nós em rede 9º edição

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CONHEÇA A MISSÃO MARISTA EM ANGOLA QUE COMPLETA, EM 2014, SEIS DÉCADAS DE EXISTÊNCIA Páginas 10 e 11 JOVENS VIVENCIAM A SOLIDARIEDADE ATRAVÉS DA DESCOBERTA DA COMUNIDADE E DA QUESTÃO SOCIAL Páginas 12 e 13 N ó sem r ed e PUBLICAÇÃO SEMESTRAL DA COORDENAÇÃO DE PASTORAL DA REDE MARISTA RS | DF | AMAZôNIA - ANO 5 - NÚMERO 9 - 2014 Aproximar-se, colocar-se no lugar do outro, deixar-se envolver e agir, assim como fez Marcelino Champagnat. Páginas 6, 7, 8 e 9 Cultura da solidariedade: um contraponto à globalização da indiferença

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Cultura da solidariedade: um contraponto à globalização da indiferença

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CONHEÇA A MISSÃO MARISTA EM ANGOLA QUE COMPLETA, EM 2014, SEIS DÉCADAS DE EXISTÊNCIAPáginas 10 e 11

JOvENS vIvENCIAM A SOLIDARIEDADE ATRAvÉS DA DESCObERTA DA COMUNIDADE E DA QUESTÃO SOCIAL Páginas 12 e 13

Nósem rede

PUbLICAÇÃO SEMESTRAL DA COORDENAÇÃO DE PASTORAL DA REDE MARISTA RS | DF | AMAzôNIA - ANO 5 - NÚMERO 9 - 2014

Aproximar-se, colocar-se no lugar do outro, deixar-se envolver e agir, assim como fez Marcelino Champagnat.

Páginas 6, 7, 8 e 9

Cultura da solidariedade: um contraponto à globalização da indiferença

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A solidariedade em redeGerente da Coordenação de Pastoral, Ir. Valdícer Fachi

sumárioCoorDENAÇÃo DE PAsTorAL

A realidade do mundo globalizado traz consigo diversas ‘globalizações’: de um lado a globalização dos saberes, da comunicação e da informação, do mercado, de política globais... de outro, de problemas sociais, tais como: po-breza, fome, violência, drogas, tráfico de pessoas, analfabetismo.

A esses problemas globalizados, somos chamados a dar respostas globali-zadas, pela articulação de uma solidariedade local e em rede. Numa entrevista à Rádio Vaticano, o Papa Francisco afirma: “Repensar a solidariedade não é sim-plesmente ajudar os mais pobres, mas repensar globalmente em todo o sistema: como reformá-lo, como corrigi-lo de modo coerente com os direitos fundamen-tais do homem, de todos os homens. A esta palavra, solidariedade, não bem vista pelo mundo financeiro, é preciso restituir a sua merecida cidadania social”.

Com esse enfoque da solidariedade, como contraponto à globalização da indiferença, é que chega até você a 9ª edição do Nós em Rede, sob a perspectiva da proposta da Boa-Nova de Jesus que consiste na práxis da solidariedade frater-na, que liberta os sujeitos das escravidões. Na própria vida de Jesus observa-se uma progressiva sintonia horizontal com as pessoas e as realidades emergentes de sua época.

A Rede Marista, segundo essa visão, atua de forma decidida em prol dos mais desassistidos. Você encontrará, por exemplo, na editoria Pastoral nas Unidades, o Centro Social Marista da Juventude, que trabalhou de for-ma dinâmica o Documento Caminhos da Solidariedade, e a PUCRS, com o Projeto Voluntariado.

Já na editoria Missão, abordamos os 60 anos da trajetória de presença Maris-ta em Angola. Irmãos e Leigos(as) levaram na bagagem a missão de contribuir para uma sociedade mais íntegra, justa e fraterna.

Na editoria PJM, o tema Solidariedade é compreendido como importante viés de trabalho nos grupos, a partir das descobertas da comunidade e da ques-tão social onde estão inseridos.

Que a leitura possa nos despertar cada vez mais para o valor da dignidade da pessoa humana.

Boa leitura!!

EXPEDIENTEInformativo da Coordenação de Pastoral da Rede Marista (RS, DF, Amazônia).

Ano 5 - Nº 9 - 2014

Gerente

Ir. Valdícer Fachi

Equipe responsável

Karen Theline Silva, Jaqueline Debastiani, José Jair Ribeiro, Laura Aparicio, Marcos José Broc

Comentários e sugestões

[email protected]

Produção: Comunicação Corporativa

Textos: Luísa Medeiros

Fotos: Arquivo Coordenação de Pastoral, Unidades Maristas e Assessoria de Comunicação Corporativa

Diagramação: Design de Maria

Revisão: Ir. Salvador Durante

Jornalista Responsável

Lidiane Amorim (DRT/RS 12725)

p. 3PASTORAL NAS UNIDADESA solidariedade que habita em nós

p. 6ESPECIALCorações solidários

na era da indiferença

p. 10MISSÃOSolidariedade que

ultrapassa fronteiras

p. 12PJMA descoberta da comunidade e da questão social

p. 14DIRETRIzES

Princípio Solidariedade

p. 15EM REDERelembre algumas atividades do segundo semestre

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PAsTorAL NAs uNiDADEs

A solidariedade que habita em nósMarcelino Champagnat revela, através da sua experiência com o Jovem Montagne, que a solidariedade é colocar-se no lugar do outro, aproximar-se, sofrer o seu sofrimento. E a partir desse encontro deixou-se interpelar por Deus e dar uma resposta significativa a essa situação concreta. Essa é a atitude que gera mudança na forma de ver, pensar e entender o que acontece ao nosso redor, sem naturalizar as injustiças sociais. A solidariedade se materializa no dia a dia nas nossas Unidades, em ações, e que mantém, em sua essência, a inspiração do fundador.

A cultura da solidariedade é uma meta que perpassa as ações de todos os Empreendimentos da Rede Marista – faz parte do nosso propósito e norteia nos-sa missão. Estimular um olhar sensível para as mais diferentes realidades, em especial àquelas que envolvem crianças, adolescentes e jovens, permeia as ativi-dades diárias de nossos colégios, unida-des sociais, PUCRS e Hospital São Lucas.

Foi com esse olhar sensível e o do-cumento Caminhos de Solidarieda-de Marista nas Américas: crianças e jovens com direitos, que a comissão elaboradora do estudo percebeu a ne-cessidade de aproximar os educandos e estudantes às teorias que têm pautado pesquisas e projetos de ação em todo

o Instituto Marista. O resultado final da-queles anos de estudo não contempla-va um envolvimento efetivo das crian-ças, adolescentes e jovens que estavam ali retratados. Era preciso, portanto, fazer essa aproximação.

Para fazer essa aproximação e colo-car em prática os princípios desse docu-mento, crianças, adolescentes e jovens foram convidados a conhecer as reali-dades dos diferentes países, saber como vivem, sonham e se desenvolvem seus pares nos diferentes lugares da América. Cada unidade, então, recebeu a missão de pesquisar um desses países.

Nesse contexto, os educandos atendidos nos projetos do Centro So-cial Marista da Juventude tiveram a

O Documento, publicado em 2013, é fruto da reflexão e compromisso assumidos pelas Províncias Maristas das Américas em trabalhar de maneira articulada em prol dos direitos das crianças, adolescentes e jovens do continente. Para sua construção, foi realizada uma escuta e pesquisa nos 21 países das Américas em que há presença Marista. O texto aponta os princípios que fundamentam a presença, opções e itinerários de solidariedade marista nas Américas. A presença marista no continente americano se dá nos seguintes países: Argentina, Canadá, Costa Rica, El Salvador, Haiti, Nicarágua, Porto Rico, bolívia, Chile, Cuba, Estados Unidos, Honduras, Paraguai, Uruguai, brasil,

Em 28 de outubro de 1816, Marcelino Champagnat vivencia um encontro que lhe mostra a urgência de sua missão. É chamado para atender o jovem João batista Montagne, em seu leito de morte. Surpreendeu-se ao ver que o rapaz de 16 anos ignorava a existência de Deus. Pacientemente, expressou-lhe toda a solidariedade e preparou-o para morrer. Esse fato convenceu Marcelino de que não havia mais tempo para esperar. Era preciso agir. Decidiu, então, fundar o Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria ou Irmãos Maristas.

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PAsTorAL NAs uNiDADEs

missão de pesquisar sobre o Equador – sua realidade, particularidades, proble-mas e enfrentamentos. A psicopedago-ga e educadora social, Flávia Quevedo Trindade, ficou à frente do projeto, que envolveu em torno de 120 crianças, adolescentes e jovens.

Foram realizadas pesquisas em li-vros e sites equatorianos, onde a reali-dade da defesa dos direitos das crian-ças e adolescentes foi mapeada. Alguns vídeos foram mostrados aos educan-dos, que também fizeram uma visita à embaixada do Equador para conversar com o embaixador e ter acesso a mate-riais informativos sobre as políticas de enfrentamento no país.

“Foi a primeira vez que envolve-mos as turmas em um trabalho dessa amplitude, e o resultado não poderia ser melhor. Os educandos se sensibili-zaram muito com a situação do Equa-dor que, eles constataram, é bem mais

difícil que a encontrada aqui no Brasil”, comentou Flávia.

As impressões e os relatos das pes-quisas foram registrados em vídeo, que foi exibido às turmas e enviado para a Gerência Social da Rede Marista, onde serão reunidos com os projetos das ou-tras Unidades Sociais. Além disso, três educandos foram escolhidos para ser protagonistas do Encontro Caminhos de Solidariedade, no final de setem-bro, onde foram apresentados os resul-tados desse trabalho.

Neri Costa da Silveira Filho, de 13 anos, é um desses adolescentes e jo-vens que representou o Centro Social Marista da Juventude.

“A gente percebeu que aqui no Brasil nós temos muito mais ações para prote-ger e garantir os direitos das crianças e dos adolescentes. No Equador, as crian-ças começam a trabalhar muito cedo”, disse, demonstrando preocupação.

Ao lado da colega Karine Teixeira Soares, 13 anos, ele também relata que foram feitas leituras de jornais equatorianos e, em nenhum lugar, foi encontrada menção à existência de uma lei específica para proteger crianças e adolescentes. “Aqui temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que ajuda a nos proteger”, com-plementa a menina.

Educandos da Caju estudaram sobre os direitos das crianças, adolescentes e jovens

Karine e Neri estudaram o Equador

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Vivenciar a missão e compartilhar sonhos

Paulo Adriano Alves, 42 anos, é Coor-denador Administrativo na Gerência de Infraestrutura e Logística da Pró-Reitoria de Administração e Finanças da PUCRS. Isso de segunda a sexta-feira. No sábado Paulo é professor, é amigo, é compa-nheiro das crianças da casa Raio de Luz, em Alvorada, que pertence ao Abrigo João Paulo II. Desde o início do ano, ele dedica um turno por semana a ajudar os 10 meninos na área de reforço escolar.

Formado em Letras, ele conta que sempre teve o desejo de fazer um traba-lho voluntário na área da sua formação. Desejo que ficou registrado em uma publicação da universidade já em 2003, logo que ingressou na graduação. So-mente 11 anos depois conseguiu colo-car o plano em prática – e narra que está sendo uma experiência maravilhosa.

“Conheci um mundo bem diferente do que eu imaginava e estou tendo a oportunidade de vivenciar essa realida-de, poder ajudar, preencher aquele es-paço que existia na vida desses meninos. Mais do que ajudar no reforço escolar, passei a fazer parte da vida deles”, conta.

Paulo chegou até o Abrigo João Pau-lo II por meio do Projeto de Voluntariado da PUCRS, ligado ao Centro de Pastoral e Solidariedade. O projeto, que completa 15 anos em 2014, já possibilitou a par-ticipação de mais de 5.600 estudantes, familiares, colaboradores, professores e ex-alunos em instituições diversas, em parceria com a Avesol.

O objetivo do projeto é fomentar o desenvolvimento da cultura da solida-riedade no meio acadêmico, gerando um impacto transversal ao processo educativo que já ocorre, naturalmente, na universidade. Para que isso ocorra, além de cruzar o perfil do voluntário,

suas vontades e interesses com as ne-cessidades das instituições, promove encontros de formação permanente dos voluntários. Por meio da partilha e da orientação da equipe organizadora do projeto, os voluntários passam por um processo de amadurecimento do processo de transformação, visão de mundo, responsabilidade social e cole-tiva que estão assumindo.

Segundo o Irmão Dionísio Rodri-gues, diretor do Centro de Pastoral e Solidariedade, as ações desenvolvi-das pelo projeto são uma maneira de dar continuidade ao sonho de Marce-lino Champagnat para transformar o mundo em um lugar melhor. “Quando abrimos coração, mãos e mentes, nós contribuímos para a vida ter mais vi-gor”, afirma.

A Associação do voluntariado e da Solidariedade (Avesol) é uma entidade de assistência social, sem fins lucrativos, e tem como missão promover ações de voluntariado e de solidariedade, apoiando grupos e comunidades organizadas em busca da transformação e justiça social. Sua atuação é fundamentada na educação popular, possui como campo preferencial de trabalho a Economia Solidária, o voluntariado e a Assessoria a Projetos Sociais. A Rede Marista é apoiadora e parceira das atividades da Avesol.

Paulo Alves é colaborador da PUCRS e, aos finais de semana, dá aulas de reforço escolar para crianças

“Todos temos um compromisso social. A mudança começa por nós, não podemos esperar pelos líderes. Se cada um fizer um pouco, podemos mudar a realidade! Fazer voluntariado não é uma ação burocrática, é escolher e assumir vivenciar um compromisso.”

Marcelo Silva, 26 anos, estudante do curso de Direito da PUCRS e voluntário na área de reforço escolar do Abrigo João Paulo II.

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na era da indiferençaSentir, colocar-se no lugar do outro, tornar-se irmão de quem mais sofre, mudar sua forma de ver e perceber, pensar e compreender o entorno, não ser indiferente às injustiças sociais. Existem diversas formas de definir a solidariedade. Há, no entanto, uma única maneira de nos deixarmos tocar por ela – abrir o coração de forma profunda para o bem coletivo.

Corações solidários

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mais profunda, sólida, com sentido coo-perativo e partilhado de solidariedade.

De acordo com o teólogo Hugo Ass-mann, no livro Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança (e cita-do no Programa de Formação de Colabo-radores da Rede Marista), “não se é solidá-rio apenas ajudando pessoas próximas, ou engajando-se em campanhas de socorro às pessoas de um terremoto ou enchente”. Solidariedade, para o autor, é mais amplo, é colocar-se efetivamente no lugar dessas pessoas. Ou seja, trata-se de uma interde-pendência na vida social, diretamente as-sociada à coesão social, uma necessidade para a vida e a sociedade.

Rompendo a indiferençaRecentemente, diante de uma tra-

gédia que matou (e mata) centenas de pessoas na ilha de Lampeduza, na Itália, o Papa Francisco alertou para uma coletiva falta de responsabilidade diante das misé-

EsPECiAL

Vem do Evangelho de Jesus nosso primeiro exemplo de solidariedade. Je-sus de Nazaré foi um homem solidário e itinerante, espalhando o sentimento imperativo do embate. Ele ensina que a solidariedade se sente somente quando encarnada na realidade, no contato com o outro. A solidariedade cristã, pressu-põe o rompimento de pré-conceitos morais e a aproximação dos segregados – um exercício de entrega, de abnega-ção do benefício próprio para que o co-letivo se fortaleça.

A palavra solidariedade vem do la-tim solidare, que significa, etimologica-mente, solidificar, confirmar. Tem a mes-ma origem da palavra sólido, que tem consistência, que não é oco, que não se destrói facilmente. Pensar e agir de forma solidária são iniciativas que, por-tanto, precisam atingir dimensões que transcendam a generosidade e o assis-tencialismo para alcançar uma proposta

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rias humanas. Passou a adotar, à época, o termo globalização da indiferença para se referir ao constante estado de apatia em que a sociedade se encontra.

Nas palavras do Papa Francisco: “Perdemos o sentido da responsabili-

dade fraterna (…). A cultura do bem-es-tar, que nos leva a pensar em nós mes-mos, nos torna insensíveis ao grito dos outros, nos faz viver em bolhas de sabão, que são belas, mas são nada, são uma ilusão de futilidade, do provisório, que leva à indiferença para com os outros, leva até mesmo à globalização da indife-rença”. Não é difícil entender a dimensão do problema relatado pelo Papa Fran-cisco. Vivemos em uma época em que são fáceis e crescentes as trocas entre os países, nas mais diversas dimensões: cul-turais, econômicas ou sociais. Ao mesmo tempo, vivemos em um mundo em que as nações destroem vidas em nome do fornecimento de gás, do benefício do petróleo, da divergência religiosa ou da discordância em taxas de importação.

Mas então, como romper com esse contexto?

Citando soluções apontadas no livro Caminhos de Solidariedade Marista nas Américas: crianças e jovens com direitos, a Leiga Mónica Linares, da Província Ma-rista Cruz del Sur, lembra que a indife-rença está intimamente ligada à falta de diálogo, às frustrações, à falta de traba-lho conjunto e à invisibilidade da injusti-ça, que está matando a vida abundante da qual as pessoas têm direito. Para ela, a indiferença reduz a capacidade de mo-bilização coletiva.

Para Mónica, é importante repen-sarmos as articulações de espaços de trabalho e a fraternidade universal entre países e regiões, ultrapassando frontei-ras. Cita, como exemplo, projetos con-juntos, intercâmbio em trabalhos que

gerem frutos – não assistenciais ou de conjuntura – para as novas demandas de realidades complexas, de conflito, vulneráveis e esperançosas em que vi-vem nossas crianças e jovens. Articula-ções dinâmicas, conectivas, de acordo com as necessidades e os desejos de uma estrutura ampla de possibilidades e oportunidades.

Atitude que está no DNA Marista

A vida de Champagnat está repleta de histórias que nos remetem aos atos de bondade, coragem e compaixão. Li-ções de vida do fundador do Instituto Marista e que, ao longo de quase 200 anos, inspiram e são focos essenciais na ação evangelizadora em todo o mundo.

Uma em especial, relatada por Jean--Baptiste Furet, no livro Vida de São Mar-celino José Bento Champagnat, nos dá um exemplo da mais profunda solida-riedade ao sofrimento do outro. Narra que, certa vez, chamaram-no para aten-der um doente. Ao chegar na casa do enfermo, Marcelino deparou com um profundo estado de miséria. O homem, coberto de chagas, tinha apenas alguns trapos a cobrir a pele e úlceras. O caso toca profundamente o padre, que lhe dirige palavras de conforto e compai-xão. Ao chegar em casa, chama o Irmão ecônomo e pede-lhe que leve imedia-tamente um colchão, lençóis e coberto-res. Quando se dá o diálogo:

– Mas, Padre, não temos nenhum colchão sobrando.– Como! Não encontra nenhum colchão na casa?– Não, nenhum. Deve lembrar-se que dei o último faz alguns dias.– Pois bem! Retire o colchão da mi-nha cama e leve-o agora mesmo ao pobre do homem.

O Irmão Miguel Orlandi, membro da Subcomissão Interamericana de Solida-riedade, coordenador do Centro Social Marista Ir. Antônio Bortolini e Presidente da Avesol, lembra, ainda, que a solida-riedade marista pressupõe, sobretudo, a doação do capital humano.

“Está na nossa essência, no nosso DNA. Ao revisitarmos a história dos Ir-mãos Maristas no Sul do Brasil temos um belo exemplo. Os primeiros Irmãos que chegaram ao Estado tiveram a pou-ca bagagem que traziam confiscada. Contaram, então, com a solidariedade do povo que aqui vivia. E, mesmo sem ter praticamente nada, nunca deixaram de atender quem precisava. Doavam o seu conhecimento em educação, mú-sica, esporte, evangelização – o capital humano – ao outro”, conta.

Outro fator presente no carisma Marista e que é também exemplo de inspiração solidária, é a partilha e uso evangélico dos bens. Tudo o que os Ir-mãos possuem, exemplifica, está a ser-viço da comunidade.

“Uma das formas maristas de ser é le-var o valor da solidariedade incorporado em cada ação.”

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8 Atendimento aos migrantes é feito na rodoviária de Porto Alegre8

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) nos mostram que existem, no mundo, mais de 232 milhões de migrantes – em torno de 3,2% da população mundial. Desses, 30 milhões estão em situação irregular e, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 21 milhões em trabalhos forçados. O que temos a ver com isso? Muitos desses migrantes buscam, em nosso País, condições para uma vida digna. Nós também estamos, portanto, sendo desafiados à solidariedade global.

Inspiradas na solidariedade que é iminente a todo cristão, as Irmãs Scalabrinianas realizam um importante trabalho de acolhida, orientação e encaminhamento de mi-grantes, em diversas cidades do País. Em Porto Alegre, elas realizam essa missão em um posto na Estação Rodoviária. As atividades iniciaram em 1999 e, de lá pra cá, já atenderam quase 21 mil pessoas.

São migrantes do interior do Estado, de outras regiões e até outros países. Pesso-as que chegam à cidade com poucas perspectivas e com as mais diversas necessi-dades – desde um local para dormir, o contato de um parente, até encaminhamento para fazer documentos perdidos ou furtados. A solidariedade, nesse caso, está inti-mamente ligada à aproximação com o outro.

“Nos toca muito esse contato com os migrantes. Porque nos colocamos no lugar deles, sentimos suas necessidades, sonhos, esperanças e até sofrimento. Im-possível ficar indiferente”, conta a Irmã Egídia Muraro, coordenadora da Pastoral dos Migrantes da Arquidiocese de Porto Alegre.

No dia a dia de trabalho, as Irmãs contam que muitos migrantes chegam à cidade doentes, com pouca (ou sem) bagagem e um sentimento nostálgico de saudade de casa, das suas terras natais. “Mais do que dar esse suporte inicial, os encaminha-mos para os serviços da prefeitura e fazemos um trabalho de sensibilização junto aos órgãos públicos para garantir que esses migrantes tenham seus direitos humanos preservados”, afirma Irmã Egídia.

O mesmo trabalho é feito em diversas cidades do Rio Grande do Sul e outros Esta-dos. Um importante polo regional fica em Bento Gonçalves, onde as Irmãs Scalabrinia-nas trabalham, atualmente, com mais de 1.300 migrantes haitianos.

Solidariedade ao migrante

“Ser solidário é fazer o que preserva a vida em sua integridade, é se doar para que outros possam viver em plenitude. Solidariedade é doação, é o ato de entregar-se para não esvaziar, não dissolver, não degradar a vida. É ser e estar a serviço de um mundo inteiramente digno, é ser militante do Reino de Deus.”Pilato Pereira, presbítero anglicano (IEAB), professor e mestre em Teologia

EsPECiAL

O conceito de solidariedade está tão incorporado ao modo de ser marista que, a própria solidariedade, é um valor institucional, presente na nossa missão. A violeta, um dos símbolos da nossa atuação, também recorda que a solida-riedade deve vir acompanhada de um sentimento genuíno e que não busca o benefício próprio, por isso deve ser exer-cida de forma discreta, mas marcante.

Missão sem fronteirasÉ ampla e diversificada a atuação ma-

rista pelo mundo. Estamos presentes em 82 países, em todos os continentes e, em alguns lugares do mundo, como a cida-de de Aleppo, na Síria, a presença marista se dá de forma missionária e voluntária.

Em nível mundial, contamos com a Fundação Marista de Solidariedade Internacional (FMSI), reconhecida pela Organização das Nações Unidas e que atua no campo da solidariedade interna-cional, com foco na defesa dos direitos da criança, do adolescente e do jovem. A FMSI promove e apoia projetos de ações educacionais e sociais em regiões em desenvolvimento. Além disso, ajuda a fo-mentar uma rede de integração com ou-tras ONGs, redes, coalizões e grupos que partilham os mesmos objetivos e valores. Conheça mais em www.fmsi-onlus.org.

Irmão Miguel vivencia a solidariedade diariamente, no contato com os educandos

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Durante toda a minha vida eu te-nho lutado contra a indiferença e tenho lutado por um mundo mais fraterno e Solidário. A primeira imagem de solida-riedade que desperta em minha consci-ência é o episódio do Bom Samaritano. Isso mesmo, essa linda passagem bíblica no Evangelho de Lucas1.

O que mais me toca nessa passa-gem é a resposta de Jesus sobre quem é o meu próximo. Geralmente pensamos que é aquele que está ao meu lado, alguém de minha família, etc. Pois ele apresenta algo muito diferente e desa-fiador. O mais instigante nessa história é o fato de que aqueles de quem espe-ramos apoio, não o fazem. Mas, alguém que passava por aí, um viajante, “quando chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele”. Essa á a palavra mágica. Algumas pessoas usam a palavra compaixão, fraternura, amor, etc.

O ser humano está cheio de indife-rença. Estamos acostumados a olhar os problemas e não fazer nada. Sempre achamos que alguém devia ou vai fa-

Solidariedade x Globalização da Indiferença

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zer algo e passamos adiante. Sempre delegamos para alguém imaginário que não existe. Esse alguém sou eu. Hoje, aqui e agora. Nesse episódio, a pessoa “aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele”. Lindo! Muito Lindo. O final é ainda mais desafiador. “Vá e faça o mesmo”.

O Papa Francisco tem sido a voz que clama em nossa sociedade. “Hoje em dia há crianças que não têm o que comer no mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição. Há doentes que não têm acesso a tratamento. Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de frio no inverno. Há crianças que não têm educação. Nada disso é notícia. Mas quando as bolsas de algumas capitais caem três ou quatro pontos, isso é tratado como uma gran-de catástrofe mundial. Esse é o drama do humanismo desumano que estamos vivendo. Por isso, é preciso recuperar crianças e jovens, e não cair numa glo-balização da indiferença”.2

Por ocasião de sua visita à ilha de Lampedusa, falando do naufrágio ocorrido em outubro de 2013, o Papa perguntava sobre os responsáveis pela morte daquelas pessoas. E afirmava: “Todos nós somos responsáveis sim. A globalização da indiferença nos tirou a capacidade de chorar”.

E por que isso continua acontecen-do? E nós facilmente esquecemos, até que outro fato macabro nos desperte do sono entorpecente.

Alguns dados sobre a violência em nosso país nos levam a refletir sobre o que podemos fazer para mudar essa realidade. Segundo o recente estudo “Mapa da Violência 2012, Crianças e

Adolescentes do Brasil”, em 2010 foram assassinados pelo menos 24 crianças e adolescentes por dia, num total de 8.686 mortos. Trata-se de um trágico aumento de 346% entre 1980 e 2010. De 92 países analisados, o Brasil é o quarto por vio-lência contra menores e adolescentes entre 0 a 19 anos, depois de El Salvador, Venezuela e Trinidad e Tobago, países com uma economia mais atrasada em relação à brasileira, considerada a sexta do mundo. O Brasil é o único desses pa-íses a ter um Estatuto da Criança e do Adolescente, assinado 20 anos atrás, e a realizar programas sociais que envolvem a população mais pobre, onde se regis-tram os índices mais altos de violência. Entre 1980 e 2010, foram mortos 3,1 crianças e adolescentes a cada 100 mil; em 2010 foram registrados 13,8 casos a cada 100 mil.3

O mundo está cheio de Organismos Locais, Regionais, Nacionais e Interna-cionais. A ONU possui forte estrutura de acompanhamento para os países mem-bros. Existem organizações não gover-namentais e Institutos Humanitários em todo o Planeta. Mesmo assim, a indife-rença persiste.4

Sem dúvida esperamos por uma res-posta refrescante aos nossos inúmeros gestos de solidariedade e também de egoísmo e falta de respeito humano. A resposta está em você.

Ir. Vicente Sossai FalchettoAgente de promoção dos direitos da criança na Fundação Marista de Solidariedade Internacional (FMSI)

1 Lucas 10, 25 - 37 2 http://franciscanos.org.br/?p=42632#sthash.5KD4FMVK.dpuf 3 http://www.news.va/pt/news/americabrasil-cresce-a-violencia-no-pais-a-cada-di 4 http://www2.ohchr.org/english/

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missÃo

solidariedade que ultrapassa fronteiras

Marcelino Champagnat, há quase 200 anos, foi audacioso ao preconizar que “todas as dioceses do mundo fazem parte dos nossos planos”. Na sua percepção, estar próximo e deixar-se tocar pela realidade do outro era fundamental para a sensibiliza-ção e o despertar da solidariedade, da vontade de agir.

Em 1836, a Igreja Católica legitimou a Sociedade de Maria e lhe confiou uma missão muito especial: atuar junto às comuni-dades da Oceania. Foi o primeiro passo para a expansão missio-nária – que vem se fortalecendo ao longo das décadas e, hoje, já representa a atuação em 82 países.

Uma dessas missões ganha significado especial em 2014, quando comemoramos 60 anos de atuação marista em Angola. Presentes no país desde 1954, os Irmãos Maristas conduzem três Unidades para o atendimento de mais de 3 mil estudantes: a Es-cola Marista Cristo Rei, na Capital Luanda; a Escola de Formação de Professores Marista São José, no Kuito-Bié; e a Escola Primária Marista São Marcelino Champagnat, em N’Dalatando.

São Maristas que vivenciam a essência da missão em seu sentido mais amplo, sendo protagonistas da evangelização em uma realidade marcada por um histórico de violenta guerra civil, que deixou marcas profundas na má distribuição de renda e na presença de regiões de extrema miséria.

Trajetória calcada na coragemOs primeiros Irmãos estabeleceram-se em Angola no dia 17

de março de 1954, na cidade de Sá de Bandeira (atual Luban-go). Eles vinham ao país, então uma colônia portuguesa, para assumir o Internato Diogo Cão, tradicional escola da região que passava por uma profunda crise administrativa e moral.

Foram três, os pioneiros nessa missão: o Irmão Rolando Amorim, deslocado do Alto Molócué, em Moçambique, com larga experiência educacional; o Irmão Alfredo Caetano Damian, ou Irmão Celso, como era conhecido, nomeado Diretor e, mes-mo com a pouca experiência e desconhecimento do ambiente da África, foi incansável e, em pouquíssimo tempo, conquistou a comunidade escolar; além do Irmão Justino Maria, que perma-neceu três anos no local e também teve grande importância na construção de um novo paradigma educacional.

Com o empenho e amor à missão, protagonizados pelos pioneiros, logo a obra social e religiosa ganhou o respeito da comunidade. A expansão era inevitável e, nos anos seguin-tes, logo foram constituídas novas obras no país. Em 1955, foi fundado o Colégio São José, em Silva Porto, no Kuito-Bié. Em 1958, foi a vez do Colégio de Cristo Rei, na capital Luanda. Em 1971, os Irmãos assumiram a Escola de Professores Salazar, em N’Dalantando. E, por fim, em 1981, foi criada a Casa de Formação de Lobito.

Esperança em um cenário de guerraDas seis décadas de atuação em Angola, praticamente a

metade (27 anos) se deu em meio a uma violenta guerra civil. O confronto foi fruto de uma disputa de poder no país, após o golpe de Estado de 1974, em Portugal, episódio conhecido como a Revolução dos Cravos.

Nessa época, os milhares de portugueses nascidos ou re-sidentes em Angola fugiram do país, deixando um vazio na estrutura social e administrativa – entre eles, os Irmãos Ma-ristas portugueses. Sobraram apenas cinco Irmãos, que deci-diram ficar para guardar os bens do Instituto e colaborar na Pastoral Eclesial. Era a semente de uma nova forma de missão e de presença Marista em Angola.

Os Irmãos que permaneceram, organizaram-se para não deixar nenhuma residência Marista abandonada. As escolas acolheram refugiados, mas os edifícios foram nacionalizados, deixando de pertencer à congregação. A nacionalização dos colégios representou um fator determinante para que os Irmãos que decidiram ficar em Angola procurassem outras formas de exercer a missão. Maristas que enfrentaram a fome, a falta de medicamentos, sequestros, violência e um perma-nente clima de terror para manter acesa a chama da missão de São Marcelino Champagnat.

Missão em Angola beneficia 3 mil estudantes

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solidariedade que ultrapassa fronteiras

Celebração marcou os 60 anos de atuação marista em Angola

O processo de pacificação de Angola, por diversas vezes co-meçado e sempre negado pelo reinicio da guerra civil, deixou na carne e na alma do povo marcas profundas de sofrimento e de desilusão. Somente em 2002 a paz se instaurou, dando novo fôlego à atuação marista em terras angolanas.

Otimismo no pós-guerraNesses doze últimos anos, existe um esforço de reconstru-

ção que envolve todos os setores da sociedade. Ainda há mui-tos problemas a serem sanados, especialmente na desigual dis-tribuição de renda e na infraestrutura do país. O povo angolano, no entanto, é incansável em demonstrar sua força. Da mesma forma, a atuação Marista de Angola tem presenciado diversas transformações e realizado projetos nesse período.

A presença efetiva de Irmãos, missionários e Leigos Maristas na região eleva a condição de cooperação para uma efetiva in-serção da missão em Angola. Esta missão evidencia a solidarie-dade, reiterando o caráter missionário e de cuidado com crian-ças, adolescentes e jovens presentes em nosso carisma.

Atualmente, três Irmãos da Rede Marista atuam em Angola: o Ir. Antonio Silva, de Santo Ângelo, que é diretor da escola de Luanda; o Ir. Tarcísio Postingher, de Garibaldi, que dá aulas de informática no centro de N’Dalantando; e o Ir. belmiro Schmidt, de Santo Cristo, formador dos juvenistas no Kuito.

“Realizei uma experiência missionária na comunidade do Kui-to-Bié, de março a dezembro de 2013. Lá existe uma Escola Ma-rista de Formação de Professores, em que pude contribuir com meus conhecimentos nas áreas de Biologia, Química e Voleibol. Foi uma experiência fantástica: conviver com um povo de uma cultura rica, distante da nossa realidade, e que tem uma histó-ria triste recente (guerra civil). Lembro que várias alunas que já eram mães e, muitas vezes traziam, seus bebês pra escola pois não queriam desperdiçar a oportunidade do estudo. É um povo de uma simplicidade marcante. Cada olhar, cada toque, cada pessoa que passou por mim deixou um pouco de si. Trago-as junto comigo, nos meus pensamentos, orações e, também, ações.”Regina Biasibetti, colaboradora na Coordenação de Vida Consagrada e Laicato da Rede Marista

“Quando adolescente, movia-me o desejo de ir além das mi-nhas cercanias, ser presença em outros ambientes. A oportuni-dade chegou em novembro de 2000 quando, já Irmão Marista, surgiu a necessidade de substituir um missionário em Angola. Cheguei ao meu destino em fevereiro de 2001 e lá permaneci por 10 anos. O país ainda encontrava-se em guerra e os deslo-camentos, as comunicações e tantas outras necessidades eram precárias ou inexistentes. Nesses anos foram tantos os sentimentos: alegria de partilhar e descobrir a cultura diferente; solidão e isolamento em terras estrangeiras; acolhida e reconhecimento pela presença; des-conforto por ser diferente; satisfação de ver as transformações do país. Sentia-me meio brasileiro e meio angolano.” Ir. Odilmar Fachi, diretor do Centro Social Marista de Por-to Alegre

“Vamos aos jovens lá onde eles estão. Vamos com ousadia aos ambientes, talvez inexplorados, onde a espera de Cristo se revela na pobreza material e espiritual.” Constituição Marista

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A descoberta da comunidade e da questão social

Nos meses de junho e julho de 2013, milhões de adolescentes e jovens brasi-leiros foram às ruas para lutar por me-lhores condições de vida. Inicialmente contra o aumento das tarifas do trans-porte, mas rapidamente a luta por mais direitos sociais estava presente nas mo-bilizações e se pedia mais saúde, educa-ção, democracia. Nos cartazes, faixas e rostos pintados também diziam que a política atual não representa as juventu-des, que quer mudanças profundas na sociedade brasileira.

Para muitos/as, quando isso aconte-ceu, foi quase que um choque, pois não se imagina que pudessem se manifestar, sair às ruas. Sem que a sociedade perce-besse, tinha algo que estava sensibilizan-

do-os/as. Segundo o sociólogo Michael Mafessollì, “não há mais uma grande causa, a ‘sociedade perfeita do amanhã que vamos construir pela política’, mas, ao contrário, é o que está mais ligado à vida cotidiana” que está sensibilizando as juventudes. São causas mais afetivas, mas o ponto de partida é a realidade cotidia-na, a partir de onde os pés pisam.

Após a sensibilização vem o com-promisso de cada pessoa. É o sair do isolamento e procurar agir em grupo, coletivamente. Esse compromisso pre-cisa ser assumido e experienciado. Para assumir precisa entender o que está acontecendo, ver a vida cotidiana a par-tir de algumas chaves de leitura, pois, do contrário, a ação sem formação leva ao

vazio de sentido, e formação sem ação leva à alienação.

Dentro do processo de vivência grupal da PJM, o grupo experimenta suas etapas a partir das descobertas: do caminho comunitário; do grupo; da co-munidade; da questão social; do desper-tar da vocação e o amadurecimento do projeto de vida. Por essas descobertas o adolescente e jovem vai assumindo sua vida, libertando-se de dependências, vai solidarizando-se com as causas de ou-tras pessoas. Enfim, vai amadurecendo e adquirindo mais condições para ajudar a gestar uma sociedade diferente, mais hu-mana e solidária. A ousadia e o protago-nismo de adolescentes e jovens resultam em mudanças na sociedade.

É primordial entender o que acontece nos diversos âmbitos da organização social para identificar, no cotidiano de nossas vidas, as possibilidades de atuação solidária. Isso implica na descoberta da comunidade e, nela, a questão social.

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Sensibilizar para comprometer!A PJM do Colégio Marista Champagnat, em 2014, refletiu com os participantes e Animadores/as sobre política, motivados pelas manifestações de 2013 e por ser ano de eleições, despertando para a dimensão política do ser humano e para o exercício da cidadania. Eis as atividades realizadas:

Atividade 1:No Reencontro de toda a PJM, no início do ano, os participantes foram divididos em grupos de cinco pessoas representando a “família”. Cada pessoa representava uma especificidade dentro da família: pai, mãe, filho que estudava no Ensino Fundamental, filho que estudava no Ensino Médio e idoso. Não era necessário ser do gênero masculino ou feminino para exercer a função, só deveria representar o papel dessa pessoa dentro da família.

Prepararam-se seis Animadores/as que seriam os candidatos à prefeitura, e cada candidato tinha seis propostas.Em seguida, juntaram-se mães e pais em um grupo, todos os filhos em outro, e os idosos ficaram sozinhos. Cada um desses três grupos foi para um ambiente diferente onde dois candidatos falaram sobre as suas propostas. Cada candidato tinha aproximadamente seis minutos e fazia rodízio entre os grupos para que todos

ouvissem as propostas de todos.Para essa etapa foi distribuído papel com os nomes dos candidatos de cada rodada. Eles deveriam marcar um “x” no que eles escolhessem.As famílias foram novamente unidas e precisavam entrar em um consenso sobre os candidatos, já que cada uma delas tinha direito a apenas um voto. Para finalizar, fez-se a apuração dos votos e uma partilha das experiências da dinâmica.

Atividade 2: Essa aconteceu no reencontro da PJM de agosto. Separaram-se os participantes em grupos de oito pessoas. Cada grupo começou a ser chamado de chapa. Eles precisavam elaborar seis propostas, seguindo as seguintes temáticas 1. Para ser executado diariamente por todos do grupo, individualmente, na sua realidade; 2. Transporte; 3. Saúde; 4. Educação; 5. Sustentabilidade; 6. Projeto social; 7. Acessibilidade e 8. Livre.Cada Animador/a ficou responsável por acompanhar e animar uma chapa, dando as orientações e fazendo observações. Tinham que elaborar propostas que pudessem colocar em prática. Por exemplo: aumentar a frota de ônibus: como?Depois da primeira atividade do ano, deu-se uma das propostas elaboradas para cada adolescente e jovem do grupo (oito propostas para oito adolescentes e jovens). Em seguida, foram reorganizados por temáticas:

todos os do transporte se reuniram; todos os da saúde, e assim por diante. O desafio era escolher a proposta mais em conta e unir as propostas, enfim, ficava a critério do grupo definir como e o que iria fazer. Após, cada grupo escreveu em um pedaço de tecido a sua proposta e todos os pedaços foram costurados, criando ações comuns. Cada Animador/a foi fazendo a conscientização no seu grupo sobre essa atividade, para gerar comprometimento. Eis as propostas:1. Para ser executado diariamente por

todos do grupo, individualmente, na sua realidade: cartazes da inspiração corrente do bem.

2. Transporte: criar um sistema de caronas por bairro.

3. Saúde: incentivar a criação de grupos para se exercitar regularmente.

4. Educação: partilha do conhecimento escolar via internet.

5. Sustentabilidade: lixeiras para lixo orgânico na sala de aula com a finalidade de hortas comunitárias.

6. Projeto social: levar ração e água na mochila para alimentar animais de rua. Criar uma página no Facebook para divulgar esse projeto.

7. Acessibilidade: produzir rampas de madeira para acessibilidade urbana contendo frases e imagens inspiradoras.

8. Livre: levar o seu espírito protagonista, adquirido na PJM, para fora do seu grupo, através de encontros.

A partir dessa atividade, percebe-se que os participantes e o grupo vão descobrindo o seu protagonismo e a sua cidadania a partir da prática, pois o compromisso exige despojamento, espírito missionário, contato com a realidade, que se transforma em compaixão. Dar oportunidade para irem exercitando é incentivar para a participação cidadã.

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DirETrizEs

Princípio solidariedade O fato de Jesus ter chorado nos remete à Sua não indiferença diante da dor de ou-

tras pessoas. Como todo ser humano, Ele ficou cansado nas longas caminhadas pelos desertos da Palestina, sentiu fome, precisou dormir; o Filho de Deus se fez uma pessoa comum, semelhante a qualquer pessoa humana. Se as pessoas são sensíveis, choram, cansam, sentem sono, por que existem tantos abismos sociais espalhados pelo mundo todo, desafiando nossa solidariedade?

A solidariedade precisa ser acordada em nossas consciências, pois quando olha-mos para alguém maltrapilho numa calçada e pensamos “pobrezinho” e continuamos pelo nosso caminho sem nada fazer, estamos mantendo-a adormecida. No fundo, achamos que o Estado ou alguma instituição assistencial deveria fazer algo. Terceiriza-mos a solidariedade. Delegamos para alguém ser solidário por nós, até pagamos para que isso aconteça, não assumindo o que me cabe enquanto ser humano.

Pensar que aquilo que só nós podemos fazer não pode ser delegado a um ter-ceiro é o despertar do princípio solidariedade. Solidariedade é outro nome para o princípio cristão do “amor ao próximo”. Viver a solidariedade como princípio é não compactuar com a consciência egoísta e fechada na cultura do bem-estar. Precisamos despertar para novas sensibilidades.

Quem chorou ontem pelas pessoas que morreram de fome no mundo? Quem no mundo se sente responsável por isso? Responder a essas perguntas implica viver o sentido da responsabilidade fraterna. Sentir que cada criança que nasce não é apenas filha de seus pais biológicos, mas filha de todos e que todos somos responsáveis uns pelos outros nos tornará capazes de acordar a solidariedade em nós, ajudando a criar a cultura da solidariedade.

Estamos em uma sociedade que es-queceu a experiência do chorar, do “pa-decer com”. A globalização da indiferença nos tirou a capacidade de chorar! O outro é simplesmente aquele que perturba a mi-nha vida, o meu bem-estar. Superar essa visão perversa sobre o outro é recuperar a nossa capacidade de chorar pelas pessoas que clamam por condições mínimas de vida, transformando lágrimas em atitudes.

A palavra solidariedade é colocar-se no lugar do outro, fazer-se irmão de quem mais sofre, é sentir com..., não para man-ter as coisas como são, mas para dar-lhes novo sentido e, se necessário, fazer a dife-rença. Solidarizar-se é atitude que nasce da compaixão, gera mudança no modo de ver, pensar, entender e supera a visão que torna “naturais” as situações de injusti-ça social. Para muito além de campanhas assistenciais, a solidariedade nos mobiliza a desenvolver metodologias e processos educativos que sensibilizem para o en-gajamento em espaços de promoção e garantia de direitos de crianças, adoles-centes, jovens e adultos. Champagnat, no encontro com o jovem Montagne, não se acomodou achando natural a sua morte aos 16 anos, sem instrução escolar e sem os principais fundamentos da fé. Não po-dendo fazer mais nada por esse e movido pela compaixão, decidiu fundar o Instituto Marista como meio de evangelizar pela educação prioritariamente crianças e jo-vens empobrecidos.

Karen Theline Silva, Marcos José Broc e José Jair Ribeiro | Assessora/es da Coor-denação de Pastoral.

Jesus chorou.(Jo 11, 35).

Papa Francisco em meio aos sobreviventes da tragédia de Lampedusa

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Em rEDE

Confira algumas ações evangeli-zadoras que marcaram o segundo semestre nas unidades maristas.

Os colaboradores do Centro Social Marista Santa Isabel (Porto Alegre, RS) participaram de retiro com o objetivo de oferecer períodos de reflexão e integração, estudo e cultivo da espiritualidade Marista, através da temática Vocação. Um dos facilitadores foi Gustavo Balbinot, que propôs atividades de análise pessoal e contato com a e espiritualidade através de palestra, música e reflexão.

Em julho, o Projeto Espiritualidade da Pastoral da Saúde do Hospital São Lucas (Porto Alegre, RS) promoveu o 4º encontro de Formação do Voluntariado, que abordou o tema a arte de AMAR, com a assessora Rosa Maria Ayten. Participaram 17 voluntários e as Irmãs Iolanda Scnheider e Nair Frey

Em julho, Animadores/as participaram da Missão Jovem Marista, no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita, que tem como objetivo oportunizar aos adolescentes e jovens uma experiência com grupos que estão contribuindo para a construção da Civilização do Amor. Experiência para os jovens de rever princípios e formular atitudes para ajudar a construir a Civilização do Amor.

O Colégio Marista Rosário (Porto Alegre, RS) recebeu o Prêmio Ser Humano 2014, um reconhecimento nacional concedido pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) por seu projeto de voluntariado. As atividades são coordenadas pelo Setor de Pastoral Escolar e estão de acordo com o Projeto Educativo do Brasil Marista. Hoje são 70 estudantes voluntários, da 8ª série e Ensino Médio.

Durante a semana vocacional Marista, em agosto, os estudantes do Ensino Fundamental e Médio do Colégio Marista Aparecida (Bento Gonçalves, RS) participaram de encontros de formação para refletir sobre vocação e profissão. Num momento descontraído puderam vivenciar cantos, brincadeiras, vídeos, dinâmicas e tirar suas duvidas sobre as diferentes vocações com integrantes da Equipe vocacional da Diocese de Caxias do Sul.

O Colégio Marista Santa Maria (Santa Maria, RS) promoveu o Festival de Música, evento construído em conjunto pela PJM e Grêmio Estudantil. Neste ano, o evento contou com 22 apresentações de alunos e ex-alunos. Além de descontração e boa música, o evento ajuda no desenvolvimento de habilidades, como cooperação e liderança. Um evento de jovens para jovens.

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Rumo aos 200 anosde presença marista no mundoUm novo começo que nos leva ao encontro dos Montagnes de hoje

Não é por acaso que a preparação ao bicentenário de fundação

do Instituto Marista no mundo começa no dia 28 de outubro. Foi

neste dia, em 1816, que São Marcelino Champagnat encontrou-

se com o jovem Jean-Baptiste Montagne, um adolescente à

beira da morte, ignorante em aspectos fundamentais da fé cristã.

Neste encontro, o fundador percebeu que não havia mais

tempo a perder. Dois meses depois fundou o Instituto Marista. O

Ano Montagne, que abre os preparativos para 2017, nos

recorda a importância e a urgência da nossa missão nos dias de

hoje, tão atual e necessária como nos tempos de Champagnat.