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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE FÍSICA DE SÃO CARLOS NIRTON CRISTI SILVA VIEIRA Sensores e biossensores baseados em transistores de efeito de campo utilizando filmes automontados nanoestruturados São Carlos 2012

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE FSICA DE SO CARLOS

    NIRTON CRISTI SILVA VIEIRA

    Sensores e biossensores baseados em

    transistores de efeito de campo utilizando

    filmes automontados nanoestruturados

    So Carlos

    2012

  • NIRTON CRISTI SILVA VIEIRA

    Sensores e biossensores baseados em

    transistores de efeito de campo utilizando

    filmes automontados nanoestruturados

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Fsica do Instituto de Fsica de So Carlos da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Cincias.

    rea de Concentrao: Fsica Aplicada

    Orientador: Prof. Francisco Eduardo

    Gontijo Guimares

    Verso Corrigida

    (Verso original disponvel na Unidade que aloja o Programa)

    So Carlos

    2012

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE

    TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA

    FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Ficha catalogrfica elaborada pelo Servio de Biblioteca e Informao do IFSC, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

    Vieira, Nirton Cristi Silva

    Sensores e biossensores baseados em transistores de efeito de campo utilizando filmes automontados nanoestruturados / Nirton Cristi Silva Vieira; orientador Francisco Eduardo Gontijo Guimares - verso corrigida -- So Carlos, 2012.

    120 p. Tese (Doutorado - Programa de Ps-Graduao em

    Fsica Aplicada) -- Instituto de Fsica de So Carlos, Universidade de So Paulo, 2012.

    1. Fsica de materiais e dispositivos semicondutores. 2. Biossensores. 3. Filmes automontados. I. Guimares , Francisco Eduardo Gontijo, orient. II. Ttulo.

  • Dedico esta tese aos meus pais: Antnio E. Vieira (Toninho) e Leila A. S Vieira. Dois

    grandes guerreiros e incentivadores de todos os meus sonhos!

  • AGRADECIMENTOS

    Aproveito a oportunidade para agradecer aqueles que, passando por minha vida, tornaram

    possvel a realizao deste trabalho. A todos, meu muito obrigado!

    A Exu, senhor e guardio dos caminhos, que os abriu para que tudo comeasse, sobretudo

    esse trabalho.

    A todos os Orixs: Ogum, Oxssi, Omolu, Ossain, Osumar, Nan, Oxum, Ob, Iyew, Oy,

    Logun, Ayr, Iemanj, Xango, Ibeji, Irko, Oxal (e a outros que possa ter esquecido) por me

    derem sade e fora de vontade para vencer todos os meus obstculos.

    Ao Ser Supremo, cheio de bondade que me deu vida.

    minha av que sempre me deu carinho e amor, e nada me cobrou a no ser um dia o retorno

    para casa.

    Ao meu pai Toninho, exemplo de carter e dedicao, que desde cedo me mostrou a nobreza

    do trabalho. Voc pode no ter estudado como muitos, mas o senhor sempre ser meu doutor

    na arte da vida!

    minha me Leila, por toda a sua dedicao e carinho. Me, a senhora sem dvida se

    esforou o mximo para nos criar, sempre lutando para nos proporcionar as melhores

    oportunidades.

    minha irm Vanessa, pelo carinho, amor e compreenso. Valeu mana! Nunca me

    esquecerei de que em dias difceis voc abdicou de um ano de sua vida escolar em prol de

    meus estudos.

    minha Tia Llian pelo amor, carinho e pacincia em minha criao, principalmente na

    infncia.

    Kssia e Rosngela pelo carinho, pacincia e por participar de minha criao.

  • A todos os meus familiares, sobretudo a Kelly, Ketinha, Kimberly, Manu, Jlia, Cheron, Tio

    Joo, pelo carinho e grande apoio.

    Minha namorada Maria Gabriela, pelo amor, carinho e compreenso nos momentos

    difceis. Valeu linda!

    Ao grande amigo Jos dos Reis que teve a coragem (rsrsrs) de ser meu fiador durante a

    graduao. Cara, sem voc tudo ia parar ali. Valeu mesmo!

    Aos todos os meus professores, desde as Tias Beatriz e Ana Maria, minhas primeiras

    professoras.

    Aos colegas do ensino fundamental, mdio, graduao e ps-graduao pelos momentos

    agradveis que nunca mais voltaro, a no ser na lembrana.

    Aos professores e amigos Carlos Bernardes e Piotr Trzesniak, pelo incentivo, amizade e por

    todos os conselhos desde a graduao. Valeu pessoal! Tudo comeou com incentivo de vocs.

    Ao professor Dr. Francisco Eduardo Gontijo Guimares. Muito obrigado por sua orientao

    acadmica, amizade, pacincia e por dividir comigo essa jornada. Aprendi muito nesse

    perodo.

    Aos demais professores do IFSC que contriburam direta ou indiretamente com esse trabalho,

    em especial ao professor Dr. Valtencir Zucolotto, pela pacincia nas discusses sobre a tese e

    trabalhos cientficos, o que contribui muito com minha formao.

    Ao professor Dr. Valmor Mastelaro e seu aluno de Dr. Waldir Avansi do grupo de

    Crescimento de Cristais e Materiais Cermicos do IFSC-USP, por ceder as amostras de

    pentxido de vandio.

    Ao professor Dr. Ernesto Chaves Pereira da UFSCAR por permitir a utilizao de seu

    laboratrio.

  • Aos amigos da repblica Nego Teia ou Casa das lamentaes (hehehe!): Vivas, Edson,

    Alfredo, Aldo, Douglas e DJ J, por dividirem momentos inesquecveis de convivncia.

    Quantas histrias esse convvio nos proporcionou e ainda proporcionar. Foi um prazer fazer

    parte da vida de vocs!

    Aos colegas de sala que se tornaram grandes amigos: Mike, Angelo, Fernando, Gustavo,

    Moema e Kleber, pela grande amizade e por dividirem comigo o conhecimento e vrias

    histrias durante todo esse tempo.

    minha primeira aluna de iniciao, Alessandra Figueiredo, exemplo de dedicao, presteza,

    colaborao, amizade e boa convivncia.

    Aos colegas do IFSC: Washington, Alexandre Maciel, Bruno, Chico, Waldir, Gabriela,

    Rodrigo (Jesus), Dilleys e outros que possa ter esquecido.

    Aos amigos do Grupo de Fotnica, Jonathas e pH (Paulo Henrique). Medi voc muito nessa

    tese cara (rsrsrs)!

    Aos demais colegas do grupo de alunos e ex-alunos do professor Chico: Tsutae, Danilo,

    Regina, Vitor, Aroldo, Francisco, Celio Borges, Patrcia, Dani e Borrero, que compartilharam

    comigo aprendizado e diversas comemoraes.

    Ao Gustavo nunca vai, quando vai no toca por me ajudar a terminar a tese colocando o

    ponto final (kkkkk).

    Aos tcnicos do grupo de Semicondutores, Aroldo e Carlo e aos tcnicos do grupo Polmeros

    Nbio e Bertho, que sempre estiveram dispostos a ajudar, ensinar e contribuir de forma

    significante para esse trabalho. Tambm pelas discusses futebolsticas ao longo desses anos.

    secretaria de ps-graduao do IFSC, pela competncia, bom atendimento e cordialidade.

    Ao secretrio do grupo de Semicondutores, Daniel, e s secretrias do grupo de Polmeros R

    e Simone pela cordialidade e auxlio.

  • s bibliotecrias do IFSC, principalmente a Neusa, pela cordialidade e pelo grande auxlio na

    correo da tese de forma rpida e eficiente.

    Ao CNPq, pelo suporte financeiro.

    Por fim, a todos que, com seus conhecimentos, incentivos e crticas colaboraram para o

    desenvolvimento desse trabalho.

    Valeu!

  • O Candombl sobrevive at hoje porque no quer convencer as pessoas de uma verdade absoluta, ao contrrio da maioria das religies. (Pierre Fatumbi Verger)

  • RESUMO

    NIRTON, N. C. S. Sensores e biossensores baseados em transistores de feito de campo

    utilizando filmes automontados nanoestruturados. 2011. 120p. Tese (Doutorado em Cincias)

    Instituto de Fsica de So Carlos, Universidade de So Paulo. So Carlos, 2011.

    O transistor de efeito de campo de porta estendida e separada (SEGFET) um dispositivo

    alternativo ao tradicional transistor de efeito de campo seletivo a ons (ISFET). A grande

    vantagem desse dispositivo se refere ao seu fcil processamento, ou seja, se restringe somente

    a manipulao do eletrodo de porta, evitando processos convencionais de microeletrnica.

    Neste sentido, sensores inicos e biossensores podem ser facilmente implementados

    combinando materiais de reconhecimento qumico e/ou biolgico. Por sua vez, a tcnica de

    fabricao de filmes finos camada por camada (layer-by-layer, LbL) se mostra verstil para

    manipulao de diversos tipos de materiais em nvel molecular. Materiais orgnicos e

    inorgnicos podem ser automontados em substratos slidos por meio da simples adsoro

    eletrosttica formando compsitos com propriedades nicas com o objetivo de serem

    aplicados em sensores ou biossensores. Neste trabalho, o conceito de dispositivo SEGFET foi

    combinado com a tcnica LbL por meio da manipulao de materiais orgnicos

    (polieletrlitos, dendrmeros e polianilina) e inorgnicos (TiO2 e V2O5) nanoparticulados a

    fim de se obter novos sensores de pH e biossensores para a deteco de glicose e uria, dois

    importantes analitos de interesse clnico. Numa primeira etapa, diferentes filmes LbL foram

    produzidos, caracterizados e testados como camada sensvel (porta estendida) em dispositivos

    SEGFETs. Todos os sistemas estudados se mostraram promissores como sensores de pH, ou

    seja, com uma sensibilidade prxima do valor terico sugerido pela equao de Nernst (59,15

    mV.pH-1

    ). Esses resultados podem ser atribudos natureza anfotrica do material da ltima

    camada no filme LbL. Numa segunda etapa, as enzima glicose oxidase (GOx) e urease foram

    convenientemente imobilizadas nos filmes LbL. Pelo fato dessas enzimas gerarem ou

    consumirem prtons durante a catlise da reao, os filmes LbL modificados enzimaticamente

    foram utilizados em biossensores de glicose e uria, apresentando eficiente deteco. Assim, a

    unio de dispositivos SEGFET com a tcnica de automontagem se mostrou promissora para

    construo de sensores e biossensores eficientes e de baixo custo.

    Palavras chave: Transistor de efeito de campo. Filmes automontados. SEGFET

    Nanopartculas. Biossensor.

  • ABSTRACT

    NIRTON, N. C. S. Sensors and biosensors based on field-effect transistors using

    nanostructured self-assembled films. 2011. 120p. Tese (Doutorado em Cincias) Instituto de

    Fsica de So Carlos, Universidade de So Paulo. So Carlos, 2011.

    Separative extended gate field-effect transistor (SEGFET) device is an alternative to the

    conventional ion-sensitive field-effect transistor (ISFET). The great advantage of SEGFET

    refers to its easy processing, i.e., it is limited under only manipulation of the gate electrode,

    avoiding the conventional microelectronic processes. In this way, ion sensors and biosensors

    can be easily implemented combining chemical and/or biological recognition materials. In

    turn, the layer-by-layer (LbL) technique shows be versatile for handling various types of

    materials at molecular level. In this thesis, the concept of SEGFET device was combined with

    the LbL technique through the manipulation of organic (polyelectrolytes, dendrimers and poly

    (aniline)) and inorganic materials (TiO2 and V2O5 nanoparticles) in order to get new pH

    sensors and biosensors for the detection of glucose and urea, two important analytes of

    clinical interest. In a first step, different LbL films were produced, characterized and tested as

    the sensitive layer (extended gate) in SEGFETs devices. All studied systems were promissing

    as pH sensors, i.e., with a sensitivity close to the theoretical value suggested by Nernst

    equation (59.15 mV.pH-1). These results can be attributed to the amphoteric nature of the

    material in the last layer of the LbL films. In a second step, glucose oxidase (GOx) and urease

    enzymes were conveniently immobilized onto LbL films. Because these enzymes generate or

    consume protons during catalysis of the reaction, the enzymatically modified LbL films were

    used in biosensors for glucose and urea, with efficient detection. Thus, the union of SEGFET

    devices with the LbL technique is promising to building up efficient and low-cost sensors and

    biosensors.

    Keywords: Field-effect transistor. Self-assembled films. SEGFET. Nanoparticles. Biosensor.

  • SUMRIO

    1 Introduo ....................................................................... 19

    1.1 Proposta da tese ....................................................................................................... 24

    2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo 27 2.1 O MOSFET e o ISFET .............................................................................................. 27

    2.2 O EGFET e o SEGFET ............................................................................................. 32

    2.3 O EnFET ................................................................................................................... 35

    3 Filmes automontados camada por camada (LbL) ....... 39

    3.1 Tcnica de automontagem camada por camada (LbL) .............................................. 39

    3.2 Tcnica de automontagem assistida por spin (SA-LbL) ............................................. 41

    3.3 Sensores e biossensores de efeito de campo utilizando automontagem ................... 42

    4 Materiais e mtodos ....................................................... 45

    4.1 Materiais sensveis a ons ......................................................................................... 45

    4.1.1 xido de ndio dopado com estanho (ITO) ................................................................ 45

    4.1.2 Polianilina nanoparticulada (PANI-N) ........................................................................ 46

    4.1.3 Nanopartculas de dixido de titnio (TiO2-Np) .......................................................... 48

    4.1.4 Nanoestruturas (1D) de pentxido de vandio (V2O5) ............................................... 48

    4.2 Materiais utilizados como contra ons ........................................................................ 49

    4.3 Crescimento dos filmes automontados ...................................................................... 50

    4.4 As enzimas glicose oxidase e urease ........................................................................ 52

    4.4.1 Mtodo de imobilizao enzimtica ........................................................................... 53

    4.5 Limpeza dos substratos ............................................................................................ 54

    4.6 Tcnicas de caracterizao utilizadas ....................................................................... 54

    4.7 Configurao experimental do dispositivo SEGFET .................................................. 55

    4.7.1 Calibrao do sistema de medida ............................................................................. 57

    5 SEGFET funcionalizado com (PPID/NiTsPc) ................ 61

    5.1 Caracterizao dos filmes (PPID/NiTsPc) ................................................................. 61

    5.2 Aplicao em sensores de pH ................................................................................... 64

    5.3 Aplicao em biossensores de glicose ...................................................................... 66

    5.4 Consideraes finais do captulo ............................................................................... 73

    6 SEGFET (PVS/PANI-N) ................................................... 75

  • 6.1 Caracterizao da polianilina..................................................................................... 75

    6.2 Caracterizao dos filmes (PVS/PANI-N) .................................................................. 77

    6.3 Aplicao em sensores de pH ................................................................................... 79

    6.4 Aplicao em biossensores de uria ......................................................................... 82

    6.5 Consideraes finais do captulo ............................................................................... 84

    7 SEGFET (PPID/TiO2-Np) ................................................. 85

    7.1 Caracterizao dos filmes (PPID/TiO2-Np) ................................................................ 85

    7.2 Aplicao em sensores de pH ................................................................................... 87

    7.3 Aplicao em biossensores de glicose ...................................................................... 90

    7.4 Consideraes finais do captulo ............................................................................... 91

    8 SEGFET composto por nanoestruturas 1D de

    pentxido de vandio ............................................................ 93

    8.1 Caracterizao das nanoestruturas ........................................................................... 93

    8.2 Aplicao em sensores de pH ................................................................................... 95

    8.3 Filmes automontados (PAH/V2O5-nanobastes) ........................................................ 97

    8.3.1 Aplicao dos filmes (PAH/V2O5-nanobastes) em sensores de pH .......................... 99

    8.3.2 Aplicao dos filmes (PAH/V2O5-Ne) em biossensores de uria ............................. 101

    8.4 Consideraes finais do captulo ............................................................................. 102

    9 Consideraes finais e perspectivas ......................... 103

    Referncias .......................................................................... 105

    APNDICE A Produo cientfica e tecnolgica ........... 119

  • 1 INTRODUO

    A pesquisa em sensores e biossensores possui um forte carter multidisciplinar,

    envolvendo reas da Fsica, Qumica, Cincia dos Materiais e Biologia. Um sensor um

    dispositivo que mede certa grandeza fsica ou qumica e a converte em um sinal mensurvel

    (1). Por outro lado, segundo a Unio Internacional de Qumica Pura e Aplicada (IUPAC), um

    biossensor definido com um dispositivo integrado transdutor-receptor, que capaz de

    fornecer informao analtica especfica quantitativa ou semi-quantitativa, utilizando um

    elemento de reconhecimento biolgico(2).

    O primeiro biossensor foi desenvolvido por Clark e Lions em 1962, o qual ficou

    conhecido como "eletrodo enzimtico" (3). Desde ento, um notvel progresso foi alcanado

    quanto ao desenvolvimento de biossensores para a determinao e anlise de diversas

    substncias (4). Em especial, destaca-se o desenvolvimento e aprimoramento dos biossensores

    amperomtricos, potenciomtricos, pticos, piezoeltricos e calorimtricos (4).

    Biossensores amperomtricos baseiam-se em reaes de transferncia de eltrons

    (oxi-reduo) entre o material biocataltico e o analito, com um eletrodo de trabalho (o qual

    contem o material biolgico imobilizado) polarizado a uma tenso pr-determinada em

    relao a um eletrodo de referncia (5).

    O primeiro biossensor amperomtrico foi

    desenvolvido por Updike e Hicks (6) em 1967 para a medida de glicose, onde se fazia uso do

    eletrodo enzimtico desenvolvido por Clark e Lions (3).

    Por sua vez, os biossensores pticos baseiam-se na determinao das mudanas de

    absoro de luz entre os reagentes e produtos da reao biologicamente catalisada, ou na

    medida da emisso de luz por um processo luminescente (7). A forma mais comum envolve o

    uso de tiras colorimtricas, as quais contm enzimas oxi-redutases (um tipo de material de

    reconhecimento biolgico) e uma substncia capaz de mudar suas propriedades pticas em

    resposta a uma mudana nas condies do meio (cromforo). O produto gerado na reao

    entre a enzima e o analito (na maioria das vezes H2O2) oxida o cromgeno e a absorbncia do

    composto formado proporcional concentrao do analito a ser determinada (7).

  • 20 Captulo 1 Introduo

    Os biossensores piezoeltricos contm materiais biolgicos imobilizados em cristais

    que do origem a uma tenso em resposta a uma vibrao externa. Dessa forma, funcionam

    como transdutores do sinal eltrico produzido em sua interface (8). Como a variao da

    frequncia proporcional variao de massa do material adsorvido, tal variao pode ser

    determinada por circuitos eletrnicos e relacionada com a concentrao de um determinado

    analito. O principal inconveniente dos biossensores piezoeltricos a interferncia da

    umidade atmosfrica na medida e a dificuldade em us-los para a determinao de analitos em

    soluo. Entretanto, biossensores piezoeltricos so relativamente baratos, pequenos e

    proporcionam uma resposta rpida (8).

    Muitas reaes que so catalisadas enzimaticamente so exotrmicas, ou seja, geram

    calor. Dessa forma, os biossensores calorimtricos baseiam-se na medida da variao de

    temperatura entre a entrada e a sada de uma pequena coluna contendo um biocatalisador

    imobilizado (9). Tal medida efetuada atravs de termistores, um tipo de resistor usado para

    medir mudanas de temperatura baseado em variaes de sua resistncia. A principal

    vantagem de um biossensor calorimtrico sua ampla aplicabilidade em processos

    biotecnolgicos ou de interesse clnico. Porm, existe a dificuldade de se manter a

    temperatura do biocatalisador constante, fato que pode levar desnaturao do mesmo,

    afetando assim o funcionamento do biossensor (9).

    Os biossensores potenciomtricos so dispositivos que compreendem eletrodos de

    vidro, sensores baseados na interface metal-xido ou eletrodos on-seletivos nos quais so

    imobilizados os biocatalisadores (10). Nesse tipo de biossensor, a gerao de prtons altera o

    potencial do meio reacional, criando uma diferena de potencial entre o eletrodo

    biologicamente modificado e um eletrodo de referncia (10).

    Como j exposto anteriormente, em sensores ou biossensores, uma grandeza fsica ou

    qumica est relacionada direta ou indiretamente com a concentrao da substncia a qual se

    deseja determinar (analito). Entre as grandezas utilizadas para quantificar analitos em

    sensores ou biossensores, destaca-se o potencial hidrogeninico (pH), uma vez que diversos

    processos bioqumicos dependem do seu valor ou resultam na liberao ou consumo de

    prtons (10). O pH uma grandeza fsico-qumica que indica a acidez ou alcalinidade de uma

    soluo aquosa. Matematicamente, definido como sendo o cologartimo decimal da

    atividade de ons hidrognio (H+), ou seja (11):

    10-log [ ]HpH (1.1)

  • Captulo 1 Introduo 21

    Para solues diludas (menores que 0,1 M), o valor do coeficiente de atividade se

    aproxima de 1, ou seja, os valores da atividade se aproximam dos valores da concentrao,

    assim, a equao 1.1 pode ser escrita como (11):

    10-log [ ]pH H (1.2)

    A determinao clssica do valor do pH realizada de duas maneiras distintas: (I)

    adio de um cromforo ou tira indicativa contendo uma substncia imobilizada que muda de

    colorao conforme o pH da soluo; (II) atravs de potenciometria utilizando-se o eletrodo

    padro de hidrognio ou o eletrodo de vidro combinado com um eletrodo de referncia, este

    ltimo, conhecido tambm como pH-metro (11).

    Os mtodos supracitados so frequentemente utilizados em laboratrios de pesquisa

    e ensino, principalmente o pH-metro. Contudo, novas tecnologias tm sido desenvolvidas

    para a determinao do pH (11). Dentre essas tecnologias, Bergveld introduziu o conceito de

    efeito de campo para a determinao da atividade inica em ambiente qumico, apresentando

    comunidade cientifica o transistor de efeito de campo sensvel a ons (ISFET, do ingls ion-

    sensitive field-effect transistor) (12-13). Um ISFET um sensor inico muito semelhante a

    um dispositivo MOSFET (transistor de efeito de campo metal-xido-semicondutor, do ingls

    metal oxide semiconductor field-effect transistor). A diferena bsica entre os dispositivos se

    refere a no existncia do eletrodo metlico de porta (ou gate) no ISFET, sendo este

    substitudo por um eletrodo de referncia contido em uma soluo (14). A Figura 1.1 ilustra o

    diagrama esquemtico de um MOSFET e de um ISFET (14). No MOSFET a quantidade de

    portadores no canal entre os eletrodos fonte e dreno controlada por uma pequena tenso

    aplicada porta. Por outro lado, no ISFET, o potencial na superfcie do filme xido se altera

    devido concentrao inica da soluo, modulando a quantidade de portadores no canal do

    dispositivo.

    Utilizado amplamente como sensor inico, principalmente para a determinao de

    ons H+, o ISFET tambm pode ser utilizado como plataforma ativa em biossensores. A

    combinao da deposio de filmes ultrafinos e a posterior imobilizao de materiais de

    origem biolgica (enzimas, por exemplo) sobre o material que compe a porta de um ISFET

    permite esta opo (15). Neste caso, a reao catalisada pelo material biolgico responsvel

    pela alterao do potencial na porta do dispositivo via mudana de pH local, sendo esta

    alterao proporcional concentrao do analito a ser determinado.

  • 22 Captulo 1 Introduo

    Figura 1.1 Diagrama esquemtico de um MOSFET (a) e de um ISFET (b). Adaptado da referncia (14).

    A grande vantagem da aplicao de ISFETs como sensores ou biossensores a

    possibilidade do uso da microeletrnica na sua produo, o que possibilita sua confeco e

    miniaturizao em larga escala. Em contrapartida, um inconveniente em ISFETs a

    dificuldade de isolamento do FET do meio reacional, o que pode influenciar no desempenho

    do dispositivo em virtude de alguma contaminao inica e a dificuldade de imobilizao de

    biomolculas em um suporte de dimenses bastante reduzidas.

    Neste sentido, um sistema elegante para isolamento do FET foi proposto por Van der

    Spiegel et. al. (16) e aprimorado por Chi e colaboradores (17). Trata-se do transistor de efeito

    de campo de porta estendida (EGFET, do ingls extended gate field-effect transistor), que

    formado por uma camada sensvel estendida ou conectada a um dispositivo de alta

    impedncia, geralmente um MOSFET, amplificador operacional (OP) ou ainda amplificador

    de instrumentao (AI) (16-18). Vale ressaltar que, algumas vezes, o EGFET recebe a

    denominao de transistor de efeito de campo de porta estendida e separada (SEGFET,

    separative extended gate field-effect transistor). Essa nova denominao advm do fato de a

    camada sensvel (ou porta estendida) estar separada do chip que contm o MOSFET (19). A

    Figura 1.2 ilustra a configurao de um SEGFET. De forma anloga a um ISFET, uma

    alterao do potencial na superfcie da membra ou camada sensvel, modula o sinal de sada

    do dispositivo; que pode ser a corrente dreno-fonte de um MOSFET ou a tenso de sada de

    um amplificador operacional ou de instrumentao (17-19).

  • Captulo 1 Introduo 23

    Figura 1.2 Diagrama esquemtico de um SEGFET. G, S e D representam, respectivamente, os eletrodos porta,

    fonte e dreno, de um MOSFET comercial.

    Diferentes tcnicas tm sido utilizadas para a obteno de filmes finos sensveis ao

    pH. xidos ou nitretos metlicos tm sido sintetizados com esse objetivo por sputtering (17,

    20), sol-gel (21-22), oxidao andica (23) e deposio qumica a partir do vapor (CVD) (24).

    Neste contexto, as tcnicas de construo de filmes por spin coating ou via deposio camada

    por camada, LbL (layer by layer), representam metodologias simples e de baixo custo que

    tm como propriedade combinar e controlar a deposio de diversos tipos de materiais em

    nvel molecular (25). Materiais orgnicos (19, 26), inorgnicos (26) e at mesmo

    biomolculas (27) podem ser combinados, resultando em muticompsitos com propriedades

    distintas, automontados em diferentes tipos e tamanhos de substratos (25). Atravs da unio

    de tcnicas de deposio de filmes ultrafinos por automontagem com o conceito de SEGFET,

    novos sistemas podem ser facilmente implementados como sensores de pH e posteriormente

    como biossensores.

    Neste sentido, no presente trabalho, sensores e biossensores baseados em um

    dispositivo SEGFET foram obtidos atravs da construo de filmes automontados sensveis a

    variaes de pH. Materiais nanoestruturados foram combinados e depositados na forma de

    filmes finos automontados a fim de melhorar o desempenho do dispositivo. A proposta ou

    objetivo da tese bem como sua organizao descrita a seguir.

  • 24 Captulo 1 Introduo

    1.1 PROPOSTA DA TESE

    Os principais objetivos dessa tese so:

    I. Construo de um dispositivo SEGFET universal: construir um dispositivo

    SEGFET simples que seja adequado a diferentes plataformas de sensoriamento e

    que permita a aquisio rpida e precisa do sinal atravs de um computador.

    II. Fabricao e caracterizao de filmes automontados nanoestruturados:

    preparar filmes automontados contendo materiais nanoestruturados sensveis ao

    pH, funcionalizar a superfcie de substratos de ITO (xido de ndio dopado com

    estanho, indium tin-doped oxide) com filmes automontados e caracterizar os

    sistemas automontados por tcnicas espectroscpicas e de microscopia eletrnica.

    III. Aplicao dos filmes automontados como sensores de pH: Aplicar os filmes

    automontados como porta estendida em dispositivos SEGFETs a fim de se obter

    novos sensores de pH.

    IV. Imobilizao de enzimas nos filmes automontados: imobilizar as enzimas

    glicose oxidase (GOx) e urease, que so especficas na catlise de glicose e uria,

    respectivamente, nos filmes automontados visando obteno de biossensores

    baseados em dispositivos SEGFETs.

    Quatro sistemas foram propostos e implementados hora como sensores de pH, hora

    como biossensores de glicose ou uria. No primeiro sistema, filmes comerciais de ITO foram

    funcionalizados com filmes automontados contendo dendrmeros de poli(propileno imina)

    (PPID), uma macromolcula porosa, e metaloftalocianina tetrasulfonada de nquel (NiTsPc),

    um composto organometlico amplamente utilizado em sensores. O sistema ITO-

    (PPID/NiTsPc) foi aplicado como SEGFET sensor de pH e, atravs da imobilizao da

    enzima GOx, como biossensor para determinao de glicose.

    No segundo sistema, a polianilina foi sintetizada em sua forma nanoparticulada

    (PANI-N) visando melhorar a solubilidade do polmero. Filmes automontados de PANI-N em

    conjunto com o polmero poli (cido vinil sulfnico) (PVS) foram fabricados em substratos de

    vidro recoberto com ouro (Au) e empregados como membranas sensveis ao pH em

    SEGFETs. Atravs da imobilizao da enzima urease, o mesmo sistema foi empregado como

    biossensor para deteco de uria.

  • Captulo 1 Introduo 25

    O terceiro sistema baseado em filmes automontados contendo nanopartculas

    comerciais de dixido de titnio (TiO2-Np) e dendrmeros PPID. Automontados em substratos

    de vidro recoberto com Au, o sistema (PPID/TiO2-Np) foi implementado como sensor de pH

    e biossensor de glicose atravs da imobilizao da enzima GOx.

    Por fim, numa primeira etapa, nanoestruturas unidimensionais (1D) de pentxido de

    vandio, com diferentes formas, foram depositas diretamente em substratos de Au por spin-

    coating e utilizadas como sensores de pH. Ainda, as nanoestruturas foram combinadas na

    forma de filmes automontados utilizando o polmero poli (alilamina hidroclorada) (PAH)

    como contra-on e tambm aplicadas como sensores de pH. Biossensores para determinao

    de uria foram construdos utilizando a nova plataforma automontada como suporte para

    imobilizao da enzima urease.

    A tese est organizada da seguinte forma: o Captulo 2 exibe uma reviso sobre

    sensores baseados em transistores de efeito de campo, enfatizando sua operao. Em especial

    o ISFET, o SEGFET e o EnFET (FET enzimtico) so descritos em detalhes. O Captulo 3

    descreve a tcnica de automontagem convencional e a tcnica de automontagem assistida por

    spin, ambas utilizadas nesse trabalho. Sensores e biossensores de efeito de campo baseados na

    tcnica LbL tambm so abordados no Captulo 3. Os materiais utilizados no trabalho, bem

    como as tcnicas de caracterizao e a configurao experimental do dispositivo SEGFET so

    apresentados no Captulo 4. Os Captulos de 5 a 8 so destinados aos resultados e discusses

    dos quatros sistemas estudados. Vale ressaltar que esses captulos foram escritos como

    trabalhos individuais. Por fim, as consideraes finais e sugestes para possveis trabalhos

    futuros so apresentadas no Captulo 9.

  • 26 Captulo 1 Introduo

  • 2 SENSORES BASEADOS NO CONCEITO DE EFEITO DE CAMPO

    A idia de se controlar a condutividade em semicondutores via campo eltrico,

    proposta e patenteada por Lilienfeld em 1928, abriu caminho para a fabricao do MOSFET

    nos laboratrios Bell em 1960 (28). Este fato revolucionou a indstria eletrnica tornando

    possvel o desenvolvimento dos demais circuitos integrados. Um pouco mais tarde, Bergveld

    expandiu o conceito de MOSFET para o campo bioqumico apresentando comunidade

    cientfica o ISFET. Tal dispositivo permitia monitorar a atividade inica em meio fisiolgico

    devido ao campo eltrico produzido na porta do dispositivo pelos ons em soluo (12-13).

    A proposta de Bergveld levou ao desenvolvimento de uma srie de dispositivos

    baseados em efeito de campo (FED, field effect devices) (14-15, 29). Seja com o intuito de

    medir a atividade de ons em ambientes qumicos ou para aplicao como biossensores

    baseados em efeito de campo (BioFEDs) (14-15, 29). Dentre esses dispositivos, destaca-se o

    prprio (ISFET) (14), sua derivao, isto , o SEGFET (19) e o sensor capacitivo eletrlito-

    isolante-semicondutor (EIS, electrolyte-insulator-semiconductor) (30). Nesses dispositivos, o

    potencial na superfcie do material isolante (camada ou menbrana sensvel) da porta alterado

    pela concentrao inica da soluo, controlando assim o sinal de sada do mesmo.

    O princpio de funcionamento de um FED ou BioFED norteado por vrios

    conceitos bsicos de Fsica e Qumica. Os aspectos relevantes referentes a esses sistemas, bem

    como o princpio de operao de alguns FEDs, objetivo de estudo desse trabalho, abordado

    na sequncia.

    2.1 O MOSFET E O ISFET

    O transistor de efeito de campo metal-xido-semicondutor ou simplesmente

    transistor MOS, composto por um substrato semicondutor dopado (geralmente silcio, Si)

  • 28 Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo

    com regies denominadas fonte e dreno (31). Essas regies so dopadas com portadores de

    carga contrria carga do substrato e a regio entre a fonte e o dreno denominada canal do

    transistor. O portador de carga majoritrio do canal (eltrons ou buracos) classifica o tipo do

    transistor MOS (31). Quando os portadores do canal so eltrons (dopagem negativa), o

    MOSFET recebe a denominao de N-MOS. Em contrapartida, se os portadores do canal

    forem buracos (dopagem positiva), o MOSFET denominado P-MOS (31). A Figura 2.1

    ilustra esquematicamente a estrutura de um MOSFET tipo N.

    Figura 2.1 Corte em seco transversal de um transistor N-MOS.

    A operao do MOSFET baseada no controle da corrente eltrica entre os eletrodos

    dreno e fonte (IDS) em funo de uma tenso aplicada no eletrodo de porta (VGS). Uma

    diferena de potencial entre a fonte e o dreno (VDS) cria uma corrente de eltrons no canal.

    Essa corrente depende da resistncia do canal, a qual varia de acordo com a quantidade de

    impurezas nos eletrodos fonte e dreno (31). O comprimento do canal (L), sua largura (W), a

    capacitncia do xido de porta (COx) e a mobilidade dos portadores do canal (), tambm so

    parmetros que influenciam IDS (31). Outra caracterstica do MOSFET a altssima

    impedncia da porta devido presena de uma camada isolante entre o eletrodo metlico e o

    canal, o que impossibilita qualquer drenagem de corrente via porta.

    Uma tenso VGS positiva atrair eltrons para a regio do canal uma vez que o

    substrato est dopado positivamente, ou seja, a variao de VGS modula a quantidade de

    portadores (nesse caso, eltrons) no canal. Quando a quantidade de portadores ditadas por VGS

    for suficiente, uma tenso VDS levar ao escoamento de uma corrente no canal. Esse valor de

  • Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo 29

    VGS necessrio que haja corrente no canal recebe o nome de tenso de limiar (VT) e expressa

    segundo a equao abaixo (14):

    - - 2M Si SS Ox BT f

    Ox

    Q Q QV

    q C

    (2.1)

    O primeiro termo reflete a diferena de funo trabalho entre o metal do eletrodo de

    porta M e a funo trabalho do silcio Si, sendo q a carga elementar. O segundo termo, por

    sua vez, se se refere ao acmulo de cargas na superfcie do silcio QSS, na interface xido-

    silcio QOx e na regio de depleo do silcio QB. O terceiro termo 2f o potencial de Fermi,

    sendo dependente do nvel de dopagem do silcio (14).

    Variando-se o valor de VDS, IDS aumenta segundo a equao (14, 31):

    2

    - - 2

    DSDS Ox GS T DS

    VWI C V V V

    L

    (2.2)

    A equao 2.2 vlida para VDS VGS - VT, conhecida como regio de triodo (31).

    Ainda, aumentando-se VDS, o MOSFET passa a operar em uma regio conhecida como regio

    de saturao. Nessa condio, ocorre o estrangulamento do canal, ou seja, atinge-se um ponto

    de mxima corrente. Na regio de saturao, IDS varia segundo a equao (31):

    2

    -

    2

    GS T

    DS Ox

    V VWI C

    L (2.3)

    Em suma, pode-se concluir que VGS modula a quantidade de portadores no canal e

    VDS responsvel pela operao do MOSFET na regio de triodo ou na regio de saturao.

    A Figura 2.2 ilustra as curvas caractersticas de um MOSFET. A Figura 2.2a ilustra como a

    corrente IDS de um MOSFET tipo N varia em funo da tenso entre os eletrodos dreno e

    fonte (VDS) para VGS > VT. J a Figura 2.2b ilustra como IDS varia em funo de VGS para VDS

    VGS VT. Nessa curva, a tenso de limiar VT obtida a partir da extrapolao no eixo das

    abscissas (31).

  • 30 Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo

    VGS

    4

    VGS

    3

    VGS

    2

    VGS

    1

    I DS / A

    VDS

    / V

    (a)

    (b)

    I DS / A

    VGS

    / VV

    T

    Figura 2.2 Famlia de curvas caractersticas IDS x VDS de um MOSFET tipo N (a) e curva IDS x VGS para um

    pequeno valor de VDS (b).

    Um ISFET, por sua vez, consiste na modificao ou adaptao de um MOSFET. O

    processo de fabricao de ambos os dispositivos o mesmo, ou seja, as etapas de

    processamento de circuitos integrados. Contudo, o eletrodo de porta no existe mais no

    ISFET, sendo substitudo por um eletrodo de referncia contido em uma soluo eletroltica e

    em contato com o xido da regio de porta (14). Figura 2.3 ilustra esquematicamente a

    estrutura de um ISFET.

  • Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo 31

    Figura 2.3 Esquema ilustrativo da estrutura de um ISFET. O eletrodo porta de um MOSFET substitudo por

    um eletrodo de referncia contido na soluo eletroltica que est em contato com o material

    isolante.

    O princpio de operao de um ISFET o mesmo de um MOSFET. Porm, o efeito

    de campo no mais causado por um potencial externo no eletrodo de porta, e sim devido a

    uma mudana de concentrao inica da soluo, geralmente concentrao de ons H+

    , o que

    causa a alterao do potencial na interface eletrlito-xido. Essa alterao do potencial

    regida pelo modelo de stio de ligao (site binding) (32-33). O modelo sugere que a

    superfcie dos xidos anfotricos (A) apresentam espcies qumicas em trs formas distintas:

    negativas ( -AO ), neutras ( AOH ) e positivas ( +2AOH ). Dessa forma, as seguintes reaes de

    ligao ocorrem da superfcie do xido (membrana sensvel). (32-33):

    + +

    2AOH AOH + H (2.4)

    - +AOH AO + H (2.5)

    A corrente entre os eletrodos dreno-fonte do ISFET modulada pelo potencial na

    superfcie () do xido, sendo a relao deste e o pH da soluo dada pela seguinte equao

    (14, 22):

  • 32 Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo

    2,3 ( - )

    1pzc

    kTp pH

    q

    (2.6)

    onde q a carga elementar, k a constante de Boltzmann, T a temperatura absoluta, um

    parmetro que reflete a sensibilidade qumica do material da porta sendo dependente da

    densidade superficial de grupos hidroxilas (OH) e da reatividade de superfcie e pHpzc o valor

    de pH de carga zero.

    Baseando-se nas equaes do MOSFET, o comportamento de VT de um ISFET ser

    dependente tambm do potencial no eletrodo de referncia (ERef.), do potencial superficial de

    dipolo em virtude da soluo (Sol.), e do potencial de superfcie na interface xido-eletrlito

    (). Dessa forma, VT varia no mais como a equao 2.1 e sim segundo a equao abaixo

    (14):

    Re . .

    - - - 2Si SS Ox BT f Sol f

    Ox

    Q Q QV E

    q C

    (2.7)

    O xido de silcio (SiO2) foi o primeiro material utilizado como camada sensvel a

    ons em dispositivos ISFETs (12-13). Contudo, o SiO2 apresenta uma sensibilidade em torno

    de 38 mV.pH-1

    (14, 34), ou seja, aqum do valor terico sugerido pela equao de Nernst

    (59,15 mV.pH-1

    , a 25

    oC) (14). Aps o SiO2, diversos xidos ou nitretos metlicos foram

    introduzidos como materiais sensveis ao pH. Dentre eles, destacam-se o nitreto de silcio

    (Si3N4) (35), o xido de alumnio (Al2O3) (36), o xido de tntalo (Ta2O5) (37) e o xido de

    estanho (SnO2) (38), materiais que geralmente apresentarem uma sensibilidade Nernstiana

    variaes de pH.

    2.2 O EGFET E O SEGFET

    O EGFET foi proposto primeiramente por Van der Spiegel e colaboradores em 1983

    e trata-se de uma modificao do ISFET convencional (16). O EGFET formado por uma

    camada ou membrana sensvel, a qual estendida at o eletrodo de porta de um MOSFET ou

    conectada a um amplificador operacional (16). No primeiro caso, tanto a membrana sensvel

    quanto o MOSFET so construdas no mesmo substrato ou chip (Figura 2.4) (16). Por outro

  • Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo 33

    lado, o aprimoramento do dispositivo EGFET proposto por Chi et. al., utiliza uma membrana

    sensvel conectada a um MOSFET comercial (Figura 2.5) (17). Agora, a membrana e o

    MOSFET no esto contidos no mesmo chip, sendo mais conveniente, denominar o

    dispositivo de SEGFET (EGFET com membrana separada) (17).

    O funcionamento de um dispositivo EGFET/SEGFET o mesmo de um ISFET, ou

    seja, modulao da corrente dreno-fonte via alterao do potencial de superfcie na camada

    sensvel. Portanto, as equaes que descrevem o comportamento eltrico de um ISFET so as

    mesmas para o EGFET/SEGFET (17, 19, 22).

    Figura 2.4 Estrutura do dispositivo EGFET proposto por Van der Spiegel. A membrana sensvel e o MOSFET

    esto contidos no mesmo substrato ou chip (16).

    Figura 2.5 Estrutura do dispositivo SEGFET proposto por Chi. A membrana sensvel conectada a um

    MOSFET comercial (17).

  • 34 Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo

    A configurao de um SEGFET possui algumas vantagens em relao a dispositivos

    ISFETs: o processo de medida simples, a imobilizao de biomolculas facilitada e o

    dispositivo comercial pode ser reaproveitado para a aplicao em dispositivos descartveis

    (17, 19). Tais vantagens permitem que novos materiais possam ser testados como membranas

    sensveis ao pH de maneira simples e rpida. Assim, a pesquisa em dispositivos SEGFETs se

    concentra no teste de novos materiais e na otimizao do processo de fabricao dos mesmos

    visando obter novas membranas sensveis. A Tabela 2.1 resume os materiais comumente

    utilizados como camada sensvel em dispositivos SEGFETs. Observa-se que existe uma gama

    de materiais utilizados obtidos por diferentes tcnicas.

    Devido alta sensibilidade ao pH apresentada por ISFETs e SEGFETs, esses

    dispositivos tm sido utilizados como biossensores. Neste caso, um material biolgico

    (geralmente uma enzima) imobilizado na camada sensvel, dando forma a um transistor de

    efeito de campo enzimtico (EnFET, do ingls enzyme field-effect transistor) (39). Neste

    contexto, novos biossensores baseados no conceito de efeito de campo podem ser facilmente

    construdos.

    A fcil manipulao de um SEGFET, comparativamente a um ISFET, torna esse tipo

    de dispositivo mais atrativo para a aplicao em biossensores, tendo em vista que a

    manipulao do dispositivo se restringe somente na modificao do gate estendido com o

    material biolgico sem a necessidade de etapas de microprocessamento. Uma abordagem

    acerca dos FETs enzimticos, especialmente aqueles baseados na configurao SEGFET

    abordado em sequncia.

  • Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo 35

    Tabela 2.1 Materiais comumente utilizados como camada sensvel em dispositivos SEGFETs.

    Material Frmula

    Qumica

    Mtodo de

    Fabricao

    Sensibilidade

    (mV.pH-1

    )

    Referncia Ano

    xido Misto de Vandio/

    Tungstnio

    V2O5/WO3 Sol-gel 68 (40) 2011

    xido de Estanho dopado

    com Flor

    SnO2:F Comercial 50 (41) 2010

    xido de Vandio V2O5 Sol-gel 58,1 (21) 2009

    xido de Titnio TiO2 Sol-gel 58,73 (42) 2009

    Nitreto de Rutnio RuN 58,03 (43) 2009

    xido de Alumnio Al2O3 Anodizao 56 (23) 2006

    xido de Zinco ZnO Sol-gel 38 (22) 2005

    Nanotubos de silcio Si CVD 58,3 (44) 2005

    xido de ndio dopado com

    estanho

    In2O3:Sn Comercial 58 (18) 2001

    Nitreto de titnio TiN Sputtering 57 (45) 2001

    xido de estanho SnO2 Sputtering 58 (17) 2000

    2.3 O ENFET

    A unio entre a especificidade de sistemas biolgicos com transistores de efeito de

    campo deu origem a uma ferramenta verstil para ser utilizada em anlises clnicas. O

    transistor de efeito de campo enzimtico baseado na imobilizao de uma enzima que

    produz ou consome prtons durante a catlise de um analito especfico, alterando assim o pH

    prximo da camada sensvel que est acoplada a um dispositivo de efeito de campo (46).

    A idia de unio entre enzimas e ISFETs foi proposta pela primeira vez em 1976 por

    Janata e Moss (47). Contudo, a realizao prtica de um EnFET veio quatro anos mais tarde,

    quando Caras e Janata construram um EnFET para a determinao de penicilina (48). A

  • 36 Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo

    partir de ento, uma srie de EnFETs foram produzidos para determinao de diversas

    substncias (39). Tanto sustncias de interesse clnico como glicose (49), uria (50),

    creatinina (51) e acetilcolina (52), bem como sustncias de interesse ambiental como fenis

    (53) e pesticidas (54), podem ser determinadas por EnFETs. Ainda, a combinao de enzimas

    com o conceito de efeito de campo abriu caminho para o desenvolvimento de uma srie de

    dispositivos biolgicos de efeito de campo para diversas aplicaes tecnolgicas (29, 55). Um

    EnFET clssico, ou seja, o qual utiliza a configurao de um ISFET, ilustrado

    esquematicamente na Figura 2.6.

    Figura 2.6 Estrutura de dispositivo EnFET clssico. Enzimas so imobilizadas na camada sensvel ao pH.

    Como em qualquer biossensor, o mtodo de imobilizao da enzima constitui uma

    etapa fundamental na construo de um EnFET. Diversos mtodos para imobilizao

    enzimtica esto presentes na literatura (56). Os mtodos mais utilizados se do atravs do

    encapsulamento da enzima em matrizes ou microcpsulas polimricas ou atravs de ligaes

    fsicas ou qumicas da enzima ao suporte (56).

    A imobilizao de uma enzima via encapsulamento consiste em confinar a enzima em

    um polmero insolvel ou em uma microcpsula polimrica. Neste sistema criada uma

    membrana seletiva que impede que as enzimas (molculas grandes) se difundam atravs da

    membrana, enquanto que molculas pequenas como analitos e produtos podem difundir

    facilmente.

    Soldatkin et. al. desenvolveram um EnFET para determinao de creatinina

    imobilizando a enzima creatinina deiminase (CD) em uma matriz de poli (lcool vinlico)

    depositada na camada sensvel de um ISFET composta por Si3N4 (51). A vantagem desse

    mtodo que a enzima no reage quimicamente com o suporte, no comprometendo assim

  • Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo 37

    seu stio ativo. Porm, a difuso dos elementos atravs da membrana pode ser um problema,

    visto que a velocidade de difuso pode comprometer o tempo de resposta do biossensor.

    A adsoro de uma enzima mtodo de imobilizao mais utilizado devido a sua

    simplicidade. Alm disso, o mtodo que menos inibe a atividade ou causa desnaturao da

    protena (57). Neste caso, a enzima imobilizada em um suporte slido, onde esto

    envolvidas ligaes de baixa energia como ligaes de hidrognio, inicas ou foras de van

    der Waals (57). Siqueira Junior e colaboradores construram um biossensor para deteco de

    penicilina baseado em uma estrutura de efeito de campo capacitiva funcionalizada com filmes

    multicamadas de dendrmeros e nanotubos de carbono (58). Assim, um elegante BioFED foi

    obtido atravs da simples adsoro da enzima penicilinase nas multicamadas

    dendrmero/nanotubos (58). Apesar da simplicidade, a adsoro de protenas para o projeto de

    biossensores pode levar a uma baixa estabilidade operacional, uma vez que o biocatalisador

    pode ser lixiviado do eletrodo com o tempo, comprometendo assim, o bom funcionamento do

    dispositivo (57).

    A imobilizao covalente de uma enzima envolve a ligao efetiva entre a enzima e

    o suporte atravs da ativao prvia de grupos reativos presentes no mesmo. Desta forma, os

    suportes devem possuir grupos funcionais que possam ser ativados. A ativao do suporte, na

    maioria das vezes, consiste em silanizao, reaes com carbodiiminas e glutaraldedo. As

    enzimas so ligadas matriz atravs de grupos funcionais presentes em seus aminocidos

    (56). Contudo, deve-se ter o cuidado para no se comprometer o stio ativo da enzima ao se

    efetivar a ligao, pois isto comprometeria sua atividade cataltica. O emprego do mtodo de

    ligao covalente para o preparo de biossensores pode levar a uma melhor estabilidade

    operacional, uma vez que a enzima ligada irreversivelmente matriz.

    Em EnFETs, observa-se uma preferncia pela modificao da camada sensvel com

    agentes silanos, principalmente o 3-aminopropiltrietoxisilano (3-ATPS), tendo em vista que a

    camada no possui grupos funcionais para a ligao covalente direta da enzima (52, 59-63).

    Neste caso, o xido da camada sensvel primeiramente modificado com 3-ATPS e o

    acoplamento da enzima se d ento com o auxlio do glutaraldedo (GA), um agente de

    entrecruzamento amplamente utilizado em processos de imobilizao enzimtica (52, 59-63).

    A Figura 2.7 ilustra detalhadamente o processo de modificao da superfcie de um xido

    com 3 ATPS e GA seguido do processo de imobilizao enzimtica.

    Alternativamente silanizao, a tcnica de preparao de filmes por automontagem

    camada por camada pode ser utilizada para a modificao ou a funcionalizao de superfcies

  • 38 Captulo 2 Sensores baseados no conceito de efeito de campo

    e/ou substratos condutores visando a imobilizao de enzimas. Detalhes dessa tcnica bem

    como a uma adaptao da mesma com a tcnica de spin-coating so detalhados na sequncia.

    Figura 2.7 Ilustrao do processo de modificao da camada sensvel de um ISFET com 3 ATPS (a) e

    ativao com GA (b) seguido do processo de imobilizao covalente na enzima (c).

  • 3 FILMES AUTOMONTADOS CAMADA POR CAMADA (LBL)

    No presente trabalho, utilizamos filmes automontados como porta estendida em

    dispositivos SEGFETs. Os filmes foram automontados alternando-se as camadas de materiais

    diferentes por dipping ou spin coating. Detalhes das tcnicas bem como a diferena entre elas

    so apresentados neste captulo.

    3.1 TCNICA DE AUTOMONTAGEM CAMADA POR CAMADA (LBL)

    A tcnica de automontagem camada por camada via dipping coating ou

    simplesmente LbL se caracteriza pela simplicidade do aparato experimental utilizado na

    construo dos filmes. A princpio, necessita-se apenas de bqueres e solues contendo os

    materiais a serem automontados. Diversos materiais carregados com cargas opostas podem

    ser combinados, resultando em filmes multicamadas com propriedades que podem ser

    distintas e nicas quando comparados aos materiais precursores (25).

    Baseado na automontagem atravs de ligaes qumicas (26), Iler et. al. propuseram

    construir filmes multicamadas por adsoro fsica em 1966 quando automontaram

    multicamadas de partculas coloidais (26). Entretanto, a tcnica LbL ganhou notoriedade com

    os trabalhos de Decher, Lvov e colaboradores (64-66). A partir de ento, a tcnica LbL passou

    a ser empregada em diversos ramos da cincia (25), incluindo a manipulao de materiais em

    escala nanomtrica (67-69), a construo de sensores (69-70) e biossensores (71-72). A

    Figura 3.1 ilustra o esquema de um filme LbL na qual as cores diferentes correspondem

    materiais carregados com cargas opostas. As etapas do processo de fabricao do mesmo

    filme so ilustradas na Figura 3.2.

  • 40 Captulo 3 Filmes automontados camada por camada (LbL)

    Figura 3.1 Representao esquemtica de um filme obtido pela tcnica de automontagem camada por camada.

    Figura 3.2 Representao esquemtica da tcnica de automontagem camada por camada.

    Um substrato slido convenientemente carregado inserido por certo perodo de

    tempo em uma soluo contendo o material carregado positivamente (poliction), por

    exemplo, que adsorve ao substrato (etapa 1). O substrato passa por um processo de lavagem

    para remoo do excesso de material ou material fracamente adsorvido (etapa 2). Uma

    monocamada automontada ento formada. Em seguida, o substrato pr-recoberto

    positivamente inserido na soluo contendo o material negativo ou polinion (etapa 3). De

    forma semelhante etapa de lavagem anterior, o material em excesso ou no absorvido

    removido (etapa 4), resultando em uma bicamada poliction/polinion. Vale ressaltar, que

    etapas intermedirias de secagem no ambiente ou com fluxo de gs nitrognio (N2) podem

  • Captulo 3 Filmes automontados camada por camada (LbL) 41

    estar presentes no processamento de filmes LbL. A repetio do processo descrito

    anteriormente permite a obteno de filmes com o nmero de bicamadas desejadas (25).

    O monitoramento clssico do processo de crescimento de um filme LbL realizado

    por espectroscopia de absoro UV-Vis (25) medindo-se a banda de absoro de um dos

    eletrlitos (19) ou por meio da medida da massa do material adsorvido com auxlio de uma

    microbalana de cristal de quartzo (73). Condies como o tempo de adsoro, pH da soluo,

    concentrao do polieletrlito e fora inica, influenciam as propriedades de deposio e as

    caractersticas do filme. Dessa forma, essas condies devem ser cuidadosamente estudadas a

    fim de se otimizar o processo de automontagem (19).

    3.2 TCNICA DE AUTOMONTAGEM ASSISTIDA POR SPIN (SA-LBL)

    Apesar das vantagens potenciais oferecidas pela tcnica LbL convencional via

    dipping, a tcnica se limita a solues aquosas e a dependncia de solubilidade dos materiais

    envolvidos no processo e no controle preciso dos parmetros utilizados no crescimento do

    filme. Neste sentido, Cho e colaboradores propuseram uma alternativa tcnica LbL

    combinando a mesma com a tcnica de spin-coating (74). Trata-se da tcnica de

    automontagem camada por camada assistida por spin (SA-LbL, do ingls spin-assisted layer

    by layer) (74-75). Essa tcnica de obteno de filmes consiste na deposio de algumas gotas

    da soluo policatinica sobre o substrato e na subsequente rotao por determinado perodo

    de tempo suficiente para secagem. O mesmo procedimento repetido para a deposio da

    camada de polinion, resultado assim em uma bicamada (Figura 3.3). O processo repetido

    para o nmero de bicamadas desejado (74-75).

    De acordo com a literatura (75), filmes fabricados com a tcnica SA-LbL so mais

    espessos, porm menos rugosos que filmes produzidos pela tcnica convencional, em virtude

    da rpida eliminao do solvente (gua) no processo de rotao. Molculas de gua podem

    pr-adsorver ao substrato no caso da tcnica convencional, bloqueando o polieletrlito; fato

    que compromete o recobrimento total da superfcie (75).

  • 42 Captulo 3 Filmes automontados camada por camada (LbL)

    Figura 3.3 Representao esquemtica da tcnica de automontagem camada por camada assistida por spin

    (SA-LbL). A repetio do processo permite obter filmes multicamadas.

    A diferena bsica entre a tcnica convencional LbL e a tcnica SA-LbL se refere

    aos mecanismos de adsoro do material ao substrato. No caso convencional, as cadeias do

    polieletrlito se difundem para o substrato via interaes eletrostticas ou atravs de

    interaes secundrias (ligaes de hidrognio, interaes hidrofbicas e de Van der Waals),

    organizando-se sobre o substrato. A retirada do excesso de material se passa na etapa de

    lavagem. Por outro lado, no processo SA-LbL, ocorre a adsoro de material sobre o substrato

    enquanto a soluo est sobre o mesmo e tambm durante a sua eliminao devido ao

    processo spin atravs da alta velocidade de rotao em um curto perodo de tempo. O rpido

    processo de secagem da soluo faz aumentar a concentrao do polieletrlito na superfcie de

    deposio e, consequentemente, a sua adsoro (74).

    3.3 SENSORES E BIOSSENSORES DE EFEITO DE CAMPO UTILIZANDO

    AUTOMONTAGEM

    Livov e colaboradores demostraram que biomolculas podem ser automontadas pela

    tcnica LbL preservando uma alta atividade aps a imobilizao (27, 76). Neste contexto,

    filmes LbL contendo materiais biolgicos podem ser facilmente aplicados em biossensores.

    Alm disso, a tcnica LbL permite funcionalizao de substratos de modo que sistemas

    adequados possam ser construdos na ltima camada para a imobilizao covalente de

    enzimas (77). A fcil combinao de diversos materiais permitida pela tcnica LbL abre ento

    caminho para um vasto campo de aplicaes tecnolgicas. Logo, a unio da tcnica LbL com

  • Captulo 3 Filmes automontados camada por camada (LbL) 43

    o conceito de efeito de campo promissora para a obteno de MOSFETs e circuitos

    integrados.

    Cui e colaboradores aplicaram mtodos convencionais de microeletrnica

    combinados com automontagem de nanopartculas de SnO2 ou In2O3 e SiO2 para obter a

    camada ativa e a camada isolante, respectivamente, de um MOSFET (78-79). Apesar da baixa

    mobilidade de portadores quando comparados aos transistores convencionais, a abordagem

    apresentada por Cui se mostrou promissora para fabricao de MOSFETs a baixo custo (78,

    79).

    Filmes finos de PANI e nanopartculas de SiO2 foram combinados via LbL por Liu

    et. al. e aplicados como ISFET e EnFET para deteco do neurotransmissor acetilcolina (80).

    Devido as suas propriedades semicondutoras, a PANI atua como o material semicondutor do

    canal do transistor, enquanto que as nanopartculas de SiO2 como dieltrico de porta. Em uma

    estratgia semelhante, Xue, trabalhando no mesmo grupo de Liu, utilizaram nanotubos de

    carbono alternativamente PANI (81). O ltimo sistema apresentou uma maior mobilidade

    dos portadores e da mesma forma foi aplicado como EnFET para a deteco de acetilcolina

    (82).

    Com os trabalhos citados anteriormente, cerca de quarenta dispositivos ISFETs

    foram construdos no mesmo substrato (80). Contudo, a tcnica LbL parece ser mais adequada

    para aplicao em dispositivos de efeito de campo que operam com estruturas separadas,

    como o SEGFET e o EIS, em virtude de etapas de microprocessamento no estarem presentes

    durante a fabricao do dispositivo. Portanto, o processo de fabricao se restringe a simples

    manipulao da camada sensvel (19, 69, 83). Neste sentido, Siqueira Junior e colaboradores

    funcionalizaram uma estrutura EIS formada por Ta2O5 com dendrmeros PAMAM e

    nanotubos de carbono (84). Altamente sensvel a variaes de pH (54,5 mV.pH-1

    ) o sistema

    foi aplicado como biossensor para deteco de penicilina (58). Por sua vez, Fernandes et. al.

    funcionalizaram a superfcie de ITO com filmes LbL contendo dendrmeros PPID e

    ftalocianina tetrasulfonada de nquel (NiTsPc). O sistema PPID/NiTsPc foi aplicado como

    SEGFET sensor de pH com potencial aplicao em biossensores (EnFETs) (19).

  • 44 Captulo 3 Filmes automontados camada por camada (LbL)

  • 4 MATERIAIS E MTODOS

    Neste captulo sero apresentados os materiais utilizados no trabalho, a tcnica de

    sntese e automontagem dos mesmos, bem como as tcnicas de caracterizao dos filmes LbL.

    A configurao experimental do dispositivo SEGFET utilizado como sensor de pH e

    biossensor ou EnFET para deteco de glicose e uria tambm descrita em detalhes.

    4.1 MATERIAIS SENSVEIS A ONS

    Quatro materiais diferentes foram utilizados como camada sensvel nos dispositivos

    SEGFET: o xido de ndio dopado com estanho (ITO), nanopartculas de polianilina (PANI-

    N), nanopartculas esfricas de dixido de titnio (TiO2-Np) e nanoestruturas unidimensionais

    de pentxido de vandio. A escolha dos materiais foi baseada em suas propriedades

    anfotricas, ou seja, propriedade de doar ou aceitar prtons, princpio bsico para deteco de

    pH. Devido grande rea superficial, materiais obtidos em escala nanomtrica podem

    potencializar o desempenho do dispositivo sob o ponto de vista de suas propriedades fsico-

    qumicas quando as mesmas so comparadas ao volume.

    4.1.1 XIDO DE NDIO DOPADO COM ESTANHO (ITO)

    O xido de ndio dopado com estanho (ITO) o xido condutor transparente mais

    utilizado e relatado na literatura como eletrodo (85). Ele constitudo de uma mistura de

    xido de ndio (In2O3) e xido de estanho (SnO2), geralmente em propores de 90% e 10%,

    respectivamente. O ITO exibe uma baixa resistividade eltrica (10-4

    -10-6

    .cm), lacuna de

  • 46 Captulo 4 Materiais e mtodos

    energia relativamente pequena (Eg = 3,3 eV), alm de apresentar boa estabilidade fsico-

    qumica e morfologia superficial.

    Por ser um xido anftero (ou anfiprtico), o ITO pode se comportar como cido ou

    base dependendo do meio reacional. Este fato levou a aplicao desse material como camada

    sensvel em dispositivos EGFETs (18). Devido a sua alta condutividade, o ITO tambm pode

    atuar como um metal nesses dispositivos, fazendo parte, neste caso, da interface metlica da

    juno metal-xido da porta estendida do dispositivo em substituio ao alumnio (59). Ainda,

    no que tange a aplicao em biossensores, trabalhos indicam que protenas podem ser

    covalentemente imobilizadas na superfcie do xido atravs de reaes de esterificao entre

    o grupo OH da superfcie do ITO e os grupos carboxlicos presentes nas molculas proteicas

    (86, 87). A presena de grupos OH na superfcie do ITO tambm facilita a adsoro dos

    grupos carboxlicos e/ou grupos amina atravs de ligaes de hidrognio ou podem ser

    ativados atravs de reaes com cloreto cianrico, ligando covalentemente as enzimas ao ITO

    (86, 87).

    4.1.2 POLIANILINA NANOPARTICULADA (PANI-N)

    A polianilina (PANI) o polmero semicondutor mais conhecido e utilizado pela

    comunidade cientfica. Devido sua estabilidade qumica, baixo custo de processamento,

    fcil sntese e possibilidade de controle sobre propriedades eltricas via dopagem reversvel

    da cadeia polimrica (88), a PANI tem sido aplicada em um vasto campo da cincia (89)

    especialmente em sensores qumicos (90), diodos emissores de luz (91) e biossensores (92).

    A frmula qumica geral da PANI ilustrada na Figura 4.1 na qual Y representa o

    estado de oxidao e X o grau de polimerizao. Atravs de uma reao reversvel redox, a

    estrutura da PANI pode apresentar trs estados de oxidao distintos: pernigranilina, onde a

    PANI se encontra totalmente oxidada (y = 0); esmeraldina onde a cadeia polimrica est

    parcialmente oxidada (Y = 0,5) ou leucoesmeraldina, com o polmero totalmente reduzido y =

    1 (93). A PANI pode existir na forma condutora, como sal de esmeraldina. Neste caso, a

    alterao da cadeia se d pela protonao da estrutura de esmeraldina ou pela oxidao parcial

    da leucoesmeraldina (93).

  • Captulo 4 Materiais e mtodos 47

    Figura 4.1 Formula qumica geral da polianilina (PANI).

    Uma das aplicaes mais interessantes da polianilina se refere sua aplicao como

    material ativo em sensores (94-96). No caso especfico de sensores de pH, o mecanismo

    referente a sensibilidade se deve afinidade dos ons H+ do eletrlito com os grupamentos

    amina presentes na estrutura da PANI, o que altera a densidade de carga na superfcie do

    polmero (97). No entanto, o processamento da polianilina na forma de filmes finos para a

    aplicao em sensores limitada devido baixa solubilidade apresentada pelo polmero em

    meio aquoso. Visando melhorar o processamento, a PANI vem sendo sintetizada sua forma

    nanoparticulada via polimerizao interfacial (98-99). A tcnica consiste na polimerizao

    dos reagentes na interface entre duas fases lquidas imiscveis. Para obteno da PANI em sua

    forma condutora, geralmente opta-se por solubilizar a anilina em um solvente orgnico e o

    dopante juntamente com o agente oxidante em gua (98-99).

    A estratgia descrita anteriormente foi utilizada nesse trabalho com o intuito de

    melhorar a solubilidade do polmero visando a formao de filmes automontados. Para tal,

    antes da sntese, os monmeros de anilina (Sigma Aldrich) foram duplamente destilados,

    armazenados a baixa temperatura (5 C) e protegidos da luz. O processamento via

    polimerizao interfacial (98-100) se deu na reao do monmero (1 mL) dissolvido em

    clorofrmio (50 mL) (fase orgnica) com o oxidante (persulfato de amnio) e o dopante (HCl)

    misturados em uma fase aquosa (285 mg de persulfato de amnio dissolvidos em 50 mL de

    HCl a 1M). A fase aquosa foi cuidadosamente adicionada fase orgnica com o auxlio de um

    basto de vidro. Com o passar do tempo observa-se a formao de uma colorao verde

    escura na interface entre as duas fases indicando a formao da polianilina no seu estado

    dopado. Depois de trs horas, a sntese se deu por completa. A PANI-N formada foi filtrada e

    lavada com HCl (1 M) a fim de se remover o excesso de reagentes. O produto final foi seco

    vcuo por 24 h a 40 C. Por fim, A PANI-N foi solubilizada/dispersada a 1 g.L-1

    em soluo

    aquosa, ajustando-se o valor do pH para 5 com adio de HCl (1M).

  • 48 Captulo 4 Materiais e mtodos

    4.1.3 NANOPARTCULAS DE DIXIDO DE TITNIO (TIO2-NP)

    O dixido de titnio ou titnia (TiO2) um xido metlico de transio muito

    interessante devido alta estabilidade qumica e fcil preparao (101). O TiO2 pode existir

    em trs formas alotrpicas: bruquita, rutila e anatase (101), sendo as duas ltimas as mais

    aplicadas no campo tecnolgico, seja em fotocatlise, clulas solares ou dispositivos

    eletrocrmicos (102).

    Devido as suas propriedades anfotricas, o TiO2 tambm tem sido utilizado como

    camada sensvel em sensores de pH (42, 103-104). Para esse propsito, tcnicas como o

    sputtering (103), sol-gel (42) e deposio qumica a partir da fase vapor (CVD) (104)

    geralmente so utilizadas. Como dito anteriormente, a tcnica LbL permite a combinao de

    matrias orgnicos e inorgnicos e neste sentido, nanopartculas de TiO2 podem ser

    automontadas via LbL (67-68,105). Kommireddy e colaboradores automontaram

    nanopartculas de TiO2 com poli(estireno sulfonado) e aplicaram o sistema PSS/TiO2 para

    fixao de clulas tronco (106). Priya et. al. automontaram um sistema semelhante e

    aplicaram o sistema para a fotodegradao de rodamina B sob ao de luz ultravioleta (107).

    O TiO2 possui ponto isoeltrico em torno de pH 6 (107), dessa forma, fica fcil a

    construo de filmes LbL utilizando tanto polieletrlitos positivos quanto negativos. Assim,

    optamos neste trabalho por fabricar filmes LbL contendo nanopartculas comerciais de TiO2

    (TiO2-Np) (Sigma Aldrich, 100% anatase) utilizando o dendrmero poli (propileno imina)

    (PPID) como poliction no processo de automontagem.

    4.1.4 NANOESTRUTURAS 1D DE PENTXIDO DE VANDIO (V2O5)

    O pentxido de vandio, um composto qumico com a frmula V2O5 o composto

    mais estvel e comum de vandio. No estado slido possui colorao marrom/amarelo. Ao

    contrrio da maioria dos xidos metlicos, o V2O5 exibe uma boa solubilidade em gua. Com

    propriedades fsico-qumicas interessantes, o V2O5 exibe um vasto potencial de aplicao

    tecnolgica e neste sentido tem sido aplicado como material cataltico (108), em dispositivos

    eletrocrmicos (109), catodo para baterias (110) e sensores (21, 111).

    Recentemente, materiais nanoestruturados unidimensionais (1D), como nanofios,

  • Captulo 4 Materiais e mtodos 49

    nanofitas e nanotubos, tm atrado o interesse de diversos pesquisadores devido s suas

    propriedades no convencionais quando comparados ao mesmo material em volume (112).

    No obstante, diversas estratgias so utilizadas para sntese do V2O5 1D. Recentemente,

    Avansi et. al. descreveram uma rota de sntese hidrotermal, com apenas um passo para sntese

    de nanoestruturas de V2O5.nH2O (113). Tal tcnica permite um rigoroso controle da

    morfologia, da dopagem e da estrutura cristalina do xido pela modificao das condies de

    sntese hidrotermal (113).

    Visando aplicaes tecnolgicas, nanoestruturas de V2O5.nH2O sintetizadas sob

    condies hidrotermais nos foram cedidas pelo Prof. Valmor Mastelaro e seu ex-aluno de

    doutorado Dr. Waldir Avansi do grupo de Crescimento de Cristais e Materiais Cermicos do

    IFSC-USP. A sntese hidrotermal foi baseada na dissoluo do p micromtrico de V2O5

    (Alfa Aesar, 99.995% de pureza) em gua deionizada com a adio de perxido de hidrognio

    (H2O2). A soluo formada foi ento submetida ao tratamento hidrotermal.

    Visando obter diferentes tipos de nanoestruturas de V2O5.nH2O, o tratamento foi

    realizado em diferentes temperaturas (160, 180 e 200) durante o mesmo tempo de sntese

    (24h) (113). Mais detalhes dessa sntese e uma caracterizao completa dos materiais podem

    ser obtidos nas referncias de Avansi e colaboradores (113, 114).

    4.2 MATERIAIS UTILIZADOS COMO CONTRA ONS

    Polmeros com cargas positivas ou negativas so chamados polieletrlitos (ou ainda

    macroons ou polions). Polieletrlitos podem ser polinions ou polictions e geralmente so

    solveis em gua. Muitos so os materiais que podem ser empregados na construo de filmes

    automontados (25). Entre os polictions mais utilizados destacam-se o poli(cloreto de

    alilamina) ou poli (alilamina hidroclorada) (PAH), o poli(etileno imina) (PEI) e poli(cloreto

    de dialildimetilamnia) (PDAC). Por sua vez, os polinions mais utilizados compreendem o

    poli(cido vinil sulfnico) (PVS), o poli estireno sulfonado (PSS) e o poli(cido acrlico)

    (PAA) (25).

    Utilizamos nesse trabalho, o PVS como polinion e o PAH como poliction para

    obteno de filmes automontados com a polianilina nanoparticulada e com as nanoestruturas

    de pentxido de vandio, respectivamente. Contudo, alternativamente ao convencional,

  • 50 Captulo 4 Materiais e mtodos

    utilizamos o dendrmero poli(propileno imina) (PPID) para a fabricao de filmes LbL com

    nanopartculas de TiO2 ou com metaloftalocianina tetrasulfonada de nquel (NiTsPc). Esta

    ltima escolhida devido s suas propriedades de deteco, uma vez que NiTsPc pode atuar

    como uma enzima artificial devido s suas propriedades catalticas (115), alm de apresentar

    seletividade inica (116). Por sua vez, macromolculas com arquitetura dendrtica

    representaram um recente avano da qumica nanoscpica (117). O emprego de tais materiais

    para o projeto de sistemas nanotecnolgicos tem atrado a ateno da comunidade cientfica

    pelo fato desses materiais apresentarem propriedades no convencionais quando comparados

    aos polmeros lineares ou ramificados, como, elevada rea superficial e um grande nmero de

    grupos funcionais na periferia da macromolcula, ideais para imobilizao de protenas (77,

    118). O dendrmero PPID nos foi cedido pelo professor Dr. Alvaro Antonio Alencar de

    Queiroz da Universidade Federal de Itajub e detalhes da sntese desse polmero esto

    relatados na literatura (19).

    4.3 CRESCIMENTO DOS FILMES AUTOMONTADOS

    Quatro sistemas distintos foram automontados e utilizados como membranas

    sensveis ao pH. Abaixo so descritos os procedimentos para o crescimentos das bicamadas

    dos sistemas estudados

    ITO-(PPID/NiTsPc)

    Utilizamos substratos de ITO obtidos da empresa Delta-technologies como substrato

    sensor de pH. Os filmes de ITO foram funcionalizados a estrutura automontada PPID/NiTsPc

    visando a imobilizao de enzimas e uma superfcie mais ativa. Para tal, os substratos de ITO

    (ou quartzo para estudo espectroscpico do crescimento dos filmes) foram imersos por 5

    minutos em uma soluo policatinica de PPID a 1 g.L-1

    , imersos em gua ultrapura para

    remoo do excesso de material e secos com fluxo de N2. Em seguida, os substratos

    previamente recobertos com uma monocamada positiva de PPID foram imersos em uma

    soluo aninica de NiTsPc a 0,5 g.L-1

    durante 3 minutos, imersos em gua ultrapura e secos

    da mesma maneira com fluxo de N2. O nmero desejado de bicamadas de (PPID/NiTsPc)

    alcanado repetindo-se o ciclo descrito acima.

  • Captulo 4 Materiais e mtodos 51

    Au-(PVS/PANI-N)

    Para a formao dos filmes automontados (PVS/PANI-N), os substratos (quartzo ou

    vidro recoberto com Au) foram imersos na soluo policatinica de PANI-N (1 g.L-1

    ) por 5

    minutos, lavados em soluo de pH 5 e secos com N2. Aps formao de uma monocamada

    de PANI-N, os substratos foram imersos na soluo polianinica de PVS (1 g.L-1

    ) lavados em

    gua-ultrapura e secos tambm com N2. Os filmes automontados contendo PANI-N foram

    aplicados como sensores de pH e posteriormente como biossensores para a determinao de

    uria atravs da funcionalizao dos mesmos com a enzima urease.

    Au-(PPID/TiO2-Np)

    As multicamadas de (PPID/TiO2-Np) foram depositadas sobre substratos de quartzo

    para o monitoramento espectroscpico do crescimento ou sobre filmes de vidro recoberto com

    Au para aplicao como sensores ou biossensores. O crescimento se deu atravs da imerso

    dos substratos na soluo policatinica de PPID (1 mg.mL-1

    , pH = 8,0) durante 5 min, seguido

    de lavagem em soluo aquosa de mesmo pH e secagem com fluxo de N2. Em seguida os

    substratos j recobertos com uma monocamada de PPID foram imersos na disperso aninica

    de TiO2-Np (0.25 mg.mL-1

    , pH = 8) durante 10 min, imersos na soluo de lavagem e por fim

    secos com fluxo de N2. O sistema (PPID/ TiO2-Np) foi utilizado como camada sensvel em

    um SEGFET sensor de pH e como biossensor para deteco de glicose atravs da

    imobilizao da enzima glicose oxidase nos mesmos.

    Au-V2O5.nH2O e Au-(PAH/V2O5-nanobastes)

    Diferentes nanoestruturas 1D de V2O5.nH2O foram depositadas via spin coating em

    substratos de vidro recoberto com Au e aplicadas diretamente com camada sensvel ao pH.

    Uma parte da soluo (100 L) das nanoestruturas solubilizadas a 1 mg.mL-1

    foram

    diretamente depositadas sobre os substratos utilizando uma rotao de 3000 rpm durante um

    tempo de 1 min.

    Nanobastes de V2O5.nH2O tambm foram automontados utilizando o polmero

    PAH como contra-on. A tcnica de automontagem utilizada nessa parte do trabalho consistiu

    em deposies alternadas de PAH e nanobastes de V2O5 pela tcnica SA-LbL descrita na

  • 52 Captulo 4 Materiais e mtodos

    seco 3.2. Para esse propsito, 100 L da soluo de PAH e da soluo de nanobastes de

    V2O5.nH2O, ambas a 1 mg.mL-1

    , foram alternadamente depositadas em substratos de vidro

    recoberto com Au. O tempo de 1 min a uma rotao de 3000 rpm foram utilizados para

    secagem das camadas. Para um nmero desejado de bicamadas (PAH/V2O5-nanobastes),

    repete-se o procedimento descrito acima. Por fim, o sistema (PAH/V2O5-nanobastes) foi

    ativado com urease e aplicado como biossensor para deteco de uria.

    4.4 AS ENZIMAS GLICOSE OXIDASE E UREASE

    Enzimas so protenas especializadas na catlise de reaes qumicas sendo

    fundamentais para qualquer processo bioqumico a nvel fisiolgico ou biotecnolgico (119).

    Apresentando uma extraordinria eficincia cataltica e um alto grau de especificidade por

    seus substratos, tais biocatalisadores so utilizadas imobilizadas em suportes adequados em

    dispositivos biossensores. Neste trabalho, foram construdos biossensores para deteco de

    glicose e uria, dois importantes hemometablitos de interesse clnico a partir da imobilizao

    dessas enzimas na porta estendida de dispositivos SEGFETs.

    Especificamente, a glicose oxidase (GOx, EC 1.1.3.4) uma enzima da classe das

    oxi-redutases que catalisa a oxidao da -D-glicose pelo oxignio molecular em glucono--

    lactona, o qual subsequente e espontaneamente, se hidrolisa em gluconato, gerando nessa

    hidrlise perxido de hidrognio e prtons, segundo a reao abaixo (49):

    2 2 2- - cos GOxD gli e O gluconato H H O (4.1)

    Os prtons resultantes da oxidao da glicose provocam uma alterao do pH local,

    podendo ento ser utilizados como parmetro de medida para biossensores baseados na

    deteco de mudanas de pH (EnFETs), como o SEGFET.

    Por sua vez, a urease (EC 3.5.1.5) uma enzima que catalisa a hidrlise da uria

    (CO(NH2)2) em dixido de carbono e amnia, gerando hidroxilas OH- como produto

    reacional, segundo a reao (120):

    2 2 2 2 4( ) 3 2 2ureaseCO NH H O CO NH OH (4.2)

  • Captulo 4 Materiais e mtodos 53

    Baseado na reao acima, observa-se uma variao de pH em virtude dos produtos

    da reao catalisada pela enzima urease. Isto , haver uma diminuio na concentrao de

    ons de H+ da soluo de medida devido ao equilbrio cido-base com os produtos da reao

    enzimtica, especificamente hidroxilas OH-, portanto, ao contrrio de EnFET de glicose,

    haver um aumento no valor do pH local.

    4.4.1 MTODO DE IMOBILIZAO ENZIMTICA

    O desenvolvimento de tcnicas de imobilizao tem sido importante por

    proporcionar a reutilizao das enzimas, aumentar a estabilidade, reduzir custos e aumentar,

    em alguns casos, a atividade enzimtica. Esses fatores dependem principalmente da escolha

    apropriada do suporte e dos reagentes utilizados no processo de imobilizao (56).

    O glutaraldedo, em funo de suas propriedades bifuncionais, tem sido um dos

    reagentes mais empregados na imobilizao de enzimas devido formao de ligaes

    covalentes entre a enzima e o suporte, conferindo enzima maior estabilidade (121). Por sua

    vez, dendrmero PPID bem como o polmero linear PAH, podem ser considerados suportes

    ideais para imobilizao de enzimas em virtude do grande percentual de grupos amina

    disponveis em suas estruturas, particularmente na periferia da macromolcula (77, 118).

    Neste sentido, optou-se pelo mtodo de imobilizao atravs de entrecruzamento da enzima

    com o suporte, baseado em trabalhos anteriores realizados em nosso grupo de pesquisa (121).

    Para a GOx, uma mistura de 50 mg dessa enzima, 20 mg de albumina do soro bovino

    (BSA) e 400 L de GA (2,5% em gua) foram diludos em 1 mL de tampo fosfato (pH 7.0).

    No caso da urease, a mistura enzimtica continha 25 mg de urease, 10 mg de BSA e 400 L

    de GA (2,5% em gua) tambm diludas em 1 mL de tampo fosfato (pH 6.5). O processo de

    imobilizao se completa a partir da adio de 10 L da soluo enzimtica sobre uma rea de

    5 mm x 5 mm da porta estendida do SEGFET. Aps a adio soluo, o eletrodo foi seco a

    vcuo por 1 hora a 25C. As medidas de biossensoriamento foram realizadas no mesmo dia

    em que se processava a imobilizao das enzimas, a no ser em casos do estudo operacional

    do biossensor ao longo do tempo.

  • 54 Captulo 4 Materiais e mtodos

    4.5 LIMPEZA DOS SUBSTRATOS

    Os filmes utilizados como porta estendida em dispositivos SEGFET foram

    automontados em substratos de quartzo para estudo do crescimento e em substratos

    condutores (ITO e vidro recoberto Au) para utilizao com sensores de pH e biossensores.

    Filmes de Au com espessura de 120 nm foram preparados pela tcnica de evaporao em

    substratos de vidro BK7. Antes da deposio do Au, 30 nm de Cr foi evaporado a fim de se

    conferir maior aderncia para o filme de Au.

    A limpeza dos substratos de quartzo foi realizada a partir da imerso dos mesmos em

    uma soluo de permanganato de potssio (KMnO4) a 0,5 g.L-1

    por 24 horas seguido de

    lavagem em gua ultrapura em abundncia. Aps a lavagem, os substratos foram imersos em

    uma soluo de H2O2 (1:20, v/v) por 2 horas, novamente lavados os com gua ultrapura e

    secos com fluxo de N2. O procedimento descrito anteriormente proporciona condies

    favorveis de hidrofilizao da superfcie do quartzo para deposio da primeira monocamada

    automontada.

    Para a limpeza dos substratos condutores, foi utilizada a estratgia proposta por Kim

    e colaboradores (122) com algumas adaptaes. Para tal, os substratos de ITO foram imersos

    em acetona e agitados em ultra-som por 15 min. Aps serem lavados com gua ultrapura, os

    substratos de ITO foram mergulhados em uma soluo de HNO3: HCl: H2O (1:3:20) (gua

    rgia diluda) por 10 min e em seguida num bquer contendo gua ultrapura novamente. O

    procedimento para limpeza dos substratos de Au foi o mesmo, contudo, o tempo de

    tratamento em gua rgia diluda foi de apenas 1 minuto. O procedimento de Kim et. a.l (122)

    proporciona a formao de ilhas e um aumento da rugosidade dos substratos, proporcionando

    uma melhor adeso de filmes polimricos sobre os mesmos.

    4.6 TCNICAS DE CARACTERIZAO UTILIZADAS

    Diversas tcnicas de caraterizao foram utilizadas nesse trabalho. O crescimento

    dos filmes automontados foi caracterizado por espectroscopia ultravioleta- visvel (UV-Vis).

    Espectroscopia na regio do infravermelho com transformada de Fourier foi utilizada para

  • Captulo 4 Materiais e mtodos 55

    confirmar a estrutura dos materiais sintetizados. A morfologia das amostras e dos filmes

    obtidos foi analisada por microscopia eletrnica de varredura com ganho de emisso de

    campo (MEV-FEG) (em parceria com Prof. Dr. Ernesto Chaves Pereira da UFSCAR) e por

    microscopia eletrnica de transmisso (TEM) (em parceria com o Prof. Dr. Valmor Mastelaro

    e seu ex-aluno de doutorado Dr. Waldir Avansi). A Tabela 4.1 resume as tcnicas utilizadas

    para caracterizao dos materiais, a anlise envolvida e o modelo dos equipamentos.

    Tabela 4.1 Tcnicas utilizadas para caracterizao dos materiais sintetizados e/ou dos filmes LbL.

    Tcnica Equipamento Anlise

    Microscopia eletrnica de Varredura

    com canho de emisso de campo

    (MEV-FEG)

    Microscpio Zeiss VP

    Supra 35

    Caracterizao morfolgica dos

    filmes LbL e da PANI-N

    Microscopia eletrnica de transmisso

    (TEM)

    Microscpio JEOL JEM

    3010 URP

    Tamanho mdio e morfologia das

    nanoestruturas de V2O5

    Difrao de raios-X (XRD) Difratmetro Rigaku

    DMax 2500 PC

    Caracterizao cristalogrfica das

    nanoestruturas de V2O5

    Espectroscopia eletrnica UV-Vis Espectrofotmetro

    Hitachi U-2900

    Monitoramento do crescimento

    dos filmes LbL

    Espectroscopia vibracional FTIR Espectrmetro Nicolet

    Nexus 470

    Caracterizao estrutura da

    polianilina

    Perfilometria Perfilmetro

    VEECO Dektak 150

    Espessura dos filmes LbL

    4.7 CONFIGURAO EXPERIMENTAL DO DISPOSITIVO SEGFET

    No presente trabalho, SEGFETs foram construdos a partir de trs dispositivos

    comerciais distintos, mas que possuem uma alta impedncia de entrada: um MOSFET (17,

    19), um amplificador operacional (AO) (17, 69) ou ainda um amplificador de instrumentao

  • 56 Captulo 4 Materiais e mtodos

    (18) (AI). A alta impedncia de entrada um requisito necessrio para que o sistema no gere

    nem drene corrente do pequeno sinal a ser medido.

    Aps experimentar todas as possveis configuraes de um SEGFET, optou-se por

    utilizar a configurao baseada no amplificador de instrumentao AD620 por duas razes:

    evitar o uso de uma fonte adicional de corrente para medidas dinmicas em um SEGFET

    base de MOSFET e, a maior estabilidade operacional desse dispositivo quando comparado

    como amplificador operacional. Alm disso, o dispositivo AD620 requer apenas um resistor

    externo para ampliar o sinal em at mil vezes, caso fosse necessrio. Portanto, sistema de

    medida (SEGFET) utilizado constitudo de um AI AD620 operando como um seguidor de

    tenso de altssima impedncia de entrada e de um eletrodo de referncia de prata/cloreto de

    prata (Ag/AgCl) utilizado para manter uma tenso de referncia constante. Dessa maneira, a

    tenso de entrada igual tenso de sada no AI.

    Apesar de a literatura sugerir que um SEGFET pode ser formado por uma camada

    sensvel conectada a um amplificador operacional (17) ou a um amplificador de

    instrumentao (18), vale ressaltar que essa configurao pode no ser interpretada como um

    SEGFET, uma vez que o eletrodo no est conectado diretamente a um MOSFET, mas

    basicamente a um circuito de leitura que naturalmente contm FETs. Essa configurao

    semelhante a um potencial de circuito aberto (OCP, open circuit potential). Contudo, baseado

    na literatura (17-18), optou-se por denominar o dispositivo utilizado no presente trabalho de

    SEGFET.

    O eletrodo de trabalho e camada sensvel ao pH foram imersos em diferentes

    solues tampo. Medidas da tenso de sada no AI em funo do tempo foram realizadas

    utilizando um multmetro Keithley 195A a fim de determinar a sensibilidade ao pH dos filmes

    obtidos. A Figura 4.2 ilustra o amplificador AD620 e o multmetro Keithley utilizado. A

    Figura 4.3 apresenta o esquema utilizado nas medidas do SEGFET e dos biossensores.

    Os dados exp