nomeação na biblioteca - buckland

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Enviado para publicação. Revisado em 1º de Julho, 2006. Nomeação na Biblioteca: Marcas, Significados e Máquinas Michael K. Buckland Introdução Em uma biblioteca existe muita nomeação: marcar documento com nomes descritivos e atribuir documentos a categorias nomeadas. Essa atividade necessária de nomeção é, no entanto, local de tensões entre a necessidade processual de marcas estáveis e a multiplicidade e instabilidade inerente de expressões lingüísticas utilizadas para respresentar tópicos. Aqui fornecemos uma breve introdução às questões, tensões e compromissos envolvidos. Documentos, Coleções e Descrições de Tópicos Bibliógrafos listam e bibliotecários colecionam documentos em quaisquer mídias ou gêneros (livros, periódicos, conjuntos de dados, filmes, etc.) que deverão ser úteis para comunidades e aos propósitos a que servem. Mas uma vez incluídos, os documentos devem ser acessíveis de modo organizado. Em parte esta é uma questão de escala. Uma coleção de um ou bem poucos documentos pode simplesmente ser colocado em uma lista ou em uma estante e não precisa nem de catálogo ou de arranjo sistemático. Mas fazer cada um de milhares de documentos diferentes acessíveis de forma útil é uma questão diferente. Acesso bibliográfico efetivo é alcançado através de descrições muito conscisas. Svenonius (2000) e Taylor (2004) fornecem introduções sobre este assunto. Bibliotecários fazem descrições de documentos em seus catálogos e através de arranjos classificados em suas prateleiras. Atribuir nomes de tópicos a documentos e atribuir documentos a categorias nomeadas de tópicos é central. Nos termos coloridos de Robert Fairthorne: ... todos os sistemas de recuperação demandam marcas de algum tipo... Um objeto pode ser marcado por alterá-lo intrinsecamente de algum modo reconhecível – como pintá-lo, perfurar um buraco, ou introduzi-lo a um gambá. A isso eu chamo de ‘inscrição’. Ou isso pode ser mudado relativo ao seu ambiente por invertê-lo, em um lado, em um buraco de pombo inscrito e assim por diante. A isto eu chamo de ‘ordenação’ do item. Termos melhores, para contextos menos formais são ‘marcar’ e ‘estacionar’ (Fairthorne 1961: 84-85).

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Enviado para publicação. Revisado em 1º de Julho, 2006.

Nomeação na Biblioteca: Marcas, Significados e Máquinas

Michael K. Buckland

Introdução

Em uma biblioteca existe muita nomeação: marcar documento com nomes descritivos e atribuir documentos a categorias nomeadas. Essa atividade necessária de nomeção é, no entanto, local de tensões entre a necessidade processual de marcas estáveis e a multiplicidade e instabilidade inerente de expressões lingüísticas utilizadas para respresentar tópicos. Aqui fornecemos uma breve introdução às questões, tensões e compromissos envolvidos.

Documentos, Coleções e Descrições de Tópicos

Bibliógrafos listam e bibliotecários colecionam documentos em quaisquer mídias ou gêneros (livros, periódicos, conjuntos de dados, filmes, etc.) que deverão ser úteis para comunidades e aos propósitos a que servem.

Mas uma vez incluídos, os documentos devem ser acessíveis de modo organizado. Em parte esta é uma questão de escala. Uma coleção de um ou bem poucos documentos pode simplesmente ser colocado em uma lista ou em uma estante e não precisa nem de catálogo ou de arranjo sistemático. Mas fazer cada um de milhares de documentos diferentes acessíveis de forma útil é uma questão diferente. Acesso bibliográfico efetivo é alcançado através de descrições muito conscisas. Svenonius (2000) e Taylor (2004) fornecem introduções sobre este assunto.

Bibliotecários fazem descrições de documentos em seus catálogos e através de arranjos classificados em suas prateleiras. Atribuir nomes de tópicos a documentos e atribuir documentos a categorias nomeadas de tópicos é central. Nos termos coloridos de Robert Fairthorne:

... todos os sistemas de recuperação demandam marcas de algum tipo... Um objeto

pode ser marcado por alterá-lo intrinsecamente de algum modo reconhecível – como pintá-lo, perfurar um buraco, ou introduzi-lo a um gambá. A isso eu chamo de ‘inscrição’.

Ou isso pode ser mudado relativo ao seu ambiente por invertê-lo, em um lado, em um buraco de pombo inscrito e assim por diante. A isto eu chamo de ‘ordenação’ do item. Termos melhores, para contextos menos formais são ‘marcar’ e ‘estacionar’ (Fairthorne 1961: 84-85).

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Nomes (marcas) são essenciais para que sistemas de bibliotecas funcionem, mas eles são, necessariamente, expressões lingüísticas e, como veremos a seguir, criam tensões e dificuldades para além do controle efetivo dos bibliotecários. Bibliotecas são instituições culturais preocupadas com conhecimento registrado e sua missão é apoiar o aprendizado, tanto a pesquisa (saber mais) e ensino (compartilhar entendimento). Bibliotecas existem para promover a aprendizagem, conhecimento, compreensão e crença. Mas o que as pessoas sabem, o que elas gostariam de saber e o que outros aprenderam e escreveram sobre, tudo isso resiste a um tratamento mecânico. De outro modo, gestão do conhecimento seria reduzida a processamento de dados.

Usuários de biblioteca que buscam documentos relevantes aos seus interesses precisam localizar o que eles precisam na terminologia da biblioteca. Existe, ou deveria existir, colaboração, com bibliotecários buscando antecipar os interesses de seus usuários e vocabulário, e usuários tentando entender os nomes de categorias no catálogo, classificação e bibliografias da biblioteca. Descrever é inerentemente uma atividade da linguagem, mesmo se linguagens restritas ou artificiais são utilizadas, uma vez que elas são culturalmente fundamentadas e fazem parte do caráter da linguagem natural.

Descrições bibliográficas seguem regras. Por mais de um século tem existido uma padronização internacional gradual de regras para representação de marca (onde e por quem foi publicado), colação (características físicas de um documento), nomes próprios (autores, instituições e lugares) e outros atributos de documentos. A verdadeira dificuldade, entretanto, tanto para bibliotecários quanto para usuários está em descrever sobre o que é um documento, em nomear seu tópico, que geralmente é apresentado como um processo de dois estágios: Primeiro, o catalogador examina um documento para determinar sobre quais conceitos ele é; e então, segundo, atribuir termos (expressões lingüísticas) de um vocabulário para denotar estes conceitos. A literatura de biblioteconomia tem muito pouco a dizer sobre o primeiro estágio e concentra-se no segundo. Uma pesquisa revelou que diferentes indexadores irão frequentemente atribuir termos diferentes ao mesmo documento, do mesmo modo que fará um único indexador em tempos diferentes.

Linguagens Documentárias para Nomeação de Tópicos

Existe uma variedade de métodos para representar sobre o que

documentos são: classificações de assunto, listas de cabeçalhos de assunto, tesauros, e assim por diante. Variedades recentemente desenvolvidas incluem “ontologias” e “folksonomias”. Um termo coletivo tradicional para todos eles é “linguagens documentárias” (ou às vezes “linguagens bibliográficas”). Não precisamos examinar cada tipo, mas notaremos quatro dimensões ao longo das quais elas variam.

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Notação Abordagens verbais, uso de palavras de linguagem natural, são modos

simples e populares de se criar descrições. Entretanto, usar vocabulário comum tem suas desvantagens, e a facilidade de criação não nos leva a facilidade de uso efetivo. A multiplicidade e fluidez do vocabulário de linguagem natural nos fornecem resultados imprevisíveis: eu deveria buscar por violino ou rabeca ou ambos? A multiplicidade da terminologia de linguagem natural pode ser mitigada pela adoção de um vocabulário restrito (controlado).

Palavras de linguagem natural não arranjam a si mesmas de modo prestativo. Apresentação por ordem alfabética é determinada por acidentes de ortografia ao invés de relacionamentos semânticos significantes. “Se os nomes das classes, em uma linguagem natural, são usados para arranjá-los, nós não conseguimos uma ordem útil. Na verdade nomes dispersam classes em uma ordem mais caótica e inútil. Nos fornecerá uma ordem como álgebra, ansiedade, abacaxi, arrogância, asfalto e astronomia”, escreveu o famoso bibliotecário indiano S. R. Ranganathan (1951, 34).

Outra limitação de usar a linguagem natural para criar índices é que elas são comumente criadas apenas em uma única língua.

Estes problemas podem ser solucionados utilizando uma notação artificial para os nomes descritivos (como na Classificação Decimal de Dewey, CDD) designada para alcançar algum arranjo desejado, com índices de linguagem natural à classe de números em quantas linguagens diferentes desejadas. Ter uma notação artificial de letras, números e outros símbolos não significa que não se trata mais uma linguagem. É uma linguagem artificial e não está imune a problemas de obsolescência e perspectiva discutidos abaixo. É a mesma abordagem como o uso de linguagens restritas, artificialmente construídas usadas, por exemplo, em nomenclatura botânica e química.

Controle de Vocabulário A linguagem é caracterizada pela multiplicidade, tais como formas

singulares e plurais, variantes de ortografia, sinônimos e antônimos. O mesmo tópico poderia ser atribuído qualquer número de nomes, ou representado em um número indefinido de modos (“semiose ilimitada”), para que documentos sobre o mesmo tópico pudessem ser dispersos em quaisquer de vários cabeçalhos diferentes. Um pesquisador pode encontrar alguns e não outros. A solução dos bibliotecários é um “controle de vocabulário” pelo qual uma forma de nome, por exemplo Violinos, é “preferido” e utilizado exclusivamente. Outros termos comumente usados mas “não preferidos” são listados, mas apenas para redirecionar o pesquisador ao termo preferido: exemplo “Rabecas ver Violinos”. Uma “Lista de autoridades” uma lista de

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termos cuidadosamente diferenciados entre preferidos e não-preferidos é compilada e seguida.

Controle de vocabulário pode cuidar de sinônimos, quase-sinônimos, antônimos e ortografias variantes. Sinônimos exatos são bastante raros. São quase-sinônimos que são freqüentes. Por exemplo, Pássaros e Ornitologia são muito proximamente relacionados mas não são exatamente a mesma coisa. Quase-sinônimos requerem julgamentos situacionais infinitos relativos ao que combinar e o que diferenciar.

Na prática, controle de vocabulário também se estende às relações hierárquicas e outras (“Ver também”). O controle de vocabulário em bibliotecas estende-se para além de relacionamentos semânticos para funcionais, o que diferencia este tipo de tesauro de um tesauro tradicional lexicográfico. Por exemplo, “Biogás”, “Dejetos de Porco” e “Jacintos de Água” são muito diferentes em etimologia e denotação, mas, uma vez que dejetos de porco e jacintos de água são ingredientes importantes na criação de biogás, qualquer um interessado nisso, pode também estar interessado nos outros e então “ver também” faz referências em ambas direções entre cada e biogás são justificáveis em um cabeçalho de assunto de biblioteca. Coordenação

Vários documentos preocupam-se com tópicos complexos, necessitando de

uma frase para expressar seu escopo. Uma abordagem simplista ordinariamente usada nas máquinas de busca atuais é simplesmente listar os termos, em qualquer ordem, necessários para compor o significado. Documentos sobre “pais de crianças deficientes” teriam três termos: as três palavras-chave crianças e deficientes e pais. Mas também existem alguns documentos sobre “as crianças de pais deficientes”, que também seria recuperado pelas mesmas palavras chave, mas, sendo relativamente poucos, provavelmente não seriam notados no conjunto recuperado. Computadores podem facilmente lidar com buscas de palavras-chave, mas os catálogos de fichas de antigamente não podiam: qualquer combinação do tipo teria que ser “pré-coordenada” usando sintaxe no momento de catalogação para diferenciar e expressar relacionamentos entre os termos. Os Cabeçalhos de Assunto da Biblioteca do Congresso tem dois cabeçalhos bem separados: Crianças de Pais Deficientes e Pais de Crianças Deficientes, e, uma vez que eles constituem frases gramaticais, não há confusão entre elas. Este é um caso simples. Regras sintáticas são usadas para gerar cabeçalhos um tanto quanto elaborados nos quais um termo primário é progressivamente qualificado, tanto como frase complexa, tais como Combate Mão-a-Mão, oriental, em filmes ou com uma cadeia de termos qualificadores, como em Deus—Cognoscibilidade--História das Doutrinas--Igreja Primitiva, ca. 30-600--Congressos. O último é um cabeçalho de assunto único no qual a sintaxe está implícita no posicionamento dos termos.

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Para um falante nativo de inglês acostumado com adjetivos antecedendo os substantivos eles qualificam, soa mais natural se tais cabeçalhos são lidos em ordem reversa com algumas conjunções e preposições adicionadas: “Congressos na história das doutrinas nas Igrejas Primitivas, Ca 30-600, relativo à cognoscibilidade de Deus”. A notação artificial dos esquemas de classificação das bibliotecas permite que tópicos elaborados de modo coordenado sejam expressos de modo mais conciso. Deste modo todas as linguagens documentárias de temas de nomes, além do mais simples uso de palavras, têm gramática bem como um vocabulário.

Excelência

Uma coleção composta de um ou bem poucos documentos não precisa de catálogo. No outro extremo, distinguir cada pequena minúcia a fim de diferenciar cada documento se torna incômodo. Coleções de milhões precisam de descrição muito detalhada a fim de alcançar a excelência de filtragem requerida para selecionar um punhado ao invés de uma inundação de registros. Na prática o nível de detalhe em catalogação de assunto é situacional, dependendo de quantos livros diferentes são adquiridos em cada tópico. Uma vez que, como uma economia, a maioria das bibliotecas usa qualquer cabeçalho de assunto que a Biblioteca do Congresso atribuiu, a excelência de detalhe tende a não seguir as necessidades locais. Nomeação é antecipação

O exame clássico de Patrick Wilson sobre a natureza do controle

bibliográfico, Two Kinds of Power (1968), formula a tarefa como uma questão de encaixe de descrições. O desafio é criar descrições que irão permitir àqueles a serem servidos de identificar e selecionar os melhores meios documentários para quaisquer que sejam os seus fins. Por definição, as descrições utilizadas por bibliotecários são para uso futuro. Isso requer que o bibliotecário pense sobre prováveis necessidades e descreva (nomeie) de modo antecipador. Para fazer isso o bibliotecário constrói, conscientemente ou não, alguma narrativa mental sobre uso futuro, alguma história na qual o documento à mão seria relevante para necessidades futuras. Não é simplesmente uma questão do assunto do documento, mas sobre em que lugar ele poderá ser útil num futuro imaginado. Familiaridade com a comunidade e seus propósitos, modos de pensar e terminologia é um requerimento importante para o bibliotecário eficaz.

Vesa Souminen (1997) fez a pergunta “O que faz um bom bibliotecário?”. Baseando-se nas idéias de Saussure, ele responde que a tarefa é a de “preencher um espaço vazio”. O bom bibliotecário é aquele que é eficaz no arranjo de documentos em relação a cada necessidade de cada pessoa que

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utiliza a biblioteca. Que a população de documentos, de pessoas que utilizam a biblioteca e de necessidades sejam todos muito grandes e bem instáveis faz com que a tarefa seja ainda mais difícil, mas não debilita este princípio.

Suzanne Briet (1954: 43) aumentou a ideia desta postura antecipadora com sua imagem de bibliotecário como cão de caça, guiado pelo caçador (pesquisador), mas realizando uma prospecção a frente apontando para a caça invisível ao caçador em uma parceria dinâmica (`Comme le chien du chasseur – tout à fait en avant, guidé, guidant.’) (Ver também Briet (2006: esp. 50-51)). Nomeação é retrospecção

O esforço do bibliotecário para se antecipar é, no entanto, afetado pelo

processo de descrição (nomeação). Descrição de assunto é questão de nomear sobre o que é um documento e descrever é uma questão de resumir. Atribuir cabeçalhos de assuntos é o extremo do resumo que pode ser feito sobre o que é um evento. Mas sobre o que é, na verdade, a “temacidade” (aboutness)? Declarar que um cabeçalho de assunto respresenta um assunto ou um conceito é válido, mas inútil porque dizer isso meramente aponta para outro nome e não o explica. Uma explicação do que um cabeçalho de assunto (e, entretanto, um documento) é “sobre” deve ser derivado do discurso do qual o nome se origina (Fairthorne 1974). Uma descrição de assunto atribuída a um documento diz que esse discurso (documento) relaciona-se com aquele discurso (literatura, discussão ou diálogo) o que significa que a descrição de assunto é invariavelmente baseada no passado. Similarmente, pessoas que utilizam a biblioteca não querem tópicos, eles querem discurso: uma afirmação, uma descrição, uma explicação, ou, ao menos, uma discussão sobre o que quer que eles estejam curiosos sobre. Então um cabeçalho de assunto “sobre” um tópico deriva sua importância de um discurso passado.

Significados são estabelecidos pelo uso, e assim sempre se baseiam no passado. O bibliotecário, então, está criando descrições baseando-se no passado, mas expressando-os com um olho no futuro. Essa postura de Jano pode parecer difícil o suficiente em um mundo estável, mas a realidade das práticas de nomeação da biblioteca faz com que fique muito pior por conta do tempo, da tecnologia, pela natureza da linguagem e pelas mudanças sociais.

Nomeação, Tempo e Instabilidade Tempo de Inscrição

O ato formal do bibliotecário de nomear, de registrar a descrição do tópico

de um documento ou de especificar um relacionamento entre chamadas de tópicos é necessariamente realizada em algum ponto no tempo e inscrita no

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aparato de índices e catálogos. Uma vez que o tempo passa, este ato recua do presente para o passado. Durante o mesmo fluxo de tempo o discurso prévio, sobre a qual a escolha do nome foi derivada, continuou, evoluiu e mudou, e as práticas de nomeação evoluiriam com essas mudanças. Além disso, como o futuro se torna o presente, novos futuros continuam a serem previstos, e a perspectiva antecipadora seria cada vez mais relacionada a discursos futuros mutáveis. Entretanto, um nome atribuído, uma vez inscrito, é fixado. Então, com o passar do tempo, seu relacionamento tanto com os discursos passados, quanto com os discursos sobre o então-futuro esperados precisa afastar-se da relevância para a percepção de um presente porvir. Nomes atribuídos são, portanto, inerentemente obsolescente no que diz respeito ao passado e ao futuro. Discursos e o bibliotecário fluem em frente como tempo, mas os nomes atribuídos têm sido inscritos para, e fixados em, um passado retrocedente. Uso figurativo da linguagem

Novos nomes surgem, especialmente para novos tópicos, através de uso figurativo da linguagem, especialmente através de metáforas. Termos bem estabelecidos são usados figurativamente, baseados em alguma similaridade percebida, para conceitos emergentes, por exemplo, o Mouse do computador. E então, através da utilização, o novo significado é fixado, primeiro dentro de seu contexto, e então mais amplamente. A instabilidade da linguagem não é do feitio dos bibliotecários, mas eles devem segui-la. Eles tem uma abordagem conservadora em relação a isso pois mudanças na terminologia os faz questionar terminologias mais antigas e a tarefa de fazer alterações retroativas nas marcas de um catálogo tiram os recursos de outros fins valiosos.

Bibliotecas e Tecnologia

Bibliotecas dependem muito de tecnologia. Documentos são objetos físicos em papel, filme, discos magnéticos, ou outras mídias físicas. Bibliotecas não poderiam operar como operam se as tarefas a serem performadas não fossem totalmente rotinizadas e, a maior parte delas, reduzidas a procedimentos clericais realizados pela equipe de apoio ou delegados a máquinas. A biblioteca moderna surgiu no espírito do modernismo tecnológico do final do século XIX como “economia da biblioteca” imbuída por Melvil Dewey e outros com uma ênfase em padrões, sistema, eficiência e progresso coletivo que continuam nas visões sobre bibliotecas digitais, a “web semântica” e o “virtual”. Controle detalhado é necessário para efetividade e para eficiência e os bibliotecários, pioneiros da nova tecnologia para arquivamento e processamento de registros, inspiraram procedimentos modernos de gestão (Flanzreich 1993, Krajewski 2002).

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Em uma biblioteca, o maquínico e o cultural colidem como duas placas tectônicas, e a nomeação está na linha de falha em que os bibliotecários utilizam “controle de vocabulário” para tentar mitigar as rupturas lingüísticas e deslizamentos que não podem nem prevenir, nem evitar. Então, no alvoroço silencioso da biblioteca há uma batalha endêmica entre o caráter incorrigivelmente cultural e estético da missão subjacente e as tendências maquínicas essenciais para performances custo-benefício. A linha de batalha central dessas tensões está na nomeação dos documentos e sobre o que eles são.

Mênção e Significado

O fato de que documentos em bibliotecas são esmagadoramente textuais permitiu o uso pesado de técnicas de processamento de linguagem natural para inferir relações semânticas entre documentos e entre documentos e questionamentos. Mas esta é uma questão de entidades lexicais, de cadeias de caracteres, não de significados. Fairthorne (1961) analisou essa diferença dizendo que essas técnicas lidam com mênçãos e não significados. Por exemplo, se informação e recuperação comumente co-ocorrem nessa ordem, então presume-se que eles constituam uma frase. E se a frase recuperação da informação e a frase espaço vetorial tendem a co-ocorrer nos mesmos textos, elas são computadas como sendo próximas em “espaço do documento” e uma relação tópica é inferida desta proximidade “espacial”. Se relacionamentos entre marcas são estatisticamente significantes, afinidades semânticas são implicadas mas não explicadas. Máquinas podem ser programadas para detectar irregularidades e inconsistências entre marcas, mesmo que não possam distinguir o que faz sentido do que não faz.

É mais uma prova do caráter inerentemente lingüístico do acesso bibliográfico onde as técnicas formuláicas de processamento de linguagem natural funcionam muito bem, mas nem sempre e não muito confiavelmente. Esta é a similaridade textual (lexical) entre documentos que permitem relacionalidades (relatedness) entre discursos e/ou que descrições sejam inferidas, uma vez que as mesmas palavras são mencionadas quando a mesma ou linguagem muito similar está em uso. A partir do método empregado, homógrafos com diferentes significados (por exemplo hóspede (senhorio) ou hóspede (grupo)) diluirão a precisão da recuperação. A atração econômica irresistível desta abordagem é, claro, mecânica então pode ser delegada às máquinas. A pobreza desta abordagem surge quando diferentes vocabulários são utilizados para referirem-se ao mesmo tópico sem utilizar (mencionar) os mesmos termos. Para isso e para buscas inter-linguísticas, estruturas formais, tais como dicionários bilíngües ou associações estatísticas, são úteis.

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A importância da linguagem e da nomeação não engendrou, no entanto, muito interesse mútuo entre biblioteconomia e lingüística, apesar de alguma conscientização (por exemplo, Sparck Jones & Kay 1973). A escrita técnica sobre recuperação da informação é profundamente relacionada com o processamento de linguagem natural, especialmente extração de entidade nomeada, analisando para identificar frases adjetivo-substantivo, e todos os tipos de contagem de freqüência e associação estatística. O nome de George K. Zipf, o pioneiro da análise de freqüência de palavras, é invocado ao invés de Pierce, Saussure ou Wittgenstein. Apenas em anos recentes que a literatura sobre a natureza da linguagem tem recebido mais atenção na literatura de bibliotecas. A explicação de David Blair, em seu Language and Representation in Information and Retrieval (1990), da relevância das idéias de Wittgenstein para descrição de assunto e o problema insolúvel de semiose ilimitada foi um grande marco. A relevância do trabalho de Eleanor Rosch e George Lakoff sobre categorias e linguagem (por exemplo, Lakoff 1987) é hoje amplamente reconhecido como importante. Norgard (2002) provê uma boa revisão sobre como expressões linguísticas resistem à automação da indexação. Veja também Blair (2003).

Pesquisas sobre as práticas sociais da ciência tem tido um impacto durante a última década na compreensão do uso e papel dos documentos e da descrição documental. Sorting Things Out: Classification and its Consequences por Bowker e Star (2000) é fortemente recomendado uma vez que seus casos de estudo revelam agendas sociais no design de sistemas de categorização.

Nomeação e Mudança Cultural

Não é simplesmente que um novo documento tem que ser posicionado em relação tanto ao discurso passado quanto às necessidades futuras. Complexidade adicional surge porque existem, claro, não uma, mas várias comunidades simultâneas do discurso.

A linguagem evolui dentro das comunidades do discurso e produzem e evocam essas comunidades. Então cada comunidade tem sua prática de linguagem mais ou menos estilizada, especializada. Tentativas de vocabulário controlado ou estabilizado devem lidar com os discursos múltiplos e dinâmicos e a multiplicidade resultante e instabilidade dos significados. A maioria das bibliografias e catálogos tem um único índice tópico, mas cobrem materiais de interesse para mais de uma comunidade. Uma vez que cada comunidade tem práticas lingüísticas levemente diferentes, nenhum índice será ideal para todos e, talvez, para ninguém. Por exemplo, em uma discussão vernacular sobre saúde, os termos câncer e ataque súbito são comumente utilizados, mas em um discurso médico profissional neoplasma e acidente cérebrovascular são nomes preferidos. Então, em teoria, índices múltiplos, dinâmicos, um por comunidade, seriam ideais. Não é, entretanto, apenas uma questão de variação lingüística,

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mas também de perspectiva. Diferentes discursos discutem diferentes questões ou, quando discutem a mesma questão, de diferentes perspectivas. Um coelho pode ser discutivo como um bicho de estimação, ou como uma peste ou como comida. Em medicina, especialistas em anestesiologia, geriatria e cirurgia podem todos buscar por literatura recente em, vamos dizer, Parada Cardíaca, mas uma vez em que estão interessados em diferentes aspectos eles não irão, na prática, querer os mesmos documentos.

A parte destas diferenças de “dialeto”, o vocabulário utilizado por bibliotecários para caracterizar seus documentos podem tornar-se problemáticos por outros motivos uma vez que o mundo muda. Existem desenvolvimentos cognitivos; novas idéias e novas invenções precisam de novos nomes. Carruagens Sem Cavalos foram inventadas, e então renomeadas Automóveis. Igualmente, novos referentes surgem para nomes já existentes. Há sessenta anos atrás a palavra computador significava um humano que performava cálculos, mas agora sempre significa uma máquina. Mais recentemente a palavra impressora fez a mesma transição.

Práticas de nomeação questionáveis podem ter causas não-linguísticas. Como um exemplo, o International Classification of Diseases (Classificação Internacional de Doenças), usou amplamente em certificados de óbito para nomear causas de morte, excluídas algumas causas conhecidas de morte. A explicação é que doutores pensaram que nomear doenças para as quais não existiam curas conhecidas poderia chamar atenção para as inadequações da profissão médica, então, ao invés de nomear a causa de morte de verdade, algum outro nome, mais amplo ou mais vago era utilizado.

Também existem consequencias para nomeação em bibliotecas a partir de mudanças afetivas. Mesmo quando a denotação é estável, a conotação ou comportamentos à conotação podem mudar. Sempre, algumas expressões lingüísticas são socialmente inaceitáveis. Isso pode não importar muito, exceto que o que é considerado aceitável ou inaceitável não apenas difere de um grupo a outro, mas mudanças através do tempo, e, especialmente durante mudanças, pode ser local de competição. A frase Yellow peril (Perigo Amarelo) era amplamente utilizada para denotar o que era visto como imigração excessiva do oriente, mas agora é considerada muito ofensiva para ser usada mesmo que não exista um nome substituto conveniente ou aceitável e a frase seja necessária em uma discussão histórica.

Palavras que lutam

Muito têm sido escrito referente à precisão social dos catálogos de cabeçalhos de assunto, ambos termos utilizados e como eles se relacionam um com outro. “Perversão sexual ver também Homossexualismo” era, mas não é mais aceitável. O livro de Sanford Berman, Prejudices and Antipathies: A Tract on the

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LC Subject Heads Concerning People (1971) é uma excelente introdução e o livro de Joan Marshall On Equal Terms: A Thesaurus for Non-Sexist Indexing and Cataloging (1977) é outro tratamento clássico. (Ver também Olson (2002).

Berman seleciona dezenas de cabeçalhos de assunto, explica porque cada um é ofensivo e propõe uma terminologia alternativa mais neutra. Seus exemplos e comentários mostram como nomear sempre reflete uma perspectiva cultural, que a terminologia aceitável para um grupo pode ser ofensiva a outro, e que os comportamentos mudam. Seus exemplos são muitos e muito interessantes para resumi-los adequadamente aqui. Questão Judaica implica pressupostos insustentáveis; Ciganos não são do Egito e preferem ser chamados de Roma; a referência cruzada “Trapaceiros e vagabundos ver também Ciganos” demonstra preconceito; os cabeçalhos Mammies1 e Negroes2 são ofensivos para aqueles assim chamados; Esquimós são adequadamente camados de Inuítes.

O comportamento de alguém se reflete como superior aos outros: rebeliões causadas por escravos são nomeadas “inssureições”, rebeliões causadas por brancos são mais positivamente nomeadas “revoluções”. Índios da América do Norte, Civilização de não se refere à cultura dos Americanos Nativos, mas ao progresso na erradicação de sua cultura, como a instrução da biblioteca deixou claro: “Aqui entra a literatura referente aos esforços de civilização dos Índios...” Poderes europeus têm colônias; os Estados Unidos tem “territórios e propriedades” além mar que não são chamadas colônias. Vários dos exemplos de Berman refletem uma visão de mundo masculina e cristã, os comportamentos sociais de antigamente, e terminologia médica e psicológica obsoleta (por exemplo, Idiotia). Em alguns casos, contra-argumentos podem ser feitos. Por exemplo. Utiliar Roma para Ciganos é contraprodutivo se os pesquisadores não tem familiaridade com este termo.

Rastrear mudanças em nomeação de bibliotecas através do tempo é uma forma altamente educational de arqueologia cultural e lingüística. O Cabeçalho de Assunto da Biblioteca do Congresso, com cem anos, com mais de 100,000 cabeçalhos diferentes e dificuldade de atualização, é um alvo fácil apesar de várias reformas. É um bom exemplo de problema que é endêmico em índices e sistemas de categorização: expressões lingüísticas são necessariamente culturalmente fundamentadas, e, por este motivo, em conflito com a necessidade de ter notações estáveis, não-ambíguas para permitir que os sistemas de biblioteca funcionem de modo eficiente.

1 Uma tradução aproximada – embora não equivalente – seria “mucama”. No entanto, este termo não é considerado ofensivo com a mesma intensidade em português. 2 No idioma inglês o uso do termo “negroes” (negros) é considerado ofensivo. Termos não ofensivos mais utilizados são “blacks” (pretos) e nos Estados Unidos, “African Americans” (afro-americanos).

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Agradecimentos O autor se beneficiou dos comentários de Howard Greisdorf, Vivien Petras

e Julian Warner e da assistência de pesquisa, em 1992, de Janice Woo.

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Referência do artigo: BUCKLAND, M. K. Naming in the library: Marks, meaning and machines. C. Todenhagen & W. Thiele (Eds.) In: Nominalization, nomination and naming in texts. Tübingen, Germany: Stauffenburg, 2007. p. 249-260. Disponível em: <http://people.ischool.berkeley.edu/~buckland/naminglib.pdf> Acesso em: 17 out 2011

Tradução por Isadora Garrido, 28.10.2011 [[email protected]]