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NOS RASTROS DO ATLÂNTICO NEGRO: IMPRENSA E CIRCULAÇÃO DE
REFERENCIAIS A PARTIR DO JORNAL NEGRITUDE (1986-2002)
André Eduardo Bezerra de Carvalho
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História
Universidade Federal da Paraíba
RESUMO: Este artigo tem como objetivo utilizar o jornal Negritude do MNU-PE como
fonte para tecer uma reflexão sobre imprensa negra e circulação de referenciais. Com
efeito, dois eixos temáticos são propostos no intuito de apontar as ligações entre essa
imprensa e a circulação de referenciais pelo Atlântico Negro. Primeiramente, este
periódico é abordado como parte associada à imprensa negra recifense. Nesse quadro, o
Negritude é analisado desde sua primeira edição, focalizando o olhar na sua materialidade
e nas falas mais entoadas ao longo dos anos, nos fazendo enxergar nas representações
forjadas elementos de resistência antirracista e de busca por equidade racial. O segundo
momento aproxima-se das abordagens da História transnacional e dos estudos da
Diáspora Negra para apontar os reflexos de elementos do sistema cultural e político do
Atlântico Negro nesses jornais. Busca-se compreender algumas influências externas,
analisando como eram representadas nos jornais da imprensa negra recifense e
mostrando, ao mesmo tempo, como eram reelaboradas e incorporadas aos discursos e
práticas dos protagonistas por trás da comissão de imprensa a partir da perspectiva da
circulação de referenciais existente no chamado Atlântico Negro pensado por Paul Gilroy.
Palavras-chave: História contemporânea; Imprensa Negra; Atlântico Negro.
O Jornal Negritude na órbita da imprensa negra do Recife
A imprensa negra contemporânea recifense surgiu num período marcado pelo
lento processo de abertura política no Brasil. Esse tempo de transição nos mostra uma
conjuntura nacional bastante efervescente no que concerne à busca por reconhecimento
público e institucional de direitos fundamentais às ditas minorias sociais, que neste
momento voltaram a se organizar em diversos movimentos sociais com o intuito de
reivindicar questões caras ao seu cotidiano. Assim foi, por exemplo, que ressurgiram os
movimentos negros organizados contemporâneos como o Movimento Negro Unificado,
em 1978. Paralelamente a esse panorama e intrinsecamente ligada aos movimentos
negros, a imprensa negra recifense começou a angariar seus primeiros passos com a
publicação do jornal Angola do Centro de Cultura Afro-Brasileira, em maio de 1981. A
partir daí surgiram no Recife outros periódicos – inclusive o Negritude – com temáticas
bastante variadas vinculados a grupos específicos como, por exemplo,
Negritude, do Movimento Negro Unificado de Pernambuco/MNU-PE;
Omnira, do Grupo de Mulheres do MNU-PE; NegrAção, do Afoxé Alafin Oyó
e Djumbay, da Djumbay – Organização pelo Desenvolvimento da Comunidade
Negra. (QUEIROZ, 2011, p.533).
Enquanto práticas emancipatórias do decurso final do século XX, esses jornais
podem ser enxergados como produtos de experiências do povo negro da diáspora por
igualdade racial. Diante disso, a circulação de referenciais no espaço do Atlântico Negro
pensado por Gilroy é relevante uma vez que demonstra o caráter difuso e imbricado no
que tange à formação de identidades negras em África e em diáspora. Andrews diz que
“fluxos de idéias, imagens, práticas e instituições transnacionais constituem parte
indissociável da causalidade histórica em todas as sociedades modernas”. (1997, p.96).
Qual o impacto dos fatores externos na construção político-identitária e no pensamento
racial da comissão de imprensa do referido jornal? Como isso ecoava? A partir dessas
páginas busco traçar, partindo do local ao global e vice-versa, uma análise do Jornal
Negritude como parte da imprensa negra recifense, bem como os reflexos das influências
externas advindas do Atlântico Negro e seu entrelaçamento com questões particulares
daquele contexto.
No tocante ao jornal aqui analisado, vale ser destacado alguns pontos concernentes
ao mesmo enquanto sua materialidade e conteúdo circundante em suas páginas seguindo,
sobretudo, os editoriais e matérias de capa. Como mencionado, o jornal Negritude era o
veículo de informação do MNU-PE, cuja primeira edição teve circulação no ano de 1986,
quatro anos após a fundação da instituição em 1982. Por estar atrelado ao MNU-PE, o
Negritude reflete as inquietações da instituição, marcando as páginas com a pauta que
estava na ordem do dia dos militantes do Movimento Negro Unificado pernambucano.
Era impresso em papel jornal, offset, tamanho ofício e continha, em geral, quatro
páginas; as exceções são as edições especiais de 1988 sobre o centenário da abolição com
oito páginas e a de carnaval do ano de 1994 com duas. A tiragem, a partir do número 6
do ano de 1993, passou a constar no expediente do jornal, contando com a cifra de mil
exemplares que, segundo Martha Rosa Queiroz, eram “distribuídos gratuitamente nas
reuniões do MNU e em eventos da comunidade negra”. (2011, p. 541). Apenas a edição
especial de 1988 foi cobrada uma taxa equivalente a Cr$30,00 (trinta cruzados).
A perenidade das edições estava à mercê das vicissitudes com as quais a comissão
de imprensa1 se defrontava, notadamente questões de ordem financeira e operacional. É
sabido que essas instabilidades eram comuns ao universo da imprensa negra brasileira
desde o século XIX, entrando nos anos iniciais da República até a temporalidade à qual
se dedica este artigo. À guisa de exemplificação, cito o jornal “O Homem: Realidade
Constitucional ou Dissolução Social” que teve vida no ano de 1876. De acordo com
Pinto, sem embargo a efemeridade dos jornais nesse período, este periódico conseguiu
sobreviver às adversidades durante cerca de um ano, mostrando-se um veículo de bastante
força operacional e reivindicativa. Aliás, este é o primeiro jornal negro recifense que se
tem notícia, havendo, a partir do fim da sua circulação, um hiato de exatamente 105 anos2
entre ele e o Angola, precursor da imprensa negra contemporânea no Recife3.
O jornal Negritude não foge à exceção no sentido de não ter havido periodicidade
regular durante os anos em que esteve presente. Martha Rosa Queiroz avulta que “O
Jornal do MNU-PE atuou de 1986 até novembro de 1994, assim distribuídos: um número
em 1986; três em 1987; uma edição especial em 1988; um número em 1993; três números
em 1994”. (2011, p.541). Portanto, justifica-se a temporalidade proposta com base no
período de circulação em Recife do jornal Negritude – principal fonte usada –,
empregando, para além deles, boletins informativos da instituição disseminados um em
2000 e três em 2002 e um número do jornal NegrAção de 1988.
Já em seu primeiro editorial, em outubro/novembro do ano de 1986, a comissão
de imprensa do Negritude relata as dificuldades para se pôr em prática um jornal que
tratasse das questões da comunidade negra. “Apesar de tantos esforços feitos, o
Negritude demorou muito tempo para ser publicado. Este fato vem comprovar a situação
1 Antes do nº 6, julho/agosto de 1993, a redação do jornal era designada enquanto “comissão de imprensa”,
ou seja, não se assinavam as matérias individualmente. Anterior a isso, apenas os que não eram militantes
da instituição assinavam as respectivas publicações, as demais eram responsabilidade da comissão, que
representava o pensamento da própria instituição. Posteriormente, passou-se a assinar nominalmente as
matérias. 2 A despeito desse hiato, vale ser reiterado que se refere à uma produção jornalística dentro do que se
enquadra como imprensa negra. Apesar disso, várias frentes de luta foram empreendidas em consonância,
inclusive, com movimentos de nível nacional como a Frente Negra Pernambucana em 1936, e outros
posteriores: Centro de Cultura Afro-brasileiro, Movimento Negro do Recife, Movimento Negro Unificado.
Destaca-se, igualmente, a resistência individual por parte de diversos nomes da militância negra do Recife. 3 Para uma leitura mais densa e apurada acerca do jornal O Homem: Realidade Constitucional ou
Dissolução Social ver: PINTO, Ana Flávia Magalhães. De pele escura e tinta preta: a imprensa negra do
século XIX (1833-1899). Brasília: Dissertação (Mestrado em História). UnB, 2006.
de pobreza em que vive a população, mesmo depois de cem anos de uma falsa abolição
da escravatura.” 4 No mesmo editorial, em meio a críticas ao mito de “democracia racial”
no Brasil, a comissão de imprensa se diz “na frente de batalha para que um dia possamos
viver em plena democracia racial”5 e afirma que é neste contexto que o Movimento Negro
Unificado de Pernambuco lança para a comunidade negra seu primeiro veículo impresso
de circulação; sendo este, “ um meio de comunicação que falará das nossas coisas, contará
as nossas histórias, divulgará nossos eventos festivos e políticos”.6 É relevante notar aqui
como os próprios negros definiam seus meios de comunicação impressos no Recife. O
editorial de julho de 1993 deixa manifesto os anseios da comissão de imprensa do
Negritude ao afirmar que
Esperamos que o Negritude se concretize como um instrumento de informação
para a comunidade negra. E para isso deverá ser utilizado por todo aquele que
acredita na construção de uma sociedade, partindo do ponto de vista do povo
negro. Ele não é apenas o Boletim do MNU. Ele é de todos os negros que estão
irmanados na luta por uma sociedade onde Racismo seja coisa do passado7
O que se designa por imprensa negra, nesse sentido, são os “jornais criados e
mantidos por afro-brasileiros e dedicados a tratar de suas questões”. (DOMINGUES,
2018, p. 267). Ademais, o que realmente distingue essa imprensa de outras são suas vozes
de reivindicação por equidade sociorracial, isto é, o teor étnico-racial de suas páginas.
Isso fica evidente nas falas do Negritude que ao longo dos anos noticiou temas como “O
negro e a constituinte”, “a situação da mulher negra”, “o leão coroado e a resistência
negra”, “o racismo na Nova República”, “13 de maio: dia da traição”, “moda e costume
afro-brasileiro, “legalização das terras dos remanescentes dos quilombos”8.
A introdução desses periódicos no debate público da época, portanto, se mostra
racializado e com uma tônica antirracista que tinha como mote a discussão em torno das
questões caras à população negra a partir de seus deslocamentos discursivos como, por
exemplo, a recorrente batalha contra a falácia da “democracia racial”. Com efeito, a luta
4 Negritude, nº1, Ano I, outubro/novembro de 1986. 5 Negritude, nº1, Ano I, outubro/novembro de 1986. 6 Negritude, nº1, Ano I, outubro/novembro de 1986. 7 Negritude, nº6, julho/agosto de 1993. 8 Negritude, nº1, Ano I, outubro/novembro de 1986; Negritude, nº1, Ano I, outubro/novembro de 1986;
Negritude, nº2, Ano II, fevereiro/março/abril de 1987; Negritude, nº2, Ano II, fevereiro/março/abril de
1987; Negritude, nº3, Ano III, maio/junho/julho de 1987; Negritude, nº3, Ano III, maio/junho/julho de
1987; Negritude, nº8, novembro/dezembro de 1994.
que se dava contra a sustentação da tese de harmonia sociorracial era também a que
propunha uma reformulação da identidade nacional.
O editorial e matéria de capa da edição de
maio/junho/julho de 1987 trazem a lume as querelas que
envolvem a data da abolição e o anseio da comunidade negra
em transpor as festividades para o 20 de novembro. “13 de
maio dia da traição” é a chamada da matéria de capa. A
charge em tom trágico que figura ao lado compõe o texto. É
notória a insatisfação da comissão de imprensa com o
discurso governamental de igualdade racial e dizem que
“para estas festas não tem faltado apoio oficial a todos os
negros ou entidades que se disponham a realizá-las”9,
complementam ainda que não há “qualquer motivo para
comemorações neste dia”10. Nesse sentido, os integrantes do Negritude fazem uma
chamada convocando “a comunidade em geral para nos unirmos no processo de
desmascaramento da tão propagada “abolição””11. Estabelece-se, assim, um ponto de
inflexão. Justamente no ano anterior ao centenário da abolição no qual a Nova República
traçava as comemorações para esta data, a matéria de capa do Negritude brigava para
ressaltar “a verdadeira luta do povo brasileiro, para resguardar o que realmente representa
o 20 de novembro, lançado pelo MNU, em 1979, como Dia Nacional da Consciência
Negra. Comemorado e reconhecido nacionalmente”12. Apesar de quase uma década da
presença do MNU e da latência envolvendo esta refrega, a disputa contra setores oficiais
continuava aberta a fim de se alçar uma memória do povo negro a partir de suas próprias
contingências, questionando e politizando o evento da abolição e os pressupostos de
mestiçagem e democracia racial difundidos oficialmente.
Em maio de 1988, a primeira folha que compunha a edição do Negritude com
maior número de páginas não precisou se valer de tantas palavras – bastando apenas
“Zumbi o nosso abolicionista” e uma imagem – para expressar as críticas da comunidade
9 Negritude, nº3, Ano III, maio/junho/julho de 1987. 10 Negritude, nº3, Ano III, maio/junho/julho de 1987. 11 Negritude, nº3, Ano III, maio/junho/julho de 1987. 12 Negritude, nº3, Ano III, maio/junho/julho de 1987.
Figura 1: Negritude, nº 3.
Recife, maio/junho/julho de
1987. Fonte: Acervo digital
LAHOI-UFPE.
negra em meio ao universo oficial de “comemorações” em torno do centenário da
abolição. O editorial é marcado pelas dificuldades enfrentadas e pelo tom incisivo a
respeito de como a instituição propunha a causa que defendia.
Neste ano, em que se comemora um século de uma mentira histórica, o
Movimento Negro Unificado, que há dez anos denuncia essa farsa, lança mais
um número do Negritude, apesar do eterno estado de penúria financeira da
nossa organização. Durante todo esse tempo o MNU viveu basicamente da
força e vontade de seus militantes e da solidariedade dos simpatizantes
brancos13
Neste cenário, o jornal do Movimento Negro Unificado de Pernambuco buscou,
ainda com base no editorial, dirimir algumas críticas acerca de sua proposta e pensamento
institucional. “Começamos dizendo que o negro não é uma classe social, o negro é parte
integrante de uma civilização que foi escravizada por uma outra, a civilização branca”14.
Com efeito, se quer demonstrar que a instituição não é uma entidade de classe, mas sim
uma organização social que tem por fim “transformar o
sentimento de auto-rejeição do negro em orgulho”15, além de
promover ações que valorizem uma efetiva igualdade étnico-
racial. Além disso, quando se fala em civilização branca “não
queremos dizer, absolutamente, que rejeitamos o branco
enquanto pessoa humana”16. Isto, certamente, está
relacionado às críticas do período de que os movimentos
negros eram racistas e iriam promover um antagonismo racial
desnecessário no país. Outrossim, existia ainda no imaginário
social o medo do “fantasma da haitinização (jacobinismo
negro), fenômeno caro às elites brasileiras desde o final do
século 18”. (FLORES, 2008, p. 119).
Após a publicação da edição de 1988 houve uma fenda de cinco anos aberta até a
retomada das atividades em julho de 1993. Isto se justifica, como já demonstrado, pelas
dificuldades financeiras atravessadas pela instituição.
Seguindo as marcas e sinais deixados pelos editoriais dos jornais pode-se apontar
que os ventos de mudança e dissabores no que tange à capilaridade do ordenamento
13 Negritude, Edição especial, nº5, Ano III, maio de 1988. 14 Negritude, Edição especial, nº5, Ano III, maio de 1988. 15 Negritude, Edição especial, nº5, Ano III, maio de 1988. 16 Negritude, Edição especial, nº5, Ano III, maio de 1988.
Figura 2: Negritude, Edição
especial, nº 5. Recife, maio de
1988. Fonte: Acervo digital
LAHOI-UFPE.
sociorracial no Brasil e no mundo ditavam, de certa maneira, as idas e vindas da atividade
publicista. Em julho de 1993, o Negritude “volta a circular junto à comunidade negra
recifense num momento bastante importante no Brasil e no mundo”17. No que se refere
ao plano exterior, observa-se que justamente neste momento de retorno do jornal a luta
antirracista na África do Sul ganhava novos contornos. O acirramento das tensões e lutas
pelo fim do apartheid transpassaram-se, no ano seguinte, em eleições democráticas e
multirraciais que deram vitória a Nelson Mandela pelo Congresso Nacional Africano. Por
outro lado, no Brasil, as transformações pareciam lentas e os reveses da violência racial
insistiam em não amenizar. No mesmo editorial, vários casos de racismo. Destacam-se:
“os skinheads (carecas neonazistas) ganham as ruas de São Paulo e outros estados, à
procura de negros para violentar e matar”; “a filha do governador do Espírito Santo,
negra, é agredida num prédio de luxo por ter usado o elevador social”; “o comerciante
Kleber é preso numa agência do Itaú em Recife, por querer descontar um cheque de sua
própria conta e após ter comprovado que a gerente do banco estava errada em suas
suspeitas de que ele houvesse roubado o cheque”18
O número circulado em março de 1994 trouxe mais conteúdo de crime de racismo
e o sentimento de descontentamento da instituição por não poder acompanhar
sistematicamente os vários casos de agressão e, igualmente, pela inoperância de um
dispositivo legal criado justamente para conter, amainar e punir os contraventores19.
Ainda assim, diante de um caso de racismo sofrido por Luciene Michel, em janeiro de
1994, num restaurante em Boa Viagem – Recife, os membros do corpo editorial
escreveram estar “dispostos a ir até as últimas consequências, para que a prática do
racismo deixe de ser crime apenas no papel e se torne uma realidade de justiça para o
povo negro”20. Para tanto, “neste caso específico, realizamos um ato de protesto em frente
ao restaurante em questão, com a participação de inúmeras entidades negras e acionamos
17 Negritude, nº6, julho/agosto de 1993. 18 Negritude, nº6, julho/agosto de 1993. 19 A legislação antirracista no Brasil tomou maior impulso a partir da Constituição Federal de 1988, na qual
foi aprovada a proposta que tornou a prática do racismo crime sujeito a pena de prisão, inafiançável e
imprescritível. No ano seguinte, o Congresso aprovou a proposta do deputado Luiz Alberto Caó (lei
7.716/89), conhecida como Lei Caó, regulamentando a disposição constitucional e definindo os crimes
resultantes de preconceito de raça ou de cor. 20 Negritude, nº7, março/abril de 1994.
a imprensa local, que esteve presente ao ato e em outros momentos do desenrolar do
processo”21.
Diante do limite do artigo e de maneira bastante resumida, visto que as
possibilidades de se utilizar o Negritude e os demais impressos supracitados como fonte
de análise são múltiplas, essas são algumas especificidades de um jornal urdido no Recife
na trama da resistência negra. Um veículo de comunicação que tinha em seu desígnio
escancarar as mazelas da comunidade negra para reclamar igualdade, mostrando também
as belezas, as festividades e o orgulho de pertencimento a ela.
Circulação de referenciais e influências externas a partir do Negritude
A par do contexto local em que se insere a gênese do jornal Negritude e da
imprensa negra contemporânea do Recife é notório, também, acrescentar o plano externo,
cuja relevância é percebida nas representações permeadas nas folhas dos jornais. Pesa,
assim, a influência dos movimentos norte-americanos, o Négritude franco-caribenho e as
diversas lutas nacionalistas e emancipatórias pelo continente africano, sendo todos
eventos históricos importantes que deram visibilidade às questões étnico-raciais assim
como foram representados ao longo dos anos nos jornais da imprensa negra do Recife.
O Negritude e demais órgãos de imprensa citados são exemplares de experiências
emancipatórias negras num contexto contemporâneo. As frequentes referências locais e
internacionais, presentes e passadas, mostram que a construção da negritude estava
circunscrita a uma historicidade de práticas e lutas tratadas com destaque nas páginas
daqueles jornais. As diversas matérias referentes ao quadro transnacional do movimento
antirracista, especialmente o sul-africano, apontam para uma aderência aos ideais da
descolonização, ainda num momento em que a África do Sul brigava contra o regime
racista do apartheid.
É sabido que existiam diversas conexões no mundo negro, sendo assim, ancorando
a reflexão proposta neste artigo, objetiva-se apontar como esses elementos se refletiam
nessa imprensa negra. Para compor este cenário, o estudo proposto por Paul Gilroy sobre
a circulação de referenciais na diáspora negra em um grande eixo que para ele forma o
Atlântico Negro é de grande relevo. O autor o define como um circuito trans-local que
21 Negritude, nº7, março/abril de 1994.
abrange a Europa, a África e o Novo Mundo e forma um panorama dinâmico de
convergências e interseções no que tange à cultura e ao antirracismo político. Essas ações
e fluxos internacionais vividos pelos indivíduos da diáspora negra desde o final do século
XV são enxergados num grande movimento transnacional de intercâmbios de ideias e
referências que para o autor estão na base da própria construção do negro. (GILROY,
2012). Ao trazer à baila a relação dos fragmentos disseminados nas folhas com uma
esfera mais ampla que de maneira semelhante tinha como propósito precisar horizontes
no que concerne à luta contra a discriminação racial serão demonstradas que essas
influências externas não eram recebidas passivamente, mas sim dirimidas criticamente.
Nos rastros do Atlântico Negro, podemos observar como esse conjunto cultural e
político que se derrama pelas águas atlânticas e contamina de maneiras multifacetadas as
vivências negras se configura na imprensa negra do Recife. Essa experiência editorial
compõe mais uma empreitada em meio a tantas pelo Atlântico Negro e é uma relevante
matriz para pensar seus pressupostos nas últimas décadas do século XX. As influências
externas presentes nas páginas dos jornais apontam para o caráter dinâmico da circulação
de referenciais nesse espaço. Esses reflexos na imprensa negra do Recife demonstram a
fluidez com que as ideias circulavam e se transpassavam para as páginas dos jornais, nos
fazendo refletir acerca de referências estrangeiras e seu entrelaçamento com o local,
rompendo as barreiras do nacionalismo e proporcionando uma formação intercultural
dessa parcela responsável pela edição dos jornais. Logo, a emergência de identidades
negras nesse contexto só pode ser entendida levando em consideração os ideais advindos
do Atlântico Negro que, a rigor, a eles são sempre atribuídos novos significados e leituras
como veremos mais adiante.
Partindo da constatação de que existiam influências advindas do Atlântico Negro,
produtos de elementos culturais, políticos e ideológicos do povo negro no continente
africano e em diáspora, viso analisar como elas eram representadas especialmente no
jornal Negritude; mostrando, ao mesmo tempo, como isso era processado e incorporado
aos discursos e práticas dos sujeitos por trás da comissão de imprensa, sem ter como fim,
no entanto, estabelecer efetivos intercâmbios entre esses jornais com outros veículos de
informação ou movimentos negros internacionais. Ainda que não se possa afirmar a partir
das páginas desses jornais que houvesse uma concreta interação entre os componentes da
comissão de imprensa com integrantes de movimentos negros pelo mundo afora, no
momento é possível dizer que havia um diálogo unilateral com o universo do movimento
antirracista negro. Portanto, a partir desses jornais pode-se pensar na ampliação dos
diferentes papéis do Brasil nessa dinâmica transatlântica pela igualdade racial, ao mostrar
a vinculação de referenciais advindos sobretudo das lutas na África do Sul às práticas
discursivas e ações pela equidade sociorracial de militantes de movimentos negros do
Recife.
Em tese defendida em 2010 na UFF, Amílcar Pereira tece um panorama no qual
se pode visualizar uma grande malha que engloba organizações, instituições, lideranças
e ideias que numa trama de conexões, fluxos e interações vazaram para além dos limites
impostos pelas fronteiras artificiais que definem os Estados e identidades. Em meio a
esses intercâmbios pode-se observar a dinâmica das relações entre os movimentos negros,
inclusive brasileiros, num contexto transnacional. Ele mostra, por exemplo, a circulação
de informações e pessoas ligadas aos jornais The Baltimore Afro-American dos Estados
Unidos e o Clarim d’Alvorada de São Paulo nas décadas de 1920/30 e como um e outro
se influenciavam a partir de diversos referenciais. Com o passar do século XX, essa
ambientação tomou novos contornos pari passu com as transformações sociais. Voltado
às referências estrangeiras que fizeram parte da constituição do movimento negro
contemporâneo no Brasil, ele relata as variadas interações ocorridas nas décadas de
1960/70 com as lutas antirracistas norte-americanas e africanas e como o movimento
negro contemporâneo no Brasil passou a ter maior repercussão internacional no final da
década de 1970, em especial com a criação do Movimento Negro Unificado em 1978.
Dessa efetiva influência mútua criou-se, segundo o autor, um celeiro de importantes
referenciais que influíram na construção de identidades negras.
Não estando restritos a Estados-nação, estes desdobramentos da política negra
certamente atingiram o movimento negro recifense e se refletiram nos jornais
disseminados na cidade a partir da década de 1980. Esses veículos de comunicação
tiveram papel imprescindível para a circulação de ideias e referenciais múltiplos, além do
caráter informativo acerca da luta contra o racismo no Brasil e em outras partes do mundo.
Logo, as influências externas são demasiado importantes para a trajetória de
enfrentamento dos jornais e de seus integrantes ligados a movimentos negros.
O jornal Negritude, como exposto, sempre apresentou matérias com uma tônica
social e histórica forte, quiçá uma marca preponderante que nos faz enxergá-lo num viés
bastante politizado no que tange ao processo histórico do negro no Brasil e sua situação
social. Para além disso, no bojo das discussões sobre racismo, identidade negra e
cidadania as influências externas são partes indissociáveis desses jornais e compõem o
quadro de formação crítica dos sujeitos envolvidos com a atividade publicista.
Nesta perspectiva, em alusão ao fato ocorrido em 21 de março de 196022 o
Negritude diz que
o racismo não pode ser entendido como particularidade de um país, de uma
sociedade. Ao contrário, deve ser visto como uma ideologia que se cria e se
sustenta internacionalmente. Seu combate também precisa ser pensado de
forma mais ampla. Nelson Mandela, na África do Sul, e outras lideranças
negras de ontem e hoje, são personagens importantes não apenas em seus
países de origem, mas, juntos, simbolizam a possibilidade concreta de
libertação, de autonomia e de independência dos povos negros do mundo23.
Embora não tivesse a intencionalidade de teorizar o internacionalismo negro, é
visível a tomada de posição a partir deste excerto de que podemos pensar o Negritude
como parte de um lócus de expressividade no qual diferentes contingências relacionadas
ao grupo sociorracial negro são representadas, inclusive transnacionais. Os movimentos
antirracistas, nesse sentido, extravasavam os limites territoriais impostos, deixando vazar
pelas fronteiras nacionais os referenciais de luta, de organização política, de cultura e
liderança que tinham como foco a liberdade e a igualdade racial. Com efeito, diante desse
trecho, o racismo é um denominador comum que estabelece ligações entre negros em
África e em diáspora, logo, seu enfrentamento, segundo o Negritude, precisaria ser
refletido de maneira mais abrangente.
A mesma matéria traz à tona que a data não mira apenas em atrair olhares para o
racismo em África, mas também em outros continentes onde há população negra
22 No dia 21 de março de 1960 ocorreu em Sharpeville, na África do Sul, um massacre contra a população
negra local. Durante uma manifestação pacífica contra medidas racistas do governo sul-africano, sobretudo
a Lei do Passe, segundo a qual um negro só poderia transitar fora de áreas a ele destinadas se portasse um
tipo de passaporte que garantisse permissão para tal, a polícia agiu de maneira repressiva e violenta
resultando num saldo de dezenas de assassinados e centenas de feridos. O massacre tornou-se um símbolo
importante de resistência ao sistema de segregação racial na África do Sul, como também um referencial
internacional na luta antirracista. Em 1969, em referência a este acontecimento, a Organização das Nações
Unidas implementou o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial – 21 de março –,
demonstrando a relevância do estabelecimento dessa luta em todos os cantos do mundo. 23 Negritude, nº7, março/abril de 1994. “21 de março: Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação
Racial”.
resultante de diásporas. Compara-se a África do Sul e o Brasil enquanto países racistas,
muito embora as legislações divirjam no tocante à institucionalização do apartheid, como
era o caso da África do Sul. Por conseguinte, se quer apontar que não só onde o racismo
é institucionalizado que há práticas racistas, mas também naqueles onde mesmo não
havendo tais códigos legais a violência racial se efetiva no cotidiano de maneiras
multifacetadas contra negros e negras. “Mesmo na ausência de uma legislação, como no
caso do Brasil, os efeitos do racismo são visíveis”24. No editorial de 1987 sobre a mesma
efeméride a comissão de imprensa relata que
no Brasil, usamos o 21 de março para denunciar o racismo aqui existente e
mostrar que entre a África do Sul e Brasil há apenas a diferença de estilo, mas
não de essência. O afro-brasileiro aproveita esta data para mais uma vez
ratificar o que sempre fez questão de dizer: o Brasil é um país racista, que se
esconde debaixo da conveniente “democracia racial”, propagada aos quatro
ventos pelos diplomatas do Itamaraty25.
Como se pode notar, os signos desta data incorporaram-se aos discursos e práticas
antirracistas no Recife e no Brasil, refletindo nas páginas da imprensa negra. As inscrições
por detrás desta data são assim projetadas e repensadas para as particularidades das
relações étnico-raciais locais, além de serem a ponta da lança para se rememorar e
rediscutir as atrocidades cometidas naquele país. O Espaço Azeviche – lugar do jornal
destinado a publicações acerca de eventos da comunidade negra – em março de 1994
noticiou que o MNU-PE realizaria um ato de protesto em memória dos negros
assassinados em Sharpeville no próximo dia 21, afirmando que “a negritude recifense
precisa se fazer presente”26. Com efeito, é patente o modo como os referenciais
ultrapassam os limites do nacional e se germinam em outros portos do Atlântico, sendo
reelaborados num quadro de grande dinamicidade.
Em idos finais deste mesmo ano, a comissão de imprensa estava atenta ao contexto
relativo à política transnacional negra. O editorial afirma que o ano de 1994 foi
determinante em diferentes perspectivas.
Começando pelos países africanos, assistimos a esmagadora vitória de Nelson
Mandela sobre o regime racista da África do Sul, nas eleições presidenciais.
Por outro lado o agravamento do estado de miséria do povo etíope em que a
mídia fez questão de noticiar todo o tempo, mas que não foi suficiente para
sensibilizar as forças políticas da ONU em viabilizar campanha de caráter
mundial de solidariedade aos irmãos etíopes. No Haiti, a intervenção
imperialista norte-americana gerou uma onda de violência que abalou o país
24 Negritude, nº7, março/abril de 1994. 25 Negritude, nº2, Ano II, fevereiro/março/abril de 1987. 26 Negritude, nº7, março/abril de 1994.
em toda a sua estrutura. Resta-nos torcer para que o povo do Haiti consiga
resgatar sua histórica capacidade de luta e trace um novo caminho para seu
país27.
Este foi o tom de retrospectiva dado naquele momento, ora de ganhos ora nem
tanto. O panorama da conjuntura política negra internacional se confunde com o brasileiro
por entre as linhas do mesmo texto, demonstrando um elo no que tange a esse assunto
apesar das dessemelhanças. Ao mesmo tempo em que entoava “o desenvolvimento
crescente de lutas travadas por diversas entidades negras pela legalização das terras dos
remanescentes dos Quilombos”28 via, desconcertantemente, o quadro de poucas
alterações nas eleições federais e estaduais que “confirmaram mais uma gestão política
do povo branco”29, ou seja, de pouca representatividade às demandas da população negra.
A visita do Arcebispo sul-africano Desmond Tutu30 – Prêmio Nobel da paz em
1984 – ao Recife, em 1987, também virou notícia nas páginas da imprensa negra
recifense. No dia 18 de maio daquele ano, Tutu foi à capital pernambucana “visando
pressionar o governo brasileiro para tomar medidas contra o governo da África do Sul”31.
Sua passagem causou burburinho por trazer à tona discussões sobre a questão racial no
Brasil. No Recife, além de ser recebido por políticos locais, como o prefeito Jarbas
Vasconcelos à época, Tutu também inseriu em sua agenda uma ida à residência de Dom
Hélder Câmara, que estava nos Estados Unidos e resolveu antecipar sua volta ao Brasil
para receber o líder anglicano. Além de amigos, ambos eram defensores dos direitos
humanos e clamaram juntos por ajuda na luta sul-africana em direção à reconciliação do
país e pelo fim do preconceito racial, ainda que o Ministro das Relações Exteriores na
época, Abreu Sodré, tenha declarado que no Brasil não havia problema em relação à
discriminação racial.
Por outro lado, o posicionamento pacifista na luta contra o apartheid de Desmond
Tutu não agradou a todos. Em matéria da diretoria de imprensa do jornal NegrAção do
ano de 1988 foi expresso que a mudança do regime de segregação aos moldes pacifistas
27 Negritude, nº8, novembro/dezembro de 1994. 28 Negritude, nº8, novembro/dezembro de 1994. 29 Negritude, nº8, novembro/dezembro de 1994. 30 Desmond Tutu é um Arcebispo da Igreja Anglicana nascido em 1931 na África do Sul. Foi o primeiro
negro a ocupar o cargo de Arcebispo na Cidade do Cabo, capital legislativa da África do Sul, bem como
um dos nomes centrais do movimento antiapartheid neste país. Ainda que tivesse altas posições no clero
africano, Tutu não hesitou em lutar contra a segregação racial em seu país. Mediante seus esforços contra
as medidas racistas sul-africanas, Desmond Tutu recebeu o Prêmio Nobel da paz em 1984. 31 Negritude, nº3, Ano II, maio/junho/julho de 1987.
era uma estratégia que garantiria a continuidade da exploração de modo mais sutil e “para
atingir esses objetivos usam os colaboradores, entre eles o famoso Tutu, que não é à
mineira”32. A atuação do Arcebispo anglicano era controversa no seio da militância negra.
Sua política é contraditória, por um lado reclama sansões contra o governo sul-
africano, por outro lado exige dos negros que não executem os agentes do
regime branco. O seu discurso é a não violência, só que os brancos
exterminaram os negros com as formas mais violentas possíveis33.
Fica aparente que parte dos militantes de movimentos negros do Recife não estava
de acordo com a forma pela qual Desmond Tutu buscava aplacar o sistema
segregacionista sul-africano. Para eles, este tipo de comportamento coadunava-se aos das
forças imperialistas e buscava “jogar água gelada no incêndio que está prestes a
ocorrer”34. O descontentamento desses sujeitos pode ser explicado pela formação
ideológica de esquerda revolucionária que prezavam, reclamando medidas mais radicais.
No entanto, ainda que bastante crítica em relação a Desmond Tutu, a militância negra do
Recife aproveitou a visita para escancarar seus gritos de protesto contra o racismo aqui e
na África do Sul, no embalo da repercussão na mídia do Arcebispo no país.
O Negritude também não poupou críticas ao clérigo.
O negro é maioria
Mas o branco é mais cruel.
Sem armas não se faz luta.
Tutu, deixa o Nobel!
Com fogo não se brinca
Ele queima, ele arde
Vamos Botha pra fora
Acabar o Apartheid
Fatimo35 Nestes versos, assinado por Fátimo, há a referência “Tutu, deixa o Nobel! Com
fogo não se brinca”36. Se faz uma menção contra a sua postura de haver recebido o Prêmio
Nobel da paz em 1984, certamente por ser advindo de potências nacionais que, aos olhos
de parte dessa militância, buscava camuflar os efeitos nocivos do regime de apartheid,
bem como desmobilizar uma arregimentação de vertente mais radical no país. Mais
adiante se diz “vamos Botha pra fora”37 em alusão ao Presidente de Estado da situação
Pieter Willem Botha, cuja política almejava restabelecer melhores relações com o
32 NegrAção, nº 1, Ano I, novembro/dezembro de 1988. 33 NegrAção, nº 1, Ano I, novembro/dezembro de 1988. 34 NegrAção, nº 1, Ano I, novembro/dezembro de 1988. 35 Negritude, nº2, Ano II, fevereiro/março/abril de 1987 36 Negritude, nº2, Ano II, fevereiro/março/abril de 1987. 37 Negritude, nº2, Ano II, fevereiro/março/abril de 1987.
Ocidente para, ao fim e ao cabo, reverter sanções econômicas que sofria a África do Sul
naquele momento.
À guisa de conclusão, pode-se apontar que o jornal Negritude e outros da imprensa
negra recifense são um lócus palpável para demonstrar a concretização dos fundamentos
elencados num contexto histórico contemporâneo a partir da ligação entre imprensa e
circulação de referenciais pelo Atlântico Negro e sua incidência na construção da
negritude. Ademais, a latência na representação de determinados autores, líderes e temas
nos jornais38, nos confirma a relevância que tiveram na edificação do escopo teórico da
comissão de imprensa do Negritude, bem como na construção de referenciais de
identidade e de luta. Estes, por sua vez, foram ressignificados aos moldes das
particularidades das relações raciais no Recife, isto é, de forma alguma constituem uma
absorção passiva por parte dos sujeitos envolvidos, mas sim uma conjuntura de
influências e referências que dão a tônica da pluralidade das identidades negras
diaspóricas. Ainda que esses jornais permitam de momento uma análise apenas unilateral
dessa trama, já se foi demonstrado o liame entre o universo dos movimentos negros no
Brasil e no exterior numa conjunção de matérias que se derrama para além das fronteiras
e ganha sempre novos delineamentos. Portanto, existe a possibilidade de se dar novos
contornos analíticos ao se pensar as efetivas interações transnacionais, de mão-dupla.
Para isso, no entanto, é necessário que se debruce numa malha maior de fontes que abranja
o universo dos movimentos negros na cidade do Recife e fora dela.
38 Por exemplo, Samora Machel, Nelson Mandela, Martin Luther King, James Baldwin, Frantz Fanon, Aimé
Césaire. E temas como dia internacional pela eliminação da discriminação racial, apartheid, pan-
africanismo, guerras e fome em África.
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