grandes momentos: a histria de dipo e a de on.

    Em on tambm temos duas metades: uma metade do nascimento vai ser dita por Creusa, que afirma: Sim, eu tive um filho antes de me casar com Xuto. Eu tive com Apolo, que me seduziu e gerou em mim um filho nascido nas entranhas da Acrpole. E ser necessria, uma segunda metade para completar a verdade, a saber, que esse filho, nascido nas entranhas da Acrpole, Apolo o raptou, ou mandou Hermes rapt-lo. Levou-o para Delfos e fez dele seu servidor. E nesse momento ser efetivamente on. E as duas metades da verdade se encaixaro uma na outra e teremos as clebres duas metades que formam o smbolon de que se fala dipo Rei.

    As meias verdades de Creusa: histria de sua irm. A indagao do autor: qual o mecanismo que vai levar Creusa a declarar que teve um filho? Ao nos lembrar que Xuto, ao reconhecer ou acreditar ter reconhecido seu filho on, havia combinado que voltaria com ele a Atenas e sem dizer toda a verdade. E, para no magoar Creusa, tinham decidido que a deixariam crer que on voltava, por voltar, a ttulo de servidor, de companheiro de

  • 32NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    Xuto e que pouco a pouco se revelaria: Olhem, on , na verdade, filho de Xuto.

    A mentira de Xuto, imaginada pelas melhores razes do mundo, havia sido tramada diante do coro (mulheres do gineceu, as aias de Creusa, mulheres de Atenas, com funo e estatuto de conservar). Como guardis de seus costumes, como guardis do lugar das mulheres, elas esto do lado de Creusa, do lado da linhagem que deve remontar a Erecteu, essa linhagem autctone, linhagem ateniense.

    As aias esto do lado de Creusa, logo lhes revelam a verdade com relao a on e Xuto, impondo-lhe conviver com um enteado estrangeiro, imposto por seu marido. Creusa fica furiosa, porque no ter descendncia, e com isso ir residir numa casa isolada, como solitria. Ela vai ser vtima da queda que marca toda famlia grega perante uma mulher estril. No pode aceitar a situao de um filho bastardo tido com um criado. Portanto, nesse ponto que vamos encontrar o discurso da verdade de Creusa, a confisso de Creusa. A histria se encontra no fundo da paixo e tambm no fundo de todas as iluses e de todas as mentiras que se condensam em torno de Creusa (grega de nobre estirpe que no pode aceitar a situao de criar um filho bastardo do marido, j que necessita continuar sua linhagem. Seria uma absoluta humilhao).

    O discurso da verdade vai eclodir do fundo das iluses e paixes e das mentiras: iluses por qu? Primeiro: o coro havia prometido a Xuto mentir a Creusa. O coro viola sua promessa, que acredita na revelao do deus dada a Xuto com referncia paternidade de Xuto com relao a on. Qual o problema apontado pelo autor? O que o coro diz a Creusa como uma verdade sobre o filho bastardo de Xuto uma mentira. Ao recusar o filho que acredita ser de seu marido, rejeita seu prprio filho como se fosse uma humilhao, o que para ela uma submisso ao estrangeiro. Todos esses sentimentos e todas essas paixes tm por fundamento o erro que ela comete.

    Quanto ao pedagogo que conta a histria de Xuto e seu filho bastardo com uma criada acredita de forma ctica e ingnua, j que foi uma declarao feita pelo orculo. O que chamamos de orculo nada mais

  • 33NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    que uma combinao vergonhosa entre homens que, querendo fazer crer nesta ou naquela verdade, fazem [os] deuses lhes dizer o que eles tm interesse de fazer os outros acreditarem. Quem fez a verdadeira mentira? O prprio deus Apolo. E essa mentira vergonhosa que o pedagogo atribuiu a Xuto. Essa mentira vergonhosa quem pregou? O prprio Deus. Em certo sentido, o engano do pedagogo o leva prximo verdade. Em todo o caso, tanto o coro, como Creusa e o pedagogo esto num mundo de meias-verdades e iluses.

    no pice da iluso e da humilhao que Creusa vai fazer a verdade eclodir. Porm essa verdade surge no como o triunfo de seu direito de revelar o nascimento de um filho glorioso. Ela faz com vergonha, humilhao e clera. A verdade de Creusa ocorre em dois momentos. Ela no s diz que estril, que seu marido lhe impe um filho bastardo, mas que antes de tudo cometeu uma falta, antes mesmo de se casar com Xuto. Seu discurso o da humilhao, da falta, das lgrimas, dizer com justia a injustia dos outros no para virar a situao a seu favor.

    A confisso de Creusa em primeiro momento a Apolo.

    Creusa devolve uma verdade que Apolo conhece bem. Como e por que devolve? Ou, antes, se queremos saber por que ela devolve, precisamos saber como ela a devolve como ela se dirige a ele, como ela o evoca, o interpreta, o nomeia.

    O autor faz meno aos estudos de George Dumzil, em particular no livro chamado Apollon Sonore [Apolo sonoro]. No segundo momento desse estudo, Dumzil analisa um hino a Apolo, um hino mais antigo que Eurpedes. Consagrado no a Apolo de Delfos, mas a Apolo de Delos, sobre o nascimento de Apolo que vem ao mundo falando e pedindo lira em seu arco curvo.

    Fazer leitura sobre o orculo: O deus diz a verdade pelo orculo; o homem agradece aos deuses pelo canto. O acoplamento de orculo e canto o autor encontra em George Dumzil como importantes elementos de anlise da mitologia.

    George Dumzil faz uma analogia sobre Apolo ou das funes apolnicas. O autor quer mostrar que Apolo , de certo modo, a verso

  • 34NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    conforme as normas, os cnones da mitologia grega, de uma velha entidade ao mesmo tempo divina e abstrata, que encontramos no Veda e que a prpria voz. Apolo o deus da voz e, nesse hino vdico, vemos ou, antes, ouvimos a voz que se proclama ter funes: o guerreiro, a oferta da comida, funo mgico-poltica. Sou eu que retoro o arco para que a flecha mate o inimigo do brmane. O autor se apropria das anlises de George Dumzil para pensar as questes da fecundidade que so as mais frgeis. No caso da fecundao natural, o autor mostra que Apolo no um deus em boas condies para falar, porque, na mitologia grega, ele mais um deus do amor pelos rapazes do que pelas mulheres. No dossi mitolgico de Apolo, existem poucos filhos. on uma rara exceo.

    H duas funes nessa pea, dizer-a-verdade e fecundao. A funo guerreira passa discretamente. Surge quando on, com arco na mo, persegue aquela que no sabe que sua me, Creusa, querendo mat-la. A proposta de Dumzil seria a modulao trgica do tema do canto do orculo. O orculo o que os deuses dizem aos homens, o discurso verdadeiro que os deuses endeream aos homens por intermdio de Apolo.

    Segunda hora

    Modulao trgica do tema da fecundidade a parresa como impresso: a denncia pblica pelo fraco da injustia do poderoso. A segunda confidncia de Creusa: a voz da confisso. ltimas peripcias: do projeto do assassinato apario de Atena.

    Apolo, durante o texto, foi sempre interpelado como filho de Leto. apenas a invocao do ritual que nos levar a um fio condutor para as ltimas linhas do texto.

    Creusa diz a Apolo: Delos te odeia, e te odeia o loureiro que, vizinho da palmeira de cabelos delicados, abriga o bero, em que por obra de Zeus, augusta concepo, Leto te deu a luz. Na histria da fecundao e na reticncia de Apolo em conhecer seu filho on, Creusa denuncia uma injustia. Leto uma mulher que foi seduzida por Zeus e que se refugiou

  • 35NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    na ilha de Delos para dar luz sozinha. Nessa ilha, nasceram seus dois filhos, Apolo e rtemis. Portanto, Apolo exatamente como on. Filho ilegtimo entre um mortal e um deus que nasceu sozinho e abandonado. Sua me, como Creusa, foi abandonada por todos e pariu sozinha.

    A recriminao de Creusa contra o orculo e contra deus ela faz solenemente como um arauto. Essa recriminao (momph) porque o orculo (omph) no falou, pois bem, esse discurso voltado para deus gritante, donde a referncia ao arauto (krux) de uma injustia feita, e uma injustia no sentido estrito do termo, jurdico e filosfico, que uma proporo em que no observada nem conservada a homologia dos dois nascimentos de Apolo e on. Creusa, numa situao e justaposio simtrica com Leto, porm, nora de Leto e amante de seu filho. E Apolo, pai de on, tem uma situao igualmente simtrica com on, ambos de nascimento bastardo. Por outro lado, Apolo, que o deus da luz, sempre teve um brilho que lhe consubstancial, que preside da vida dos mortais, que fecunda a terra com o calor e que deve dizer a verdade a todos. O on, numa mesma situao simtrica com Apolo, foi fadado ao infortnio, obscuridade, morte, pois foi presa de aves, aves que Apolo ainda impe infeliz Creusa por um orculo que acaba por proferir, um filho que no dela. Toda a ordem de propores afetada.

    A forma de colocar em xeque o poderoso, o onipotente que cometeu uma injustia se destaca por ressaltar o prprio direito do fraco, desafiando o poderoso, colocando-o em duelo com a verdade de sua injustia. Esse ato ritual, o ato ritual do fraco que recrimina em nome de sua prpria justia o forte que cometeu sua injustia, pode ser aproximado de outros rituais que no so necessariamente verbais. Rituais indianos de greve de fome, vinculados quele que pode nada diante daquele que pode tudo. Certas formas de suicdio japons tm igualmente esse valor e significado. Trata-se de uma espcie de discurso agonstico, mas que conectado a essa estrutura igualitria. Esse discurso, que ressalta a injustia do forte pela boca do fraco, chamado de parresa. Esse discurso no se encontra nos textos clssicos de Plato e Eurpedes etc. Essa palavra encontrada, com esse sentido, nos tratados retricos do perodo helenstico e romano. O discurso do fraco, a despeito de sua fraqueza assume o risco de criticar o

  • 36NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    forte pela injustia que ele cometeu.

    Uma das indicaes que o autor faz sobre a palavra parresa se encontra na Bblia, o Antigo e, sobretudo, o Novo Testamento. A parresa consiste no seguinte: h um poderoso que cometeu uma falta. Essa falta consiste numa injustia para algum que fraco, que no tem nenhum poder, que no tem nenhum meio de retoro, que no pode realmente combater, que no pode se vingar, que est numa situao profundamente inigualitria. Ento, o que lhe resta fazer? Uma s coisa: tomar a palavra e, por sua conta de risco, ergue-se diante daquele que cometeu a injustia e fala. Nesse momento sua palavra o que se chama parresa.

    A pergunta de Creusa: para onde nos dirigir para reclamar justia, se a iniquidade dos poderosos que nos mata? O autor indica, nesse discurso de imprecao, um exemplo do que vai chamar de parresa e insiste nisso por vrias razes: a primeira, para que a verdade seja dita para, enfim, dar o direito da fala a on, a parresa surge aqui no sentido poltico do termo, parresa entendida como direito de o mais forte falar e guiar sensatamente por seu discurso a cidade. Esse direito que, no texto, chamado de parresa, necessrio a uma aleturgia. Toda uma srie de processos e procedimentos que vai desnudar a verdade. Esse discurso vai originar o adicional de poder a on para garantir o poder da fala no mbito da cidade. Nesse caso, o autor aponta um discurso do fraco dirigido ao mais forte. Para que o mais forte possa governar sensatamente, ser necessrio, em todo caso, que o mais fraco fale ao mais forte e o desafie em seu discurso de verdade.

    Existe, nesses dois tipos de discurso, uma ambiguidade fundamental, no mais uma vez na palavra parresa, que no empregada a, mas so discursos que se defrontam, que so ligados de forma profunda um ao outro: o discurso sensato que permite governar os homens e o discurso do fraco recriminando o forte. Por sua injustia. Esse acoplamento muito importante para o autor, na medida em que constitui uma matriz de discurso poltico. O discurso do fraco dizendo a injustia do forte uma condio indispensvel para que o forte possa governar os homens de acordo com o discurso da razo humana.

    Na histria da confisso de Creusa ao ancio, temos a dupla

  • 37NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    confisso de Creusa: a confisso-imprecao e a confisso-confidncia, a confisso-canto de clera e a confisso-dilogo com o pedagogo, uma metade de verdade. Aqui no h ningum que detentor da totalidade da verdade on, Creusa e o ancio pedagogo apenas Apolo. Somente Apolo pode fazer essa conexo, j que nenhum humano pode se fazer como detentor dessa verdade. No d pra contar muito com os deuses nem com a funo de dizer a verdade. Aqui tambm so os humanos, a paixo dos humanos que ser o princpio, a fora que vai vencer essa dificuldade de dizer a verdade.

    Final da histria: o pedagogo aconselha Creusa a se vingar de Xuto. Ento, eles decidem envenenar on. No entanto, a taa de vinho contendo o veneno derramada no cho num gesto de ritual. Um pombo bebe no cho do vinho e morre. Ento todos descobrem o envenenamento que seria cometido por Creusa. Creusa foge e abraa o altar do deus. Creusa abraou o altar num gesto que at os criminosos se tornam inacessveis a seus inimigos. Os significados superpostos que se fixam por meio desse abrao o gesto ritual pelo qual uma pessoa salva sua vida. Mas, ao abraar o altar do deus, ela abraa o altar do seu amante, reconstituindo assim o velho abrao dado no nascimento de on. Outra situao bloqueada: on rodeia o altar na tentativa de matar Creusa, mas, como um servidor de deus, respeita os ritos e as leis. Uma intocvel, e outro no quer toc-la. Surge Ptia com o cesto do nascimento de on nas mos, aquela que aparece para dizer a verdade, que a sua nica funo. Ela pede que olhem. Os dois reconhecem o cesto, on e Creusa. A descoberta da verdade se d sem que Ptia tenha falado a verdade de forma verbal. on questiona sobre seu pai. Atena faz o discurso da verdade sobre essa situao e aconselha on sobre como proceder diante disso. Temos a verdade da histria. Vrias tramas esto em paralelo e h dificuldade de estabelecer verdades de cabo a rabo: Apolo aceitar esse filho; Xuto saber a origem de on; on retornar cidade e exercer o direito fala da verdade, da parresa.

  • 38NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 26 de janeiro de 1983

    Referncias

    FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: curso no Collge de France (1982-1983). So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    Lgia Ribeiro e Silva Gomes8Rafaela Gomes Amorim9

    8- Graduada e mestre em Educao Fsica; professora do Departamento de Ginstica da Universidade Federal do Esprito Santo.9- Graduada em Psicologia; mestranda em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Esprito Santo.

  • 39NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 2 de fevereiro de 1983

    2 dE fEvErEiro dE 1983

    Primeira hora

    Na primeira hora da aula, Foucault (2010, p. 139) aborda as seguintes temticas:

    Recapitulao do texto de Polbio. Volta a on: veridices divinas e humanas. As trs formas de Parresa: poltica-estatutria; judiciria; moral. A Parresa Poltica: seu vnculo com a democracia; seu arraigamento numa estrutura agonstica. volta ao texto de Polbio: a relao isegoria/parresa. Politia e Dynasteia: pensar a poltica como experincia. A parresa em Euripides: As fencias; Hiplito; As bacantes; Orestes. O processo de Orestes.

    No texto de Polbio, apresenta o governo dos aqueus, no qual a democracia caracterizada por dois elementos: isegoria (igualdade de palavra) e parresa.

    Mas o que faz funcionar a Parresa como democrtica?

    A partir de on, indica que ela se faz pela liberdade de tomar a palavra e por ela exercer a fala franca. Sua conquista no surge de deciso superior; vem de uma rede produzida em jogos de verdade, procedimentos de veridico e entre meias-verdades, sombras...

    A veridico de Creuza, confisso ao confidente, estabelece uma relao de confiana, mas uma relao trabalhada, torcida, falseada... Assim, mal ou bem, criamos uma relao com a democracia, por meio de votos, escolhas. Criamos uma relao com a cidade. Essa relao ou essa verdade pode ser torcida, pode mudar o rumo das coisas. Quais os riscos disso ou como evit-los? Pode ser considerado como o lado sombrio da parresa?

    A parresa uma prtica humana, um direito humano, um risco humano (FOUCAULT, 2010, p. 143).

  • 40NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 2 de fevereiro de 1983

    O texto traz trs formas de dizer a verdade:

    a) parresa poltica (de poder dizer por nascimento, estatutria);

    b) parresa jurdica (de insurreio do impotente contra o que abusa do prprio poder);

    c) parresa moral (falar da falta que cometemos a algum a fim de nos guiar).

    Para haver democracia, preciso haver parresa e vice-versa circularidade essencial. A questo da liberdade est ligada democracia. Nessas circunstncias os cidados so classificados em relao dnamis (da fora, do poder exercido, do exerccio do poder). Temos os adnatoi (gente do povo), sopho (sbios/ricos) e os que se ocupam da cidade. A esse terceiro cabe dizer que est relacionado com a parresa. Riscos e perigos da parresa.

    Importante destacar que a parresa est associada dinmica e agonstica, e no um estatuto (posio esttica).

    Ocupar a cidade, estar implicado na cidade: como isso se desenvolve, qual a sua dimenso? Plei ka, Lgo Khresta Plei khresta: ocupar-se da cidade, e Lgo Khrsta: servir-se do discurso verdadeiro. Esse o jogo da parresa. Para que haja parresa, necessrio o direito fala e certa constituio da cidade (isegoria e politeia), ou seja, a fala parresistica no possvel fora da rede de verdades, de poder.

    Temos, ento, politeia, que a constituio e a Dynastea, que so procedimentos de exerccio do poder discurso, discurso verdadeiro etc.: O poltico e A poltica. Trata-se de repensar as prticas s quais nos vinculamos e como nos organizamos em sociedade. O que cola ou no em nosso modo de viver e o que isso vai implicar em nosso discurso. O exerccio da governamentalidade se efetiva a partir das relaes de poder imanentes.

    Foucault utiliza, ainda, outros textos dos gregos nos quais usa a palavra parresa:

    a) As fencias (o exlio de Policines) a retirada da parresa, da fala franca o indivduo sem cidade. A parresa como a limitao da loucura do amo pelo dizer a verdade;

  • 41NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 2 de fevereiro de 1983

    b) Tragdia de Hiplito (da falta dos pais) o homem torna-se escravo das faltas passadas dos pais (qualidade moral necessria para a parresa);

    c) As bacantes (o mensageiro/servidor teme a consequncia de uma fala franca, desagradvel) pacto parresitico;

    d) Tragdia de Orestes (dar palavra para o julgamento de Orestes um convite aos homens da Argos). A palavra dplice do servo a fim de agradar a todos (dykhmyta) versus a via mdia de Diomedes, que divide a assembleia (parresa que bifurca as ideias).

    Foucault finaliza a primeira hora da aula com o desfecho da histria, em que a vitria foi dada ao mau orador. Ele destaca a busca de on em fundar uma democracia para assim abrir espao para a parresa, porm esse crculo positivo est agora se desfazendo. Diz que o vnculo parresa/democracia um vnculo problemtico, referindo-se ao uso de uma m parresa invadindo a democracia. a ambiguidade da parresa.

    Segunda hora

    O retngulo da Parresa: condio formal/condio de fato/condio de verdade/condio moral. Exemplo do funcionamento correto da parresa democrtica em Tucdides: trs discursos de Pricles. A m parresa em Iscrates (FOUCAULT, 2010, p. 159).

    O retngulo constitutivo da parresa. Alterao das relaes entre a parresa e a democracia.

    (Liberdade) Democracia (Estatuto) Ascendncia

    (Logos Sensato) Dizer a verdade (Moral) Coragem

    Tempos de Guerra X Democracia

  • 42NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 2 de fevereiro de 1983

    O que implica para a existncia da parresa? Como se mantm um bom relacionamento entre democracia e parresa?

    - Democracia pericliana representada como um modelo do bom ajuste entre uma politea democrtica, um jogo poltico e uma parresa indexada ao logos da verdade.

    - Pricles e a ascendncia a partir de um bom funcionamento da relao politeia-parresa (o que implica liberdade), Pricles tem seu lugar de ascendncia que lhe daria direito estatutrio de estar entre aqueles que decidem/governam a cidade. Entretanto, no desse estatuto de que se vale como abuso de poder, poder tirnico mas sim de um modo de se dirigir a ekklesian a partir da democracia.

    - Discurso de verdade a opinio sobre os peloponesos; a postura que afirma em frente ao sucesso ou insucesso que podero se desdobrar da deciso coletiva em torno de sua opinio.

    - Pacto parresistico o povo aceitando e assumindo uma verdade (a partir da opinio de Pricles), como dizer que h apenas um responsvel pela deciso?

    - Discurso dos mortos Pricles convocado a proferir um discurso de elogio aos mortos. Eis que fala de um elogio cidade, tratando, com isso, das relaes que a constituio da cidade (politeia) e sua dinmica (Dinamys) podem proporcionar vida coletiva.

    - H uma boa parresa vinculada prudncia, que garante que a cidade pode tomar as melhores decises para todos.

    - Discurso da peste o povo critica as consequncias do fim da guerra.

    - Diante da crtica que sofre, Pricles critica o povo de volta. preciso saber onde est o bem, ter coragem de dizer e compartilhar com os concidados, lembrar-lhes do pacto assumido por todos.

    - Alm de ver o verdadeiro, ser capaz de diz-lo, servir ao interesse geral, preciso adotar uma postura em que a moral seja incorruptvel segurana moral (qualidades do poltico).

  • 43NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 2 de fevereiro de 1983

    - M parresa No h conexo entre sujeito e verdade.

    Ao discutir as relaes entre a liberdade e a fala franca no governo de uma cidade, a possibilidade de pensar como tem se dado na atualidade (dos modos que colocamos em funcionamento) nos inquietou. Cabe, talvez, ressaltar que os sentidos da democracia como est em jogo (bem como da relao com a verdade, das disputas no mbito da verdade, dos lugares e sentidos que a poltica tem no que diz respeito cidade) nos textos a que Foucault lana mo para discutir a parresa se do de modo distinto do que vivemos.

    possvel pensarmos talvez uma relao entre a liberdade diante dos valores e do cuidado de si na atualidade e a dinmica social como vivemos implicada em discursos verdadeiros que tm regido a vida. Diante de uma infinidade de certezas, somos convocados a todo o tempo a produzir uma opinio uma vinculao como prticas de subjetivao (todo mundo e qualquer um).

    Sobre a decadncia da articulao parresa e democracia. Imitao do dizer-a-verdade/falso dizer-a-verdade, questionamos: em que tempo democrtico estamos vivendo? possvel parresa? H liberdade? Qual e em que direo ela liberdade caminha, e que desdobramentos de democracia aciona?

    Referncias

    FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: curso no Collge de France (1982-1983). So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    Antnio Martins Vitor Junior10Victor Johne Freitas Pacheco1

    Geuvania Rosa do Nascimento Gomes11

    10- Psiclogos; mestrandos em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Esprito Santo.11- Terapeuta ocupacional.

  • 44NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 9 de fevereiro de 1983

    9 dE fEvErEiro dE 1983

    Primeira hora

    Michel Foucault inicia essa aula falando sobre a objeo de um de seus ouvintes que se diz insatisfeito com a definio de parresa compartilhada at ento. Tal ouvinte define a parresa como sendo, de modo geral, certa liberdade de palavra. Foucault (2010) responde demarcando uma diferenciao entre um sentido que seria corrente, familiar, da parresa e um sentido tcnico e preciso. Como sentido tcnico, temos no s essa liberdade de palavra, mas tambm a franqueza, uma profisso de verdade. Quer dizer: no apenas se fala livremente e se diz tudo o que se quer, mas na parresa h tambm essa ideia de que se diz o que efetivamente se pensa, aquilo em que efetivamente se acredita (FOUCAULT, 2010, p. 171).

    Ao mesmo tempo, no que concerne ao sentido tcnico, preciso, Foucault (2010, p. 172) considera que no possvel resumir a parresa a essa [...] liberdade de palavra dada a todo cidado numa democracia, seja ele rico ou pobre. Na prpria definio da democracia, possvel encontrar duas noes: isegoria e parresa. A isegoria define-se como direito constitucional, institucional e jurdico, concedido a todo o cidado, de falar, tomar a palavra sob todas as formas que ela possa assumir numa democracia.

    Qual a diferena entre isegoria e parresa, portanto?

    Para Foucault (2010, p. 173), a parresa certamente se arraiga na isegoria, mas se refere a uma prtica poltica efetiva, permeando todo um jogo presente na democracia. A noo de parresa um pouco mais estreita no campo da democracia do que a noo de isegoria. H, nesse aspecto, um problema tcnico, poltico: se faz parte do jogo da democracia que qualquer um pode tomar a palavra. Quem o far? Quem vai poder exercer sua influncia sobre a deciso dos outros, persuadir?... Quem vai servir para guiar os outros?

    A partir do questionamento acima, percebe-se que os problemas colocados pela parresa no so apenas da ordem da distribuio igual do

  • 45NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 9 de fevereiro de 1983

    direito de palavra entre todos os cidados da cidade. Por outro lado, a questo da parresa, em seu sentido poltico, no se coloca simplesmente no campo da democracia.

    Michel Foucault (2010, p. 174) relata trs textos que evocam trs cenas da vida poltica grega:

    Texto de Tucdides: resgata o discurso de Pricles e coloca a questo da profisso de dizer a verdade e todo aspecto envolvendo o risco e perigo no dizer-a-verdade da poltica.

    Discurso de Iscrates: traz a questo da paz e da guerra. Entre aqueles que falam na assembleia, nem todos so ouvidos do mesmo modo: os que no falam de acordo com aquilo que a assembleia deseja so expulsos. [...] uma assemblia deveria ouvir melhor os que falam contra sua opinio, do que os que no fazem mais que repetir o que ela pensa (FOUCAULT, 2010, p. 175).

    Texto de Plato: situa o risco de morte por falar a verdade, por um lado, e, por outro, a manuteno de uma ascendncia, exemplificando a influncia Dion sobre a corte de Dionsio.

    O que encontramos nessas trs cenas? Primeiro, a parresa atua num espao poltico constitudo. Segundo, aquele que diz a verdade faz profisso de dizer a verdade e se identifica como enunciador dessas proposies verdadeiras. Terceiro, o que est em jogo a ascendncia que ser ou no conquistada por quem fala e diz a verdade. Quarto, o risco assumido.

    Temos, ento, nessas trs cenas:

    primeira cena: boa parresa;

    duas ltimas cenas: ms parresas ou parresas que no funcionam como deveriam funcionar.

    As cenas esboam a nova problemtica da parresa e um campo do pensamento poltico da Antiguidade. Primeiro: mostram que essa parresa, to desejada, se apresenta como uma prtica ambgua necessria e pode

  • 46NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 9 de fevereiro de 1983

    ser, ao mesmo tempo, perigosa e impotente. Segundo: h um deslizamento da parresa da estrutura democrtica para uma forma de governo no democrtico. Terceiro: a parresa tambm aparece como um ato diretamente poltico que exercido perante a assembleia, o chefe e o governante. Mas, por outro lado, aparece como [...] uma maneira de falar que se dirige a um indivduo alma do indivduo e que diz respeito maneira como essa alma vai ser formada (FOUCAULT, 2010, p. 177). Ou seja, a esse ato poltico vem se agregar um ato psicaggico aqui ele lana pistas para pensarmos a questo da formao e a atividade parresistica. Instiga-nos a questo da formao quando coloca: como vai ser possvel formar cidados que devero assumir a responsabilidade de falar e de guiar os outros? Trata-se, assim, de uma questo pedaggica. Quarto aspecto: o filsofo aparecendo como parresasta.

    Nas cenas, a prtica da parresa: a) se problematiza; b) se torna um problema geral para todos os regimes polticos; c) se desdobra em problema poltico e problema de tcnica psicaggica; d) se torna tema de uma prtica filosfica.

    Nesse momento, Michel Foucault (2010, p.178-180) ressalta os quatro grandes problemas do pensamento poltico da Antiguidade que encontramos formulados em Plato:

    Primeiro lugar: Existe de fato um regime, uma organizao da cidade tal que a indexao desse regime verdade possa se dispensar desse jogo sempre perigoso da parresa?. Relao entre a verdade e a organizao da cidade, problema da cidade ideal.

    Segundo lugar: O que melhor, para que a vida da cidade seja indexada adequadamente verdade, dar a palavra na democracia a todos que podem, querem falar? Ou, ao contrrio, confiar na sabedoria de um prncipe que seria esclarecido por um bom conselheiro?. Confronto entre democracia e monarquia, confronto entre pares: democracia e orador; prncipe e seu conselheiro.

    Terceiro lugar: Como se deve formar a alma do Prncipe para que ela possa ser acessvel a esse discurso verdadeiro, que necessrio durante seu exerccio de poder? Ou, a propsito da democracia: como vai ser possvel

  • 47NOTAS DAS AULAS DO CURSO DE MICHEL FOUCAULT

    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 9 de fevereiro de 1983

    formar cidados que devero ser responsveis por falar e guiar os outros?. Questo de pedagogia formao das almas que se torna indispensvel poltica.

    Quarto lugar: Quem capaz de sustentar a parresa e ser o artfice dela? Ser a retrica ou a filosofia?.

    Michel Foucault(2010, p. 182-183) estuda trs obras de Plato em que se encontra o uso da parresa no sentido poltico-filosfico:

    Primeiro texto: Repblica, passagem da oligarquia para a democracia. Primeira consequncia dessa democracia: eleuthera (a liberdade). Esse jogo de liberdade nessa democracia pode ser entendido como:

    a) a liberdade de fazer e dizer o que se quiser. Cada um nessa democracia por si mesmo, de certo modo, sua prpria unidade poltica. [...] cada um de certo modo seu prprio Estado por si s: cada um diz o que quer e faz o que quer por si mesmo. A parresa aqui no o elemento de uma opinio comum;

    b) a liberdade de falar possibilitar que qualquer um se levante e fale de maneira a adular a multido. esse o duplo aspecto negativo dessa parresa nessa democracia assim fundada: cada um para si mesmo sua identidade e cada um pode arrastar a multido aonde quiser. Enquanto o jogo da boa parresa introduzir justamente a diferenciao do discurso verdadeiro que vai permitir, exercendo sua ascendncia, dirigir a cidade como convm, nesse caso, ao contrrio, tem-se uma estrutura de indiferenciao que vai conduzir pior direo possvel da cidade.

    MF diz que, segundo os textos de Plato, a descrio da gnese da m cidade democrtica corresponde descrio da alma do homem democrtico.

    Essa seria uma alma que no sabe separar os desejos suprfluos e

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    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 9 de fevereiro de 1983

    os desejos necessrios uns dos outros. Dessa forma, os desejos suprfluos podem entrar como quiser e se defrontar com os desejos necessrios. Os desejos suprfluos, mais numerosos, prevalecero.

    Se a anarquia se produz na cidade, porque a parresa no atua como devia. Nela a parresa a liberdade de dizer qualquer coisa, em vez de ser aquilo por meio de que vai se realizar a cesura do discurso verdadeiro e aquilo atravs de que vai se efetuar a ascendncia dos homens sensatos sobre os outros. Plato diz que nessas ocasies o discurso de verdade foi rechaado para fora da alma. Essa ausncia do discurso verdadeiro, a m parresa que produziu essa anarquia prpria da m democracia (FOUCAULT, 2010, p. 184).

    a falta do discurso verdadeiro que faz com que qualquer um possa tomar a palavra e exercer sua influncia. Isso nos coloca na pista desse desdobramento das duas formas de parresa: aquela que necessria vida da cidade e aquela que indispensvel alma do homem parresa cvica e parresa poltica.

    Segundo texto: Leis, constituio do reino de Ciro.

    Plato diz que Ciro obteve grandes vitrias que o puseram frente de seu povo. Ele evitou deixar os vencedores exercer sem limites seu poder sobre os vencidos. Ciro apelou para os chefes das populaes vencidas, e esses chefes se tornaram amigos dele. Outro fato que ele ressalta que os soldados eram amigos dos chefes e, por isso, aceitavam se expor ao perigo. Ciro dava liberdade de palavra (uma parresa) queles que o rodeavam e que fossem inteligentes e capazes de dar bons conselhos. Assim, [...] tudo prosperava entre os persas graas liberdade, amizade e comunidade (FOUCAULT, 2010, p. 186).

    Para MF, esse texto interessante, pois, assim como na parresa democrtica, em que os que falavam eram mais capazes, na monarquia ser trabalho do prncipe distinguir entre os conselheiros o mais apto, o mais inteligente. No poder autocrtico, assim como no democrtico, tambm aparecem os riscos, porm o Prncipe deve assegurar que aquele que toma a

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    O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS

    NOTA DAS AULAS: 9 de fevereiro de 1983

    palavra diante dele no ser ameaado por sua prpria liberdade de palavra.

    Outro fator relevante que a parresa democrtica era um elemento de diferenciao, de cesura, visto que s poderiam atuar efetivamente certos cidados se distinguissem e adquirissem ascendncia. J na parresa, no imprio de Ciro, as diferenas so diminudas ou compensadas pelas relaes de amizades.

    Terceiro texto: Leis, trata de quem deve assegurar a ordem moral, religiosa e cvica da cidade.

    O texto aponta que preciso haver uma autoridade para a organizao social da cidade, autoridade que seja exercida de bom grado sobre gente que aceite de bom grado. Uma autoridade tal que os cidados possam obedecer, querendo efetivamente obedecer. Nesse aspecto, a parresa surge como esse discurso verdadeiro que deve ser feito por qualquer um na cidade para convencer os cidados da necessidade de obedecer vida individual dos cidados e a vida de seu corpo seus desejos e prazeres (suplemento de parresa; guia moral).

    Os trs textos apresentam novos aspectos do problema da parresa: problema da parresa num contexto diferente do democrtico; problema da parresa como ao a exercer, no apenas sobre o corpo da cidade inteira, mas sobre a alma dos indivduos; parresa como o problema da ao filosfica propriamente dita.

    Segunda hora

    Michel Foucault (2010) busca, nos estudos das cartas de Plato, questes referentes enunciao de verdade e que manifestam a maneira como se considerou na Academia que a atividade filosfica podia ser um foco de reflexo e interveno poltica.

    Carta V: Nessa carta de Plato, duas questes so apontadas no que diz respeito ao papel da filosofia e do filsofo como conselheiro poltico: ser conveniente dar conselhos a qualquer tipo de governo ainda que

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    NOTA DAS AULAS: 9 de fevereiro de 1983

    monrquico ou democrtico?A questo da filosofia no dizer qual o melhor dos governos?

    MF atenta que o que est em pauta nessa carta no a plthos (a massa), mas a politea, isto , a Constituio no que ela tem articulado em suas diversas formas, na democracia, na aristocracia, na monarquia... E essa politea tem uma phon (voz) que deve ser conforme o que , em sua essncia, a politea. Desse modo, a cidade andaria como convm. Do contrrio, quando a phon se deixa induzir pelo modelo de outra Constituio, a cidade ou Estado se perder. Para o autor, o papel do filsofo, como conselheiro, cuidar para que a voz de cada Constituio seja de acordo com a essncia da Constituio. Essa seria a parresa do filsofo.

    Outra questo levantada nessa carta so as razes de no ter dado conselhos prpria Atenas. Para Plato, no valia a pena correr o risco de dar conselho aos atenienses, pois j no era possvel mais reformar os maus costumes. A parresa em Atenas j no era possvel (m parresa da cidade democrtica). Plato se arriscaria por nada (FOUCAULT, 2010, p. 195).

    Carta VII: Embasa-se na carreira de Plato como conselheiro poltico. Fala do [...] pensamento poltico como conselho de ao poltica. o pensamento como racionalizao poltica, muito mais do que como fundamento do direito ou como fundamento da organizao da cidade, usando a filosofia como conselho (FOUCAULT, 2010, p. 197). Plato conclui, aps suas experincias relatadas, que j no possvel realizar ao poltica, pois faltavam os amigos (phloi) e as ocasies/bons momentos (Kairs). Diante disso, necessrio, nessas situaes, que os filsofos cheguem ao poder.

    Para MF, o filsofo ao participar da constituio, da manuteno e do exerc