noções básicas de antroposofia

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revisão sobre os aspectos históricos e atuais da antroposifia

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Noes Bsicas de Antroposofia

Noes Bsicas de Antroposofia

Rudolf Lanz

Esta pgina contm parte do livro que, para um melhor entendimento,recomendamos seja lido integralmente desde o seu incio em www.sab.org.br/edit/nocoes

Direitos reservados Editora AntroposficaRua da Fraternidade 174, 04738-020 So Paulo, SP, tel. (11) 5686-4550Esse livro pode ser adquirido tambm em sua loja virtual

PREFCIO

Este livro o resumo de uma srie de conferncias que o autor proferiu diante de um pblico curioso de saber o que a Antroposofia. Dirige-se s pessoas que sentem os problemas humanos e sociais de nossa poca, expondo-lhes as idias bsicas da cincia espiritual antroposfica. No se pretende convencer ningum ou fazer adeptos, nem levar a efeito qualquer propaganda da Antroposofia. Esta dispensa tais esforos e at os repudia, pois quer deixar intacta a liberdade de todos.

Quanto ao contedo, o autor o deve todo a Rudolf Steiner, fundador do movimento antroposfico. Em sua obra,o leitor encontrar um mundo de informaes sobre todos os assuntos aqui mencionados. Uma obra como a de Rudolf Steiner deveria ser conquistada passo a passo, num esforo contnuo de estudo e meditao. A leitura das pginas que seguem no substitui de maneira alguma, esse estudo. Ao contrrio, chama-o; e aqueles, dentre os leitores, que entenderem o apelo contido na Antroposofia encontraro facilmente o meio de aprofundar seus conhecimentos.

As imperfeies de um estudo como o presente so evidentes. Escolher numa obra gigantesca alguns captulos para uma explicao sucinta e condens-los em palestras num livro de introduo parece at temerrio, e somente pode ser escusado pela absoluta falta de tempo para elaborar um livro novo e melhor estruturado.

Rudolf Lanz

INTRODUO

Com muita razo, o nosso sculo chamado de sculo da cincia e da tcnica. Nunca antes tantos esforos e tanta inteligncia foram consagrados ao conhecimento e ao domnio da natureza e das foras naturais. Nunca antes o homem teve em suas mos tanto poderio e tantos instrumentos para multiplicar as suas prprias foras.

Apesar disso, o homem sofre - tambm como nunca antes - da profunda preocupao que lhe causam as dvidas e o medo, a frustrao e o desespero; em uma palavra, o fato de nem a cincia nem a tcnica terem sabido dar respostas s grandes perguntas eternas: Quem sou? De onde venho? Aonde vou? Qual o sentido da minha vida?

Toda cincia nasceu da curiosidade, do encontro com fatos inexplicveis. As nossas cincias souberam explicar inmeros fatos, dando ao homem um profundo saber das coisas ao seu redor. Mas cada vez que ele volta a fazer as perguntas eternas, as respostas, ao invs de parecerem prximas e tangveis, escapam-lhe sempre mais. Profundamente desambientado, o homem se esfora para esquecer, para furtar-se s dvidas que o assediam. Mas, quanto mais ele procura recalc-las, mais intensas vivem elas em seu subconsciente, emergindo de vez em quando, com redobrada insistncia.

As perguntas no param a. Transcendendo a sua prpria individualidade, o homem especula sobre o destino da humanidade. Surge o problema da evoluo e, com ele, o da criao e da morte. Voltando a si prprio, ele procura em vo uma explicao para a essncia da sua prpria personalidade, dos valores espirituais. A filosofia moderna ensina-lhe que a "realidade" e a "verdade" so outras tantas iluses. Tudo relativo, incerto, incognoscvel. A moral e os impulsos sociais perdem seus fundamentos.

Tudo isso no fica no domnio da teoria e da especulao. Ao redor de si o homem v o caos social, a impossibilidade de harmonizar o campo econmico, de disciplinar a poltica. Desmoronam-se os velhos pilares da vida em comum: famlia, autoridade, matrimnio, educao, religio, governo, etc., e uma juventude sem ideais, desiludida, "transviada", apresenta contas gerao dos seus pais, que lhe deixou tal herana.

De onde vem essa situao catica?

As velhas religies no souberam resistir ao impacto do racionalismo (Voltaire, Diderot) e da cincia (Darwin, Haeckel, Huxley, etc.). As respostas dadas pelas religies s "perguntas eternas" deixaram de ter seu valor e sua fora. O homem moderno no quer f nem crena; ele procura fatos e certezas.

A filosofia desde h muito tem perdido o contacto com a realidade humana e social. Os seus maravilhosos sistemas do passado no falavam ao corao do homem. Seus ideais e seus edifcios espirituais, sublimes obras de alguns gnios privilegiados, constituam torres de marfim cuja aparente irrealidade contrastava vivamente com o imprio das cincias que passaram a revolucionar o pensamento do homem, desde as suas tmidas manifestaes no fim da Idade Mdia.

Comeou ento a era das cincias. Quanto orgulho encontramos na famosa resposta do astrnomo Laplace ao Imperador Napoleo, ao qual expusera a sua teoria cosmognica, e que lhe perguntou onde havia nesse sistema um lugar para Deus: "Sire, je n'ai pas bsoin de cette hypothse". Mas a cincia trilhou um caminha que tambm a afastou gradativamente da "realidade". Reduzindo todas as qualidades a quantidades, exprimindo fenmenos sensveis e "reais" por leis e nmeros, ela satisfez o pendor do homem de procurar compreender racionalmente o mundo; mas esse mesmo mundo ficou privado das suas "qualidades" que apelam aos sentidos e aos sentimentos.

Vejamos a hiptese grotesca de um indivduo que consulta os catedrticos (hoje "professores titulares") de uma universidade sobre o que lhe parece serem os mais altos valores humanos: as obras de arte, os ideais da religio e da moral.

O antroplogo ou socilogo lhe explicar que se trata de manifestaes da psique, de projees e sublimaes de carter anmico. Consultando em seguida o psiclogo sobre o que seria essa psique, essa alma do homem, o nosso estudioso aprender que a "alma", se que existe, condicionada por fatores fisiolgicos como a libido, ou por substncias biolgicas como os hormnios, etc. Depressa o nosso curioso correr ao catedrtico de biologia para saber algo mais sobre a vida e suas manifestaes. Este, conhecendo as ltimas descobertas da bioqumica, responder: "A vida um conjunto de estados e funes de certos agrupamentos moleculares, de forma e estrutura definidas (cido desoxiribonuclico, etc). A vida e suas manifestaes? Uma srie de reaes qumicas de substncias simples, conhecidssimas! Prximo ao desespero, o nosso homem ir ver o professor de qumica, se for honesto, lhe dir: "Meu caro amigo, eu lhe posso descrever as propriedades dos elementos, mas na realidade no sei o que a matria. V ver o meu colega do departamento de fsica atmica". E, se no perdeu todas as esperanas, o nosso amigo as perder desta vez. Com efeito, sua pergunta "o que a matria" merecer apenas um sorriso irnico: "A matria no existe. Ela uma hiptese de trabalho. Tudo se reduz a partculas que podem ter caractersticas de massa, ou de carga eltrica, e de velocidade; mas na realidade no se trata bem de corpsculos - ns inventamos essa imagem para maior comodidade, mas na realidade, no sabemos nada. Tudo se passa de acordo com certas frmulas matemticas, que contm at elementos sem significado para nossos sentidos". Mas esse "tudo" . . . " nada".

E se o essa pessoa insistir, aprender ainda que o tempo relativo, que o espao (que ele imaginava como uma espcie de meio vazio no qual se encontram os objetos) curvo e finito, embora ilimitado, e que a lei do determinismo (casualidade), base de todos os seus raciocnios anteriores, no vlida no reino de fenmenos muito pequenos (ftons, por ex.), constituindo no mundo "tangvel" apenas uma lei estatstica. Finalmente, ele saber que no domnio do infinitamente pequeno a observao "objetiva" impossvel, porque o observador, pelo prprio fato de observar com os instrumentos apropriados, falseia os resultados observados . . .

E da?

Estamos vendo que a prpria cincia leva a um absurdo! Ela prpria, que pretendia dar a certeza e descobrir a "verdade", destri a realidade. Tudo reduzido a corpsculos e frmulas: eis o mundo na interpretao da cincia de hoje. No resta a menor base para valores ticos ou para impulsos espitituais.

Como sair desse beco sem sada?

Existem correntes na cincia moderna que admitem ou antes, postulam, certos princpios extra fsicos. A prpria fsica atmica chega a esse extremo (Heisenberg, Einstein), a biologia o faz (teorias gestaltistas, Portmann), mas sempre reconhecendo que chegamos a um limite que a cincia no pode transpor. A cincia atual tem, portanto, que confessar a sua incapacidade, pois admite componentes que no podem ser captados pela observao nem pelo raciocnio.

Mas o homem no se d por satisfeito. Ele sabe que "ele !" Ele sabe que est a, pensando, duvidando, sofrendo. Tem a certeza de que h nele algo mais do que corpsculos e foras fsicas. Ele tem a intuio de um fato espiritual: o eu, a Nona Sinfonia, a Divina Comdia, so para ele realidades. Cada pensamento uma realidade, cada ato de amor ou dio algo de palpvel, e o teorema de Pitgoras lhe parece, em sua abstrao, pelo menos to correto como os corpsculos e eltrons da fsica atmica.

Existe, pois, para ele, uma realidade mais ampla, que contm aspectos fsicos e no fsicos. O mundo explicado pelas cincias, nas, como j vimos, estas chegam a limites intransponveis. E a parte no-fsica, que o homem experimenta e vivencia como um dado imediato de sua conscincia? Ele no se d por satisfeito pela simples crena nesse domnio inabordvel, pela f naquilo que alguma religio lhe transmitiu como "revelao". Pois o homem moderno quer saber. Quer conhecer. Ele sabe que a sua dignidade de homem estar em jogo se no aspirar a esse conhecimento. Da as suas perguntas eternas! Ele quer entrar conscientemente nesse reino fechado e aparentemente proibido para sempre.

Mas como? Quais as possibilidades?

Pesquisar mais profundamente o mundo sensorial ao seu redor? Mas ele j sabe que o prprio mtodo cientfico atual desnuda esse mundo de toda "realidade", e que acaba encontrando limites fechados.

Voltar religio? Mas ele fugiu justamente da religio porque esta no conseguiu satisfazer sua sede de saber, de conhecer. Voltar crena, f cega? Nunca!

Desnorteado, o homem que chegou a esse impasse tende a refugiar-se em qualquer instituio ou cosmoviso que lhe narcotize a conscincia, as dvidas e sofrimentos. Experincias sensacionais se lhe oferecem como paliativo ou diverso, como pseudo-resposta; religies pessimistas antigas, como o budismo com a sua profisso de fuga deste mundo; prticas msticas como o Ioga, caminho empregado numa poca remota; o espiritismo com seus fenmenos sensacionalistas e fora de qualquer controle lcido da conscincia. Bem-aventurados aqueles que ainda encontram um tal caminho uma pseudo-soluo. Pois os outros, quando no se entregam a drogas alucingenas, ou decaem na indiferena, no nihilismo ou em atividades "existencialistas" (completamente alheias ao existencialismo filosfico de um Heidegger ou de um Sartre), preconizam honesta e cinicamente o triunfo do vazio e do sem-sentido. So os angry young men, os playboys, os sacerdotes da Absurdo. . .

Mas voltemos ao nosso dilema: Temos o mundo fsico conhecido, objeto dos nossos sentidos e das cincias; o mundo em que vivemos. De outro lado sentimos que existe um domnio no-fsico, impalpvel, mas cuja existncia sentimos com uma certeza, por assim dizer, direta, inata.

No haveria possibilidade de conhecer algo desse outro mundo, de investig-lo consciente e cientificamente, por meios adequados, conservando a plena conscincia, o esprito crtico, o raciocnio? Em outras palavras: estender o campo da pesquisa conscientemente para esse back-ground espiritual do nosso mundo sensvel? Se essa possibilidade existisse, no valeria a pena examin-la, conhecer-lhe o caminho cognitivo e os resultados porventura alcanados?

Pois bem, a Cincia Espiritual Antroposfica ou "Antroposofia", fundada e estruturada por Rudolf Steiner, afirma seguir essa via. Ela no religio nem seita religiosa. Distingue-se da especulao filosfica, pelo seu fundamento em fatos concretos e verificveis. E distingue-se de caminhos esotricos como o espiritismo, pelo fato de o pesquisador, que se conserva dentro dos mtodos por ela preconizados, manter a sua plena conscincia, sem qualquer transe, mediunismo ou estados extticos ou de excitao artificial.

A Antroposofia cincia! Mas uma cincia que ultrapassa os limites com os quais at agora esbarrou a cincia "comum". Ela procede cientificamente pela observao, descrio e interpretao dos fatos. E mais que uma teoria, um edifcio de afirmaes. Com efeito, ela admite e reconhece todas as descobertas das cincias naturais, embora as complemente e interprete pelas suas descobertas. Sobretudo tem feito, em todos os domnios da vida prtica, muitas contribuies e inovaes concretas e positivas, verdadeira pedra-de-toque dos seus princpios; na medicina, na farmacologia, na pedagogia, nas artes, nas cincias naturais e na agricultura, fez contribuies de grande importncia, sobre as quais existe uma abundante literatura.

Mas, como toda boa cincia, a Antroposofia no se limita a afirmar, a expor resultados; indica o seu mtodo e o caminho cognitivo que deve ser seguido para alcanar o conhecimento dos fatos expostos, nunca exigindo f cega. O estudioso da Antroposofia deve manter seu esprito bem vigilante; s ficar satisfeito quando as doutrinas da Antroposofia confirmarem as descobertas da cincia comum ou trouxerem uma soluo para um problema que, sem aquela, teria ficado insolvel.

Nas pginas que se seguem, o leitor encontrar alguns fatos e algumas idias bsicas da Antroposofia. No pretendo, de maneira alguma, ser completo. O leitor dever compreender a dificuldade da minha tarefa, pois a Cincia Espiritual Antroposfica um conjunto, um edifcio completo e complexo, com muitas portas de acesso. Podemos entrar somente por uma porta de cada vez. A viso de conjunto aparecer s mais tarde, e at l, devo solicitar pacincia e compreenso. O leitor ficar certamente recompensado pela sua perseverana.

Antroposofia significa "sabedoria do ser humano". Mas no apenas antropologia; , na realidade, uma cincia do Cosmo, tendo por centro e ponto de apoio o ser humano. Por isso, comearemos o nosso estudo por uma anlise do mesmo.

A ENTIDADE HUMANA

A bblia nos conta que Deus formou o primeiro homem do "p da terra", fazendo ressaltar, dessa maneira, que o corpo do homem constitudo pela mesma matria do mundo que o circunda. De fato, a qumica confirmou que todos os elementos que constituem o corpo encontram-se tambm na natureza ao seu redor. O mesmo clcio, fsforo, ferro, hidrognio ou carbono entram na composio de ambos. Essas substncias entram no corpo e dele saem num fluxo contnuo, seja pela respirao, seja pela nutrio. Os processos do metabolismo so amplamente conhecidos, e a cincia materialista at compara o corpo a um grande laboratrio qumico. Veremos que esta imagem contm algo de certo, embora esteja, na realidade, longe de corresponder completamente verdade.

O conhecimento da matria, inclusive aquela que constitui o nosso corpo nos dada pelos nossos sentidos. O conjunto dessas substncias forma o reino mineral, e podemos dizer que na sua parte corprea os seres dos outros reinos (vegetal, animal e humano) contm as mesmas substncias que se chamam "inrganicas" no reino mineral. A matria inrganica encontra sua expresso mais tpica no cristal. Conceitos qumicos, fsicos e matemticos explicam todos os fenmenos do mundo fsico (inorgnico), seja a transformao de formas de energia, seja a combinao de elementos simples em substncias mais complicadas.

Podemos dizer que, de maneira geral, as causas de todos esses fenmenos se encontram no mundo sensvel ou fsico. A relao entre causas e efeitos constante e permite estabelecer as chamadas "leis da natureza". Extrapolando as leis descobertas nos ltimos sculos, os astrnomos e astrofsicos estabeleceram teorias sobre os fenmenos extra-terrestres, afirmando a identidade das leis da natureza sobre todo o Universo. Essa atitude, seja dito entre parnteses, uma conquista da cincia moderna; um observador grego ou medieval nunca teria ousado submeter os mundos extra-telricos s mesmas leis que explicam os fenmenos terrestres.

Se compararmos o mundo inorgnico, de um lado, e os seres do reino vegetal, animal e humano, de outro, veremos que estes se diferenciam daqueles pelo que chamamos de vida. Assistimos a fenmenos novos que o reino mineral desconhece: crescimento, formas tpicas, regenerao, reproduo metabolismo, etc. Vemos tambm que os elementos qumicos formam substncias de estrutura mais complexa e de grande labilidade qumica, como a albumina, o protoplasma, etc. Observamos, finalmente, que os seres orgnicos tm uma existncia limitada no tempo; eles nascem e morrem, enquanto uma pedra nunca cessa de ser uma pedra, a no ser que foras vindas de fora, e no inerentes sua prpria essncia, venham a modificar ou destruir-lhe a forma.

Parece, pois, que h nos seres orgnicos algo alm da pura substancialidade e que subtrai a matria s leis inerentes sua prpria natureza. No momento da morte, esse "algo" deixa de existir, ou pelo menos de atuar: o corpo morto passa a ser um cadver, e como tal a sua substncia volta a obedecer exclusivamente s leis do mundo inorgnico: o organismo se decompe, perdendo a sua forma e estrutura especficas e retornando ao reino do "p da terra".

Podemos, portanto, afirmar que os seres orgnicos seguem leis opostas, ou pelo menos alheias, s leis qumicas e fsicas do mundo mineral.

Alm disso, verificamos que cada ser orgnico tem a sua forma particular. Podemos imaginar duas sementes compostas, quimicamente falando, dos mesmos elementos; apesar disso, uma formar uma planta de um determinado tipo, e outra, uma planta de outra espcie e de aspecto totalmente diferente, pois cada uma segue, para a sua estrutura, um modelo prprio. Essa autonomia da forma orgnica vai muito longe. Cada planta, por exemplo, tem sua silhueta tpica. Se lhe podamos a folhagem, ela a restabelecer automaticamente, At os seres mais elevados, como o homem e os mamferos tm essas faculdades dentro de certos limites: uma ferida "cicatriza", isto , a forma original se restabelece como se alguma fora plasmadora central comandasse o comportamento dos tecidos vizinhos no sentido de uma volta ao aspecto anterior.

Poderamos continuar essa comparao. Descobriramos que os minarais realizam a sua existncia apenas no espao, no sofrendo qualquer processo de desenvolvimento (vamos deixar de lado fenmenos particulares, como a radioatividade espontnea ou o envelhecimento dos metais) enquanto as plantas (e os animais, e o homem) tm uma evoluo no tempo.

O cristal "auto-suficiente". Ele existe e dura por si, no podendo ser produzido "de fora". O organismo vivo necessita de influncia exteriores para a sua existncia: a luz solar e a corrente ininterrupta da respirao e do metabolismo so fatores imprescindveis para o crescimento e todas as demais manifestaes da vida.

At aqui nada de novo para um leitor que costuma observar, sem preconceitos e de olhos abertos, os fenmenos ao seu redor. A biologia moderna procura minimizar as diferenas entre os reinos inrganico e orgnico, afirmando que este , por assim dizer, uma continuao, sem hiato, daquele. Para isso, invoca a existncia de seres orgnicos decadentes, ou virus, que constituem formas de transio. Na realidade nunca se deve recorrer s formas decadentes ou de transio, mas aos representantes tpicos de ambos os reinos para fazer uma comparao eficiente. E nesse caso, a presena daquele "algo" j citado inegvel.

Mas o que ser esse "algo"?

Doutrinas vitalistas do passado e do presente ensinam que h uma fora vital permeando os seres orgnicos. Mas, com o emprego desse termo, coloca-se apenas um rtulo numa incgnita, sem qualquer verdadeira explicao. Essa atitude certamente no seria apropriada a um cientista.

A Antroposofia oferece a seguinte explicao: os seres orgnicos possuem, alm do seu corpo mineral ou fsico, um conjunto individualizado e delimitado de foras vitais, ou seja, um segundo corpo no-fsico que permeia o corpo fsico. Esse segundo corpo o conjunto das foras que do "vida" ao ser e impedem a matria de seguir as suas leis qumicas e fsicas normais. Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, chamou esse segundo corpo de "corpo plasmador" ou "corpo de foras plasmadoras". Por motivos cuja explicao ultrapassa o mbito deste livro, esse corpo vital tambm chamado "corpo etrico".

O corpo etrico no existe, pois, nos minerais; existe sim, nas plantas, nos animais e no homem.

Assim como o corpo fsico constitudo de substncias fsicas, o etrico tira a sua substncia de um plano etrico geral (temos que empregar este termo "substncia", embora estejamos conscientes de que em domnios no-fsicos no se devam, a rigor, empregar termos tirados do plano sensorial; mas a nossa linguagem elaborada para as coisas deste mundo, e no h palavras apropriados para exprimir exatamente o sentido e a essncia de fenmenos de outros planos. Essa observao vlida para todos os termos que empregaremos a seguir). Como o corpo fsico uma aglomerao individualizada de substncias qumicas, assim o corpo etrico um verdadeiro "corpo", embora no seja perceptvel aos nossos sentidos comuns.

Aqui surge uma primeira grande dvida: como que a Antroposofia pode afirmar a existncia de tal corpo? No ser uma afirmao gratuita, simples postulado ou hiptese, em nada mais vlida do que tantas outras hipteses ou teorias inventadas pela cincia e pelas religies? Assim seria, fosse o corpo etrico apenas um conceito, uma abstrao. Mas na realidade o corpo etrico pode ser observado, sua existncia pode ser vivenciada, suas funes podem ser analisadas e investigadas por experincia prpria e direta.

Mas como?

Os nossos sentidos comuns s nos mostram objetos e foras fsicas, Mas a cincia espiritual nos revela que o homem possui, alm dos sentidos fsicos, sentidos superiores que lhe possibilitam observar fenmenos de planos mais elevados. Ou antes: ele possui esses sentidos em estado latente, podendo despert-los por meio de um treino adequado, sobre o qual falaremos mais tarde. Afirma a Antroposofia que, em pocas remotas, todos os homens possuiam esses sentidos, os quais lhes proporcionavam uma vidncia supra-sensvel. Mesmo em pocas posteriores, havia sempre indivduos privilegiados que tinham essa clarividncia, ao passo que a maioria dos homens j a havia perdido (veremos mais tarde por que e em que condies isso se deu). No futuro, os homens voltaro a possuir esses sentidos superiores em pleno funcionamento. A Antroposofia indica o caminho que permite ao homem moderno, com a conservao da sua plena conscincia, despert-los pouco a pouco.

O corpo etrico pode ser "visto" (naturalmente no se trata de viso pelos olhos fsicos) pelos indivduos que atingiram um certo grau de clarividncia. Em todas as pocas da Histria houve tais iniciados e suas descries so concordantes sobre os demais "objetos" da Antroposofia.

Na realidade, a Antroposofia no afirma nada de novo nesse ponto. O esoterismo hindu, egpcio, tibetano ou grego conhece esse corpo etrico e as correntes mais recentes reproduzem essa velha sabedoria em termos cientficos modernos, de acordo com o grau de evoluo alcanada pelo homem do sculo XX.

O corpo etrico mantm a vida e atua contra a morte; esta aparece como transio para um estado puramente mineral. Assistimos, nos seres vivos, a um processo de mineralizao cuja presena no corpo humano pode ser facilmente observado; constitui um enfraquecimento progressivo das foras plasmadoras do corpo etrico, at o momento da morte, que marca o triunfo total das foras mineralizantes.

curioso observar, a esse respeito, que inspirados pensadores do passado j afirmaram que a vida um contnuo morrer. Basta comparar um rcem-nascido e um ancio para compreender a profunda verdade dessa afirmao; no rcem-nascido, a vitalidade est no seu mximo: o corpo mole, elstico, plasmvel; a conscincia, o intelecto e todas as atividades psquicas ainda no so desenvolvidas e a criana vive, por assim dizer, entregue s suas funes vitais e vegetativas. No adulto, e mais ainda no ancio, o corpo ressecado, desvitalizado, as funes biolgicas so reduzidas e sujeitas a estados patolgicos (disfunes, atrofias, esclerotizao, mineralizao, etc.); em contrapartida, as faculdades mentais, a conscincia e o domnio de si so plenamente desenvolvidos, atingindo um ponto culminante na serenidade e na sabedoria contemplativa da velhice (desde que a fraqueza fsica no seja um empecilho).

As numerosas doenas da velhice (esclerose, gota, clculos, etc.) so uma indicao do triunfo das foras mineralizantes sobre as foras etricas. Os depsitos, muitas vezes cristalinos, constituem uma invaso de matria "morta" no corpo vivo.

Seja permitido aqui, observar que as foras etricas no se enquadram na "causalidade" mecnica e deterministas que prevalece no mundo fsico. Por exemplo, a planta cresce "para cima", em sentido oposto fora de atrao terrestre.

J vimos que o mineral encontra sua forma mais expressiva no cristal, ou seja, na matria em estado slido. Os fenmenos vitais ocorrem s em meio mido ou lquido. No existe vida sem gua. Se voltarmos mais uma vez ao nosso exemplo do rcem-nascido e do ancio, veremos que o corpo do primeiro contm proporcionalmente muito mais gua.

Os prprios depsitos (clculos, artrite) constituem solidificaes em lugares onde o organismo plenamente vitalizado deve conter apenas lquidos, colides ou outras formas ainda plsticas e maleveis.

Em resumo, a planta (e por extenso o animal e o homem) aparece composta de substncias fsicas (matria) que se colocam "ao longo" de um corpo etrico, que poderia ser comparado a um campo de foras invisveis. Assim como a limalha de ferro se coloca nas linhas do campo magntico, assim a matria "enche" a forma no fsica do corpo etrico. Mas enquanto o campo esttico, o corpo etrico, alm de dar forma, provoca tambm toda a dinmica das funes vitais. Ele atua no espao e no tempo, de acordo com leis especficas do plano etrico. Alm disso, o campo magntico ainda um fenmeno produzido por foras inerentes matria, ao passo que as foras etricas so de ordem superior.

Vejamos agora se podemos estabelecer uma diferenciao entre o reino vegetal e o reino animal (e humano). Uma observao emprica e sem preconceitos pode revelar-nos os seguintes fatos:

Tanto o animal como a planta vivem. Mas enquanto a planta aparece como um ser adormecido, em estado de "sono", o animal vive em estado de viglia, caracterizado por uma conscincia que j se manifesta nos animais mais primitivos. Ou antes, o animal passa por estados alternados de sono e de viglia. Nestes ltimos, ele sente e reage; tem impulsos (procura de alimento, de parceiros sexuais), pode "aprender", etc.

Verificamos, ainda, que a planta aberta: a superfcie da folha (mdulo constitutivo da planta, de acordo com a genial descoberta de Goethe) est exposta e permevel s foras de fora. Ela no tem vida "interior". O animal, por seu lado, parece-nos mais "fechado", mais isolado do mundo externo; e isso no apenas fisicamente. Existe nele uma espcie de espao interior, que no apenas fsico (estruturao do sistema do corpo, rgos com funes definidas, etc.) mas tambm anmico. No animal h um "mundo prprio" de reaes, instintos, atitudes, gracas ao qual ele ocupa um lugar isolado dentro da natureza, enquanto a planta entregue ao mundo, a cada momento atravessada pelas suas influncias.

Ao passo que a planta se realiza no tempo, com o surgimento gradativo das suas partes, o animal est pronto e completo desde o seu nascimento. Ele cresce em tamanho mas no se diversifica (vamos desprezar aqui fatos como a metamorfose dos insetos, que tem outra explicao).

Novamente podemos dizer que as observaes sucintas que precedem no constituem novidade alguma para um observador curioso.

O que a Antroposofia acrescenta de novo uma descoberta de suma importncia; todos os fenmenos aludidos so ligados existncia de um veculo que no existe nas plantas, mas que est presente nos animais. Esse veculo que permite ao animal ter sensaes, simpatias e antipatias, instintos e paixes. No homem ele torna possvel toda a gama do sentir, desde o instinto at os sentimentos mais nobres e sublimes.

Tambm esse veculo aparece como um "corpo", mas de uma "substancialidade" ainda mais refinada e sutil do que a do corpo etrico. Um grau mais elevado de vidncia permite ao iniciado perceber esse corpo por meio de outra srie de rgos superiores (dos quais falaremos mais tarde). Esse corpo, veculo das sensaes e sentimentos, pode ser chamado de "corpo se sentimentos". Rudolf Steiner deu-lhe o nome de "corpo astral". Sem querer entrar aqui em detalhes sobre as razes dessa denominao, quero lembrar apenas que antigas correntes esotricas vislumbram uma relao entre as foras planetrias (em latim: astra) e os rgos do homem e sua vida anmica. Da o nome "corpo astral".

Estamos, pois, em presena de mais um "corpo" que permeia o corpo visvel do homem e do animal. Ambos possuem, portanto, alm do corpo fsico e do corpo vital (ou etrico), esse terceiro membro da sua entidade, pelo qual participam de um terceiro plano, o chamado plano astral.

Esse corpo astral "superior" ao corpo etrico, dominando-o. Ele provoca no corpo fsico e no corpo etrico, a especializao de funes, que se traduz pelos rgos ocos. Enquanto a folha, unidade constitutiva da planta, plana e pode ser considerada como bidimensional, o corpo de qualquer animal contm esses espaos tridimensionais vazios, e cuja primeira apario se d no estado de gstrula do embrio. Esse vazio foi, desde tempos remotos, posto em relao com o ar, e de fato, o elemento atribudo ao mundo animal era o ar (no sentido da diviso antiga do mundo em quatro elementos). Como o conjunto das foras anmicas tambm chamado "alma", podemos estabelecer paralelos interessantes entre as palavras latinas: anima (alma), animus (vento, ar, sopro) e animal (animal).

A presena de elemento "ar" se manifesta de manifesta de muitas maneiras. Os animais superiores possuem a faculdade de manifestar seus estados anmicos pela voz, pelo grito, utilizando para isso o ar. Enquanto a respirao das plantas (diferente da fotossntese) uma corrente contnua, ela se efetua na maioria dos animais como alternao rtmica da inspirao e da expirao. Quanto mais um animal se afasta das funes puramente vegetativas (que o aproxima mais da planta), mais o elemento "ar" passa a dominar sua vida.

Mas voltemos nossa caracterizao do animal frente ao reino vegetal. Dissemos que o animal mais fechado, mais separado do mundo. Para compensar esse isolamento, o animal inova em trs domnios:

1) Ele se move em seu ambiente. O movimento lhe permite tomar a atitude ou buscar o lugar mais propcio para a realizao dos seus intentos (fuga, sexo, fome, etc.). Todo movimento dirigido.

2) Ele emprega um sistema sensorial e nervoso que estabelece o contacto com o mundo.

3) Ele vive e age com uma certa conscincia.

Essa conscincia f-lo reagir de maneira tpica e caracterstica a cada espcie. No se trata evidentemente de uma conscincia lcida, individual, pois no podemos falar de indivduos entre os animais. Todos os exemplares de uma espcie se comportam e reagem de maneira igual, como se um impulso de grupo lhes orientasse a vida. Por esse motivo, Rudolf Steiner no atribui aos animais uma "alma" individual, mas antes uma alma de grupo que se manifesta atravs dos corpos astrais de todos os membros de uma espcie.

Falando mais especificamente do corpo astral humano, a clarividncia revela que o seu "aspecto" depende dos sentimentos que prevalecem no indivduo observado. O vidente fala em "colorao" desse corpo astral, embora naturalmente no se trate de cores fsicas. Quanto mais puro e menos egostas os sentimentos, mais claro e brilhante o corpo astral, ao qual se d tambm o nome de "aura". Dai o costume de representar o corpo ou a cabea de pessoas "santas" envoltos em uma aura clara e luminosa ("mandorla" na ndia, "aurola" na pintura ocidental), Era uma tradio cujas origens remontam s pocas em que ainda se podia perceber o corpo astral como resultado de uma clarividncia geral.

Demos agora mais um passo procurando diferenciar o homem do animal, Devemos perguntar se o homem apenas um animal evoludo, com certas faculdades existentes neste ltimo, porm mais aperfeioadas e desenvolvidas; ou se o homem fundamentalmente diferente de qualquer animal, possuindo algo a mais que o distingue dele.

As teorias evolucionistas tradicionais seguem a primeira hiptese, fazendo o homem descender em linha reta do animal. As grandes religies viam no homem um ser basicamente diferente do animal. A Antroposofia da mesma opinio. Com efeito, os animais no tm individualidade; eles so dirigidos por almas de grupo; todas as tartarugas ou abelhas reagem de maneira idntica e tpica, como se seus impulsos fossem dirigidos de fora (Para estas consideraes deve-se tomar, como exemplos tpicos, os animais selvagens - os domsticos j sofreram a influncia do homem), No homem aparece a verdadeira individualizao. Cada homem um ser nico, singelo, diferente de todos os demais seres humanos.

Enquanto os animais atingiram um estado de viglia ao qual no hesitamos em dar o nome de conscincia, s o homem tem conscincia de si prprio, a autoconscincia que o faz ter plena noo de si mesmo frente ao mundo.

Isso pressupe uma srie de faculdades que no encontramos no animal:

1) S o homem pode pensar, opor-se ao mundo numa relao sujeito-objeto. Ele pode representar de maneira abstrata as suas vivncias sensoriais e elevar-se a representaes, conceitos e idias. No seria impossvel ensinar a um rato ou a um cachorro achar o seu caminho num labirinto; mas s o homem pode, uma vez percorrido o trajeto certo, sentar junto a uma mesa, representar-se a imagem abstrata do labirinto e fazer dele um desenho. Qualquer abelha constri favos perfeitamente hexagonais; mas s o homem pode compreender as relaes e o princpio de construo de um hexgono regular.

2) O animal est entregue s suas sensaes e sentimentos. Cessando a causa que lhe provoca uma sensao ou sentimento, acaba tambm o estado anmico. O homem possui a durabilidade dos sentimentos, por alm da presena da causa. Mais ainda, ele pode provocar um sentimento por uma pura representao mental: eu posso pressentir os gozos gastronmicos pela simples imaginao de um suculento jantar.

3) O homem tem memria, o animal, no! - Esta afirmao parece temerria quando se pensa na alegria de um cachorro quando seu dono volta aps uma ausncia prolongada. Mas uma coisa memria, outra, o fato de reconhecer. No caso do animal, a sensaco, agradvel ou no, repete-se quando a mesma causa est presente. A presena do dono provoca sempre, a cada vez, a mesma reao; mas para isso, necessria a presena fsica do fato causador. O cachorro pode at sofrer quando lhe falta essa presena. Mas s o homem pode representar-se, sob a forma de imagens, um ser ou uma situao da qual no h mais vestgio. A memria, como faculdade de recordar mentalmente qualquer situao vivida, uma faculdade exclusivamente humana.

4) Das trs faculdades descritas nasce a capacidade do homem de livrar-se das influncias do meio, isolando-se por completo e podendo at resistir a essas influncias. Nenhum animal pode dominar seus instintos por uma deciso autnoma. O homem pode dominar-se, renunciar a um prazer ou satisfao de um desejo; ele pode ponderar vrios motivos, representar-se as consequncias futuras de um ato ou lembrar concretamente as consequncias de um ato passado. Tudo isto impossvel ao animal.

5) Em consequncia disso, s o homem pode ter a liberdade de agir, de escolher entre vrios atos possveis. Somente ele pode agir moral ou imoralmente; o animal segue trilhas fixas e predeterminadas pelas caractersticas da sua espcie. Ele irresponsvel.

O homem possui, pois um centro autnomo da sua personalidade, o qual constitui o mago da sua essncia, e do qual tem uma experincia direta e insofismvel. Quando fala desse centro ele diz "eu", e esse eu ou ego, verdadeira parcela espiritual, que o distingue do animal.

Alm e acima dos trs "corpos" inferiores (fsico, etrico e astral) o homem possui, pois, um quarto elemento constitutivo da sua identidade. Ou melhor: ele esse eu (ego) ao qual os trs corpos servem apenas de base ou envoltrio.

Pelo seu EU, o homem participa de um plano superior ao plano astral ou anmico, plano que podemos chamar de espiritual; possui um elemento espiritual individualizado e singelo que constitui o centro do seu ser. O eu lhe d a sua personalidade, o eu pensa, sente e deseja atravs dos seus corpos inferiores, o eu ama e odeia, cobia e renuncia, comete atos bons e atos maus.

Desde h muitos sculos, os poetas falam de "fogo" da personalidade, do amor e do dio. E com muita razo, pois o elemento do fogo , por assim dizer, o apangio espiritual do eu. Vemos, pois, os quatro membros da entidade relacionar-se, de certa forma, com os quatro "elementos" dos gregos.

Como elemento espiritual autnomo, o eu no est sujeito s limitaes do espao e do tempo. Ele eterno, independente e alheio s caractersticas passageiras dos seus corpos inferiores. Estes esto a servio de eu, constituindo seu veculo na vida terrena.

A presena do eu faz o homem. Dessa presena recebem os corpos inferiores suas feies e funes diferentes das que existem nos animais e nas plantas. Assim, por exemplo, o pensar e a memria esto ligados ao corpo etrico, o qual, na planta, serve exclusivamente a tornar possvel a "vida", No ele que pensa, mas constitui, por exemplo, para a memria, o meio no qual se "guardam" as experincias passadas. Da mesma maneira, o crebro imprescindvel para o pensar; mas naturalmente no o crebro que pensa; ele serve ao homem apenas como veculo fsico para o pensar.

O mineral, a planta e o animal so criaes. O homem criao e criador. Criado por foras exteriores a ele, libertou-se dessas foras criadoras, tornando-se autnomo e criador. Ele continua a obra de criao; como pensador, filsofo ou artista, acrescenta ao mundo algo de novo. Sua liberdade est em oposio ao determinismo inelutvel que domina os reinos inferiores.

Por meio do eu, o homem pode dominar e purificar seus sentimentos, instintos e paixes. O esprito , de certa forma, um adversrio daquilo que, em ns, meramente anmico. Toda tica tem a sua razo de ser nesse antagonismo.

Veremos, mais adiante que o princpio da evoluo reina em toda a existncia, embora de maneira bem diversa da imaginada pelo darwinismo e outras escolas bio-histricas. O homem nem sempre foi homem, e dever alcanar futuramente estados superiores ao meramente humano.

O homem se desenvolve no somente pela aquisio de novos conhecimentos e tcnicas. Ele evolui sobretudo pelo aperfeioamento das suas faculdades anmicas, mentais e morais, A sua prpria "egoidade", o grau da sua conscincia e da sua maneira de pensar tm evoludo no passado e evoluiro no futuro. Ele vive e viver adquirindo novas faculdades.

J vimos que o corpo astral o veculo para sensaes e sentimentos, instintos e atividades psquicas conscientes e inconscientes. Do convvio do eu com ele e com os corpos inferiores nasceu um conjunto autnomo de atitudes e faculdades, que se chama vulgarmente de "alma".

A alma distinta da corporalidade e do eu, constitui, pois como que um elemento de ligao entre o eu e o mundo. O eu sente e age atravs desse instrumento.

Contudo essa alma no homognea, Ela possui faculdades que fizeram sua apario gradativamente no decorrer da Histria.

Diremos que a "alma" se manifesta de trs formas. Para maior simplicidade a Antroposofia at fala em trs almas (Aristteles e outros j haviam falado em vrias almas), ou seja:

1) A alma sensvel ou ainda alma da sensao: ela traz a conscincia das sensaes, a vivncia de uma impresso sensorial, por exemplo, de uma cor, de uma obra musical, de uma dor. Atravs da alma sensvel, o homem vivencia o mundo.

2) A alma do intelecto ou do sentimento: por meio dela o homem formula pensamentos. Ele pe em ordem as sensaes recebidas, ele compreende o mundo, ele constri o universo interno de representaes mentais, de pensamentos e de idias. A abstrao e o pensar so resultados da existncia dessa alma do intelecto. Cincia e filosofia so seus frutos.

3) A alma consciente ou alma da conscincia: traz ao homem a conscincia dos contedos no-materiais do mundo ("idias") e da sua prpria individualidade e o choque entre o seu ego e o mundo. Ele se sente distanciado, abandonado; em consequncia, sofre por seu isolamento, duvidando de tudo e no se dando mais por satisfeito com explicaes fornecidas pela alma racional.

Um grande esforo necessrio para que o homem possa transpor o abismo que a prpria alma consciente rasgou entre ele e o mundo. Num trabalho rduo, ele deve restabelecer a ligao entre a parcela espiritual do seu eu e a espiritualidade universal.

Esse esforo j nos leva ao desenvolvimento futuro da humanidade. Com efeito, as trs almas so o fruto da simples existncia do eu e dos trs corpos inferiores. Sem qualquer atuao consciente do eu, as trs almas se desenvolveram pouco a pouco ao longo da histria do homem.

No futuro, o eu, que entrementes ter atingido a plena maturidade e autoconscincia, dever tomar o seu destino nas prprias mos. Ele impregnar com suas prprias foras e propriedades os trs corpos inferiores, comeando pelo corpo astral, que lhe oferece menor resistncia do que os corpos etrico e fsico, mais "densos" e menos maleveis.

Nesse trabalho rduo e difcil de "espiritualizaco" consciente dos corpos inferiores, o eu criar, por assim dizer, novos membros futuros, novas camadas de seu ser. Ele se abrir ao esprito csmico para transformar os impulsos recebidos "de cima" em aperfeioamento e purificao dos corpos astral, etrico e fsico.

O corpo astral assim espiritualizado por um trabalho consciente do homem constituir, pois, um futuro novo "corpo" do homem. Steiner lhe deu o nome de "personalidade espiritual" (em alemo: Geistselbst). O corpo etrico transformado, segunda etapa da evoluo futura, o "esprito vital" (Lebensgeist), O corpo fsico, quando imagem pura e regenerada do mundo espiritual, chamado de "homem- esprito" (Geistmensch). Com essas perspectivas do futuro chegamos bem longe da atualidade. No presente, como j vimos, o homem constituido pelos quatro membros da sua entidade, acima descritos.

O eu, sua verdadeira entelquia, o centro do seu ser. Ele o indivduo.

O corpo astral recebe os impulsos e impresses dos mundos fsicos e superiores. Com ele o homem reage, pensa e entra em intercmbio com a realidade.

O corpo etrico lhe d a vida e fornece o instrumento para o pensamento, a memria e outras faculdades.

Finalmente, o corpo fsico a base material da sua existncia atual. Ele fornece a matria para os instrumentos que permitem ao homem participar do mundo fsico.

SONO E SONHO

Durante o estado de viglia, os quatro membros da entidade humana fazem-se presentes: Podemos tambm dizer que o indivduo, para constituir o seu ser, rene, durante a sua vida, "substncias" de quatro planos.

Essa aglomerao est longe de ser harmoniosa. Sabemos, por experincia prpria, que nem o nosso corpo, nem a nossa alma, nem o nosso eu como ser moral, so perfeitos. Ao contrrio, a nossa vida traz um desgaste constante dos vrios membros da nossa entidade.

A prpria conscincia, os impulsos nocivos, as impresses feias, os alimentos imprprios, etc., prejudicam o organismo, ou seja, a parte constituda pelos corpos fsico e etrico, produzindo perturbaes dos sistemas digestivo, circulatrio, etc., as quais podem at chegar doena.

Mas tambm a parte anmico-espiritual pode sofrer efeitos nocivos: em contato com o mundo surgem desejos irracionais e impulsos negativos (dio, inveja, cobia) que prejudicam a prpria "substancialidade" da alma e do esprito. Uma ao m deteriora o ego, uma cobia excessiva afeta o corpo astral.

Para se regenerarem desse desgaste, os vrios componentes do ser humano devem periodicamente afrouxar os laos que os unem, permitindo a cada um haurir foras renovadoras em seu prprio meio. Esse fenmeno constitui o sono. A inconscincia do sono , pois, uma necessidade imperiosa para todo ser dotado de uma conscincia desenvolvida.

Com efeito, durante o sono ocorre uma separao da parte anmico espiritual da parte fsico-etrica. Aliviado da conscincia, das sensaes da vida anmica, o corpo descansa na cama, reduzido ao nvel de uma planta, pois aparenta apenas funes vegetativas. No se manifestam a conscincia, a personalidade, os sentimentos e os pensamentos. Nesse estado inconsciente, foras e seres superiores penetram no organismo e o corpo etrico se regenera pela entrada de impulsos e foras provenientes do plano etrico universal.

O corpo astral e o eu se desligam do organismo durante o sono e voltam para as regies das quais originalmente emanaram. No devemos imaginar essa separao como simplesmente espacial. Durante essa sua permanncia nos mundos superiores, o corpo astral e o eu recebem impulsos dos seres superiores que vivem nessas regies. Ambos tm experincias notveis, mas sem pensamento prprio porque o crebro, instrumento do pensar ficou na cama e sem a possibilidade de se lembrar mais tarde dessas experincias (porque o corpo etrico, instrumento da memria, tampouco os acompanhou nessa viagem). Enquanto o homem aparentemente dorme, o seu eu est na realidade em plena atividade; mas s o clarividente pode observar esse fato.

Falei em seres superiores. Teremos ainda ensejo de ocupar-nos detalhadamente desses seres. Aqui bastar dizer que existem seres "bons" e "maus" - que a crena popular identifica como os anjos e demnios. Dos impulsos recebidos desses entes durante o sono depender o comportamento do indivduo depois de despertar. Uma sabedoria antiga conhecia essas influncias: os homens se deixavam inspirar durante o sono pelos deuses, pelas musas. Nos contos de fada autnticos encontramos a cada passo aluses inspirao recebida nessas ocasies.

Antes do adormecer e do acordar existe um estado de pouca durao, durante o qual o eu e o corpo astral esto "separados" do corpo fsico, enquanto existe a ligao com o corpo etrico. O homem est, pois, em presena da sua "memria" (ligada ao corpo etrico) e pode exercer certas funes mentais (igualmente ligadas ao corpo etrico), mas faltam-lhe as percepes sensoriais claras, a plena conscincia e o pensar racional que no podem prescindir do instrumento do corpo fsico.

Certas experincias do eu durante esse estado, combinadas com reminiscncias da memria, fazem surgir ento os sonhos. O sonho constitui, pois, um estado intermedirio entre o sono e a viglia. Ele caracterizado por uma conscincia reduzida, por imagens e formas do mundo exterior, porm sem lgica e clareza. O eu traduz suas vivncias e recordaes e em imagens simblicas.

Desde tempos imemoriais o homem conhecia a natureza desse estado que possibilitava uma experincia velada de certas realidades espirituais. Da a importncia atribuda arte de analisar os sonhos para conhecer a realidade espiritual ou para chegar verdadeira personalidade do homem que se revela durante o sonho quando inexistem os tabus sociais e as barreiras que fazem com que o carter se dissimule durante a vida normal.

Sem pretender sermos completos, podemos indicar alguns tipos relevantes de sonhos:

1. Em muitos sonhos, o homem perseguido pelas reminiscncias do dia. Preocupaes e angstias o acompanham, problemas no resolvidos martelam seu esprito de maneira incoerente, certos impulsos (vingana, dio, amor, cobia) manifestam-se de modo irrefreado. Um sono repleto de sonhos dessa espcie no regenerador, pois impede uma separao suficiente e benfica entre o eu e a parte orgnica.

2. Muitos sonhos so determinados, no seu enredo, por influncias do ambiente. Assim, podemos sonhar uma estria, que termina no tilintar agudo de uma flauta tocada por um dos personagens do drama onrico. Acordados, verificamos que o despertador provocou o tilintar no sono: eu recordo toda uma estria que o precede; e cujo final lgico o tilintar. Isso prova que os sonhos no se desenrolam no tempo, mas so imagens instantneas que somente ao recordar so mentalmente decompostas em vrias fases sucessivas. Da mesma maneira, um incndio no sonho pode ter por causa o calor excessivo provocado por um cobertor.

3. H sonhos causados pelo prprio corpo. Uma refeio um pouco pesada, tomada antes de dormir, pode provocar pesadelos, e muitas vezes o prprio rgo pode aparecer sob uma forma simblica (intestinos = serpente, dente = torre, sangue = gua). Vemos mais uma vez que o sonho simbolizador. A arte de interpretar os sonhos consiste, justamente, em descobrir a "realidade" que se traduz em smbolos.

4. Como j foi dito, os desejos mais ntimos do eu, reprimidos durante a viglia e sem possibilidades de subir conscincia, podem ter livre curso no sonho embora sob forma simblica. Esse fenmeno figura nos fundamentos de muitas anlises psicoteraputicas.

5. Um tipo de sonho ainda mais significativo aquele onde o indivduo encontra pessoas vivas ou mortas, delas recebendo uma mensagem que amide se confirma, mais tarde, na realidade: uma pessoa ausente pode nos dizer no sonho que est doente ou morta; a notcia confirmatria chega poucos dias mais tarde. O que se torna patente, aqui, uma experincia feita pelo eu, de uma realidade no mundo espiritual. Com efeito, a morte de qualquer pessoa um acontecimento que se reflete naquele domnio. Transcendendo os limites do espao, o eu vivencia esse fato e o sonho o transforma em imagem.

6. Finalmente, h pessoas que ao despertar sabem que no sonho lhes apareceu um ser espiritual superior com uma mensagem ou uma revelao, ou que elas "assistiram" a acontecimentos do futuro. So os chamados sonhos profticos, que tamanho papel tiveram em tempos passados, desde os sonhos interpretados por Jos na Corte do Fara (as vacas gordas e as vacas magras) at vises dos profetas (aparies de Serafins, Querubins, Anjos. etc.). Esses sonhos tambm tm papel importante na psicologia moderna (especialmente em C.G.Jung).

No h adormecer ou despertar sem sonho; na maioria dos casos, porm, no o lembramos. Muitas vezes tambm, sem poder recordar um sonho concreto, acordamos com a certeza de ter passado um tempo num outro mundo.

Ao despertar, sonhamos muitas vezes com a volta ao corpo sob forma simblica. Sonhamos, por exemplo, que voamos e nos aproximamos cada vez mais do cho, at bater nele. Nesse instante despertamos. Ou queremos entrar num edifcio ou, por exemplo, numa torre. No o conseguimos durante algum tempo, at que finalmente quase irrompemos nela fora e acordamos. Aqui o corpo representado pelo smbolo da torre.

O sono, com a fase transitria do sonho, , pois, um fenmeno que decorre de uma necessidade rtmica de todo o nosso ser. Compreende-se facilmente que sonos ou sonhos provocados artificialmente (narcticos, hipnose, anestesia) no so, nesse sentido, "naturais", e perturbam o equilbrio foras fsicas e psico-espirituais.

Os trs estados: viglia, sonho e sono correspondem a trs graus diferentes de conscincia.

Podemos dizer que o homem homem somente quando, no estado de viglia, plenamente consciente e lcido.

A Antroposofia ensina que a conscincia do animal semelhante (embora no idntica) nossa conscincia de sonho, enquanto a planta vive numa inconscincia total correspondendo ao nosso estado de sono. A conscincia dos minerais - se que podemos ainda falar em conscincia - seria ainda mais apagada do que a do nosso sono mais profundo.

Existem tambm no prprio homem zonas ou sistemas diferenciados por vrios graus de conscincia; Rudolf Steiner teve a intuio genial da trimembrao do organismo humano, cuja essncia pode ser resumida da seguinte forma:

O homem plenamente consciente em seu pensar e em suas observaes sensoriais. A esse sistema, Rudolf Steiner chama de sistema neuro-sensorial, ensinando que ele est centrado na cabea, muito embora o corpo todo possua percepes sensoriais. O plo oposto constitudo pelas funes completamente inconscientes do metabolismo e da vontade traduzida em movimentos (o homem tem a representao clara dos motivos e do resultado almejado de um ato de vontade; mas o "funcionamento" e a realizao do impulso volitivo lhe so completamente ocultos). Esse outro plo constitui o sistema do metabolismo e dos membros. Ele atua em todo o corpo, mas seu centro est no abdome e nos membros.

Entre esses dois plos, e com o grau de conscincia intermedirio entre a lucidez completa do sistema neuro-sensorial e a inconscincia do sistema metablico-motor, acha-se o sistema circulatrio (respirao, circulao), que tem por sede a parte torcica e que liga, por assim dizer, os dois extremos. A esse sistema corresponde a vida sentimental e um grau de conscincia que equivale ao sonho.

J que se falou, neste captulo, de seres superiores, parece indicado dizer mais algumas palavras sobre esse assunto. O leitor desejoso de conhecer detalhes mais amplos deve consultar a obra de Rudolf Steiner.

No existe religio que no fale de seres elevados possuidores de inteligncia, conhecimentos e poderes superiores aos do homem. As divindades da mitologia hindu, grega e germnica so alguns desses seres; tambm nas religies chamadas "monotestas" (judasmo, cristianismo e islamismo) existem arcanjos, anjos, demnios e diabos. Que so eles, uma vez serem nitidamente superiores aos seres humanos? O cristianismo, mantendo o dogma israelita "Deus um", fala ao mesmo tempo de Anjos, Querubins, Serafins e outros seres respeitabilssimos. Como explicar essa multido de "deuses"?

Admitindo-se um carter evolucionista do cosmo (voltaremos a esse assunto mais adiante) nada impede de imaginar, acima do homem, seres que possuam faculdades superiores, sem precisar, para sua existncia, de um corpo fsico. A experincia supra-sensvel revela de fato, ao vidente, a existncia de tais seres, e a Antroposofia contm descries detalhadas dessas "hierarquias superiores". Com efeito, esses entes pertencem a vrios nveis de evoluo, cada um caracterizado por um novo grau de conscincia, de faculdades e funes.

O nosso esprito humano naturalmente incapaz de captar totalmente os estados de conscincia desses seres. Apesar disso, possvel descrever-lhes certos aspectos. Mas em pocas passadas, certos indivduos mais evoludos tinham a capacidade de "perceber" esses seres e de ter contato com eles. A Antroposofia no pretende inovar nesse campo. O esoterismo cristo de um Dionsio Aeropagita j continha uma descrio pormenorizada dos "coros dos anjos", e o prprio So Toms de Aquino repetiu essa doutrina com pleno endosso da sua prpria sabedoria.

Rudolf Steiner soube completar os conhecimentos tradicionais a esse respeito, pela sua prpria experincia. Ele mostrou a ligao ntima desses seres e da sua atuao no nosso mundo e sobre o homem. A "imanncia" dessas entidades total. Tudo o que se passa em nosso mundo resulta da ao e da influncia de tais seres. Isso no impede que o homem, em determinado grau do seu desenvolvimento, consiga libertar-se de tal influncia criando as condies para seu prprio livre arbtrio.

Imediatamente "acima" do ser humano encontram-se entidades que as vrias religies chamam de Anjos (em grego, Aggeloi). So entes cujo "corpo" mais baixo o corpo etrico. Entre as suas mltiplas funes h aquela de constiturem elementos de ligao entre o homem e os mundos superiores. Cada homem tem, portanto, o seu "anjo", fato que se traduz no conceito popular de "anjo da guarda".

Os chamados Arcanjos (Archaggeloi) j no so dedicados a indivduos, mas a povos e outros agrupamentos. Cada povo tem o "seu" arcanjo que lhe determina as caractersticas tnicas. Quando um povo se forma como tal (por exemplo, o povo suo ou belga), o fato espiritual correspondente que um arcanjo comea a atuar pouco a pouco sobre um certo nmero de indivduos, fazendo nascer neles um esprito de comunidade e a sua diferenciao tnica e histrica dos outros povos.

Os Arqueus, ou "Espritos de poca", so os lderes espirituais de toda uma poca. Quando novos impulsos aparecem na histria da humanidade, ao mesmo tempo, em todos os povos evoludos, isso se deve influncia desses Arqueus.

Acima dos Arqueus existem os "Espritos da Forma", ou Exusiai. So idnticos aos Elohim da Bblia. Veremos. mais tarde. que o nosso "eu" nos foi originalmente "dado" pelos Exusiai.

Os "Espritos do Movimento" ou Dynameis constituem a prxima hierarquia. So os regentes csmicos de todos os ritmos e movimentos.

Os "Espritos da Sabedoria" ou Kyriotetes permeiam de suas emanaes tudo o que nos aparece como repleto de sabedoria, desde as formas harmoniosas da natureza at os grandes princpios da sabedoria csmica que filsofos como Aristteles ou astrnomos como Kepler ainda vislumbravam como que por intuio.

Os "Espritos da Vontade" ou Tronos representam a vontade divina como impulso bsico de todo o Universo.

Os dois grupos supremos, os Serafins (8) e os Querubins (9), fogem a qualquer anlise humana. So os seres mais elevados ainda acessveis ao ser humano e constituem a parte dos impulsos mais puros do amor, caridade e elevao da alma. O prprio Velho Testamento fala repetidamente desses seres por ocasio das vises dos grandes profetas.

Onde est "Deus" nesta hierarquia? Em que consiste a Trindade? O conhecimento humano no pode aspirar a abranger essas alturas da existncia csmica. Seria temerrio fazer afirmaes a esse respeito. Tentar descrever "Deus" j seria uma blasfmia, e mesmo os maiores iniciados, como por exemplo, Rudolf Steiner, somente puderam aproximar-se dele com um balbuciar de humildade. Qualquer outra atitude seria de presuno e de prepotncia. Alis, a Antroposofia no promete revelar "tudo". Ela tem os seus limites e procura apenas alargar o nosso campo de observao. A Antroposofia cincia, mas no oniscincia. Se soubssemos tudo, seramos... Deus!

Mesmo assim, a obra de Steiner contm profundas revelaes sobre o Mistrio de Deus e da Trindade.

A VIDA DEPOIS DA MORTE

Durante o sono, o eu e o corpo astral "abandonam" o corpo fsico deixando dentro deste apenas o corpo etrico; em consequncia disso, o corpo fsico permanece vivo. No momento da morte, o eu, o corpo astral e o corpo etrico separam-se do envoltrio fsico. Este se torna "cadver", matria sem vida, e passa a seguir as leis fsico qumicas do mundo mineral; estas destroem a forma do corpo, que rapidamente se decompe.

Na vida, a simples presena do corpo fsico com os instrumentos fsicos do crebro e dos sentidos impediu a percepo do conjunto das impresses e experincias conservadas no corpo etrico como "memria". Ao deixar o corpo fsico, desaparece essa barreira e o eu se encontra subitamente em presena da totalidade dessa "memria". Em grandiosos panoramas aparece-lhe toda a vida passada, sem a dimenso do tempo: o corpo etrico, possuidor dessas imagens, quem, nesta altura, apresenta-as ao eu.

Separaes parciais e momentneas do eu e do corpo etrico podem ser observadas tambm durante a vida em caso de choques, acidentes, ou em estados extremos de debilidade vital. Nesses casos a separao no suficiente para provocar a morte, mas basta para proporcionar ao indivduo uma experincia parecida com aquela que todos ns temos depois da "morte": muitas pessoas salvas de afogamento ou de uma queda na montanha contam que, numa frao de segundos, apareceu-lhes a vida inteira, em todos os seus detalhes, como num filme.

Um afrouxamento gradual dos laos que unem o eu com o corpo etrico verificado tambm em casos de doena em pessoas idosas. Aparecem-lhes pequenas partes da grande vista panormica acima descrita, de uma maneira nebulosa e pouco consciente. Essas pessoas lembram-se de detalhes da sua vida pregressa, em particular da sua infncia, os quais durante muitos decnios tinham cado no mais completo esquecimento. Enquanto os velhos, em geral, so incapazes de memorizar fatos novos, a memria de acontecimentos remotos torna-se cada vez mais clara.

Depois de aproximadamente trs dias aps a morte, o corpo etrico igualmente deixado "para trs" e se decompe, pouco a pouco, no plano etrico geral. Todavia, uma espcie de extrato conservado de uma forma mais ou menos individualizada.

Restam, pois, o eu e o corpo astral, que continuam juntos numa existncia caracterizada por uma srie de vivncias sumamente importantes.

Com efeito, o corpo astral estabeleceu, durante a vida passada, muitos laos com o mundo fsico, desenvolvendo desejos, pendores e paixes que no podem mais ser satisfeitos, pois no existe mais corpo fsico nem etrico. Na medida em que ultrapassam os impulsos naturais relacionados com as funes de uma vida normal, tais desejos podem deturpar o corpo astral. Este passa a sofrer desses desejos, insaciveis fora do corpo fsico, que experimenta qual uma chama ardente. Da a imagem do Purgatrio, na religio crist, como um lugar onde se purificam num fogo incandescente os maus instintos e desejos. Encontramos outra imagem no mito de Tntalo, heri grego, que aps a sua morte, sofria de uma sede insacivel, embora estivesse na gua: no momento de querer haurir o lquido, a gua fugia; da mesma forma, a sua fome no podia ser satisfeita: cada vez que queria pegar uma ma que pendia e sua frente, o galho recuava e a miragem do fruto se afastava.

Como se v, essas velhas crenas e imagens tem um fundo de verdade que nos faz consider-las com profundo respeito.

Alm desses sofrimentos, o eu possui tambm a lembrana de todos os atos cometidos, de todos os instintos e paixes desenvolvidos em desobedincia s eternas leis espirituais, como consequncia de impulsos baixos e maus. Atos e sentimentos de violncia, de dio, de cinismo, so vividos novamente, mas de forma muito mais intensa. O homem que teve tais sentimentos, ou cometeu tais atos, sofre agora como se ele fosse a vtima. Autor de condenveis aes, descobre que o mal cometido prejudicou no somente a vtima direta, mas a si prprio.

Essa "apresentao de contas" traz outro grande sofrimento nesse perodo post-mortem cuja durao de aproximadamente um tero da vida passada (ela corresponde, mais exatamente, a soma do tempo passado em sono: de fato o homem dorme em cada 24 hora mais ou menos 8 horas, ou seja, um tero). Um fato curioso e que a experincia da vida passada realizada de maneira retrgrada, comeando pela morte e prosseguindo at o nascimento.

O ocultismo hindu deu a esse "purgatrio" a denominao de kama-loka.

Os desejos esprios e as aberraes so, por assim dizer, "queimados" ou purificados durante essa evoluo. Mas o homem conserva uma imensa vontade de reparar e sanar o mal cometido e aspira a uma oportunidade de faz-lo.

Somente aps esse perodo fica o eu livre das impurezas anmicas que lhe aparecem personificadas como seres fora dele mesmo (imagens de drages e animais horrveis em muitos contos de fada). Ele deixa atrs de si o corpo astral, que se desintegra no mundo tambm astral, ficando apenas como uma espcie de extrato que acompanhar sua peregrinao futura.

Inicia-se ento uma vida do eu numa regio puramente espiritual. Devemos considerar o "esprito" no como um simples conceito ou como uma faculdade humana ("um homem de muito esprito") mas como uma substancialidade sui generis. Assim, uma obra de arte, por exemplo, tem um contedo espiritual real, independentemente da sua aparncia fsica sob forma de quadro, escultura ou pea de msica. At mesmo cada pensamento humano uma realidade espiritual que permanece, e no apenas um ato ntimo sem consequncia e sem realidade intrnseca.

Se dissemos que o eu entra a essa altura numa regio puramente espiritual, no aludimos a nenhum "lugar" no cosmo, a nenhum "cu". Estamos longe do espao e do tempo. Contudo o eu vive num ambiente repleto de outros seres espirituais: hierarquias superiores, outros eus de homens "mortos" ou vivos; tudo que tiver realidade na Terra aparece nessa "regio" sob forma arqutipa. Os "modelos" ou "idias" das formas terrestres, os impulsos espirituais que se manifestam na Terra, por exemplo sob forma de guerras, invenes, criaes artsticas ou simplesmente pensamentos, constituem o ambiente dessa regio espiritual que no pode ser adequadamente descrita por meio de palavras humanas.

O eu convive com essas formas e esses entes, aprendendo, permeando e sendo permeado, irradiando e recebendo, num intercmbio ntimo e permanente com o seu ambiente. Sua conscincia inteiramente diferente daquela da Terra. Quanto mais evoludo moralmente na Terra, mais intensa ser a conscincia nessa regio espiritual.

Ali o eu vive a sua vida passada; julga a si prprio ante o fundo da realidade espiritual. Sente-se como que fazendo parte desse maravilhoso universo, mas sente tambm que s numa vida terrena lhe dado progredir a aperfeioar-se moralmente. A estada post-mortem nos mundos espirituais apenas uma fase de "avaliao", de meditao csmica e de preparo de uma existncia futura.

Com efeito, o eu sente, aps um certo tempo, uma vontade irresistvel de voltar Terra: para reparar, por meio de atos, os efeitos prejudiciais da vida passada, para aprender mais, para evoluir tica e mentalmente, para voltar a encontrar os seres humanos e situaes que enfrentou no passado, estabelecendo novas relaes e resolvendo problemas que ficaram sem soluo. Qualquer situao no resolvida chama por uma soluo, e s por um ato terreno pode o eu procurar restabelecer a harmonia violada.

Nesse nterim, a Terra e os sers humanos na Terra, por seu lado, evoluram Do alto da sua existncia espiritual o eu acompanha essa evoluo, participando dela e influenciando-a dentro de certos limites.

Na vida espiritual, o eu humano est no nvel inferior das hierarquias mas os entes superiores o ajudam, influenciam-no e participam na elaborao de um programa que lhe deve permitir progredir numa vida futura, compensar males causados a outrem e enfrentar novas situaes.

O "morto" deseja, pois, novas experincias fsicas. Prepara uma nova vida terrena, aproveitando a lio e o extrato das vidas anteriores. A comea o caminho de retorno Terra. O eu desce pouco a pouco, percorrendo em sentido inverso regies percorridas aps a morte. Da substncia astral universal ele individualiza uma parte, que formar seu corpo astral adequado. Da mesma forma, vestir um corpo etrico tirado da substancialidade etrica geral e, finalmente, unir-se- a um germe de corpo fsico no momento da fecundao.

Uma nova vida comea. O eu se reencarnou e inicia uma nova srie de experincias, preparadas durante a estada nos mundos superiores em colaboraro com as hierarquias superiores e constituindo como que um novo captulo na corrente das suas encarnaes anteriores.

Cada vida aparece, pois, intimamente ligada s vidas anteriores e futuras por um princpio de causalidade espiritual que os hindus chamaram de "Lei do Carma" (destino). Veremos mais tarde o sentido dessa noo, mas podemos entender desde j que no h acaso no fato de um indivduo nascer em determinado momento, em determinada famlia, ter uma educao de um certo tipo, encontrar certas pessoas, etc. H em tudo isso um sentido profundo. Somos ns os artfices do nosso carma, tendo em vista no uma "felicidade" gratuita e efmera, mas o verdadeiro progresso do nosso eu.

A existncia humana aparece, pois, como uma srie de vidas interrompidas por pocas de excarnao. So dois estados alternados e ritmicamente opostos como o sono e a viglia. Veremos nos captulos seguintes qual o sentido dessa evoluo, seu comeo e seu fim.

A EVOLUO DO SER HUMANO

I - ESTADOS PR-TERRESTRES

Conhecemos agora o ser humano como um ser desmembrado em quatro elementos constitutivos, que toma conscincia de si num universo perceptvel formado pelos trs reinos inferiores e elevando-se "para cima" a planos superiores habitados por seres que lhe so imensamente superiores.

Tendo-se j mencionado o princpio da evoluo que domina todo ser, cabe-nos estudar agora o caminho percorrido pelo homem at atingir o seu estado presente. Uma observao superficial nos mostra que, das quatro partes da entidade humana, o eu o mais imperfeito, uma vez que o homem s desperta de vez em quando para a verdadeira autoconscincia e atua s em casos excepcionais com verdadeira reflexo e livre arbtrio. Mas tambm o corpo astral com seus desejos e paixes desenfreados, suas cobias, seus instintos viciados, est longe da perfeio. J as funes vitais, e mais ainda, os processos puramente fsicos, esto-se desenrolando em relativa harmonia, a no ser que sofram os reflexos de uma vida anmica e espiritual defeituosa.

Da podemos inferir, com uma certa probabilidade de razo, que o eu o elemento mais novo, enquanto o corpo fsico o mais velho. A investigao esotrica confirma plenamente essa suposio, mas para bem compreender a situao presente necessrio conhecer algo da evoluo que a ela conduz.

Antes, porm, de exp-la em suas linhas gerais, cumpre fazer algumas observaes.

Em primeiro lugar, convm frisar desde j que o homem atual o produto de um trabalho efetuado pelas hierarquias superiores. Foram elas que formaram e plasmaram todos os membros da sua entidade. As foras que assim atuaram sobre ele nem sempre emanaram de entes favorveis que quisessem influenci-lo de modo harmonioso. Havia foras contrrias e opostas aos seres favorveis, e cujas influncias se revelaram perturbadoras. Veremos mais tarde que o homem o produto do combate entre essas foras antagnicas.

Tendo que voltar a pocas remotssimas, onde as condies exteriores eram totalmente diversas das atuais, existe o risco de provocar mal-entendidos ao empregarmos termos tirados da nossa vida atual, como "espao", "tempo", "calor", etc. Mas no h outra soluo, e devemos estar cnscios desse perigo.

Uma primeira pergunta ser sem dvida levantada pelo leitor atento: Mesmo admitindo que a vidncia permita observar fatos no-fsicos atuais, como possvel que o iniciado possa descrever o que se passou em pocas remotas, quando nada era parecido com o mundo atual? Lembremos que a memria do homem individual "reside" em seu corpo etrico. Pois bem: assim como os fatos vividos pelo homem esto "gravados" em seu corpo etrico, assim a substncia etrica csmica recebe a "impresso" de todo e qualquer fato que ocorre no mundo. O clarividente pode, a um determinado grau do seu desenvolvimento inicitico, dirigir o seu "olhar" espiritual para esse mundo etrico como o dirige para o corpo etrico de uma planta ou de outro homem. Ele poder ento "ler" nessa memria csmica as impresses feitas em tempos passados. Sendo essa memria etrica denominada pelo velho termo hindu de Akasha, o esoterismo moderno diz, empregando uma imagem bastante pitoresca, que o vidente est "lendo a crnica do Akasha".

Convm lembrar que muitos fenmenos de telepatia, ou de observao de fatos a grande distncia, explicam-se pela existncia desse "meio" supra-espacial onde tudo deixa o seu vestgio.

A histria, a paleontologia e a geologia revelam-nos fatos valiosos do passado; mas mesmo as teorias cosmognicas mais ousadas no estendem o campo da sua observao (ou especulao) alm de fenmenos materiais, fsicos. A Antroposofia, empregando os meios de observao aludidos, remonta muito mais longe, descrevendo estados pr-materiais durante os quais j existia o homem, ou antes, precursores do homem.

Seria absurdo querer remontar ao "comeo dos comeos". A Antroposofia tem por objeto o homem, e assim procuraremos descobrir o momento do passado onde aparece o primeiro vestgio do homem.

Isso nos faz voltar a um tempo onde nada, mas absolutamente nada do nosso mundo atual existia. O que havia eram as entidades das hierarquias superiores, que tambm no haviam atingido o seu grau de evoluo atual.

Foi ento criado, por um ato que pode apenas ser comparado a um auto-sacrifcio, o primeiro germe do corpo fsico humano, graas a uma emanao, da sua prpria substncia, produzida pelos Tronos, ou Espritos da Vontade. Esse corpo era como que uma massa ainda no individualizada de matria, e essa matria era to sutil que poderia lembrar apenas o que chamamos hoje de "calor". J o estado gasoso, e muito mais os estados lquido e slido, eram inconcebveis nesse cosmo de extrema sutileza.

"Vontade sob forma de calor" eis o primeiro estado do nosso "mundo". Outras hierarquias comearam ento a atuar; sob sua influncia, a massa informe comeou a diferenciar-se numa infinidade de pequenas partculas. Para caracterizar esse estado, Rudolf Steiner emprega a imagem de uma gigantesca amora, onde cada pequena esfera seria um precursor de um corpo fsico humano atual. Esse precursor de "ns" no tinha ainda vida prpria; seu grau de conscincia (se que podemos falar de um smile de conscincia) era equivalente quele dos atuais minerais.

A um dado momento, comeou a existir nesse corpo csmico uma espcie de vida, reflexo da atividade exercida "de fora" por certas hierarquias; mas ainda no era vida prpria. Depois de mais um lapso de tempo (devemos imaginar que essa evoluo se verificou em perodos de tempo muito longos), essa esfera de calor comeou a luzir. Para um espectador "de fora" ela se teria apresentado como uma grande esfera de calor resplandescente, percorrida por correntes de calor e dividida em inmeras pequenas esferas que eram as precursoras dos nossos corpos fsicos.

Esse antigo estado, espcie de primeira encarnao csmica do nosso sistema solar, tem no ocultismo o nome de Velho Saturno.

Decorrido um certo tempo, esse cosmo se desintegrou, tudo voltando para um estado puramente espiritual. Essa "noite csmica", comparada a uma sstole universal, designada pelo nome hindu de Pralaya.

Aps um certo lapso de tempo, nasceu um novo Universo. Primeiro houve uma espcie de recapitulao da poca anterior. Formou-se novamente um corpo de calor. Mas em dado momento, e novamente como resultado da atuao das hierarquias superiores, os precursores do nosso corpo fsico receberam um corpo etrico e comearam a aparentar formas rudimentares de vida prpria. O corpo fsico passou ao estado gaseiforme, embora contivesse tambm o elemento de calor ou fogo. Nesse estado, "ns" tnhamos, portanto, o grau de evoluo de uma planta (corpo fsico e corpo etrico) tendo a substancialidade de um gs. O "nosso" grau de conscincia naquela segunda encarnao da nossa Terra tambm era aquele de uma planta, isto , de sono profundo.

Houve no Velho Saturno entes que no atingiram o ponto final previsto para a evoluo saturnina. Esses seres no puderam acompanhar, na segunda encarnao, a evoluo dos demais, tendo, ao contrrio, que recapitular o estado que seus irmos mais avanados j haviam terminado no Velho Saturno. Havia, pois, no Antigo Sol (pois esse o nome que se d segunda encarnao desse Universo) dois reinos: um evoludo, tendo o grau de desenvolvimento de uma planta, e possuindo um corpo fsico e um corpo etrico; e outro atrasado, que ainda percorria - pela segunda vez - a existncia equivalente de um mineral, sem corpo etrico.

Em determinada poca dessa evoluo, certos espritos das hierarquias superiores, os quais no puderam suportar a densificao progressiva do ambiente, retiraram-se do corpo do Velho Sol e constituram um corpo celeste parte, repetio do Velho Saturno. Havia, pois, dois corpos possuindo configurao e caractersticas diferentes, e que atuavam um sobre o outro. Devemos imaginar esses corpos permeados e atravessados pelas hierarquias e suas influncias, sob cuja ao o precursor do homem evoluiu, at que tudo voltou novamente a um pralaya, ou noite csmica. Antes disso, os dois corpos se tinham reunido novamente. Convm frisar que esses dois estados planetrios no tem nenhuma semelhana com o Saturno e o Sol atuais.

Emergindo do estado puramente espiritual, o nosso Universo iniciou sua terceira fase: a Velha Lua. Aps nova recapitulao dos estados anteriores, a condensao progrediu at a incluso do elemento lquido, dando matria mais densa a forma de uma neblina ou de um gel. Novamente as hierarquias mais sutis, no podendo acompanhar essa densificao, formaram um novo corpo equivalente ao Sol. Originaram-se da certos movimentos rotativos e estados alternados de irradiao.

Sob a influncia de determinada hierarquia, o "homem" passou a adquirir um precursor do nosso corpo astral, atingindo um estado semelhante ao dos nossos animais, com a conscincia de "sonho". Em baixo dele havia dois reinos; aqueles que haviam recapitulado no Velho Sol, com sucesso, a evoluo proto-saturnina, e que nessa altura atingiram o nvel de planta; e aqueles que tambm no Velho Sol no conseguiram progredir, tendo que percorrer agora, mais uma vez, um estado de mineral.

Tambm entre os seres das hierarquias superiores havia evolues anormais. Em dado momento, vrios dentre eles se "revoltaram" contra a evoluo geral, procurando um desenvolvimento diferente. A interao de todas essas influncias fez com que o mundo se diversificasse ainda mais: houve at a formao de outros "planetas", centros de atuao espiritual dos vrios grupos de hierarquias.

Em meio a esse mundo vivia o "homem". O corpo astral j lhe proporcionava sensaes, instintos, antipatia e simpatia, mas sem a faculdade de livre-arbtrio e sem o raciocnio, apangios da plena conscincia que nasceriam apenas com o eu. Outrossim, a "forma" exterior do homem, como alis, o aspecto de todo o mundo ao redor dele, no podiam ser comparados a nada do que atualmente existe. No momento da sua maior concentrao, a Velha Lua, com os germes dos homens, no passava de uma massa mida ou viscosa com incluses gasosas. Nesse mundo viviam, alm dos seres das hierarquias, os homens, cujo membro mais elevado era um corpo astral; e, abaixo deles, aqueles que haviam ficado para trs, constituindo dois reinos equivalentes s nossas plantas e minerais. Processos semelhantes respirao e circulao j existiam, e os estados de conscincia mais ou menos clara alternavam, de acordo com as circunvolues dos corpos celestes, sedes das hierarquias em seus vrios agrupamentos.

No fim dessa evoluo, os vrios corpos celestes se reuniram novamente. Um terceiro perodo de involuo (Pralaya) fez voltar toda a diversificao a um estado puramente espiritual do qual emergeria, como quarta fase, a nossa Terra atual com o sistema solar que ela integra.

Toda a evoluo anterior , pois, caracterizada:

1. pela atuao das hierarquias superiores que nos criaram e nos fizeram evoluir;

2. pela densificao progressiva;

3. pelo despertar paulatino da conscincia;

4. pelo acrscimo de novos "membros superiores" e seu aperfeioamento sob a influncia de seres superiores;

5. pelo desenvolvimento que fez ficarem para trs os seres que no se desenvolveram de acordo com o "programa" csmico. Todavia, no foi por culpa ou mrito prprio que ocorreu essa desclassificao pois, por enquanto, o "ser humano" ainda no era responsvel pelos seus atos;

6. pela mais absoluta dissemelhana entre as condies "exteriores" das anteriores "encarnaes" da Terra entre si e em comparao com o nosso mundo atual.

A EVOLUO DO SER HUMANO

II - O COMEO DA EXISTNCIA TERRESTRE

Ao emergir do terceiro pralaya, o nosso sistema solar era uma formao anmico-espiritual homognea. Percorridos alguns estados no-fsicos da matria ele apareceu, inicialmente, sob a forma de calor, ao qual mais tarde se juntaram o elemento gasoso e o elemento lquido.

Mas, antes da formao deste ltimo, verificou-se um fato de suma importncia: no podendo participar dessa densificao progressiva, seres muito elevados da hierarquia dos espritos da forma, ou Exusiai, afastaram-se do resto da massa gaseiforme e deram origem a um corpo separado: o Sol atual. Este era, pois, originalmente, a sede espiritual dos Exusiai, e sua "matria" foi acrescentada mais tarde sem nunca atingir a densidade de nossa Terra.

Os Exusiai, que antes dessa separao tinham atuado de dentro da Terra, passaram a atuar agora apenas de fora. Da resultaram estados alternados de influncia maior ou menor, e que provocaram movimentos rotativos, origem de fenmenos comparveis ao dia e noite, e de estados de conscincia mais ou menos clara (viglia e sono).

Aps a separao, do Sol, o elemento lquido, e mais tarde tambm o slido, manifestaram-se pela primeira vez, mas ainda numa forma extremamente fina: Se falarmos a seguir de "endurecimento" progressivo, devemos lembrar-nos de que a "dureza" dos objetos mais densos nem de longe atingia a de um cristal de hoje.

Esse endurecimento, fruto da atuao de outros seres espirituais, ia aumentando at chegar ao perigo muito concreto de que toda a vida se tornasse impossvel aos entes humanos e aos outros, que tinham chegado da antiga Lua e que existiam na nova Terra desde o seu incio. Diante desse perigo esses entes se retiraram da Terra formando, sob a tutela de espritos mais elevados, novos corpos celestes: os planetas Marte, Jpiter e Saturno. Ao mesmo tempo, os planetas interiores foram formados por seres solares que no puderam acompanhar a evoluo dos seus companheiros no Sol, separando-se deste. Todo o nosso sistema planetrio teve, pois, uma origem espiritual.

Quando o perigo de petrificao da Terra estava no seu mximo, ameaando para sempre a sua futura evoluo, os entes divinos que vigiavam todo o desenvolvimento descrito frustraram esse perigo, deslocando os seres petrificadores para fora do prprio corpo da Terra onde formaram um novo corpo parte: a nossa Lua, a partir da qual passaram a exercer sua influncia endurecedora de maneira mais amena.

Os entes (precursores dos homens, etc.) que, ante a impossibilidade de permanecer na Terra, haviam emigrado para os outros planetas, comearam a regressar, pouco a pouco, na medida em que a Terra foi-se tornando novamente mais "mole", aps a sada dos seres lunares.

Nessa volta progressiva chegaram primeiro aqueles que, sendo pouco evoludos, podiam contentar-se com corpos fsicos relativamente "duros" foram as plantas inferiores e superiores, seguidas, mais tarde, pelos animais, sempre na ordem do seu grau de desenvolvimento. Os "homens" aos quais o mundo ainda no oferecia condies de vida adequada, permaneceram nos planetas e fizeram a sua apario na Terra em ltimo lugar.

Nesse nterim, o elemento slido havia se implantado progressivamente; estamos chegando s pocas das quais nos fala a paleontologia. Convm por em relevo que a evoluo, tal como a descreve a Antroposofia, corresponde inteiramente aos achados paleontolgicos; camadas puramente minerais, sem vida nas formaes mais antigas; traos de vida vegetal e animal nas camadas mais recentes ainda e, finalmente, depois de muitas formas transitrias, o homem. Foi ele, pois, o ser que soube esperar mais tempo. Aqueles que voltaram antes no atingiram o estado humano, pois no puderam encarnar-se num corpo individualizado. Destes, os mais evoludos eram os "Eus de grupo", que emprestaram cada qual sua individualidade a toda uma espcie de animais sobre a qual agiam "de fora" (lees, elefantes, etc.).

Vemos, pois, a interpretao dos fatos segundo a Antroposofia repousar, como a teoria de Darwin, sobre o aparecimento gradativo de formas cada vez mais perfeitas. Mas enquanto o darwinismo postula que o ser mais complicado "descende" de um ser terrestre mais simples, a Antroposofia mostra que, ao contrrio, os seres mais avanados existiam desde o incio - embora numa forma apenas espiritual - e que os seres mais simples se "encarnaram", aparecendo na Terra antes dos mais evoludos, porque ela no oferecia ainda, a estes ltimos, condies fsicas adequadas. A verdadeira corrente evolucionista a do homem. Todos os demais seres ficaram para trs.

Paralelamente descida do homem, assistimos a um progresso na sua conscincia. Enquanto o corpo astral era a parte mais alta da entidade humana, vemos agora os primeiros germes do eu nela implantados, num progresso extremamente lento. A "substncia" espiritual desses eus era como que uma emanao dos Exusiai, os espritos solares que podem, portanto, ser considerados como "criadores" do homem, nesta Terra.

O grau de conscincia desses eus era muito baixo. Nem de longe tinham conscincia de si prprios. Viviam, por assim dizer, num estado de sonho onde ainda se sentiam "unos" com seus criadores e com os mundos espirituais, que percebiam mediante uma vivncia supra-sensvel generalizada. Era um estado de perfeita harmonia, uma existncia "na presena de Deus". Era o Paraso da nossa Bblia.

Nas cincias ocultas, d-se a essa poca o nome de "poca lemrica", pois a humanidade vivia principalmente numa regio da nossa Terra (que ainda no possua a sua configurao atual), situada a leste da frica e atualmente coberta pelo Oceano ndico: o lendrio continente da Lemria (ou Gondwdnaland).

Esse perodo lemrico (ao qual precederam dois outros perodos desde a formao fsica da Terra) foi muito longo: inclua a separao da Lua a volta progressiva dos seres emigrados e os acontecimentos que passaremos a expor.

Repetindo sua faanha da antiga Lua, um grande grupo de seres espirituais de todas as hierarquias se revoltaram contra a evoluo traada pela Providncia (se nos permitido chamar assim ao plano csmico inspirado pelas mais altas hierarquias), procurando um desenvolvimento independente caracterizado por uma autonomia mais-ampla. Essa revoluo conhecida nas vrias mitologias e religies como a "queda dos anjos". Chamaremos esses seres de lucifricos, de acordo com o nome tradicional do seu inspirador e chefe.

Irradiando a sua influncia e a sua sede de autonomia, esses seres lucifricos atingiram tambm o homem cujo eu ainda pouco desenvolvido foi arrebatado ao ambiente protegido das hierarquias humanas normais. O ser humano caiu ento sob a influncia do seu corpo astral repleto de paixes e instintos pouco domados.

Em consequncia disso, iniciou-se uma alienao progressiva do homem em relao ao seu ambiente. Vivera at ento na "presena de Deus", isto , num estado onrico de comunho com os mundos superiores. Sob a influncia lucifrica nasceu-lhe uma conscincia mais clara, e os sentidos fsicos se lhe abriram na mesma medida em que a vidncia superior cessava. Enquanto at esse momento o seu ser estivera permeado pelas foras harmoniosas dos seres "bons", a separao provocou defeitos cada vez mais graves em toda a sua organizao: o eu e o corpo astral tornaram-se fontes de cobias e maus instintos, o corpo etrico passou a apresentar doenas e fraquezas, e a morte fez sua entrada na Terra, como necessidade de um descanso regenerador.

Do ponto de vista espiritual, o homem adquiriu a capacidade de agir em desacordo com as leis divinas, isto , de pecar. Na verdade, ele passou ao mesmo tempo a ser um ente responsvel e moral, pois somente quem tem a possibilidade de pecar tem o mrito de no pecar. No Paraso, o homem era perfeito; mas era um ser sem autonomia, um autmato, sem qualquer mrito pela perfeio. Afastado da sua origem divina, ele tornou-se exposto a todas as fraquezas, aos defeitos e ao pecado. Mas em compensaro libertou-se dos velhos laos tornando-se dono das suas decises, e adquirindo o livre arbtrio e a plena conscincia de si; e com isso, a verdadeira dignidade humana, ou pelo menos a esperana de possu-la um dia!

A evoluo at agora esboada estendeu-se naturalmente por muitos milnios. Estamos ainda em meio a esse processo, que o drama central da humanidade.

A imagem da queda do homem, do seu pecado original e da expulso do paraso, encontrou a sua expresso mais condigna nas frases lapidares do Velho Testamento (Gnesis, 2, 16 e ss.): "Ordenou Deus Jeov ao homem: De toda rvore do jardim podes comer livremente, mas da rvore do conhecimento do Bem e do Mal, dela no comers; porque no dia em que dela comeres, certamente morrers". - Sobrevm o "diabo", a serpente, isto , o anjo cado (Gn. 3, A e ss.): "Ento a serpente disse mulher: Certamente no morrereis, porque Deus sabe que no dia em que comerdes do fruto, abrirse-vos-ao os olhos, e sereis como Deus, conhecendo o Bem e o Mal".

E os homens sucumbiram a essa influncia, com o resultado seguinte (Gnesis 3, 7): "Foram abertos os olhos de ambos, e conhecendo que estavam nus, coseram folhas de figueira . . ."

Que imagem grandiosa para dizer que os sentidos fsicos iam despertando e que os homens se tornavam conscientes de si, experimentando o sentimento de pudor!

E foram expulsos do Paraso.

As imagens do Paraso, da tentao, do pecado e da expulso, encontramo-las em muitssimos mitos e religies; prova insofismvel de que se trata de uma tradio arqutipa de toda a humanidade.

A tentao lucifrica abriu caminho para um outro grupo de seres negativos, os chamados "espritos arimnicos", dos quais falaremos mais tarde. A sua influncia nefasta se fez sentir em pocas posteriores, com o intuito de velar ao homem o conhecimento da sua verdadeira natureza espiritual. Os seres arimnicos trouxeram o erro, a mentira, a morte e o isolamento, cada vez maior do homem em relao s suas origens divinas.

Seria ingnuo chamar as foras lucifricas e arimnicas de "ms", e as outras de "boas", simplificando por demais a sua classificao. Na realidade, sem a tentao e sem o pecado original, o homem no teria atingido seu pleno desenvolvimento.

Os seres "negativos" o afastaram do caminho original e o atraram egoisticamente para as suas esferas. Mas com isso fizeram nascer nele a conscincia de si,