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Nossa Senhora do Bom Sucesso e Nossa Senhora do Bom Parto: ambigüidades iconográficas na imaginária sacra colonial João Dalla Rosa Júnior* Universidade Federal de Ouro Preto Durante as pesquisas de iniciação científica junto ao Laboratório de Estudos e Pesquisa em Arte Colonial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diversas questões foram se apresentaram conforme eu me aprofundava no trabalho. Destes questionamentos, alguns ainda me provocam e, sabendo que para sanar as inquie- tações a solução é mais pesquisa, decidi estendê-los para meu tema de monografia do curso de especialização da qual esta comunicação é uma parte. As quatro imagens sacras coloniais das invocações da Virgem presentes na Igreja Matriz de Viamão, cidade da Grande Porto Alegre, me proporcionaram o primeiro contato com a potencialidade de estudo que a imaginária religiosa possui no Brasil. As imagens desta cidade, bem como as do restante da América Portugue- sa, salvo algumas exceções, mantêm-se distantes de um referencial histórico que as considere a partir de um contexto que não seja o religioso. Deste modo, a maior parte das questões com as quais trabalho é oriunda desta atmosfera de incertezas que envolvem uma pesquisa com este tema. Sob o contexto religioso da América Portuguesa, sabe-se o papel primordial que as representações da Virgem desempenharam na mediação da fé dos fiéis a Deus. Portanto, o grande número de imagens que atualmente encontramos de invocações da Virgem é explicado por esta função: de acordo com a necessidade e situação do fiel, ele deveria dirigir suas preces a uma específica invocação de Nossa Senhora, cuja devoção já era de reconhecimento da população. Esta associação entre orago e * João Dalla Rosa Júnior é aluno do curso de pós-graduação lato sensu em Cultura e Arte Barroca da Universidade Federal de Ouro Preto e graduado em Artes Plásticas pela Univer- sidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente está vinculado ao Laboratório de Estudos e Pesquisa em Arte Colonial desta última universidade.

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Page 1: Nossa Senhora do Bom Sucesso e Nossa Senhora do Bom Parto ...£o Dalla... · Segundo Nilza Botelho Megale e Rizzardo da Camino, Nossa Senhora do Parto ... uma de Goiás; cinco de

Nossa Senhora do Bom Sucesso e Nossa Senhora do Bom Parto:

ambigüidades iconográficas na imaginária sacra colonial

João Dalla Rosa Júnior*Universidade Federal de Ouro Preto

Durante as pesquisas de iniciação científica junto ao Laboratório de Estudos e Pesquisa em Arte Colonial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diversas questões foram se apresentaram conforme eu me aprofundava no trabalho. Destes questionamentos, alguns ainda me provocam e, sabendo que para sanar as inquie-tações a solução é mais pesquisa, decidi estendê-los para meu tema de monografia do curso de especialização da qual esta comunicação é uma parte.

As quatro imagens sacras coloniais das invocações da Virgem presentes na Igreja Matriz de Viamão, cidade da Grande Porto Alegre, me proporcionaram o primeiro contato com a potencialidade de estudo que a imaginária religiosa possui no Brasil. As imagens desta cidade, bem como as do restante da América Portugue-sa, salvo algumas exceções, mantêm-se distantes de um referencial histórico que as considere a partir de um contexto que não seja o religioso. Deste modo, a maior parte das questões com as quais trabalho é oriunda desta atmosfera de incertezas que envolvem uma pesquisa com este tema.

Sob o contexto religioso da América Portuguesa, sabe-se o papel primordial que as representações da Virgem desempenharam na mediação da fé dos fiéis a Deus. Portanto, o grande número de imagens que atualmente encontramos de invocações da Virgem é explicado por esta função: de acordo com a necessidade e situação do fiel, ele deveria dirigir suas preces a uma específica invocação de Nossa Senhora, cuja devoção já era de reconhecimento da população. Esta associação entre orago e

* João Dalla Rosa Júnior é aluno do curso de pós-graduação lato sensu em Cultura e Arte Barroca da Universidade Federal de Ouro Preto e graduado em Artes Plásticas pela Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente está vinculado ao Laboratório de Estudos e Pesquisa em Arte Colonial desta última universidade.

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imagem orientava o processo de fatura da escultura através do que se denomina atu-almente iconografia, estabelecendo-se uma complementação entre forma e tema�.

No estudo da imagem de Nossa Senhora do Parto da Igreja Matriz de Viamão, pude perceber as primeiras peculiaridades do tema das invocações da Virgem. Ao tentar buscar os referenciais iconográficos da devoção de Nossa Senhora do Parto, denominação sinalizada por uma placa, abaixo da imagem, na qual se percebe características que a distingue técnica e temporalmente do restante da talha da igreja, verifiquei a dimensão das correspondências entre forma e tema de uma imagem sa-cra. Tendo como atributo o Menino Jesus vestido, deitado sobre seu braço esquerdo, apoiado pelo braço direito, além da nuvem com quatro querubins sobre a qual a Virgem está de pé, a escultura pode representar uma Nossa Senhora do Parto, se considerarmos atualmente uma associação entre o menino e sua mãe. Entretanto, se vincularmos estas características a um contexto colonial e à iconografia cristã, talvez as respostas não sejam tão precisas.

Lançando mão de trabalhos que já se empenharam em fazer um levantamento dos oragos das representações cristãs, pode-se perceber que a iconografia de uma invocação da Virgem suscita muitas questões, dependendo das fontes que o iconó-grafo utiliza para basear as relações entre forma e tema. Nossa Senhora do Parto, invocação atribuída à imagem de Viamão, quando procurada entre estas publica-ções, traz consigo relações com outras três invocações da Virgem, que, muitas ve-zes, são reunidas sob uma mesma devoção.

A primeira delas é a invocação de Nossa Senhora do Ó ou da Expectação do Par-to. Segundo Nilza Botelho Megale e Rizzardo da Camino, Nossa Senhora do Parto corresponderia a uma invocação cuja iconografia remeteria a gravidez de Maria. Am-bos citam a cidade do Rio de Janeiro e o mulato João Fernandes como precursores do culto a esta devoção, ressaltando os diversos acontecimentos que envolveram a ima-gem e a igreja sob os quais apóiam suas conclusões iconográficas2. Entretanto, a autora, em seu discurso, chega a afirmar que a imagem que descreve está mais relacionada à invocação de Nossa Senhora do Ó�, ao mesmo tempo em que, contrariamente, conti-nua afirmando a importância desta e sua relação com a do Parto4. Embora seja possível relacionar ambas as invocações pelo viés do parto, já que Maria deu à luz o Menino, cada invocação denota uma devoção diferente e, com isto, há uma distinção dogmáti-ca, muito bem estabelecida por Réau�, entre a gravidez da Virgem, representada na

� Utilizam-se aqui estes dois conceitos de acordo com os significados propostos por PANO-FSKY, Erwin. Iconografia e Iconologia: uma introdução ao estuda da Arte da Renascença. In: Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 47-87. 2 MEGALE, Nilza Botelho. Invocações da Virgem Maria no Brasil. São Paulo: Vozes, �997, p. �60-�62 e CAMINO, Rizzardo da. A Senhora da Conceição Aparecida (padroeira do Brasil). Rio de Janeiro: Editora Aurora, �996, p.�20. � MEGALE, Nilza Botelho. Ibidem, p.�62. 4 Idem. Ibidem, p. �6�. � RÉAU, Louis. La Vierge. In: Iconographie de l’art chrétien. Tomo 2, v. 2. Paris: Press Universi-taire de France, �9�7. p. 84-�02.

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invocação de Nossa Senhora do Ó, e o nascimento do Menino Jesus e a relação mater-nal de Maria, simbolizada pela própria presença do infante como atributo. Desse modo, a similaridade não procede para uma constituição da invocação de Nossa Senhora do Parto. A iconografia proposta não contempla as diversas faces temáticas que a forma sugere, deixando mais dúvidas nas fronteiras devocionais das invocações da Virgem.

Os outros dois oragos que se relacionam com a invocação em questão são reunidos, algumas vezes, sob uma mesma égide: Nossa Senhora do Bom Parto e Nossa Senhora do Bom Sucesso. Em seus nomes, o primeiro apresenta uma adjeti-vação ao fato da vida da Virgem, enquanto o segundo não faz referência a nenhum acontecimento biográfico, apesar de expressar, com todas as letras, sucesso. Estas características são algumas das citadas nas fontes em que distinguem as duas invo-cações, uma vez que as pesquisas baseiam-se em dados históricos, buscando, na maioria das vezes, só apresentar as igrejas dedicadas a cada orago, deixando de lado a iconografia de cada devoção. Já, em uma das fontes em que ambas são re-lacionadas, as características se unificam segundo o critério, novamente, do parto. Maria José de Assunção da Cunha apresenta, em seu livro Iconografia Cristã, am-bos os nomes para apresentar a mesma devoção6. No parágrafo inicial, a autora faz referência ao momento e condição do parto do Menino Jesus a partir de uma cita-ção bíblica. Em seguida, contextualiza o surgimento da invocação em Minas Ge-rais, destacando a atuação do Padre João de Faria Fialho e a construção da capela homônima em Vila Rica. Finalizando, são descritas duas maneiras de representa-ção desta invocação, ilustrando, ao lado, com um desenho. Na primeira destas descrições, são apresentados como atributos o Menino Jesus, deitado e amparado conforme a imagem de Viamão, uma coroa real e um véu curto. Na segunda, Vir-gem e o Menino estão de pé, segurando flores7. Estas duas possibilidades de repre-sentação também são mencionadas por Nilza Megale e Rizzardo da Camino8, em-bora se refiram somente a Nossa Senhora do Bom Sucesso.

Em uma análise iconográfica da imagem de Nossa Senhora do Parto de Via-mão, observa-se que há a presença de características de ambos os modelos de re-presentação: a virgem está com o Menino sob seus braços, mas ele está vestido e ela, de pé. Essa peculiaridade põe em dúvida a correspondência entre a forma da escultura e o tema a que se refere, uma vez que a imagem não se relaciona direta-mente com os modelos proposto pela tradição cristã. Entretanto, qual é a precisão desta iconografia, se para uma mesma devoção, há dois nomes diferentes e duas formas de representação? As equivalências não podem indicar unidades?

Tendo esta questão em vista, decidi refazer o caminho que constitui o processo da iconografia. Como afirma Panofsky, para se realizar uma análise iconográfica, que visa identificar a História dos tipos (temas ou conceitos expressos por objetos e eventos) através de fontes literárias, pressupõe-se uma descrição pré-iconográfica, ou seja, o que

6 CUNHA, Maria José de Assunção da. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IA, �99�, p. 2�-24. 7 Idem. Ibidem, p. 24. 8 MEGALE, Nilza Botelho. Ibidem, p. 99 e CAMINO, Rizzardo da. Ibidem, p. 87.

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atualmente se popularizou por análise formal9. Busquei, então, algumas imagens, oriundas de diversas partes da América Portuguesa, de modo a entender como se che-gou a estes modelos iconográficos. Totalizando onze esculturas dedicadas a uma das duas invocações, elas traçaram, pelas suas formas, um panorama das características da produção da imaginária, mas, também proporcionaram bases para a compreensão das relações de procedência e disseminação das devoções.

Dentre as imagens selecionadas para o estudo, uma é proveniente da Bahia; uma de Goiás; cinco de Minas Gerais; uma do Rio de Janeiro; duas de São Paulo e uma do Rio Grande do Sul. Isto denota que através dos números, uma das primeiras colocações que se pode inferir é que nenhuma das duas invocações possuía um culto tão popular quanto outras devoções que se expandiram no período colonial, como é o caso de Nossa Senhora da Conceição, por exemplo. Não obstante, se separarmos as duas invocações, percebe-se que a incidência de igrejas de Nossa Senhora do Bom Sucesso é maior que de Nossa Senhora do Parto, conforme publi-cações sobre a produção artística colonial de algumas regiões. Ao mesmo tempo em que, em relação às imagens, a maioria está classificada como Nossa Senhora do Bom Parto ou como sua variação sem o adjetivo.

Partindo, então, para as características das imagens, pode-se observar que os dois modelos propostos para a iconografia das duas invocações aparecem distintamente representados nas esculturas. Ora uma imagem corresponde ao primeiro modelo, ora, ao segundo. Entretanto, algumas imagens se distinguem por apresentar outros atributos, o que faz com que se descortine novas fronteiras entre as invocações.

Na imagem da Bahia, atualmente no Museu de Arte Sacra de São Paulo e por ele classificada como tal, são encontrados os atributos referentes ao primeiro mo-delo iconográfico apresentado por Maria José de Assunção: a Virgem está de pé segurando o Menino Jesus nu sobre seu braço esquerdo, sendo apoiado pelo braço direito. Esta mesma composição é apresentada por outra imagem do mesmo mu-seu, com procedência de São Paulo. Entretanto, ela se diferencia em dois pontos: a presença de um crescente lunar sob os pés da Virgem e o Menino Jesus apoiado pelos dois braços, bem no eixo central da imagem. Uma possível explicação para esta última diferença poderia residir nas características estilísticas e, logo, relacio-nadas à linha de tempo. As linhas compositivas da imagem de São Paulo remetem a um modelo de representação próprio do século XVII, enquanto a da Bahia se re-feriria ao século XVIII. Neste intervalo, o desenvolvimento técnico e regional per-mitira uma mudança de eixo da escultura, criando um jogo de contrapeso no qual o Menino Jesus deslizaria para a esquerda. Já quanto à presença do crescente lunar, a distinção poderia estar nas fontes disponíveis que o artífice utilizou como base para a fatura da imagem, uma vez que este atributo está relacionado à representa-ção do Apocalipse. Porém, mesmo com estas diferenças, as semelhanças quanto ao atributo Menino Jesus são correspondentes da mesma forma que em outras escul-turas e as relaciona sob um mesmo tema.

9 PANOFSKY, Erwin. Ibidem, p. ��-�4.

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Das cinco imagens que encontrei em Minas Gerais, quatro demonstram estrutu-ras compositivas que seguem este mesmo modelo iconográfico. Uma delas se encon-tra na Capela do Padre Faria. Segundo Augusto de Lima Júnior, este padre seria o responsável por trazer o culto a Nossa Senhora do Bom Sucesso a Minas Gerais, onde teria organizado uma bandeira por conta própria em busca do ouro no pé do Itaco-lomy, fundando uma ermida a esta invocação, que mais tarde se mudara para a atual localização desta capela, mas adotando outra denominação, a de Nossa Senho-ra do Rosário�0. A mesma narrativa também é relatada por Nilza Megale��. Porém, Adalgisa Arantes Campos não cita nenhum destes acontecimentos quando faz um breve histórico do monumento. Ela afirma que “em �7��, o Rosário do arraial do Padre Faria constituiu outro livro de compromisso”.�2 Citando o Conselheiro Santana, diz ainda que a irmandade teria surgido em �7�9, dentro da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, de onde partiu para erigir um templo próprio, porém, com uma cisão entre pretos e brancos, os brancos haviam ficado com a Capela do Padre Faria e os negros, com a Igreja de Santa Ifigênia��. Para finalizar, e contrariando ainda mais as histórias da relação entre Nossa Senhora do Bom Sucesso e a capela, ela coloca que a invocação existente no retábulo-mor é da Virgem do Parto.

Direcionando o foco à imagem, como disse Adalgisa, ela está localizada no retábulo-mor, sobre o tabernáculo, na parte inferior do camarim. Embora também apresente o Menino Jesus nu alinhado ao eixo central do corpo, o braço esquerdo da Virgem projeta-se um pouco mais a frente do que o direito. Com isto, percebe-se uma semelhança com a imagem de São Paulo, porém a nuvem sobre a qual Nossa Senhora está apoiada, onde se percebe dois querubins, mais uma vez cria diferen-ças. Esta distinção também ocorre com as outras imagens da mesma região. No li-vro Devoção e Arte, organizado por Beatriz Coelho, foram incluídas fotografias de duas esculturas que apresentam algumas semelhanças quanto à composição icono-gráfica citada. Localizadas, uma, na Igreja de São José de Ouro Preto�4 e, outra, na de Nossa Senhora das Mercês de Tiradentes��, observa-se o alinhamento da posi-ção do Menino Jesus ao eixo central do corpo. Na imagem de Tiradentes, apesar dela não possuir a nuvem com os querubins, o Menino aparece nu e a Virgem está coroada. Já, na outra, de Ouro Preto, encontramos o inverso: Nossa Senhora está sobre a nuvem, sem coroa, com os braços segurando o Menino, embora este atri-buto não apareça. Esta mesma posição se encontra em uma outra imagem, locali-zada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto, no primeiro retábulo lateral do lado do Evangelho. Nele, no nicho esquerdo, a Virgem, de pé, segura o

�0 LIMA JÚNIOR, Augusto. História de Nossa Senhora em Minas Gerais: origens das princi-pais invocações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, �9�6, p. �42. �� MEGALE, Nilza Botelho. Ibidem, p. 96. �2 ARANTES, Adalgisa Campos. Roteiro Sagrado: monumentos religiosos de Ouro Preto. Belo Horizonte: Tratos Culturais/Editora Francisco Inácio Peixoto, 2000, p. 79. �� Idem, Ibidem. �4 Devoção e Arte: Imaginária Religiosa em Minas Gerais / Beatriz Coelho, organizadora. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 200�, p. �07. �� Idem. Ibidem, p.2�2.

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Menino sobre o braço esquerdo e o direito levemente o apóia. Jesus está vestido e sob os pés de Nossa Senhora vemos uma nuvem com os querubins.

Algumas destas mesmas variações iconográficas são compartilhadas pela imagem de Goiás. Classificada como obra do artífice José Joaquim da Veiga Valle e atualmente no Museu de Arte Sacra da Boa Morte, ela apresenta os mesmos atributos citados ante-riormente. No entanto, se distingue por apresentar o Menino Jesus sentado sobre o braço esquerdo da Virgem, enquanto o braço direito dela toca seu ventre. Este gesto, apesar de se diferenciar bastante em relação às outras imagens, denota uma relação entre a Virgem e as circunstâncias do nascimento de Jesus, mostrando uma outra forma de simbolizar o mesmo tema e os dogmas a ele relacionados.

Ao sul da América Portuguesa, a escultura de Viamão encerra o percurso das imagens do primeiro modelo iconográfico. Suas características dialogam com as formas das demais e, com isto, verifica-se uma coerência no conjunto. Das onze representações encontradas sob a denominação Nossa Senhora do Bom Parto e Nossa Senhora do Bom Sucesso, oito se identificam com a primeira descrição pro-posta por Maria José de Assunção da Cunha para a iconografia destas invocações. Além disso, fica evidente, após a análise de todas estas referências, que a origem de suas afirmações se concentra na imagem da capela do Padre Faria. Entre esta e a ilustração que utiliza para representar a iconografia da invocação em seu livro�6, há inúmeras semelhanças que perpassam panejamento, forma da nuvem, número de querubins, cabelo, fisionomia e gestualidade. Assim, reconhece-se a fonte que foi utilizada para tais conclusões e o porquê da citação de tais atributos. Entretanto, ainda fica uma dúvida quanto à posição da Virgem, pois afirma Maria José que ela aparece sentada. Neste caso, só se pode pressupor um erro óptico: ao olhar a ima-gem de baixo, devido ao panejamento, os joelhos parecem estar flexionados, ilu-são que se desfaz quando se muda o ângulo e focaliza-se o perfil da escultura.

Subtraindo do conjunto as oito imagens já analisadas, restam três que para corresponderem à atribuição de Nossa Senhora do Bom Parto ou do Bom Sucesso devem seguir as prerrogativas do segundo modelo iconográfico proposto por Maria José: Virgem e o Menino de pé, segurando flores. A estas características, uma ima-gem de Caeté seria o maior exemplo. Na Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, no retábulo-mor, encontra-se uma escultura cuja representação da Virgem é de pé, tendo o menino Jesus sentado sobre seu braço esquerdo e projetando o seu braço direito distante do corpo. Há uma flor na mão direita dela e outra na esquerda do Menino. A Virgem está coroada e sobre a cabeça de Jesus, há um resplendor.

Conforme Caio Boschi, em Minas Gerais, havia somente duas irmandades de Nossa Senhora do Bom Sucesso: a primeira em Caeté, na freguesia de mesmo nome da invocação e a segunda, em São João del Rei, na freguesia de Nossa Se-nhora do Pilar�7. Em seus estudos, em nenhum momento, cita uma irmandade de

�6 CUNHA, Maria José de Assunção da. Ibidem. �7 BOSCHI, Caio. Os leigos e o Poder: Irmandades Leigas e a Política Colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, �986, p. �9�.

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Nossa Senhora do Parto, ou Bom Parto, deixando claro que, de acordo com a do-cumentação, não há uma relação entre as duas invocações neste território. Com isto, surge uma idéia de separação, cuja importância é reforçada pelas imagens das outras regiões, uma vez que lançam dúvidas entre as correspondências iconográfi-cas, devido a um outro atributo, e confirmam alguns dados históricos por seus próprios registros como instituições.

Nilza Megale, Rizzardo da Camino e Augusto de Lima Júnior, quando aludem a Nossa Senhora do Bom Sucesso, concordam relatando os feitos que o Padre Faria realizou na capitania das Minas. No entanto, os três, apontam que antes de se as-sentar neste novo lugar, ele estava estabelecido na região de Pindamonhangaba, no atual Estado de São Paulo, onde já havia construído uma capela dedicada à invo-cação�8. Investigando acerca da referência a este lugar e seus remanescentes colo-niais, é possível encontrar, ao menos em parte, a confirmação de tal informação na obra de Percival Tirapeli. Ele apresenta a referida igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, contextualizando-a segundo dados do século XIX, o que é nítido pela fa-chada do monumento�9. Entretanto, faz poucas referências à história colonial, salvo quando destaca a imagem do orago da Igreja.

Sobre a escultura de barro cozido e policromado, primeiramente, pode-se in-ferir que o contexto da qual fazia parte era anterior ao de Minas Gerias, pois suas características técnicas e estilísticas denotam uma representação do século XVII. Já, quanto à iconografia, seus atributos a diferenciam do que se esperava. A imagem apresenta a Virgem de pé, com o menino nu sentado sobre seu braço esquerdo, tendo o direito projetado a frente de seu corpo, com um centro à mão.

Semelhante composição verifica-se em outra imagem, agora de outra região. No Rio de Janeiro, na Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, edifício junto à Santa Casa de Misericórdia, há uma escultura que também apresenta a Virgem, de pé, se-gurando o menino Jesus com a mão esquerda. Nela, o infante está vestido, de pé e na mão direta de Nossa Senhora, encontra-se mais uma vez um cetro. Com isto, estabe-lece-se tanto uma relação iconográfica quanto temporal entre as duas imagens, uma vez que as características formais também apontam para um modelo de representa-ção do século XVII, como acontece com a imagem de São Paulo. Confirmando esta questão, Rizzardo da Camino diz que a invocação de Nossa Senhora do Bom Suces-so chegou ao Brasil, em �6�7, pelas mãos do Padre Miguel Costa que trouxe uma imagem de Portugal, afixada na Santa Casa de Misericórdia20.

Estes dados esclarecem algumas dúvidas e restabelecem as bases para algumas conclusões. A imagem de Caeté, embora esteja extramente relacionada à descrição do segundo modelo iconográfico, é posterior às esculturas do Rio de Janeiro e São Paulo.

�8 MEGALE, Nilza Botelho. Ibidem, p. 96; CAMINO, Rizzardo da. Ibidem, p. 86 e LIMA JÚNIOR, Augusto de. Ibidem, p. �4�. �9 TIRAPELI, Percival. Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo: Editora da UNESP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 200�, p. 286.20 CAMINO, Rizzardo da. Ibidem, p. 86.

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Estas apresentam um atributo que não está representado na imagem de Minas Gerais: na imagem de Caeté, ao invés do cetro, há uma flor na mão direita da Virgem. Entre-tanto, a flor não é uma representação de madeira embutida à talha da escultura e, portanto, cria um espaço onde se encaixa o atributo. Sabendo-se o quanto as esculturas sacras coloniais são passíveis de sofrer interferências devido a sua função devocional, não poderia a imagem, um dia, ter tido um cetro?

A resposta não pode ser afirmada veementemente, mas, cabe ressaltar a possibi-lidade levando em conta a pouca abrangência dos modelos iconográficos propostos por Maria José. Em seu livro, ao relacionar a iconografia de Nossa Senhora do Bom Parto e Nossa Senhora do Bom Sucesso, ela toma como base a imaginária sacra mi-neira, sedimentando os modelos de acordo com duas imagens que são marcos de diferentes momentos históricos já mencionados. Com isto, se torna muito complica-do expandir esta iconografia cristã para o restante da América Portuguesa.

O que se pode observar nas imagens é que suas formas evidenciam uma nova perspectiva para uma fronteira entre as duas invocações. As oito esculturas encon-tradas com a denominação de Nossa Senhora do Parto, Virgem do Parto ou do Bom Parto, demonstram uma coerência iconográfica que confirma uma invocação e, logo, um tema. A representação da Virgem segurando o Menino Jesus denota uma compreensão da maternidade de Maria: como ela, após todas as questões referen-tes à gravidez e ao nascimento, se relacionou com seu filho. Ou seja, aos olhos dos fiéis da época, esta invocação representava a imagem da Virgem-mãe, um modelo divino para suas atitudes mundanas.

Já, a representação de Nossa Senhora do Bom Sucesso caberia uma outra função. Como comenta Augusto de Lima Júnior, desde seus primórdios em Portugal, esta invo-cação estava relacionada ao bom sucesso na morte2�. Neste contexto, se entenderia a sua transposição à América, pois os aventureiros lusos que se espraiaram por estas terras, esperavam ser auxiliados pela intercessão da Virgem quando a morte batesse à sua porta, uma vez que as possibilidades disto acontecer se apresentavam em grau elevado. Percebe-se, então, que o atributo ‘cetro’ está relacionado à representação de uma Virgem intercessora, que concede aos fiéis uma chance de converter seus atos da vida terrestre em luz para a vida eterna.

Mas, ainda resta uma questão: como indicar cada uma das duas invocações na identificação das imagens depois desta separação? Historiograficamente, de um lado, está Nossa Senhora do Bom Sucesso; do outro, Nossa Senhora do (Bom) Par-to, cada uma com sua forma, iconografia e devoção colonial distinta. Agora, se para os fiéis houve e há ambigüidades, talvez o texto dê uma ajuda.

2� LIMA JÚNIOR, Augusto. Ibidem, p. �42-�4�.

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Bibliografia

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PANOFSKY, Erwin. Iconografia e Iconologia: uma introdução ao estuda da Arte da Renascença. In: Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2004.

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TIRAPELI, Percival. Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo: Editora da UNESP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 200�.

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Nossa Senhora do Parto. Igreja Matriz de Nossa Senhora da Con-ceição. Viamão - Rio Grande do Sul. Foto: Laboratório de Estudos e Pesquisa em Arte Colonial.

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Nossa Senhora do Ó (camarim). Capela de Nossa Senhora do Ó. Sabará - Minas Gerais. Foto: Márcia Bonnet.

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Virgem do Parto. Capela do Padre Faria. Ouro Preto - Minas Gerais. Foto do autor.

Nossa Senhora do Bom Sucesso. Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso. Rio de Janeiro - RJ. Foto: Márcia Bonnet.