nordan revisado 4 15-08-13
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Nordan Manz
Metáforas políticas no gênero tokusatsu:
A metamorfose dos signos na mídia japonesa
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Nordan Manz
Metáforas políticas no gênero tokusatsu:
A metamorfose dos signos na mídia japonesa
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica na área de concentração Signo e Significação das Mídias pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profª. Drª. Christine Greiner
São Paulo
2013
BANCA EXAMINADORA
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__________________________________________
__________________________________________
Para meus professores e colegas que me
ajudaram a perceber o mundo através de um
novo prisma.
METÁFORAS POLÍTICAS NO GÊNERO TOKUSATSU: A METAMORFOSE DOS
SIGNOS NA MÍDIA JAPONESA
RESUMO
Esta dissertação apresenta exemplificações do tokusatsu, gênero que faz parte do cinema e
televisão japoneses, identificando como, a partir da 2ª Guerra Mundial, surgiram alguns dos mais
importantes personagens e suas metáforas políticas. Após a emergência da chamada cultura pop,
muitas destas metáforas foram descontruídas e despolitizadas. O objetivo do trabalho é analisar o
processo evolutivo destas produções, focando nas mudanças epistemológicas, cujo principal
sintoma é, justamente, a banalização das questões que marcaram o início do movimento. A
fundamentação teórica parte da obra de Yoshikuni Igarashi (2011) que analisou o nascimento dos
corpos monstruosos em diversas mídias japonesas (TV, cinema, mangá, etc.), assim como as
representações simbólicas da guerra e do pós-guerra. Além disso, partimos das teorias de George
Lakoff e Mark Johnson (2002) acerca das metáforas cognitivas e outras bibliografias específicas
referentes ao cinema japonês. Como corpus da pesquisa foram analisadas quatro séries japonesas
de cinema e televisão lançadas entre 1954 e 1985: Godzilla (1954) de Ishiro Honda, primeiro
filme a apresentar um monstro gigante; Ultraman (1966) de Eiji Tsuburaya, que apresenta
discussões de cunho ecológico; a série de P-Production, Spectreman (1971) que também
problematiza temas ecológicos e doutrinação dos corpos; e, finalmente, O Fantástico Jaspion
produzido pela Toei Company, durante a década de 1980 e teve ampla divulgação no Brasil.
Espera-se contribuir com uma bibliografia crítica pouco conhecida no Brasil e que analisa as
tensões entre produções midiáticas japonesas de cunho político que, gradativamente, parecem
tornar-se mero entretenimento e objeto de consumo, amplamente disseminadas pela cultura J-
POP.
Palavras-chave: tokusatsu, cinema japonês, metáforas cognitivas.
POLITICAL METAPHORS IN THE TOKUSATSU GENRE: SIGN METAMORPHOSIS
IN THE JAPANESE MEDIA
ABSTRACT
This dissertation presents tokusatsu examples, a genre that is part of the Japanese cinema and
television, identifying how, since World War II, some of the most prominent characters and
political metaphors aroused. After the emergence of the so called pop culture, many of these
metaphors were deconstructed and depoliticized. The goal is to analyze the evolutional process of
these productions, focusing on the epistemological changes, whose main symptom is, precisely,
the trivialization of the issues that defined genre landmarks. The theoretical grounding rises from
the works from Yoshikuni Igarashi (2011) who analyzed the birth of monstrous bodies in several
Japanese media (TV, movies, Manga, etc.), as well as war and post-war symbolic representations.
Beyond that, we depart from George Lakoff e Mark Johnson (2002) theories surrounding on
cognitive metaphors and another specific bibliography relative to the Japanese cinema. As the
research corpus four cinema and television series launched between 1954 and 1985 were
analyzed: Godzilla (1954) by Ishiro Honda, first movie to present a giant monster; Ultraman
(1966) by Eiji Tsuburaya, which presented discussions with ecological scope; the P-Production
series, Spectremen (1971) which also questioned ecological themes and bodies control; and,
finally, The fantastic Jaspion, produced by Toei Company during the 1980 decade, which
received great disclosure in Brazil. We hope to contribute with a critical bibliography almost
unknown in Brazil, which analyzes media tensions in Japanese political productions that,
gradually, seemed to become only entertainment and consume object, widely disseminated by J-
POP culture.
Keywords: tokusatsu, Japanese cinema, cognitive metaphors.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 4
CAPÍTULO 1 ......................................................................................................................................... 7
1.1. Contextualização histórica do Tokusatsu .................................................................................... 7
1.2. O papel dos monstros ................................................................................................................ 21
CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................................... 35
2.1. A metáfora como fundamento do tokusatsu ................................................................................. 35
2.2. Análise das primeiras séries e seus desdobramentos políticos ................................................ 39
2.3. Redes de Consumo e infantilização: a soberania do merchandising ........................................ 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 112
REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS ................................................................................................... 113
4
INTRODUÇÃO
A presente dissertação foi gerada a partir da vontade de entender o processo de
construção dos personagens e narrativas das séries e filmes do gênero tokusatsu, com um
olhar voltado para as fontes de inspiração de seus autores e seus contextos. A princípio, as
séries e filmes pareciam ser amálgamas de histórias de super-heróis e de ficção científica,
oriundas dos EUA e da Europa, com o folclore japonês.
Entretanto, no desenvolvimento do projeto, durante as primeiras análises dos
objetos de estudo, algo mais profundo emergiu. Essas produções foram se revelando
extremamente marcadas por questões políticas, representadas de forma metafórica. Para um
olhar mais superficial, tais questões passavam despercebidas, criando a falsa percepção de
que o gênero tokusatsu possuía apenas produtos voltados para o entretenimento do público
infantil. O corpus da pesquisa foi demonstrando que tal gênero era um campo muito mais
rico, propício a um estudo de ordem comunicacional e semiótica.
Buscou-se entender de forma mais minuciosa como se davam as construções desses
personagens, quais as influências dos contextos social, político e econômico em que
estavam inseridos, e como essas questões eram representadas de forma metafórica nas
produções estudadas. Deste modo, o trabalho foi dividido em dois capítulos, com o intuito
de tornar mais claro o processo de construção e desconstrução dessas metáforas, mais
especificamente, nas produções selecionadas como corpus do trabalho.
O primeiro capítulo é dividido em duas partes. Na primeira parte, realizamos uma
contextualização histórica apresentando o desenvolvimento das produções do gênero, seus
principais personagens, franquias e produtoras responsáveis. A partir de 1954, com o filme
Godzilla, nascem os primeiros super-heróis japoneses, como Super Giant – uma série de
curtas metragens que ganhou versão adaptada para o mercado estadunidense. Abordamos
os primeiros personagens criados para a televisão, como Gekko Kamen, da produtora Toei
Company, mais tarde responsável pela criação de franquias de grande sucesso.
A primeira parte prossegue demonstrando a importância do gênero no Japão e no
mundo. Para dar continuidade à contextualização, descrevemos o surgimento das principais
franquias, como Ultraman, da Tsuburaya Productions, com dezenas de séries e filmes, que
gera novas produções com o herói alienígena enfrentando monstros gigantes até os dias de
5
hoje; Spectreman da P-Productions que seguia o mesmo estilo de Ultraman; Kamen Rider
da Toei Company e Super Sentai da mesma produtora, que também geraram dezenas de
produções; e finalmente os Metal Heroes, também da Toei Company, que na quarta série da
franquia apresentaria um dos personagens mais emblemáticos do gênero para o público
brasileiro: O Fantástico Jaspion. Este personagem retomaria na década de 1980 a questão
dos monstros gigantes.
A pesquisa enfatiza, ainda, a importância do Tokusatsu no mundo, ao apresentar um
pequeno panorama das séries e filmes diretamente inspiradas no gênero produzidas fora do
Japão, muitas vezes por iniciativa dos próprios fãs, como France Five (França), Insector
Sun (Brasil), Squadron Sport Ranger (Tailândia), dentre outros.
A segunda parte do primeiro capítulo trata da figura do monstro, amplamente
utilizada no gênero e emblemática para o público. Os monstros, carregados de
significações, foram selecionados como ponto de partida para o estudo das metáforas
dentro do gênero tokusatsu. Um panorama acerca dessas figuras é traçado a partir de
personagens mitológicos e das primeiras aparições da figura do monstro na literatura. Deste
modo, a própria construção da figura monstruosa é colocada em discussão, buscando
marcar as especificidades dos monstros dentro deste gênero.
O segundo capítulo é dividido em três partes. Na primeira, aproveitamos os
desenvolvimentos do capítulo anterior e procuramos instalar a metáfora como fundamento
do gênero tokusatsu, a partir das teorias do linguista George Lakoff e do filósofo Mark
Johnson. Os autores desenvolvem a perspectiva de que as metáforas não são apenas figuras
de linguagem, mas são usadas cotidianamente como modelos cognitivos.
A segunda parte pontua as produções que compõem o corpus da pesquisa: Godzilla,
Ultraman, Spectreman e O Fantástico Jaspion, demonstrando como as metáforas usadas
nos filmes correspondem aos modos de representação dos problemas socioconômicos
abordados em Godzilla, Ultraman, Spectremen e Jaspion. Apresentamos também um breve
panorama do desenvolvimento do cinema japonês do pós-guerra. Para tanto, a pesquisa
seleciona trechos e episódios específicos que ajudam a entender a rede político-semiótica
envolvida nessas produções.
Na terceira parte do segundo capítulo passamos a discutir a desconstrução das
metáforas originalmente elaboradas no tokusatsu. Apresentamos como principal agente
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dessa desconstrução a rede de consumo que se desenvolve em torno de tais produções.
Produtos que fazem uso da imagem dos personagens mas, para alcançar um número maior
de consumidores, acabam infantilizando e tornando mais acessíveis suas imagens/figuras,
personalidades e narrativas.
Como exemplos da desconstrução das metáforas, analisadas neste capítulo,
apresentamos os filmes subseqüentes de Godzilla e sua antropomorfização, a série animada
do mesmo personagem, e itens como o “porta papel higiênico” com a imagem do monstro.
A utilização de Ultraman como garoto propaganda de produtos eletrônicos, além de tantos
outros itens baseados nos personagens Spectreman e Jaspion, que alteram as ideias
primordiais de seus criadores, também nos servem como parâmetro de análise.
Nas considerações finais elencamos uma série de problemas, a serem aprofundados
em etapas futuras da pesquisa, tendo em vista a complexidade das discussões aqui
apresentadas.
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CAPÍTULO 1
1.1. Contextualização histórica do tokusatsu
A palavra japonesa tokusatsu é uma contração da expressão tokushu kouka satsuei,
ou “filme de efeitos especiais” em tradução livre. O termo é usado para classificar filmes e
seriados japoneses em live-action (produções audiovisuais com atores, como o cinema
tradicional) que fazem uso intenso de técnicas de efeitos visuais e de efeitos especiais. Em
geral, os tokusatsu são marcados por temáticas ligadas à ficção científica e à fantasia,
protagonizadas por monstros gigantes (Kaiju Eiga), por heróis gigantes (Kioudai Shiriizu),
ou por super-heróis de transformação (Henshin Horo Shiriizu), nomenclaturas
costumeiramente usadas pelos fãs do estilo para definir cada vertente.
A origem do gênero remonta ao antigo teatro Kabuki, que já apresentava cenas de
ação e luta, e o Bunraku, que já trabalhava com marionetes, uma das primeiras técnicas de
efeitos especiais. Entretanto, foi no início da década de 1950 que o tokusatsu ganhou forma
a partir da proposta de Eiji Tsuburaya, um reconhecido artista de efeitos especiais, e do
diretor Ishiro Honda, referente à produção de um filme que apresentasse um monstro
gigante enfurecido, capaz de destruir tudo em seu caminho.
O resultado dessa parceria é o filme Godzilla (1954). Inicialmente, seus
idealizadores utilizariam para a produção do monstro a técnica do stop motion, a mesma
utilizada em King Kong1, filme que os havia inspirado na criação de Godzilla. Entretanto, o
alto custo da técnica os levou a buscar uma alternativa: o suitmation foi a solução
encontrada – técnica que combina utilização de miniaturas a um ator vestido com uma
roupa de borracha correspondente.
1 Produção de 1933, dirigido por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack.
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Figura 1. Godzilla de 1954 – primeiros passos do gênero Tokusatsu.
O impacto de Godzilla na cultura japonesa foi grande. Ao longo dos anos, a figura
do monstro e a técnica de suitmation seriam muito utilizadas nas subsequentes produções
de tokusatsu. Após o sucesso do filme muitos estúdios passariam a investir em filmes de
monstros, além de começarem a dar os primeiros passos em uma variação do estilo, os
filmes de super-heróis.
Em 30 de Julho de 1957, a Shintoho Company, formada por dissidentes da Toho
Company, lançou o primeiro super-herói live-action japonês, Super Giant. A série de curtas
metragens produzida para cinema foi um sucesso, gerando oito sequências. Na década de
1960, a empresa Walter Manley adquiriu os direitos internacionais da série e alterou seu
nome para Starman. A distribuidora Medallion Films lançou os nove filmes em versões
reeditadas e condensadas em quatro longas metragens.
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Figura 2. Supaa Giant – primeiro super-herói do cinema japonês.
Em 1958, o primeiro super-herói produzido para a televisão japonesa é lançado pela
Toei Company. Gekko Kamen teve muito êxito entre o público infantil, que consumia com
entusiasmo os produtos relacionados ao personagem, como pistolas, capas e óculos escuros.
A série foi produzida de 24 de fevereiro de 1958 a 5 de julho de 1959, e contou com 130
episódios. Gekko Kamen também foi adaptado para o cinema, além de ganhar uma versão
em mangá, e em 1972 uma versão em animação. A Toei Company seria responsável mais
tarde pela produção de dezenas de séries e filmes do gênero tokusatsu, como as franquias
Kamen Rider e Super Sentai, e obteve muito sucesso também no mercado de anime através
da Toei Animation.
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Já em 1960 foi ao ar pela NET
(TV Asashi) National Kid, série
produzida pela Toei Company e criada
pelo autor de mangás, Daiji Kazumini,
que mais tarde seria responsável pela
criação do personagem Spectreman. A
produção feita por encomenda pela
National Eletronics Inc (Panasonic) tinha
como objetivo divulgar a marca. No
Japão, National Kid foi exibido de 4 de
agosto de 1960 a 27 de abril de 1961. No
Brasil a série estreou em 1964 e ficou no
ar até o início de 1970, através da Rede
Bandeirantes e da TV Record. National
Kid teve um total de 39 episódios
filmados em preto e branco e mostrava a
luta do professor Masao Hata/National
Kid contra os ataques dos Incas Venusianos, Seres Abissais, Seres Subterrâneos e os
Zarrocos. Apesar da grande popularidade da série no Brasil, no Japão não teve o mesmo
sucesso. Em 2009 foi lançada no Brasil pela Focus Filmes uma caixa com a saga completa
do personagem.
Figura 3. Gekko Kamen – primeiro herói da TV japonesa.
11
Figura 4. National Kid – primeiro Tokusatsu.
Na década de 1960, devido aos avanços tecnológicos, principalmente o advento da
televisão em cores, o tokusatsu encontraria um cenário bastante favorável para sua
expansão, com o investimento de muitas produtoras no gênero.
Magma Taishi, de 1966, Vingadores do Espaço, no Brasil, estrearia a transmissão a
cores na TV japonesa, uma evidência da importância do gênero no país. A série foi
produzida pela P-Productions e apresentada pela TV Fuji, chegando ao fim em 1967. No
Brasil foi ao ar em 1973 pela Rede Tupi, sendo reprisada pela Rede Record no fim da
década de 1970. A produção apresenta o herói gigante vindo do espaço que luta contra
monstros igualmente gigantes. A série ganharia anos mais tarde uma adaptação para o
mercado dos EUA com o nome de Space Avengers. O personagem, criado por Osamu
Tezuka2, foi originalmente publicado na revista Shonen Gahosha Magazine, com o nome
de Ambassador Magma.
2 Osamu Tezuka, criador de Astro Boy e A Princesa e o Cavaleiro, é considerado o responsável por uma nova proposta estética e estrutural para os mangás, posteriormente adotada em grande âmbito.
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Figura 5. Vingadores do Espaço – primeira transmissão em cores da TV japonesa.
Em 1963, Eiji Tsuburaya, responsável pelos efeitos especiais de Godzilla, cria sua
própria produtora, a Tsuburaya Productions, e lança o seriado Ultra Q, que apresentava em
seus episódios o encontro com o sobrenatural e seres bizarros. Percebendo a popularidade
dos episódios que mostravam monstros gigantes, Tsuburaya propõe um seriado em que um
humanoide alienígena gigante combatesse, a cada episódio, esses monstros que tanto
agradavam o público. Surge assim, a série Ultraman, o segundo programa da TV japonesa
a ser transmitido em cores, exibida entre junho de 1966 e abril de 1967. No Brasil foi ao ar
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ainda na década de 1960 pela TV Tupi e depois reprisada até a década de 1980 pela Rede
Bandeirantes, TV Record, TV Manchete, TVS e SBT.
Figura 6. Ultraman – franquia de grande sucesso.
A série conta a história do policial da distante Nebulosa M-78, Ultraman, que
durante sua missão de escoltar o monstro Bemlar, chega acidentalmente à Terra e atinge a
nave do oficial da Patrulha Científica, Shin Hayata, que não suporta os ferimentos e morre.
Sentindo-se responsável pelo incidente, Ultraman funde seu corpo ao do oficial trazendo-o
novamente à vida. Deste modo, acaba conferindo a Hayata – que passa a ser uma espécie de
hospedeiro – o poder de alternar sua forma com o corpo gigantesco de Ultraman,
combatendo os ataques de monstros.
Mais tarde a P-Productions produziria uma nova série protagonizada por um herói
gigante que também se tornaria popular no Brasil: Spectreman. O seriado idealizado por
14
Tomio Sagisu3 foi exibido entre 1971 e 1972 pela TV Asahi e contou com 63 episódios que
narravam a luta do androide Spectreman contra os simioides (símios humanos) Dr. Gori e
Karas, seu ajudante. No Brasil foi exibido na década de 1970 pela TV Record e reprisado
em 1980 pela TVS (atual SBT).
Figura 7. Spectreman – herói gigante da P-Productions.
Spectreman foi concebido como Choujin Elementman. No piloto da série, diferente
da roupa metálica com a qual o personagem ficou conhecido, Elementman usava um
uniforme em que predominava a cor vermelha, ficando a boca do ator à mostra. Em 2 de
janeiro de 1971, a série estreava com o título Uchu Enjin Gori (Gori, o Homem-Macaco
Espacial). Entretanto, devido à falta de popularidade do título, este foi alterado a partir do
episódio 21 para Uchu Enjin Gori Versus Spectreman e finalmente viria a se chamar apenas
Spectreman a partir do episódio 40.
Ainda na década de 1970, outro sucesso dos mangás ganharia adaptação para a TV,
Kamen Rider. O personagem criado por Shotaro Ishinomori, que havia sido assistente de
3 Tomio Sagisu usava o pseudônimo de Souji Ushio quando assinava as produções de mangás.
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Osamu Tezuka, teve 98 episódios e foi exibido entre 3 de abril de 1971 e 10 de fevereiro de
1973 com produção da Toei Company.
Figura 8. Kamen Rider – franquia de grande sucesso da Toei Company.
O grande sucesso da série levou à criação de outras versões do herói. A segunda
série lançada foi Kamen Rider V3 que também obteve sucesso, estabelecendo uma franquia
que dura até hoje, assim como Ultraman. O argumento das primeiras séries da franquia
geralmente apresentava um jovem com o poder de se transformar em um ciborgue mutante
com visual inspirado em insetos, cuja missão era enfrentar alguma organização do mal.
Duas séries da franquia foram exibidas no Brasil: Kamen Rider Black e Kamen
Rider Black RX, ambas pela Rede Manchete durante a década de 1990. Em 2009 foi ao ar
tanto no Brasil como nos EUA a adaptação estadunidense de Kamen Rider Ryuki, Kamen
Rider: Dragon Knight, no Brasil, Kamen Rider: O Cavaleiro Dragão.
Outra franquia de sucesso da Toei Company, Super Sentai, se iniciaria na década de
1970 com a série Himitsu Sentai GoRanger:
(...) cinco super-heróis adolescentes, vestindo uniformes colantes coloridos, refletindo códigos que os japoneses relacionavam com sexo e características de personalidade. Enquanto o azul escuro é uma cor exclusiva de homens e rosa de mulher, amarelo e verde são cores unissex.
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O vermelho que no ocidente é considerada uma cor ‘feminina’, é uma cor considerada masculina e que indica a liderança - portanto o líder do grupo era o Ranger Vermelho (...). (SATO, 2007, p. 320).
Figura 9. Himitsu Sentai GoRanger – primeira série da franquia Super Sentai.
Tanto Himitsu Sentai GoRanger como JAQK Dengeki Tai foram séries criadas por
Shotaro Ishinomori, que deixou de fazer parte da franquia em 1979, ano em que estreava
Battle Fever J. Esta série apresentou pela primeira vez o termo Super Sentai e a figura do
robô gigante, elemento que seria utilizado em todas as produções subsequentes. Foi a partir
de Battle Fever J que os Super Sentai ganhariam uma nova série a cada ano.
A partir de 1982, a Toei Company dá início à franquia chamada de Metal Hero,
com Uchuu Keiji Gyaban (Policial do espaço Gavan), que durou até 1998, com Robotack.
Esta é a franquia da qual Jaspion, série analisada neste trabalho, faz parte. A Toey
Company produziu também outras séries de sucesso, como Sharivan, Metalder, Jiraiya e
Jiban. O argumento geral baseava-se no personagem de um jovem policial da Terra
treinado no espaço para se tornar um policial espacial. Trajando uma armadura metálica e
pilotando uma nave de combate, retornava à Terra para enfrentar alguma sociedade ou clã
maligno que almejava conquistar o universo.
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Figura 10. Sharivan, Gavan e Shaider – trilogia original da franquia Metal Hero.
O tokusatsu influenciou produções em vários países, o que demonstra relevância do
gênero dentro da cultura pop mundial. Na França, a principal série foi Jushi Sentai France
Five (Esquadrão dos Mosqueteiros France Five), cujo nome foi posteriormente mudado
para Shin Kenjushi France Five (Novo Esquadrão de Mosqueteiros France Five). Trata-
se de uma microsérie francesa do gênero criada e produzida por Buki X-4 Productions na
década de 2000, em homenagem aos Super Sentais japoneses, muito populares na França
na década de 1980. Até hoje foram ao ar seis episódios, sendo o último em 2013. A série
foi exibida no Japão, porém não fez muito sucesso, apesar da participação do cantor Akira
Kushida, um dos cantores japoneses de temas de tokusatsu mais populares do mundo,
responsável por interpretar músicas de séries como Jaspion, Jiraiya e Jiban.
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Figura 11. France Five – Tokusatsu produzido na França.
No Brasil, talvez o principal representante seja Mega Powers, série criada por Levi
Luz e produzida pela empresa carioca Intervalo Produções em 2008, em homenagem aos
Super Sentais japoneses. A série teve uma temperada com três episódios e deixou de ser
produzida. No início os episódios foram lançados em DVD pela Vídeo Brinquedo, depois
passaram a ser exibidos online pela WTS Kids, em blocos.
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Figura 12. Mega Rangers – tokusatsu nacional.
Outra série importante no Brasil foi Insector Sun, web série brasileira criada pela
KRI Produções Entretenimento em 2000, baseada nos quadrinhos de super-heróis
nacionais, da mesma produtora. A série teve uma temporada de 12 episódios, com previsão
de lançamento da segunda, com mais 12 episódios.
Figura 13. Insector Sun – tokusatsu nacional produzido por fãs.
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Ainda no Brasil foi produzida outra web série chamada Blast Rangers, criação de
fãs do Rio Grande do Sul com o intuito de manter vivo o estilo no país, tendo Bruno Seidel
Neto como idealizador. A web série foi criada em 1993 e gravada em 2002.
Já SFX Drama Erexion é uma série
nipo-coreana, produzida pela Chungam
entretenimento em 2006. A série é exibida
no canal da KBS 2 e conta a história de sete
personagens cujas caracterizações são
baseadas nos sete dias do calendário asiático:
sol, lua, fogo, água, madeira, metal e terra.
Squadron Sport Ranger (figura
abaixo) é uma série de televisão tailandesa
de super-herói similar ao tokusatsu japonês,
criada pela Broadcast Thai Television.
Liderados pelo Dr. Earth, cinco jovens
esportistas se unem para proteger a Terra do
ataque de uma tribo maligna alienígena. A
primeira temporada da série estreou em 2006
e foi ao ar na Tailândia Canal 3. A
segunda temporada, intitulada Sport
Ranger 2, estreou em 2012 no Canal
3.
Kai Jia Yong Shi é uma série
chinesa criada em 2009, inspirada
nas séries japonesas. A série
apresenta influências estéticas dos
super sentais e dos metal heroes.
Conta a história de cinco jovens
descendentes de cinco diferentes
Figura 14. Erexion – série nipo-coreana.
Figura 15. Squadron Sport Ranger – Tokusatsu tailandês.
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tribos, que juntos devem defender a Terra das ameaças do Imperador da Escuridão e seus
Minions. Foi produzida em 2009 e contou com 52 episódios. Teve seus direitos adquiridos
pela distribuidora estadunidense Televix, ganhando o nome ocidental de Armor Hero.
Zaido: Pulis Pangkalawakan (Zaido: The Space Police) é uma série de origem
filipina, concebida para ser continuação da série japonesa Uchu Keiji Shaider, da Toei
Company. A produtora japonesa recusou a ideia, mas permitiu que a série fosse criada e
divulgada como um spin-off – uma série derivada diretamente de outra –, com uma
passagem de tempo de vinte anos em relação aos acontecimentos da série japonesa. A série
foi produzida pela GMA Network e rendeu apenas seis episódios para a TV, realizados
entre 2000 e 2013.
1.2. O papel dos monstros
Apresentado o panorama geral do universo dos tokusatsu, agora traçaremos o recorte
preciso dos objetos a serem analisados neste trabalho. A produção do gênero tem uma
orientação geral calcada na utilização dos efeitos especiais, mas internamente é bastante
diferenciada no que diz respeito às linhas criativas. Assim, procuramos uma delimitação
que nos permitisse pensar a produção conceitual e os significados dos tokusatsu, através do
aprofundamento de uma de suas perspectivas.
Subsidiariamente ao trabalho com efeitos especiais que define o gênero e o nomeia,
como se viu acima, as franquias definem parâmetros de composição de roteiro que
naturalmente acabam por engendrar padrões de desenvolvimento criativo e, por
conseguinte, significações típicas para cada franquia em particular. Não adotaremos
simplesmente o viés de uma franquia específica, pois seria improdutivo, uma vez que a
profusão de produções em cada uma das linhas de franquia tornaria difícil uma abordagem
científica capaz de redundar em conclusões satisfatórias, dotadas de validade acadêmica.
No âmbito da procura por uma delimitação produtiva, na fase de mapeamento geral
do gênero tokusatsu, uma possibilidade de recorte surgiu diretamente da pesquisa de linhas
teóricas a serem adotadas neste trabalho. Através do estudo de textos de George Lakoff e
Mark Johnson, mais especificamente do livro Metáforas da vida cotidiana (2002), a adoção
da metáfora surgiu como uma forma precisa de abordagem de criações artísticas, pensada
22
como um padrão identificável para o pensamento e para a realização de ações, e não apenas
como um recurso estilístico.
No capítulo seguinte a abordagem dos autores supracitados será desenvolvida. Por
isso, aqui nos ateremos a apenas pontuar esses conceitos de Lakoff e Johnson para que se
possa entender como eles moldaram a definição do recorte temático adotado. A postulação
de que a metáfora transcende seus usos e efeitos estilísticos foi o argumento que nos fez,
primeiramente, buscar metáforas presentes nos tokusatsus. Alguns padrões narrativos que
redundam em metaforizações passíveis de serem analisadas: o eterno dialogismo entre o
bem e o mal; o papel do herói, nos moldes da jornada do herói conforme conceituada por
Joseph Campbell; a formação de equipes de combatentes e a utilização de cores simbólicas.
Dentro do vasto universo metafórico descoberto, um em especial chamou-nos
atenção: o amplo uso da figura dos monstros nas narrativas. Em uma parte bastante
considerável do gênero, os monstros aparecem como antagonistas, tornando-se figuras
balizadoras das histórias. Em um ambiente narrativo marcado pela presença de heróis que
combatem forças malignas, os monstros representam um recurso retórico poderoso,
colocando à frente dos protagonistas um desafio de grande porte, extremamente difícil de
ser superado.
José Gil em seu livro “Monstros” (2006) realiza uma análise sobre a composição da
figura monstruosa que pensamos primordial para o entendimento do significado da
presença dos monstros no tokusatsu. Portanto, passamos a expor aqui seu ponto de vista.
Cotejando alguns autores, Gil apresenta dois pontos fundamentais com relação à
figura do monstro: o fato dos monstros serem pouco vistos e o fato de serem sinais de um
extraordinário. De acordo com o autor, estes dois fatores são ligados ao olhar. Os monstros
seriam entidades que se ocultam, mas que, ao mesmo tempo, quando se dão a ver, oferecem
uma superabundância.
Segundo José Gil, tal efeito se dá porque “um monstro é sempre excesso de
presença” (2006, p. 75). O monstro é visto pelo autor como uma combinação de elementos
que redunda em uma imagem que “(...) contém sempre mais substância que uma imagem
vulgar” (2006, p. 75). Conforme se verá, isso é muito importante na concepção dos
monstros do tokusatsu, pois, tradicionalmente, a fisiologia de seus monstros é orientada
23
pelo acúmulo de substâncias naturais e/ou não-naturais, o que gera justamente a impressão
do excesso de substância e ou presença.
Ainda segundo José Gil, essa característica peculiar dos monstros - que aparece com
proeminência nos monstros do gênero – confere a eles “uma autêntica vocação para
representação” (2006, p. 76). Desse modo, fica claro que a composição da figura
monstruosa não é fruto de um simples acúmulo desordenado, mas obedece a um sentido
que, mesmo subterrâneo, se torna marcante enquanto arquitetura de significação. Essa
retórica ficará mais clara quando discorrermos a respeito da presença dos monstros nos
filmes e séries que compõem nosso corpus de pesquisa.
Outra colocação importante para nós advinda de Gil é a afirmação de que o monstro
é “(...) ao mesmo tempo, absolutamente transparente e totalmente opaco” (2006, p. 78).
Segundo o autor, encarar um monstro é ter a atenção definitivamente capturada, o olhar
“(...) paralisado, absorto num fascínio sem fim (...)” (2006, p. 78). Ainda, essa extrema
absorção seria conjugada com uma impossibilidade real de conhecimento a respeito do que
se vê, pois o monstro nada revela, sendo uma fonte de informação não codificável, uma
espécie de alfabeto desconhecido que não se pode desvendar.
Assim, surge uma perspectiva sobre o monstro que é a do extraordinário
materializado e, mais importante ainda para nossos objetivos, de um extraordinário que se
esconde e que, quando aparece, revela. Tal processo de construção de sentidos está no
cerne da composição da metáfora enquanto instrumento de linguagem, o que traz à tona
sua função original. É importante perceber, também, que é justamente o funcionamento
das metáforas em sua função original de significação enviezada e paralela o que nos
aproxima dos conceitos de Lakoff e Johnson que utilizaremos como base analítica. Esse
processo também se revelará como estrutura de construção narrativa das próprias séries e
filmes aqui analisados, uma vez que os monstros figuram justamente como entidades que,
com sua magnitude de extraordinário, expõem o que se pretende ocultar, mas que não pode
ser verdadeiramente ocultado.
A profusão de monstros nos tokusatsu tem sua origem no que se convencionou
chamar, no contexto japonês, de Kaiju Eiga, ou “filmes de monstros”. Estes filmes tiveram
grande impacto cultural, tornando-se muito populares. Etimologicamente a expressão
comporta as seguintes significações: a palavra japonesa Kaiju pode ser traduzida como
24
“besta estranha” e tornou-se uma expressão muito comum no universo do tokusatsu; a
palavra Eiga significa “filme”. Essas significações da expressão serão, no desenvolvimento
deste item, bastante importantes, com ecos na análise das metáforas a ser apresentada no
capítulo a seguir.
Godzilla, de 1954, foi um dos primeiros filmes de monstro do mundo e o pioneiro
no Japão. À época do lançamento do filme, a expressão tokusatsu ainda não fora cunhada,
mas a obra certamente influenciou o gênero, dando a primeira forma a alguns de seus
pressupostos e instalando o monstro como uma de suas figuras centrais. Ghidorah,
Mothra, Gamera, monstros antagonistas de filmes japoneses, passaram a fazer parte do
imaginário popular não só no Japão, mas de fãs ao redor do mundo.
Figura 16. Ghidorah – a onda dos monstros no cinema japonês.
Na imagem acima pode-se facilmente perceber um atributo ligado à figura
monstruosa que comparece nos filmes de monstros japoneses e nos tokusatsu de modo
muito marcante: os monstros, via de regra, são proporcionalmente muito maiores e mais
fortes que os heróis, tornando-se, assim, entidades amedrontadoras. Devido ao tamanho e à
força, os monstros impõem-se ainda como obstáculos incontornáveis. Os heróis devem
combatê-los prontamente, pois os monstros, de maneira geral, entram em cena causando
25
uma destruição larga e contínua, impondo um grande número de estragos materiais e
colocando em risco e/ou eliminando um grande número de vidas.
O tamanho e a força sobrenaturais dos monstros são associados ao fisicamente
hediondo. Na maioria das vezes, as imagens concebidas e desenvolvidas para os monstros
são causadoras de repulsa ou, ao menos, de aversão, desviando-se de padrões estéticos
ligados ao belo, ou ao que é agradável aos olhos.
A forma física anômala é quase um atributo natural dos monstros. Ao longo da
história e, em especial, nos contos de fada tradicionais, existe o pressuposto da “ética pela
estética” – o bom é belo e o mau é feio. Um exame dos contos coletados pelos irmãos
Grimm e por Charles Perrault pode facilmente revelar esse aspecto: belas princesas são
ameaçadas por bruxas fisicamente hediondas; crianças inocentes são ameaçadas por lobos
devoradores de humanos.
A anomalia não está relacionada apenas à feiura, mas também às combinações não
naturais. A Quimera é geralmente descrita e representada como a união dos corpos de um
leão, uma cabra e uma serpente; o Grifo como o amálgama do corpo de um leão com uma
cabeça de águia; o Minotauro tem corpo de homem e cabeça de touro. O que está em jogo
nessas combinações é um atestado do estado não natural dessas criaturas. Ao promover a
união de espécies que não se misturam na natureza, promove-se a inserção imediata da
criatura-amálgama no âmbito de um estado sobrenatural, que não pode ter uma ascendência
biológica definida e que, portanto, geralmente repele qualquer origem derivada do humano
e/ou do divino.
26
Figura 17. Quimera – a combinação não natural.
Em Frankenstein ou o Moderno Prometeu, de Mary Shelley, de 1818, o
protagonista Victor Frankenstein, obcecado em banir a morte da humanidade, cria um ser
humano artificial a partir de pedaços de diversos cadáveres. Sua criação tem a missão
primária de se tornar um novo paradigma humano, quase uma melhoria genética. O ser
criado, pensado como esse novo paradigma, a princípio belo e comparável a Adão, revela-
se fisicamente hediondo, sendo, por isso, imediatamente rejeitado por seu criador. Além
disso, o ser criado por Frankenstein não tem alma, o que o faz sentir-se inferior aos seres
humanos e mesmo aos demônios. Por essas razões o monstro não é nomeado na obra de
Mary Shelley.
Desse modo, a criatura de Frankenstein é uma criatura de um estado não natural.
Não se trata de um amálgama de espécies, mas da composição de um corpo humano que se
quer vivo a partir de pedaços de corpos humanos mortos. Além do desafio ao
desenvolvimento natural da espécie e, obviamente, aos desígnios divinos, é importante
notar que o caráter hediondo e não natural da criatura decorre também e justamente de seu
caráter de conjunto não harmonioso.
27
O que mais assusta no ser criado por Victor Frankenstein é o fato dele ser uma
junção/costura de pedaços diversos de cadáveres. As partes isoladas não são identificadas
com os corpos aos quais pertenciam e, em conjunto, formam um ser tão heteromorfo e
deformado que não pode ser contido nos limites da normalidade humana. Assim, promove-
se a inserção imediata da criatura-amálgama no âmbito de um estado sobrenatural – não há
uma ascendência biológica definida e natural e, por conseguinte, não há qualquer
possibilidade da associação a uma origem divina
Figura 18. O monstro de Frankenstein – a composição a partir de pedaços.
28
Nesse sentido, os monstros do tokusatsu podem ser pensados como monstros de
matriz frankensteineana. São anômalos e dotados de origens imprecisas, o mais das vezes
tendo sua geração ligada a eventos não naturais e a problemas socioeconômicos, como
poluição e desastres nucleares. Em seu caráter anômalo, os monstros do tokusatsu tem
características muito próprias, não sendo apenas amálgamas de criaturas conhecidas como a
Quimera, o Grifo e o Minotauro.
As anomalias físicas da Quimera e do Grifo são geradas através da união de
espécies constantes nas instâncias biológicas conhecidas. A anomalia física do Minotauro é
fruto da união de uma espécie animal com o gênero humano. Na maioria das vezes, os
monstros do tokusatsu,, diferentemente, não são junções improváveis de espécies
conhecidas ou interações do humano com o animal.
A concepção da monstruosidade no gênero é bastante particular. Notadamente, ou
se trata de seres dotados de uma unidade, mas de uma unidade que não cabe em nenhum
padrão biológico ou estético; ou se trata de seres que parecem, justamente, ser resultado de
uma mistura ainda mais improvável, a da junção de partes variadas de seres integrais cujo
fenótipo não é conhecido ou esperável.
Lafuente e Valverde dizem que “(...) há monstros para todos os gostos e de qualquer
condição imaginável (...)” (2000, p. 19). Citando uma pequena lista dessas condições, os
autores consideram a categoria dos monstros por hibridação. Se o monstro de Frankenstein
pode ser encaixado nessa categoria, e quanto a isso parece não haver dúvida, os monstros
do tokusatsu podem ser considerados ainda mais monstruosos, uma vez que nenhuma ou
quase nenhuma de suas partes constituintes é identificável.
Constituindo-se em exemplos bastante claros desse tipo de construção hibridizada,
os monstros do tokusatsu constituem-se como seres que carregam em si uma grande
intranquilidade. Se o monstro de Frankenstein causava asco e repulsa por ser uma
miscelânea de cadáveres diversos, esse efeito provavelmente pode ser sentido em maior
grau quando se fala de uma mistura de partes inidentificáveis. E, como os monstros do
gênero não pertencem aos reinos biológicos conhecidos nem ao seu congraçamento, não
pode haver uma origem divina que os sustente.
29
Seguindo os padrões de constituição da monstruosidade, os monstros do tokusatsu
são, portanto, fisicamente hediondos, formados por uma costura artificial de partes
incombináveis, passíveis de constar em bestiários dos mais diversos, desde os
premeditadamente ficcionais até os que se ocupam de uma arqueologia catalográfica
mais vinculada ao real. Misturam em seu corpo muitas vezes os reinos animal e vegetal,
dotados, ainda, de profusas intervenções maquinais. O que se constrói é, portanto, uma
origem artificial que tende a ser – e é – muitas vezes associada a uma não naturalidade que
se prende a uma geografia inexistente e a um decorrente caráter maléfico.
Tal conformação, como nota Quinteiro instaura ainda os monstros do
tokusatsu como “figuras irrepetíveis” (2006, p. 73), que sob essa condição são tornados
“sujeitos associais, à margem quer da lei humana quer da lei divina” (Punter, 1998:
46).
Reforçando nossa argumentação, Quinteiro define que os monstros são gerados:
(...) fora de um útero materno, fora dos padrões físicos que definem um ser humano normal, fora da família e da sociedade (que os rejeitam), fora da lei e dos princípios que regem a sociedade burguesa e, até mesmo, fora da vida e da morte (...). (QUINTEIRO, 2006, p. 77).
Ora, os monstros não tem um útero, não compartilham com os humanos um padrão
físico, não tem uma família – em geral, são únicos e estéreis –, não provém de uma
sociedade específica – portanto, não têm semelhantes ou quem os aceite –, são
definitivamente “foras da lei” e, mais importante, fora da vida e da morte. Não apenas
no tokusatsu, se os monstros “vivem”, esta vida é anômala. Se não vem diretamente da
morte como em Frankenstein, os monstros, por seu desencaixe em todas as categorias da
existência, são seres cuja natureza de aberração parece destinada a ser dizimada para que as
naturezas biológica e cultural que conhecemos sobrevivam.
Este aspecto da biologia dos monstros aqui tratado é importante para o
desenvolvimento das narrativas por dois motivos. Primeiro porque a conformação física
hedionda dos monstros é atributo correlato a seu tamanho e força hiperbólicos e, segundo,
porque uma vez que não têm origens precisas, e já que não são seres reconhecíveis como
parte da biosfera terrestre, são anomalias viventes que podem ser eliminadas pelos heróis
sem muito pesar ou culpa.
30
O morticínio de um grande número de pessoas é normalmente ancorado na
desumanização das mesmas. O massacre justificado pela desumanização talvez encontre no
Holocausto seu exemplo mais tocante e contundente. Ancorado nessa descaracterização do
humano, o quadrinista Art Spiegelman escreveu e ilustrou a história em quadrinhos Maus –
a história de um sobrevivente (maus significa “rato” em alemão). Na obra, baseada nas
memórias de seu pai referentes ao Holocausto, Spiegelman retrata os alemães como cães,
os estadunidenses e seus aliados como gatos e os judeus – o povo caçado – como ratos. As
significações aqui desenvolvidas e a desumanização dela derivada é correlata à que os
monstros sofrem no tokusatsu.
Como se pode perceber, os monstros são criaturas sempre além dos limites.
Superam os limites físicos humanos e os limites biológicos que conhecemos; rompem os
limites de unicidade das espécies, propondo amálgamas; encontram um terreno próprio
desvinculado de um nascimento e chamador da morte. Como Quinteiro afirma, os monstros
“caracterizam-se sempre pelas múltiplas transgressões dos limites” (2006, p. 79), e é pela
palavra “transgressão” que podemos abordar os monstros de tokusatsu, no contexto mais
geral de construção da monstruosidade e dentro de seu universo específico.
Os monstros do gênero são derivações bizarras de criaturas conhecidas como
insetos ou lagartos, deturpações de figuras mitológicas e/ou de fantasia, como os dragões,
junções improváveis de arquiteturas biológicas não identificáveis ou, ainda, um amálgama
dessas três orientações arquitetônicas. A tudo o que já foi dito, é possível acrescentar uma
característica peculiar dos monstros do tokusatsu: se fossem considerados padrões
biológicos conhecidos, em boa parte dos casos esses monstros seriam mecanicamente
disfuncionais. Este fato é importante para o desenvolvimento das significações no gênero, e
tal disfunção mecânica será muito importante quando analisarmos as metáforas constituídas
nas obras analisadas.
31
Figura 19. Gamera – anatomia do monstro.
A disfunção mecânica é oriunda do tamanho desproporcional dos monstros, de sua
composição em amálgama, das origens imprecisas de suas partes componentes e até mesmo
de sua procedência não divina. Seu tamanho gigante impossibilitaria uma existência real,
uma vez que é sabido que a massa de um corpo da proporção de um monstro do gênero
seria insustentável para qualquer esqueleto. Sua composição corporal de misturas inviáveis
e proporções inconciliáveis os impediria de atuar em um combate contra um herói
tradicional, mesmo nos mínimos níveis de velocidade e agilidade. Ainda, não há uma
origem divina que pudesse suplantar essas impossibilidades.
Todavia, no tokusatsu os monstros não respeitam essas limitações. Na análise das
metáforas essa condição aparecerá com mais força e precisão. Por enquanto basta ressaltar
que não respeitar essa naturalidade é parte da função dos monstros nas obras analisadas.
Para transgredir ainda mais, a maioria dos monstros é caracterizada com garras, dentes
32
bestiais e uma série de “acessórios”, cabíveis em sua natureza abominável e polimórfica,
que os torna ainda mais ameaçadores, evocando alta capacidade de agressão.
A movimentação dos monstros do gênero é desajeitada e sua forma de andar é
desconexa. Além disso, os monstros emitem frequentemente sons guturais
incompreensíveis, gritos e urros, que fazem parte de seu arsenal bélico e não humano.
Portanto, cria-se um composto de significações que, acumuladas reiteradamente, reforçam
tanto a monstruosidade das criaturas quanto seu caráter de ameaça iminente.
Tal nível de construção potencialmente agressiva dos monstros pode denotar uma
busca por torná-los paradigmáticos. A junção de origem não natural, tamanho e força
hiperbólicos, caminhar e movimentação desarmônicos e a presença de instrumentos bélicos
em seu próprio corpo aparece como a representação de inimigos prototípicos. Assim, na
mesma medida que a ameaça dos monstros é intensificada, há também uma intensificação
do valor dos heróis que os vencem.
A argumentação desenvolvida até aqui fornece as bases necessárias para apresentar
os monstros como centro das metáforas do tokusatsu. Uma aproximação primeira e
primária traria, via esse desenvolvimento, o paradigma da “ética pela estética”, largamente
desenvolvido nos contos de fadas, onde o belo é bom e o feio é mau, como já apresentado
anteriormente.
Tratando da construção do corpo humano, Alexander Lowen afirma que “a beleza,
em seu significado mais simples, representa a harmonia dos elementos de uma cena ou de
um objeto” (1984, p. 127). O significado de beleza do qual o autor trata, baseado na
harmonia dos elementos, é o que funda a concepção de ética baseada na estética clássica
dos contos de fada. Assim, a ética é pensada como um conjunto de ações harmônicas em
sua arquitetura e em sua orientação para o bem, e por isso, belas. Fisicamente, os monstros
são impossibilitados de alcançar esse ideal – sua construção desarmônica é complexa, mas
principalmente entrópica.
No entanto, há mais a ser considerado. Por conta de seus atributos físicos os
monstros espalham a desordem, são arautos da destruição e do caos. Uma vez que
atrapalham o andamento ordenado do mundo, poderiam, ou mesmo deveriam, ser
eliminados. Só que no tokusatsu a questão não é tão simples assim. Todas as construções e
seus respectivos significados referidos acima estão presentes e fazem parte da semiose do
33
gênero, mas nos exemplos estudados há um aspecto complementar: os monstros são
também entidades narrativas e símbolos das situações que servem de esteio para a
confecção das obras.
Desse modo, os monstros do gênero mostram o que está errado com o mundo, ou
com a situação específica da qual extraem seu fundamento criativo. Talvez por conta disso,
muitas vezes os monstros são, na verdade, inocentes – ou são enganados/ludibriados pelos
vilões ou são por eles afetados/transformados para que atuem como destruidores da ordem
estabelecida. Em um número bastante significativo de episódios das séries estudadas, os
monstros mortos pelos heróis, no clímax das narrativas, não tem efetivamente culpa de sua
condição de ameaça. Esse aspecto de “inocência” permite pensar que sua eliminação tem
ares de injustiça.
Vale ressaltar que, no contexto que nos interessa neste trabalho, a presença dos
monstros no gênero tokusatsu, entendida sob a luz das metáforas conforme abordadas por
Lakoff e Johnson, funciona de forma a extrapolar sua condição de “bestas estranhas”. Se os
monstros são seres repugnantes, hiperbólicos, bélicos e ameaçadores, mas podem também
ser considerados inocentes, torna-se necessário pensar que suas significações estão
carregadas de significados paralelos. Uma vez que esses significados paralelos e, portanto,
as metáforas constituídas, estão ligados a conteúdos histórico-culturais, é relevante
discorrer sobre as séries escolhidas como objetos de estudo desta pesquisa.
Os tokusatsu selecionados foram quatro: Godzilla, Ultraman, Spectreman e
Jaspion. As narrativas desenvolvidas nas séries elencadas, dentro de suas peculiaridades
estruturais e semânticas, representam questões socioeconômicas de seu tempo. Godzilla
trazia indagações acerca do horror atômico. Ultraman e Spectremen discorriam sobre o
problema da poluição. Jaspion funcionava como uma síntese dos temas de outras séries, e
ainda trabalhava questionamentos acerca dos possíveis males do desenvolvimento
tecnológico desenfreado.
Nas séries analisadas, os desenvolvimentos acerca dos significados das figuras dos
monstros funciona em consonância com os temas apontados no parágrafo anterior. Mais
que isso, pode-se pensar num trânsito intercamadas, onde os significados universais das
figuras monstruosas assomam nos tokusatsus e, ao mesmo tempo, estão associados aos
temas de base. Desse processo de construção imanente e em palimpsesto, decorre uma
34
interpenetração entre as camadas de significação e uma fertilização semântica cruzada, o
que gera polissemia.
Este é o sentido assumido ao tratarmos das metáforas, sob a égide dos conceitos de
Lakoff e Johnson. No gênero estudado, a associação das figuras monstruosas e suas
peculiaridades aos temas subsidiários, tratados em cada uma das séries, é a própria
metáfora. As características físicas dos monstros e suas decorrentes simbologias são
acionadas simultaneamente com os temas e as contestações socioeconômicas. Assim, os
deslocamentos de sentido das metáforas tornam-se presentes.
As séries analisadas tratam de seus temas específicos através de ficções, falando
sobre tais temas sem abordá-los diretamente, o que se constitui como processo metafórico.
Já que esse processo metafórico tem em si propósitos moralizantes, chamando a atenção
para assuntos então pouco ou nada tratados, está claro o vínculo com o sentido das
metáforas trabalhado por Lakoff e Johnson. Em Godzilla, Ultraman, Spectreman e Jaspion,
os monstros são símbolos dos problemas socioeconômicos e, neste sentido, constituem-se
em instigadores e modelos metafóricos dos pensamentos e das ações.
Considerando, então, que os monstros funcionam como sinais indubitáveis dos
problemas da época, tornam-se uma espécie de aviso metafórico vivo e incontornável. Uma
vez que se quer abordar um problema de modo não direto e ilustrativo, tão mais eficiente
será essa ilustração quanto ela for, disfarçadamente, impositiva. A presença dos monstros
não é uma imposição em seu sentido mais estrito. Porém, se as criaturas monstruosas do
tokusatsu são gigantescos agentes do caos que não se pode esquecer ou ignorar, os
conteúdos metafóricos por eles disparados também são impositivos e incontornáveis.
Estando definido o papel dos monstros no gênero estudado e o modo como esse
papel aciona o sentido metafórico conforme entendido por Lakoff e Johnson, no próximo
capítulo passaremos a um estudo mais profundo do significado das metáforas segundo
esses autores.
35
CAPÍTULO 2
2.1. A metáfora como fundamento do tokusatsu
O universo referencial sobre o qual este trabalho se debruça baseia-se nos conceitos
desenvolvidos por Geroge Lakoff e Mark Johnson em Metáforas da vida cotidiana (2002).
O pressuposto maior dos autores é o de que metáforas podem ser entendidas como um
modelo de pensamento, sendo não apenas uma figura de linguagem e um exercício retórico,
mas uma rede cognitiva que constitui o pensamento e a expressão humana.
Esse entendimento pode ser aplicado à análise do tokusatsu, já que se caracteriza
como gênero no qual os efeitos especiais se apresentam como elementos de linguagem. Nos
tokusatsu, os efeitos especiais não são meramente ilustrativos, não funcionam apenas como
apoio para a construção das narrativas, são, na verdade, parte fundamental da estrutura das
mesmas. Portanto, os efeitos especiais são essenciais para a construção e para o
entendimento da linguagem e das significações do gênero.
No entanto, trata-se de uma questão delicada. Mesmo que a existência de efeitos
especiais evidentes e não “de ponta” ou “invisíveis” seja uma orientação bastante
proeminente no gênero, há séries de tokusatsu que apresentam esses efeitos com um nível
de realização técnica bastante elevada. Porém, o recorte que apresentamos não contempla
nenhuma dessas séries. As obras aqui estudadas apresentam a acepção mais comum de
efeitos especiais: a do efeito que se mostra e que, ao mostrar-se, acaba sendo importante
elemento de narração.
A linguagem típica do gênero, ao evidenciar os limites técnicos de produção
conforme poderá ser percebida nas obras aqui analisadas, constitui uma camada de
significação. As metáforas desenvolvidas internamente nos filmes constitui outra camada.
Poderíamos pensar em uma série de outras camadas, como a edição, as vestimentas, os
temas dos episódios, etc., no entanto, o foco aqui é outro.
A questão das técnicas de produção é extremamente relevante, bastando lembrar que
a tradução de tokusatsu é “filme de efeitos especiais”. Assim sendo, é quase obrigatório que
uma produção do gênero seja ancorada ou, no mínimo, conte com uma quantidade
significativa de efeitos. As séries aqui abordadas são exemplos marcantes do uso de efeitos
36
especiais. Estes são claramente reconhecíveis no processo de montagem, por vezes
destoante bastante das cenas gravadas. É o caso do primeiro episódio de Jaspion, em que a
animação é utilizada de tal maneira que se nota claramente sua inserção, podendo ser
tomada como uma intervenção grosseira.
As quatro séries aqui analisadas – Godzilla, Ultraman, Spectremen e Jaspion –
desenvolvem, em seus respectivos contextos, metáforas consistentes que nos episódios e ao
longo do desenvolvimento das séries, instituem seus sentidos, de maneira específica e
também em um viés mais universal.
De maneira específica entendem-se as mensagens pensadas em termos dos
episódios individuais e destes em relação à série como um todo. Em um viés mais universal
entendem-se as mensagens em relação aos episódios e à série, mas voltadas a contextos
mais amplos, referentes ou ao Japão, ou à relação do Japão com outros países ou, ainda, a
questões globais.
Godzilla discorre primordialmente acerca do horror atômico. Ultraman e
Spectremen desenvolvem-se, essencialmente, em torno da questão da poluição. Jaspion
funciona como uma síntese dos temas abordados em séries anteriores, colocando bastante
em cena os problemas do desenvolvimento econômico e tecnológico. Todas essas temáticas
podem e devem ser pensadas por sua apresentação nos episódios, mas também não podem
deixar de ser entendidas como fruto de ambientes histórico-culturais precisos e
identificáveis, que trazem em seu bojo mensagens capazes de promover discussões e
movimentações derivadas e paralelas.
Cumpre, agora, apresentar a veia conceitual através da qual as metáforas presentes
nos tokusatsus aqui estudados serão abordadas. De acordo com os conceitos de George
Lakoff e Mark Johnson, apresentados em Metáforas da vida cotidiana já no primeiro
capítulo, “a metáfora é, para a maioria das pessoas, um recurso da imaginação poética e um
ornamento retórico” (2002, p. 45). Os autores advogam que a metáfora é, no mais das
vezes, entendida como presente apenas na esfera da linguagem, e que a metáfora está
“infiltrada (...) no pensamento e na ação” (2002, p.45).
O que chama a atenção na argumentação de Lakoff e Johnson é que, para eles, a
metáfora constitui “nosso sistema conceitual da vida cotidiana” (2002, p.45). Assim sendo,
haveria uma base metafórica para o pensamento e para a ação que é alimentada
37
cotidianamente, de maneiras mais ou menos conscientes. No decorrer de seu texto, os
autores demonstram como construções conceituais metafóricas inserem-se na elaboração de
linguagem e, assim, na elaboração de pensamento e, até mesmo, no planejamento e na
execução de ações.
Para os autores, a metáfora se instala no pensamento e na vida cotidiana como um
sistema conceitual complexo, capaz de guiar construções da inteligência e de moldar
atitudes, desde os níveis mais imperceptíveis aos mais evidentes. É no desenvolvimento da
linguagem e do pensamento, nutrido por e dependente dela, que os autores encontram, em
suas análises linguísticas, traços fortes e complexos da presença da metáfora enquanto
modelo de pensamento e ação. Uma vez que as séries analisadas também apresentam em
sua construção de linguagem a utilização de metáforas que estruturam, promulgam e
reiteram suas temáticas peculiares, é presumível a proposição de que é através dessas
metáforas que esses tokusatsu constroem suas esferas de significação.
Esta argumentação, todavia, pertence ainda à esfera da linguagem. Para utilizar os
conceitos de Lakoff e Johnson acertadamente é necessário que as metáforas sejam vistas
principalmente como modelos conceituais, além de oriundas da estruturação da linguagem.
Se esses modelos são capazes, segundo os autores, de configurar pensamentos e ações, são
igualmente capazes de fornecer paradigmas norteadores suficientemente fortes para que um
determinado tema seja posto em discussão e debatido, com o advento de uma potencial
conclusão. “Um conceito pode ser metafórico e estruturar uma atividade cotidiana” (2002,
p. 46).
O entendimento das metáforas como instrumentos de construções conceituais que
configuram procedimentos e raciocínios deve, então, ser pontuado na esfera dos tokusatsu.
As quatro séries selecionadas como objetos de estudo deste trabalho tem um ponto em
comum: a figuração de monstros como antagonistas. Os monstros – e suas ações – são
justamente as metáforas em questão, representam os problemas socioeconômicos
enfrentados pelos protagonistas de Godzilla, Ultraman, Spectremen e Jaspion.
Uma vez que monstros são, via de regra, muito maiores e mais fortes que os heróis,
são sinônimos de ameaças de grande porte que devem ser enfrentadas. Os monstros são
também esteticamente feios, normalmente configurados e descritos como repugnantes e
ameaçadores, atentam contra o tradicional ideal estético dos heróis e ao postulado da beleza
38
e da admirabilidade enquanto posicionamento ético. Os monstros são, também, aberrações,
fruto de mutações ou interferências não naturais de modelo frankensteineano, contrapõem-
se, assim, à noção da natureza benfazeja do herói.
Portanto, a existência de monstros no tokusatsu é metafórica, uma vez que são
metáforas para as ameaças de base que guiam cada uma das séries. Godzilla é o monstro-
metáfora do horror nuclear, do mesmo modo que os monstros enfrentados por Ultraman,
Spectremen e Jaspion são metáforas das ameaças socioeconômicas que cada um desses
heróis têm como antagonistas mais profundos.
Nas séries investigadas neste trabalho é primordial que as metáforas sejam tratadas
como modelos de pensamento e ação, como proposto por Lakoff e Johnson. Assim, no
gênero estudado podemos pensá-las de duas formas: como instrumentos de criação e como
instrumentos de recepção. Pensá-las como instrumentos de criação nos remete à gênese das
obras e a seu processo de criação conceitual e de roteiro – os criadores, consciente ou
inconscientemente, utilizaram as metáforas para elaborar suas criações. Pensar as metáforas
como instrumentos de recepção nos remete aos modos como as obras finalizadas e
transmitidas são recebidas pelos espectadores – os procedimentos metafóricos constituintes
das obras, percebidos ou não, certamente disparam a constituição de outras metáforas
pessoais e coletivas, usadas como interpretantes.
Após a apresentação das metáforas como modelo de pensamento, vale lembrar que
a abordagem proposta aqui é justamente de inversão deste processo. Trataremos da
desconstrução das metáforas constituídas no tokusatsu através do desenvolvimento de
procedimentos de comercialização de produtos relacionados às séries. Tal desconstrução
tem seu cerne na utilização de elementos das séries analisadas para a montagem de um
portfólio de produtos comerciais, gerando a construção de uma rede de consumo desses
produtos. Tendo em vista os procedimentos comerciais inerentes a este processo, os
significados primeiros das obras artísticas acabam sendo depauperados em termos de
alcance semântico.
Não se trata de uma demonização da publicidade e da indústria cultural, mas, sim,
da exposição de acontecimentos documentados nos quais se pode notar o desvio dos
objetivos iniciais das séries e do gênero tokusatsu. Como consequência temos a
39
constituição de outras metáforas, fundamentalmente mais pobres em termos de constituição
semântica. Tal deslocamento será apresentado a seguir.
2.2. Análise das primeiras séries e seus desdobramentos políticos
O processo narrativo do gênero tokusatsu tem características próprias ligadas aos
efeitos especiais, como já apresentado. O corpus deste trabalho ancora-se na utilização dos
citados efeitos especiais e encontra sua coesão na proeminência das figuras monstruosas em
suas narrativas. Godzilla, Ultraman, Spectreman e Jaspion desenvolvem suas histórias, a
seu modo e com suas peculiaridades temáticas, sob a égide da figura dos monstros. As
metáforas a serem analisadas residem justamente nesta figura e em sua performance nas
narrativas.
Os monstros das séries analisadas são objetos posicionados na fronteira entre o
significado de base, mais geral, e o significado particular, mais específico. Mais
pormenorizadamente, os monstros são as entidades narrativas que fazem a ligação entre o
que se quer realmente significar, com maior peso cultural, e o que se comunica em termos
de superfície, o que se comunica em cada um dos episódios das séries do gênero sobre as
quais nos debruçamos.
Portanto, consideramos os monstros como as principais metáforas. Nas séries que
compõem o corpus deste trabalho, a justificativa para a existência dos monstros é fundada
muitas vezes em ambivalências histórico-culturais e socioeconômicas que lhes serviram
como leitmotiv. Neste sentido, a obra de Yoshikuni Igarashi é uma referência fundamental
sobre os efeitos da 2ª Guerra Mundial no Japão, “(...) um país que estava em ‘uma posição
intermediária’, como um ‘espaço que dava passagem a uma série de coisas’, como uma
entidade limiar e fronteiriça, capaz de debilitar, insidiosamente, os efeitos das perdas
nacionais da Guerra do Pacífico na Ásia” (2011, p. 253-254).
Na afirmação acima, o próprio país comparece metaforicamente, na medida em que
é entendido como uma “posição intermediária”, “espaço de passagem” e “entidade limiar e
fronteiriça”. A pontuação que se faz acerca da guerra é bastante focada nos acontecimentos
e nas consequências da 2ª Guerra Mundial no e para o Japão, em especial com relação aos
problemas socioeconômicos do pós-guerra e aos efeitos das bombas nucleares jogadas em
40
Hiroshima e Nagasaki. Essa construção conceitual fornece sólida base para a abordagem
das séries analisadas, pois as metáforas nelas desenvolvidas são metáforas dos problemas
evocados por Igarashi.
A configuração do Japão como limiar e fronteiriço rende ainda mais aproximações
com a questão da composição das metáforas no tokusatsu quando o autor diz que “esta
configuração cultural camuflava (...) a desagregação criada pela derrota na guerra”
(IGARASHI, 2011, p. 254). Se o Japão como lugar de passagem é entendido como
camuflagem de uma condição, é evidente que a metaforização emerge nesse contexto. A
metáfora, em sua estrutura, pode ser entendida como figura de linguagem que “camufla” o
significado mais imediato, na medida em que diz sobre seu objeto sem se referir
diretamente a ele.
Ao discorrer sobre autores japoneses do período pós-guerra, Igarashi cita Nobuo
Kojima e Kenzaburô Ôe, cujas obras constroem personagens em posições intermediárias,
em interação com personagens estadunidenses, instaurando seus corpos “como locais onde
o leitor poderia se debater com desejos contraditórios: o desejo de ocultar e o desejo de
manter vivas, as memórias do passado” (2011, p.254). Especificando ainda mais a relação
com as metáforas aqui analisadas, o autor diz que Ôe tentava “manter exposto o que (...) era
uma infeccionada ferida interna” (2011, p.254).
O processo de ocultar e de, concomitantemente, manter vivos os significados é
metafórico por excelência. É a metáfora que diz sem dizer, que oculta e mantém. Nas séries
analisadas, os problemas abordados não são diretamente atacados, mas, sim, trabalhados
através do ocultamento dos mesmos, operado nas narrativas via procedimentos metafóricos.
Esse não dizer é, justamente, o que diz. Nas séries estudadas os monstros são figuras
centrais do que é dito. Podemos considerar, assim, tanto o gênero tokusatsu, de forma geral,
quanto nosso corpus de pesquisa, profundamente metafóricos.
Nesse contexto, os monstros, como corpos que metaforicamente representam os
significados imanentes, são as próprias feridas internas infeccionadas. Nada mais
metafórico e nada mais evidente. A conformação polimórfica e as origens não naturais e/ou
não divinas dos monstros instauram-nos como uma espécie de enfermidade ou, ao menos,
como sintoma de uma enfermidade.
41
Uma vez que Godzilla é resultado do horror atômico, que os monstros de Ultraman
e Spectreman relacionam-se com o problema da poluição, e que os monstros de Jaspion são
resultado também da poluição, associada a problemas relacionados ao desenvolvimento
tecnológico exacerbado, esses monstros podem ser tratados tanto como a enfermidade em si
quanto como sintomas.
Os personagens que combatem os monstros, por conseguinte, podem ser pensados
como portadores de algum poder de limpeza ou de cura. Eliminar a doença e seus sintomas
é uma prerrogativa da área médica, os profissionais dessa área são percebidos, em geral,
como pessoas boas e confiáveis exatamente por desempenharem essas funções.
Como se evidencia neste trabalho, no tokusatsu essa questão não é tão simples.
Mesmo podendo ser entendidos como doenças ou como sintomas dessas doenças, os
monstros do gênero não são simplesmente ruins. Muitas vezes, os monstros são vítimas dos
problemas que representam. Os problemas abordados metaforicamente pelas séries é que
geram as figuras monstruosas ou que as despertam ou que, de alguma maneira, contribuem
para que realizem ações consideradas más no contexto humano.
Portanto, os monstros, se podem ser considerados doenças e/ou sintomas, o são, na
maioria das vezes involuntariamente sem culpa. Assim, a “função de cura” dos personagens
que os combatem é posta em dúvida ética, e suas eliminações também representam dilemas
morais. Tais percepções reforçam nossa abordagem do tokusatsu como um gênero
complexo e polissêmico; reforçam também nossa percepção dos monstros como metáforas
presentes nas narrativas estudadas, à luz do conceito de metáfora como figura de linguagem
e à luz do desenvolvimento conceitual de Lakoff e Johnson.
As metáforas conforme desenvolvidas em cada uma das séries serão aqui tratadas
em breve. Porém, como essas metáforas são fruto do desenvolvimento nacional do Japão
que deve ser entendido como uma espécie de “causa geral”, é importante detalhar esse
contexto. Em especial, o exame de algumas questões que marcam o pós-guerra no Japão
devem ser esmiuçadas, pois os acontecimentos políticos desse período são profundamente
significantes e fomentadores de significados derivados e fundamentam um corpo de
imaginário muito específico, que traz à luz uma esfera potencial de narrativas dele
decorrente.
42
Esse eixo narrativo potencial e geral é reiterado na concepção das narrativas e dos
personagens do gênero estudado. Acontecimentos como os esforços de guerra para prover
um corpo militar japonês, o horror atômico nas cidades de Hiroshima e Nagasaki e suas
consequências, além da rendição do imperador Hirohito aos EUA são alguns dos fatos que
merecem ser considerados.
A 2ª Guerra Mundial e os anos que se seguiram com a ocupação estadunidense
afetaram diretamente as produções culturais japonesas, de maneira ainda mais marcante as
produções para o cinema e para a televisão. No cinema, os acontecimentos desse período
passariam a ser manifestados de diversas maneiras. Todo um subgênero cinematográfico é
criado: os “filmes sobre a guerra”, como coloca Maria Roberta Novielli (2007), são
produções ambientadas no período da guerra e do pós-guerra, representando batalhas e
determinadas figuras militares. Uma tragédia japonesa (1946) de Fumio Kakei e Regresso
à pátria (1950) de Hideo Oba são alguns exemplos.
Outro subgênero, chamado “filmes de tese”, apresentava críticas diretas à
sociedade: Zona evacuada (1952) de Satsu Yamamamoto e o manifesto pacifista e
antiamericano de Tadashi Imai, A torre dos lírios (1953), são títulos bastante reconhecidos.
O impacto dos ataques nucleares em Hiroshima e Nagasaki foi tal que também gerou um
subgênero de filmes, nomeado Hibakusha Eiga, expressão que significa “filmes sobre
vítimas da radiação atômica”.
Mesmo que, como Novielli aponta, a cinematografia sobre os ataques em Hiroshima
e Nagasaki seja limitada, sua existência deve ser tomada como uma consequência artística
de um fato político. Desta maneira, a acepção de Lakoff e Johnson sobre as metáforas,
ligada à construção metafórica do pensamento e das ações, fica novamente evidenciada, se
entendermos os Hibakusha Eiga tanto como processos de pensamento como ações que
põem em movimento e em exposição tais pensamentos. A força desses filmes era tal que,
durante a ocupação estadunidense, a censura imposta pelos ocupantes recaía sobre a
representação da tragédia atômica, não permitindo qualquer referência explícita e direta às
explosões, a menos que tal representação contivesse uma conclamação de perdão aos EUA.
Decorrente do horror atômico e dos Hibakusha Eiga, ainda durante a década de
1950 surge um novo subgênero de filmes, o Kaiju Eiga ou “filmes de monstros gigantes”.
A obra pioneira e a maior representante é Godzilla (1954), do diretor Ishiro Honda e dos
43
roteiristas Shigeru Kayama e Takeo Murata. O filme é considerado um importante
manifesto contra o horror atômico e, como evidenciamos, é parte primordial do corpus da
pesquisa e, portanto, será abordado adiante.
Yoshikuni Igarashi (2011) esclarece que, para sobreviver à derrota na 2ª Guerra
Mundial, o Japão se reinventou como uma nação pacífica e, assim, pôde acionar seu
ressurgimento e atingir um grau de desenvolvimento elevado, muitas vezes referido como
milagre econômico. Mesmo ao enfrentar um difícil processo de reconstrução e a
instauração de um Japão transformado e modernizado, a sombra da guerra ainda pairava
sobre a nação. As memórias das perdas humanas e do horror que as ocasionou continuava
muito presente. Meio século após o fim da 2ª Guerra Mundial, o anseio pelo esquecimento
da tragédia era de tal monta que o recurso da lembrança reinventada acaba perseverando.
Sabemos que não se pode falar em exatidão de registro histórico, uma vez que suas
fontes, em geral, não podem ser consideradas absolutamente inequívocas. A consulta a
textos, por exemplo, apresenta o problema da presumível imprecisão do registro, mediado
pela percepção de quem escreve. A pesquisa arqueológica traz a questão da interpretação
das evidências. O que se processou no Japão, todavia, não é algo dessa ordem, mas, sim, a
evidente imposição de uma determinada interpretação que é desviante da verdade,
imprimindo uma ideologia oficial e textos portadores dessa ideologia. Como consequência,
tal interpretação vai, progressivamente, construindo uma memória histórica japonesa
fomentadora de um espírito de ordem social positivista e de qualidades desejáveis à nação e
a seu povo.
Nesse sentido, é impossível não pensar no livro de George Orwell, 1984. Escrito em
1948, portanto, logo após o fim da 2ª Guerra Mundial, quando o Japão ainda se encontrava
sob interferência dos EUA, o romance configura um mundo com frequentes conflitos, no
qual a ideologia dominante se vale justamente das lembranças continuamente inventadas
enquanto recurso de manutenção da ordem social.
Na obra orwelliana, há todo um sistema de produção de registros oficiais, mídia e
entretenimento cuja mecânica tem a função de promover e instaurar tanto o esquecimento
das memórias que não convinham, quanto de propor e cristalizar novas memórias,
adequadas às mudanças de orientação promovidas pela ordem vigente. O sistema criado é
totalitarista e cruel, e parece mesmo ser inescapável fugir da máquina criada por ele.
44
Não nos cabe, neste trabalho, fazer uma análise mais pormenorizada de 1984, mas é
importante referenciar o livro de Orwell, pois se trata de uma obra que apresenta ao leitor o
que é considerado por muitos o epíteto literário da invenção e da reinvenção ditatorial da
memória, um dos momentos máximos da consagração da alienação. Até hoje, a ideologia
oficial instaurada no período da reconstrução japonesa perdura como modelo máximo na
educação e no pensamento japoneses. É comum que opiniões em contrário, que postulam
ideias mais verídicas, sejam vistas como invenções ou, no mínimo, inverdades.
Assim, esse esforço por dar sentido e por suportar as perdas da guerra não pode ser
considerado apenas um trabalho semiótico de construção de linguagem, mas deve ser
entendido como construção de ideologia. Dentro deste contexto, podemos claramente
evocar a concepção de metáfora, segundo Lakoff e Johnson. As narrativas desenvolvidas
pelo Japão, se são narrativas oficiais de continuidade histórica, são também estratégias
oficiais de instauração e de manutenção de um direcionamento do imaginário nacional que
gera uma percepção favorável à ordem institucional do país, através da apresentação de um
cenário histórico fictício, que serve ao propósito de justificar as perdas da guerra e a
intervenção estadunidense.
Tal estratégia de mascaramento e ocultação da história real e da construção de uma
história oficial favorável é instrumento para a consolidação de uma nova identidade
japonesa, com a imposição de meios de superação para uma intolerável ruptura histórica.
Por meio das representações narrativas, as perdas da 2ª Guerra Mundial foram subvertidas
em um sacrifício indispensável em nome do progresso, legitimando-as como caminho para
a sociedade do pós-guerra.
A dinâmica entre esquecimento/ocultação e lembrança de um novo passado está
conectada a duas questões principais. A primeira diz respeito aos estadunidenses no
processo de reinvenção do Japão, e a segunda à construção discursiva do corpo.
Os EUA ocuparam o Japão de 1945 a 1952, implantando uma política específica
para tal situação. Em seguida, os dois países tornaram-se aliados, tendo em vista interesses
específicos dos Estados Unidos na Ásia, assim como acordos comerciais. Durante a Guerra
Fria, esta comunhão deu suporte aos EUA em suas investidas contra a Ásia comunista. Por
outro lado, o Japão foi capaz de alcançar seu milagre econômico através da abertura para o
mercado estadunidense e assistência material oferecida pelo ex-inimigo.
45
Para Igarashi (2011) essa metamorfose obscura na relação entre Japão e EUA foi
responsável por uma crise na identidade nipônica. A aceitação da supremacia do ex-inimigo
era condição para a sobrevivência japonesa, mas, ao mesmo tempo, abalava o orgulho
nacional. É no contexto dessa incongruência que a necessidade de uma narrativa oficial,
que dê conta da mesma, surge e se instala.
A série de acontecimentos que culminaram na resolução do conflito entre EUA e
Japão, as investidas contra Hiroshima e Nagasaki e a “decisão divina” do imperador em
encerrar a guerra, proveram as bases sobre as quais a liderança japonesa do período da
guerra pôde instituir uma narrativa com potencial para dissolver a tensão resultante do
processo de admissão da derrota japonesa. Essa derrota seria fantasiada de necessidade
estratégica e apreço pelo bem de toda a humanidade através da narrativa construída,
corroborada pela liderança estadunidense por meio do suporte ao imperador. Igarashi
complementa apontando que:
No remapeamento ideológico do período imediato do pós-guerra, qualquer história entre Japão e EUA que fosse incongruente com a necessidade política da Guerra Fria, era logo reprimida tanto nos EUA quanto no Japão. Para ambos os países, o adversário de ontem virou o amigo de hoje. A demonstração de poder sem precedentes dos armamentos atômicos detonados em Hiroshima e Nagasaki forneceu o ímpeto para a reconfiguração das memórias coletivas dos EUA e do Japão. (IGARASHI, 2011, p. 59).
A segunda questão abordada no processo de esquecimento/ocultação da história e
lembrança/construção de um passado transformado/idealizado é ligado ao controle do
corpo. Antes de 1945, o corpo humano e sua construção já eram pontos centrais do discurso
nacionalista, uma vez que a proposta política Kokutai pensava o corpo de maneira
idealizada, tendo como paradigma o corpo do imperador.
Tal orientação remete diretamente a concepções divinatórias, ligadas à imitação da
imagem dos deuses na criação da humanidade, ponto nevrálgico de várias religiões,
expresso de maneira inequívoca na concepção cristã de que “Deus criou o homem à sua
imagem e semelhança”.
Igarashi esclarece que a configuração dos corpos é concomitante às
(re)configurações ideológicas do Japão, o que ressalta a construção do país como uma
46
entidade/unidade orgânica. Tal conformação obedece a “representações metafóricas da
entidade política através das imagens corporais” (IGARASHI, 2011, p. 75). Dada essa
concepção, mais uma vez podemos evocar Lakoff e Johnson no que diz respeito à
percepção do papel das metáforas, uma vez que os efeitos da metaforização política,
quando estabelecidos e consumados, tornam-se padrões de pensamento e de ação no
modelo desenvolvido pelos autores.
A metamorfose na relação entre Japão e EUA, consequência do empenho de ambos
os países em criar uma atmosfera de conformismo relativo ao horror atômico, foi elemento
que conceberia a narrativa fundadora da cultura do pós-guerra. Se de um lado há uma ótica
antagônica entre as duas nações frente aos acontecimentos relativos ao fim da guerra,
devido à assimetria criada pelo ataque nuclear estadunidense, por outro lado, parte da
sociedade dos EUA e do Japão tomaria como verdade as representações populistas dos
acontecimentos históricos que seriam, em seguida, incorporadas pela narrativa cultivada
pelos dois países.
Para reforçar a empatia entre EUA e Japão, a solução metafórica encontrada foi a
sexualização. Uma vez que uma relação sexual pressupõe, em princípio, desejo e aceitação,
o insuflar desses pressupostos na relação diplomática e cotidiana entre os dois países fez
ecoar metaforicamente o desejo pela “parceria” e aceitação mútua, que se tornariam a base
dessa relação.
Para Igarashi (2011), após a falência do regime de sujeição pré-1945, os corpos que
permaneceram entre as ruínas das cidades foram celebrados como signo da nova vida no
Japão. Para muitos sobreviventes, nada mais restava de material em meio ao cenário de
devastação das cidades atacadas, além dos corpos das vítimas do bombardeio e de seus
próprios corpos.
O imperador Hirohito passa a cruzar o país visitando esses cenários de destruição.
Desse modo, conduz seu corpo até então inatingível e inalcançável para espaços públicos
ao alcance de seus súditos. Em meio aos destroços e à degradação das cidades, sua figura
divinizada configurava-se em signo paradigmático do que poderiam se tornar os corpos
japoneses no período contíguo ao pós-guerra. Igarashi segue complementando que:
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Aos olhos de muitos japoneses, a figura do imperador foi humanizada e liberada dos constrangimentos do regime pré-1945, assim como seus próprios corpos no período pós-guerra. (...) O regime de guerra os submeteu a regulamentos rígidos, em uma tentativa de criar corpos obedientes e patrióticos (...). (IGARASHI, 2011, p. 122-123).
Quando cessa a ocupação dos EUA no Japão, as memórias de guerra ganham
visibilidade na mídia japonesa, livres da censura imposta pelo país ocupante. Assim, pouco
a pouco, essas memórias vão assomando e se instalando, tornando-se cada vez mais
presentes no imaginário coletivo japonês.
Nesse contexto, os corpos que sofreram deformações por conta dos efeitos da
guerra, e em especial por causa da radiação, passam a ganhar cada vez mais destaque e a
serem, assim, percebidos como presentes. Um bombardeio atômico como o que ocorreu em
Hiroshima e Nagasaki causa uma devastação imediata brutal, mas seus efeitos a longo
prazo também devem ser considerados.
Deformidades, doenças, enfraquecimento, problemas genéticos e uma série de
outras adversidades são o legado de um bombardeio atômico, além de sua devastação
primária. Em uma espécie de ressonância invertida à exposição do corpo sagrado do
imperador, os corpos dos sobreviventes da guerra passam a ser vistos, servindo também
como suporte para o regresso do nacionalismo nipônico.
Os acontecimentos que se seguiram à guerra, a tensão entre Japão e EUA e o
desenvolvimento da narrativa fundadora, fundamentaram a concepção de inúmeras
produções culturais do pós-guerra. No cinema, uma obra torna-se responsável por marcar o
início de uma das vertentes mais emblemáticas e populares do cinema japonês em todo o
mundo, o Kaiju Eiga, filmes de monstros, e consequentemente do gênero tokusatsu – o
filme Godzilla (1954).
Em 1946, o diretor Ishiro Honda visita a cidade de Hiroshima. A visão da cidade
ainda devastada pela bomba atômica, lançada pelos EUA em 06 de agosto de 1945,
desperta no diretor o desejo de expressar a visão do horror atômico em uma produção
cinematográfica. Sua visão passaria a tomar formas monstruosas a partir do conceito do
produtor Tomoyouki Tanaka e do mestre dos efeitos especiais Eiji Tsuburaya, que
idealizam um protótipo de monstro com a ideia de usá-lo futuramente em um filme.
48
Na década de 1950, falar sobre a destruição de Hiroshima e Nagasaki pelas bombas
atômicas ainda era tabu no Japão, resultado da censura em relação aos armamentos
atômicos e seus efeitos, imposta ao país pelos americanos (NOVIELLI, 2007). Segundo
Yoshikuni Igarashi (2011), nesse período as memórias da guerra distanciavam-se das
imagens de destruição e perdiam suas referências particulares. De acordo com o autor,
essas memórias “foram se transformando em forças destrutivas sem forma” (2011, p. 276).
Foi através da figura monstruosa de Gojira, conhecido internacionalmente como Godzilla,
que Ishiro Honda representou as “memórias das perdas da guerra” num período no qual as
marcas dessas perdas estavam desaparecendo.
O longa metragem lançado em 1954 é considerado uma importante manifestação
contra os testes nucleares e explosões atômicas estadunidenses (NOVIELLI, 2007). A
produção da Toho apresentava como resultado das experiências termonucleares, o primeiro
monstro gigante do cinema japonês, elemento que seria amplamente usado pelos filmes e
seriados do gênero, tornando-se um dos principais ícones do tokusatsu. A mistura de gorila
(gorira) e baleia (kujira) que dá nome à criatura, no original Gojira, é despertada pelos
testes nucleares americanos na Ilha de Bikini. O monstro chega ao Japão deixando um
rastro de destruição por onde passa, e é finalmente eliminado pela criação do Dr. Serizawa,
o Oxigênio Contratorpedeiro.
Figura 20. A fotografia soturna de Godzilla original de 1954.
49
Igarashi (2011) propõe que a aparência monstruosa de Godzilla está marcada por
memórias de guerra. Algumas representações ficam evidentes, entretanto, outras são menos
perceptíveis ou até incompreensíveis para o público. Mesmo os EUA estando por trás da
destruição inicial, seu nome é dissolvido na narrativa do filme, assim como na narrativa
fundadora. Apesar de estarem presentes de maneira intensa na tela, as memórias da perda
continuam inomináveis. Godzilla representa de forma alusiva a participação dos EUA em
vários momentos do filme, porém não explicitamente.
Em 1954, despertado do sono eterno por testes nucleares americanos no Atol de Biquíni, Godzilla ataca Tóquio. Na vida real, tais testes nucleares e o incidente Lucky Dragon serviram de inspiração para o roteiro do filme. Em março de 1954, um navio pesqueiro de atum, o Daigo Fukuryumaru (Lucky Dragon V), foi apanhado pela chuva de partículas radioativas de um dos testes, e todos os 23 tripulantes foram expostos a radiação. Notícias sobre o Lucky Dragon romperam o longo silêncio sobre o estado de guerra nuclear no Japão, um silêncio que foi imposto ao Japão ocupado pelas restrições de censura americana. Godzilla alude, veladamente, ao envolvimento dos EUA fazendo menções sobre o Lucky Dragon em sua sequência de abertura. (IGARASHI, 2000, p. 278).
Igarashi destaca ainda que menções diretas aos EUA que deveriam ser explícitas
estão notavelmente ausentes. Não há nem mesmo uma insinuação da responsabilidade
estadunidense na subsequente destruição de Tóquio pelo monstro. O produtor do filme,
Tomoyuki Tanaka, via Godzilla como:
(...) uma alegoria para o novo poder de destruição que ameaçava a humanidade, afastando sua origem geopolítica específica. Frustrado pela omissão de responsabilidade americana no filme, um dos roteiristas insistiu depois que Godzilla deveria cruzar o oceano Pacífico e atacar as cidades americanas, já que os EUA eram responsáveis pelos testes nucleares, e, por conseguinte, pelo retorno do monstro. (IGARASHI, 2011, p. 279-280).
Prosseguindo em sua análise, Igarashi pontua que Godzilla devasta Tóquio e é
destruído na cidade pelos próprios japoneses sem qualquer envolvimento dos EUA ou outro
país. O crítico literário Tokayaki Kobayashi destaca a “exclusão das forças americanas do
filme nas cenas de batalha contra o monstro” (IGARASHI, 2011, P. 280). Mesmo com
50
mais de 210 mil militares estadunidenses ainda instalados no Japão na época, mais do que o
contingente japonês possuía no filme, apenas as forças de defesa e as forças marítimas
especiais japonesas investem contra Godzilla. A sequência faz sentido se as ameaças
nucleares dos EUA estavam realmente representadas no corpo do monstro.
Logo após a devastação nuclear de Hiroshima e Nagasaki iniciou-se o processo de
redenção do Japão. Depois de todo o impasse sobre a decisão dos termos de rendição, o
Imperador Hirohito, até então monarca apolítico, apresenta suas condições. Ele aceitaria
imediatamente a proposta da Declaração de Potsdam desde que o poder imperial fosse
conservado.
A figura dos monstros gigantes passaria a povoar o universo das produções do
gênero tokusatsu, a partir de então. Muitas séries apresentavam novos monstros a cada
episódio, e em muitos casos eles tornavam-se tão populares quanto os próprios
protagonistas.
Em Ultraman, os monstros, presentes em toda a série, eram figuras centrais e mais
uma vez tinham a função de representar de forma metafórica questões políticas. Mesmo o
corpo gigantesco de Ultraman carrega uma ambivalência. Se por um lado o personagem
representa a salvação da Terra, o agente indispensável para a existência da humanidade, por
outro, é um dispositivo de coibição, encarregado de eliminar qualquer manifestação
resultante do progresso descontrolado e agressivo ao meio ambiente, materializado através
dos monstros.
De acordo com Cristiane Sato (2007) é importante evidenciar que, apesar das lutas
entre Ultraman e os monstros serem um dos principais atrativos da série – influenciadas
pela pururesu (luta livre), muito popular na TV japonesa da época – a série Ultraman foi
criada com uma “preocupação ecológica”.
Em 1950 inicia-se a Guerra da Coreia, conflito entre a Coreia do Sul e a Coreia do
Norte, que durou até 1953. Nesses anos, a intervenção militar dos EUA sobre o Japão
perdurava. As tropas estadunidenses, aproveitando a posição geográfica do Japão,
estratégica em relação a ambos os países, passaram também a intervir na Guerra da Coreia,
em favor da Coreia do Sul. Em razão disso, as necessidades de produção bélica
aumentaram consideravelmente a demanda por material de base. Oswaldo Peralva explica
como isso afetou o desenvolvimento industrial do Japão:
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Cada vez mais envolvidos nesse conflito, as tropas norte americanas precisavam de uma fonte de abastecimento de material – desde vestimentas até munições e outros objetos de natureza bélica, que encomendavam às fábricas japonesas. A fim de melhorar a qualidade dos produtos, os americanos fizeram vir dos EUA um especialista em controle de qualidade. E os japoneses procurando pôr em prática o ditado de que o bom aluno é aquele que supera o mestre, ampliaram essa técnica para o Controle Total de Qualidade (CTQ), que se fazia desde a matéria-prima até o produto final. O surto de prosperidade, nesse período, foi notável. (PERALVA, 1995, p. 63).
Peralva ressalta ainda que na metade da década de 1950, os cidadãos japoneses
ainda não haviam recuperado o nível de vida do pré-guerra, mas já havia indícios de uma
estabilização. Em 1951 o comércio exterior aumentou seu valor em 34%; a produção teve
um crescimento de 70% entre 1949 e 1951 e as exportações cresceram 2,7 vezes. Deste
modo, os lucros das empresas e o número de empregos teve um crescimento incrível.
Um dos fatores que alavancou a economia japonesa desse período foi a entrada de
divisas, proveniente das aquisições e gastos com as tropas dos EUA e suas encomendas.
Essas divisas atingiram 590 milhões de dólares em 1951, mais de 800 milhões em 1952 e a mesma soma em 1953. Assim, o Japão pôde gastar 2 bilhões de dólares por ano com importações de matérias-primas, o que duplicou a capacidade produtiva da indústria. O Gabinete de Shigueru Yoshida (1948-1954) foi responsável por esse desenvolvimento. Críticas apareceram ao mesmo tempo contra uma total dependência ante os EUA. (PERALVA, 1995, p. 63).
Em 1954 teve início um movimento nacional de protesto, devido ao incidente com o
tripulante de um barco de pesca que faleceu em consequência de uma leucemia contraída
devido aos efeitos de uma bomba de hidrogênio lançada em um teste no atol de Bikini. Os
japoneses passaram a exigir a proibição desses testes e a criticar a política militar do
governo japonês. Em 1955 foi declarado por Hotoyama, que sucedeu Yoshida como
primeiro ministro, o término do estado de guerra entre Japão e União Soviética. No ano
seguinte o Japão, que vinha participando do Fundo Monetário Internacional de 1952,
passou a integrar as Nações Unidas.
Segundo Peralva (1995), todos esses acontecimentos estavam intimamente ligados
com o novo direcionamento da política externa japonesa, voltada para a economia, que
52
trabalhava com a exportação de produtos resultantes da transformação de matéria-prima
importada. O autor aponta que em torno de 1954 a economia nipônica sairia do período de
recuperação para entrar em sua fase de expansão. No que se seguiu, o orçamento total do
Japão ultrapassou os cinco trilhões de ienes. O crescimento da indústria de construção naval
alcançou o primeiro lugar no mundo.
Ainda em 1955 iniciou-se a chamada “prosperidade Jimmu”, uma referência ao
primeiro imperador japonês, considerada a fase inicial da prosperidade do pós-guerra. Em
1959 passou a se chamar Iwato, o que significava a maior prosperidade alcançada desde
tempos mitológicos. Já nas décadas de 1960 o consumo e o lazer continuaram avançando.
Em 1970 o Japão alcançou o segundo lugar no bloco não comunista, ao atingir a marca de
59,2 trilhões de ienes em seu Produto Nacional Bruto (PNB)
Enquanto as indústrias tradicionais, como as têxteis e de aço, alcançavam altos níveis de produção, havia crescimento ainda mais espetacular em novos campos industriais, como a construção naval, a eletrônica e os equipamentos fotográficos. Na década de 60 o Japão ultrapassou os suíços na produção de relógios, os alemães nos aparelhos fotográficos, os americanos e os europeus em outros produtos eletrônicos, com o trem bala (Shinkansen). (PERALVA, 1995, p. 64).
Segundo a ERCA (Environmental Restoration and Conservation Agency), as
políticas ambientais foram minimizadas pelas empresas do governo durante este período de
acelerado desenvolvimento industrial. Deste modo, uma considerável poluição ambiental
ocorreu nos anos 1950 e 1960 no Japão. Entretanto, medidas de proteção ambiental
passaram a ser tomadas apenas na década de 1970.
O Japão, a partir da década de 1960, infringiria ao seu meio ambiente graves danos
devido ao progresso e ao crescimento econômico nunca testemunhados no país com
tamanha intensidade e velocidade. Os recursos naturais eram consumidos de maneira
desenfreada e a indústria aumentava a emissão de resíduos no ambiente. Fábricas e
conjuntos residenciais tomavam o lugar das áreas verdes. A prioridade para a população e
para o governo era o rápido progresso econômico. Por essa razão, mesmo com todo o
processo de degradação ambiental ocorrendo em níveis alarmantes, o assunto tinha pouco
espaço na mídia, que não via as questões ecológicas com bons olhos, já que a palavra de
ordem era “progresso”.
53
Mais uma vez, assim como em Godzilla, os monstros parecem cumprir a missão de
corporificar questões que de alguma maneira foram veladas, desmaterializadas e
ressignificadas. Discussões que transgrediam a ordem nacional encontravam seu caminho e
ganhavam espaço na mídia através da manifestação do grotesco e do nonsense.
O diretor de Ultraman, Akio Jisoji, falou à imprensa acerca de sua interpretação
sobre os monstros da série. Para ele, eram “símbolos da natureza”, vítimas da ganância
humana e passíveis de compaixão que muitas vezes apenas reagiam aos efeitos negativos
do progresso humano e tornavam-se tão destrutivos devido ao tamanho descomunal. Sato
(2007) aponta alguns episódios interessantes da série que ilustram bem essa ideia: a fúria do
monstro Jamila decorre de seu choque com um satélite terrestre; o monstro Pestar se
descontrola após engolir petróleo e a reação errática do monstro Jiras ocorre após a ingestão
de iscas de peixe suspeitas.
O episódio de Ultraman com o monstro Jamila chama-se “Terra natal”. Nele, aviões
e navios que transportavam representantes de diversos países para uma conferência de paz
no Japão são misteriosamente destruídos. Um enviado da França, que integra a Patrulha
Científica, revela que os aviões haviam sido destruídos como se sofressem um impacto
contra uma parede invisível. Mais tarde, a Patrulha consegue atingir uma nave hostil, e
quando é destruída releva o monstro Jamila, que foge.
Depois disso, o enviado da França revela que, na verdade, Jamila é um humano, um
astronauta dos tempos da corrida espacial deixado para trás, “sacrificado pelo bem da
ciência”, que acabou chegando a um planeta sem água e comida, onde sofreu uma
transformação. É dito que Jamila havia retornado à Terra em busca de vingança. O quartel
general de Paris ordena que a história de Jamila seja mantida em segredo e deveria ser dado
ao astronauta/monstro um enterro decente, o único modo de levar adiante a conferência de
paz. Esta sequência é soturna, a revelação é feita enquanto apenas suas silhuetas
apresentam-se na tela, escondendo as faces e suas expressões.
Quando o monstro é atacado com fogo, seus gritos não são de raiva, o que
normalmente se espera desse tipo de personagem, mas de sofrimento e
lamento. Jamila revida, atacando uma aldeia, usando fogo também. Ide, cientista da
Patrulha, clama para que Jamila cesse o ataque, pois os habitantes da aldeia não eram
culpados do que acontecera com ele. A sequência seguinte mostra, ao som de um tema
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musical melancólico, um close no rosto do monstro contemplando a destruição que causara
na aldeia.
O exército, após falhar no ataque com fogo, usa uma arma baseada em água, que
parece surtir efeito contra o monstro. Finalmente Ultraman entra em cena e inicia sua luta
contra Jamila, tendo como cenário o prédio da Conferência de Paz, com as bandeiras de
diversos países hasteadas em sua fachada. Em determinado momento, destaca-se o monstro
pisoteando as bandeiras.
Figura 21. Jamila – o ataque contra as bandeiras.
Ultraman continua usando o recurso da água para atacar Jamila, que agoniza com
gritos de sofrimento. O monstro debate-se no chão lamacento e arremessa barro que, aos
poucos, encobre as bandeiras do Japão e de outros países. Jamila morre enquanto tenta, sem
sucesso, alcançar uma bandeira estadunidense que aparece em detalhe com o mastro
quebrado, mas intacta.
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Figura 22. Jamila enterra as bandeiras sob a lama.
O monstro recebe um funeral cristão. Em sua lápide é impressa uma inscrição em
francês: “À Jamila - Ici dort ce guerrier qui s'est sacrifié en quete d'idéal pour l'humanité
ainsi que pour le progress scientifique”. Em português: “Para Jamila - Aqui dorme o
guerreiro que se sacrificou em busca do ideal para a humanidade e para o progresso
científico” (tradução nossa).
Todavia, mesmo com a presença e com os problemas trazidos pelas intervenções de
Jamila, é importante notar que o mal causado foi suficiente apenas para que a verdade
viesse à tona, mas não para que a história fosse revelada ao grande público. Nesse sentido,
é emblemático lembrar que as primeiras aparições do monstro não são realmente aparições,
uma vez que o monstro “aparece” como uma parede invisível contra a qual se chocam
aviões e navios.
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Ainda podemos pensar que Jamila, cujo nome em árabe significa “beleza plena”,
consegue essas parcas revelações apenas quando assume seu aspecto monstruoso mais
notável, mostrando-se fisicamente. O monstro apenas consegue revelar algo quando
abandona, em definitivo, a fisicalidade humana. O segredo do astronauta deixado para trás
vem à tona graças aos sintomas da monstruosidade e da aberração. Mas, por mais que a
figura do monstro apresente-se como sintoma de uma verdade encoberta, como sinal que
obriga os olhares a se voltarem para uma verdade antes invisível, essa verdade é apenas
revelada para um comitê selecionado que decide ocultá-la.
A homenagem feita ao astronauta/monstro pela inscrição em sua lápide figura muito
mais como um instrumento do encobrimento da verdade do que como uma real reparação.
A menção a um “dormir” (“Aqui dorme o guerreiro”) já representa uma suavização de sua
morte. A elevação do astronauta a “guerreiro” e a menção de sacrifício “em busca do ideal
para a humanidade e para o progresso científico” desvia a atenção do abandono e instaura
uma atmosfera enganosa de sacrifício heroico voluntário.
Outra metáfora presente no episódio encaixa-se na contestação da devastação
ecológica, contexto típico da série. Quando do ataque de Jamila à aldeia, enquanto os
aldeões fogem, um garotinho retorna para salvar algumas pombas presas em uma gaiola.
De cócoras, a criança segura uma das pombas com as duas mãos. A imagem é clara e não
deixa dúvidas: a frágil paz é protegida pelas mãos de uma criança.
O tabu das questões ecológicas na mídia do Japão seria rompido em 1968 pelo caso
conhecido mundialmente como Doença de Minamata. Uma das maiores indústrias do
Japão, a produtora de fertilizantes e compostos químicos Chisso Fertilizer Co. Ltd.
despejou durante mais de 30 anos nas águas da baía de Minamata cerca de 500 toneladas de
metilmercúrio, contaminando pessoas e animais da região, que se alimentavam dos peixes
também contaminados. As consequências foram desastrosas para a população: perda de
visão e audição, deformidades, espasmos e até morte. Ainda não se sabe o número de
mortos e contaminados pelo metilmercúrio no Japão. O assunto continua aparecendo na
imprensa devido a novos casos de pessoas na baía de Minamata e em outras regiões do
país.
O episódio descrito é carregado de metáforas poderosas. Assim como em Minamata,
em nome do progresso a verdade foi velada. Apenas quando os corpos foram
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transformados, somente quando o corpo do astronauta transformado em corpo de monstro
revela-se e se faz incontornavelmente presente, é que os sintomas não puderam mais ser
encobertos.
Figura 23. Corpos deformados das vítimas de Minamata.
Outras produtoras passaram a lançar suas próprias versões de heróis e monstros
gigantes, como Spectreman, da produtora japonesa P-Productions, responsável também por
produzir a série Lion Maru. O seriado idealizado por Tomio Sagisu, que usava o
pseudônimo de Souji Ushio, foi exibido entre 1971 e 1972 pela TV Asashi, contou com 63
episódios e narrava a luta do androide Spectreman contra os simioides Dr. Gori, e Karas,
seu ajudante. No Brasil foi exibido na década de 1970 pela TV Record e reprisado em 1980
pela TVS (atual SBT). Assim como Ultraman, o seriado apresentava também uma
mensagem de cunho ecológico, alertando sobre os danos causados pela poluição. Os
episódios sempre apresentavam em seu início a seguinte narração:
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Planeta: Terra. Cidade: Tóquio. Como em todas as metrópoles deste planeta, Tóquio se acha hoje em desvantagem em sua luta contra o maior inimigo do homem: a poluição. E apesar dos esforços das autoridades de todo o mundo, pode chegar um dia em que a terra, o ar e as águas venham a se tornar letais para toda e qualquer forma de vida. Quem poderá intervir? Spectreman!
Spectreman enfrentava a cada episódio monstros criados por seu antagonista Dr.
Gori, o qual usava como matéria-prima para suas criações o lixo produzido pelo homem. O
seriado apresentava efeitos especiais com baixo nível de refinamento técnico, sendo,
inclusive, perceptível o uso do material utilizado para a produção das maquetes. Por
exemplo, durante as cenas de batalha, era possível notar as placas de isopor quando
quebradas. Mesmo assim, Spectreman foi sucesso entre o público, com grande audiência no
Japão, sendo responsável pela segunda kaijyu-boom – picos de popularidade dos seriados
de monstros e heróis gigantes.
É possível observar certa dualidade que permeia a trama, pois Dr. Gori defende o
seu objetivo de dizimar a raça humana, uma vez que ela está destruindo o planeta em nome
do progresso. Além disso, o vilão reaproveita a poluição produzida e o material despejado
pelos humanos na criação de seus monstros.
Os monstros sempre aparecem no tokusatsu e em especial nas séries analisadas
ligados à questão da metamorfose, tendo seus corpos modificados por agentes externos (em
geral, os antagonistas) para que os objetivos desses agentes sejam alcançados. Conceito
amplamente discutido pelo filósofo francês Michel Foucault, o poder disciplinar, a
manipulação dos corpos, atribuindo-lhes certa utilidade, “Uma técnica que é, pois,
disciplinar; é centrada no corpo, produz efeitos individualizantes, manipula o corpo como
foco de forças que é preciso tornar úteis e dóceis ao mesmo tempo” (FOUCAULT, 1999, p.
297).
No contexto japonês, podemos perceber de maneira clara o uso do poder disciplinar
no discurso nacionalista anterior a 1945:
Os corpos japoneses estavam no coração do discurso nacionalista anterior a 1945. O regime de guerra os submeteu a regulamentos rígidos, em uma tentativa de criar corpos obedientes e patrióticos forjando laços entre a ideologia nacionalista e as funções do corpo. Todas as funções dos corpos das pessoas deveriam se dedicar aos esforços da nação em
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guerra (fossem esforços de natureza ideológica, biológica ou econômica). (IGARASHI, 2011, p. 123).
Nas produções do gênero tokusatsu estas práticas discursivas são muito claras.
Assim como Godzilla, Spectreman invocaria as memórias da 2ª Guerra Mundial
materializadas não só na figura de monstros, mas também na dos super-heróis. Em suas
séries, as práticas discursivas de poder também são evidentes. No primeiro episódio,
Transformação, o herói que defende a Terra das investidas de Dr. Gori, na verdade, serve a
um grupo chamado Dominantes, responsável pela metamorfose do protagonista, que só
passa a adotar sua forma heroica sob as ordens de seus mestres. Já neste episódio,
Spectreman é alertado pelos Dominantes de que ninguém deve presenciar sua
transformação, pois assim se tornaria inútil aos propósitos de seus mestres e seria, então,
destruído.
No episódio Monstro bicéfalo uma família que vive em uma aldeia é amedrontada
por um monstro que não aparece. A Divisão de Pesquisa e Controle de Poluição dirige-se
para um reservatório, mas parte da equipe perde-se no caminho. O restante da equipe segue
com Kenji, mas o pneu do carro é furado em uma ponte por uma ponta de foice quebrada.
Eles chegam até a casa da família e percebem que não há ninguém na casa e as ferramentas
estão partidas. Eles ouvem um grito ao longe. Um cachorro se aproxima carregando um
braço humano na boca. Eles seguem o grito e chegam a uma casa, onde uma mulher
agoniza e morre na frente deles. Suas costas estão banhadas de sangue. O marido corre
gritando, disparando uma arma descontroladamente. O homem prossegue como se
procurasse algo. Kenji vê o monstro.
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Figura 24. O Monstro Bicéfalo – alerta e violência nos episódio de Ultraman.
Dr. Gori prepara seu plano de cobrir a aldeia com nuvens para produzir uma
tempestade elétrica e arrasar a região. Kenji tenta alertar o restante da equipe que havia se
perdido, mas o rádio perde o sinal. A chuva inicia, seguida da tempestade elétrica. A ponte
que dá acesso à aldeia é destruída. O homem armado aparece atirando novamente, sendo
seu alvo uma espécie de rato gigante alado com duas cabeças – o monstro. O monstro
apanha o homem e parte seu corpo em dois.
Kenji retorna com seus companheiros para a aldeia. Eles encontram um garoto, que
desmaia logo após o encontro. O monstro se aproxima e ataca a casa onde estão. Eles
fogem da casa e se escondem em uma vala no chão. Nesse momento, percebem que o
garoto arde em febre.
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Kenji precisa se afastar dos outros para poder contatar os Dominantes e se
transformar em Spectreman. Seu amigo diz que vai correr para que o monstro se distraia,
permitindo aos amigos que escapem. Kenji se oferece para ir em seu lugar, os dois
discutem e Kenji golpeia o rosto do amigo, que desmaia. Ele chega até o carro e procura
algum lugar onde haja uma brecha entre as nuvens para poder contatar os Dominantes, e
consegue. Os Dominantes ordenam a destruição do monstro, antes que ele dissemine
doenças.
Kenji se transforma e parte para a luta contra o monstro. Spectreman decapita o
monstro e vence a luta. Entretanto, depois da luta o herói desmaia. Ao acordar está em sua
forma humana e percebe que o monstro voltou à vida com duas novas cabeças, que
brotaram de seu corpo. O monstro lança um raio sobre uma árvore, que cai sobre Kenji.
Dr. Gori explica que os seres humanos dominam os animais inferiores, mas que os
ratos, sendo mais astutos, usam o lixo da civilização humana e por isso merecem respeito.
Este foi o princípio que Dr. Gori utilizou para criar o monstro: um rato de duas cabeças,
transmutado e tornado mais forte pela poluição. Dr. Gori percebe que o garoto está doente e
conclui que é devido ao contato com o monstro.
Kenji, soterrado, é resgatado pelos Dominantes. As duas equipes da Divisão de
Pesquisa e Controle de Poluição voltam a se encontrar e partem para casa. O garoto começa
a delirar. Os Dominantes contatam Spectreman e ordenam que se prepare para a
transformação, a fim de enfrentar o monstro que se aproxima. Seus amigos tentam impedir
que ele saia do carro. Kenji é alertado que seus outros amigos correm perigo.
Um policial ferido, resgatado pela equipe de Kenji, é atacado pelo monstro, que
apanha seu corpo em chamas. Karas, por ordem de Dr. Gori, invade um trem e mata o
maquinista. Karas, assumindo o controle do trem, segue para Tóquio, guiando o monstro
para um ataque à capital.
O garoto é hospitalizado e todos se preocupam com o choque que recebeu ao saber
que se tornou órfão. Kenji, também no hospital, é amarrado, pois desconfiam que está tendo
delírios. Os Dominantes convocam Kenji, mas como está preso não pode se transformar.
Então, ele pede que o garoto o desamarre. Mesmo fraco, Spectreman parte para mais uma
batalha contra o monstro.
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O herói é golpeado e cai nos trilhos. Fraco, tem seu tamanho reduzido. Karas
aproxima-se do trem. O herói não consegue se levantar, mas no último instante rola para
fora do caminho do trem. Caças aparecem e começam a bombardear o trem e o monstro,
que destrói todos os aviões. Spectreman, parcialmente recuperado, investe contra o
monstro. Falha novamente, cai, o monstro o ataca e Spectreman o decapita mais uma vez.
As cabeças desprendidas do corpo do monstro atacam o herói. O corpo sem cabeça
caminha em direção a Spectreman, que não consegue reagir. O herói reúne suas últimas
forças e destrói o monstro, atingindo-o com uma carreta de caminhão-tanque que transporta
gasolina.
Como se pode notar pelas descrições acima, a violência do episódio é grande e
marcante. Tal nível de violência, nos parece improvável estar presente em uma série de
tokusatsu hoje, devido à construção do gênero ao longo dos anos como produto de menor
ordem artística e maior infantilização.
A infestação de ratos pode ser pensada como uma metáfora do crescimento
desenfreado das cidades. Nesse sentido, o fato do monstro ser um grande rato com duas
cabeças é emblemático. Além de colocar a figura animal em cena, constrói-se essa figura
associada a uma deformidade que pode, inclusive, ser fruto de desordens ecológicas
causadas pela poluição, tema constante da série Spectreman.
Aliás, as duas cabeças do monstro podem ter alguma conexão com a própria
dualidade do Dr. Gori que declara, ao mesmo tempo, o desejo de salvar a Terra e o de
destruir os seres humanos. Concomitantemente, as ações de Spectreman, que impedem a
ação do Dr. Gori, impedem também que a degradação da Terra seja evitada. Assim,
Spectreman porta, por sua vez, uma dualidade em suas ações.
A presença do menino órfão que tem que superar sua situação para, de certa forma,
tornar-se herói ao desamarrar Spectreman, lembra a questão dos órfãos da 2ª Guerra
Mundial, questão cara para o gênero tokusatsu.
O fato das pessoas que tiveram contato com o monstro sejam por ele afetadas e
fiquem doentes, fracas, descontroladas e alucinadas também é emblemática no que se refere
ao problema causado pela poluição. As cabeças do monstro que voltam a crescer quando
cortadas é clara referência à Hidra de Lerna, ser mitológico de várias cabeças que, se
cortadas, regeneram em duas outras, representando os vícios humanos e a busca insaciável
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pelo prazer. Tal figura pode ser pensada, por associação, como uma metáfora da busca
desenfreada dos humanos pelo progresso e pelo conforto, mesmo que para tanto o preço
seja a destruição do planeta.
O episódio O exílio de Spectreman é dividido em duas partes. Na primeira, Dr. Gori
rapta um gorila de um zoológico e a partir dele desenvolve um novo soldado, K. Depois
disso, Dr. Gori envia Karas para a Terra para coletar substâncias poluentes. Este força um
policial a tomar um líquido, levando-o a uma morte angustiante. A notícia nos jornais
retrata uma morte por queimadura, causada por substâncias químicas e poluentes. Os
Dominantes aparecem para Spectreman para avisá-lo sobre uma base subterrânea que Dr.
Gori está instalando na Terra. Fazem a solicitação para que o herói verifique o solo do
local, a fim de constatar o nível de radioatividade, possibilitando a localização exata da
instalação.
Spectreman envia as amostras do solo para os Dominantes. Dr. Gori transforma
Karas em um gigante que passa a aterrorizar a cidade, em clara referência ao filme King
Kong. O monstro passa a enfrentar a polícia e a aeronáutica. A destruição chama a atenção
de Spectreman e uma luta entre os dois é travada. O herói leva desvantagem, mas é
auxiliado pelos caças japoneses, vencendo a luta.
Paralelamente a isso, K. sequestra uma família. Dr. Gori coloca a família em
câmaras, envenenando-a com poluentes criados pelos próprios homens. O vilão explica que
quando a família retornar à Terra vai parecer normal, mas o contato de outras pessoas com
membros da família poderá levar à morte instantânea. O contágio eliminaria todas os
habitantes da Terra e levaria Dr. Gori a alcançar seus objetivos. Kenji investiga e acaba
presenciando a morte de um entregador que entra em contato com a família. Os
Dominantes ordenam que Spectreman elimine as pessoas infectadas, apontando que esta é a
única maneira de evitar que a contaminação se espalhe, eliminando toda a humanidade.
Kenji questiona a missão, por se tratar de gente inocente. Os Dominantes afirmam
que ele está programado para obedecê-los, não pode contestá-los, ameaçam destruí-lo e
insistem para que ele cumpra a missão imediatamente. A primeira parte da aventura acaba
com a negativa de Kenji.
A segunda parte do episódio é iniciada com os Dominantes reforçando a
importância da ordem de sacrificar a família. Spectreman diz que cumprindo a ordem
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estaria agindo como Dr. Gori, afirmando que prefere morrer a ter que matar o filho do
casal. Kenji avisa a família e ordena que fiquem de quarentena.
Kenji adverte a Patrulha antipoluição sobre a situação. K. sequestra a companheira
de Kenji e a coloca na casa da família, fazendo com que seja infectada. Os Dominantes
reforçam a ordem de eliminação. Spectreman entra na casa com o intuito de cumprir a
missão, mas desiste. Os Dominantes anunciam que a arrogância do herói vai ser castigada,
e ele é forçado a permanecer em sua forma humana.
Os Dominantes então anunciam o castigo de Spectreman: o exílio em um planeta
distante. O herói é atingido por um raio e, inconsciente, é levado para o espaço, até um
planeta desconhecido. Dr. Gori envia Karas e K para perseguir o herói. Quando o
encontram, espancam-no, em uma longa sequência. Os Dominantes anunciam que não tem
a intenção de fazer Spectreman passar o exílio em companhia de outros, então propõem um
acordo – o herói terá seu poder restituído, mas terá que vencer simioides. Vencendo-os,
será transportado de volta à Terra. O herói vence e retorna. Spectreman parece ter a
intenção de matar a família, mas os Dominantes revelam ter descoberto uma possível cura.
A técnica de cura funciona, a família sobrevive e todos são salvos.
O episódio descrito acima remete, de certa forma, à outra prática do governo
japonês nos tempos de guerra, a chamada Lei do Vigor Físico e a Lei da Eugenia.
Durante os esforços dos tempos de guerra, a distância entre a mente e o corpo foi dissolvida para a criação de um corpo nacional. O que era considerado como ‘não saudável’ (improdutivo e não reprodutivo) foi catalogado como uma ameaça aos interesses nacionais. (...) o governo da década de 1940 submeteu os corpos a uma rede de vigilância. Primeiro identificados através de exames físicos, os elementos “não saudáveis” se tornaram alvos de repressão. Em 1940, o governo publicou dois programas de regulação, a Lei Nacional do Vigor Físico (Kokumin Tairyoku Hoo) e a Lei Nacional de Eugenia (Kokumin Yuusei Hoo), que tinham como intenção, monitorar o aprimoramento do corpo japonês. (IGARASHI, 2011, p. 126-127).
Através da Lei Nacional do Vigor Físico, jovens com menos de 20 anos eram
obrigados a se submeter a exames físicos e, em seguida, recebiam uma documentação com
os resultados. Havia controle de doenças pulmonares (tuberculose), doenças venéreas,
lepra, doenças mentais, tracoma, parasitas, beribéri, desnutrição e queda dos dentes. O
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programa foi revisto em 1942, incluindo um teste de capacidade motora, de extrema
importância para os objetivos militares.
Já a Lei Nacional da Eugenia possibilitou ao governo comandar operações sobre os
acometidos por doenças hereditárias.
A lei listava cinco subcategorias de doenças sob sua jurisdição: doença mental hereditária, retardo mental hereditário, casos extremos e malignos hereditários de caráter patológico, casos extremos e malignos hereditários de doença física, e casos extremos de deformidade hereditária. Embora o número real de operações eugênicas realizadas fosse relativamente pequeno, a estratégia de exclusão da lei incrementou o controle de corpos no pós-guerra. (...) Os corpos frágeis estavam sujeitos não apenas a uma possível intervenção eugênica do Estado, mas, igualmente, a outras práticas de exclusão da sociedade. Lepra e doença mental, por exemplo, recebiam um escrutínio oficial específico das leis nacionais do vigor e da eugenia. (IGARASHI, 2011, p. 127-128)
Já na década de 1930 os esforços para levar os portadores de hanseníase aos
leprosários nacionais foram intensificados pelo governo. Apoiado por organizações não
governamentais, o estado atingiu o objetivo de excluir da sociedade os portadores de
hanseníase.
Conforme pontua Oda (apud Ohsawa, 2011), em 1942 ocorreu a chamada Kindai no
Chokoku (Superação da Modernidade), conferência com renomados intelectuais japoneses,
críticos do que consideravam uma modernidade descontrolada e uma crise moral pela qual
o Japão vinha passando. A conferência era uma reação a um fenômeno que ocorria no país,
que passava por uma transformação em seu estilo de vida, fortemente influenciada por
costumes europeus e, mais fortemente ainda, estadunidenses.
Tal reação é oriunda do fato de que cidades como Tóquio e Osaka passaram a
abrigar um estilo de vida cada vez mais moderno, marcado por cinemas, cafés e salões de
beleza, onde a influência europeia e estadunidense se fazia sentir sem que houvesse a
mediação de instituições tradicionais japonesas. Nas cidades, os padrões ocidentais
impunham-se por conta própria, não sendo mais necessário invocar o imperador para
justificá-los. Ao mesmo tempo em que o imperador perdia sua função legitimadora, as
próprias noções de identidade e de cultura japonesa se enfraqueciam sensivelmente.
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A resolução proposta por esses intelectuais era a retomada da tradição. Oda aponta
que esta bandeira de refortalecimento da cultura japonesa nunca se desvinculava de uma
restauração da dedicação ao imperador e aversão à influência estrangeira.
Na série Jaspion é possível perceber ecos da dinâmica tradição versus modernidade
vivida no Japão. Em alguns episódios esta questão fica bem evidente. A tecnologia e os
sinais da modernidade são questionados, muitas vezes pelos próprios antagonistas, como
visto em Godzilla de 1954 e no Dr. Gori da série Spectreman.
A franquia Metal Hero teve início com a trilogia dos Uchū Keiji (Detetives
Espaciais), Gavan, Sharivan e Shaider. Mas foi na quarta produção da franquia no Japão
Kyojuu Tokusou Juspion (Investigador de Monstros Juspion) – adaptado no Brasil como O
Fantástico Jaspion – que as lutas contra monstros gigantes seriam destaque e apareceriam
com regularidade em seus episódios.
A série, estrelada pelo ator e dublê Hikaru Kurosaki no papel título, estreou no
Japão em 15 de março de 1985 e foi transmitida até 24 de março de 1986, contando com 46
episódios que foram ao ar pela TV Asahi. No Brasil, foi lançada inicialmente em VHS pela
Everest e em seguida foi exibida pela extinta Rede Manchete, como parte das atrações do
programa Clube da Criança, a partir de 1988, permanecendo na grade da emissora até 1994.
Na Rede Record foi transmitida entre 1994 e 1996. Em 1997 foi ao ar pela TV Gazeta e
atualmente faz parte da programação da Ulbra TV.
Na trama Jaspion único sobrevivente da queda de uma nave espacial no planeta
Edin é criado em meio a monstros pacíficos pelo profeta de mesmo nome. Edin acredita
que o órfão seja o predestinado a se tornar o guerreiro celestial profetizado na Bíblia
Galáctica, que salvaria o universo das forças do mal. O profeta, então, adota o menino e o
treina, na esperança de que um dia venha a derrotar Satan Goss, na sua tentativa de
estabelecer o Império dos Monstros. Já na adolescência Jaspion, ciente de seu destino,
recebe de seu mentor os equipamentos para auxiliá-lo no cumprimento de sua missão.
Dentre eles estão: a armadura Metaltex; a Androide Anri e a nave de combate/robô gigante,
chamada de Daileon. O objetivo do personagem é encontrar os pedaços da Bíblia Galáctica,
único meio de destruir Satan Goss, missão que acaba o levando à Terra, após aventuras em
outros planetas. Os principais personagens da série, além dos já citados, são: Macgaren, do
original Mad Galant, filho de Satan Goss e rival de Jaspion; Miya, personagem alienígena
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resgatada em outro planeta; Boomerman, do original Boomerang, aliado de Jaspion; além
do professor Nambara e seus filhos, Kanoko e Kenta, também aliados do protagonista.
Mais uma vez uma produção do gênero apresenta questões mais profundas e de
cunho político através de narrativas nonsense e inúmeras sequências de luta. Assuntos
como, críticas ao cristianismo, dispositivos de poder, ameaça do progresso desenfreado
aparecem, ora de maneira discreta, ora de forma mais explícita, nos episódios de O
Fantástico Jaspion.
Em quase todos os episódios, o antagonista Satan Goss usa seu poder para enfurecer
os monstros, que a princípio não são maus, com o intuito de conquistar a galáxia e instaurar
seu Império. Além dos monstros, Satan Goss também faz uso de seu poder para controlar
aliados de Jaspion e até mesmo objetos inanimados como o Satélite Sakura.
O episódio Trama Miraculosa é centrado na personagem Miki, uma garota que
apresenta o poder de cura. No início Miki cura uma pomba machucada apenas por segurá-la
em suas mãos. Jaspion, ao observar o ocorrido, aproxima-se da criança.
A menina diz que deseja mais poder, que deseja poder voar. Na sequência seguinte,
Miki, já em casa com sua família, após um tremor de terra acaba sendo soterrada nos
escombros de sua casa. A menina é resgatada por Mad Galant que, aproveitando-se da
vontade da garota de desenvolver suas habilidades, diz a ela que não fosse por ele, ela
estaria morta. Além disso, também lhe diz que Satan Goss iria lhe conceder o desejo de ser
ainda mais poderosa, amplificando seus poderes mentais, tornando-a capaz de curar até
mesmo doenças que a medicina atual não conseguia.
Ligada a uma máquina, Miki recebe os raios energéticos de Satan Goss, que amplia
seus poderes. Em seguida, Miki é encontrada sem nenhum arranhão e com a saúde perfeita,
mesmo tendo ficado sob os escombros por 13 dias. A mídia passa a divulgar o incidente
como um acontecimento milagroso. A televisão mostra a menina realizando milagres, como
a cura de um garoto com uma grave fratura, apenas com a imposição das mãos.
Satan Goss, então, amplia ainda mais os poderes da menina. A garota renasce em
uma forma iluminada e passa a ser adorada pela população como uma Deusa. Para efetuar
suas curas milagrosas, Miki aparece vestida com uma indumentária que remete à vestes
sagradas e passa a receber as pessoas em uma caverna. A “Deusa” cura as pessoas com um
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raio de energia emitido pelas mãos e ordena aos que são atendidos que usem um broche
com a sua imagem estampada.
Os broches tornam-se objetos do desejo da população. Na verdade, esses objetos
possuem dentro de si pequenas partes dos chifres de um monstro. Quem utiliza os broches
acaba infectado por essa essência, passando a agir violentamente com o objetivo de
destruírem uns aos outros. Portanto, as pessoas que usam os broches passam a atuar como
agentes de Satan Goss, como parte de um plano para invadir o Japão sem resistência.
Nambara, aliado de Jaspion, apresenta um dos broches ao herói.
Surpreendentemente, o artefato movimenta-se sozinho e “pica” o braço do herói, que passa
a se sentir mal e tem que ser medicado. Tempos depois, Jaspion entra disfarçado na
caverna de Miki e tenta alertá-la do plano, mas a menina não acredita nas palavras do
protagonista. O herói é atacado e espancado pela população. Usando sua pistola, Jaspion
livra as pessoas dos broches, livrando a todos, inclusive Miki, do encantamento.
Entretanto, o bando de Mad Galant consegue capturar a menina e a crucificam,
prendendo-a com correntes (Figura 25). Embaixo da cruz uma bomba relógio é instalada.
Incentivada por duas asseclas de Mad Galant, parte da população passa a atacar Jaspion,
porém Miki solicita que parem, pois Jaspion veio para salvá-la. Uma vez que já não é mais
possível encobrir a verdade por trás da trama, o monstro, cujos pedaços de chifres haviam
sido usados para infectar as pessoas através dos broches, surge e está então estabelecido o
duelo final do episódio, entre ele e Jaspion.
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Figura 25. Jaspion salva Miki da crucificação.
O episódio em questão é recheado de significações cuja análise pode e deve se
estender. Antes de empreendermos essas análises, contudo, convém esclarecer partes do
contexto social japonês que serviram de base para a narrativa. Tendo como referência as
colocações de Novielli (2007), pontuamos que no fim da 2ª Guerra Mundial vivia entre os
escombros do conflito uma micropopulação de órfãos, crianças abandonadas, obrigadas a
arranjar-se mendigando, fazendo pequenos trabalhos ou, simplesmente, roubando os
passantes.
Tal cenário, como se sabe, é tristemente universal quando se aponta e analisa as
inevitáveis consequências de conflitos bélicos. As condições de mal-estar social dos
“pequenos adultos” não interessavam a todos, pois era justamente a essa geração
desgarrada e perdida que caberia a gestão do futuro do país. No cenário do pós-guerra no
Japão o florescimento dessa grande preocupação desemboca em ampla produção de filmes
sobre jovens e crianças. Nesses filmes, a esses jovens e a essas crianças eram confiados os
ideais mais altos: o amor, a convicção de uma justiça humana possível e a aversão à guerra.
Uma vez que a presença de um grande número de órfãos era um problema social de
larga escala no país assolado pela guerra e marcado pelos traumas dos bombardeios
atômicos, e uma vez que as consequências de tais eventos perduram a longo prazo, esta
70
temática encontra-se transfigurada e representada no tokusatsu. Tal transfiguração e
representação tornam-se evidentes no episódio acima descrito e agora analisado.
Há em Trama Miraculosa elementos ligados ao desejo de poder e ao consumo
desenfreado de mercadorias fetiche. O desejo de poder de Miki pode ser entendido como
uma forma de suprir suas carências afetivas, e a ânsia da população pelos broches pode ser
lida pelos paradigmas da indústria cultural. Há, ainda, a possibilidade de pensar os broches
como mecanismos de controle populacional, estando esses objetos inadvertidamente
ligados ao controle dos corpos, como acima evidenciado.
Em um trabalho que pretende apontar o empobrecimento das metáforas originais do
tokusatsu, é primordial perceber que o controle dos corpos, tema amplamente investigado e,
portanto, parte fundamental da história cultural do Japão, ainda que às vezes obscurecido, é
materializado no episódio através de um objeto de consumo imposto por uma estrutura
verticalizada de poder, através da espetacularização criada em torno da personagem Miki.
A santificação de Miki e a exploração e aumento de seu poder de encantamento e
comunicação pelos vilões é que cria condições perfeitas para a vasta comercialização dos
broches, destinados a tornar seus portadores violentos e, assim, sujeitos ao controle. É
importante notar que os broches contém a imagem da menina-curandeira, sendo, portanto,
ícones que remetem às hagiografias, escritos sobre a vida e obra dos santos, e às imagens
sacras. Na análise da narrativa é fácil identificar pontos de intersecção entre a simbologia
cristã e o desenvolvimento da trama.
No início de Trama Miraculosa, Miki cura uma pomba segurando-a nas mãos. A
pomba é o símbolo do Espírito Santo e também pássaro que em episódios bíblicos variados
adquire significações de beatitude, como quando uma pomba retorna a Noé com um ramo
de oliveira, significando que o terreno para uma nova existência estava preparado.
Além disso, na sequência Miki sofre o acidente do soterramento e sai dos
escombros glorificada. Tal construção remete diretamente à crucificação e posterior enterro
e ressurreição de Cristo. Cristo sai de sua tumba para empreender milagres e, da mesma
forma, Miki sai do soterramento – uma espécie de calvário de longa duração, de 13 dias –
para assumir o posto de criança miraculosa.
Após ser promovida à celebridade pela televisão, que constrói sua imagem
milagrosa, Miki instala-se em uma caverna e assume a posição de oráculo. Utilizando
71
roupas que lembram indumentárias sacras, realiza curas e vai cada vez mais aumentando
seu prestígio e poder de encantamento. Justamente é este prestígio e poder de encantamento
que propiciam, através da imposição do uso dos broches com sua imagem, o controle das
pessoas pelos vilões.
Próximo ao final do episódio Miki é crucificada. A menina que já passara pelo
“calvário” do soterramento sofre, então, a mesma punição máxima sofrida por Cristo. Uma
vez que o episódio é destinado a um público, sobretudo, infantil e adolescente, a
crucificação não acontece com pregos ou cravos, mas com correntes. Todavia, essa
suavização do suplício não torna a significação menos forte ou evidente.
Portanto, um acontecimento metafórico ligado à mitologia cristã – o soterramento e
sobrevivência miraculosa a ele – cria condições para que a televisão explore
comercialmente o episódio. Essa exploração da imagem da menina gera uma procura
desenfreada pelas graças incomuns que culmina em uma nova comercialização, desta vez
de artefatos benéficos em princípio, mas que são causadores de malefícios variados, dentre
eles outro acionamento da mitologia cristã, como a crucificação.
Essa estrutura de significações é complexa e dispara composições transversais de
significado que permitem a percepção do episódio como dotado de múltiplas camadas. O
contexto cultural do pós-guerra no Japão, o problema dos órfãos, a mitologia cristã, o
calvário, a ressurreição, a crucificação, a exploração pela mídia e o controle das mentes e
dos corpos estão presentes e funcionando narrativamente em conjunto.
Tal estrutura de significações tem seu referendo na própria perspectiva de criação de
O Fantástico Jaspion, uma vez que já a apontamos como uma série síntese do gênero
tokusatsu. Se Jaspion reúne elementos narrativos presentes em outros títulos, Trama
Miraculosa aciona, cumulativamente a isso, alguns elementos culturais que constroem uma
rica rede de significados.
Em outro episódio, Metamorfose de Satan Goss, o antagonista máximo de Jaspion é
confrontado com o sofrimento causado pela angústia da necessidade de sua própria
transformação, que garantiria sua sobrevivência. O sofrimento do vilão é tão grande que,
mesmo como entidade dotada de grande poder, não pode mais controlar seus próprios
sentimentos. A linha geral do episódio é dada pelo vilão Mad Galant que, para resolver o
problema e aliviar o sofrimento do pai, diz que um ritual deve ser executado. Tal ritual
72
necessita do sangue de uma menina nascida na lua cheia. Ainda, para que o ritual funcione
a menina deve ter o corpo preparado para realizar a dança do sacrifício, que diminuirá as
aflições do vilão.
No desenvolvimento da trama do episódio, devido à sua angústia e sofrimento,
Satan Goss ataca a cidade de Tóquio descontroladamente. Jaspion enfrenta o vilão em uma
atmosfera sombria, e Satan Goss foge. Ao encontrar seu filho, diz que deseja passar logo
pela metamorfose, antes que Jaspion reúna as crianças tocadas pela luz, caso contrário não
haveria mais tempo para alcançar seus objetivos. Para conseguir a garota necessária, Mad
Galant trama um engodo e cria uma suposta seleção para atuação em um musical, uma
adaptação do livro Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll. A garota Yumiko
dirige-se para o teste. Aprovada, é supostamente levada pela equipe, mas na verdade trata-
se de um sequestro. Yumiko, então, é treinada para executar a dança ritual, sem saber dos
propósitos do vilão. Ao ser convocada, a menina diz não estar preparada, pois ainda não
sabia suas falas. Recebe como resposta que apenas a dança é suficiente.
O que parece estar implícito nesse fato é que, para executar a tarefa imposta pelo
império dos monstros, não é necessário dar voz àqueles que servirão de ferramenta para os
objetivos do império. Necessita-se apenas do sangue, é preciso apenas o corpo da menina,
devidamente programado e preparado para cumprir sua função. Mais uma vez, as práticas
de regulação do corpo que ocorriam no Japão desde antes da 2ª Guerra Mundial são
referendadas de maneira indireta, com o agravante de se debruçar sobre a figura de uma
criança.
73
Figura 26. A doutrinação dos corpos japoneses.
O poder disciplinador aparece de maneira mais curiosa no episódio A investida dos
aliados espaciais. Jaspion tem como companheira e auxiliar de aventuras a androide Anri.
Os androides são, via de regra, mais sofisticados e semelhantes aos humanos do que os
robôs, realizando funções mais elaboradas. De qualquer maneira, mesmo os androides, por
conta de sua programação, realizam funções de maneira submissa aos humanos e, em
especial, a seus programadores.
Nesse sentido, vale lembrar as três leis da robótica, elaboradas por Isaac Asimov no
livro Eu, Robô, publicado pela primeira vez em 1950. Tais leis tem o objetivo de regular o
comportamento dos robôs, com ênfase em proteger os humanos de ações nocivas por parte
dos robôs e, também, de maneira a impedir suas eventuais insubmissões. Mesmo que se
trate de uma obra ficcional, os três preceitos de Asimov foram adotados como paradigmas
pela robótica e, dessa maneira, figuram como substrato dessa ciência e do episódio aqui
analisado.
Os três preceitos/leis da robótica são:
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• 1ª Lei: Um robô não pode prejudicar um ser humano ou, por omissão, permitir que o ser
humano sofra dano;
• 2ª Lei: Um robô tem de obedecer às ordens recebidas dos seres humanos, a menos que
contradigam a Primeira Lei.
• 3ª Lei: Um robô tem de proteger sua própria existência, desde que essa proteção não
entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Leis.
Para a análise do episódio A investida dos aliados espaciais, as duas primeiras leis
são as mais importantes. Em especial a segunda lei, que deixa claro o princípio da
necessidade incontornável da obediência. Uma vez que, teoricamente, estes preceitos estão
na programação básica de um robô/androide não podem ser desconsiderados. O
robô/androide só poderia desobedecer a ordem de um humano se esta ordem fosse a de ferir
outro ser humano, ou se essa obediência redundasse em omissão para impedir que um ser
humano fosse ferido.
Anri, a companheira de Jaspion, é uma androide atípica, apresentando
comportamento desobediente com relação às suas ordens. Anri constantemente desobedece
Jaspion, demonstrando um comportamento insubmisso que desagrada o herói. No episódio
analisado, Jaspion, cansado do comportamento da companheira androide e julgando-a
rebelde, imobiliza Anri de maneira violenta. Em seguida, expõe seus circuitos e instala um
microchip com o objetivo de alterar seu comportamento, tornando-a dócil e submissa.
Anri, em respeito à primeira lei da robótica, não se rebela e aceita a intervenção. O
que se pode analisar aqui é, justamente, a violência da intervenção e seu caráter invasivo.
Jaspion imobiliza Anri, exercendo sobre ela um domínio físico que faz sobressaltar seu
poder de chefia. Em seguida, rompe a “pele” da androide, expõe seus circuitos – suas
entranhas, seus “órgãos”, sua intimidade – e instala nela um microchip, ou seja, uma
prótese, instrumento de domínio com o objetivo único de “consertar a imperfeição da
desobediência”.
O caráter dominador da imposição da força física do herói, no ato de intervenção no
corpo e no comportamento da androide, por si só apresenta elementos de significação que
podem ser explorados em uma análise do episódio. Afinal de contas, é o masculino
dominando o feminino, e dominando um feminino que, desde sua concepção, é talhado para
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ser um “feminino perfeitamente submisso”, por não apresentar teoricamente a mínima
possibilidade de insurgência.
Mas, mais do que isso, a intervenção no corpo da androide, da maneira como é
realizada, representa também um estupro simbólico, pois o herói e protagonista intervém
direta e impositivamente no corpo da androide, apenas por sua própria vontade/necessidade
de ser obedecido. Talvez seja demasiado comparar as mãos e braços do herói ao falo e o
chip introduzido ao sêmen, mas na encenação do episódio essas significações comparecem
e não devem ser contornadas ou esquecidas.
No desenvolver da narrativa, na construção de uma ironia típica da série, após a
violenta intervenção sofrida, Anri se submete temporariamente ao domínio de Jaspion.
Porém, após um breve período de obediência, a androide se rebela e retorna à sua
programação/personalidade costumeira.
Tal fato coloca em cheque o poder do herói e sua prerrogativa de domínio,
apontando uma contestação da segunda lei da robótica por parte da androide, o que insere
um interessante questionamento acerca de uma suposta possibilidade de conquista de
independência de ação e de pensamento por parte dos robôs/androides. Esta possibilidade é
típica da ficção científica na literatura e no cinema, em obras como 2001, uma odisseia no
espaço – 2001, a space odissey, livro de Arthur C. Clarke de 1968, lançado logo após sua
adaptação para o cinema, por Stanley Kubrik – e Blade Runner – livro de Philip K. Dick,
intitulado Do androids dream of electric sheep? no original de 1968 e adaptado para o
cinema por Ridley Scott em 1982.
Jaspion resgata também os temas ecológicos, os alertas contra o progresso
desenfreado e o uso inconsequente da tecnologia. O segundo episódio da série, inspirado no
filme Jornada nas estrelas (1979), é intitulado O triste fim de Sakura. Na trama, Sakura é
um satélite construído no Japão e abandonado no espaço.
Na narrativa, Jaspion encontra uma nave espacial que parece estar à deriva. Ao
inspecioná-la, percebe que se trata de uma nave fantasma, sem tripulantes. Ao retornar para
sua própria espaçonave, Daileon, o herói escuta um som de motor e avista a nave fantasma
se movimentando. Ele resolve seguir a nave que, instantes depois, desaparece. Daileon
então passa a ser atraída por uma força gravitacional que os leva ao planeta gelado Peece.
Jaspion encontra, então, os destroços da nave fantasma que desaparecem de repente.
76
Pouco depois, Jaspion é atacado por seres com aspecto robótico, que sequestram
Miya e a androide Anri. Em seguida, surge o monstro Tetsugo que investe contra o
protagonista. Herói e monstro se digladiam e Jaspion acaba soterrado na neve. Após
emergir da neve, Jaspion passa a procurar por Anri e Miya e acaba sendo puxado por um
túnel, para dentro de uma cidade subterrânea.
Nesta cidade Jaspion enfrenta novamente os seres robóticos. Durante a luta,
encontra um homem com cabelos brancos, de armadura. Este homem toca uma música em
um piano de cauda, fazendo com que os vilões parem o ataque e se dispersem. O velho diz
que ali havia uma aldeia onde se vivia em paz, mas quando “eles” apareceram,
transformaram tudo em agonia e morte, e que seus dias estavam contados.
“Eles” a quem o ancião se refere são Satan Goss e seus seguidores, que
ressuscitaram o monstro gigante Tetsugo e deram vida à nave fantasma – o satélite japonês.
Os vilões voltam a atacar quando o ancião tenta explicar sobre a nave, e o velho se sacrifica
para impedir que Jaspion seja atingido. Suas últimas palavras são: “uma estrela é imortal”.
O herói é, então, puxado por uma mão mecânica até o local onde um satélite solta uma
gargalhada ameaçadora.
O espírito da máquina se revela, apresentando-se como Sakura, construído pelos
seres humanos e enviado aos confins do universo. Sakura revela ainda que, quando chegou
ao planeta Peece, Satan Goss lhe concedeu vida e tornou-se seu Deus. O objetivo de Sakura
é instaurar o império das máquinas para se vingar da humanidade.
Jaspion enfrenta Sakura, que passa a controlar a androide Anri. Sakura diz que os
que se opuserem serão eliminados. Satan Goss enfurece o monstro Tetsugo, que absorve a
nave fantasma e o satélite Sakura. Então, o herói conclui que o monstro e o satélite são um
só. No fim do episódio, o satélite transmite repetidamente a mensagem, “Advertência para
humanidade!” e, então, explode, desintegrando todo o planeta.
A temática do uso inconsequente da tecnologia é trabalhada no episódio com foco
na rebelião do maquinário contra a humanidade. Tal recurso narrativo é frequente na ficção
científica. Se no episódio A investida dos aliados espaciais pudemos encontrar uma direta
relação entre os acontecimentos narrativos e a confrontação das leis da robótica, conforme
preconizadas por Isaac Asimov, em O triste fim de Sakura estes preceitos também servem
de base para a narrativa.
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A rebelião do maquinário contra a humanidade teve recente proeminência com a
trilogia Matrix – Matrix, 1999, Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, 2003. No episódio
aqui analisado esta temática adquire tons pessoais. Sakura quer vingar-se da humanidade
que o criou, exilou e abandonou. Tal perspectiva aproxima claramente Sakura do monstro
de Frankenstein. No livro e no episódio há a rebelião contra o criador que dá a vida e
abandona.
Além disso, pode-se perceber que o nome do planeta, Peece, é uma transformação
da palavra “peace”, que em inglês significa “paz”. Portanto, no episódio o planeta “Paz”
tem, como relatado pelo ancião, seu cotidiano pacífico adulterado pela intervenção do
maquinário e de Satan Goss, que também intervém no maquinário. Dessa forma, direta e
metaforicamente, é o maquinário que elimina a paz, e a advertência final de Sakura não
deixa dúvidas quanto ao teor com que se aborda o progresso tecnológico desenfreado.
A temática de alerta contra uso inconsequente da tecnologia volta a aparecer no
episódio Perigo em Tsukuba, que aproveitou para a trama a realização da Expotsukuba 85 –
exposição internacional de ciência e tecnologia, realizada de março a agosto de 1985 na
cidade universitária de Tsukubana, com o tema “Homem, habitação, ambiente e
tecnologia”.
No episódio, um grupo de cientistas é exposto ao gás emitido pelo monstro
Gamadoras e, durante a exposição, começam a se comportar de maneira estranha. Um deles
destrói seus experimentos enquanto grita: “Deixe a natureza em paz, não temos o direito de
prolongar a vida com a ciência! Gamadoras!”. Outro cientista destrói um laboratório
exclamando: “Para que fibra-ótica? Para que computadores? Para o homem basta o sol, a
terra! Gamadoras!”. Após saber dos incidentes, Jaspion decide investigar o ocorrido, pois
pressente “uma sombra qualquer de Satan Goss na exposição”.
Ao encontrar a terceira pessoa afetada pelo monstro, o herói assiste a uma
transmissão de um homem que também apresenta os efeitos da exposição ao Monstro, com
a seguinte mensagem:
É pura ilusão que o século 21 será a era da ciência e da tecnologia. A ciência não será capaz de deter a perturbação climática nem impedir que a terra se torne um imenso deserto. O século 21 será o século das trevas. Até as almas dos seres humanos serão transformadas. É o Gamadoras!
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Jaspion descobre através de Edin que Gamadoras era um monstro pacífico que após
a realização de testes nucleares na ilha que habitava tornou-se um ser mutante, clara
referência a Godzilla. A lenda apregoava que quem tomasse seu óleo viveria mil anos,
porém, aqueles que tomaram seu óleo tornaram-se violentos e a guerra nuclear levou seu
planeta à extinção.
O enredo deste episódio deixa muito clara a temática subjacente do repúdio ao uso
indiscriminado da tecnologia. Este argumento torna-se evidente ao considerarmos o
aproveitamento de um evento real dedicado à discussão dos rumos do desenvolvimento
tecnológico como fundação da linha narrativa. Como agentes potencializadores da temática
temos também o fato do monstro afetar, justamente, cientistas vinculados à exposição,
provocando um comportamento violento e anormal nestes. Um dos cientistas dominado
pelo monstro destrói seus experimentos e clama contra o prolongamento da vida; outro
cientista destrói seu laboratório e prega contra a fibra ótica e contra os computadores,
valorizando elementos naturais, o sol e a terra; outro, ainda, aponta um cataclismo
tecnológico, fala em “trevas” e em transformação das almas humanas.
Nesse sentido, o episódio analisado assoma como um antecipador de discussões que
se tornariam bastante proeminentes, uma vez que hoje muito se discute sobre a intervenção
científica, via implantes e manipulação genética. A evocação de malefícios ligados à
utilização de fibra ótica e de computadores é notadamente direcionada ao próprio contexto
de industrialização japonês. Uma argumentação assim construída torna-se tão mais forte
quanto mais se lembra o quanto esse tipo de tecnologia era, e ainda é, vital como produto
de desenvolvimento e de comercialização no Japão.
No entanto, o que mais nos parece relevante é a exposição do terceiro cientista,
evocativa e premonitória, lembrando predições maledicentes que se tornaram frequentes no
fim do último milênio e continuam se apresentando até hoje. Através da referência à
perturbação climática levada a cabo pelo uso indiscriminado da tecnologia, o cientista
prevê que a Terra se transformaria em um “imenso deserto”, diz que o século XXI será um
século de “trevas” e aponta uma transformação das almas humanas.
A transformação das almas é mais subjetiva e generalista, mas a imagem de um
imenso deserto é forte, causando contraste com a imagem de profusão biológica presente
em diversos ecossistemas do planeta. Claramente, está apresentada aqui uma inclinação
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cataclísmica que se choca com as perspectivas otimistas de utilização da tecnologia como
fator de desenvolvimento humano e de preservação da vida no planeta, em todos os seus
âmbitos.
Ainda, o que mais chama atenção é o apontamento do século XXI como século de
trevas. É clara a relação desta nomenclatura com a Idade Média, também conhecida como
“Idade das Trevas”. O que está em cena quando se relaciona a Idade Média às trevas é uma
perspectiva de falta geral de conhecimento, uma vez que boa parte deste era acessível
apenas a um número muito pequeno de pessoas, socialmente privilegiadas ou ligadas à
Igreja. As trevas, no contexto medieval, também apontam o mundo “não iluminado por
Deus”, ou seja, um mundo associado a um demoníaco e fora do caminho traçado pela luz
do conhecimento, ministrado pela palavra dos sacerdotes, portadores da palavra divina.
Em Perigo em Tsukuba, o alerta antitecnologia encaminha o mundo para um futuro
anômalo em que a tecnologia promoverá deserto e trevas. Portanto, a tecnologia,
normalmente associada à iluminação e à promoção do conhecimento, sofre um revés de
significação e passa a ser portadora de signos detratores de si mesma. Tal inversão é
frequente na ficção científica, sendo possível afirmar que este episódio da série Jaspion
evoca elementos de distopia ou de contra utopia, uma vez que o que se constrói pela
tecnologia, ao menos na perspectiva cataclísmica proposta pelos cientistas afetados pelo
monstro, é a decadência do homem e da sociedade através de um desenvolvimento que se
promete, a princípio, iluminador.
2.3. Redes de Consumo e infantilização: a soberania do merchandising
Após analisar algumas das metáforas utilizadas nas primeiras versões de tokusatsu e
seus significados potentes, vinculados ao contexto histórico-social do Japão e às
transformações e rumos que o desenvolvimento global estava tomando, torna-se claro que o
papel das diretrizes comerciais passou a ser determinante em vários sentidos, sobretudo na
continuidade das séries no cinema e na televisão. Muitas séries foram vinculadas a estas
diretrizes impostas pelos estúdios e redes televisivas e passaram a explorar o universo das
obras para a construção de uma rede de merchandising, diluindo as metáforas originais e
neutralizando os seus significados latentes.
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Como vimos, as séries foram construídas tendo em vista discussões políticas, que
mesmo não assomando de maneira direta nas tramas, as influenciaram. As discussões de
ordem social e histórica que pululam sob a camada mais superficial do tokusatsu, e em
especial das séries aqui referidas, fazem com que tenham dupla qualidade: são bons objetos
artísticos de entretenimento, pois atraentes em termos estruturais, imagéticos e narrativos e
são agentes de conscientização eficientes, mesmo que essa conscientização não seja
imediatamente percebida, na medida em que discutem seus tópicos com qualidade.
Portanto, encontramos uma virtude do tokusatsu que se ancora nos melhores
desenvolvimentos artísticos unidos a uma discussão importante. A nosso ver, uma obra de
arte não tem necessariamente que ser submissa à sua função social. O próprio fato de ser
uma obra de arte já a torna uma entidade que presta um serviço ao social, o serviço de ser
ela mesma e de significar através de seus próprios parâmetros. A vinculação dessa obra de
arte a uma função social, portanto, figura como um “extra”, e se a obra cumpre esse extra
sem depreciar seu caráter artístico, tanto melhor.
O tokusatsu, portanto, é um tipo de produto midiático que realiza essa dupla função,
sem deixar que qualquer uma delas se perca. A nosso ver, o gênero realiza ambas as
funções de maneira plena e vinculada porque tem como parâmetro principal o
desenvolvimento artístico. As passagens em que se nota um ensinamento ou uma “lição de
moral” são integradas nas tramas.
O primeiro exemplo que gostaria de analisar é Godzilla. Cristiane Sato (2007)
comenta que, a princípio, o estúdio não tinha pretensão de produzir novos filmes com o
personagem. Em 1969 o diretor Ishiro Honda declarou em uma entrevista que não havia
planos para uma sequência e disse ainda, “ingenuamente esperávamos que o fim de
Godzilla coincidisse com o fim dos testes nucleares” (SATO, 2007, p. 180). Esta afirmação
traça a intenção social por trás da obra e evidencia sua metáfora, embora, como já
afirmamos, a intenção social e a metáfora não obliterem o desenvolvimento artístico do
filme.
Entretanto, devido ao sucesso da produção, mais de 30 longas metragens tendo
Godzilla como protagonista seriam produzidos nos anos seguintes. Sato ressalta que o
fascínio que a figura do monstro causou nas crianças incentivou a Toho a focar a narrativa
da franquia em temas que atraíssem ainda mais o público infantil. O estúdio passaria a
81
aproveitar a popularidade da luta livre, usando os combates entre os personagens de forma
estratégica.
Tais direcionamentos são, explicitamente, vinculados a fins comerciais. Não se trata
de propor uma demonização da comercialização de produtos, mas, sim, de dar a ver o
quanto tal diretriz desvia-se das orientações das obras fundadoras. Transformar Godzilla ou
qualquer produto não criado para crianças, em um produto destinado ao público infantil
demanda naturalmente um processo de desconstrução deste, em termos de suavização.
Em suas frequentes adaptações de contos de fadas para o cinema, em animações, os
estúdios Disney, focados no público infantil, utilizam versões mais amenas dos contos.
Como se sabe, os contos de fada são frequentemente recheados de episódios narrativos e
“lições a aprender” construídas por meio de elementos áridos que, muitas vezes, suscitam o
grotesco, o bizarro, a dor e o sacrifício.
Ao longo dos anos, em parte por conta de sua transmissão oral, em parte por conta
de um arrefecimento da mensagem em prol de sua maior popularidade, esses contos de fada
foram sofrendo reelaborações, sendo suprimidos ou reescritos seus elementos narrativos
mais agressivos.
A subordinação das séries de tokusatsu aqui analisadas aos fins comerciais e, em
especial, sua adequação ao público infantil tem o mesmo caráter que a suavização dos
contos de fadas. Como se verá adiante, isso se reflete em uma série de aspectos, desde o
desenvolvimento das narrativas até a representação dos personagens. No caso de Godzilla,
uma desconstrução imagética da periculosidade do monstro é realizada, como
demonstraremos.
A inserção da performance típica da luta livre na coreografia dos filmes direciona
para a composição de espetáculo. Como se sabe, a composição e modus operandi da luta
livre ou wrestling é muito mais próxima do teatro do que do combate. Tanto em eventos ao
vivo (muito tradicionais na cultura mexicana) como em eventos transmitidos pela televisão
(também de grande repercussão no México), as lutas são mais encenadas do que
efetivamente realizadas. O que está em cena nos embates é muito mais a suspensão da
descrença do que a imposição da supremacia física. Em sua obra Mitologias, Roland
Barthes dedica um dos capítulos à luta livre, desenvolvendo argumentação no sentido
acima expresso.
82
Assim, quando em 1955 estreia o segundo filme da franquia, Godzilla no Gyakushu,
que apresentava a luta do monstro Anjirasu contra Godzilla, as diretrizes de reorientação
para uma temática mais suave e a inscrição das sequências de luta no universo da luta livre
já estavam em voga. Para Yoshikuni Igarashi nas sequências as características do monstro
seriam drasticamente alteradas, e a perspectiva crítica original sobre a narrativa fundadora
se perderia.
A fúria destrutiva do personagem era acentuada por seus movimentos desajeitados
que em parte resultavam do enorme peso da roupa de borracha carregada com grande
dificuldade pelo ator e também reflexo do desconforto causado pela falta de adaptação
anatômica da fantasia. “Por isso, o senso de materialidade diáfana que o primeiro Godzilla
exibia em abundância era bastante fortuito” (IGARASHI, 2011, p. 287-288). O ator não
tinha liberdade de movimento e, diversas vezes, caía durante a filmagem, só conseguindo
levantar com a ajuda dos colegas. Com o passar dos anos, conforme a tecnologia na
construção de monstros no cinema se desenvolveu, as roupas ficaram mais leves e
confortáveis, permitindo mais controle de movimento e, no caso da caracterização de
Godzilla, deixando o monstro mais veloz e mais similar aos movimentos de um ser
humano.
Isso afetou negativamente os efeitos artísticos originais da obra. Apesar da
utilização de fantasia por um ator, em alguma medida, também poder ser considerada um
efeito especial e, por isso, estar em consonância com as características do gênero, isso
diferiu demasiadamente da linha estética inicial de Godzilla.
Portanto, em Godzilla no Gyakushu, a “humanização de Godzilla já estava em
progresso” (IGARASHI, 2011, p. 288). Nesse sentido, é emblemático e simbólico notar
que essa humanização, assim como a nova orientação artística, vem “de fora para dentro”
dos filmes. A utilização de atores vestidos de monstros, assim como a diretriz
mercadológica que motivou sua inserção, são elementos alheios aos filmes enquanto
unidade estética, ainda que façam parte de sua base.
Tal parâmetro lembra posicionamentos típicos da indústria cultural, uma vez que
esta promove a mercantilização de bens culturais sob a batuta de uma orientação
mercadológica vertical, que parte das cúpulas das corporações para atingir e orientar a
83
própria concepção dos produtos de cultura e redundar em sua subordinação conceitual,
estrutural, temática, estética e simbólica.
Quando dizemos que a utilização de atores vestidos de monstros é um elemento
“alheio” aos filmes, queremos pontuar que é um elemento alheio à concepção primordial da
obra fundadora. Mais importante ainda, um elemento “alheio” fincado no novo paradigma
traçado por uma suavização do produto, ao modo da suavização sofrida pelos contos de
fada, que parte de uma orientação mais aberta e/ou subordinada a fins comerciais.
Desse modo, o embate entre Godzilla e Anjirasu sugere que a narrativa do filme não
consegue ser sustentada unicamente pela monstruosidade de Godzilla, ou, ainda, que a
monstruosidade de Godzilla pode ser prejudicial ou diminuidora de seu potencial de
popularização. Eis o dilema artístico apresentado. O embate entre a manutenção da
monstruosidade original e a construção de uma monstruosidade mais antropomórfica, algo
desajeitada e suave, foi vencido não pela diretriz artística mais congruente e ousada, mas
sim pela orientação comercial, menos relevante. O uso das coreografias típicas da luta livre
acentua o efeito de “domesticação da monstruosidade, através da produção de uma
narrativa que antropomorfiza Godzilla” (IGARASHI, 2011, p. 288-289).
Igarashi pondera que, mesmo com esse enfraquecimento da orientação artística
original e com todas as alterações na estratégia da narrativa da franquia, a sequência de
Godzilla mantém sua conexão com as marcas da guerra e à resistência ou resolução final
das tensões entre Japão e EUA fomentadas pela narrativa fundadora. No filme o monstro é,
assim como um inseto, atraído durante a noite pelas luzes da cidade de Osaka,
comportamento similar ao Godzilla do primeiro filme, atraído pelas luzes de Tóquio. Uma
limitação com relação à iluminação é estabelecida a fim de evitar a entrada de Godzilla na
cidade. De acordo com Igarashi, essa sequência faz alusão ao período da guerra em que
havia receio de que as luzes pudessem atrair os bombardeiros americanos B-29, criando
regulação vivida pelos japoneses neste período.
Em 1956, incentivada pelo sucesso comercial de Godzilla no Japão, a Columbia
Pictures adquire os direitos do filme e o lança nos EUA com o nome de Godzilla, Rei dos
Monstros. O filme foi retalhado e reconstruído, havendo mais de 20 minutos de corte no
material original. Além disso, foram inseridas novas cenas apresentando um personagem
estadunidense, interpretado por Raymond Burr.
84
Tal reconstrução, por suas características, demonstra um profundo desrespeito com
o material fonte, uma vez que a inserção de um personagem nacional, a retirada de material
e a nova composição da edição fazem desvanecer a obra inicial em prol da constituição de
uma obra derivada que serve muito mais a propósitos comerciais do que a intuitos criativos
ou semióticos.
Assim, com o passar dos anos, as produções subsequentes protagonizadas pelo
monstro vão se distanciando das memórias de guerra e o poder crítico de Godzilla vai
definhando (Igarashi, 2011). Dentro desse contexto, trata-se do declínio do poder crítico,
muito ancorado na perda das metáforas originais, considerando que o distanciamento do
eixo narrativo tradicional faz perder a linha de argumentação típica da obra originária, que
tinha muito a representar em termos sociais e históricos.
Seguindo essa linha de raciocínio da indústria, em 1962 o personagem Godzilla
retorna ao cinema em um duelo contra um ícone do cinema dos EUA, King Kong. O filme
original do personagem símio provavelmente inspirou a própria criação de Godzilla. No
filme, intitulado King Kong contra Godzilla, os monstros se enfrentam em terras nipônicas.
Segundo Sato (2007), a produção de 1962, como visava atingir o público infantil, é rodado
em cores, apresentando uma versão heroica do monstro japonês. Igarashi (2011) realça que
o filme deixa de lado a atmosfera soturna enfatizada pelo preto e branco dos dois primeiros
filmes. Além disso, para o autor, o filme replica a narrativa fundadora do pós-guerra,
abrindo mão de qualquer noção crítica mais vinculada aos sentidos primordiais e
inaugurando uma linha metafórica diferente:
(...) os EUA salvam o Japão do monstro japonês. Além do que, é também uma mulher, nesse caso japonesa, que se torna objeto de desejo de King Kong. Há até uma cena em que King Kong fica em cima do Prédio da Assembleia Nacional com a mulher em sua mão, representando, destacadamente, o sentido de salvação: submissão sexual aos EUA. (IGARASHI, 2011, p. 291-292)
Embora menos atenta aos problemas suscitados nas primeiras produções, King Kong
contra Godzilla alcançou sucesso, com mais de 12 milhões de ingressos vendidos somente
no Japão. De qualquer forma, é importante apontar que nesse filme se as metáforas
originais foram perdidas, a narrativa de domínio não apenas da indústria cultural, mas
também do país interventor, fez-se presente. O fato dos EUA salvarem o Japão do monstro
85
japonês, em larga medida é trazida da situação histórica de intervenção estadunidense sobre
o Japão após a 2ª Guerra Mundial. A presença de uma mulher japonesa nas mãos do
“salvador” oriundo dos EUA sobre o prédio da Assembléia Nacional não deixa dúvidas
quanto a isso.
A transformação da figura monstruosa de Godzilla é ainda reforçada nas
continuações da franquia. Em Sandai Kaiju Chikyu (Godzilla versus rei Ghridah) de 1964,
ano das olimpíadas em Tóquio, Godzilla completa sua metamorfose. Torna-se, afinal, um
herói ao estabelecer uma aliança com os monstros Mothra e Rodan, com o objetivo de
defender a humanidade contra o monstro vindo de outro planeta, Rei Ghridah.
O processo de transformação da figura monstruosa em uma figura heroica coroa a
depauperação da metáfora de monstruosidade original. Ainda que desde os primórdios a
figura monstruosa de Godzilla tenha também ares de um estandarte de aviso com relação a
problemas sócio-históricos, em especial com relação ao poder nuclear, o personagem
mantém sua característica monstruosa e atua através dela. A adição de um caráter
definitivamente heroico a Godzilla é contrária à sua delimitação inicial enquanto
personagem, reduzindo seu horizonte semiótico a uma esfera de maior obviedade e menor
polissemia.
O processo de antropomorfização e domesticação de Godzilla chega ao seu auge no
oitavo filme da série, Son of Godzilla, lançado em 1967, que concede a Godzilla a
paternidade. Segundo Igarashi, com a presença de Manilla, nome do filho do monstro, e,
em especial, sua capacidade de se comunicar em japonês instaura-se a “domesticação
derradeira da monstruosidade” (2011, p. 293).
Ainda de acordo com o Igarashi, o Japão da década de 1960 apresentava sinais de
otimismo exacerbado, inspirado pelo crescimento econômico, que não mais comportava as
trevas dos dois primeiros filmes e reservava para os monstros nada mais que o papel de
figura caricata. Este caráter caricato pode ser facilmente notado na figura 27, abaixo, na
qual se pode perceber o quanto o corpo de Manilla tem curvas suaves e arredondadas. O
“monstro” apresenta rosto amigável e expressão alegre, em completa quebra de vínculo
com a imagem de seu pai, cuja constituição corporal era marcada pela agudez e pela
dureza.
86
Figura 27. O filho de Godzilla – antropormifização do monstro.
Ishiro Honda, responsável pela direção dos seis primeiros filmes da franquia,
afirmou que inicialmente as crianças não foram consideradas como público do Godzilla.
Entretanto, a imagem acima não deixa dúvidas quanto ao redirecionamento das produções
para o público infantil ocorrido a partir da década de 1960, corroborando a ideia de
transformação do monstro a cada nova produção da franquia. Este redirecionamento
afetaria negativamente e de forma notável a produção das obras.
Fazendo a contraposição entre a imagem do Godzilla e a imagem de seu filho
(figura 27, acima), podemos notar o quanto o empobrecimento das metáforas originais do
filme são proeminentes. Basta pensar no processo de suavização e de antropomorfização da
monstruosidade que pode ser visto, partindo de Godzilla e chegando a Manilla. A diferença
entre um monstro ameaçador e um “humano monstrificado”, com ares de Golem benéfico,
a ruptura que há entre um ser hediondo e seu filho de imagem domesticada, não deixam
dúvidas quanto à interferência dos fins comerciais no desenvolvimento da franquia,
87
evidenciando o quanto essa interferência empobreceu as significações primeiras, mais
profundas.
Além das inúmeras sequências e adaptações, a figura do monstro migraria para
outros segmentos. Uma longa série de brinquedos e de outros artefatos com a marca
Godzilla foram produzidos, desde a estreia do filme em 1954. Empresas como Bullmark,
Marusan e Bapresto, colocaram no mercado uma variada gama de produtos. Os brinquedos,
pensados no contexto da atividade lúdica da brincadeira, podem ser considerados uma
forma de disponibilizar um processo de recriação da história do monstro. Neste momento,
porém, o que mais nos interessa é a exploração da figura monstruosa como instrumento
comercial. A imagem abaixo é emblemática dessa exploração, e nos dá a medida da
utilização de Godzilla pela indústria.
Figura 28. A desconstrução da imagem do monstro – porta papel higiênico.
Na figura acima, a transformação do monstro em item de comércio e o
enfraquecimento das metáforas originais atinge um grau quase máximo – de representante
da ameaça nuclear e repositório das memórias de guerra japonesas, Godzilla passa a suporte
88
de papel higiênico. Ainda que na embalagem a figura do monstro guarde bons resquícios de
sua construção inicial, e ainda que seja adicionada de onomatopeias e olhos vermelhos
ameaçadores, a desconstrução das significações é tão grande que instaura uma atmosfera
cômica e risível sobre um objeto que primordialmente não continha esses direcionamentos
artísticos e semânticos.
Tal apropriação permite conexão com um caso ocorrido no Brasil: o chamado
“Incidente de Varginha”. O caso seria o de supostas aparições de objetos voadores não
identificados na cidade de Varginha, Sul de Minas Gerais, em 1996. O episódio foi
investigado e posteriormente esclarecido de maneira oficial como um mal-entendido. O
desenvolvimento investigativo do fato não nos interessa tanto, mas, sim, o desenvolvimento
comercial que o caso tomou, passando de “sério” a “pitoresco e humorístico”. A exploração
comercial do incidente deu-se em múltiplos níveis, foi adotada tanto pelas autoridades
locais quanto por empresas interessadas em explorar seus potenciais. As figuras 29, 30 e
31, abaixo, ilustram esse processo.
Figura 29. Estátua do ET de Varginha.
89
Figura 30. Caixa d’água em formato de disco voador.
Guardadas as devidas proporções e
significações, o processo de exploração comercial
gerado sobre o incidente de Varginha é muito próximo
ao que ocorreu com a depauperação das metáforas em
Godzilla. Em ambos os casos, as perdas cognitivas são
ocasionadas pela apropriação para fins diversos dos
originais e reforçadas pela antropomorfização e pela
infantilização dos personagens.
A estátua do ET (figura 289, a caixa d’água
(figura 30) e a história em quadrinhos (figura 31) que
tem o ET como personagem são exemplos claros do
tipo de exploração comercial relacionada à que foi
instalada sobre a figura e sobre os significados
originários de Godzilla. No caso do ET, como no caso do monstro, uma criatura em
princípio ameaçadora é tornada familiar e humana. O ET alegremente pisca um olho e
segura um mapa do estado, sua “espaçonave” serve à população da cidade como depósito
de água e ele também pode ser um “novo amiguinho espacial” (figura 31). Tanto no caso da
Figura 31. História em quadrinhos que usa o ET como personagem.
90
representação comercial do ET de Varginha como no caso da constituição física de Manilla,
a antropomorfização, a suavização da figura monstruosa e o empobrecimento das metáforas
originais estão fortemente presentes.
Em 1978, através da coprodução do estúdio Hanna Barbera e da TohoProduction,
foi produzida a série animada protagonizada por Godzilla. A história apresenta as aventuras
de uma equipe de cientistas a bordo do navio Calico, liderado pelo Capitão Carl Majors.
Durante a aventura é introduzido também o personagem Godzooky, o “primo covarde” de
Godzilla. Através de um comunicador, a equipe era capaz de chamar o monstro em
situações de perigo. Os episódios sempre apresentavam ao público algum aparato científico
com proposta educacional.
Figura 32. A versão animada de Godzilla.
Conforme se pode notar na figura acima, não há um processo de antropomorfização
do monstro, mas é mais uma vez evidente a suavização da figura. Muito diferentemente do
monstro de 1954, Godzooky tem curvas suaves e expressão amigável. Embora não seja
uma figura tão depreciativa quanto Manilla, Godzooky tem feições arredondadas, sua linha
de barbatanas nas costas é suave, muito diferente das pontiagudas e angulosas barbatanas
do Godzilla. Além disso, Godzooky é muito mais um mascote do grupo do que uma figura
monstruosa com qualquer significação mais aguda.
91
Ademais, uma vez que há a utilização dos episódios para fins didáticos com o
ensinamento sobre aparatos científicos, as significações ficam muito subordinadas a esse
fim. Mais uma vez, muito distante da obra original, as metáforas, se existem e se é possível
chamá-las assim, são subordinadas a uma função, o que enfraquece o poder metafórico.
Assim como no caso de Godzilla, o sucesso de Ultraman levou à sua expansão para
outras linhas de produtos. Figuras de ação foram fabricadas por algumas empresas como
Marusan, Bullmark, Bandai e mais recentemente pela Medicom. Como na exploração
comercial de Godzilla, em muitos casos Ultraman e os monstros por ele combatidos são
representados com feições caricatas e infantis, como é o caso da linha SD (Super
Deformed), estilo de caricatura japonesa na qual os personagens são apresentados com o
tamanho da cabeça e dos olhos aumentados e corpo atarracado, tentando aproximar-se das
proporções de uma criança pequena, afastando-se de suas referências iniciais. A linha SD
de Ultraman ganhou também uma adaptação para os videogames reproduzindo o mesmo
estilo infantil (figura 33).
No caso ao lado, há uma
suavização e infantilização da figura do
herói, com claros fins comerciais. O
personagem é tornado caricato, e sua
seriedade é revestida de conteúdos infantis
e de um humor agregado. Mesmo os
monstros, que aparecem no fundo da
imagem acima são revestidos dessa
atmosfera de não seriedade e
caricaturização.
Essa depauperação imagética é
diversa de Godzilla, mas cumpre as
mesmas funções. Se Ultraman
originalmente é um humanoide, a
derivação acima perde o antropomorfismo
mais proporcional e decai para um
antropomorfismo mais fantasioso, inserindo-se numa ludicidade na qual a série não estava
Figura 33. Capa de game para o console Game Boy, da Nintendo.
92
inscrita. No caso dos monstros, a infantilização das figuras não os faz destoar tanto das
figuras originais, que já são, em si, algo caricatas. Mas, de qualquer modo, a mera inscrição
dos monstros em um contexto mais infantilizado faz perder a semântica de base da série.
A popularidade da imagem de Ultraman passa a ser usada também como agente
agregador de valor para variadas marcas. Recentemente o personagem foi usado para
promover o lançamento de um novo produto da operadora japonesa de celular Softbank, o
roteador ultra wi-fi 4G.
Figura 34. Ultraman no lançamento do roteador ultra wi-fi da Softbank.
A simples utilização do personagem como garoto propaganda não deixa dúvidas
quanto à redução da significação do personagem. De entidade combativa de males que
afetam a sociedade japonesa e, de uma maneira mais geral, afetam também o ecossistema
mundial, Ultraman passa a vendedor de roteadores e a representante de uma corporação.
Portanto, o personagem sai de uma esfera de significação de herói para uma esfera mais
baixa, de instrumento de vendas.
A subordinação de figuras emblemáticas a fins comerciais não é novidade. Porém,
quando esta subordinação atinge um ícone cujo escopo suscita significações maiores,
93
típicas da construção do caráter heroico, sujeitando a figura do herói à atuação como mero
coadjuvante de uma ação comercial, está sujeitando a direcionamentos corporativos não
apenas sua figura como também o que essa figura representou ao longo dos anos, o que
definitivamente comparece como demérito.
Como no caso da desconstrução acima apresentada, relativa ao personagem
Ultraman, os significados originais da série Spectremen e, em especial, sua figura heroica e
as figuras dos vilões são também atingidos pela estética SD, com sua característica
deformação caricatural de perspectiva, voltada para a representação das proporções
corporais de criança. Tal desconstrução afasta Spectremen de suas referências estéticas,
inserindo-o em um contexto infantil e infantilizante, muito diferente do contexto inicial da
série.
Figura 35. Personagens SD de Spectreman.
A produção dos personagens SD de Spectreman obedece também à lógica de
suavização e infantilização da figura do herói com fins comerciais. O que se abala com sua
94
caricaturização é a seriedade do herói e de seus antagonistas, que se torna repleta de
conteúdos infantis e de um humor latente. A imposição de uma ludicidade de matriz infantil
em personagens que não a portavam e o consequente empobrecimento das metáforas
originais fica evidente se pensarmos que a infantilização das figuras torna, como se pode
notar na figura acima, herói e vilões em figuras desajeitadas.
A figura SD de Spectreman guarda em si uma postura corporal que remete à
dignidade e heroicidade. As figuras do Dr. Gori e seu ajudante guardam, respectivamente,
um sentido de autoridade4 e de combatividade. Todavia, a deformação oferecida pela
perspectiva SD entra em choque com essas posturas corporais, tornando-as inócuas ou, no
mínimo, tão suavizadas quanto possível, o que direciona as figuras para a infantilização que
faz empobrecer os significados primários da série.
Na mesma direção semântica que a desconstrução das figuras SD de Spectreman,
encontramos as representações do personagem transformado em brinquedo de banho e em
brinquedo de corda, que podem ser conferidas nas figuras 36 e 37.
Figura 36. Brinquedo de banho.
4 Vale reparar que a figura do Dr. Gori, com sua mão levantada, remete à saudação nazista para Hitler.
95
Figura 37. Brinquedo de corda.
Ambas as representações acima são distorções bastante proeminentes dos sentidos
primordiais. O que imediatamente assoma é a evidente comercialização direcionada ao
público infantil, também em voga na representação SD, mas, o que nos parece mais
importante é o sentido específico dessas duas distorções. Tanto o brinquedo de banho
quanto o brinquedo de corda trabalham com o arredondamento das formas. A figura do
personagem Spectreman, inicialmente mais angulosa, é suavizada e arredondada para que
circule com maior familiaridade pelo universo lúdico das crianças. Com tal processo
agregado, ocorre a vulgarização da imagem do herói, que passa a ser inscrita em um
universo dúbio no qual sua seriedade heroica são atribuídas características de suavização,
deformando os sentidos originais.
Além disso, não se pode deixar de apontar a radical mudança de contexto. A
retirada do herói de seu eixo espaço-temporal de origem e sua inscrição no universo desses
dois tipos de brinquedo é bastante significativo.
96
A representação de Spectreman como um brinquedo de banho transfere o
personagem do contexto da série para um espaço de significações em que este pode figurar
penas como acessório. Transfigurado em uma distração para que a criança se aquiete ou
fique mais tranquila e dócil durante o ritual de limpeza, Spectreman passa a ser percebido
também como um herói portador destas qualidades de distração, tranquilidade e docilidade.
Tal significação passa a ser paralela à significação originária do herói, criando um
movimento de contraposição que trabalha para a decomposição dos significados
primordiais da série.
O brinquedo de corda faz um movimento ainda mais desconstrutor da imagem
original do herói. Retirando Spectreman de seu contexto e representação heroicos, inscreve-
o no universo dos brinquedos e, ainda mais, no universo dos autômatos. Tradicionalmente,
nos aparelhos movidos a corda, como relógios, o ato de “dar corda” representa uma
instrução irrevogável para a realização de ações automáticas e incontestáveis. Como um
relógio de corda não tem opção de não começar ou continuar a trabalhar a partir do
momento em que é acionado, salvo se estiver danificado, também o herói, via sua
representação infantilizada, passa a ser um instrumento que recebe uma ordem e a executa,
invariável e repetidamente.
Essa nova esfera de significação é, a nosso ver, mais potente que a do brinquedo de
banho. Por isso, prejudica ainda mais os significados originais do que a outra. Em se
tratando de um herói, tradicionalmente dotado de destreza física e qualidades éticas
incorruptíveis, realizador de tarefas que o exigem em altos níveis, sua transformação em
um autômato de brinquedo, que após receber uma ordem ou carga de energia converte-se
em um instrumento repetidor de ações mecânicas previamente programadas, é algo que
pode ser considerado um desastre semântico.
Jaspion, assim como as produções anteriores do gênero, teve seu nome vinculado a
dezenas de subprodutos como uma linha de brinquedos, produzida pela Bandai, e revistas.
Uma vez que a popularidade da série O Fantástico Jaspion no Brasil foi bastante elevada,
contou com desenvolvimentos comercias de várias ordens, tanto de espectro mais comercial
quanto em termos de apropriações bastante típicas do contexto cultural brasileiro, como a
transformação do personagem em atração circense. Esses produtos e apropriações serão
tratados a seguir.
97
A verve comercial ligada ao personagem Jaspion pode ser sentida na construção
industrial de sua representação como action figure, expressão que pode ser traduzida como
“figura de ação”, nome mais especializado para os populares “bonecos”. A fábrica de
brinquedos Glasslite usou como base para a produção da action figure do personagem
Jaspion o corpo já fabricado do personagem Robocop.
Tal decisão relativa ao processo de fabricação
da action figure, além de indicar algum insucesso do
personagem Robocop, indica também um descuido
com a peculiaridade estética do personagem Jaspion.
A utilização de uma matriz já pronta, relativa a um
personagem com a constituição física bem diferente,
é obviamente ancorada em uma diretriz de produção
comercial não vinculada à fidelidade aos significados
primordiais da série, ferindo significativamente sua
estética.
Assim
como nos
casos de
Ultraman e Spectreman, Jaspion também teve
representações que se encaixam na estética SD. O
caso de representação de Jaspion recolhido desse
contexto é, talvez, o que mais se distancie dos
sentidos iniciais da série, uma vez que apresenta
tanto a deformação da perspectiva original quanto a
transformação do personagem em um objeto de
utilidade imbuído de um senso de extravagância
pejorativa.
Como se pode conferir na figura 39, o personagem Jaspion foi transformado em um
chaveiro. A estética do personagem chaveiro é derivada das representações SD, embora não
seja uma representação SD tradicional. A cabeça do personagem é ligeiramente maior do
Figura 38. Boneco produzido pela Glaslite, aproveitando a matriz do corpo do boneco Robocop.
Figura 39. Chaveiro SD.
98
que seria em uma proporção correta, mas o exagero não é tão grande a ponto de ser
classificado como uma representação SD “clássica”.
O corpo do personagem também é achatado e atarracado. Apesar da figura
apresentar uma postura combativa, a junção da cabeça e do corpo, esteticamente
distorcidos, cria uma impressão de ridículo facilmente perceptível. Este fator aliado à
função de chaveiro da figura, cria um objeto extravagante, podendo ser considerado “de
mau gosto”. Ainda que justamente por esse caráter “de mau gosto” o objeto possa tornar-se
interessante, se inscrito na esfera do inusitado, isso não anula seu sentido premente de
desconstrução dos sentidos primordiais da série, principalmente no que tange à
ridicularização de seu protagonista.
Na figura ao lado encontramos um caso
emblemático da dissociação dos sentidos originais da
série Jaspion, na forma de inserção do protagonista
no contexto de espetáculos circenses.
Não se trata de um apontamento crítico com
relação ao espetáculo circense de maneira geral, nem
a um espetáculo circense em particular. Obviamente,
sabemos que o circo é uma das esferas de
comunicação, arte e espetáculo das mais privilegiadas
do ponto de vista do desenvolvimento de uma
semântica peculiar, apresentando um elevado índice
de elaboração conceitual, estrutural e temático.
Todavia, para os fins deste trabalho, devemos apontar
o que a inserção de um personagem como Jaspion,
dentro de um contexto circense de espetáculo, traz para a série em si, no tocante ao
enfraquecimento e ao desvio dos significados inicialmente desenvolvidos.
Uma vez que o espetáculo circense é composto por um elenco bastante variado e
atrações apresentadas em sequência, é importante perceber que a inserção de uma
encenação realizada com um personagem de tokusatsu só pode estar inscrita neste âmbito.
Mesmo que a encenação com o personagem Jaspion possa ter destaque na programação do
circo, o simples fato de constar como figurante em uma lista de atrações variadas faz com
Figura 40. Apresentação circense com o personagem Jaspion.
99
que a atração, de alguma forma, perca sua integridade significante se pensada como uma
unidade de significado.
Uma atração singular, portanto, é vista mais como parte de um espetáculo geral do
que como uma atração em si, com seus significados particulares plenamente expostos e por
isso perceptíveis como unidade semântica. Além disso, podemos pensar que para uma
atração importa muito as apresentações que lhe são imediatamente precedentes e as que lhe
seguem.
No contexto circense é muito diferente quando uma atração é precedida por um
show de palhaços ou por uma apresentação do Globo da Morte. Um show de palhaços
normalmente é carregado de ironia e apresenta o desenvolvimento de um sentido de
comédia burlesca, ao estilo pastelão. Uma apresentação do Globo da Morte é marcada por
uma atmosfera de tensão e perigo. Tais atmosferas semânticas impregnam a atração
seguinte com seus próprios significados. Uma representação relativa ao personagem
Jaspion estaria, então, imbuída de um certo tom inicial de pastiche, se precedida por um
show de palhaços, ou um certo tom de ameaça, se precedida por uma apresentação de
Globo da Morte. Ao mesmo tempo, a apresentação de Jaspion imprime sua própria nuance
à apresentação posterior.
Tal efeito é típico do circo e incontornável em qualquer espetáculo circense. Como
dissemos, não é nosso intuito depauperar esse efeito, mas apontá-lo como parte do processo
de desconstrução dos sentidos originais da apropriação do personagem Jaspion no universo
circense. A simples inserção de uma série de tokusatsu em um ambiente cultural que lhe é
alheio já seria suficiente para o empobrecimento ou, no mínimo, para o desvio de seus
significados. A inserção da representação relativa à Jaspion em uma série de atrações que
guarda significados individuais de ordem múltipla também promove essa dissociação.
Tanto o personagem Jaspion quanto alguns desenvolvimentos conceituais e
temáticos da série, bem como conceitos do próprio gênero tokusatsu, dissolvem-se. Assim,
ficam quase totalmente desvinculados e perdidos de seus significados primeiros, inseridos
em uma atmosfera de vaudeville que, como já apontamos, não é em si demeritória, mas que
desvirtua as significações originais.
Nas duas figuras abaixo encontramos a transformação da série Jaspion em dois
álbuns de figurinhas, ambos publicados no Brasil. O primeiro é dedicado exclusivamente ao
100
personagem (figura 41), já o segundo é um álbum no qual o personagem Jaspion figura ao
lado dos heróis da série de Super Sentai Changeman (figura 42).
Figura 41. Álbum de figurinhas exclusivo do personagem Jaspion.
Figura 42. Álbum de figurinhas dos personagens Jaspion e Changeman.
101
O álbum de figurinhas tem um processo de representação peculiar, representando
seus objetos por meio da reprodução de ilustrações e/ou de fotografias. Assim como no
caso do circo, não se trata de condenar essa estrutura, mas de pontuá-la para pensar suas
implicações no entendimento dos significados iniciais da série Jaspion.
Nos álbuns citados acima, os personagens e momentos marcantes dos episódios da
série são apresentados na forma de frames retirados dos episódios. As ilustrações seguintes
(figuras 43 e 44) demonstram essa dinâmica.
Figura 43. Interior do álbum de figurinhas Jaspion/Changeman.
102
Figura 44. Interior do álbum de figurinhas Jaspion/Changeman.
Nas duas figuras acima, a estrutura típica do álbum de figurinhas dá-se a ver, sendo
possível perceber que o objetivo dos álbuns é a representação e a (re)apresentação do
protagonista, de outros personagens e de elementos da série, como os monstros. Para uma
série televisiva, um álbum de figurinhas “presta um serviço” interessante, uma vez que a
apresentação dos personagens e seus conflitos pode despertar o interesse por parte de novos
espectadores, como aprofundar o interesse de espectadores já iniciados ou de fãs
arraigados.
Desse modo, em especial para novos espectadores, os álbuns funcionam como
matriz do interesse pela série e como uma útil desconstrução da mesma, permitindo navegar
por seus elementos semânticos de maneira orientada, com vistas a uma possível imersão
posterior de natureza mais profunda. Mas, sob outra ótica, os álbuns, ao trabalhar com essa
estrutura que lhes é inerente, ao mesmo tempo em que promovem essa útil desconstrução,
também promovem incontornavelmente um processo de desvinculação dos significados das
imagens selecionadas com os episódios dos quais são retiradas.
103
Torna-se evidente o caráter de interesse comercial do álbum. Ainda que trabalhar
em prol da divulgação da série não seja demérito para nenhum instrumento que opere nesse
sentido, a constante e obrigatória desvinculação das imagens de suas fontes é o fator que
pode criar um ambiente de percepção no qual as metáforas originais potentes sejam
dissolvidas em uma série de imagens dissociadas de seus contextos. Assim, podem
funcionar como construtoras de uma nova imagem da série, certamente mais pobre.
No caso da adaptação para as
histórias em quadrinhos (figuras 45 e 46),
o que está em cena é o processo de
empobrecimento dos significados
primordiais na forma da desvinculação
com suas metáforas de base e com o
contexto inicial da série.
Conforme se pode
perceber pelas ilustrações, as histórias em
quadrinhos de Jaspion não são atentas ao
contexto de significações da série, esquecendo
as demandas histórico-culturais e construindo a
imagem do herói em conformidade com um
modelo que privilegia a mera representação das lutas pela estética da luta em si, e não pela
via da crítica tecida originariamente pela obra.
Figura 45. Adaptação da série Jaspion para história em quadrinhos no Brasil.
Figura 46. Adaptação da série Jaspion para história em quadrinhos no Brasil.
104
Outra forma de desconstrução dos significados da série Jaspion é a tradução e a
adaptação da trilha musical japonesa para o contexto brasileiro. Não só os arranjos musicais
como as letras das músicas originais foram alteradas, para as quais nos dedicaremos com
mais atenção. No entanto, é importante apontar que os primeiros arranjos das músicas da
série são, em geral, mais elaborados, enquanto que os arranjos das canções gravadas em
português costumam ser bastante próximos de registros típicos de música infantil.
Tal fato pode estar ancorado no grande número de programas infantis de sucesso no
Brasil, à época do lançamento e veiculação da série Jaspion no país. Esse processo, ainda,
coaduna-se com processos citados acima, como a transformação da estética tradicional do
personagem em uma estética SD, bem como à criação de álbuns de figurinhas e de histórias
em quadrinhos do personagem, ações que tinham como meta atingir o público infantil.
Para demonstrar como se dá o processo de empobrecimento dos significados
originais da série na tradução das letras, elegemos a música Ginga no taazan, que em
japonês significa Tarzan da Galáxia. A capa do álbum brasileiro no qual a canção está
inserida é apresentada abaixo.
Figura 47. Capa do álbum O fantástico Jaspion.
105
A letra original é apresentada abaixo:
Ginga No Taazan Chichi wo Shiranai Haha wo Shiranai
Mukumori Saemo Oboe Teinai Dakedo Ore ni wa Nakama ga Iru sa Dare Yo Rimo Atsui Wakasa ga Aru
Ore wa Ginga no Taazan
Yoake wo Tsureta Taiyou ni Naru Yasei no Inochi Jiyuu na Yume wo
Omoikiri Moyashite
Iki ga Tsumaru ze Semari Kono Machi Imari Darake no Sewashii Kurashi
Sousa Ore ni wa Uchuu ga Ie sa Ano Hoshikuzu ga Furusato no Hi da
Ore wa Ginga no Taazan
Hikari wo Koete Mirai wo Tsukamu Hito ga Wasureta Seman wo Motome
Ikite Yuku Otoko sa
Ore wa Ginga no Taazan Hikari wo Koete Mirai wo Tsukamu
Hito ga Wasureta Seman wo Motome Ikite Yuku Otoko sa
Dada a escolha desta música, não podemos deixar de apontar a relação que se faz,
tanto no título quanto na letra, ao personagem Tarzan, de Edgar Rice Burroughs. O ponto
de intersecção dos personagens parece ser o fato de ambos serem órfãos. Tarzan é criado
por macacos na selva africana após um desastre de avião no qual morrem seus pais e
Jaspion um alienígena que não tem pai nem mãe.
Essa proximidade talvez seja a inspiradora da relação, mas há mais que isso. Uma
vez associado a Tarzan, como o “Tarzan da Galáxia”, todas as significações atribuídas ao
personagem Tarzan acabam por sobrepor-se ao personagem Jaspion. Nesse sentido, é
importante perceber que três das cinco estrofes da letra iniciam com o verso “Eu sou o
Tarzan da Galáxia”.
Tarzan é um sobrevivente, atlético, guerreiro e heroico. Perde-se na selva quando
criança, é criado por macacos e retorna à civilização. O percurso empreendido pelo
personagem é típico de uma jornada de herói nos moldes mais clássicos. É precisamente
106
esta relação, além dos predicados de coragem e destreza física, que fica acentuada quando
se nomeia Jaspion como Tarzan.
Tal relação é importante para entender a composição da letra da música e também
para que se entenda o enfraquecimento dos significados originais na adaptação para o
português. Conforme se verá, a letra em português não é uma tradução da letra em japonês,
mas uma letra diversa, ao gosto dos parâmetros da indústria cultural no Brasil, tecida sob a
égide das orientações de mercado e para a veiculação da série no contexto brasileiro.
A seguir, reproduzimos a tradução direta do japonês e tecemos alguns comentários
acerca dos significados originais nela presentes:
Tarzan da Galáxia
Não conheço o meu pai, não conheço a minha mãe Nem me lembro do carinho deles
Mas eu tenho amigos Eu estou mais vivo do que um jovem
Eu sou o Tarzan da galáxia
Serei acompanhado pelo sol do amanhecer Vida selvagem e sonho com a liberdade
Vivendo ardentemente
Eu me afogo nesta pequena cidade Vivendo sob muitas regras
Sim, minha casa é o universo Essas estrelas são a luz da minha terra
Eu sou o Tarzan da galáxia
Ultrapassando a luz e me agarrando ao futuro Olhando para a aventura que as pessoas esqueceram
Sou um homem que vive assim
Eu sou o Tarzan da galáxia Ultrapassando a luz e me agarrando ao futuro
Olhando para a aventura que as pessoas esqueceram Sou um homem que vive assim5
(YAMAKAWA; WATANABE, 2004)
Os dois primeiros versos da letra, “Não conheço o meu pai, não conheço a minha
mãe/ Nem me lembro do carinho deles”, constroem a imagem de Jaspion como órfão. O
último verso da primeira estrofe, “Eu estou mais vivo do que um jovem” e os versos
5 Tradução nossa.
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seguintes da segunda estrofe, “Eu sou o Tarzan da galáxia/ Serei acompanhado pelo sol do
amanhecer/ Vida selvagem e sonho com a liberdade/ Vivendo ardentemente”, posicionam
Jaspion como herói ativo e como herdeiro dos predicados de coragem de Tarzan, inclusive
com menção ao contexto geográfico do personagem de Burroughs.
Podemos perceber que o índice de elaboração semântico da canção é elevado, não
apenas pela composição conjunta que se faz dos dois personagens, mas por detalhes como o
do segundo verso da segunda estrofe, “Serei acompanhado pelo sol do amanhecer”. A
figura do sol, evocada em uma letra que relaciona os personagens Tarzan e Jaspion, pode
ser pensada como símbolo tanto da geografia africana típica das histórias de Tarzan, quanto
como representação da bandeira japonesa, oficialmente nomeada “Bandeira do Sol”, na
qual um círculo vermelho figura sobre um fundo branco.
No terceiro verso da terceira estrofe, “Sim, minha casa é o universo”, o personagem
Jaspion é posicionado como um viajante. Portanto, Jaspion não tem uma casa definida ou
uma origem precisa, assim como Tarzan. Os terceiros versos da quarta e da quinta estrofes,
“Olhando para a aventura que as pessoas esqueceram”, reforçam a imagem de Jaspion
como viajante e, mais diretamente, o posicionam como consciente de um sentido de
aventura que escapa às pessoas, de maneira geral.
Como se pode notar, as construções semânticas da letra original são complexas.
Jaspion é relacionado a Tarzan para que possa ser carregado de suas características
intrínsecas; é constituído como órfão, sem origens, como viajante e aventureiro e, ainda,
faz-se uma relação entre figuras do contexto histórico cultural da África e do Japão (o sol
africano/a bandeira japonesa). Já na construção da letra em português, os significados
iniciais são esquecidos e confundidos. Este fato, somado ao arranjo infantilizado da música
gravada em português, constitui a canção Guerreiro vencedor como um dos símbolos
máximos do depauperamento dos sentidos primordiais da série. A seguir, reproduzimos a
letra:
Guerreiro vencedor A história se repete
E a lição não se esquece Novamente posso ter
Esperanças no amanhã
Vejo novos tempos em guerra
108
E creio na justiça Toda luta que se faz pela paz
Vai valer
Guardo em mim A força do amor
Tenho sim Coragem pra continuar
O universo é o lar
Do Guerreiro Vencedor Juro, eu vou seguir
Até o fim (FERREIRA, 1989)
Em comparação à letra da canção original, a versão em português parece, no
mínimo, principiante. Fica excluída a comparação entre Jaspion e Tarzan, o caráter de
viajante, órfão ou “sem casa” do personagem e sequer há alusão ao sol, que evidencia tanto
os contextos nos quais estão inseridos o personagem de Burroughs quanto o personagem
japonês. Além disso, o universo resgatado pela letra em português é próximo a construções
ligadas a esforços motivacionais e a uma literatura de baixo escopo.
A construção semântica da letra em português não apresenta uma elaboração
profunda, mas, sim, uma orientação generalista que faz perder os significados trabalhados
inicialmente em Tarzan da Galáxia. O segundo e o terceiro versos da primeira estrofe da
canção em português são emblemáticos deste processo: “Novamente posso ter/ Esperanças
no amanhã”. Trata-se de uma construção retórica empobrecida, uma facilitação do
significado similar aos empregados em literatura de auto ajuda e uma generalização em prol
da popularização e infantilização dos significados que entra em total contraste com a
orientação da letra original.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação foi concebida com o intuito de esmiuçar aspectos estruturais,
conceituais e temáticos do gênero tokusatsu, com base na análise de algumas de suas séries
e filmes. A perspectiva inicial desenvolvida que colocava o tokusatsu como uma síntese de
influências estadunidenses e europeias com folclore japonês foi abandonada, em prol do
desenvolvimento de um viés mais ligado à representação de metáforas políticas.
As produções do gênero, à medida que eram analisadas, revelaram-se bastante
marcadas por questões políticas. Mesmo que as análises tenham evidenciado a forte
presença de tais questões, na concepção e na construção narrativa das obras analisadas,
percebemos que elas normalmente passavam despercebidas por conta de uma pré-
concebida vinculação do gênero com o público infantil.
Portanto, a pesquisa aqui desenvolvida teve como um de seus principais eixos a
desmistificação de tal concepção. O tokusatsu foi admitido como um campo rico em
aspectos comunicacionais e semióticos. Estes aspectos, ao orientar as narrativas do gênero,
os tornam construtos culturais complexos que expõem questões de suma importância no
contexto sócio-histórico japonês, em especial aquelas ligadas às consequências da 2ª Guerra
Mundial.
No entanto, não se restringem a este período. Os filmes e séries estudados foram e
continuam sendo importantes, tanto como resultado de um contexto sócio-histórico
específico como enquanto marcos culturais capazes de deixar rastros identificáveis e
marcantes.
Após a fartura que marcou a passagem dos anos 1970 para os 1980, os anos 1990
foram marcados por muitas adversidades, o terremoto na região Kansai, os atentados
terroristas da seita de Asahara, além da crise financeira. O Japão adentrou o novo milênio
assombrado pelo mundo pós-Akira (Akira é o nome de uma história em quadrinhos ao
estilo mangá, publicada originalmente de 1981 a 1993. A obra é assinada por Katsuhiro
Otomo, que dirigiu e roteirizou sua adaptação cinematográfica ao estilo anime, em 1998),
proposto pela animação de mesmo nome, que constituiu um grande sucesso de bilheteria, e
pirataria, no mundo todo. Esse desencantamento parece ter sido traduzido de duas
maneiras: gerando obras radicais que representavam a perda ou infantilizando os produtos e
110
transformando tudo em entretenimento e culto à juventude. Apesar da dificuldade em
identificar quando começou este processo, dois elementos estão sempre presentes, em certa
medida: o fenômeno otaku e a cultura pop.
O fenômeno otaku, que indiretamente constitui um certo contexto de várias questões
surgidas a partir das séries analisadas nesta dissertação, começou em 1983. O ensaísta Akio
Nakamori tinha 23 anos quando escreveu um artigo na revista em quadrinhos Buricco,
voltada ao público adulto, usando esta nomeação para falar do novo fenômeno que
começava a despontar entre os jovens. Porém, o termo ficou à sombra durante muitos anos,
aparecendo na mídia com mais força apenas em outubro de 1989 em uma situação bastante
trágica, que passaria a estigmatizar todos os envolvidos na nova cultura otaku. Um homem
jovem, de 27 anos, chamado Tsutomu Miyazaki matou quatro jovens meninas e passou a
ser considerado um típico otaku. A partir daí, todo teor romântico, que poderia ser sugerido
pela figura dos jovens tímidos preservados de qualquer acesso mais direto com a sociedade,
foi esquecido e o termo passou a designar o assassino perverso por natureza. Muitas
tentativas foram feitas para mudar a nomeação do fenômeno e tirar a marca do assassinato.
Surgiram, então, nomes como otakky e hobby-ist. No entanto, o melhor remédio foi mesmo
o tempo e as novas tecnologias que surgiram com a emergência de jogos como o futebol
otaku, o otaku de golfe, de asa delta, etc.
Um pouco como Peter Pan, não somente os otaku, mas boa parte dos japoneses
jovens passaram a evitar a passagem para a idade adulta. Assim, os computadores
tornaram-se máquinas de preservação da infância. Trata-se de uma mudança radical. Até a
2ª Guerra Mundial, o Japão era uma sociedade de ordem “confucionista”, na qual crianças
tinham grande importância para os adultos, os mais jovens respeitavam os mais velhos e
assim por diante. A ideologia militarista já não existia, no entanto, muitos de seus valores
continuavam sendo praticados. A geração logo após a guerra ainda se valia de alguns destes
princípios, mas a geração posterior, dos pais de quem nasceu nos anos 1960, assim como
todos os professores que ministraram aulas para essas pessoas, trataram de cultivar nas
crianças a ideia de que o passado estava enterrado e não havia como retomá-lo.
O lema tornou-se consumir e viver o momento. O que tem sido chamado de cultura
pop japonesa tem relação com este processo, uma vez que a referência mais importante
parece ser o imaginário desta juventude que não necessariamente gira em torno da
111
adolescência, mas pode e tem de fato chegado cada vez mais tardiamente a um público de
trinta anos ou mais.
Tudo isso está ligado a um fluxo de geografias culturais que no caso japonês
movimenta-se também como uma espécie de resistência, ainda que não deliberadamente
política resistente àquilo que o governo e as instituições japonesas sempre consideraram a
cultura nipônica: as artes tradicionais, as flores de cerejeira, a arte dos quimonos e assim
por diante. É sobretudo após os anos 1990, em meio à crise, que a cultura nipônica se torna
uma “tendência”, atravessando as estéticas tradicionais e se afirmando como pós-zen,
kawaii, com iconografias de anime espalhadas por t-shirts, louças, outdoors, moda,
emissões tecno-nipônicas na MTV, sushi bares e assim por diante.
Mais do que a sociedade exótica de gueixas e samurais, o Japão tornou-se o
protótipo da sociedade de consumo pós-industrial, fundada no fluxo acelerado de
informação que se contrapõe ao antigo estereótipo do tempo lento e intervalar da cultura
tradicional, transformando-se em ícone da comunicação de massa. É como se deixasse de
se tratar de uma alteridade exótica para, finalmente, surgir o reverso da moeda. Ou seja, o
Japão transformado na ponte mais estreita entre o extremo oriente e o extremo ocidente.
Os filmes do gênero tokusatsu analisados nesta dissertação, passaram por
transformações alimentadas por esses contextos. Se, como sugeriram Lakoff e Johnson, as
metáforas refletem modos de pensar e agir, nada mais natural que testemunhar a
despolitização e as novas tendências dos grandes personagens e heróis.
Considerando o Japão na segunda década do novo milênio, não há conclusões
definitivas. Há apenas uma série de questões que, para serem aprofundadas, precisam ser
acompanhadas durante mais tempo, possibilitando distância e análise crítica destes
fenômenos, os quais implicam não apenas na história do cinema japonês, mas nos
processos educacionais, nos modos de vida e comprometimentos com a comunidade que,
algumas vezes, parecem estar diluídos em redes de consumo.
112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS
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Hirata, Takashi Shimura e outros. Roteiro: Ishirô Honda, Takeo Murata. Música: Akira
Ifukube. Tóquio: Toho, 1954. (96MIN).
Músicas
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YAMAKAWA, Keisuke e WATANABE, Michiaki. Ginga no Taazan. In: Super Hero
Chronicle. Tóquio: Columbia Music Entertainment, 2004. 1 CD. Faixa 7
Séries
ESQUADRÃO relâmpago Changeman. Direção: Takao Nagaishi e outros. Intérpretes:
Haruki Hamada, Hiroshi Kawai, Shiro Izumi, Hiroko Nishimoto, Mai Oshii e outros.
Roteiro: Kyoko Washiyama, Hirohisa Soda, Kunio Fujii e outros. Música: Tatsumi Yano e
Katsumi Ono. Tóquio: TV Asahi, Toei & Toei Agency. 1985/1986. (Episódio 55).
FANTÁSTICO Jaspion, o. Direção: Akihira Tojo, Takeshi Ogasawara. Yoshiaki
Kobayashi. Intérpretes: Hikaru Kurosaki, Kiyomi Tsukada, Junichi Haruta e outros.
Roteiro: Saburo Hatte. Música: Michiaki Watanabe. Tóquio: Toei Company. 1985/1986.
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114
JIRAIYA, incrível ninja, o. Direção: Akihisa Okamoto, Tetsuji Mitsumura e outros.
Intérpretes: Takumi Tsutsui, Masaki Hatsumi, Megumi Sekiguchi, Takumi Hashimoto,
Noriaki Kaneda e outros. Roteiro: Susumi Takaku, Kenji Terada e outros. Música: Kei
Wakakusa. Tóquio: Toei Company. 1988/1989. (50 episódios).
KAMEN Rider Black. Direção: Satoshi Tsuji, Masao Minowa, Yoshiaki Kobayashi e
outros. Intérpretes: Tetsuo Kurata, Akemi Inoue, Ayumi Taguti, Takahito Horiuchi, Taro
Yoshida e outros. Roteiro: Shozo Uehara, Junichi Miyashita, Sho Sugimura e outros.
Música: Eiji Kawamura. Tóquio: Toei Company, Mainichi Housou. 1987/1988. (51
episódios).
KAMEN Rider Black Rx. Direção: Yoshiaki Kobayashi, Masao Minosawa e outros.
Intérpretes: Tetsuo Kurata, Jun Takanomaki, Rikiya Koyama, Megumi Ueno, Mahito
Akatsuka e outros. Roteiro: Taku Ezure, Junichi Miyashita, Kyoko Washiyama e outros.
Música: Eiji Kawamura. Tóquio: Toei Company e Mainichi Housou. 1988/1989. (47
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NATIONAL Kid. Direção: Nagayoshi Akasaka e Jun Kaoike. Intérpretes: Ichiro Kojima,
Tatsume Shiutaro Taeko Shimura, Kazuo Hara e outros. Roteiro: Nagayoshi Akasaka e
Daiji Kazumine. Música: Fukazawa Yasuwo. Tóquio: Toei Company. 1960/1951. (39
episódios).
PODEROSO Lion Man, o. Direção: Koichi Ishiguro e outros. Intérpretes: Tetsuya Ushio,
Kazuo Kamoshida, Ryoko Miyano, Tsunehiro Arai, Masaki Hayasaki e outros. Roteiro:
Toshiaki Matsushima e outros. Música: Hiroshi Tsutsui. Tóquio: P-Productions. 1973. (25
episódios).
REGRESSO de Ultraman, o. Direção: Inoshiro Honda e outros. Intérpretes: Jiro Dan, Rumi
Sakakibara, Mori Kishida, Hideki Kawagshi, Nobuo Tsukamoto e outros. Roteiro: Shozo
Uehara e outros. Música: Toru Fuyuki. Tóquio: Tsuburaya Productions. 1971/1972. (51
episódios).
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Wakiko Kano, Kyoko Nashiro, Toshiaki Nishizawa e outros. Roteiro: Shozo Uehara e
outros. Música: Michiaki Watanabe. Tóquio: Toei Company. 1982/1983. (44 episódios).
SPRECTREMAN. Direção: Keinosuke Tsuchiya, Ishiguro Koichi e Hiromi Higuchi.
Intérpretes: Tetsuo Narikawa, Tohru Ohira, Kazuo Arai e outros. Roteiro: Susumu Taka-
115
Ku, Haruya Yamazaki e Masaki Tsuji e outros. Música: Miyauchi Kunio e Naohiko
Terashima. Tóquio: P-Productions. 1971/1972. (63 episódios).
SPIELVAN. Direção: Takeshi Ogasawara, Akihira Tojo e outros. Intérpretes: Hiroshi
Watari, Jun Takanomaki, Naomi Morinaga, Machiko Soga, Ichirou Mizuki e outros.
Roteiro: Shozo Uehara e outros. Música: Chumei Watanabe. Tóquio: Toei Company e TV
Asahi. 1986/1987. (44 episódios).
ULTRAMAN. Direção: Eiji Tsuburaya e outros. Intérpretes: Susumu Kurobe, Akiji
Kobayashi, Sandayu Dokumamushi, Masanori Nihei, Hiroko Sakurai, Akihiko Hirata,
Koguehide Tsuzawa e outros. Roteiro: Tetsuo Kinjo. Música: Kunio Miyauti. Tóquio:
Tsuburaya Productions. 1966/1967. (39 episódios).
ULTRASEVEN. Direção: Hajime Tsuburaya, Sohei Tojo, Kazuho Mitsuta e outros.
Intérpretes: Koji Moritsugu, Yuriko Hishimi, Shoji Nakayama, Sandayu Dokumamushi e
outros. Roteiro: Tetsuo Kinjoh, Shozo Uehara e outros. Música: Tohru Fuyuki. Tóquio:
Tsuburaya Productions & TBS. 1967/1968. (Episódios 49).
VINGADORES do espaço. Direção: Satoshi Kad, Hiroyuki Tsuchiya, Nakao Mamoru,
Funadoko Sadao , Akira Kikuchi. Intérpretes: Tetsuya Uozumi, Shigeko Mise, Silvar,
Hideki Ninomiya, Toshio Egi, Masami Okada, Tom Mura, Tohru Ohira. Roteiro: Togo
Wakabayashi, Susumu Takaku, Hiroyasu Yamaura, Uchiyama Junichi, Ishido, Yoshi Akira
e outros. Música: Yamamoto Naozumi. Tóquio – P-Productions. 1965/1967. (51 episódios).