nosso ipÊ amarelo

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NOSSO IPÊ AMARELO Ele olhava nossa casa de cima, presenteando-nos uma vez por ano com milhares de florescências ensolaradas. Era nossa bandeira de alegria, nosso selo com a vida, apesar dos sapos que ela fazia pular em nossa garganta e não desciam macios. Especialmente para minha mãe, que claramente refletia nessa árvore seu desejo de mais vida, para ela e para seus queridos que estavam indo embora. Naquela época, pensávamos que ela jamais permitiria que ele fosse cortado, nem que houvesse um motivo justo. Era um de seus tesouros, além de suas tantas orquídeas. Durante suas floradas, o vento tossia e levava muitas flores para o chão. Nunca gostei de varrê-las, pois teciam um tapete de um amarelo luminoso e alegre, que muito mais enfeitava do que sujava nossa casa quase de vidro. Na mesma época em que a casa começou a esvaziar, nosso ipê deixou de florir, como se estivesse triste e cansado. Então minha mãe permitiu seu corte, cansada também de lutar por vidas. No pequeno tronco que restou, ela logo pendurou suas lindas orquídeas, com seu dedo verde machucado e seu desejo quase poético de perpetuar sua florescência. No prazo de um ano, perdemos duas pessoas na família. Pouco depois, de meu irmão vieram meus novos sobrinhos, um casal de gêmeos que nos trouxe a certeza de que a casa nunca ficaria vazia e sem vida. Então o nosso ipê amarelo reagiu e, pequenino como os gêmeos, começou a brotar novamente e se encheu de folhas novas e verdinhas. Ele parecia decidido a refletir o espírito de fênix de nossa família e renascia obstinado. Mas ainda não bastava. Minha irmã, que vivera muito tempo cuidando dos que se iam, encontrou uma vida que estava em plena florescência, o Pedrinho, uma criança grata pela vida e que encheu de graça a vida dela e de todos nós. Nunca mais tivemos novas floradas, mas talvez nosso ipê tenha percebido que já não precisávamos delas, pois nossas crianças têm o sorriso ensolarado como suas flores e nos ajudam muito a compreender e aceitar o ciclo da vida.

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Page 1: NOSSO IPÊ AMARELO

NOSSO IPÊ AMARELO

Ele olhava nossa casa de cima, presenteando-nos uma vez por ano com milhares de florescências ensolaradas. Era nossa bandeira de alegria, nosso selo com a vida, apesar dos sapos que ela fazia pular em nossa garganta e não desciam macios. Especialmente para minha mãe, que claramente refletia nessa árvore seu desejo de mais vida, para ela e para seus queridos que estavam indo embora. Naquela época, pensávamos que ela jamais permitiria que ele fosse cortado, nem que houvesse um motivo justo. Era um de seus tesouros, além de suas tantas orquídeas. Durante suas floradas, o vento tossia e levava muitas flores para o chão. Nunca gostei de varrê-las, pois teciam um tapete de um amarelo luminoso e alegre, que muito mais enfeitava do que sujava nossa casa quase de vidro. Na mesma época em que a casa começou a esvaziar, nosso ipê deixou de florir, como se estivesse triste e cansado. Então minha mãe permitiu seu corte, cansada também de lutar por vidas. No pequeno tronco que restou, ela logo pendurou suas lindas orquídeas, com seu dedo verde machucado e seu desejo quase poético de perpetuar sua florescência. No prazo de um ano, perdemos duas pessoas na família. Pouco depois, de meu irmão vieram meus novos sobrinhos, um casal de gêmeos que nos trouxe a certeza de que a casa nunca ficaria vazia e sem vida. Então o nosso ipê amarelo reagiu e, pequenino como os gêmeos, começou a brotar novamente e se encheu de folhas novas e verdinhas. Ele parecia decidido a refletir o espírito de fênix de nossa família e renascia obstinado. Mas ainda não bastava. Minha irmã, que vivera muito tempo cuidando dos que se iam, encontrou uma vida que estava em plena florescência, o Pedrinho, uma criança grata pela vida e que encheu de graça a vida dela e de todos nós. Nunca mais tivemos novas floradas, mas talvez nosso ipê tenha percebido que já não precisávamos delas, pois nossas crianças têm o sorriso ensolarado como suas flores e nos ajudam muito a compreender e aceitar o ciclo da vida.

Curiosidades:

Ipê-amarelo é o nome popular de algumas espécies de árvores da região Sul e Sudeste do Brasil, pertencentes à família botânica Bignoniaceae, gênero Tabebuia.O nome científico Tabebuia, de origem tupi-guarani, significa pau ou madeira que flutua. É denominada, pelos índios, de caxeta, árvore que nasce na zona litorânea do Brasil, cuja madeira íntegra (inatacável) resiste ao apodrecimento.

Page 2: NOSSO IPÊ AMARELO

Visão holística:

"O ipê perde todas as suas folhas, para melhor recolher e concentrar todas as suas forças, pois é a partir da árvore esgalhada e nua que se transforma num exuberante florescer, que serve de aviso e esperança de que as chuvas de bênçãos estão por retornar (...) São mensageiros do céu, do Sol e das chuvas, que avisam pontualmente que a Alma Universal já descansou o suficiente e se sente preparada para um novo ciclo de experiências externas. São, pois, clarins luminosos que indicam o fim de uma etapa e o recomeço de outra."

(Do livro As Essências Florais de Minas: síntese para uma medicina de almas, de Breno M. Silva e Ednamara V. Marques).

Em Macunaíma, de Mário de Andrade, ainda encontramos:

"Os ipês de beira-rio relampeavam de amarelo e todas as flores caíram nos ombros do moço Titçatê guerreiro de meu pai."

EM TUDO DAI GRAÇAS!