no brasil do século xxi o caso indígena”. · 2016-06-02 · no brasil do século xxi – o caso...

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1 “A economia política das minorias, orçamento e políticas públicas no Brasil do século XXI o caso indígena”. Prof. Cesar de Miranda e Lemos. Universidade Federal da Fronteira Sul/UFFS. 07 de junho de 2016.

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“A economia política das minorias, orçamento e políticas públicas

no Brasil do século XXI – o caso indígena”.

Prof. Cesar de Miranda e Lemos.

Universidade Federal da Fronteira Sul/UFFS.

07 de junho de 2016.

2

AGRADECIMENTOS.

Em dezembro de 2014, recebi o aceite para o meu estágio pós-doutoral sob a

supervisão do Professor Marcelo Jorge de Paula Paixão do Instituto de Economia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro/IE/UFRJ, e Coordenador do Laboratório de

Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais

(LAESER), para o desenvolvimento do estudo “A equidade, a diversidade e o

reconhecimento de direitos numa ordem constitucional multicultural: a economia

política das minorias, orçamento e políticas públicas no Brasil do século XXI – o caso

indígena”. São escassas as linhas disponíveis para representar o tamanho e a

importância da acolhida e da reciprocidade acadêmica que recebi do Professor Marcelo

Paixão, algo que não poderia deixar de salientar neste momento de culminância.

Outro agradecimento, institucionalmente fundamental, foi a efetivação do

afastamento que obtive da Universidade Federal da Fronteira Sul/UFFS, por meio do

meu Campus Cerro Largo, no Rio Grande do Sul, para a realização deste estágio

durante o ano de 2015 na Cidade do Rio de Janeiro junto ao IE/UFRJ. Espero retribuir a

Instituição com mais essa qualificação nas atividades docentes, de pesquisa e de

extensão que são próprias ao ofício.

Sem querer ser redundante, meus sinceros agradecimentos as Universidades

Públicas que possibilitaram a caminhada acadêmica e profissional que exerci até aqui e

que almejo dar continuidade num futuro breve com outras inserções e qualificações

acadêmicas.

Cordialmente,

Cesar de Miranda e Lemos.1

1 - Professor Adjunto de História Regional e Populações Indígenas da Universidade Federal da Fronteira

Sul e Mestre em Direito e Multiculturalismo pela URI/Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul.

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A equidade, a diversidade e o reconhecimento de direitos numa ordem

constitucional multicultural: a economia política das minorias, orçamento e

políticas públicas no Brasil do século XXI – o caso indígena.

Pós-doutorando: Cesar de Miranda e Lemos.

SUPERVISOR: Professor Dr. Marcelo Jorge de Paula Paixão

SINOPSE

Este trabalho de pesquisa versa sobre a temática indígena e a significativa presença

desses segmentos nos centros urbanos e nas cidades brasileiras. Não há um consenso

sobre os significados dessa presença nos estudos demográficos, na etnologia indígena,

nos estudos antropológicos e nos estudos históricos, nem tampouco nos raros estudos

econômicos sobre a temática. O mesmo tom de controvérsias marca o indigenismo

brasileiro e boa parte dos trabalhos e pesquisas oferecidos pela Fundação Nacional do

Índio/FUNAI. No universo jurídico há inúmeros casos de conflitos envolvendo o

reconhecimento de direitos dos indígenas em geral, e dos “índios urbanos” em

particular. De qualquer forma, os últimos três Censos Demográficos do IBGE

(1991/2000/2010) sobre a população indígena reverberam de forma incisiva sobre esse

quadro de silêncios e controvérsias que caracterizam a questão, exigindo cada vez mais

o amadurecimento de novas abordagens que busquem compreender a mobilidade social

indígena num quadro de garantia de equidades na diversidade social brasileira e o

reconhecimento de direitos numa ordem constitucional multicultural. É o que

enfrentamos a partir de uma abordagem assentada numa economia política das minorias,

qual seja – numa perspectiva de observação que destaca a análise do orçamento e das

políticas públicas no Brasil do século XXI a partir do caso indígena.

4

ABSTRACT

This research deals with indigenous issues and the significant presence of these

segments in urban centers and cities. There is no consensus on the meaning of this

presence in demographic studies in ethnology, in anthropological studies and historical

studies, nor in the rare economic studies on the subject. The same tone of controversy

marks the Brazilian indigenous movement and much of the work and research offered

by the National Indian Foundation / FUNAI. In the legal world there are numerous

cases of conflicts involving the recognition of indigenous rights in general and of "urban

Indians" in particular. Anyway, the last three Censuses IBGE (1991/2000/2010) on the

indigenous population reverberate incisively about this silence frame and controversies

that characterize the issue increasingly demanding the maturing of new approaches that

understand indigenous social mobility in equities assurance framework in Brazilian

social diversity and the recognition of rights in a multicultural constitutional order. This

is the face from a seated approach a political economy of minorities, namely - a

perspective of observation that highlights the analysis of the budget and public policies

in Brazil twenty-first century from the Indian case.

5

Sumário

Sinopse / Abstract. _________________________________ 03 – 04.

I - INTRODUÇÃO________________________________________06.

II – CAPÍTULO I – A ECONOMIA POLÍTICA DAS MINORIAIS:

DEMARCAÇÕES TEÓRICAS

II.1 – A Economia política das minorias e seus enlaces interpretativos.______19

II.2 – A conceituação da presença urbana dos índios e suas controvérsias.____22

III.3 – A equidade, a diversidade e o reconhecimento de direitos numa ordem

constitucional multicultural._____________________________________________29

III – SÉCULO XXI: A ECONOMIA POLÍTICA DAS MINORIAS,

ORÇAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL – O CASO INDÍGENA

III. 1 – Os significados do Reconhecimento – a economia política das

minorias.____________________________________________________________36

III. 2 – Conclusões._______________________________________________46

IV – Referências__________________________________________________48

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A equidade, a diversidade e o reconhecimento de direitos numa ordem constitucional

multicultural: a economia política das minorias, orçamento e políticas públicas no Brasil

do século XXI – o caso indígena.

I – Introdução.

Este pós-doutoramento foi dedicado ao estudo e a compreensão do fenômeno da

ampliação da presença indígena no Brasil e, em particular, desta presença no universo

urbano em suas diferentes manifestações.

Considerando a população indígena a partir do último Censo Demográfico do

IBGE, de 2010, são 896,9 mil indígenas no Brasil. Em relação à população envolvente

não constitui oficialmente 1% da população brasileira, configurando-se como uma

expressão viva de minorias etnicamente identificadas e detentoras da maior diversidade

socioétnica e lingüística indígena do mundo.

Ainda, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essas

sociedades indígenas constituem 305 etnias, falando 274 línguas. A população indígena

no país cresceu 205% desde 1991, quando foi feito o primeiro levantamento no modelo

atual. À época, os índios somavam 294 mil. O número chegou a 734 mil no Censo de

2000, 150% de aumento na comparação com 1991.

O resultado do estudo de 2010, o primeiro a checar a etnia, superou a literatura

antropológica que estimava em 220 o número de etnias e 180 línguas indígenas. Sob a

lupa dos pesquisadores, contudo, os índios continuam “nus” quando comparados ao

restante da população: 52,9% deles não tinham qualquer tipo de rendimentos e a

proporção é ainda maior nas áreas rurais: 65,7%, e quase a metade dos índios residem

em Cidades e perímetros urbanos,

O censo mostra ainda que, até 2010, 6,2% não tinham nenhum tipo de registro de

nascimento, mas 67,8% eram registrados em cartórios. Já entre as crianças indígenas

nas áreas urbanas, as taxas são próximas às da população em geral, ambas acima dos

90%.

Dos 896,9 mil índios computados no recenseamento, 63,8% viviam em área rural

e 36,2% em área urbana. O total inclui os 817,9 mil indígenas declarados no quesito cor

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ou raça do Censo 2010 (e que servem de base de comparações com os Censos de 1991 e

2000) e também as 78,9 mil pessoas que residiam em terras indígenas e se declararam

de outra cor ou raça (principalmente pardos, 67,5%), mas se consideravam “indígenas”

de acordo com aspectos como tradições, costumes, cultura e antepassados.

O estudo estatístico identificou 505 terras indígenas, cujo processo de

identificação teve a parceria da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no

aperfeiçoamento da cartografia. Essas terras representam 12,5% do território brasileiro

(106,7 milhões de hectares), onde residiam 517,4 mil indígenas (57,7% do universo

pesquisado). Apenas seis terras indígenas tinham mais de 10 mil índios, 107 tinham

entre mil e 10 mil, 291 tinham entre cem e mil, e em 83 residiam até cem indígenas. A

terra com maior população indígena é a Yanomami, no Amazonas e em Roraima, com

25,7 mil pessoas.

Ao investigar pela primeira vez o número de etnias indígenas (comunidades

definidas por afinidades linguísticas, culturais e sociais), encontrando 305 etnias, das

quais a maior é a Tikúna, com 46.045 integrantes ou 6,8% da população indígena, foi

possível perceber que a temática indígena e, por conseguinte, das políticas públicas –

especialmente do indigenismo brasileiro, não podem ser desenvolvidas e alcançar o

preceito constitucional de eficácia na garantia de direitos fundamentais2 senão tomando

a conceituação heurística da Diversidade como elo estruturante das suas construções

orçamentárias e implementações participativas, conforme preceitua a Convenção 169 da

OIT3, tendo em vista o reconhecimento de direitos específicos como apregoa e garante a

carta constitucional de 1988.

Com relação as 274 línguas faladas, o censo apurou que dos indígenas acima de

05 anos, 37,4% falavam uma língua indígena. Já o percentual de índios falantes do

português é de 76,9%. Mesmo com uma taxa de alfabetização mais alta do que a

constatada no Censo 2000 (73,9), a população indígena ainda tem nível educacional

mais baixo que o da população não indígena (76,7%).

2 - A eficácia na garantia dos direitos fundamentais está bem desenvolvida em Leite & Sarlet, 2009.

3 - CONVENÇÃO 169 DA OIT SOBRE POVOS INDÍGENAS E TRIBAIS: oportunidades e desafios

para sua implementação no Brasil. São Paulo: ISA, 2009.

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A baixa remuneração é outro problema enfrentado pelos povos indígenas. Em

2010, 83% dos índios, com idade acima de 10 anos, recebiam até um salário mínimo ou

não tinham rendimentos, sendo o maior percentual encontrado na região Norte (92,6%),

onde 25,7% ganhavam até um salário mínimo e 66,9% não tinham rendimento. Em todo

o país, apenas 1,5% da população indígena, com 10 anos ou mais de idade, ganhava

mais de cinco salários mínimos, percentual que caía para 0,2% nas terras indígenas.

Somente 12,6% dos domicílios eram do tipo “oca ou maloca”, enquanto que, no

restante, predominava o tipo “casa”. Mesmo nas terras indígenas, ocas e malocas não

eram muito comuns: em apenas 2,9% das terras, todos os domicílios eram desse tipo e,

em 58,7% das terras, elas não foram observadas.

Outro aspecto que deve ser considerado neste diagnóstico é o quesito mobilidade

sócio-espacial indígena, que o Censo de 2010 consolidou algo que podemos tomar já

como uma tendência, então vejamos.

A significativa presença desses segmentos nos centros urbanos e nas cidades

brasileiras, cerca de 36,2% vivem em áreas urbanas, 63,8% viviam em áreas rurais. Dos

identificados como residentes em áreas urbanas, 80% vivem nas três principais capitais

do Sudeste – Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, em Minas Gerais. Se

relativizarmos esses dados tendo em conta que em algumas áreas rurais o que está em

tela são Cidades indígenas como fenômenos contemporâneos, como o caso dos Tikuna,

no Alto Solimões, no Estado do Amazonas.

A cidade de Benjamin Constant, distante 1.200 km de Manaus, capital do

Amazonas, plantada na região da Tríplice Fronteira – Brasil – Peru – Colômbia possui o

primeiro museu indígena do Brasil criado pelos Tikunas no início da década 1990, o

Museu Magüta4.

Com o museu o Conselho Geral da Tribo Tikuna (CGTT) constituiu uma extensa

documentação sobre a história da região e das lutas indígenas (a defesa e garantia de

4 - A idéia que brotou no âmago da etnia Tikuna tomou forma quando um grupo de profissionais do

Museu Nacional do Rio de Janeiro em acordo com o Conselho Geral da Tribo Tikuna - CGTT, criaram o

Centro de Documentação e Pesquisa do Alto Solimões nos idos de 1985. O Museu Magüta foi projetado e

conduzido pelos caciques Tikuna e é mantido pelo CGTT na pessoa do Sr Nino Fernandes Tikuna, diretor

do museu, que apresenta uma vasta coleção de artefatos atinentes aos aspectos da cultura do povo Tikuna,

que é exposta conforme a museografia apresentada pela comunidade indígena.

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territórios e o reconhecimento como grupo indígena brasileiro), bem como sobre a

literatura e registros visuais produzidos sobre o povo e a cultura Tikuna.

A criação do museu veio então a dar força a essa consciência política. Um dos

principais objetivos do museu, que em meio a tantas lutas na época de sua criação, foi o

desejo de apresentar a cultura Tikuna5 à população benjaminense, bem como, estreitar

laços de relacionamentos como forma de redução do preconceito com os indígenas

locais.

De qualquer forma, esta é apenas umas das diversas expressões de Cidades

Indígenas no interior do país e que se constituíram no mundo social brasileiro ao longo

do século passado, afirmamdo-se no século XXI.

Noutra latitude, essa expressão pode ser observada também nos principais centros

urbanos do país, como na Cidade de São Paulo. Neste sentido, um caso emblemático é

dos índios Pankararu, que localizados no Bairro do Morumbi, bairro de classe média

alta paulista, um grupo de 85 famílias ou 450 índios constituíram uma comunidade na

favela Parque Real, onde vivem cerca de 3,5 mil pessoas. Há ainda 140 Pankararu na

comunidade Parque Santa Madalena, cerca de 100 em Guarulhos, na Grande São Paulo,

além de famílias morando na periferia da Zona Sul, como Capão Redondo.

Os Pankararu mantém uma fluxo migratório entre suas aldeias em Pernambuco e a

cidade de São Paulo a cerca de 50 anos, em Pernambuco são cerca de 1.500 Pankararu

distribuídos em 15 aldeias.

De qualquer forma, a expressão dessa presença de índios em contextos urbanos é

mais pluriétnica, só no Estado de São Paulo são 29 as terras indígenas que contam com

5 - O Povo Tikuna é descendente do ramo (clã) indígena Magüta. Os deuses Yoi e I’pi, surgidos do joelho

de Ngutapa, foram os criadores do grupo Magüta. Um dia Yoi estava pescando no Igarapé Évare usando

frutas como iscas, percebeu que podia pescar gente. Magüta significa “tirar alguma coisa da água”. Yoi

tirou os seres humanos da água, dividiu em grupos e deu nomes aos grupos. Segundo a crença dos mais

velhos "acreditam que ao desaparecer a gente Magüta, o mundo inteiro irá se acabar", relatou o Sr

Nino.Os Ticuna são divididos em povos e são reconhecidos pelas pinturas faciais que identificam cada

povo com suas denominações de Aves, Plantas e Animais (mutum buriti, onça, etc), assim distribuídos

para melhor organizar os casamentos entre os grupos ticuna. Um índio da nação das aves, somente poderá

se casar com uma índia da nação das plantas ou da nação dos animais.

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algum tipo de reconhecimento por parte do governo. Tais áreas somam 41.566 hectares

localizados na área de aplicação da Lei da Mata Atlântica, contribuindo com a

conservação da diversidade biológica e cultural do bioma.

Os povos indígenas em São Paulo, porém, enfrentam o desafio de promover a

gestão ambiental e territorial em suas terras, que na maior parte das vezes não oferecem

as condições ambientais e ecológicas ideais para a reprodução física e cultural.

Localizadas na região de maior desenvolvimento econômico do País, as terras indígenas

em São Paulo estão sujeitas a uma grande diversidade de pressões e ameaças (como as

advindas de empreendimentos de infraestrutura e interesses minerários) que as colocam

em situação de vulnerabilidade.

Assim, a ideia usual que a maior parte da população indígena vive em áreas rurais

remotas não corresponde à realidade. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU)

indicam que alguns países como Austrália, Canadá, Estados Unidos e Chile a maior

parte da população indígena vive em cidades. Em 2000 a população indígena na

América Latina era de 30 milhões de pessoas, sendo que 12 milhões viviam em áreas

urbanas.

No Brasil, os dados mais recentes do Censo de 2010 indicam que a população

indígena atingiu 896,9 mil pessoas. Desse total, 36,2% residiam na área urbana e 63,8%

na rural. No Estado de São Paulo, os dados do Censo de 2010 apontam uma população

indígena de 37.915 índios vivendo em cidades, o que representa 91% da população

indígena do estado. Ainda segundo o IBGE, São Paulo é o 4º município com maior

população indígena (população absoluta) no Brasil: 12.977 índios.

A existência de índios nas cidades decorre de duas razões principais: do

movimento de migração das terras de origem para as cidades ou do crescimento das

cidades que acabam alcançando as terras indígenas que passam a integrar a área urbana.

Em São Paulo, p.ex., encontramos os dois tipos de situação: três aldeias Guarani

localizadas na zona sul e oeste (Terras Indígenas Jaraguá, Barragem, Krukutu e

Tenondé Porã) onde vivem 867 índios. E uma grande população indígena distribuída

por diversos bairros da Grande São Paulo constituída por famílias que migraram de suas

terras de origem de diversas regiões do país, mas principalmente do nordeste.

11

Aqui, precisamos identificar um elemento decisivo para a compreensão dessa

escala migratória de índios para os centros urbanos no Brasil. A própria política

indigenista brasileira promoveu ao longo de décadas no século XX a ideologia da

integração dos índios “à civilização”, tomando esta como uma expressão da vida urbana

e industrial.

No Estado de Roraima, p.ex., com 42% de seu território habitado por sociedades

indígenas, que somam 35 mil indivíduos ou 16% da população total do Estado, foi alvo

durante anos de incentivos para ocupação de terras indígenas por “colonos” saídos do

sul e sudeste, a maior parte influenciada pela apregoada “civilização e progresso da

região”.

No bojo dessas pressões e bem antes do reconhecimento das terras da Raposa

Serra do Sol, a University of Guyana produziu pesquisas que demonstraram que “as

mulheres que vêm ao Brasil trabalhavam, sobretudo como “empregadas domésticas,

cozinheiras, garçonetes e babás, (...) quase sempre informalmente, aceitando baixos

salários além de desconhecerem os direitos trabalhistas e serem estigmatizadas como

índias”. Em qualquer escala de fronteira, a condição de indígena impõe relações de

subalternalidades imperiosas. Esta imperiosidade foi bem analisada por DaMatta em

“Quanto custa ser índio no Brasil?”

Nas regiões do Brasil Meridional, essas características também não são diferentes.

Vejamos o caso do Rio Grande do Sul, especialmente a Cidade de Porto Alegre. Há 13

mil pessoas autodeclaradas indígenas, e menos de 200 famílias vivem em comunidades

visíveis – em aldeias urbanas ou em terras demarcadas.

Os Kaingáng, os Guarani e Charruas estão hoje com aldeias urbanas na Cidade. O

urbano corresponde a uma forma de encontro e dispersão dos elementos da vida social.

Cada grupo distinto se apropria singularmente do urbano, o que nos desperta para

refletir a recente e crescente presença dos grupos indígenas na cidade.

Quando os colonizadores chegaram a esta terra que hoje chamamos Brasil, havia

cerca de três a cinco milhões de pessoas aqui vivendo, distribuídas em 970 etnias. Logo

trataram de colocar toda a diversidade no mesmo balaio e a chamaram de “índios”,

como bem sabemos devido a uma atrapalhação geográfica. Mas, nada mais impróprio

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para pensarmos as relações dessas sociedades indígenas no mundo social brasileiro

especialmente após a Constituição de 1988. Afinal, o fundamento posto agora não é a

da homogeneidade e sim o da diversidade, como elemento estruturante das políticas

públicas referentes a essas sociedades e indivíduos.

Finalmente, se olharmos para outra longitude como a do Estado do Rio de Janeiro,

sua capital e perímetros urbanos são 15.989 índios e 12. 945 na capital, sendo no Estado

cerca de 28 mil índios. Dos 42,3% índios que não estão nas terras originais, 78,7%

habitam áreas urbanas. Dentre as regiões do país, a situação é mais comum no Sudeste,

onde 84% dos 99,1 mil índios na região estão fora de suas terras, principalmente em São

Paulo (93%) e no Rio de Janeiro (97%). Outros estados como Goiás (96%), Sergipe

(94%) e Ceará (86%) também têm percentuais elevados.

Estes primeiros apontamentos evidenciam que a premissa tradicional das políticas

públicas indigenistas centradas na colonial definição que “lugar de índio” é na aldeia e

neste sentido no “sertão” ou nos interiores, como se a organização das aldeias fossem

uma continuidade ecológica de uma ambiente de Florestas, de matas e outras

naturalizações, nada tem a informar e garantir efetividade e eficácia no atendimento às

sociedades indígenas atuais senão como um corolário de uma continua negação de

direitos e uma violenta quebra de equidade tendo em vista a multifacetária presença e

expressão sócio-cultural e espacial dessas sociedades no Brasil moderno.

Assim, nada mais desafiante que pensarmos esse quadro de questões sob a ótica

crítica de uma economia política das minorias, ao que nos dedicaremos agora, primeiro

tecendo algumas demarcações teóricas e seus enlaces interpretativos, à luz do estudo de

caso sobre os significados da presença urbana dos índios. Não obstante, tendo em vista

o construto da equidade, da diversidade e do reconhecimento de direitos numa ordem

constitucional multicultural como a brasileira.

Depois, tendo em vista a presença indígena em contextos urbanos pensarmos o

que essa expressão societária repercutiu ou como repercuti no quesito orçamento para

políticas públicas indigenista direta e indiretamente relacionadas à temática, e, em que

medida, a receptividade ou não dessa presença compromete o reconhecimento de

direitos numa sociedade democrática.

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Na verdade, muitos estudos já apontam uma primazia de índios vivendo em

cidades no conjunto da população indígena brasileira, a própria noção de “Cidades

Indígenas” desponta no horizonte de alguns pesquisadores e do arcabouço de reflexões

sobre o tema.

A forma como os Censos Demográficos de 1991 e de 2000 captaram essas

informações nos permite traçar um perfil sociodemográfico da população que se

declarou indígena de uma maneira mais complexa do que foi possível até então.

Com o Censo Demográfico de 2010, quando foram coletadas informações sobre

filiação linguística ou étnica, dentre outros aspectos, esse perfil foi ainda mais adensado,

particularmente pela identificação da supracitada presença urbana dos índios, tão

complexa e diversificada na forma e nas expressões sócio-espaciais e sócio-econômicas.

De um ponto de vista metodológico, para que os dados demográficos e

socioeconômicos sejam capazes de retratar a realidade de um segmento populacional

específico, é importante que os censos e as fontes sejam confiáveis.

Somente assim as informações estatísticas derivadas poderão fornecer elementos

para subsidiar políticas públicas mais eficientes e efetivas no sentido da garantia de

direitos numa ordem constitucional multicultural como a brasileira.

A obtenção destas estatísticas envolve uma complexidade própria aos estudos

temáticos, como no caso indígena, conforme demonstram os estudos do Centro

Latinoamericano y Caribeño de Demografia/ CELADE – División de Plobación -

http://www.cepal.org/celade/ - da Comisión Económica para América Latina y el

Caribe/CEPAL - http://www.cepal.org/es, que em trabalhos como “Los datos

demográficos: alcances, limitaciones y métodos de evaluación” define conceitualmente

tais estudos como uma:

“[...] ciencia cuyo objeto es el estudio de las poblaciones humanas y

que trata de su dimensión, estructura, evolución y caracteres

generales,considerados principalmente desde un punto de vista

cuantitativo” (CELADE/CEPAL, (LC/L.3906), 2014).

14

Fundamentalmente, a coleta de dados e sua quantificação exigem uma seleção de

fontes, que neste estudo serão as informações sobre as sociedades indígenas oferecidas

pelos últimos três censos demográficos e as informações orçamentárias referentes a

essas populações disponíveis nas bases de dados do indigenismo oficial e em estudos

desenvolvidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE -

http://indigenas.ibge.gov.br/, e em análises de casos elaborados pelo Instituto de

Estudos Socioeconômicos/Inesc - http://www.inesc.org.br/, como a Nota Técnica nº 181

de junho de 2014 abordando o “Orçamento Indígena 2013 e Perspectivas para 2014”.

Um aspecto que deve ser substantivamente considerado no caso brasileiro para a

caracterização e a interpretação do perfil sociodemográfico dessas sociedades, é a

dimensão da sociodiversidade indígena no Brasil, traduzida também pela presença de

especificidades socioculturais que devem ser levadas em consideração na interpretação

dos resultados censitários, por exemplo.

Assim, neste estudo serão aplicadas as técnicas utilizadas para a expansão dos

dados coletados pelos questionários da amostra dos Censos Demográficos, detalhando a

ponderação das unidades da amostra, a definição das áreas de ponderação, análise da

qualidade da calibração, avaliação da precisão das estimativas, dentre outras.

Isto se faz necessário para compreendermos os fatores envolvidos no crescimento

populacional indígena captado nos últimos três censos demográficos e suas

características considerando a organização social e as dinâmicas espaciais e sazonais

dessas sociedades.

Enfim, tendo em conta a perspectiva de uma economia política das minorias e os

alicerces de políticas públicas fundamentadas no etnodesenvolvimento, os objetivos

deste estudo são fornecer elementos interpretativos estruturantes para a compreensão de

uma nova demografia social e econômica dos índios tendo em vista a construção de

políticas indigenistas promotoras de direitos visando a composição da equidade com a

diversidade numa perspectiva constitucional multicultural.

No Censo Demográfico de 2010, dos mais de 800 mil índios no Brasil, 315 mil

foram classificados como População Residente em perímetros urbanos, contra 503 mil

em perímetros rurais. A superação de uma territorialização colonialista (paradigma

tutelar), como apontou Oliveira Filho (1998), é uma das condições para a compreensão

15

da atualidade dessas sociedades e indivíduos no Brasil Moderno. A seguir vejamos essa

distribuição populacional de índios por unidades federativas.

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Assim, o estudo aqui apresentado invoca as contribuições de uma etnologia atenta

ao multifacetário campo social de realização da presença indígena no tecido societário

brasileiro, bem como de estudos antropológicos e historiográficos que repensam as

memórias históricas sobre as sociedades indígenas no processo formativo do território

brasileiro e suas relações com os censos demográficos que as codificaram nas imagens

de nação construídas ao longo dos séculos XIX e XX, apontando para a ressignificação

dessa presença na atualidade e as inflexões nas políticas indigenistas promovidas pela

Carta Constitucional de 1988.

Este é o sentido de fazer e de refazer a presença indígena neste estudo, ou seja,

reconhecer a premência dessa leitura sócio-política para o aperfeiçoamento do Estado

democrático e a garantia dos direitos fundamentais albergados na Constituição em

relação à equidade, a diversidade e o reconhecimento de direitos numa perspectiva

integrada pelo viés do etnodesenvolvimento a partir de uma economia política das

minorias.

Na literatura especializada, o conceito de etnodesenvolvimento recebe alguns

tratamentos, tais como: (1) o desenvolvimento econômico de um grupo étnico; e (2) o

desenvolvimento da etnicidade de um grupo social.

Na realidade, as duas acepções não são excludentes. Ao contrário, existem em

relação dialética constante de tal modo que o desenvolvimento da etnicidade sem um

correspondente avanço no plano econômico só promoveria a existência de grupo étnico

marginal e pobre; e um desenvolvimento econômico que destrói as bases da etnicidade

de um grupo representaria uma volta à hegemonia da modernização que foi altamente

destruidora da diversidade cultural.

Quando se combina a problemática do desenvolvimento com a do reconhecimento

da diversidade cultural o etnodesenvolvimento introduz um conjunto de novos temas no

seio do espaço público dos Estados nacionais.

No plano político, o etnodesenvolvimento dá um recorte étnico aos debates sobre

a questão da autodeterminação dos povos e, no processo, questiona, pelo menos

parcialmente, as noções excludentes de soberania nacional.

No plano econômico, as práticas de etnodesenvolvimento tendem a ocupar o lugar

de "alternativas" econômicas, particularmente onde a ideologia neoliberal é

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predominante. Há muitas maneiras de conceitualizar o etnodesenvolvimento, sendo que

cada uma delas leva consigo um conjunto de valores políticos e culturais.

O foco central de quaisquer programas ou atividades que visam o

etnodesenvolvimento é o grupo étnico e suas necessidades econômicas e reivindicações

políticas. Desta monta, caracterizar esses grupos é fundamental para qualificar políticas

públicas especialmente no tocante aos recursos orçamentários disponíveis para a

realização dessas políticas que são dinamicamente formas de reconhecimento de direitos

numa sociedade multicultural.

Os censos populacionais produzem informações imprescindíveis para a definição

de políticas públicas e a tomada de decisões de investimento, sejam eles provenientes da

iniciativa privada ou de qualquer nível de governo e constituem a única fonte de

referência sobre a situação de vida da população nos municípios e em seus recortes

internos, como distritos, bairros e localidades, rurais ou urbanas, cujas realidades

dependem de seus resultados para serem conhecidas e terem seus dados atualizados.

João Pacheco de Oliveira Filho (1999) desenvolveu um estudo abordando o

construto do apagamento da presença indígena no tecido societário brasileiro desde o

primeiro Censo Populacional de 1872. Abordou os artefatos classificatórios de caboclos

e, mais adiante, de pardos, para tecer uma análise crítica a respeito do papel dos Censos

Demográficos na construção de políticas indigenistas num Estado Nacional

homogeneizador e excludente.

Desenvolver um quadro demográfico sobre a população indígena brasileira que

considere a presença urbana desses indivíduos etnicamente identificados, relacionando-o

a elaboração de políticas públicas na órbita da garantia dos direitos fundamentais

previstos pela Constituição Brasileira, especialmente no tocante a plena realização do

exercício da diferença cultural e do acesso pleno a cidadania, é uma das contribuições de

uma abordagem ancorada numa economia política das minorias.

A abordagem metodológica desenvolvida teceu uma leitura qualitativa dos dados

capturados nos últimos três Censos Populacionais em relação à demografia da população

de índios no Brasil e a relação com os investimentos públicos, quantificando essas

informações de forma comparativa e contextualizada conforme os diferentes momentos

históricos e sócio-culturais da elaboração das políticas indigenistas como expressões do

relacionamento do Estado e da sociedade envolvente com as sociedades e indivíduos

indígenas.

18

A etnografia desses dados foi focada na interpretação sobre a delimitação do

processo temporal que propiciou a mudança societária crescente de índios para as

cidades brasileiras e os fenômenos socioculturais associados a esse processo.

Desta forma, buscamos reconstituir a fisionomia etnológica, histórica e

socioeconômica dessas transformações e os enlaces políticos, culturais relacionados a

este fenômeno tendo em vista a formatação de políticas públicas e os investimentos

orçamentários correspondentes.

Para garantir a confiabilidade de resultados e alcançar os melhores níveis de

qualidade e transparência em todas as etapas de execução de um Censo, são utilizadas

modernas tecnologias, como o mapeamento digital de municípios com mais de 25 mil

habitantes, escaneamento e leitura ótica de questionários, controles gerencial e

operacional via Internet, entre outras inovações tecnológicas que possibilitam aos

usuários dos dados censitários e à sociedade, em geral, o acompanhamento de cada

etapa da operação e o acesso aos resultados por meio de mídias de comunicação e

disseminação de informações.

No âmbito internacional, desde a realização do Censo 2000 seus significados

foram ampliados para um universo além-fronteiras nacionais, visando a consolidação

dos laços estatísticos entre os países do Mercosul Ampliado, que inclui os membros do

Mercosul - Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai - além de Bolívia e Chile, tendo como

objetivo a padronização de conceitos e classificações visando homogeneizar e fortalecer

os sistemas estatísticos nacionais e criar uma base de dados comum aos censos dos seis

países.

Assim, o que está em questão com o aprimoramento das referências qualitativas

sobre as populações indígenas no Brasil é o relacionamento desta Nação com outros

países que estabelecem fronteiras físicas, culturais e econômicas com o Brasil e

possuem identidades também em transformação e em busca de contatos maiores e mais

intricados com os parceiros do Mercosul, algo que o país pode e deve aperfeiçoar por

meio de sua vocação constitucional em garantir os direitos das minorias e tornar esses

direitos realizações de um cosmopolitismo multicultural comprometido com a

diversidade étnica constitutiva de seus alicerces societários.

Assim, aprimorando as políticas públicas indigenistas o país também aprimorará

seus relacionamentos no âmbito hemisférico e mundial, traduzindo um sentido inovador

19

para o conceito de desenvolvimento e um conhecimento científico na seara etnológica e

nas relações internacionais que o singularizam no século XXI.

Desta forma, um dos resultados esperados com este estudo é a publicação de um

quadro diagnóstico da nova demografia indígena no Brasil do século XXI e sua

correspondência e/ou comparação com outros países onde esses estudos também

adquirem cada vez mais proeminência e aperfeiçoamentos interpretativos tendo em vista

a garantia de direitos e projetos de desenvolvimento não excludentes.

Por fim, buscaremos tecer considerações interpretativas finais, mas sempre

provisórias, sobre uma temática tão sensível e ao mesmo tempo pouco visível para os

estudos econômicos em nossa sociedade.

II – CAPÍTULO I – A ECONOMIA POLÍTICA DAS MINORIAIS:

DEMARCAÇÕES TEÓRICAS.

II.1 – A Economia política das minorias e seus enlaces interpretativos.

Suspeito que as perspectivas da economia política – seja o quão incertas quanto às

perspectivas – e às conseqüências – desde às mudanças climáticas ou em relação ao

direito ao desenvolvimento, quiçá compreendido como um direito diverso e

pluripolítico, está inexoravelmente associada a crítica ao um determinado modelo de

desenvolvimento que se apresentou nas últimas décadas como o “Desenvolvimento”,

num sentido muito singular, qual seja – com a prevalência de uma determinada idéia de

mercado e ao mesmo tempo uniformizante, matizado pelo império de uma sociedade de

consumo com escalas produtivas massificadas.

Como já observou Anjos Filho (2013:18), o conteúdo do termo desenvolvimento

é dinâmico, pois tem sido objeto de ampliações, acompanhando a evolução histórico-

social. Dessa forma, pode-se afirmar que nos dias atuais se trata de uma palavra

inegavelmente plurívoca. (grifos do autor)

20

Um desses termos construídos a partir de um núcleo conceitual antípoda a

prevalência do mercado e da escala industrial de produção de riquezas como uma

naturalização das experiências humanas, foi o de Etnodesenvolvimento.

À luz das discussões mais gerais a respeito do etnodesenvolvimento e da criação

de mecanismos institucionais que o viabilizem como política pública, a discussão sobre

o etnodesenvolvimento emergiu no debate latino americano de forma mais consistente

em 1981, na cidade de São José.

Um dos objetivos foi a constituição das bases para uma nova política indigenista

no Brasil, em sintonia com as recentes tendências e demandas do movimento social

indígena, especialmente dos setores que buscam romper com a política cultural da tutela

e da subordinação, seja ela governamental ou não.

O conceito de etnodesenvolvimento se formou então como um contraponto crítico

e alternativo às teorias e ações desenvolvimentistas e etnocidas, que tomavam as

sociedades indígenas e as comunidades tradicionais em geral como obstáculo ao

desenvolvimento, à modernização e ao progresso.

Uma das principais referências na formulação do conceito de

etnodesenvolvimento na América Latina é Guillermo Bonfil Batalla, que assim o

definiu: é o exercício da capacidade social dos povos indígenas para construir seu

futuro, aproveitando suas experiências históricas e os recursos reais e potenciais de sua

cultura, de acordo com projetos definidos segundo seus próprios valores e aspirações.

Isto é, a capacidade autônoma de uma sociedade culturalmente diferenciada para guiar

seu desenvolvimento.

Outra referência importante é Rodolfo Stavenhagen. Em sua opinião, “a maior

tarefa teórica nos anos vindouros será integrar na teoria do desenvolvimento ao nosso

conhecimento confessamente parcial sobre a dinâmica étnica”. Na América Latina,

continua, o etnodesenvolvimento das populações indígenas significa uma completa

revisão das políticas governamentais ‘indigenistas’ que têm sido adotadas pela maioria

dos governos.

De outro ponto de observação, o que pretendemos quando compreendemos a

experiência econômica em sua polifonia e admitimos noções distintas de produção e de

21

geração de riquezas, estamos essencialmente historicizando as experiências humanas,

posto que nada em termos humanos é dado senão construído.

Paul Singer (2010: 12-13) em uma das suas obras mais singelas sobre a economia

política6 descreve que a economia é uma ciência social que difere das demais ciências

sociais por possuir uma possibilidade de quantificação que as demais não têm.

Ainda que, diga-se de passagem, outros ramos das ciências sociais já se

apropriaram dessas técnicas quantificadoras com razoável êxito. Mas, o que importa é

que segundo Singer, a economia seria capaz de quantificar, senão a atividade econômica

pelo menos seus frutos, ou seja, o produto social. A maior parte das leis econômicas

pode ser expressa matematicamente e verificada empiricamente. Assim, completa, um

conceito básico na economia, que é o valor, que permite a utilização de uma unidade de

medição essencial para, praticamente, todos os fenômenos do mundo econômico.

Seguindo seus preceitos, diz – a teoria do valo-utilidade parte da relação entre uma

necessidade humana e o serviço ou objeto que a satisfaça.

Aqui, então os enlaces que a economia política das minorias assenta suas bases,

qual seja – o valor-utilidade está intrinsecamente relacionado ao valor significado para a

reprodução social e coletiva de uma determinada comunidade ou etnia.

O valor é econômico porque é “não-econômico”, quer dizer, sua expressão está na

correspondência de seu valor socialmente produzido numa escala de consumo e de

relações de mercancias que são não apenas “econômicas” num strictu sensu, mas

culturais, cosmológicas e políticas porque pertencem ao universo das relações com os

outros e com os próximos em suas arquiteturas etnológicas, são, portanto – economias

políticas de minorias ou economias “morais”.

E o são, ainda mais, porque se manifestam em meio a relações profundas de

assimetrias sociais, donde as sociedades envolventes e hegemônicas exercem pressões

desestabilizadoras sobre essas sociedades minoritárias, seja no tocante aos seus ethos

sociais, seja em relação as suas relações cosmológicas e de territorialidades distintivas

de territorializações e de territórios pré-concebidos pelos valores hegemônicos como

substratos de paradigmas de desenvolvimento.

6 - Curso de introdução à economia política/ Paul Singer – 17 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2010.

22

Enfim, o que está em tela neste debate são as acepções de fenômenos econômicos

e, por conseguinte, do reconhecimento polissêmico do econômico, sem essas

ressignificações o que resta é o cânone que satisfaz a uma dada maioria, mas não atende

em nenhuma dimensão as minorias societárias como legítimas expressões humanas.

Então vejamos como aprofundar essa ressignificação para além de uma determinada

territorialização de minorias, especialmente no caso indígena.

II.2 – A conceituação da presença urbana dos índios e suas controvérsias.

Os resultados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

para o ano 2000 referentes à população indígena apontaram para um panorama

surpreendente. Segundo estes dados, neste ano, 734.127 pessoas se (auto) identificaram

como indígenas no país sendo que, destes, 350.829 (47,8%) se encontravam em

“situação de domicílio rural” e 383.298 (52,2%) em “situação de domicílio urbana”.

Se considerarmos os dados até então disponíveis pela Fundação Nacional do Índio

(FUNAI), que dava conta de 350.000 indígenas no país, o censo de 2000, portanto, não

só indicava que a população indígena brasileira era duas vezes maior do que dizia o

Órgão Indigenista Oficial, como mostrava que os 52,2% excedentes estavam em

cidades. A problemática dos chamados “índios urbanos” foi assim colocada em pauta.

O censo foi ainda surpreendente em relação aos números levantados pelo próprio

IBGE uma década antes. O censo de 1991 contabilizou 294.131, sendo 75,9% (223.105)

deste total, referentes à “situação de domicílio rural” e os outros 24,1% (71.026)

referentes à “situação de domicílio urbana”.

Isto é, de um censo para o outro, houve um crescimento de 249,6% da população

total (o que representa uma taxa anual de 10,8% ao ano), ao passo que, para a parcela

em situação “urbana”, houve aumento de 28,1 pontos percentuais (em termos absolutos,

o crescimento foi de 539,7%). A surpresa causada por estes números talvez possa ser

comparada com algo que aconteceu na Argentina.

Para imaginário nacional deste outro país, os índios em seu território haviam sido

extintos. Tudo se passava como se o 'massacre civilizatório' houvesse sido realmente

eficiente. Em anos recentes, no entanto, os argentinos (re) descobriram sua população

indígena, que não é pequena (maior, inclusive, que a brasileira).

De modo semelhante, no Brasil, de um dia (ou melhor, um censo) para o outro,

nosso país “descobriu” que desconhecia metade de sua população indígena, qual seja,

23

aquela em cidades. Mas qual seria(m) o(s) motivo(s) desse(s) crescimento(s)? –

perguntaram-se quase todos. Seria(m) ele(s) realmente fruto de um crescimento

vegetativo? O próprio IBGE considerou esta hipótese pouco provável. Levantou,

também, uma outra, ainda menos provável, isto é, responsável por uma parte ínfima

deste crescimento: a “imigração internacional oriunda de países limítrofes que têm alto

contingente de população indígena, como Bolívia, Equador, Paraguai e Peru” (IBGE

2005: 35).

Uma terceira hipótese, considerada a mais plausível, é que o grande aumento do

número de pessoas auto-declaradas indígenas foi fruto de um maior

autoreconhecimento, isto é, um grande número de indígenas que não se reconheceram

enquanto tal no censo 1991, o fizeram no censo 2000.

E este fenômeno aconteceu, sobretudo, nas cidades. Este é o evento que funda,

por assim dizer, a necessidade de uma economia política das minorias. Posto que esses

números e essas novas expressões demográficas importam tanto em relação ao que

anunciam quanto ao que, por algum tempo, esconderam. Vejamos.

A demografia indígena ao mostrar algumas ambigüidades e tensões que se

escondem por trás dessa massa de números abrindo uma brecha pela qual podemos

enxergar um lastro sociológico de significação dos dados produzidos pelas distintas

fontes e das diferenças entre eles.

Assim, antes de nos perguntarmos o que esses dados demográficos podem nos

dizer sobre a população indígena brasileira, proponho que nos atentemos para o que eles

nos dizem sobre quem os fabrica.

Que nenhuma forma de geração de dados seja neutra, não é novidade. Dessa

forma, as categorias usadas, as perguntas que são feitas (talvez, mais ainda, as que não

são feitas), a forma como são feitas e o porquê de se utilizar essas categorias e perguntas

– e não outras quaisquer – deixam um universo de questões a serem definidas.

O IBGE foi a fonte que propiciou a maior quantidade de informações, sobretudo

por ser uma instituição que não apenas divulga sistematicamente os resultados de suas

pesquisas e das metodologias utilizadas, como também produz (e publica) uma série de

análises sobre estes resultados.

O censo 1991 foi o primeiro a incluir a categoria “indígena” no quesito “raça/cor”

dos questionários da amostra. Nos censos anteriores, os indígenas vinham dissolvidos

em outras categorias de cor, tais como “pardos”, “mestiços” ou “caboclos” (cf. Oliveira

24

Filho 1997). O censo 2000, bem como as PNAD’s (Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílio) posteriores a 1991, repetiu a mudança.

A metodologia de captação dos dados referentes a tal quesito, seguindo a

Convenção nº 169 da OIT, foi a auto-identificação (IBGE 2005: 11). O recenseador se

dirige a pessoa entrevistada com a seguinte pergunta: “Qual sua raça ou cor?”

Consideraram-se cinco categorias para a pessoa se classificar quanto à

característica cor ou raça: branca, preta, amarela (compreendendo-se nesta categoria a

pessoa que se declarou de origem japonesa, chinesa, coreana etc), parda (incluindo-se

nesta categoria a pessoa que se declarou mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça

de preto com pessoa de outra cor ou raça) e indígena (considerando-se nesta categoria a

pessoa que se declarou indígena ou índia) [IBGE 2007: 25].

Note-se que o quesito usa o rótulo “cor/raça” como rótulo genérico, isto é, para

dar conta de uma série de diferenciações étnico-raciais e de cor que transpassam

múltiplas dimensões da identidade de um indivíduo. Para não ser ambíguo (não o é?), o

quesito opta por ser demasiado genérico, não havendo, na definição das categorias,

qualquer referência de quais termos são rótulos raciais e quais são rótulos de cor.7

Deveríamos considerar, por exemplo, ‘branco’ e ‘preto’ como cor e ‘indígena’ como

raça? Se assim o for, o que fazer com a categoria ‘amarelo’, que aparenta ser uma

categoria de cor, mas trás em sua definição a idéia de descendência (origem)?

A categoria ‘parda’, por sua vez, é resquicial, ou seja, dá conta de uma série de

diferenciações identitárias (mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com

pessoa de outra cor ou raça) que certamente não são iguais entre si, e não

necessariamente próximas o suficiente para serem consideradas como similares. Aquele

(ou aquela) que não é nem negro, nem branco, nem indígena e nem de origem asiática, é

um algo que resta, e que, revestido de uma aparência de cor, tornou-se pardo.

Seja qual for o malabarismo que façamos para interpretar estas categorias, não

parece satisfatório misturar critérios diversos (de cor, raciais, étnicos, de descendência)

num critério único de (re) conhecimento da população nacional.

Cabe lembrar que o quesito em questão está no questionário da amostra do censo,

e não no questionário global. Portanto, ambas as pesquisas são, em relação a esse

quesito, feitas por amostragem.

Mas há um problema em termos da comparabilidade das fontes, pois as categorias

“indígena” e “amarela” não possuem representatividade estatística nas Pesquisas

Nacionais por Amostra de Domicílios Contínua/PNAD`s, o que significa que os

25

números gerados por essa pesquisa para ambas categorias podem simplesmente não ser

factíveis.

Mas o que nos interessa é a oscilação dos dados, esse movimento de aumento e

diminuição (quase) anual das cifras, mais do que os números em si. E isso não só para a

categoria “indígena”. Esta oscilação serve como um segundo argumento a favor da idéia

de que as categorias contidas no quesito ‘raça/cor’ não são apuradas o bastante para

captar as diferenciações étnico-raciais e de cor internas a população brasileira.

Quanto a metodologia da auto-declaração, Peyser & Chackiel (1999: 5) pontuam

que é o método de captação que permite uma aproximação maior com a idéia de etnia.

Mas seus resultados estão sujeitos a flutuação, dependendo do contexto. Um indivíduo

que é vítima de forte preconceito quanto a sua identidade indígena, por exemplo, pode

optar por negá-la, no âmbito do censo. Assim, pode ocorrer sub-declaração. “Sin

embargo, na algunos casos puede estar presente La sobredeclaración”, isto é, o caso de

indivíduos não-indígenas se declararem como indígenas, “como resultado de simpatia

por la cultura, la causa indígena en un momento dado o la percepción de posibles

beneficios provenientes de las políticas destinadas a favorecer a estos grupos”.

Como os recenseadores são orientados a respeitar a declaração dos entrevistados,

mesmo que estes, do ponto de vista do entrevistador, estejam em contradição visível, as

nuances sociais e políticas do contexto podem provocar flutuações nos resultados (sub

ou sobre-declaração), e não há como medilas nem controlá-las.

Em um volume publicado pelo IBGE em 2005, que compara os resultados dos

censos 1991 e 2000 referentes à população auto-declarada indígena, um critério

analítico importante é a divisão entre os dois valores da variável “situação de

domicílio”, ‘rural’ e ‘urbana’.

O motivo alegado para se trabalhar sempre com a bipartição entre estas duas

categorias é que os resultados para parcela da população em “situação urbana” diferem

consideravelmente da parcela em “situação rural”, apresentando, assim, tendências

estatísticas próprias. É importante notar a forma como o IBGE define tais categorias.

Como situação urbana, consideram-se as áreas urbanizadas ou não,

correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas

urbanas isoladas. A situação rural abrande toda a área situada fora destes limites,

inclusive os aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os núcleos e outros

aglomerados. (IBGE 2005: 16 – grifos meus).

26

O único termo definido e delimitado é ‘urbano’. ‘Rural’, ao contrário, é tudo o

que não é ‘urbano’, é ‘toda área situada fora destes limites’. ‘Urbano’, portanto, é

positivamente caracterizado, no sentido de que a definição é a seleção de algumas de

suas características como diacríticas. ‘Rural’, ao contrário, é caracterizado

negativamente, no sentido de que sua definição está em função da ausência de

determinadas características que, por definição, não lhes são próprias. O ‘rural’ é a

ausência do ‘urbano’. Toda a análise estatístico-demográfica apresentada nesta

publicação não passa incólume a esta caracterização negativa do rural.

Nos últimos anos, a população indígena vem crescendo num ritmo acelerado.

Sendo assim, como conceber uma oscilação demográfica tal como vemos no gráfico?

Sobre os intervalos 1991-1992 e 1999-2000-2001, que são passagens de censos a

PNAD’s (ou vive-versa), a mudança de fonte certamente desempenha um papel

importante. Mas o que chama atenção é a oscilação dos dados. O esperado seria que,

para uma população nestas condições, as cifras subissem a cada ano, como acontece

com o gráfico da população total brasileira.

No censo 2000, o número de 734.127 indígenas apresentado pelo censo, deve ser

considerado também como uma possibilidade a interferência da movimentação em torno

do aniversário de 500 anos do Brasil, que, colocando em pauta a presença indígena na

formação do ‘povo brasileiro’, propiciou um ambiente positivo para o movimento

indígena. Com a identidade indígena bastante valorizada, é possível que mais indivíduos

optassem por se reconhecer como tal e, como dito anteriormente, a metodologia da

auto-identificação é sensível a este tipo de nuances sócio-políticas.

Outro fato que pode ter influenciado neste recenseamento foi a grande evidência

dos casos de etnogênese, sobretudo no nordeste brasileiro, o que pode ter levado alguns

grupos a se reconhecerem como indígenas com intenção de conseguirem os direitos

diferenciados que cabe aos grupos indígenas em território nacional. Estes dois fatores

compuseram, então, um ambiente extremamente favorável à afirmação da identidade

indígena. O contraste entre os dados do IBGE (734.127) e os da Funai 350.000), para

este ano, reflete uma diferença de metodologia.

Enquanto a Funai contabiliza os indivíduos (enquanto grupos) que ela reconhece

como indígenas, o que implica, ainda que indiretamente, tomar como base as Terras

Indígenas, o IBGE trabalha com a população nacional como um todo, identificando em

meio a ela, pessoas que se auto-declaram indígenas. O que esse contraste evidencia é a

27

invisibilidade dos indígenas em cidades. Os dados de Funai, ao tomarem como base as

Terras Indígenas/população aldeada, refletem justamente tal invisibilidade.

Ao mesmo tempo, porém, a cidade – metrópole, megalópole, etc. (e quanto maior

melhor...) – é o locus do “ocidente moderno”, pois tudo o que lhe é próprio (ou

característico) concentra-se aí. O cidadão urbano é a imagem por excelência do

“civilizado homem ocidental moderno”. A cidade é o lugar do construído, do

culturalizado. A floresta é ambiente natural onde caçar, por exemplo – para o

imaginário ocidental – não passa de uma atividade de subsistência.

Como exemplo dessa associação entre índios e natureza no imaginário brasileiro

sobre estes povos, cito uma passagem da parte introdutória da publicação do MEC que

avalia os resultados do censo escolar indígena de 2005. Um sub-item intitulado

“diversidade sociocultural” começa com o seguinte trecho: O Brasil hoje reconhece a

diversidade sociocultural dos povos indígenas. Ela se expressa pela presença de mais de

220 povos indígenas distintos, habitando centenas de aldeias localizadas em

praticamente todos os Estados da Federação. Vivem em 628 terras indígenas

descontínuas, totalizando 12,5% do território nacional. (...) Do litoral ao sertão, da

caatinga ao pantanal, da floresta ao cerrado, são muitos os ambientes nos quais os

povos indígenas estão localizados, resultado em formas de interação e adaptação à

natureza e em diferentes modos de vida (MEC 2007: 15-16 – grifos meus).

Neste trecho, há no primeiro parágrafo uma associação entre índios, aldeias e

Terras Indígenas. No segundo parágrafo, há outra associação clara, entre índios e

natureza. Os ‘muitos ambientes’ citados são todos ecossistemas distintos, e os

‘diferentes modos de vida’ dos grupos indígenas são simplesmente formas particulares

de ‘interação e adaptação à natureza’. Como poderíamos situar os índios em cidades

neste imaginário? Sugiro aqui que, para o indigenismo, a idéia de “índios urbanos” –

maneira como a inserção indígena nas cidades tem sido comumente referida – é uma

contradição em termos, pois reúne os dois pólos opostos de um mesmo continuum de

civilização/civilidade.

O selvagem fora da selva, (quase) camuflado entre prédios, é pensado como um

indivíduo deslocado, fora de seu próprio mundo, em contradição com (o que é

considerado como) a essência de seu ser. Um dos problemas envolvidos aqui – um dos

aspectos, portanto, com os quais a etnologia, nessas circunstâncias, tem que lidar – é

uma certa teoria da mudança cultural, que toma a transformação com um processo de

tornar-se diferente de si próprio e, como conseqüência10, igual a outrem, deixando,

28

assim, de ser quem se é. Nas palavras de Viveiros de Castro, entendemos que toda

sociedade tende a preservar no seu próprio ser, e que a cultura é a forma reflexiva deste

ser; pensamos que é necessário uma pressão violenta, maciça, para que ela se deforme e

transforme. Mas, sobretudo, cremos que o ser de uma sociedade é seu preservar: a

memória e a tradição são o mármore identitário de que é feita a cultura. Estimamos, por

fim, que, uma vez convertidas em outras que si mesmas, as sociedades que perderam

sua tradição não têm volta. Não há retroceder, a forma anterior foi ferida de morte

(2002: 195).

O autor está, aqui, sintetizando a aplicação da metáfora do mármore e da murta,

esta última simbolizando uma concepção em larga medida oposta à apresentada, e que

caracterizaria mais precisamente o modo indígena de perceber a mudança (e de mudar).

A murta não apresenta uma forma fixa. Poda-lhe, molda-lhe, e os galhos tornam a

crescer, deformando a imagem que lhe haviasido imprimida. Aos olhos dos ameríndios,

a forma não é o fator determinante do ser.

Ser é transformar-se. Pois murta nada é, apenas está. Em oposição, “nossa idéia

corrente de cultura projeta uma paisagem antropológica povoada de estátuas de

mármore, não de murta” (id. ibid.).

Na verdade, com este jogo semântico estou me referindo ao fenômeno de inserção

indígena nas cidades sempre como “índios em cidades”, e não pela forma mais usual,

como “índios urbanos”. As razões para esta escolha estão nos comentários acima.

Existiria um tipo de índio que é “urbano”, diferente dos outros, que seriam rurais,

aldeados, ribeirinhos? Tal idéia é tributária desta “nossa idéia corrente de cultura”, que

“projeta uma paisagem antropológica povoada de estátuas de mármore”, para voltar a

Viveiros de Castro. A passagem, se é que assim pode ser dito, ao ambiente urbano é

pensada como uma lapidação relativa deste mármore-self, cristalizando-se, assim,

estados ou situações, em modos de ser. Voltando aos dados da Funai, procurei enfatizar

que, ao mesmo tempo em que refletem a invisibilidade dos índios em cidades, eles a

produzem. Acredito que, aqui, possamos aplicar a imagem de ‘etnocídio estatístico-

censitário”, utilizada por Claudia Briones para tratar da manipulação do instrumento

censal com o objetivo de invisibilizar a população indígena na Argentina (2002: 65).

Mesmo em relação aos dados do IBGE, que evidenciam o contingente indígena

nas cidades, a contabilização destes indígenas é menos uma ação intencional que um

subproduto da inserção da categoria “indígena” no quesito “raça/cor”. Uma vez inserida

29

a categoria, há a possibilidade de cruzá-la com outras, produzidas para a população

como um todo, como, por exemplo, a bipartição entre situação “rural” e “urbana”. Não

que o IBGE quisesse investigar os indígenas em cidades, mas sim, que ao pesquisar os

indígenas de um modo geral, concluiu que a diferenciação entre “rural” e “urbano” era

relevante.

Comentei outrora que apenas o termo “urbano” era definido positivamente pelo

IBGE. Alexandra Barbosa da Silva notou que o mesmo acontece com a grande maioria

das caracterizações e análises que cientistas sociais fizeram da dicotomia campo/cidade

(2007: 90). Observei, também, que as análises demográficas feitas com base nessa

dicotomia não passam incólumes a essa caracterização negativa do “rural”.

Um outro ponto que deve ser considerado sobre o “evento” do censo 2000 é que,

se por um lado, como tentei demonstrar, os dados do IBGE podem não ser confiáveis

para sabermos quantos indígenas existem no Brasil, eles cumpriram uma função política

de suma importância: evidenciar o contingente indígena nas cidades brasileiras. O

fenômeno é antigo. “Os índios estão nas cidades brasileiras desde que as cidades

brasileiras existem” (Calavia Sáez 1995). Por mais que esta parcela da população

indígena possa não somar 50% do total dos índios no Brasil, como indicou o censo

2000, há um contingente considerável de indígenas em cidades, em relação aos quais há

de se pensar e fazer algo. Assim, depois do censo 2000, alguma resposta teve que ser

dada a presença indígena nas cidades, mesmo que por vezes isto tenha sido feito de

forma precária.

O Censo de 2010 confirmou, com evidência, essa necessidade, como também essa

precariedade, exatamente por isso é imprescindível uma crítica da economia política das

minorias que recoloque os termos das políticas públicas e do orçamento tendo em vista

a garantia da equidade e do reconhecimento de direitos na agenda social e política do

indigenismo brasileiro. Eis, pois, alguns dos enlaces que envolvem o reconhecimento

capital dos índios em contextos urbanos.

III.3 A equidade, a diversidade e o reconhecimento de direitos numa ordem

constitucional multicultural.

O Estado democrático constitucional está marcado pelo pluralismo cultural, social

e ideológico. Nesse contexto, uma diversidade de identidades culturais específicas

reivindicam suas necessidades especiais enquanto grupo que necessita de proteção de

30

sua forma de vida e promoção de seus valores tradicionais. Nesse cenário coloca-se a

questão das minorias, a qual tem lugar quando “uma cultura majoritária, no exercício do

poder político, impinge às minorias a sua forma de vida, negando assim aos cidadãos de

origem cultural diversa uma efetiva igualdade de direitos” (HABERMAS, 2002, p.170).

Dentro de uma comunidade democrática que garanta a igualdade formal de direitos para

todos, pode eclodir um conflito cultural conduzido por minorias desprezadas contra a

cultura da maioria. Por esse motivo, Jürgen Habermas defende a “inclusão do Outro”

em uma cultura política comum com “sensibilidade para as diferenças”. E essa inclusão

repercute inevitavelmente na dimensão constitucional dos Estados pluralistas.

O reconhecimento das necessidades e interesses dos grupos minoritários deve

ocorrer mediante um processo aberto de amplo debate na esfera pública, no qual os

interessados possam participar ativamente, com liberdade de comunicação, das decisões

que os afetam. Em sociedades acentuadamente pluralistas, como é o caso da brasileira,

onde convivem diversas identidades culturais e sociais e específicas, é lançado um

desafio à Constituição do Estado e às suas instituições jurídico-políticas, já que, na

ausência de uma base comum de costumes, as relações intersubjetivas devem ser

mediadas pelo direito. Uma concepção adequada de justiça no pluralismo não deve

incluir apenas a redistribuição equitativa de bens, como também o reconhecimento do

igual valor de identidades excluídas no status da cultura hegemônica. Com efeito, o

desafio do multiculturalismo é um fato incontornável, cuja ressonância deve-se estender

às manifestações de uma economia política das minorias.

Para pensarmos a esfera da redistribuição equitativa de bens e recursos numa

perspectiva crítica da economia políticas das minorias, especialmente no caso indígena,

precisamos também enfrentar o arcabouço sócio-jurídico que prestou base a negação

dessa redistribuição.

Uma referência importante neste debate foi oferecida pelo advogado indigenista

Júlio Gaiger, que em um artigo analisando “O Vício Tutelar” 7, no início dos anos 90 do

século passado, identificou a persistência da colonialidade no projeto de Estatuto do

Índio de iniciativa do Estado, ao que denominou de “dimensão oculta” posto que

mantinha em seu âmago a “finalidade incorporativista” de textos constitucionais

anteriores.

7 - GAIGER, Júlio M. G. O Vício Tutelar. Análise da proposta governamental para o Estatuto do Índio.

In: Resenha & Debate, nº 5, setembro de 1991. Rio de Janeiro: PETI: PPGAS:UFRJ.

31

Como observou, a Carta de 1988 rompeu com o caráter individualista relativo aos

índios presente em textos anteriores, sepultando a arquitetura colonial pelo

reconhecimento do tratamento coletivo, do sujeito coletivo de direitos portador do

direito à diferença.

Neste sentido foi incisivo ao afirmar:

O inciso III e o parágrafo único do art.6º, e Capítulo II da Lei nº

6001/73, estão ad-rogados, ainda que tacitamente, com a vinda da

Constituição de 1988. [...] Admite-se a tutela de direitos, mas não é

mais possível coonestar a tentativa de manter o ranço da tutela de

indivíduos indígenas. O ser humano diferente, por diferente, não é

incapaz. [...].8 (Grifos meus)

É, enfim, neste horizonte teórico-metodológico que importam as abordagens

constitucionalistas de Barbieri (2008), preceituando o direito à diferença como um

princípio constituinte da Dignidade da Pessoa Humana e o conceito de economia

política das minorias oferecido por Bertaso e Gaglietti (2010).

Em um artigo intitulado O Jogo da alteridade na questão da cidadania

multicultural9, Bertaso e Gaglietti (2010) oferecem uma análise substantiva dos desafios

do direito constitucional na seara do reconhecimento dos direitos mesmo quando

expressamente anunciados.

Como preceituam, o direito estatal de modelo nacional moderno, de natureza mais

fechado, não tem reconhecido satisfatoriamente a diversidade de fontes internas para a

eficácia do direito internacional dos direitos humanos constitucionalizados.

A nova esfera pública multifacetada e o reconhecimento de que a sociedade não é

mais instituída por categorias amplas e generalizadas e sim de novas identidades em

movimento e reconfiguração, produzindo uma escala de demandas de cidadania que

perfazem o conceito de economia política das minorias, quer dizer – os grupos sociais e

étnicos, individual ou coletivamente, definem suas identidades a partir da criação de

8 - Idem, Ibidem, pp.16-17.

9- Esse artigo compõe um publicação organizada por SANTOS e DEL’OLMO de título Diálogo e

entendimento: direito e multiculturalismo & cidadania e novas formas de solução de conflitos, vol. 2,

2010. Alguns artigos deste trabalho foram fundamentais para o desenvolvimento dessa dissertação. Serão

citados conforme a necessidade, a publicação consta das referências bibliográficas.

32

ligações internas, num jogo diacrítico constante, arranjos societários que ao mesmo

tempo os une numa dimensão do reconhecimento à diversidade e os diferencia no

reconhecimento de direitos específicos que estão na origem de suas próprias existências

e especificidades multiculturais, requerendo uma nova lógica para a repartição dos bens

materiais e simbólicos em uma sociedade constitucionalmente multicultural.

Constituindo-se como cidadanias translocais, posto que são ao mesmo tempo

territorializadas na busca da efetivação de direitos e cada vez mais mundializadas na

luta pelo reconhecimento de suas identidades, próprias aos tempos de uma modernidade

multicultural, são os índios em contextos urbanos tão detentores de direitos quanto os

territorializados pelo indigenismo oficial.

Eis, assim, as facetas complexas de uma cidadania diferenciada para as sociedades

e indivíduos indígenas em contextos urbanos, que exigem um novo ethos jurídico e

econômico10

que propugnem o pluralismo de fontes e de procedimentos, uma efetiva

superação da premissa etnocêntrica da “incapacidade indígena”, um reconhecimento da

característica heurística e extensiva da dignidade da pessoa humana somada a uma

noção clara de uma economia política das minorias que sustente não apenas as

mudanças paradigmáticas dos princípios e objetivos de um Estado, mas também o

refunde na capacidade de reconhecer demandas específicas como forma de garantir a

realização de direitos fundamentais, ou seja, o transforme em seu desenho histórico,

arcaico e elitista, um Estado Endocolonialista em um Estado Democrático de Direito

com a eficácia de um constitucionalismo multicultural.

Em outros termos, são mais de 800 mil indígenas distribuídos por mais de 241

etnias, com mais de 150 línguas próprias, distribuídos entre regiões do interior e das

cidades brasileiras, 324.834 em cidades e 572.083 em áreas rurais, especialmente

capitais, formando, em alguns casos cidades indígenas como São Gabriel da Cachoeira,

no Estado do Amazonas, e responsáveis por cerca de 17% do território nacional.

10

- Nos referimos a um novo ethos jurídico e econômico que instaure a diversidade e o reconhecimento

de direitos como direitos fundamentais e materiais, como prevêem diversos dispositivos constitucionais

relativos à proteção e valorização da diversidade cultural formativa do Brasil, vide o art. 215 da CF/88:

“O Estado garantirá a todos o exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e

apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. É necessário atentar que as

teorias de justiça social não podem estar desacompanhadas de um ethos próprio que possibilite sua

concretização, isto implica a instauração de um pacto social com o propósito de construir uma sociedade

efetivamente multicultural, como é a brasileira, reconhecidamente complexa e plural.

33

A maior parte dessa população distribui-se por milhares de aldeias, situadas no

interior de 690 Terras Indígenas (TI), de norte a sul do território nacional. 11

As perspectivas quanto a uma nova modalidade de inserção dos índios na nação

brasileira, quer dizer – num ambiente constitucional de reconhecimento do caráter

pluralista do país – encontra abrigo em diversos textos legais que consagram uma

atuação diferenciada do Estado frente às sociedades e indivíduos indígenas, vide nos

planos educacionais, com o reconhecimento do bilingüismo na educação básica, a

formação do sistema escolar indígena e dos territórios Etnoeducacionais12

, as políticas

de inserção no ensino superior, com as políticas afirmativas13

, o Programa de Apoio à

Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas – PROLIND14

e a recente

portaria nº 52 de 2014, do Ministério da Educação com o fito de criar por meio de um

Grupo de Trabalho paritário de indígenas e não-indígenas uma instituição de educação

superior intercultural indígena, além de outras políticas públicas na saúde com a

Secretaria Especial de Saúde Indígena/ Sesai15

, nas áreas de patrimônio, conhecimentos

tradicionais e biodiversidade entre outras, com franca produção de conhecimento

especializado sobre tais temáticas, tanto por indígenas16

como não indígenas.

A esta gama diversificada de políticas públicas indigenistas que buscam

redirecionar as práticas e as ações do Estado junto às populações e aos indivíduos

indígenas, traduzindo um debate profundo sobre o indigenismo oficial, como oferecem

Lima & Barroso – Hoffmann (2001 e 2002), também alcança o indigenismo não-estatal,

analisado e denominado por Gersen Baniwwa17

de “semi-tutela” (2010, 39.).

11

- Para maiores informações consultar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE,

especialmente o link http://indigenas.ibge.gov.br/. 12 - Para a política indigenista sobre a temática ver Educação Escolar Indígena: diversidade

sociocultural indígena ressignificando a escola. Cadernos SECAD n.3. Brasília, DF: abril de 2007.

13

- Ver a este respeito a Lei 12.288, de 20 de julho de 2010, conhecida como o Estatuto da Igualdade

Racial. 14

- Sobre o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas – PROLIND ver

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17445&Itemid=817. 15

- Sobre o SESAI consultar widgets.socioambiental.org/pt-br/.../saúde-indígena-da-funasa-à-sesai onde estão analisados os desafios da mudança do subsistema de saúde indígena da antiga Fundação

Nacional de Saúde (Funasa) para a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). 16

- Um exemplo dessa produção de conhecimentos por indígenas são os Cadernos do Instituto Indígena

Brasileiro para a Propriedade Intelectual/ INBRAPI, disponíveis em WWW.inbrapi.org.br. Veja a este

propósito o Caderno de n.1, São Paulo, 2004 – Organizado por Daniel Munduruku, com diversos artigos

inclusive um de Lúcia Fernanda Jófej Kaingang, advogada, Mestre em Direito pela UnB e Diretora-

Executiva do INBRAPI, sobre o título – O Conhecimento Tradicional e os Povos Indígenas, p.8 – 15. 17

- No artigo de Gersen Baniwa analisa o que ele denominou de semi-tutela para qualificar certo

indigenismo não-oficial realizado por organizações não governamentais (Ongs) e o grau de influência

dessa configuração tutelar sobre diferentes lideranças e organizações indígenas. Está publicado na Revista

34

Há, também, notadamente no campo judiciário, uma busca por compreender mais

satisfatoriamente os comandos constitucionais que informam o Direito Indigenista. São

exemplos dessa busca os trabalhos de Barreto (2003) e Santos Filho (2005), entre

outros.

Mas todo esse arcabouço que emerge crescentemente numa ordem constitucional

democrática e multicultural, ainda assim, não consubstanciam a sinergia necessária para

que a cidadania diferenciada dos indígenas, especialmente em contextos urbanos, sejam

reconhecidas como uma garantia dos direitos fundamentais e da realização da dignidade

da pessoa humana num ambiente de constitucionalismo multicultural.

Neste paradoxo, qual seja – quanto mais são traduzidas as lutas pelo direito à

diferença e ao reconhecimento, mais estes são colocados em questão por não serem

considerados mais necessários quando “a todos é garantido à condição de cidadãos”, é

que emerge a densidade de um conceito como a economia política das minorias, donde

contextos sociais, demográficos e étnicos existentes no país passam a informar as ações

pelas quais o Estado compreende suas ações indigenistas e as torna eficazes na garantia

dos princípios constitucionais de autonomia e respeito aos usos e costumes dessas

sociedades em seus projetos de viver.

Na formação compósita dessa nova ordem de ações matizadas por uma economia

política das minorias deve ser relacionado o custo do capital simbólico dessa

reengenharia social.

E aqui é importante compreendê-lo nos termos que foram oferecidos por DaMatta

(1976) em seu artigo seminal Quanto Custa ser índio no Brasil? Considerações sobre o

problema da Identidade Étnica.

Nele o autor faz uma densa abordagem acerca do processo de elaboração das

identidades e da identidade étnica em particular, e o faz oferecendo algumas conclusões

que merecem ser refletidas como sinérgicas para compor a dimensão da questão que

mobiliza esse estudo – a economia política das minorias. Diz o autor:

Creio que é assumindo este tipo de conjuntura altamente paradoxal e

dinâmica que poderemos especular melhor sobre o problema da

identidade étnica. Pois se é verdadeiro que papéis étnicos nem sempre

são frontalmente acionados no contato [...] a identidade étnica parece

da FAEEBA sobre o título Educação Escolar Indígena: Estado e Movimentos Sociais. Salvador, v.19, p.

35-49, jan/jun, 2010 e pode ser encontrado em www.uneb.br/revistadafaeeba .

35

de fato atuar como uma identidade onipresente, ou seja, como uma

identidade que está sempre ao lado da situação de conjunção e que

pode ser acionada para qualificar negativamente, determinar alguns

ganhos ou neutralizar conflitos. Parece pacífico que a identidade

étnica é sempre ativada pelo grupo dominante para denegrir o grupo

dominado, como parte de um conjunto de instrumentos que visam

subjugar o índio. Mas não se deve esquecer, caso queira realmente

ultrapassar o plano do senso-comum, que identidades étnicas são

também acionadas para exigir proteção e/ou obter vantagens que, no

contexto regional, podem parecer ponderáveis. [...] O custo de ser

índio no Brasil é poder ser tudo e, não obstante, continuar sendo

precisamente isso: índio!

(1976: pp. 51-52) (Grifos do autor)

Esta assertiva, ser tudo e, não obstante ser índio, complementa substancialmente a

idéia de uma economia política das minorias. Dito de outra forma, com a incorporação

da Convenção 169 da OIT ao ordenamento infraconstitucional brasileiro18

, donde a

auto-identificação assumiu um status de direito de reconhecimento (algo que a CF/88 já

previa no art. 231) viabilizando a consagração do direito fundamental à diferença sem

prejuízo da condição mais ampla de cidadania aos indivíduos e às sociedades indígenas.

Nesta latitude estão postas as condições de efetivação dos direitos humanos como

um direito à autodeterminação, como preceituam os arts. 231 e 232 da CF/88, nos

termos apresentados por Albuquerque:

Os povos indígenas constituem, atualmente, um referencial de agentes

coletivos participativos de um novo marco democrático fundado na

participação, diferença e igualdade dos povos. Trata-se de superar a

ideia de um país monoétnico e unissocietário e assumir a realidade

pluriétnica e multicultural, possibilitando as reais condições internas

para os indígenas se beneficiarem dessa decisão, podendo, finalmente,

viver de acordo com seus valores, crenças e instituições político-

jurídicas. Direito à igualdade e à diferença definido em um referencial

18

- Sobre a Convenção 169 da OIT e sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional consulte

36

político-jurídico multicultural, no qual a diferença dá-se não como um

privilégio, mas como uma permanente reivindicação. (2008, p. 211)

A construção de uma economia política das minorias fundada numa perspectiva

de orçamento e reconhecimento de direitos está intimamente entrelaçada a esta

dimensão do dialética entre diferença e igualdade, o que veremos a frente analisando o

orçamento indigenista que vem sendo praticado no Brasil.

III – SÉCULO XXI: A ECONOMIA POLÍTICA DAS MINORIAS,

ORÇAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL – O CASO INDÍGENA

III. 1 – Os significados do Reconhecimento – a economia política das

minorias.

Abordaremos neste momento uma dimensão específica do reconhecimento de

direitos relativos às sociedades e indivíduos indígenas tomando como referências as

políticas públicas e o orçamento indigenista dos anos de 2013 e 2014. O objetivo desta

abordagem de um “Orçamento Indígena” compreende o caráter complexo desta

denominação, tendo em vista que os investimentos públicos ou não relativos às

sociedades indígenas não constituem propriamente um “orçamento”, mas um conjunto

de políticas que visam diversos setores de atuação do Estado frente as sociedades

indígenas, e na grande maioria das vezes com enorme invisibilidade para os índios em

contextos urbanos. Sendo assim, usaremos a Expressão Orçamento Indígena/OI para

fins metodológicos e analíticos e não como uma totalidade marcada por uma

racionalidade proporia e específica. Vejamos o que aponta a amostra domiciliar para

este propósito de identificação orçamentária.

37

Tomei como apoio para as análises a seguir, os trabalhos realizados pelo Instituto

de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que entre os realizados no Brasil são sem dúvida

os mais instigantes estudos sobre orçamento indigenista e políticas públicas para o setor

no país. Então vejamos. A reunião de programas e ações orçamentárias que expressam

a obrigação legal, o compromisso político e a capacidade do governo federal de

proteger e garantir os direitos dos povos indígenas constitui, em grande parte, o que

denominaremos de OI.

Mas há outras fontes de recursos que incidem na política indigenista como os

recursos de políticas bilaterais, de cooperação internacional e de esferas do Estado que

não apenas a União, entre outros, como parcerias públicas privadas geralmente

decorrentes de Termos de Ajustamento de Conduta a que empresas são condenadas por

ações impetradas pelo Ministério Público Federal em prol dos direitos das sociedades e

indivíduos indígenas.

Uma seleção destas reúne distintas políticas públicas – demarcação,

regularização e gestão ambiental e territorial, saúde, saneamento, segurança alimentar,

38

educação, preservação cultural, segurança – a partir da sua expressão programática e

orçamentária.

A nota elaborada pelo INESC avaliou a execução do Orçamento Indígena no ano

de 2013 e apresentou perspectivas para 2014. Desta monta o histórico de tais

iniciativas remontam já 12 anos e, durante este período, ocorreram diversas mudanças

metodológicas e programáticas no Orçamento Federal e nas suas chamadas peças

orçamentárias: PPA, LDO, LOA. No PPA 2012-2015 e na LOA 2013, as mudanças

foram muitas. Para o que aqui interessa essencialmente, as mudanças implicaram uma

significativa redução do número de ações orçamentárias. Varias ações orçamentárias

que existiam em 2012 deixaram de existir enquanto tal para que fossem reunidas em

2013 sob o título de única ação. Alguns exemplos:

Ação 20UF: “Fiscalização e Demarcação de Terras Indígenas, Localização e

Proteção de Índios Isolados e de Recente Contato”. Esta PPA: Plano Plurianual; LDO:

Lei de Diretrizes Orçamentárias; LOA: Lei Orçamentária Anual. Ação, criada em 2013,

passou a reunir quatro ações que existiam em 2012: “Fiscalização e Monitoramento

Territorial das Terras Indígenas”, “Delimitação, Demarcação e Regularização de Terras

Indígenas”, “Localização e Proteção de Povos Indígenas Isolados” e “Promoção dos

Direitos dos Povos Indígenas de Recente Contato”.

Ação 2384: “Promoção e Desenvolvimento Social dos Povos Indígenas”. Também

reúne quatro ações: “Proteção Social dos Povos Indígenas”, “Promoção do

Etnodesenvolvimento em Terras Indígenas”, “Fomento e Valorização dos Processos

Educativos dos Povos Indígenas” e “Gestão Ambiental e Territorial das Terras

Indígenas”.

Ação 2100: “Assistência Técnica e Extensão Rural para Agricultura Familiar”. Esta

ação reúne seis ações, entre as quais a ação (2178) “Assistência Técnica e Extensão

Rural em Áreas Indígenas” e a ação (8358) “Assistência Técnica e Extensão Rural para

Comunidades Quilombolas”.

Mas o que se perde com esta agregação? Depende do ponto de vista. O governo

alega que nada se perde, ao contrário, porque as mudanças aumentam a capacidade de

prestação de contas das “entregas” do governo à sociedade. Isto porque as ações agora

agregadas têm as suas execuções física e financeira detalhadas por meio dos Planos

39

Orçamentários (POs). Criados no PPA 2012-2015, os POs estão sendo utilizados, entre

outras finalidades, para acompanhar as despesas que constavam em ações específicas

em 2012 e foram aglutinadas em outras ações no Ploa 2013. No âmbito dos POs, é

possível acompanhar, por exemplo, quais são a dotação e a execução de recursos

orientados à “Localização e Proteção de Povos Indígenas Isolados”, ação extinta em

2012 e que passou a fazer parte da ação 20UF, já descrita.

Na verdade, tais mudanças acarretaram perda de transparência. Primeiro porque

os POs não são obrigatórios, como o governo assume, pois consistem de “um

instrumento gerencial, de caráter facultativo”, ou seja, o gestor pode detalhar ou não os

seus conteúdos e as dotações específicas.

Em segundo lugar, mesmo que o faça, trata-se de mais um emaranhado de

informações e dados que acabou por tornar ainda mais complexa a difícil tarefa de

monitoramento e controle social do orçamento público. As “entregas” do governo à

sociedade estão longe de ser claras, objetivas e acessíveis ao público em geral, como

deveriam ser. Se quisermos saber, por exemplo, o que está sendo feito para garantir

assistência técnica em áreas indígenas, teremos que monitorar não a ação 210º na

íntegra, mas somente um dos seus treze POs ou somente aquele que é especificamente

sobre assistência técnica indígena. Enfim, um tipo de informação que não está ao

alcance do público em geral e que exige o manuseio de bases de dados complexas, seja

do Siga Brasil (Senado) ou do Siop (Planejamento).

Contudo, apesar das mudanças e dificuldades adicionais, o monitoramento do

orçamento segue sendo estratégico para a defesa dos direitos e a disputa por recursos e

prioridade aos povos indígenas perante o governo, em especial em uma conjuntura de

forte ameaça aos seus direitos. Por isto e em função das mudanças, tornou-se necessário

também o acompanhamento dos Planos Orçamentários como instrumentos de gestão

que, uma vez criados para tal finalidade, precisam ser monitorados e aperfeiçoados a

partir da incidência (e insistência) das organizações, da sociedade civil e dos

movimentos sociais.

O que configura, então, o Orçamento Indígena?

Uma seleção de programas, ações e planos orçamentários em que os povos

indígenas são explicitamente beneficiários dos “serviços e produtos” sob a

responsabilidade direta ou indireta do governo federal. Para algumas ações com

distintos públicos-alvo que possuem apenas um ou mais POs endereçados aos povos

40

indígenas, considerei apenas o/os PO/s e não a ação completa, tendo em vista que isto

sobre dimensionaria o Orçamento Indígena e dificultaria o monitoramento do que é

especificamente endereçado aos povos indígenas.

É o caso, por exemplo, da ação (210O) de assistência técnica para a agricultura

familiar, na qual selecionei apenas o PO (0002) que trata da assistência técnica em áreas

indígenas. Tal seleção foi possível, contudo, somente quando os POs foram detalhados.

Por isto, também incluí na totalidade as ações que atendem distintos públicos-alvo,

entre os quais os indígenas, mas que não possuem detalhamento dos POs por público-

alvo. Este é o caso da ação (20RS) de “apoio ao desenvolvimento da educação básica”,

que tem entre seus públicos-alvo os indígenas, juntamente com as comunidades do

campo, as comunidades tradicionais e os quilombolas.

Por fim, não considerei ações que, embora estejam vinculadas a iniciativas 4 de

governo que incluem os povos indígenas, não apresentam as referidas iniciativas e

chamadas “entregas à sociedade resultantes da coordenação de ações orçamentárias e

não orçamentárias (institucionais, normativas, pactuação entre entes federados, estado e

sociedade)”.

Outra latitude dessa análise pode ser efetivada no quesito Programas Indígenas

sobre as rubricas 2065 – Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos / Programa

2068 – Saneamento Básico / Programa 2069 – Segurança Alimentar e Nutricional /

Programa 2030 – Educação Básica / Programa 2012 – Agricultura Familiar /

Programa 2027 – Cultura: Preservação, Promoção e Acesso / Programa 2034 –

Enfrentamento ao Racismo e Promoção Igualdade Racial /Programa 2058 –

Política Nacional de Defesa .

Genéricos e muitas vezes compartilhados com outros segmentos sociais, os

Programas Indígenas não contemplam efetivamente a expressiva presença demográfica

de índios em contextos urbanos. A Colonialidade permanece, só que transfigurada, eis o

papel nefrálgico de uma economia política das minorias para o caso indígena, romper,

reconhecer e evidenciar a necessidade de orçamentos públicos e políticas públicas

específicas para esses segmentos das sociedades indígenas invisibilizadas pelo

indigenismo oficial nas Cidades e regiões metropolitanas do Brasil.

Vejamos como foi o OI em 2013 para percebermos o continuum que informa essa

colonialidade do indigenismo nacional. Em 2013, o Orçamento Indígena mobilizou R$

1,66 bilhão. Mas foram efetivamente gastos/pagos apenas R$ 1,03 bilhão (ou 62%), o

que representa um orçamento reduzido se comparado às necessidades de implementação

41

de políticas públicas indígenas e com baixa capacidade de execução, tendo em vista que

quase 40% dos recursos disponíveis (e escassos) não chegaram a ser pagos no ano de

2013.

Neste orçamento, o principal programa de defesa dos direitos indígenas, intitulado

“Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” (2065), reúne objetivos,

iniciativas e ações de distintas políticas públicas: demarcação, regularização e gestão

ambiental e territorial, saúde, saneamento, segurança alimentar, educação, preservação

cultural.

Composto por nove ações orçamentárias, o programa teve em 2013 o valor

autorizado de R$ 1,2 bilhão, dos quais foram efetivamente gastos/pagos R$ 894 milhões

(ou 74,2%). Além deste programa, as ações e os POs dos outros programas – vinculados

à garantia de educação básica, cultura, assistência técnica, desenvolvimento sustentável,

segurança alimentar, saneamento básico e defesa – mobilizaram, em conjunto, R$ 375

milhões,7 dos quais foram efetivamente gastos/pagos somente R$ 77,9 milhões (ou

20,7%). Vale registrar, contudo, que existe outro conceito de despesa, denominado

“liquidado”, que é aquele cujo empenho foi entregue ao credor, que – por sua vez – já

forneceu o material, prestou o serviço ou executou a obra; por isto, a despesa é

considerada “liquidada”, mas em um estágio em que ainda não ocorreu o pagamento

efetivo da despesa pela União. Mas, por Lei, este pagamento pode e deve ser pago em

exercícios posteriores.

Como já dito, selecionei somente ações e POs endereçados diretamente aos povos

e às comunidades indígenas. Isto porque programas como o Bolsa-Família e o Programa

de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), entre outros, são de fato

importantes para garantir direitos indígenas, mas não podem ser monitorados neste nível

de detalhe de público-alvo e, portanto, não entram na seleção. Se considerarmos esta

forma de despesa, a execução destas ações e dos POs passa a ser de R$ 313 milhões (ou

83,48%). Isto é importante porque, no próximo ano (2014), estas despesas liquidadas,

mas não pagas em 2013, vão comprometer a execução de novos

produtos/serviços/obras, já que todo este recurso devido, mas não pago em 2013, deverá

sair dos recursos disponíveis para 2014, neste caso na forma de “restos a pagar”.

Mas estas “delicadezas técnicas” não podem nos distanciar do que é essencial. Os

recursos são poucos ou são suficientes? As políticas executadas com estes recursos

funcionam bem? Perguntas como estas são necessárias para qualificar a análise

orçamentária dos direitos dos povos indígenas.

42

Não tenho aqui a pretensão de dar estas respostas plenas, mas de apontar

possibilidades de análise e explorar alguns dados da execução orçamentária com a

intenção de chamar a atenção para uma necessária crítica de economia política das

minorias para o caso indígena como uma ferramenta conceitual para a interpretação do

Orçamento Indígena.

Vejamos agora a questão da política diferenciada de saúde:

A expressão orçamentária da política de saúde indígena é composta por três ações: i) a

ação (20YP) “Promoção, Proteção, Vigilância, Segurança Alimentar e Nutricional e

Recuperação da Saúde Indígena” (Programa 2065), com R$ 1 bilhão; ii) a ação (7684)

“Saneamento Básico em Aldeias Indígenas para Prevenção e Controle de Agravos”

(Programa 2065), com R$ 27 milhões; iii) parte da ação (7656) “Implantação,

Ampliação ou Melhoria de Ações e Serviços Sustentáveis de Saneamento Básico em

Comunidades Rurais, Tradicionais e Especiais para Prevenção e Controle de Doenças e

Agravos” (Programa 2068). Neste caso, não podemos identificar o recurso porque os

POs não estão detalhados.

Estas três ações tiveram em 2013 uma dotação de pouco mais de R$ 1,13 bilhão,

dos quais foram pagos R$ 800 milhões (80%). Mas a situação precária da saúde

indígena mostra que estes valores têm sido insuficientes para garantir atendimento de

qualidade, além da existência de problemas da capacidade de gasto e de eficiência na

gestão desta política. Uma cartilha publicada no final de 2013 pelo Cimi8 faz uma

recuperação histórica da política de saúde e do seu estado atual e mostra que, aliados ao

problema da escassez de recursos e da capacidade de execução, existem outros

problemas ligados à incapacidade ou ao descompromisso do governo federal de

implementar uma política de atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas. A breve

descrição das bases e do funcionamento da política de saúde indígena toma como base

a referida cartilha, que pode ser acessada pelo endereço:

http://6ccr.pgr.mpf.mp.br/institucional/grupos-de-trabalho/saude/cartilha-sobre-saudeindigena- cimi.

Conclusões...

ORÇAMENTO INDÍGENA 2013 E PERSPECTIVAS PARA 2014

Tal como concebida a partir de décadas de luta dos movimentos indígenas e das

organizações parceiras. Desde a I Conferência Nacional de Proteção à Saúde Indígena,

realizada em 1986, foram aprovadas as diretrizes para uma atenção diferenciada à saúde

43

indígena. Na II Conferência Nacional de Saúde dos Povos Indígenas, realizada em

1993, foi aprovado o modelo assistencial baseado nos Distritos Sanitários, modelo este

que já havia sido também aprovado um ano antes, em 1992, na IX Conferência Nacional

de Saúde.

Mas foi somente em 1999 que, pressionado pela realidade gritante de violação do

direito à saúde dos povos indígenas e pela mobilização dos movimentos indígenas e das

organizações aliadas, o governo federal editou o Decreto nº 3.156/1999 e promoveu, no

Congresso Nacional, a aprovação da “Lei Arouca” (Lei nº 9.836, de 23 de setembro de

1999). Esta Lei determinou que a política de saúde indígena passasse a ser

responsabilidade exclusiva do Ministério da Saúde e que fosse instituído o Subsistema

de Atenção à Saúde Indígena (Sasi-SUS), tendo por base os Distritos Sanitários

Especiais Indígenas (DSEIs). Foram, então, criados os 34 DSEIs, por intermédio da

Portaria nº 852/1999.

Enfim e, ainda, entre a construção das bases desta política e sua execução existe

uma grande lacuna. Segundo o Cimi, este “novo modelo ainda não saiu do papel”. Os

Distritos Sanitários Especiais Indígenas foram regulamentados muitos anos depois, em

2009, pelo Decreto nº 6.878, de 18 de junho de 2009, o qual estabeleceu que os DSEIs

seriam unidades gestoras com autonomia administrativa e financeira. Para que isto

acontecesse, o governo federal/Ministério da Saúde teria que prever recursos

orçamentários para cada distrito para garantir as estruturas materiais (prédios,

equipamentos, veículos, postos de saúde, hospitais de referência, laboratórios), de

recursos humanos, com servidores públicos concursados (médicos, odontólogos,

enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes de saúde, agentes de saneamento,

técnicos em administração, pedagogos, entre outros), além do saneamento básico (água

potável para o banho, para beber e para as demais necessidades de higiene e

limpeza,tratamento de esgoto e coleta de lixo, entre outros) e da estruturação e do

funcionamento de conselhos em cada Distrito para o controle social (locais e distritais).

Este compromisso ainda está longe de ser cumprido.9

Mais informações: os problemas dos DSEIs

“Em 12 de agosto de 2011, foi publicado pela Sesai o edital de chamamento público nº

01/2011, visando à seleção de entidades privadas sem fins lucrativos para execução,

por meio de convênios, das ações complementares na atenção à saúde dos povos

indígenas. As entidades selecionadas foram a Sociedade Paulista para o

Desenvolvimento da Medicina (SPDM), com sede em São Paulo, que ficou responsável

44

por 14 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), o Instituto Materno-Infantil de

Pernambuco (Imip), com sede em Recife, responsável por 5 DSEIs, e a Missão

Evangélica Caiuá, com sede em Campo Grande, responsável por 15 DSEIs. Esta

concentração enorme de recursos.”

De fato, a análise orçamentária das ações de saúde indígena reforça a leitura

exposta. O problema da insuficiência da dotação orçamentária é reforçado pela

dificuldade de execução e pela forma com que o recurso é gerido, descumprindo as

diretrizes e os compromissos assumidos pela política de saúde indígena. Com base no

exposto, podemos olhar mais detidamente a ação 20YP.

Esta ação é gerida pela Secretaria Especial de Saúde Indígena/MS, uma parte de

forma indireta (mediante convênios), outra parte por meio de execução direta e

descentralizada (por meio dos DSEIs). Ela é a principal expressão orçamentária da

implementação do modelo de atenção integral centrado na linha do cuidado, com foco

na família indígena e com incorporação das práticas e da medicina tradicionais.

Basicamente, é ela quem garante a estruturação dos chamados Distritos Especiais de

Saúde Indígena com adequadas estruturas físicas, humanas e de funcionamento. O

recurso disponível para esta ação, de pouco mais de R$ 1 bilhão, foi dividido entre dois

POs, conforme descrição na tabela a seguir. Fonte: Siop

(www.siop.planejamento.gov.br).

Para o PO 002, que vamos apelidar aqui de “Manutenção dos DSEIs e de Suas

Atividades”, foram destinados R$ 1,06 bilhão, dos quais foram pagos R$ 898 milhões.

Para o PO 003, que vamos apelidar aqui de “Estruturação dos DSEIs”, foram destinados

apenas R$ 40 milhões, dos quais foram gastos R$ 14 milhões (neste caso, também

temos que considerar que foram liquidados R$ 39 milhões). 10

PO 002 - Promoção, vigilância, proteção e recuperação da saúde indígena

Desenvolvimento de ações de saúde no âmbito dos DSEIs: contração e realização de

processos de educação continuada e permanente para os profissionais de saúde e

saneamento, gestores e representantes do controle social indígena; deslocamento das

equipes multidisciplinares de saúde indígena, equipes técnicas, gestores, pacientes

indígenas e controle social (aéreo, terrestre e fluvial), incluindo diárias e passagens;

garantia dos contratos de prestação de serviços de limpeza e higienização, segurança,

alimentação, entre outras, aquisição de insumos estratégicos, como medicamentos,

materiais médico hospitalares e correlatos, entre outros; produção de materiais

pedagógicos e de divulgação; realização de eventos; locação de imóveis; reforma e

45

manutenção dos estabelecimentos de saúde e DSEIs. PO 003 - Estruturação de

Unidades de Saúde para Atendimento à População Indígena Construção e ampliação

dos estabelecimentos de saúde e DSEIs, aquisição de mobiliários em geral,

equipamentos médico-hospitalares, odontológicos e de comunicação e informática;

aquisição de veículos e embarcações e demais bens necessários ao pleno funcionamento

dos estabelecimentos de saúde e sede dos DSEIs.

Terra e território: direitos em ataque

A segunda ação com maior valor (20UF) – “Fiscalização e Demarcação de Terras

Indígenas, Localização e Proteção de Índios Isolados e de Recente Contato” – contou

com R$ 87,8 milhões, dos quais foram gastos apenas R$ 15 milhões. Vale notar que

esta pouca execução se deveu ao baixo gasto em um dos itens que compõem esta ação,

que é a “delimitação, demarcação e regularização de terras indígenas”. Para examinar

em detalhes a execução desta ação, utilizamos o Portal da Transparência, do governo

federal (www.transparencia.gov.br), que permite o acesso aos convênios firmados.

Vale registrar que as bases de dados do Siga Brasil, Siop e Portal da Transparência

apresentam os dados da execução de forma distinta. Por isto, optamos aqui por utilizar

em conjunto as distintas bases para aprofundar a análise da execução da ação 20YP.

O desempenho financeiro, em certa medida, é um espelho da situação pela qual

passam os direitos dos povos indígenas no país. Ao analisar a ação orçamentária

“Fiscalização e Demarcação de Terras Indígenas, Localização e Proteção de Índios

Isolados e de Recente Contato” (20UF), verificamos que o baixo desempenho aí

identificado se deve aos itens relacionados com a delimitação e a demarcação das terras

indígenas. Dos R$ 21,8 milhões previstos para este fim, foram empenhados menos de

30% até a data de fechamento desta análise (R$ 6,5 milhões). É importante registrar que

uma boa parte do recurso orçado para 2013 sequer chegou ao caixa da Funai. Por outro

lado, neste ano, foram executados para este mesmo fim cerca de R$ 3,2 milhões de

recursos, que foram empenhados em anos anteriores (“restos a pagar”). De qualquer

forma, o total ficou bem abaixo do inicialmente previsto. Nos últimos três anos, apenas

9 áreas territoriais foram consideradas terras indígenas e 11 foram homologadas. Neste

ritmo, vai ser difícil o governo federal conquistar as metas estabelecidas no PPA 2012-

2015, que são: 1) delimitar 56 terras no quadriênio, 21 na Amazônia Legal e 25 nas

regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste; 2) emitir 45 portarias declaratórias da posse

indígena de terras tradicionalmente ocupadas, o equivalente a 51% do número de

portarias emitidas nos oito anos do governo Lula da Silva; e 3) a constituição de 8

46

reservas indígenas, “para atender os casos de maior gravidade de povos indígenas

confinados territorialmente ou desprovidos de terras”. Além disso, ficou estabelecida a

meta de homologar 40 terras demarcadas, 24 localizadas na Amazônia Legal – o

equivalente a 52% das homologações assinadas pelo presidente Lula.

Orçamento Indígena 2014: entre perdas e ganhos?

Em 2014, o Orçamento Indígena apurado pelo Inesc conta com R$ 1,87 bilhão, o que

representa um ganho de R$ 214 milhões se comparado ao verificado em 2013. Este

ganho, no entanto, está concentrado em apenas duas ações de programas que não são

específicos de garantia de direitos indígenas. Dentre as ações com maiores ganhos de

recurso, destacamos duas: 1) a ação 20GD (a cargo do MDS), que teve aumento de R$

178 milhões; 2) a ação 7656 (a cargo do MS/Funasa), com mais R$ 125 milhões.11

Como já dito, pela natureza destas ações e pelo pouco detalhamento dos seus Planos

Orçamentários, é muito difícil afirmar e monitorar o quanto deste aumento realmente irá

para povos indígenas. Com isto, este aumento de recursos não passa de promessa. Por

outro lado, o principal programa de garantia de direitos indígenas (Programa 2065)

perdeu, em 2014, R$ 86 milhões, se comparado ao verificado em 2013. Os dados

mostram que quase todas as ações sofreram perda de 10 Veja o significado de cada ação

na tabela inicial apresentada neste texto.

Recursos em 2013 e que a queda no total de recursos do programa só não foi mais

radical em função da ampliação da ação de “Saneamento Básico em Aldeias Indígenas

para Prevenção e Controle de Agravos”, que ganhou mais R$ 32 milhões. No entanto, a

ação 20YP, que analisamos anteriormente, perdeu nada menos do que R$ 75 milhões

em 2014.

Por fim, é preciso dizer que estamos comparando dotações iniciais de 2014 com

os recursos disponíveis em 2013, os quais sofreram ajustes ao longo do ano em função

de créditos adicionais. Isto também mostra que existe espaço para briga por maiores

dotações, em especial no principal programa de garantia de direitos indígenas e

naquelas ações cuja perda de recursos foi nitidamente forte.

47

III. 2 – Conclusões.

Não temos aqui a pretensão de fazer uma análise do montante de recursos que

seria necessário para garantir os direitos indígenas nos seus mais diferentes contextos.

Este é um desafio para muitos estudos e instituições comprometidas com o

reconhecimento de direitos das sociedades e dos indivíduos indígenas, especialmente

das entidades indígenas. Neste sentido, o diálogo com movimentos indígenas e

organizações indigenistas é fundamental.

Mas os dados mostram que a lógica orçamentária de definição destas dotações

está longe de responder ao desafio de garantir progressivamente o acesso à saúde, à

terra, à educação, ao saneamento, a moradia e a condição dignificante de citadino aos

indígenas, enfim, a todos os direitos que o Estado tem obrigação de proteger e garantir.

Além disto, a complexa lógica orçamentária, em conjunto com as mudanças

introduzidas no PPA 2012-2015 e nas Leis Orçamentárias a partir de 2012, tornou

menos transparente o orçamento do governo federal e mais difíceis seu monitoramento e

controle social.

Se o Estado está de fato empenhado na gestão por resultados, há que se avançar na

transparência e na prestação de contas do que foi efetivamente executado do orçamento

e mostrar como isto se reverteu em entregas efetivas de direitos aos povos indígenas.

Mas, o mais relevante neste enorme esforço de acompanhamento e descrição

qualitativa é que as sociedades e os indivíduos indígenas em contextos urbanos, tão

expressivos na demografia indígena contemporânea, não são reconhecidos em seus

direitos nas políticas orçamentárias e públicas do indigenismo oficial, tornando o

preceito da equidade uma esfera abstrata de um norte básico de direito fundamental,

violando a garantia da dignidade da pessoa humana, desrespeitando, assim, o que

preceitua a Constituição Federal da República do Brasil.

13

48

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