nitrificação secundária e defosfatação de esgoto doméstico através de infiltração rápida...

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Nitrificação secundária e defosfatação de esgoto doméstico através de Infiltração rápida em solo arenoso de alta permeabilidade Márcia Regina Pereira Lima (*) Florindo dos Santos Braga (**) Ricardo Franci Gonçalves (***) (*) Engenheira civil - UFES (1989); pós graduada em Saneamento - CEFET-MG (1995); mestranda em Engenharia Ambiental - UFES (1994); Professora da Escola Técnica Federal do Espírito Santo (desde 1992). (**) Engenheiro civil - UFES (1977); Mestrado em Hidráulica e Saneamento - Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) (1982); Doutorando em Hidráulica e Saneamento - EESC (1992); Professor adjunto 4 - DHS/UFES (desde 1980). (***) Engenheiro civil e sanitarista / UERJ (1984); pós-graduado em Engenharia de Saúde Pública - ENSP - RJ (1985); D.E.A. Engenharia Ambiental, Univ. Paris XII - França (1990); Doutor em Engenharia do Tratamento de Água (1993), INSA de Toulose, França; Professor adjunto 1 - DHS/UFES e professor do Mestrado em Engenharia Ambiental - UFES. Resumo Este trabalho apresentou uma série de testes de tratamento de esgoto sanitário no solo, com o objetivo de produzir efluentes de alta qualidade. O processo de infiltração rápida foi testado em um solo arenoso apresentando condutividade hidráulica acima dos valores recomendados para este tipo de processo. As eficiências de oxidação de matéria orgânica, de nitrificação, de defosfatação e de remoção de coliformes fecais a diferentes profundidades de leito de areia foram estudadas. Cinco reatores de 150 mm de diâmetro, com alturas de leito filtrante de 40, 80, 120, 160 e 200 cm, foram submetidos a condições operacionais bastante específicas para promover nitrificação. Cargas de esgoto doméstico pré- decantado de 18 cm/dia, durante dois dias consecutivos (36 1

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Nitrificação secundária e defosfatação de esgoto doméstico através de Infiltração rápida em solo arenoso de alta permeabilidade

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Page 1: Nitrificação Secundária e Defosfatação de Esgoto Doméstico Através de Infiltração Rápida Em Solo Arenoso

Nitrificação secundária e defosfatação de esgoto doméstico através de Infiltração rápida em solo arenoso

de alta permeabilidade

Márcia Regina Pereira Lima (*)Florindo dos Santos Braga (**)Ricardo Franci Gonçalves (***)

(*) Engenheira civil - UFES (1989); pós graduada em Saneamento - CEFET-MG (1995); mestranda em Engenharia Ambiental - UFES (1994); Professora da Escola Técnica Federal do Espírito Santo (desde 1992).(**) Engenheiro civil - UFES (1977); Mestrado em Hidráulica e Saneamento - Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) (1982); Doutorando em Hidráulica e Saneamento - EESC (1992); Professor adjunto 4 - DHS/UFES (desde 1980).(***) Engenheiro civil e sanitarista / UERJ (1984); pós-graduado em Engenharia de Saúde Pública - ENSP - RJ (1985); D.E.A. Engenharia Ambiental, Univ. Paris XII - França (1990); Doutor em Engenharia do Tratamento de Água (1993), INSA de Toulose, França; Professor adjunto 1 - DHS/UFES e professor do Mestrado em Engenharia Ambiental - UFES.

Resumo

Este trabalho apresentou uma série de testes de tratamento de esgoto sanitário no solo, com o objetivo de produzir efluentes de alta qualidade. O processo de infiltração rápida foi testado em um solo arenoso apresentando condutividade hidráulica acima dos valores recomendados para este tipo de processo. As eficiências de oxidação de matéria orgânica, de nitrificação, de defosfatação e de remoção de coliformes fecais a diferentes profundidades de leito de areia foram estudadas. Cinco reatores de 150 mm de diâmetro, com alturas de leito filtrante de 40, 80, 120, 160 e 200 cm, foram submetidos a condições operacionais bastante específicas para promover nitrificação. Cargas de esgoto doméstico pré-decantado de 18 cm/dia, durante dois dias consecutivos (36 cm/ciclo), seguidas de cinco dias de repouso compunham o ciclo operacional de sete dias imposto aos reatores. No tocante à poluição carbonácea, um efluente com concentrações médias compatíveis com padrões de qualidade para tratamento secundário foi produzido pelos reatores com profundidade de leito de areia superior a 120 cm. Observou-se que a nitrificação iniciou já no reator com 40 cm de leito filtrante, apresentando eficiência de remoção de NTK de 62% e concentrações médias de 14 mgN-NO3

-/l e 6 mgN-NO2-/l. Nos reatores D (160 cm) e E (200 cm) a nitrificação foi

quase que total, produzindo concentrações baixíssimas de NTK (eficiências de NTK~97%) e concentração média de N-NO3

- ~ 49 mg/l. Concentrações abaixo de 2mg Pt/l no efluente foram asseguradas nos reatores D (160 cm) e E (200 cm) até o final de operação do sistema, apesar da nítida tendência de degradação de qualidade no tempo. A remoção de coliformes foi medíocre em todas as profundidades, atingindo 91% no melhor dos casos (reator E - 200 cm).

Palavras-chave : Infiltração rápida, tratamanto biológico, esgoto doméstico, nitrogênio, fósforo, coliformes

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Introdução

A redução dos teores de nitrogênio e fósforo em esgotos, objetivando o controle da eutrofização de corpos d’água sensíveis, constitui-se num objetivo de qualidade dificilmente acessível às tecnologias mais simples de depuração.

Lagoas de estabilização facultativas destacam-se como os processos aeróbios mais utilizados no Brasil, devido principalmente às condições climáticas favoráveis e pelos baixos custos de implantação e operação. Entretanto, dificilmente as eficiências de remoção de nitrogênio e de fósforo superam 40% neste tipo de processo. Nos processos anaeróbios mais modernos, que vem alcançando grande aceitação na América Latina desde a década de 80, o abatimento de N e P decorre exclusivamente da assimilação pela biomassa, resultando em eficências inferiores a 30%. Isto faz com que a remoção destes nutrientes seja negligenciada nestas regiões do planeta, uma vez que os processos mecanizados mais eficientes têm sua aplicação limitada pelos custos elevados e a necessidade de controle e manutenção rigorosos.

Por outro lado, sistemas de tratamento de esgotos no solo constituem-se numa solução extremamente simplificada, embora de utilização restrita até o presente momento no Brasil (Gehling,1985). Apesar da considerável demanda de área para implantação, ETEs baseadas neste tipo de tratamento natural são capazes de produzir efluentes de excelente qualidade, apresentando baixos custos de operação e manutenção (EPA, 1992).

Este trabalho descreve uma pesquisa sobre a remoção de nitrogênio e fósforo de esgoto doméstico, através do processo de Infiltração Rápida em leitos de areia quartzosa da região litorânea do Estado do Espírito Santo, especificamente Vitória-capital. A região é caracterizada por uma topografia plana, ocupada por comunidades de pequeno e médio porte, possuindo fartura de áreas livres e solo arenoso em abundância. Sendo alvo de importante fluxo turístico nos meses quentes do ano, por ser uma região rica em ecossistemas lagunares e estuarinos (manguezais), que por sua vez são extremamente sensíveis aos problemas de eutrofização. Este conjunto de características viabilizam a utilização da IR no estado, que nunca havia sido explorado até 1994, quando iniciaram-se os primeiros estudos sobre este tipo de tratamento natural.

Os objetivos específicos desta pesquisa foram: (i) avaliar a eficiência do processo de IR utilizando areia com elevada condutividade hidráulica; (ii) verificar a velocidade de aclimatação do sistema para diferentes parâmetros; (iii) determinar a profundidade útil necessária de leito filtrante na remoção de diferentes parâmetros. A areia testada possui condutividade hidráulica muito superior à recomendada para aplicação em processos de infiltração rápida.

Material e métodos

A parte experimental desta pesquisa foi desenvolvida na Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) - Camburi - Vitória - ES, operada pela Companhia Espírito Santense de Saneamento (CESAN). O aparato experimental foi constituído por cinco reatores construídos com tubos de PVC de 150 mm diâmetro de alturas de leito filtrante de 40, 80, 120, 160, 200 centímetros, preenchidos com areia quartzosa do litoral do estado (Figura 01). As características geométricas dos reatores estão resumidas no quadro 02. As características principais da areia estão apresentadas no quadro 01 e compreendem diâmetro efetivo (De) 0,27, coeficiente de uniformidade (Cu) 2,6, condutividade hidráulica 2,6 x 10-2 cm/seg (93,6 cm/h), porosidade 39%. A análise da composição química do solo apresentou um pH de acidez elevada e concentrações baixas de fósforo, potássio, cálcio, enxofre e alumínio.

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Esgoto decantado

RA RB RC RD RELeito de areia

Leito de pedraSaída do efluente tratado

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Figura 01 - Esquema dos reatores

Características da areiaDiâmetro efetivo (De) Coef. uniform. (Cu)

= 0,27 mm = 2,6

Cond. hidráulica(lab) = 2,6x10-2 cm/seg ( 93,6 cm/h)Porosidade = 39%

Quadro 01 -Principais características da areia utilizada no preenchimento dos reatores.

A utilização de cinco reatores com a mesma seção transversal e diferentes profundidades objetivou a determinação das profundidades mínimas necessárias de leito de areia para a depuração. A combinação dos resultados obtidos no conjunto dos cinco reatores, durante as diversas etapas da pesquisa, permitiu a geração de curvas de variação de concentração dos diferentes compostos (DQO, NKT, N-NOx e Pt) ao longo da profundidade do leito filtrante [C,h]. A limitação da profundidade máxima a 200 cm foi devido ao nível do lençol freático da região em estudo, que se encontra em média pouco além de 2,00 m de profundidade.

A alimentação dos reatores foi realizada com esgoto doméstico, coletado diretamente após as etapas de gradeamento médio e desarenação da ETE - Camburi - Vitória - ES. Antes de cada carga nos reatores, uma quantidade de esgoto era coletada e submetida a uma decantação quiescente durante 45 minutos. As características médias do esgoto decantado são apresentadas nos quadros 03 e 05.

O ciclo operacional aplicado sobre os cinco reatores obedeceu à configuração proposta pela EPA (1984) para realização da nitrificação neste tipo de processo. Cada ciclo operacional constituiu-se de dois dias consecutivos de carga de esgoto e cinco dias de repouso, totalizando sete dias por ciclo (Figura 02). A carga hidráulica aplicada foi de 18 cm/dia (36 cm/ciclo) em cada reator, cujas principais características são mostradas no quadro 02. A distribuíção da carga nos reatores foi realizada com um tempo de duração de 9 minutos cada, através do controle da vazão de entrada. Os resultados apresentados neste trabalho foram obtidos num período de testes de três meses, compreendendo nove ciclos operacionais.

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Figura 02 - Esquema do ciclo operacional adotado

Descrição ReatorA B C D E

Característica geométricaDiâmetro (m) 0,15 0,15 0,15 0,15 0,15Área superficial (x 10-3 m2) 17,67 17,67 17,67 17,67 17,67Leito de areia (cm) 40 80 120 160 200Leito de pedra (suporte) (cm) 15 15 15 15 15Vol. leito de areia (m3) 7,07x10-3 0,014 0,021 0,028 0,035

Carga hidráulica dos reatores em cada cicloCarga superficial (cm3/cm2) 36 36 36 36 36Carga volumétrica (m3esgoto/m3areia) 0,90 0,45 0,30 0,23 0,18

Quadro 02 - Características geométricas dos reatores e condições operacionais testadas.

O desempenho do processo foi avaliado através de amostras compostas por todo o volume de efluente percolado em cada reator. Esta forma de monitoramento integra os diferentes níveis de qualidade do efluente durante a percolação após uma carga, evitando problemas de superestimação de eficiências devido a coleta de amostras simples (Lima et al., 1995).

As análises laboratoriais foram realizadas com o apoio da CESAN de acordo com os métodos descritos no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. Os principais parâmetros de monitoramento foram: SS, DQO, DBO5, Ntk, N-NH4

+, N-NOx, Pt, OD, alcalinidade total, cloretos e coliforme fecal.

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Repouso18 cm 18 cm

Ciclo operacional

1oDias

2o 3o 4o 6o 7o5o

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Remoção de matéria orgânica e SS

A remoção de SS e de DQO nos cinco reatores foi realizada de forma constante a partir do terceiro ciclo operacional (21o dia do período de testes), confirmando dados obtidos por LIMA et al. (1995). Os resultados médios obtidos durante o período de regime permanente dos reatores se encontram no Quadro 03.

SS DQOReator Profundidade

(cm)n Média

(mg/l)Desviopadrão

Ef. rem.(%)

Média(mg/l)

Desviopadrão

Ef. rem.(%)

- Esg. decant. 15 166 47,6 - 468 96,5 -A 40 15 76 27,8 54 212 20,5 55B 80 15 56 23,3 66 156 32,3 67C 120 15 36 15,8 78 126 22,9 73D 160 15 27 14,3 84 76 20,4 84E 200 15 10 6,0 94 40 14,7 92

Quadro 03 - Concentrações médias e eficiências na remoção de SS e DQO nos cinco retores.

Um elevado abatimento de matéria orgânica sob a forma particulada foi observado nas camadas iniciais do leito de areia, tendo como principal mecanismo de depuração a filtração mecânica no meio granular. Eficiências médias da ordem de 55% foram observadas na remoção de SS e DQO no reator A (40 cm), correspondendo a uma redução na concentração de SS da ordem de 90mg/l e de DQO de 256 mgO2/l. Entretanto, as concentrações médias remanescentes de DQO (212 mg O2/l) e de SS (76 mg/l) indicam que a presença de compostos sob forma reduzida no efluente tratado é ainda significativa. Esta mesma observação pode ser feita com relação ao desempenho dos reatores com 80 e 120 cm de leito filtrante, que produziram efluentes com teores médios de DQO de 156 e 126 mgO2/l respectivamente, correspondendo a eficiências médias de 67 e 73% de remoção.

Considerando-se padrões de qualidade para tratamento secundário (SS=30mg/l, DBO=30mg/l e DQO=90mg/l) (CEE,1990), a profundidade mínima necessária ao leito de areia para geração de um efluente compatível é de 160cm nas condições operacionais testadas. Neste reator, concentrações médias de SS de 27 mg/l e DQO de 76 mgO2/l foram obtidas no efluente tratado, resultando numa eficiência média de remoção de 84% para os dois parâmetros.

A mineralização total do efluente só foi possível no reator com leito de 200cm, onde o efluente tratado apresentou concentrações de DQO próximas da fração não biodegradável (40 mgO2/l de DQO). A eficiência média de remoção de DQO foi de 92%, e a de SS de 94% (Concentração média de SS = 10 mg/l). A série histórica dos resultados obtidos nos reatores D (h=160cm) e E (h=200cm) são apresentados na figura 03.

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800

0 7 14 21 28 35 42 49 56 63tempo (dias)

mgO

2/l

ED

160 cm

200 cm

Figura 03 - Evolução no tempo das concentrações de DQO no esgoto decantado e no efluente dos reatores

com alturas de leito filtrante de 160 e 200 cm.

Com o objetivo de visualizar a degradação dos diferentes compostos ao longo da profundidade do leito de areia, curvas relacionando as concentrações de SS e de DQO nos efluentes dos 5 reatores com as respectivas espessuras da camada de areia foram confeccionadas. Três etapas diferentes da pesquisa são representadas nas figuras 4A e 4B, comprovando que aproximadamente metade das concentrações de SS e de DQO do afluente é removida nos primeiros 40 cm de leito de areia.

A retenção do material particulado nos primeiros centímetros do leito filtrante está na origem da formação da camada colmatante na superfície do leito e nos intertícios entre os grãos, constituindo-se geralmente no fator limitante das cargas aplicadas neste tipo de processo (Sampaio, 1994). Entretanto, apesar das concentrações relativamente elevadas de DQO e SS no esgoto decantado e do seu significativo abatimento observado no reator com 40 cm, não houve formação de uma camada colmatante significativa em todo o período de ensaios. A alta porosidade da areia em questão permite que os SS penetrem no meio granular, resultando numa filtração relativamente bem distribuída ao longo do leito de areia.

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50

100

150

200

250

0 40 80 120 160 200prof.(cm)

SS

(mg

/l)

14/Aug

21/Aug

26/Sep

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300

400

500

600

0 40 80 120 160 200

prof.(cm)

DQ

O(m

gO

2/l)

Figura 4A Figura 4B

Figura 4A e 4B - Evolução no tempo das concentrações de SS e DQO do esgoto decantado e dos efluentes a diferentes profundidades.

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Remoção de Nitrogênio

Um dos objetivos principais do estudo foi promover a remoção de nitrogênio, razão pela qual um ciclo operacional recomendado pela EPA (1984) para permitir a seleção de bactérias nitrificadoras no leito de areia foi adotado.

A evolução das diferentes formas de nitrogênio nos efluentes dos cinco reatores durante o período de ensaios foi semelhante e é ilustrada pela figura 05, referente ao reator E (200 cm). Em praticamente todos os reatores uma intensa atividade de nitritação foi constatada nos três primeiros ciclos operacionais (21 dias). A produção máxima de N-NO2

- foi observada por volta do 14o dia, quando os efluentes dos cinco reatores produziram as concentrações máximas de íons nitrito apresentadas no quadro 04.

A nitratação se intensificou a partir do 14o dia, entrando em regime permanente após o 20o dia quando os cinco reatores produziram concentrações de nitrato entre 40 e 60 mg/l. Da mesma forma que para a oxidação da matéria orgânica, somente a partir do 21o de lançamento (terceiro ciclo operacional) os reatores apresentaram um comportamento estável para nitrificação.

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0 7 14 21 28 35 42 49 56 63tempo(dias)

Ntk

(mg

N/l)

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0 7 14 21 28 35 42 49 56 63tempo(dias)

mg

N-N

H4

+/l

0

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0 7 14 21 28 35 42 49 56 63tempo(dias)

mg

N-N

O2

-/l

0

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20

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40

50

60

0 7 14 21 28 35 42 49 56 63tempo(dias)

mg

N-N

O3

-/l

Figura 05 - Desempenho do reator E quanto as diferentes formas de nitrogênio

Reator Profundidade(cm)

N-NO2-

(mg/l)A 40 11

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B 80 15C 120 20D 160 25E 200 26

Quadro 04 - Concentrações máximas de N-NO2- nos efluentes dos 5 reatores durante o período de aclimatação

As concentrações médias das diferentes formas de nitrogênio no efluente dos cinco reatores são apresentados no quadro 05. Para efeito de análise dos resultados médios obtidos durante os testes, o período de aclimatação do reator correspondendo aos primeiros três ciclos operacionais, foi desconsiderado.

Uma substancial oxidação das formas reduzidas de nitrogênio foi observada a partir do reator A (h=40 cm), onde a eficiência de remoção de NTK foi de 62% e nitrogênio amoniacal de 60%. A presença de N-NO3

- (14 mg/l) e N-NO2- (6 mg/l) confirmam o início do processo de nitrificação

já nestas camadas iniciais do leito de areia. Isto decorre dos longos períodos de repouso, quando o reator permanece durante vários dias sem alimentação. Neste período o tempo de contato da fase líquida com a biomassa é suficientemente longo para propiciar a oxidação da matéria orgânica e em seguida o início da nitrificação.

NTK(*) N-NH4+ (*) N-NO2

-(**) N-NO3-(**)

Reator Profund.(cm)

Med.(mg/l)

Desvio padrão

Efic.(%)

Med.(mg/l)

Desviopadrão

Efic.(%)

Med.(mg/l)

Desvio padrão

Med.(mg/l)

Desvio padrão

- E. decant. 66 19,0 - 50 5,9 - - - - -A 40 25 7,0 62 20 6,4 60 6 3,4 12 10,1B 80 12 5,4 82 11 5,1 78 4 2,4 31 11,3C 120 7 2,8 89 5 3,3 90 2 1,2 40 10,5D 160 3 2,0 95 4 2,1 92 3 1,9 48 11,3E 200 1 0,67 98 1 0,4 98 1 1,0 49 7,3

(*) n = 6(**) n = 9

Quadro 05 - Média e desvio padrão de nitrogênio amoniacal, Kjedhal, nitrito, nitrato e eficiência na remoção de N-NH4+ e NTK a diferentes profundidades.

Efluentes com elevados níveis de mineralização foram obtidos nos reatores com profundidades igual ou superiores a 120 cm, onde a eficiência média de nitrificação superou 90% e as concentrações de N-NO3- > 40 mg/l. Entretanto, teores de nitrogênio amoniacal inferiores a 1 mgN-NH4+/l, compreendendo a uma nitrificação quase total, só foram obtidos no reator E (h=200cm). As elevadas concentrações de DQO (> 100 mgO2/l) nos efluentes dos reatores A (h=40cm), B(h=80cm) e C(h=120cm) indicam que a atividade das colônias autotróficas sofre limitações pela presença de matéria orgânica nestas camadas do leito de areia (Quadro 03) Tendo em vista os padrões de qualidade da CEE, residuais de NTK igual ou inferior a 5 mg/l só foram assegurados nos reatores com leito de areia com profundidade igual ou maior a 160 cm. Por outro lado, considerando-se a baixa relação mássica entre o nitrogênio Kjedahl e a alcalinidade total no esgoto decantado, era de se esperar que ocorressem limitações do processo de nitrificação nos reatores mais profundos. Estimando-se que a quantidade de nitrogênio nitrificável neste esgoto é da ordem de 45 mg/l (excluindo o nitrogênio assimilável), a demanda teórica de alcalinidadade seria aproximadamente 320 mgCaCO3/l (relação mássica=7,1 mgCaCO3/mgN-NH4

+ oxidado). No

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entanto o pH do efluente tratado foi sempre próximo da neutralidade (pH~7,0) em todos os 5 reatores, mesmo nos reatores D e E, onde a nitrificação foi quase que total. Em todos os casos, um residual de alcalinidade na fase líquida assegurou sempre o tamponamento do processo. As relações mássicas obtidas nos reatores D e E foram de 4,6 e 4,7 mg/mg respectivamente, indicando que uma signifivativa parcela da alcalinidade consumida no processo foi suprida pelo solo.

Remoção de fósforo

Tendo em vista que neste tipo de sistema o mecanismo predominante na remoção de fósforo é a adsorção, a reduzida superfície específica e alta condutividade da areia utilizada nesta pesquisa resultaram numa rápida saturação dos reatores menos profundos no decorrer dos testes. No início da operação de todos os reatores, as eficiências de defosfatação foram elevadas se comparadas com os valores encontrados no final do monitoramento. As concentrações de fósforo no efluente tratado aumentaram sensívelmente a cada ciclo operacional (Figuras 6A e 6B).

Para efeito de análise da eficiência de defosfatação do processo, o padrão de qualidade proposto pela norma da CEE para para comunidades situadas em zonas sensíveis e com porte variando entre 10.000 e 100.000 habitantes (Concentração média anual no efluente tratado 2 mg Pt/l) foi tomado como guia.

O efluente do reator A (40 cm) sempre apresentou concentrações de fósforo acima de 2 mg/l no efluente desde o primeiro dia de lançamento, atingindo uma concentração média de 4,5 mg/l e uma eficiência 42% nos 63 dias de ensaios. Além da elevada carga volumétrica, neste caso a má qualidade dos efluentes decorre também do baixo tempo de contato do esgoto com o leito filtrante. Hidrogramas realizados em reatores com 50 cm de leito, preenchidos com o mesmo tipo de areia, mostraram que quase todo o volume de esgoto lançado durante uma operação de carga permanece no meio granular durante um período de tempo de 5 e 8 minutos (Lima et al., 1995).

Os resultados de defosfatação obtidos no reator B (80 cm) evidenciaram uma nítida degradação da capacidade de adsorção do leito de areia a partir do 14o dia de operação (> 2 mg Pt/l). No reator C (120 cm), concentrações abaixo de 2mg Pt/l no efluente foram asseguradas durante os 30 primeiros dias, mantendo-se baixas nos reatores D (160 cm) e E (200 cm) até o final de operação do sistema. Para uma profundidade de leito filtrante superior a 160 cm, concentrações inferiores a 2 mg/l foram sempre observadas, apesar da nítida tendência de degradação de qualidade no tempo.

A saturação do meio granular com Pt pode ser visualizada através das curvas h,C sobre o conjunto dos 5 reatores em diferentes etapas do período de testes. Mesmo se o efluente do reator E (200 cm) apresentou durante praticamente todo o período concentrações sempre próximas a zero, pode ser observado que a frente de saturação avançou significativamente ao longo da profundidade do leito de areia. No dia 12 de setembro, a concentração de Pt na profundidade de 160 cm já atingira 2 mg/l, indicando que a degradação a 200 cm está próxima.

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0 7 14 21 28 35 42 49 56 63tempo(dias)

P(m

g/l)

ED 40cm 80cm

120cm 160cm 200cm

0123456789

0 40 80 120 160 200prof.(cm)

P(m

g/l)

1/Aug 14/Aug 12/Sep

Figura 6A - Evolução no tempo das concentracões de fósforo no esgoto decantado e nos efluentes dos reatores.

Figura 6B - Concentrações de fósforo do esgoto decantado e dos efluentes a diferentes profundidades

O quadro 06 apresenta a quantidade de P adsorvido por m3 de areia em cada reator até que a concentração de 2 mg/l no efluente tratado tenha sido atingido.

Reator Profundidade Capacidade de adsorção(cm) (g Pt adsorv./m3 areia)

B 80 7,4C 120 10,7D 160 12,1

Quadro 06 - Quantidade de P adsorvido por m3 de areia nos reatores B,C,D.

O reator A não foi considerado no cálculo da capacidade de adsorção porque a concentração de 2 mg Pt/l no efluente tratado foi atingida logo no primeiro ciclo operacional. O reator E também foi desconsiderado tendo em vista que a concentração de 2 mg Pt/l no efluente não foi atingida durante todo o período de testes. A capacidade de adsorção de P variou de 7,4 a 12,1 g Pt/m3 de areia, do reator mais raso (80 cm) até o mais profundo (160 cm). Obedecendo a tendência ilustrada no quadro acima, que indica um aumento da capacidade de adsorção do meio granular em função do aumento de profundidade do reator, estima-se que no reator E (200 cm) esta capacidade de adsorção seja da ordem de 13,8 g Pt/m3. No caso da manutenção das cargas de Pt praticadas até então, estima-se que a concentração de 2 mg Pt/l seja atingida no efluente do reator E (200 cm) por volta do 84o dia de operação (12a carga).

Remoção de coliformes

A remoção de bactérias patogênicas nos processos de infiltração rápida tem como principais mecanismos intervenientes a filtração mecânica, a velocidade de percolação no leito filtrante e a adsorção. A grande porosidade da areia utilizada nesta pesquisa determina uma de filtração relativamente baixa capacidade, enquanto que a elevada permeabilidade gera altas velocidades de escoamento do esgoto através do meio granular. Estes dois fatores estão na origem das reduzidas eficiências de desinfecção do processo obtidas neste estudo, contrastando com resultados obtidos por outros pesquisadores trabalhando com areias de granulometria mais fina (Gehling, 1985; Sampaio, 1994).

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O quadro 07 mostra as concentrações médias de coliformes fecais encontradas no esgoto decantado e nos efluentes de cada reator, denotando deficiências mediocres em todos os reatores. Para as profundidades até 160 cm as concentrações de coliformes fecais nos efluentes tratados foram praticamente as mesmas encontradas no esgoto decantado.

No reator E (200 cm) foi obtida uma concentração média de 7,43x106 N.M.P.100ml no efluente, o que corresponde a uma redução de concentração de apenas 1 Log e à uma eficiência média de remoção de 91%. Gehling (1985), utilizando um reator com profundidade de 170 cm de uma areia com diâmetro efetivo de 0,13 mm, obteve uma remoção média de coliformes totais de 99,8%.

Colifome fecalReator Profundidade

(cm)Média

(N.M.P.) 100 mlDesviopadrão

n Ef. rem.(%)

- Esg. decant. 7,93x107 9,75x107 11 -A 40 2,17x108 5,22x108 10 -B 80 4,34x107 3,70x107 10 -C 120 3,58x107 2,81x107 11 -D 160 2,75x107 3,05x107 11 65E 200 7,43x106 1,43x107 11 91

Quadro 07 - Concentrações médias e eficiências na remoção de coliformes fecais nos 5 reatores

CONCLUSÃO

Este trabalho apresentou uma série de testes de tratamento de esgoto sanitário no solo, com o objetivo de produzir efluentes de alta qualidade. O processo de infiltração rápida foi testado em um solo arenoso apresentando condutividade hidráulica acima dos valores recomendados para este tipo de processo. Dos resultados obtidos podemos destacar as seguintes conclusões:

- A entrada em regime do processo é muito rápida, tendo sido verificada neste estudo para a remoção de SS e DQO a partir 21o dia do período de testes. A profundidade mínima necessária ao leito de areia para geração de um efluente compatível com normas para o tratamento secundário é de 160cm nas condições operacionais testadas, resultando numa eficiência média de remoção de 84% (concentrações médias de SS de 27 mg/l e DQO de 76 mgO2/l). A mineralização total do efluente só foi possível no reator E (200cm), onde o efluente tratado apresentou concentrações de DQO próximas da fração não biodegradável (40 mgO2/l de DQO). A eficiência de remoção de DQO foi de 92%, e a de SS de 94% (Conc. média SS = 10 mg/l).

- Da mesma forma que para a oxidação da matéria orgânica, somente a partir do 21o de lançamento (terceiro ciclo operacional) os reatores apresentaram um comportamento estável para nitrificação. A etapa de nitritação foi constatada nos três primeiros ciclos operacionais (21 dias). Já a nitratação se intensificou a partir do 14o dia de testes. A eficiência de remoção de 62% de NTK e de 60% de nitrogênio amoniacal e a presença de N-NO3

- (14 mg/l) e N-NO2- (6 mg/l) no reator A (40cm)

confirmam o início do processo de nitrificação já nestas camadas iniciais do leito de areia. Uma nitrificação quase total, só foi obtida no reator E (h=200cm), onde teores de nitrogênio amoniacal inferiores a 1 mgN-NH4+/l foi conseguido. As relações mássicas obtidas, indicam que uma signifivativa parcela da alcalinidade consumida no processo foi suprida pelo solo;

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- Concentrações abaixo de 2mg Pt/l no efluente foram asseguradas durante os 30 primeiros dias no reator C (120 cm), mantendo-se baixas nos reatores D (160 cm) e E (200 cm) até o final de operação do sistema, apesar da nítida tendência de degradação de qualidade no tempo. A capacidade de adsorção de P variou de 7,4 a 12,1 g Pt/m3 de areia, do reator B (80 cm) até o reator D (160 cm), indicando um aumento da capacidade de adsorção do meio granular em função do aumento de profundidade do reator, estima-se que a concentração de 2 mg Pt/l seja atingida no efluente do reator E (200 cm) por volta do 84o dia de operação (12a carga).

- As eficiências de remoção de coliformes foram bastante medíocres, atingindo no máximo 91% no reator com 200 cm de leito de areia.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CESAN (Companhia Espírito Santense de Saneamento) pela colaboração na realização das análises laboratoriais e concessão do local para operacionalizar a unidade piloto, aos funcionários da CESAN que direta ou indiretamente prestaram alguma contribuíção e em especial ao funcionário Pedro Eduardo Carone pela colaboração frente a montagem do aparato experimental.

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