normas gerais antielisivas

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    Nmero 4 novembro/dezembro de 2005 e janeiro de 2006 Salvador Bahia Brasil

    NORMAS GERAIS ANTIELISIVAS

    P r o f . Ri c a r d o L o b o T o r r e s

    Professor Titular de Direito Financeiro na UERJ.

    Sumrio. I - A LEI COMPLEMENTAR No 104/01. II - O FUNDAMENTO METODOLGICO DASNORMAS ANTIELISIVAS. 1. As correntes tericas bsicas na interpretao do Direito Tributrio.1.1. A interpretao conceptualista. 1.2. A chamada interpretao econmica. 1.3. A interpretaovalorativa. 2. A teoria da eliso fiscal. III - O PRINCPIO DA TRANSPARNCIA E AGLOBALIZAO. 3. A transparncia fiscal e a sociedade de riscos. 4. A transparncia na atividadefinanceira. 4.1. A responsabilidade fiscal. 4.2. O Cdigo de Defesa do Contribuinte. 4.3. O combate corrupo. 5. O princpio da transparncia e os riscos fiscais provocados pelo contribuinte. 5.1.Normas anti-sigilo bancrio. 5.2. A corrupo ativa do contribuinte. 6. A transparncia fiscal e asnormas antielisivas. IV - A NORMA GERAL ANTIELISIVA. 7. Caractersticas. 8. A norma antielisivano direito alemo: proibio de abuso de forma jurdica. 9. Outros modelos estrangeiros. 9.1.

    Vedao de fraude lei (Espanha). 9.2. Desconsiderao da personalidade jurdica (Argentina). 9.3.Propsito mercantil (Estados Unidos, Canad, Inglaterra, Austrlia, Sucia). 9.4. Disposiesantielusivas do direito italiano. 9.5. Normas antiabuso em Portugal. 9.6. O modelo francs e a suarecepo no Brasil. V- AS NORMAS ANTIELISIVAS NO DIREITO BRASILEIRO. 10. Clusulasantielisivas no imposto de renda. 11. A recepo do princpio arms length. VI - A NORMAANTIELISIVA DO ART. 116, PARGRAFO NICO, DO CTN. 12. Regra antielisiva ou antievasiva?13. A necessidade de se escandir a norma antielisiva. 13.1. A autoridade administrativa... 13.2.poder desconsiderar... 13.3. ... atos ou negcios jurdicos praticados... a) Requalificao dos fatosgeradores concretos. b) Dois exemplos de qualificao abusiva. c) Eliso e simulao. 13.4. ... coma finalidade de dissimular... a) Dissimulao e simulao relativa. b) Dissimulao e eliso. 13.5. ... aocorrncia do fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigao tributria... 13.6.... observados procedimentos a serem estabelecidos na lei ordinria. 14. A fenomenologia da normaantielisiva. 14.1. A contra-analogia. 14.2. A reduo teleolgica. VII CONCLUSES. VIII BIBLIOGRAFIA.

    I. LEI COMPLEMENTAR 104/01

    A Lei Complementar no104, de 10.01.01, introduziu no art. 116 do CdigoTributrio Nacional a norma geral antielisiva:

    Pargrafo nico A autoridade administrativa poder desconsiderar atosou negcios jurdicos praticados com a finalidade de dissimular aocorrncia do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos

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    constitutivos da obrigao tributria, observados os procedimentos a seremestabelecidos na lei ordinria.

    O dispositivo transcrito vem despertando inmeras dvidas quanto sualegitimidade e alcance.

    Pretendemos examinar neste trabalho o fundamento metodolgico (item II)e o princpio da transparncia (item III) que postulam e justificam as regrasantielisivas. Analisaremos, aps, as clusulas gerais antielisivas no direitoestrangeiro e a sua recepo no Brasil (itens IV e V). Finalmente dedicaremos aateno ao art. 116, pargrafo nico, do CTN, procurando escandir-lhe oenunciado normativo e desvendar a fenomenologia da sua aplicao (item VI).

    II. FUNDAMENTO METODOLGICO DAS NORMAS ANTIELISIVAS

    As normas antielisivas assumiram extraordinria importncia no direitotributrio durante a dcada de 90. O desenvolvimento da metodologia jurdica eda teoria de interpretao, com a superao dos positivismos economicistas econceptualistas, constituiu uma das principais causas para a nova viso danecessidade e da possibilidade de combate eliso e ao planejamento abusivos.

    1. AS CORRENTES TERICAS BSICAS NA INTERPRETAO DODIREITO TRIBUTRIO

    A interpretao do direito tributrio se faz a partir das posies firmadas nocampo da teoria geral da interpretao: a jurisprudncia dos conceitos, a

    jurisprudncia dos interesses e a jurisprudncia dos valores.

    A jurisprudncia dos conceitos projetou para o campo fiscal a interpretaoformalista e conceptualista. A jurisprudncia dos interesses se transformou nachamada interpretao econmica do fato gerador. A jurisprudncia dos valores,que nas ltimas dcadas passou a prevalecer em todas as naes cultas,substituiu as duas outras ao atrelar a interpretao jurdica aos princpios ticos e

    jurdicos vinculados liberdade, segurana e justia.

    1.1. A INTERPRETAO CONCEPTUALISTA

    A interpretao fundada na jurisprudncia dos conceitos parte da crena deque os conceitos e as categorias jurdicas expressam plenamente a realidadesocial e econmica subjacente norma, de modo que ao intrprete no cabe sepreocupar com os dados empricos. Aparece muita vez como interpretaosistemtica ou lgico-sistemtica, segundo a qual os conceitos e institutos devemser compreendidos em consonncia com o lugar que ocupam ou com o sistema

    de que promanam.

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    A jurisprudncia dos conceitos, com razes no pandetismo alemo,defende, no campo da fiscalidade, as teses do primado do direito civil sobre odireito tributrio, da legalidade estrita, da ajuridicidade da capacidade contributiva,da superioridade do papel do legislador, da autonomia da vontade e do carter

    absoluto da propriedade.Corresponde, historicamente, ao apogeu do Estado Liberal, que cultiva o

    individualismo possessivo.

    Seus grandes nomes no direito estrangeiro: Kruse1e A. D. Giannini2. NoBrasil : Gilberto de Ulhoa Canto3e A. R. Sampaio Dria.4

    1.2. A CHAMADA INTERPRETAO ECONMICA

    A interpretao fundada na jurisprudncia dos interesses, que se ops aospostulados da jurisprudncia dos conceitos, projetou-se para o campo dafiscalidade por meio da considerao econmica do fato gerador (wirtschaftlicheBetrachtungsweise), prevista no art. 4odo Cdigo Tributrio Alemo de 1919, poralguns apelidada, inclusive com sentido pejorativo, de "interpretao econmica".Despreocupou-se inteiramente dos conceitos e categorias jurdicas. Os italianosdesenvolveram teoria semelhante sob a denominao de interpretaofuncional.

    Suas teses principais: autonomia do direito tributrio frente ao direitoprivado; possibilidade de analogia; preeminncia da capacidade contributivasacada diretamente dos fatos sociais; funo criadora do juiz; interveno sobre apropriedade e regulamentao da vontade.

    Corresponde, historicamente, ao perodo do Estado de Bem-estar Social,que entrou em crise e se desestruturou a partir dos anos 70, tambm chamado deEstado-Providncia ou Estado Intervencionista.

    Seus grandes representantes so E. Becker,5na Alemanha; Griziotti,6 naItlia; D. Jarach,7na Argentina. No Brasil destaca-se Amilcar de Arajo Falco.8

    1Steuerrecht. Mnchen: C. H. Beck, 1969.2Istituzioni di Diritto Tributario. Milano: Giuffr, 1948.3 Legislao Tributria, sua Vigncia, sua Eficcia, sua Aplicao, Interpretao e

    Integrao. RevistaForense267: 25-30, 1979.4Eliso e Evaso Fiscal. So Paulo: Bushatsky, 1977.5Zur Auslegung der Steuergesetze. Steuer und Wirtschaft2: 145-180, 1924.6Princpios de Politica,Derecho y Ciencia de la Hacienda. Buenos Aires: Depalma, 1935.7

    Hermenutica no Direito Tributrio. In: MORAES, Bernardo Ribeiro etal. InterpretaonoDireitoTributrio. So Paulo: EDUC/Saraiva, 1975, p. 83-102.8Introduo ao Direito Tributrio. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

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    1.3. A INTERPRETAO VALORATIVA

    As duas correntes tericas acima referidas caminharam para aexacerbao de suas teses, pretificando-se em posies positivistas normativistase conceptualistas, de um lado, ou positivistas historicistas e sociolgicas, de outraparte. O conceptualismo levou ao abandono da considerao da situaoeconmica e social e convico ingnua de que a letra da lei tributria captainteiramente a realidade, posto que existe a plena correspondncia entrelinguagem e pensamento. A tal interpretao econmica transformou-se nadefesa do incremento da arrecadao do Fisco, por se vincular vetente daatividade arrecadatria do Estado.9

    A partir da dcada de 1970, pela enorme influncia exercida nopensamento ocidental pelas obras de K. Larenz10 e J. Rawls,11 altera-se oparadigma na teoria geral do direito, na teoria da justia e na teoria dos direitos

    humanos, abrindo-se o campo para a reformulao das posies bsicas dainterpretao do direito tributrio.

    A jurisprudncia dos valores e a virada kantiana, com reaproximaoentre tica e direito sob a perspectiva do imperativo categrico, marcam o novomomento histrico da afirmao do Estado Democrtico de Direito, que oEstado da Sociedade de Riscos.12

    Algumas teses ps-positivistas passam a ser defendidas para a superaodo impasse a que fora levada a teoria da interpretao do direito tributrio:

    a) preeminncia dos princpios fundantes do Estado Democrtico deDireito, que no Brasil se expressam no art. 1o da CF: soberania, cidadania,dignidade humana, autonomia da vontade, valor do trabalho, pluralismo;

    b) ponderao entre o princpio da capacidade contributiva, vinculado idia de justia e obtido por argumentao democrtica,13 e o princpio dalegalidade, vinculado segurana jurdica em sua configurao de segurana daregra;14

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    Cf. LEHNER, Moris. Considerao Econmica e Tributria Conforme a CapacidadeContributiva. Sobre a Possibilidade de uma Interpretao Teleolgica de Normas com FinalidadesArrecadatrias. In : SCHOUERI, Lus Eduardo & ZILVETI, Fernando Aurlio (Coord.). DireitoTributrio. Estudos em Homenagem a Brando Machado. So Paulo: Dialtica, 1998, p. 148.

    10Methodenlehre der Rechtswissenschaft. Berlin: Springer-Verlag, 1983.11A Theory of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 1980.12Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Legalidade Tributria e Riscos Sociais. RevistaDialtica

    de DireitoTributrio59: 105, 2000.13Cf. MORIS LEHNER, op. cit., p. 152: Impondo uma diferenciao humanamentejusta,

    o princpio da igualdade, na sua forma relevante para o direito tributrio da capacidadecontributiva, no se volta apenas ao legislador, mas tambm ao aplicador da lei, o qual encontranos fundamentos de peso as premissas que devem guiar sua interpretao das normas com

    finalidade arrecadatria.14K. TIPKE. Rechtsetzung durch Steuergerichte und Steuerverwaltungsbehrden? Steuerund Wirtschaft 58 (3): 194, 1981, observa que necessrio existir segurana diante da

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    c) equilbrio entre os poderes do Estado, com possibilidade de controlejurisdicional de polticas fiscais adotadas pelo legislador;15

    d) harmonizao entre direito e economia, tendo em vista que, alm dea economia viver subspeciejuris, ambos exibem o coeficiente tico comum;

    e) a simbiose entre interpretao finalstica e sistemtica, eis que, deacordo com o pluralismo metodolgico, o sistema jurdico j segrega a finalidade.

    2. A TEORIA DA ELISO FISCAL

    O problema da eliso fiscal est intimamente ligado ao das posiestericas fundamentais em torno da interpretao do direito tributrio.

    O positivismo normativista e conceptualista defende, com base naautonomia da vontade, a possibilidade ilimitada de planejamento fiscal. A eliso,partindo de instrumentos jurdicos vlidos, seria sempre lcita. Essa posio foidefendida com veemncia por Sampaio Dria.16

    O positivismo sociolgico e historicista, com a sua considerao econmicado fato gerador, chega concluso oposta, defendendo a ilicitude generalizadada eliso, que representaria abuso da forma jurdica escolhida pelo contribuintepara revestir juridicamente o seu negcio jurdico ou a sua empresa. Amilcar deArajo Falco representou moderadamente no Brasil essa orientao.17

    A jurisprudncia dos valores e o ps-positivismo aceitam o planejamentofiscal como forma de economizar imposto, desde que no haja abusodedireito.S a elisoabusivaou o planejamentoinconsistentese tornam ilcitos.18 Autoresde prestgio como K. Tipke,19K. Vogel20e Rosembuj21defendem esse ponto de

    arbitrariedade da falta de regras (Sicherheit vor regelloser Wilkr), pois a segurana jurdica segurana da regra (RechtsicherheitistRegelsicherheit).

    15Cf. TIPKE, Klaus. Uber Steuergesetzgebung und Verfassungsgerichtsbarkeit. Steuerund Wirtschaft 1990 (4): 321, depois de anotar que o Judicirio examina melhor o problema dajustia fiscal que o Parlamento, conclui que a esperana permanece apenas no Tribunal

    Constitucional (Danach bleibt nur die Hoffnung in das Bundesverfassungsgericht).16Op. cit., p. 141.17Op. cit., p. 81.18H discusso em torno da expresso elisoabusivaou elisoilicta. A doutrina italiana

    entende que a eliso sempre ilcita cf. ADONNINO, Pietro. Parere del Ministero delle finanze edel Comitato Consultivo per laplicazione delle norme antielusive e rilevanza penale dellelusione.RivistadiDirittoTributarioXI (2): 242, 2001: A distino entre eliso lcita (elusionelecita) e elisoilcita (elusioneillecita) um nonsensoporque o fenomeno elisivo, corretamente individualizado, sempre ilcito. No caso em que no exista norma de contraste que seja violada no se pode falarde eliso. Nos pases de lngua inglesa emprega-se a expresso abusive tax avoidance paracaracterizar a eliso ilcita, por oposio a tax planning, tax minimisation ou acceptable taxavoidance cf. COOPER, Graeme S. Conflicts, Challenges and Choices The Rule of Law and

    Anti-Avoidance Rules. In: --. (Ed.). Tax Avoidance and the Rule of Law. Amsterdam: IBFD, 1997,p. 31l.19Steuerrechts. Kln: D. Otto Schmidt, 1985, p. 115.

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    vista. Entre ns alguns trabalhos recentes de Marco Aurelio Greco22e de HermesMarcelo Huck23tambm admitem o controle nos casos de abuso de direito.

    III. O PRINCPIO DA TRANSPARNCIA E A GLOBALIZAO

    Outro dado fundamental para o aparecimento e a proliferao das normasantielisivas foi a emergncia do princpio da transparncia, em ntima conexocom o processo de globalizao.

    3. A TRANSPARNCIA FISCAL E A SOCIEDADE DE RISCOS

    A transparncia fiscal um princpio constitucional implcito. Sinaliza no

    sentido de que a atividade financeira deve se desenvolver segundo os ditames daclareza, abertura e simplicidade. Dirige-se assim ao Estado como sociedade,tanto aos organismos financeiros supranacionais quanto s entidades no-governamentais. Baliza e modula a problemtica da elaborao do oramento eda sua gesto responsvel, da criao de normas antielisivas, da abertura dosigilo bancrio e do combate corrupo.

    O Estado Democrtico de Direito vai se afirmando, cada vez mais, comoEstado Subsidirio. No Brasil essa caracterstica fica muito clara a partir dasreformas constitucionais da dcada de 90. O Estado Subsidirio reflete um novorelacionamento entre Estado e sociedade, no qual a sociedade tem a primazia na

    soluo dos seus problemas, s devendo recorrer ao Estado de forma subsidiria.

    A sociedade deve agir de tal forma transparente que no seurelacionamento com o Estado desaparea a opacidade dos segredos e daconduta abusiva fundada na prevalncia da forma sobre o contedo dos negcios

    jurdicos.

    O Estado, por seu turno, deve revestir a sua atividade financeira da maiorclareza e abertura, tanto na legislao instituidora de impostos, taxas,contribuies e emprstimos como na feitura do oramento e no controle da suaexecuo.

    O Estado Subsidirio o Estado da Sociedade de Risco, assim como oEstado de Bem-estar Social, na expresso de Forsthoff,24 foi o Estado da

    20Steuerumghung nach innerstaatlichem Recht und nach Abkommensrecht. Steuer undWirtschaft62: 371, 1985.

    21La Simulacion y el Fraude de Ley en la Nueva Ley General Tributaria. Madrid: MarcialPons, 1996, p. 88.

    22Planejamento Fiscal e Interpretao da Lei Tributria. So Paulo: Dialtica, 1998, p. 71

    e seguintes.23 Evaso e Eliso. Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributrio. SoPaulo: Saraiva, 1997, p. 141 e seguintes.

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    Sociedade Industrial, que entrou em crise pela voracidade na extrao derecursos financeiros da sociedade para financiar as polticas desenvolvimentistase o pleno emprego. No se cuida de um Estado Ps-moderno, que passe a seconduzir pelos mecanismos da deslegalizao, da desregulamentao ou da

    autoregulao,

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    mas de um Estado Ps-positivista, ainda no mbito damodernidade, que procura pautar as suas aes com base no princpio datransparncia, para superar os riscossociais.

    A sociedade de riscos se caracteriza por algumas notas relevantes: aambivalncia, a insegurana e o redesenho do relacionamento entre asatribuies das instituies do Estado e da prpria sociedade.

    A ambivalnciaaparece diante da impossibilidade de que da execuo depolticas pblicas surja sempre o consenso por parte dos cidados. H umadistribuio no s de benefcios, como se pretendia ao tempo do Estado de

    Bem-estar Social, mas tambm e malefcios, como se d, por exemplo, naconstruo de vias expressas ou de instalaes nucleares. O socilogo UlrichBeck disserta:26

    "Administraes de todos os nveis vem-se em confronto com o fato deque o que planejam ser um benefcio para todos percebido como umapraga por alguns e sofre a sua oposio. Por isso tanto eles quanto osespecialistas em instalaes industriais e os institutos de pesquisaperderam sua orientao. Esto convencidos de que elaboraram essesplanos "racionalmente", com o mximo do seu conhecimento e de suashabilidades, considerando o "bem pblico". Nisso, no entanto, eles

    descuram a ambivalncia envolvida. Lutam contra a ambivalncia com osvelhos meios da no-ambigidade".

    Da ambivalnciae do carter paradoxal da sociedade de risco decorre amodificao do prprio conceito de segurana. A idia de seguranajurdica,prevalecente no Estado Liberal Clssico, que tinha por objetivo a proteo dosdireitos individuais do cidado, comea a ser contrabalanada no Estado de Bem-estar Social com a de seguranasocial(rectius: seguridade social)27e culmina, no

    24FORSTHOFF, Ernst. El Estado de la Sociedad Industrial. Madrid: Instituto de EstudosPolticos, 1975.

    25 Cf. REICH, Norbert. Interveno do Estado na Economia. Reflexes sobre a Ps-Modernidade na Teoria Jurdica. Revista de Direito Pblico94: 280, 1990.

    26 "A Reinveno da Poltica : Rumo a Uma Teoria da Modernizao Reflexiva". In:GIDDENS, A., BECK, U. e LASH, S. Modernizao Reflexiva. So Paulo: UNESP, 1997, p. 42. Cf.tb. GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco. Vnculos com o Futuro. Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 192:"... a estrutura da sociedade moderna paradoxal e estaparadoxalidade pode ser assim indicada: na sociedade contempornea reforam-sesimultaneamente segurana e insegurana, determinao e indeterminao, estabilidade einstabilidade. Ou pode-se mesmo dizer: nesta sociedade h, simultaneamente mais igualdade emais desigualdade, mais participao e menos participao; mais riqueza e, ao mesmo tempo,mais pobreza."

    27 Cf. ISENSEE, Josef. Das Grundrecht auf Sicherheit. Zu den Schutzpflichten des

    freiheitlichen Verfassungsstaates. Berlin: Walter de Gruyter, 1983, p. 22: "Tambm a seguranasocial (soziale Sicherheit) possui elementos do statuspositivus; entretanto se afasta da seguranafsica, da cidadania. No se dirige incolumidade dos direitos, mas auto-afirmao econmica

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    Estado Subsidirio, com a de seguro social e da segurana internacional. Osriscos e a insegurana da sociedade hodierna no podem ser eliminados, masdevem ser aliviados por mecanismos de segurana social, econmica eambiental. A solidariedade social e a solidariedade do grupo passam a

    fundamentar as exaes necessrias ao financiamento das garantias dasegurana social.28Habermas chega a falar em uma nova dimenso estatal, a doEstado de Segurana (Sicherheitsstaat), fundado no princpio da solidariedade.29

    Uma outra caracterstica marcante da sociedade de risco que nela asinstituiespolticase as instituiessociaisentram em novo relacionamento. OMinistrio Pblico e o Judicirio passam a exercer papel mais ativo na defesa dosdireitos difusos, em cooperao com as instituies sociais, afastando-se damisso neutra que desempenhavam na sociedade industrial.30 A sociedade deriscos, com a pluralidade de interesses em jogo, necessariamente umasociedade litigiosa.31

    A transparncia o melhor princpio para a superao das ambivalnciasda sociedade de risco. S quando se devenda o mecanismo do risco, peloconhecimento de suas causas e de seus efeitos, que se supera a insegurana.

    O mesmo raciocnio vale para os riscos fiscais. S a transparncia naatividade financeira e na conduta do cidado pode super-los. O risco fiscal naatividade financeira surge do descontrole oramentrio, da gesto irresponsvelde recursos pblicos, da corrupo dos agentes do Estado, etc.; a Lei deResponsabilidade Fiscal e o Cdigo de Defesa do Contribuinte, este ltimo emandamento no Congresso Nacional, tm o objetivo de prevenir os riscos fiscais na

    vertente do Estado. O risco fiscal pode decorrer tambm da conduta docontribuinte, pelo abuso da forma jurdica no planejamento dos seus negcios ouna organizao de sua empresa, pela sonegao e pela corrupo no trato comos funcionrios da Fazenda; as normas antielisivas e anti-sigilo, que foramintroduzidas em diversos pases na dcada de 90 e que comeam a chegar aoBrasil, representam a tentativa do legislador no sentido de prevenir os riscosfiscais provocados pelo contribuinte.

    na sociedade. No se relaciona com as violaes do direito (Rechtsverletzungen), mas com osriscos da vida (Lebensrisiken), que ameaam a necessidade de proteo social contra a doena,

    acidentes, velhice e desemprego".28 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. "Solidariedade e Justia Fiscal". In: Estudos emHomenagem Memria de Gilberto de Ulhoa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 299-306.

    29Faktizitt und Geltung. Beitrge zur Diskurstheorie des Rechtsund des demokratischenRechtsstaat. Frankfurt: Suhrkamp, 1992, p. 525.

    30 Cf. U. BECK, op. cit., p. 29: "A ordem judicial no estimula mais a paz social, poissanciona e legitima as desvantagens juntamente com as ameaas e assim por diante".

    31 Cf. DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, O Sistema Judicirio Brasileiro e aReforma do Estado. So Paulo: Celso Bastos Ed., 1999, p. 45: "... o ressurgimento do EstadoLiberal se caracteriza pelo primado das manifestaes de liberdade da sociedade e pela acolhidadas fontes alternativas de direito por ela geradas para a proteo das novas configuraes deinteresses, o que justifica a nfase na construo do Estado Democrtico. So eles, certamente,

    tanto a conscincia das novas manifestaes de liberdade quanto essas novas consideraes deinteresses, fatores ponderveis que vm atuando para inundar de demandas os sistemasjudicirios onde tais mudanas vieram ou esto a ocorrer".

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    4. A TRANSPARNCIA NA ATIVIDADE FINANCEIRA

    Os riscos fiscais inerentes atividade financeira do Estado devem serevitados pela adeso ao princpio da transparncia, que inspira a elaborao dooramento, o controle das renncias de receita, a gesto oramentriaresponsvel, a declarao de direitos do contribuinte e o combate corrupo.

    4.1. A RESPONSABILIDADE FISCAL

    O princpio da transparncia aparece tambm amalgamado ao daresponsabilidade fiscal (accountability),32 constituindo mesmo um subprincpiodeste.

    O princpio da responsabilidade, de longa tradio no direito oramentrio

    anglo-americano, adquire extraordinria relevncia nos ltimos anos na legislaoda Nova Zelndia e de outros pases da OCDE. Comea a ingressar no Brasil porintermdio da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101, de 4.5.2000).

    4.2. O CDIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE

    A aprovao de uma lei geral que contenha a Declarao de Direitos doContribuinte ou o Cdigo de Defesa do Contribuinte encontra a sua justificativana necessidade de transparncia nas relaes entre o Fisco e o contribuinte,

    coibindo os abusos cometidos pela Fazenda Pblica contra os direitosconstitucionalmente assegurados ao sujeito passivo da obrigao tributria.Comea a aparecer em diversos pases, como contraponto s medidas que visama estabelecer a transparncia na conduta do contribuinte, como sejam as normasantielisivas e anti-sigilo bancrio. S a garantia do processo fiscal administrativotransparente pode justificar a exigncia de transparncia na conduta docontribuinte.

    A legislao ordinria brasileira recente passa a se preocupar em protegero contribuinte, ao mesmo tempo em que procura combater a fraude e a evaso.O princpio da moralidade administrativa, includo na Constituio, serve de fonte

    de inspirao para diversas medidas de proteo da confiana do contribuinte. ALei no 9.430, de 27.12.96, por exemplo, autorizou o Executivo a disciplinar aabsteno de lanamento, a declarao de extino do crdito e a desistnciadas aes nos casos de pacificao da jurisprudncia dos Tribunais superiorescontrria Fazenda (art. 77), bem como coibiu a desigualdade de respostas nasconsultas fiscais (art. 48, 5o , 6o e 9o ). A Lei 9.532, de 10.12.97, tambm

    32Cf. BRIN, David. The Transparent Society. Will Technology Force us to Choose BetweenPrivacy and Freedom? Massachusetts: Perseus Books, 1998, p. 156; MOREIRA NETO, Diogo deFigueiredo. A Lei de Responsabilidade Fiscal e seus Princpios Jurdicos. Revista de Direito

    Administrativo 221: 92, 2000: ... a sindicabilidade da responsabilidade depender tambm daqualidade do que se tem denominado de transparncia da gesto administrativa financeiro-oramentria.

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    trouxe inmeros dispositivos de natureza processual que fortaleceram a defesa dosujeito passivo da obrigao tributria. Mas no se chegou ainda elaborao deum documento legislativo nico que possa consubstanciar todo o status jurdicodo contribuinte, o que est em vias de acontecer com o projeto de lei

    complementar n

    o

    646, do Senador Bornhausen, em andamento no CongressoNacional.

    Nos Estados Unidos foi sancionada pelo Presidente Clinton, em 30 de julhode 1996, a Declarao de Direitos do Contribuinte II (Taxpayer Bill of Rights II),com o objetivo de emendar o Cdigo das Rendas Internas (Internal RevenueCode of1986) e aumentar a proteo do contribuinte.

    Na Espanha aprovou-se a Lei de Derechos y Garantias de losContribuyentes LDGC (no1o/1998, de 26 de fevereiro), que regula los derechosy garantias bsicas de los contribuyentes en sus relaciones com las

    Administraciones tributaria. Na Exposio de Motivos que acompanhou a Ley1/98 ficou esclarecido, com vista preservao da idia de cidadania fiscal comocomplexo de direitos e deveres, que la presente Ley, que recoge en un solocuerpo normativo los principales derechos y garantias de los contribuyentes nohace referencia alguna, sin embargo, a las obligaciones tributarias, ya que stasaparecem debidamente establecidas en lo correspondientes textos legales yreglamentarios A LDGC contm extenso catlogo dos direitos gerais doscontribuintes.

    Na Itlia o Senado aprovou, em 22.4.98, o projeto de lei do Governo emmatria de estatuto do contribuinte, que, entre outros, estampou o princpio da

    clareza e transparncia dos dispositivos tributrios, a proibio de retroatividade,a vedao de instituio de novos tributos por decreto-lei, a simplificao dos atosda administrao financeira e a proteo da boa f.

    4.3. O COMBATE CORRUPO

    O combate corrupo dos agentes do Fisco se insere no quadro dasmedidas tendentes a assegurar a transparncia.

    No Brasil o problema particularmente grave, tendo em vista que noconseguimos, nem mesmo com as reformas constitucionais da dcada de 90,proceder ao desmonte do Estado Patrimonial. E, como se sabe, o patrimonialismogera uma tica prpria, preocupada com a salvao da alma e com a felicidadegarantida pelo Estado, inteiramente divorciada das questes da fiscalidade e dooramento.

    Algumas medidas de defesa da transparncia administrativa e de combate corrupo comeam a ser adotadas, como acontece com as normas sobre atica na Administrao. Na Exposio de Motivos encaminhada ao Presidente daRepblica33 pelo Ministro Chefe da Casa Cvil, com a proposta do Cdigo de

    33 Exposio de Motivos no37, de 18.8.2000, aprovada em 21.8.2000. Revista de DireitoAdministrativo221: 343, 2000.

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    Conduta da Alta Administrao Pblica Federal, observou-se que o setor pblicopassou a depender cada vez mais do recrutamento de profissionais oriundos dosetor privado, o que exacerbou a possibilidade de conflito de interesses e anecessidade de maior controle sobre as atividades privadas do administrador

    pblico e que grande parte das atuais questes ticas surge na zona cinzentacada vez mais ampla que separa o interesse pblico do interesse privado.Norma de grande relevncia no Cdigo de Conduta da Alta Administrao a queproibe a aceitao de presentes,34tendo em vista que a distino entre suborno epresente um dos problemas mais graves no campo da corrupogovernamental.35

    Claro que o problema no exclusivamente brasileiro nem a corrupoaparece apenas como mal latino.36 A Alemanha de hoje, que tanto nosinfluencia, est s voltas com a intransparncia do oramento e com astransferncias substanciais de recursos pblicos para os polticos;37o Tribunal de

    Contas alemo tem sido instado a tomar atitudes mais eficientes no combate corrupo.38

    Observa-se presentemente, at mesmo por influncia da globalizao, atendncia de se levar ao plano supranacional o combate corrupo. As prpriasquantias pagas pelas empresas multinacionais nas concorrncias e vendasinternacionais causam desequilbrio aos pases que as sediam, pelaimpossibilidade de se deduzir do imposto de renda, em alguns deles, aimportncia correspondente ao suborno.39 Algumas declaraes proferidas emreunies internacionais vm denunciado a corrupo: no Comunicado de Braslia,assinado no dia 1ode setembro na Reunio de Presidentes da Amrica Latina, os

    Chefes de Estado coincidiram em que a democracia deve ser reforada com atransparncia das instituies pblicas e dos processos de definio de polticas

    34 Art. 9o vedada autoridade pblica a aceitao de presentes, salvo de autoridadesestrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade.

    Pargrafo nico No se consideram presente para os fins deste artigo os brindes que:

    I no tenham valor comercial; ou

    II distribuidos por entidades de qualquer natureza a ttulo de cortesia, propaganda,divulgao habitual ou por ocasio de eventos especiais ou datas comenorativas, no ultrapassemo valor de R$ 100,00 (cem reais).

    35Cf. ROSE-ACKERMAN, Susan. Corruption and Government. Causes, Consequencesand Reform. New York: Cambridge University Press, 1999, p. 5: O que para algumas pessoas suborno para outras presente. (One persons bribe is another persons gift).

    36Cf. GRONDONA, Mariano. LaCorrupcin. Buenos Aires: Planeta, 1993, p. 211.37 Cf. ARNIM, H. H. von. Der Staat als Beute. Wie Politiker in eigener Sache Gesetze

    machen. Berlin: Knaw, 1993, p. 295.38Cf. BLOMEYER, Ina-Marie. Eignung der Rechnungshfe von Bund und Lndern zur

    Untersttzung der Strafverflegsbehrden bei der Korruptionsbekmpfung.www.transparency.org/documents .

    39

    Cf. WIEHEN, Michael H. Convention on Combating Bribery of Foreign Public Officials inInternational Business Transactions (OECD). Evaluation of Implementation by Germany.www.transparency.org/documents .

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    pblicas e com o combate corrupo, por meio de medidas legais,administrativas e polticas.40

    5. O PRINCPIO DA TRANSPARNCIA E OS RISCOS FISCAISPROVOCADOS PELO CONTRIBUINTE

    Os riscos das finanas pblicas podem ser provocados tambm pelaconduta opaca e camuflada dos contribuintes. O princpio da transparnciaaponta, para evitar esses riscos, no sentido do combate eliso fiscal abusiva, aosigilo bancrio encobridor de sonegao de tributos e corrupo ativa.

    5.1. NORMAS ANTI-SIGILO BANCRIO

    A transparncia fiscal proporcionada tambm pelas normas anti-sigilobancrio, que vm proliferando no direito estrangeiro e que ainda encontramdificuldade de aclimatao entre ns.

    Com efeito, no Brasil a doutrina e a jurisprudncia vinha fechando apossibilidade de desvendamento do segredo bancrio pela prpria autoridadefiscalizadora. Qualquer necessidade de conhecimento das transaes bancriasdo contribuinte s poderia ser suprida pelo juiz, conforme fixara o SuperiorTribunal de Justia ao interpretar restritivamente o art. 38, 5o da Lei no4.595/64.41A doutrina, muita vez, radicava o sigilo bancrio no art. 5o, inciso XII,

    da Constituio, que declara ser inviolvel o sigilo de dados; a interpretao nose sustenta pelo fato de a CF, naquele inciso, apenas autorizar o levantamento dosigilo no caso das comunicaes telefnicas, o que inviabilizaria toda a disciplinainfraconstitucional do sigilo bancrio.42 O Supremo Tribunal Federal vincula osegredo bancrio ao direito intimidadeproclamado no art. 5o, inciso X, da CF,mas reconhece que no direito absoluto, podendo ser excepcionado pela lei.43

    40www.mre.gov.br/cimeira.41RESP 37.566-5/RS, Ac. da 1aT., de 2.2.94, Rel. Min. Demcrito Reinaldo, DJ 28.3.94

    (RDA 197: 174): Tributrio. Sigilo bancrio. Quebra com base em procedimento administrativo-fiscal. Impossibilidade. O sigilo bancrio do contribuinte no pode ser quebrado com base emprocedimento administrativo-fiscal, por implicar indevida intromisso na privacidade do cidado,garantia esta expressamente amparada pela Constituio Federal (art. 5o , inciso X). Por isso,cumpre s instituies financeiras manter sigilo acerca de qualquer informao ou documentaopertinente movimentao ativa e passiva do correntista/contribuinte, bem como dos serviosbancrios a ele prestados. Observadas tais vedaes, cabe-lhes atender s demais solicitaesde informaes encaminhadas pelo Fisco, desde que decorrentes de procedimento fiscalregularmente instaurado e subscritas por autoridade administrativa competente. Apenas o PoderJudicirio, por um de seus rgos, pode eximir as instituies financeiras do dever de segredo emrelao s matiras arroladas em lei. Interpretao integrada e sistemtica dos artigos 38, 5o ,da Lei no4.595/64 e 197, inciso II e 1odo CTN. Recurso improvido, sem discrepncia.

    42 Cf., por todos: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direitos Fundamentais do

    Contribuinte. In: . (Coord.). Direitos Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributrias NovaSrie, no6, So Paulo: CEU Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 65.43RE 219.780, Ac. da 2aTurma, de 13/4/99, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10/9/99.

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    Mas a recente LC no 105, de 10/1/2001, veio autorizar a abertura do sigiloem assuntos fiscais a pedido da Administrao.44Tambm circula pelo Congressoa PEC 175/95, que prev a abertura do sigilo.45A Lei no10.174, de 9/1/2001, porseu turno, autorizou o levantamento do sigilo no caso de discrepncias entre

    pagamento da CPMF e do IR. O importante, no caso brasileiro, a exemplo do quej acontece no direito de outros povos, que o sigilo possa ser desvendado pelaprpria autoridade administrativa indicada na lei, o que permitiria a agilizao doprocesso e a eficcia da fiscalizao. De notar que no se advoga aqui aextenso da ao administrativa para o rastreamento generalizado das situaesbancrias dos contribuintes, mas a sua limitao aos casos sob suspeita desonegao e que sejam objeto de procedimento administrativo. Inexiste razopara se manter o tab do sigilo bancrio e sua elevao a direito da liberdade; oprincpio constitucional da intimidade cede o lugar ao princpio da transparnciano jogo de ponderao de interesses.

    No direito estrangeiro o sigilo bancrio frente s questes fiscais perdeumuito do seu statusna dcada de 90. Alis, nos Estados Unidos a matria jamaisfoi alada a direito fundamental e a Administrao Fiscal sempre teve apossibilidade de ampla investigao. Na Alemanha o sigilo bancrio no protegido nem pela Constituio nem pelas leis ordinrias; a abertura da contapode ser pedida pelas autoridades fiscais no exerccio de atividade fiscalizadoraregular, nos procedimentos de investigao e nos procedimentos criminais.46NaAstria o art. 38 da Lei Bancria prev o levantamento do segredo no caso derazovel suspeita de lavagem de dinheiro ou de pedido de autoridadeadministrativa nos casos de violaes fiscais. Na Itlia havia o tab do segredobancrio que aos poucos comeou a ser desmitificado diante da necessidade de

    acertar o passo com as outras naes da Unio Europia e da presso da opiniopblica contra o crescimento da evaso fiscal; as leis 825/1971 e 516/1982,adotaram as primeira providncias; posteriormente a Lei no413, de 30.12.1991, ea deciso da Corte Constitucional de 18.2.92, que proclamou no ser o segredobancrio um fim em si mesmo, pelo que no poderia representar um obstculo sinvestigaes sobre as violaes tributrias, permitiram que a abertura do sigilofosse requerida pelas seguintes reparties e autoridades: departamentos defiscalizao do IVA; departamentos do Ministrio das Finanas; guarda deFinanas; inspetores centrais; comisses tributrias regionais e provinciais.

    44 Art. 6o : As autoridades e os agentes fiscais tributrios da Unio, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municpios somente podero examinar documentos, livros e registros deinstituies financeiras, inclusive os referentes a contas de depsitos e aplicaes financeiras,quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais examessejam considerados indispensveis pela autoridade administrativa competente. O dispositivotranscrito foi regulamentado pelo Decreto no3.724, de 10/1/2001.

    45O substitutivo do Relator Dep. Mussa Demes Proposta de Emenda Constituio no175, de 1995, traz a seguinte previso: Art. 145, 3o facultado autoridade tributriarequisitar s instituies financeiras, na forma prevista em lei complementar, informaes sobre asoperaes do contribuinte.

    46

    Cf. OPPENHOFF, Michael. Germany The Legal Framework Concerning BankSecrecy, Money Laundering and Insider Trading. World Reports IX (1), abril de 1997 www.hg.org.

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    5.2. A CORRUPO ATIVA DO CONTRIBUINTE

    A corrupo ativa do contribuinte, principalmente na via do suborno e daspropinas nos processos de licitaes de compra de mercadorias e servios oudurante as aes de fiscalizao da renda pblica, tambm passa a sercombatida em nome da transparncia.

    Tal tipo de corrupo muito difcil de ser detectada, pois as prpriasONGS interessadas na defesa da transparncia omitem, como se viu, a indicaodos nomes dos agentes econmicos corruptos, principalmente as empresasmultinacionais.

    A corrupo por parte das empresas envolvidas no comrcio internacionalvem crescendo nos ltimos anos, principalmente em razo da globalizao, dosvultosos interesses econmicos em jogo e da dificuldade da conceptualizao

    jurdica do ato de corrupo, muitas vezes interpretado como prtica comerciallegtima.47

    6. A TRANSPARNCIA FISCAL E AS NORMAS ANTIELISIVAS

    O princpio da transparncia, em sntese, significando clareza, abertura esimplicidade, vincula assim o Estado que a sociedade e se transforma eminstrumento importante para a superao dos riscos fiscais provocados pelaglobalizao. S a transparncia na atividade financeira, consubstanciada naclareza oramentria, na responsabilidade fiscal, no respeito aos direitosfundamentais do contribuinte, no aperfeioamento da comunicao social e nocombate corrupo dos agentes pblicos, em contraponto transparncia naconduta do contribuinte garantida pelas regras anti-sigilo bancrio e pelo combate corrupo ativa, pode conduzir minimizao dos riscos fiscais do EstadoSubsidirio. A falta de equilbrio entre os termos da equao da transparnciapode conduzir perpetuao da opacidade: a exacerbao do controle daresponsabilidade fiscal e dos meios de defesa do sujeito passivo da obrigaotributria, sem a contrapartida representada pela minimizao dos riscos por eleprovocados, leva ao paraso fiscal; a aplicao das normas antielisivas e odesvendamento do sigilo fiscal, sem a salvaguarda de um cdigo de defesa do

    contribuinte e da responsabilidade dos agentes pblicos, pode gerar a servidofiscal e a morte da prpria galinha de ovos de ouro.

    As normas antielisivas, como se passa a examinar, surgem tambm nocontexto da globalizao, fortalecem-se no mbito do direito comunitrio (UnioEuropia e Mercosul) e refletem a influncia do princpio da transparncia fiscal.

    47 Cf. SUSAN ROSE-ACKERMAN, op. cit., p. 178; ABRAMOVICI, Pierre. Corrupo.Jogos Perigosos. Le monde Diplomatique, edio brasileira, no10, www.diplo.com.br: Em 1977,

    para compensar a falta de competitividade de suas empresas nos mercados estrangeiors, ogoverno francs autorizou a prtica da corrupo, oficialmente denominada comisso, desde quea quantia envolvida fosse para pagar a um funcionrio estrangeiro.

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    IV. A NORMA GERAL ANTIELISIVA

    7. CARACTERSTICAS

    O controle da eliso abusiva deixa um certo desconforto no intrprete,diante dos aspectos metodolgicos extremamente polmicos em que assenta. Asubsuno malograda e a analogia forada pelo contribuinte postulam, em nomeda igualdade, a norma geral antielisiva e contra-analgica. Ainda assim a normageral antielisiva no conseguir coarctar todas as dvidas nem fechar osconceitos, de modo que continuam a carecer de complementao pelas normasespecficas antielisivas.

    As normas antielisivas vo entrando no direito tributrio sob diferentesconfiguraes, a depender do ambiente cultural dos pases que as adotam.Analisaremos a seguir algumas experincias colhidas no direito comparado.

    8. A NORMA ANTIELISIVA NO DIREITO ALEMO: PROIBIO DEABUSO DE FORMA JURDICA

    A construo alem extremamente importante, em vista da durao, dasvicissitudes e da eficcia das normas escritas antielisivas.

    O Cdigo Tributrio de 1919 (Reichsabgabenordung- RAO), elaborado por

    Enno Becker sob a influncia das idias desenvolvidas pela jurisprudncia dosinteresses, trouxe, nos arts. 4oe 5o, normas sobre a considerao econmica dofato gerador. Acrescentou, ainda, uma regra especfica antielisiva no art. 6o:

    Essas regras receberam nova redao na RAO de 1931.

    Com a Lei de Adaptao Tributria (Steueranpassungsgesetz), de16.10.34, foram introduzidas vrias modificaes:

    a) o art. 1o, I, declarou que as leis fiscais devem ser interpretadas deacordo com a viso do mundo nacional-socialista;48

    b) o art. 1o, II, mandava observar na interpretao a concepopopular, a finalidade e o significado econmico da lei tributria e odesenvolvimento das circunstncias;49

    c) o art. 1o, III, determinou prevalecer a mesma coisa para aapreciao dos fatos geradores;50

    48Die Steuergesetze sind nach national-sozialistischer Weltanschauung auszulegen.49

    Dabei sind die Volksanschauung der Zweck und die wirtschaftliche Bedeutung derSteuergesetze und die Entwicklung der Verhltnisse zu bercksichtigen.50Entsprechends gilt fr die Beurteilung von Tatbestnden.

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    d) o art. 6ocontinha a norma antielisiva, que previa: atravs do abusoda formas ou da aparncia do direito civil no pode a obrigao tributria serfraudada ou diminuda.51

    Aps a 2aGuerra Mundial foi revogado o art. 1o, I, da Lei de AdaptaoTributria, permanecendo os demais em vigor at o advento do Cdigo Tributriode 1977 (AO77), que revogou os dispositivos referentes consideraoeconmica e deu nova redao norma antielisiva:

    Art. 42 A lei tributria no pode ser fraudada atravs do abuso de formasjurdicas. Sempre que ocorrer abuso, a pretenso do imposto surgir, como separa os fenmenos econmicos tivesse sido adotada a forma jurdicaadequada.52

    A interpretao do art. 42 da AO77 se fez de forma diferente da que antesprevalecia, em razo do desaparecimento de regras explcitas sobre a

    considerao econmica e do aprofundamento da metodologia da cincia dodireito, esta ltima sobretudo pela enorme influncia exercida pela obra de Larenza partir de meados da dcada de 60,53especialmente pelo novo enfoque dado questo dos princpios jurdicos.

    A doutrina alem se dividiu quanto natureza do art. 42 da AO77. Algunsautores, de orientao positivista, defendiam a naturezaconstitutivada regra, quequebrava a proibio de analogia prevalecente no direito tributrio.54 Outros

    juristas, que aceitavam a possibilidade de analogia no direito tributrio,manifestaram-se no sentido da naturezadeclaratriada norma antielisiva.55

    Mas a doutrina, majoritariamente, entendeu como constitucional a regra doart. 42 da AO77.56

    Relevante para o tema foi a deciso do Tribunal Constitucional daAlemanha, de 27.12.91, que afirmou a autonomia do direito tributrio frente aos

    51Durch Missbrauch von Formen und Gestaltungsmglichkeiten des brgerlichen Rechtskann die Steuerpflicht nicht umgangen oder gemindertwerden.

    52A traduo de SCHMDT, Alfred. J. e outros. CdigoTributrioAlemo. Rio-So Paulo:Forense/IBDT, 1978, p. 17. A redao original a seguinte: Durch Missbrauch von

    Gestaltungsmglichkeiten des Rechts kann das Steuergesetz nicht umgangen werden. Liegt einMissbrauch vor, so entsteht der Steueranspruch so, wie er bei einer den wirtschaftlichenVorgngen angemessenen rechtlichen Gestaltung entsteht.

    53TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretao e Integrao do Direito Tributrio. Riode Janeiro: Ed. Renovar, 2000, p. 34.

    54 Cf. LEHNER, Moris. Nationalberichterstatter (Relatrio Nacional da Alemanha).Cahiers de Droit Fiscal Internacional XXXVII: 196, 1983 classifica o art. 42 da AO77 comoautntica exceo, embora limitada, da proibio de analogia; KLEIN, Martin. Die nichtangemessene rechtliche Gestaltung in Steuerumgehungstatbestand des 42 AO. Kln: Dr. OttoSchmidt, 1994, p. 10.

    55Cf. TIPKE, Klaus. Die Steuerrechtsordnung. Kln: Dr. Otto Schmidt, 1993, v. 3, p. 1326.56 Cf., por todos, TIPKE, ibid., p. 1332: O 42 AO constitucional ( ist

    verfassungsmssig). A Constituio no cuida apenas do Estado de Direito formal, ela quertambm realizar o Estado de Direito material ou o Estado de Justia (den materialen Rechtsstaatoder Gerechtigkeitsstaat).

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    conceitos do direito civil, reconhecendo a precedncia, mas no o primado, dodireito privado:

    Direito Tributrio e Direito Civil so ramos jurdicos da mesma estatura,regrados um ao lado do outro, que mesma situao de fato se aplicamsob uma outra perspectiva e sob outros pontos de vista valorativos(Wertungsgesichtspunkten).

    57

    O Tribunal Financeiro Federal (Bundesfinanzhof) tem aplicado a normaantielisiva a nmero crescente de casos. Segundo estatstica divulgada,58a mdiade acrdos por ano foi a seguinte: no perodo de 1919 a 1944 0,6; de 1950 a1978 1,9; de 1979 a 1982 4,75; de 1983 a 1986 11; de 1987 a 1990 18; de1991 a 1994 19; de 1995 a 1998 12. Tipke atribuiu o fenmeno ao incrementoda atividade de planejamento fiscal e melhor fundamentao terica do Tribunalpara enfrentar o problema, observando, ainda, que o art. 42 um dos

    dispositivos do Cdigo Tributrio mais aplicados.

    59

    9. OUTROS MODELOS ESTRANGEIROS

    Sob o impacto da globalizao, do crescimento e sofisticao doplanejamento tributrio, do empobrecimento das Fazendas Nacionais frente aonovo relacionamento das empresas multinacionais e sob a influncia do princpioda transparncia fiscal diversas normas surgem na dcada de 90 e no incio doSc. XXI, no mbito da Unio Europia e do Mercosul, para coibirem o abuso dedireito e a eliso fiscal abusiva.

    9.1. VEDAO DE FRAUDE LEI (ESPANHA)

    A luta contra a eliso na Espanha se faz sobretudo atravs da clusula quepermite Administrao declarar a fraude lei tributria e exigir o imposto elidido.O conceito de fraude lei ganhou contorno mais ntido com a nova redao dadapela Ley 25, de 1995, ao art. 24 da Ley General Tributaria : "Para evitar el fraudede ley se entender que no existe extensin del hecho imponble cuando segraven hechos, actos o negocios juridicos realizados en el propsito de eludir el

    pago del tributo, amparndo-se en el texto de normas dictadas com distintafinalidad, siempre que produzcan un resultado equivalente al derivado del hechoimponible".O dispositivo revogado no produzira nenhum processo durante maisde 15 anos de sua vigncia.60A nova redao do art. 24 da LGT representou umavano no campo das normas antielisivas, mas exibe dificuldades na aplicao e

    57Steuer und Wirtschaft1992, p. 186.58Cf. LEE, Dong-Sik. Methoden zur Verhinderung der Steuerumgehung und ihr Verhltnis

    zweinander. Herdecke: GCA Verlag, 2000, p. 1.59Die Steuerrechtsordnung, cit., p. 1325.60

    Cf. AMORS RICA, Narciso. "O Conceito de Fraude Lei no Direito Espanhol". In :BRANDO MACHADO (Coord.). Direito Tributrio: Estudos em Homenagem ao Prof. RuyBarbosa Nogueira. So Paulo : Saraiva, 1984, p. 442.

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    desperta perplexidades na doutrina, principalmente a de manter, para o combatea essa forma de eliso, o recurso analogia61 ou, segundo os mais formalistas, interpretao extensiva.62

    9.2. DESCONSIDERAO DA PERSONALIDADE JURDICA (ARGENTINA)

    As normas que autorizam o Fisco a desconsiderar a personalidade jurdicado contribuinte para atingir as relaes econmicas efetivamente realizadasconstituem autnticas normas antielisivas. Procuram normatizar a teoria do"disregard of legal entity" ou do "lifting the corporate veil", isto , autorizam olevantamento do vu da personalidade da empresa para que se possam atingir asubstncia do negcio jurdico e a responsabilidade dos scios.

    Como tal pode ser classificado o art. 2o da lei Argentina no 11.683, naordenao dada pelos decretos 821/98 e 1334/98 (antes aparecia como art. 12),63que ficou conhecida como "doctrina de la penetracin". Carlos M. GiulianiFonrouge e Zusana Camila Navarrine64 ensinam que a Corte Suprema, h quasevinte anos, estabeleceu que na determinao do fato imponvel se deve atender

    61 ROSEMBUJ, Tulio. La Simulacin y el Fraude de Ley en la Nueva Ley GeneralTributaria. Madrid : Marcial Pons, 1996, p. 76: "El Legislador, como hasta ahora, utiliza la analogiacomo tcnica de correcin del fraude de ley manteniendo uno de los principales equvocos de lanorma de la LGT sustituida, cual es la de enlazar estrutural y funcionalmente la extensin poranalogia com el fraude de ley, puesto que ambos conceptos pueden coincidir, pero no sonmutuamente necessarios". Cf. tb. GONZALEZ GARCIA, Eusebio/LEJEUNE, Ernesto. Derecho

    Tributrio I. Salamanca : Plaza Universitaria Ed., 1997, p. 362 "El artculo 24 de la Ley GeneralTributaria, aunque notablemente mejorado en su nueva redaccin, es de dificil utilizacin comoinstrumento de lucha contra el fraude a la ley". PEREZ DE AYALA, Jos Luis y GONZALEZGARCIA, Euzebio. Curso de Derecho Tributario. Madrid : EDERSA, 1989, v. 1, p. 347: "Dentrode esta perspectiva, suele ser prctica habitual en la doctrina espaola dividir el estudio delartculo 24 siguiendo su configuracin positiva. De este modo, se considera en primer lugar elproblema de la analoga dentro del Derecho Tributario, y en un segundo momento se examina elpapel que corresponde a la analoga como instrumento tcnico de lucha contra el fraude a la leytributaria." HERRERA MOLINA, Pedro M. "Aproximacin a la Analogia y el Fraude de Ley enMateira Tributaria". Revista de Direito Tributrio 73: 67: "Puede sostenerse que se trata de unaintegracin analgica de la ley eludida (esdecir una excepcin a la proibicin de analogia del art.23 LGT)".

    62Cf. ROSEMBUJ, Tulio. El Fraude de Ley, la Simulacin y el Abuso de las Formas en elDerecho Tributario. Madrid : Marcial Pons, 1999, p. 113.

    63Art. 2o Para determinar la verdadera naturaleza del hecho imponible se atender a losactos, situaciones y relaciones econmicas que efetivamente realicen, persigan o establezcan loscontribuyentes. Cuando stos sometan esos actos, situaciones o relaciones a formas o estruturasjurdicas que no sean minifiestamente las que el derecho privado ofrezca o autorice paraconfigurar adecuadamente la cabal intencin econmica y efectiva de los contribuyentes seprescindir en la consideracin del hecho imponible real, de las formas y estruturas jurdicasinadecuadas, y se considerar la situacin econmica real como encuadrada en las formas oestructuras que el derecho privado les aplicaria com independencia de las escogidas por loscontribuyentes o les permitiria aplicar como las ms adecuadas a la intencin real de los mismos.

    64Procedimiento Tributario y de la Seguridad Social. Buenos Aires: Depalma, 1999, p. 84e seguintes. Cf. tb. DANIEL GARCIA, Fernando. "El Denominado Principio de la Realidad

    Econmica en las Legislaciones Argentina y Espaola". Boletin de la Asociacion Argentina deEstudios Fiscales- Doctrina 1994-1998, p. 295-302; LE PERA, Sergio/ LESSA, Pedro. "RelatrioNacional da Argentina."Cahiers de Droit Fiscal Internacionalv. LXXIVa : 157-168, 1989.

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    substncia, e no s formas jurdicas externas dos atos, ou seja, que os artifciosusados pelos contribuintes no devem prevalecer sobre a realidade queencobrem; depois o Tribunal aplicou explicitamente a doutrina da penetrao, oudo rgo, ou do disregard (casos Parke Davis e Mellor Goodwin), para

    estabelecer que uma sociedade quase inteiramente dominada por outra noautoriza a reconhecer a existncia de convenes entre elas, porquanto deveprevalecer a razo de direito sobre o ritualismo jurdico formal, apreendendo arealidade jurdica objetiva; finalmente, no caso Kellogg, a Corte Suprema deJustia coarctou a indevida e indiscriminada aplicao do critrio de penetracinatodas as relaes entre empresas vinculadas, reservando-a aos atos antijurdicosque importem em abuso de derecho.

    9.3. PROPSITO MERCANTIL (ESTADOS UNIDOS, CANAD,

    INGLATERRA, AUSTRLIA, SUCIA)Desenvolveu-se em diversos pases (Estados Unidos, Canad, Inglaterra,

    Austrlia, Sucia, entre outros) a doutrina do "propsito mercantil" (businesspurpose), que sinaliza no sentido de que se caracteriza a eliso abusiva (abusivetax avoidance) quando o contribuinte se afasta do propsito mercantil de suasatividades para procurar predominantemente obter benefcios na rea fiscal.65Ocambate eliso se fez atravs de normas antielisivas (anti-avoidancerules), queseguiram dois caminhos principais: normas judiciais antielisivas (judicial anti-avoidance rules), resultantes das decises do Judicirio, sistema que prevalecenos Estados Unidos e na Inglaterra; normas legais anti-elisivas (statutory anti-

    avoidance rules; General anti-avoidance rules - GAAR), aprovadas peloParlamento, adotado no Canad, Austrlia e Sucia.66 Interessam-nos aqui asnormas legais antielisivas.

    No Canad houve uma longa construo jurisprudencial das normas anti-elisivas, at que se transformassem em texto legal. Prevalece um certo consensono sentido de que o teste do propsito (purpose test) s se aplica aos casos emque ocorre uma "eliso abusiva" (abusive tax avoidance).67As regras principaisaparecem na seo 245 da legislao do imposto de renda (Income Tax Act). Noitem 3 define-se a transao elisiva como qualquer transao ou parte de umasrie de transaes que possa resultar, direta ou indiretamente, em um benefcio

    fiscal, a menos que a transao possa razoavelmente ser considerada comoorganizada para propsitos de boa-f, inconfundveis com benefcios fiscais;68no

    65Cf. V. UCKMAR, op. cit., p. 28.66Cf. ARNOLD, Brian. "The Canadian General Anti-avoidance Rule". In : G.S. COOPER

    (Ed.), Tax Avoidance and the Rule of Law, cit., p. 226.67Id., ibid., p. 238.68"Avoidance Transaction. An avoidance transaction means any transaction:

    (a) that, but for this section, would result, directly or indirectly, in a tax benefit unless thetrasaction may reasonably be considered to have been undertaken or arranged primarily for bonafide purpose other than to obtain the tax benefit; or

    (b)That is part of a series of transactions, which series, but for this section, would result,directly or indirectly, in a tax benefit, unless the transaction may reasonably be considerer to havebeen undertaken or arranged primarily for bona fide purposes other than to obtain the tax benefit".

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    item 2 a clusula geral antielisiva (general anti-avoidance provision) autoriza quequando a transao seja elisiva as conseqncias fiscais para a pessoa sejamdeterminadas razoavelmente no sentido de denegar os benefcios fiscaisresultantes direta ou indiretamente daquela transao.69

    Na Austrlia as normas antielisivas se estampam na Seo 177 da parteIVA da legislao do imposto de renda (Income Tax Assessment Act).Caracteriza-se a eliso quando as pessoas envolvidas em negcios jurdicos(schema) tenham o propsito dominante de permitir que o contribuinte obtenhaum benefcio.70Nessa hiptese, quando o propsito dominante no for comercial,o Fisco pode alterar o lanamento e requalificar a posio tributria das partesenvolvidas.

    A Sucia instituiu normas gerais antielisivas a partir de 1980. Segundoinforma Leif Mutn os critrios em vigor so os seguintes: a) o ato a ser

    desconsiderado parte de um procedimento do qual resulta vantagem tributriarelevante para o contribuinte; b) tal vantagem pode ser entendida como a principalrazo para que o ato tenha sido praticado; c) a tributao com base naquele atoseria violao do propsito da legislao.71 A doutrina sueca tem levantado asuspeita de inconstitucionalidade da norma geral anti-elisiva, que implicariaanalogia no permitida pelo princpio da legalidade; mas a Corte SupremaAdministrativa declarou constitucional a medida.72

    9.4. DISPOSIES ANTIELUSIVAS DO DIREITO ITALIANO

    Na Itlia surgiram nos ltimos anos diversas disposies antielisivas, queso clusulas gerais com campo especfico de incidncia, em geral o imposto derenda.73

    O art. 10 da Lei no 408, de 1990, modificada pela Lei no 724, de 1994,estabeleceu que a administrao financeira pode desconhecer a vantagemtributria conseguida em operao de fuso, concentrao, transformao,cesso de crdito, valorao de participao social e valores mobilirios obtida

    69"General anti-avoidance provision. Where a transaction is an avoidance transaction, thetax consequences to a person shall be determined as is reasonable in the circumstances in orderto deny a tax benefit that, but for this section, would result, directly or indirectly, from thattransaction or from a series of transactions that includes that transaction".

    70Cf. WAINCYMER, Jeffrey. "The Australian Tax Avoidance Experience and Responses: ACritical Review". In : G.S. COOPER (Ed.), op. cit., p. 285.

    71 "The Swedish Experiment With a General Anti-Avoidance Rule". In : G.S. COOPER(Ed.), op. cit., p. 312.

    72

    Id., ibid., p. 320.73 Cf. FANTOZZI, Augusto. LEsperienza Italiana. In: DI PIETRO, Adriano (Ed.).LElusioneFiscalenellEsperienzaEuropea. Milano: Giuffr, 1999, p. 253.

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    sem razo econmica vlida e com a finalidade exclusiva de obterfraudulentamente uma economia de imposto.74

    O art. 7odo Decreto Legislativo no358, de 8 de outubro de 1997 inseriu noDPR no 600, de 1973, um art. 37-bis, que estabelece no ser oponvel administrao financeira os atos, fatos e negcios, destitudos de vlida razoeconmica, com o objetivo de contornar a obrigao ou a proibio prevista noordenamento tributrio e obter reduo de imposto ou restituio de indbito.75

    Algumas outras normas recentes cuidam tambm das medidasantielisivas.76

    9.5. Normas antiabuso em Portugal

    O art. 38, no2, da Lei Geral Tributria portuguesa, introduzido pela Lei 100,de 26/7/99, estabelece: So ineficazes os atos ou negcios jurdicos quando sedemonstre que foram realizados com o nico ou principal objetivo de reduo oueliminao dos impostos que seriam devidos em virtude de atos ou negcios

    jurdicos de resultado equivalente, caso em que a tributao recai sobre estesltimos.

    A lei processual tributria portuguesa criou um processo especial para lidarcom a aplicao das normas antiabuso.77O art. 63 do CPPT dispe:

    1 A liquidao de tributos com base em quaisquer disposies antiabuso nostermos dos Cdigos e outras leis tributrias depende de abertura para o efeito deprocedimento prprio.

    2 Consideram-se disposies antiabuso, para os efeitos do presente Cdigo,quaisquer normas legais que conseguem a ineficcia perante a administraotributria de negcios ou atos jurdicos celebrados ou praticados com manifestoabuso de formas jurdicas de que resulte a eliminao ou reduo dos tributos quede outro modo seriam devidos.

    3 O procedimento referido no nmero anterior pode ser aberto no prazo de trsanos aps a realizao do ato ou da celebrao do negcio jurdico objeto daaplicao das disposies antiabuso.

    4 A aplicao das disposies antiabuso depende da audio do contribuinte,

    nos termos da lei.

    74 poste in essere senza valide razioni economiche e allo scopo esclusivo di ottenerefraudolentamente un risparmio dimposto.

    75 Cf. RUSSO, Pasquele. Brevi Note in Tema di Disposizioni Antielusive. RassegnaTributaria1/1999, p. 68; ADONNINO, Piedro. Parece del Ministero delle Finanze e del ComitatoConsultivo per lApplicazione delle norme Antielusive e Rilevanza Penale dellElusione. Rivista diDiritto Tributario 11 (2): 243, 2001.

    76Art. 16 do D. Leg. 74, de 10 de maro de 2000; art. 11, 6 o, do Statuto del Contribuente(Lei 212/2000).

    77

    Cf. GUIMARES, Vasco Branco. Eliso Fiscal no Ordenamento Jurdico Interno. AExperincia Portuguesa. Seminrio Internacional sobre Eliso Fiscal. Braslia: ESAF, mim., 2001,p. 15.

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    9.6. O MODELO FRANCS E A SUA RECEPO NO BRASIL

    Na Frana o art. 1.741 do Code Gnral des Impts cria sanes paraquem tenha volontairementdissimulunepartdessommessujettes limpt. Oart. 64 do LivredesProceduresFiscalescuida da represso ao abuso de direito(rpression des abus de droit), ao prever que no podem ser opostos administrao dos impostos os atos que dissimulam a verdadeira compreensode um contrato ou de uma conveno (qui dissimulent la porte vritable duncontrat ou dune convention); a Administrao fica autorizada a requalificar osfatos (LAdministrationestendroitderestituersonvritablecaractreloprtionlitigieuse).

    O art. 116, pargrafo nico, do CTN, na redao dada pela LC 104, de2001, recepcionou o modelo francs de norma antielisiva.

    No aqui o lugar apropriado para se discutirem as vantagens e osdemritos da recepo dos paradigmas estrangeiros. Seja como for, no se podedeixar de anotar que a grande modificao do direito financeiro, por que passa oPas nos ltimos anos, tem fonte estrangeira inspirada no princpio datransparncia: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101, de 2000) cpia doFiscal ResponsabilityAct da Nova Zelndia; as normas anti-sigilo bancrio (LC105, de 2001) coincidem com as alteraes introduzidas na dcada de 90 nospases europeus; o Cdigo de Defesa do Contribuinte, em discusso noCongresso Nacional (PL 646, do Senado), deixa entrever a influncia do TaxpayerBillofRightsII, dos Estados Unidos (1996) e da LeydeDerechosy GarantiasdelContribuyente, da Espanha (1998). Importante, no momento da recepo da

    norma estrangeira, no escamotear a sua origem, evitando-se a tentativa decuidar do dispositivos como se fora regra tupiniquim, como muitas vezes se fez nopassado recente, de que foram exemplos a legislao do ICMS e a regra dainterpretao do art. 109 do CTN.

    V. AS NORMAS ANTIELISIVAS NO DIREITO BRASILEIRO

    10. CLUSULAS ANTIELISIVAS NO IMPOSTO DE RENDA BRASILEIRO

    Inexistindo uma norma geral antielisiva no direito brasileiro, resolveu olegislador do imposto de renda criar algumas regras especficas para combater aeliso. Assim aconteceu com o art. 51 da Lei 7.450/85: "Ficam compreendidos naincidncia do imposto de renda todos os ganhos e rendimentos de capital,qualquer que seja a denominao que lhes seja dada, independentemente danatureza, da espcie ou da existncia de ttulo ou contato escrito, bastando quedecorram de ato ou negcio que pela sua finalidade tenha os mesmos efeitos doprevisto na norma de incidncia do imposto de renda". A Lei no7.713, de 1988,estabeleceu no art. 3o, 4o que "a tributao independe da denominao dos

    rendimentos, ttulos ou direitos, da localizao, condio jurdica ou nacionalidadeda fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepo dasrendas ou proventos, bastando para a incidncia do imposto o benefcio do

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    contribuinte por qualquer forma e a qualquer ttulo". Estes dispositivos, pelageneralidade e abrangncia, resvalam para a analogia, como acontece comqualquer outra clusula antielisiva. interessante observar que Gilberto de UlhoaCanto78 e Brando Machado,79 autores de ndole positivista, opinaram pela

    inconstitucionalidade do art. 51 da Lei 7.450/85, justamente porque teriaautorizado o emprego da analogia; j Alberto Xavier,80tambm fiel s doutrinassobre a legalidade absoluta e tipicidade fechada, mas atento s modificaes dodireito tributrio, conclui pela legitimidade do dispositivo, que no constituiria"recurso analogia", mas mero "alargamento do tipo legal", sem "qualquer ofensaao princpio da tipicidade", o que, sem dvida, devido impossibilidade dedistino segura entre analogia e interpretao extensiva, representa hbilrecurso retrico do competentssimo tributarista.

    A Lei Complementar 104/01 introduziu, no art. 43 do CTN, a seguintenorma antielisiva (ou de interpretao extensiva?): 1o A incidncia do imposto

    independe da denominao da receita ou do rendimento, da localizao, condiojurdica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepo.

    11. A RECEPO DO PRINCPIO ARMS LENGTH

    O Brasil no participa da OCDE. Nada obstante, recepcionou o princpioarm's length ao regular os preos de transferncia na Lei no 9.430, de 27 dedezembro de 1996.

    Embora no seja signatrio da Conveno Modelo da OCDE, o Brasilassinou inmeros tratados de bitributao que repetem o dispositivo do art. 9odaOCDE, o que deixa fora de dvida a sua recepo no direito ptrio. Alm disso, aLei 9.430/96 tem inequivocamente o objetivo de criar a possibilidade de tributaosobre os preos de mercado nas operaes entre empresas associadas, o quecoincide, na essncia, com o modelo globalizado. Divergncias metodolgicasno afastam o princpio, at porque so inerentes temtica dos preos detransferncia.

    VI. A NORMA ANTIELISIVA DO ART. 116, PARGRAFO NICO, DO CTN

    12. REGRA ANTIELISIVA OU ANTIEVASIVA?

    Assim que publicada a LC 104/01 surgiu a dvida por parte da doutrinabrasileira: tratava-se de regra antielisiva ou antievasiva (anti-simulao)?

    78"Eliso e Evaso". Caderno de Pesquisas Tributrias13 : 98, 1988.79

    "Ciso de Sociedade de Capital Estrangeiro e Imposto de Renda". Repertrio deJurisprudncia. IOB17: 250, 1988.80Direito Internacional Tributrio do Brasil. Rio de Janeiro : Forense, 1998, p. 297.

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    Coube a Alberto Xavier lanar, de modo mais articulado, a tese de que secuidava de norma antievasiva: o novo pargrafo nico do art. 116 do CTNestabelece que a autoridade administrativa poder desconsiderar atos ounegcios jurdicos viciados por simulao.81 Alm da afirmao de que a

    dissimulao significa simulaorelativa, que examinaremos adiante (item 13.4.),Xavier lana mo do argumento de que, se interpretada como norma antielisiva, anova regra seria inconstitucional, pois conflitaria com os princpios da legalidadeestrita e da tipicidade fechada, afrontaria a proibio de analogia estabelecida noart. 108, 1o, do CTN e recorreria s teorias da fraude lei e do abuso do direito,inaplicveis no direito tributrio.82

    A outra corrente de idias, qual nos filiamos,83 defende aconstitucionalidade da LC 104/01 e a possibilidade e a convenincia das normasantielisivas.84

    Alm da anlise da norma do art. 116, pargrafo nico, do CTN, quefaremos adiante (item 13.2.), e do aspecto contra-analgico de que se reveste(item 14.1.), podemos alinhar os seguintes argumentos gerais no sentido de que aLC 104/01 trouxe uma verdadeira norma antielisiva, influenciada pelo modelofrancs, e no uma norma antievasivaou anti-simulao:

    a) no tem peso argumentativo concluir-se que o Congresso Nacional,legitimamente eleito, teria se reunido para votar lei incua, que repetiria aproibio de simulao j constante do CTN (arts. 149, VII e 150, 4o);

    b) no faz sentido admitir-se que a lei incua foi votada por engano ou

    por ignorncia, j que a Mensagem que encaminhou o projeto se referiaexpressamente necessidade de introduo da regra antielisiva no ordenamentojurdico brasileiro;85

    81Tipicidade da Tributao, Simulao e Norma Antielisiva. So Paulo: Dialtica, 2001, p.68. No mesmo sentido se manifestaram os seguintes autores: MARTINS, Ives Gandra da Silva.Norma Antieliso. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributrio e a LeiComplementar 104. So Paulo: Dialtica, 2001, p. 117-128; TROIANELLI, Gabriel Lacerda. OPargrafo nico do Art. 116 do Cdigo Tributrio Nacional como Limitao do Poder na

    Administrao. In: VALDIR OLIVEIRA ROCHA, ibid., p. 85-102; DERZI, Misabel Abreu Machado.A Desconsiderao dos Atos e Negcios Jurdicos Dissimulatrios, segundo a Lei Complementar104, de 10 de Janeiro de 2001. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, ibid., p. 205-232.

    82Ibid., p. 19, 98, 102 e 138.83 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. A Chamada Interpretao Econmica do Direito

    Tributrio, a Lei Complementar 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributrio. In: ROCHA,Valdir de Oliveira (Ed.). O Planejamento Tributrio e a Lei Complementar 104. So Paulo:Dialtica, 2001, p. 233-244.

    84Cf. GRECO, Marco Aurlio. Constitucionalidade do Pargrafo nico do Artigo 116 doCTN. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, O Planejamento Tributrio..., cit., p. 181 a 204; SEIXASFILHO, Aurlio Pitanga. A Interpretao Econmica no Direito Tributrio, a Lei Complementar n o104/2001 e os Limites do Planejamento Tributrio. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (Ed.,), O

    Planejamento..., cit., p. 7-19.85 Para o histrico dos trabalhos preparatrios de LC 104/01: GRABRIEL LACERDATROIANELLI, O Pargrafo nico do art. 116..., cit., p. 87 e seguintes.

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    c) no pode haver nenhuma incompatibilidade da norma antielisivacom o Estado de Direito, seno at que se tornou necessidade premente nasprincipais naes democrticas na dcada de 1990;

    d) em nenhum pas democrtico levantou a doutrina a tese dainconstitucionalidade, e muito menos a declararam os Tribunais Superiores;

    e) quando muito se encontra a afirmativa de que certas naes noesto maduras para a prtica das normas antielisivas, como acontece naquelasem que o planejamento tributrio se tornava freqentemente abusivo;86

    f) as teses da legalidade estrita e da tipicidade fechada tmconotao fortemente ideolgica e se filiam ao positivismo formalista econceptualista;87

    g) as normas antielisivas equilibram a legalidade com a capacidadecontributiva;88

    h) as normas antielisivas no direito comparado tm fundamento nocombate fraude lei (Alemanha, Espanha, Portugal), ao abuso de direito(Frana) ou ao primado da substncia sobre a forma (Estados Unidos, Inglaterra,Canad, etc.), e no h motivo para que tais fundamentos no possam serinvocados no Brasil.89

    13. A NECESSIDADE DE SE ESCANDIR A NORMA ANTIELISIVA

    necessrio escandir-se a norma do art. 116, pargrafo nico, do CTN,para que se analisem todos os seus elementos e se verifique o alcance do seucomando.

    13.1. A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA...

    Diz o dispositivo legal que a autoridade administrativa pode desconsideraros atos ou negcios jurdicos praticados.

    86 RUSSO, Pasquale. Brevi Note in Tema di Disposizioni Antielusive. RassegnaTributria 1/1999: 68: A primeira reflexo a fazer que o ordenamento italiano, pela tradio etendo em vista a situao concreta da Administrao financeira, no est ainda maduro (non ancora maturo) para a introduo de uma General-Klause antielisiva do tipo das vigentes emoutros paises (Alemanha, Austria, Argentina).

    87Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Legalidade Tributria e Riscos Sociais. Revista Dialticade DireitoTributrio59: 95-112, 2000.

    88Cf. MARCO AURLIO GRECO, Constitucionalidade..., cit., p. 188: ... o pargrafo nico

    do artigo 116 prestigia a legalidade e a tipicidade, pois estas cercam a qualificao dos fatos davida para dar-lhes a natureza de fato gerador do tributo.89Cf. MARCO AURLIO GRECO, Constitucionalidade..., cit., p. 199-200.

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    Autoridade administrativa, a, a autoridade da administrao fazendriaincumbida do lanamento.

    A eliso fiscal abusiva s pode ser combatida pela legislao, atravs dofechamento dos conceitos jurdicos, ou pela administrao, mediante arequalificao dos atos e negcios jurdicos praticados pelo contribuinte.90Sobrea autoridade administrativa recai o nus da prova.91

    O Judicirio no tem competncia para desconsiderar o ato ou negcio, aocontrrio do que prev o projeto de Lei de Defesa do Contribuinte, em exame noSenado Federal, relativamente desconsiderao da personalidade jurdica dasociedade.92Ao Judicirio, entretanto, compete o controle do ato de requalificaolevado a efeito pela administrao.

    13.2. PODER DESCONSIDERAR...

    A desconsiderao operada pela autoridade significa requalificao, isto ,uma qualificao jurdica diferente daquela praticada pelo contribuinte na eliso,que ter sido abusiva.

    Sabe-se que o fato gerador concreto no objeto de interpretao, masde qualificao. Absolutamente imprprio cogitar-se de uma interpretao do fato.S se interpreta o fato gerador abstrato ou a norma tributria.93 Mas o fatogerador concreto no interpretado nem valorado enquanto fato.94 O fatoconcreto apenas valorado de acordo com a lei,95 ou qualificado segundo ascategorias estabelecidas pela norma96ou, como prefere Reale, objeto de uma

    90Cf. K. TIPKE, Die Steuerrechtsordnung ..., cit., p. 1332: O combate eliso fiscal umatarefa constitucional da legislao e da administrao (Die Bekmpfung der Steuerumgehung istdaher eine verfassungsmssige Aufgabe von Gesetzgebung und Verwaltung).

    91 Id., ibid., p. 1345. Cf. tb. MARCO AURLIO GRECO, Constitucionalidade..., cit., p.189.

    92Cf. Projeto de Lei Complementar no646, de 1999 art. 10.93Cf. LARENZ, Methodenlehre:.., cit., p. 299: Objeto da interpretao o texto da lei

    (Gesetztext); KLEIN, Friedrich. Zur Auslegung von Steuergesetzen durch des

    Bundesverfassungsgericht. In Thoma/Niemann (Ed.), Die Auslegung der Steuergesetze inWissenschaftundPraxis, cit., p. 140: O problema da interpretao se reduz ao fato gerador daregra jurdica (Tatbestandteil der Rechtsstze); PAULICK, Lehrbuch des allgemeinenSteuerrechts. Kln: Carl Heymanns Verlag, 1997, p. 137.

    94Cf. TIPKE. Steuerrecht. Kln: O. Schmidt, 1978, 6aed., p. 97: Uma valorao do fatopor si mesmo no possvel (EineBeurteilungdesSachverhaltsaussichselbstistnichtmglich).

    95 Id., ibid., p. 97: A valorao econmica (wirtschaftliche Beurteilung) s pode serdirigida pela lei; BEISSE, Heinrich. O Critrio Econmico na Interpretao das Leis TributriasSegundo a Mais Recente Jurisprudncia Alem. In: BRANDO MACHADO (Coord.). DireitoTributrio. Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. So Paulo: Saraiva, 1984, p.29: O completo significado do critrio econmico se revela, portanto, apenas na interpretao dalei, embora os efeitos deste mtodo se reflitam sobre a apreciao dos fatos.

    96

    Cf. MARCHESSOU, Philippe. LInterpretation des Textes Fiscaux. Paris: Ed. Economica,1980, Berlin: Duncker & Humblot, 1976, p. 5; XAVIER, Alberto. Direito Tributrio Internacional doBrasil. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 143.

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    qualificao normativa.97Se a aplicao do direito reveste sempre a forma desilogismo, subsume-se o fato em uma das interpretaes possveis da norma.98Entre a interpretao da norma e a qualificao do fato h, por conseguinte, umarelao de subsuno, que no meramente lgica formal, mas tambm

    valorativa.

    99

    A desconsiderao do ato ou negcio praticado, ou seja, a sua

    requalificao, nada tem que ver com as conseqncias da simulao, a saber: aanulao prevista no art. 147, II, do Cdigo Civil e a reviso do lanamento deque cuida o art. 149, VII, do CTN.

    Pelo contrrio. Visa apenas a reaproximar a qualificao do verdadeirocontedo material do ato decorrente do desenho da hiptese de incidncia. Comoobserva P. Adonnino, a norma antielisiva investe a administrao no poder deproceder requalificao jurdica formal da relao, fazendo-a coincidir com a

    realidade substancial, trazendo a conseqncia ao plano do fato gerador dotributo.100

    13.3. ... ATOS OU NEGCIOS JURDICOS PRATICADOS...

    A desconsiderao se refere aos atos ou negcios jurdicos praticados, ouseja, requalificam-se os fatos geradores concretos.

    a) Requalificao dos fatos geradores concretos

    A metodologia jurdica incumbiu-se de esclarecer que a aplicao da leireveste sempre a forma de silogismo, em que a premissa maior a hiptesedescrita na lei, a premissa. menor o fatoa se subsumir na descrio legal e aconseqncia, o resultado da inferncia.101Esse esquema metodolgico adapta-

    97O Direito como Experincia. So Paulo: Saraiva, 1968, p. 205.98Cf. TIPKE Steuerrecht, 6 ed., cit. p. 98: A valorao jurdica do fato concreto (rechtliche

    Beurteilung des Sachverhalts) , de acordo com a metodologia jurdica, subsuno na lei;PAULICK, Lehrbuch..., cit., p. 137; ENGISCH, Introduo ao Pensamento Jurdico. Lisboa: C.Gulbenkian, 1968, p. 79: So subsumidos conceitos de fatos a conceitos jurdicos; BEISSE. O

    Critrio Econmico..., cit., p. 30: ... a espcie e a forma da valorao dos fatos concretos da vidaresultam das regras da lgica da subsuno. Contra: KRUSE. Steuerrecht. Mchen: C. H. Beck,1969, p. 76, que defende a possibilidade da valorao antes da subsuno.

    99 Cf. LARENZ, Methodenlehre..., cit., p. 204; ISENSEE, Josef. Die typisierendeVerwaltung. Berlin: Duncker & Humblot, 1976, p. 65; TIPKE, Steuerrecht, 6 ed., 1978, cit., p. 97:A interpretao da lei (Gesetzauslegung) e a valorao do fato (Sachverhaltsbeurteilung ) no sodois processos diferentes, mas dois aspectos do mesmo processo; ZIPPELIUS, JuristischeMethodenlehre. Mnchen: C. H. Beck, 1985, p. 92; A. CASTANHEIRA NEVES, Questo-de-Facto Questo-de-DireitoouOProblemaMetodolgicodaJuridicidade. Coimbra: Livraria Almedina,1967, v. 1, p. 207.

    100 Parece del Ministero..., cit., p. 242. Cf. tb. GIULIANI FONROUGE/SUSANANAVARRINE, op. cit., p. 82: ... et fisco puede prescindir de esas apariencias y determinar la

    obligacin tributaria segn la realidad oculta, sin necessidad de demonstrar la nulidad del actojuridico aparente.101Cf. por todos, K. LARENZ, Methodenlehre..., cit., p. 261.

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    se com sucesso ao Direito Tributrio.102Do ponto-de-vista lingsticoa distinomais clara fazem-na os alemes, que tm termos diferentes para significar osuporte legal ou a hiptese de incidncia (Tatbestand) e o fato oncreto(Sachverhalt).103 Mas em francs (fait gnrateur), em italiano (fattispecie), em

    espanhol (hecho imponible) e em portugus (fato gerador), o mesmo significanteexpressa os dois significados, o que tem levado, entre ns, alguns juristas a seesforarem na busca de nova terminologia, sem, contudo, superarem asdificuldades semnticas, como o caso de Geraldo Ataliba,104 que prope asexpresses hiptesesdeincidncia(= descrio genrica e hipottica de um fato)e fato imponvel (= fato concretamente ocorrido no mundo fenomnico,empiricamente verificvel). No obstante a opulncia da lngua alem, o prprioart. 1, III, da Lei de Adaptao Tributria, inspirador do art. 118 do CTN, noconseguiu escapar da ambigidade e da impreciso, ao utilizar o termoTatbestand(ao revs de Sachverhaltou Lebensachverhalt) para se referir ao fatogerador concreto.105

    A norma antielisiva do art. 116, pargrafo nico, do CTN, portanto, visa desconsiderao ou requalificao do fato gerador concreto.

    Na eliso, afinal de contas, ocorre um abuso na subsuno da normatributria ao fato. Como lembra Paul Kirchhof, a eliso sempre uma subsunomalograda (ein fehlgeschlagener Subsuntionsversuch).106

    b) Dois exemplos de qualificao abusiva

    importante, neste passo, recorrer a alguns casos clssicos de eliso

    fiscal atravs da fraude lei e do abuso da forma jurdica.O exemplo clssico de fraude lei o que nos vem do direito alemo.

    Para pagar menos imposto determinada pessoa, ao revs de vender o bem,preferiu fazer contrato de locao, de tal forma que no prazo previsto os aluguischegariam aproximadamente ao mesmo valor da venda, sujeitando-se a impostomenor; ao adquirente era garantida a preferncia para a aquisio do bem porpreo determinado ao fim do contrato. Quer dizer: o ato praticado era lcito, masse utilizou para qualificar o negcio uma norma de cobertura que no lhe eraadequada. Houve o desencontro entre a intentiofactie a intentiojuris.

    102 Cf. TIPKE, Steuerrecht, cit., p. 96; PAULICK, Lehrbuch..., cit., p. 116; WEBER-FAS.GrundzgedesallgemeinenSteuerrechtsderBundesrepublikDeutschland. Tbingen: Mohr, 1979,p. 82. Entre ns passou a ser adotado por influncia dos normativistas: CARVALHO, Paulo deBarros. TeoriadaNormaTributria. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p. 60; ATALIBA,Geraldo. Hiptese de Incidncia Tributria. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1973, p. 67;COELHO, Sacha Calmon N. TeoriaGeraldoTributoedaExoneraoTributria. So Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 1982, p. 109.

    103Cf. LARENZ, Methodenlehre..., cit., p. 261; TIPKE, Steuerrecht, cit., p. 96.104Hiptese de Incidncia Tributria, cit., p. 75.105Cf. TIPKE, Steuerrecht, cit., 6 ed., 1978, p. 102; PAULICK, Lehrbuch..., cit., p. 137;

    BHLER, Ottmar. Steuerrecht. Wiesbaden: Th. Gabler, 1951, p. 69; KRUSE, Steuerrecht, cit., p.76.106Steuerrumgehung und Auslegungsmethoden. Steuer und Wirtschaft60: 131, 1983.

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    Outro exemplo de eliso, sob a veste de abuso de forma jurdica, o casoda Grendene, que foi objeto de deciso do antigo Tribunal Federal deRecursos.107Os scios da empresa criaram 8 sociedades de pequeno porte como objetivo de manipular o preo das mercadorias aproveitando-se da diferena no

    regime tributrio do tributo federal. O Tribunal desconsiderou o fraccionamentoda empresa para efeitos de pagamento do imposto de renda, embora no tivessedesconstitudo os atos jurdicos.

    c) Eliso e Simulao

    V-se, nesses exemplos, que a eliso se refere a fatos realmenteacontecidos, que tiveram a subsuno malograda.

    Na simulao, pelo contrrio, o fato ou no existiu (ex. compra-e-vendasem entrega de dinheiro) ou s parcialmente era verdadeira (ex. compra-e-vendapor baixo preo, que doao).

    Na eliso o fingimentono ocorre com relao ao fatoconcreto, mas comreferncia ao fatogeradorabstratodefinido na lei, que destorcido na subsuno.Tipke observa com preciso: Fingida apenas a forma jurdica correspondente,no o fato econmico.108

    13.4. ... COM A FINALIDADE DE DISSIMULAR...

    O art. 116, pargrafo nico, do CTN acrescenta expresso a autoridade

    administrativa poder desconsiderar atos ou negcios jurdicos a frase com afinalidade de dissimular a ocorrncia do fato gerador do tributo ou a natureza doselementos constitutivos da obrigao tributria....

    Interessa-nos, aqui, examinar o sentido e o alcance da expresso ... com afinalidade de dissimular.

    107Apelao Civel no115.478-RS, Ac. da 6aTurma do Tribunal Federal de Recursos, de18.2.87, Rel. Min. Amrico Luz, Revista do Tribunal Federal de Recursos 146: 217, 1987:Legitimidade da atuao do Fisco, em face dos elementos constantes dos autos.

    Constitudas foram, no mesmo dia, de uma s vez, pelas mesmas pessoas fsicas, todasscias da autora, 8 (oito) sociedades com o objetivo de explorar comercialmente, no atacado e novarejo, calados e outros produtos manufaturados em plstico, no mercado interno e nointernacional.

    Tais sociedades, em decorrncia de suas caractersticas e pequeno porte, estavamenquadradas no regime tributrio de apurao e resultados com base no lucro presumido, quandosua fornecedora nica, a autora, pagava o tributo de conformidade com o lucro real.

    Reconhece-se recorrente, apenas, o direito de compensao do Imposto de Renda pagopela aludidas empresas.

    Reforma parcial da sentena.108 Die Steuerrechtsordnung..., cit., p. 1344: Fingiert wird... nur die angemessene

    Rechtsgestaltung, nicht der wirtschaftliche Sachverhalt. Observa P. HERRERA MOLINA, op. cit.,

    p. 67: Mediante el fraude de ley se realiza verdaderamente el acto o negocio juridico manifestadopor los interessados lo que diferencia esta figura de la simulacin aunque com una finalidadatipica y artificiosa.

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    A dissimulaopoder ser tomada em dois sentidos: a) como mecanismo dasimulao, como fizeram os juristas de ndole formalista; b) como ingrediente daeliso, na linha do modelo francs, que adotamos.

    a) Dissimulao e simulao relativa

    A teoria do direito civil considera a dissimulao como forma de simulaorelativa. Trata-se de ponto de vista terico, que no se positiva no direito civilbrasileiro, o qual cuida simplesmente da simulao (art. 102 do Cdigo Civil).

    Explica Roberto de Ruggiero que na simulao ocorre a desconformidadeconsciente e querida da declarao com a vontade, mas preordenada com aparte qual a declarao se dirige e acordado com ela, a fim de enganarterceiros. Se o acordo cria um negcio que no era querido (simulamos umavenda, mas no queremos nem vender nem criar qualquer outra relao jurdica),a simulao absoluta. Outras vezes se cria um negcio distinto daquele que emrealidade se quer (encobrimos em uma venda uma doao), ou se declara oquerido, mas um dos sujeito distinto (declaro dar a Caio para ocultar a doaofeita a Maria), ou diverso o objeto (declaramos na compra-e-venda um preodiferente do real), ou algum outro elemento, a simulao nestes casos relativa,porque um negcio querido, mas resulta dissimulado sob falsas aparncias, e,portanto, ao lado do negcio verdadeiro (dissimulado) se coloca o aparente(dissimulado).109

    Washington de Barros Monteiro adverte: Cumpre no confundir simulaocom dissimulao. Distinguiu-as Ferrara, nos seguintes termos: na simulao, faz-

    se aparecer o que no existe, na dissimulao oculta-se o que ; a simulaoprovoca uma crena falsa num estado no-real, a dissimulao oculta aoconhecimento dos outros uma situao existente... Mas em ambas, o agente quero engano: na simulao quer enganar sobre a existncia de uma situao no-verdadeira, na dissimulao, sobre a inexistncia de situao real. Se a simulao um fantasma, a dissimulao uma mscara.110

    A dissimulao referida no art. 116, pargrafo nico, do CTN foiinterpretada nesse sentido de simulao relativa pela doutrina normativista econceptualista, que sempre defendeu o primado da forma sobre a substncia.111

    No nos parece que assim seja, tendo em vista que a desconsiderao daautoridade administrativa refere-se a ato ou negcio jurdico realmente

    109Instituciones de Derecho Civil. Madrid: Ed. Reus, s/d., v. I, p. 258. Logo depois repisaRUGGIERO: na simulao relativa, havendo-se querido um negcio e realizado outro distinto, onegcio simulado nulo, devendo considerar existente o dissimulado, que o realmente querido(plus valet quod agitud quam quod simulate concipiten) (p. 262).

    110Curso de Direito Civil. Parte Geral. So Paulo: Saraiva, 1989, p. 209 e seguintes.111Cf. ALBERTO XAVIER, Tipicidade da Tributao..., cit., p. 54: na simulao relativa

    existem dois negcios jurdicos: o negcio simulado, correspondente vontade declaradaenganadora e o contrato, por baixo dele oculto ou encoberto -o negcio dissimulado,correspondente vontade real dos seus autores; DERZI, Misabel. A Desconsiderao dos Atos e

    Negcios Jurdicos Dissimulatrios, segundo a Lei Complementar no

    104, de 10 de janeiro de2001. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributrio e a Lei Complementar no104, cit., p. 212.

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    acontecido, sem qualquer simulao, absoluta ou relativa, porque, como j vimos,na eliso o fato gerador concreto verdadeiro. Ademais, no existe outra pessoaenvolvida na realizao do fato gerador, como acontece na simulao.

    Nos exemplos utilizados, no item 13.3.b., nem a locao do bem nem ofraccionamento do capital social da empresa foram simulados, eis que a situaoeconmica realmente ocorreu, malogrando-se apenas a subsuno.