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Nietzsche contra DuchampMarcos Ribeiro Ecce ArsINTRODUÇÃO“Todo o meu devir filosófico foi determinado por Heidegger. Mas reconheço que foi Nietzsche que me fascinou.” (Michel Foucault) “Nietzsche alcançou grau de introspecção anímica que jamais foi alcançado por alguém e dificilmente alguém voltará a alcançar um dia” (Sigmund Freud) “ Nietzsche é um instrumento de trabalho insubstituível” ( Gerard Lebrun) “A história do pensamento ocidental é dividido em dois períodos, antes e depois de Ni

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Nietzsche contra Duchamp Marcos Ribeiro Ecce Ars

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INTRODUÇÃO

“Todo o meu devir filosófico foi determinado por Heidegger. Mas reconheço que foi Nietzsche que me fascinou.” (Michel Foucault)

“Nietzsche alcançou grau de introspecção anímica que jamais foi alcançado por alguém e dificilmente alguém voltará a alcançar um dia” (Sigmund Freud)

“ Nietzsche é um instrumento de trabalho insubstituível” ( Gerard Lebrun)

“A história do pensamento ocidental é dividido em dois períodos, antes e depois de Nietzsche” (Karl Jaspers)

“ O mundo onde nós existimos em termos de pensamento é um mundo cunhado pelas figuras de Marx e Nietzsche” (Max Weber)

“Nietzsche é o primeiro a ensinar-nos que não basta matar Deus para operar a transmutação de todos os valores. Na obra de Nietzsche as versões da morte de Deus são múltiplas, uma quinzena pelo menos, todas de uma grande beleza” ( Gilles Deleuze)

“ Para a conquista das mais lídimas virtualidades do ser é que Nietzsche ensina combater a complacência, a mornidão das posições adquiridas, que o comodismo intitula moral, ou outra coisa bem soante” (Antonio Candido)

NIETZSCHE CONTRA DUCHAMP

“Somente as obras de arte legítimas, sorvidas diretamente da natureza, da vida, como estas permanecem eternamente jovens e originarias. Pois não pertencem a uma época em particular, mas à humanidade.”

Arthur Schopenhauer

Quando uma criança começa a desenvolver seu lado da dúvida, da liberdade, da imitação por volta dos dois anos, quando ela faz algo em que os pais ficam apavorados, estes logo recorrem ao superior invisível, para através da ameaça livrar-se do problema:— Papai do céu castiga — Papai do céu não gosta. E assim toda criança filha de pais religiosos desenvolvem um dogma que ao crescerem, esse papai do céu se transformará no super-herói-Deus, aquele que salva, dá, mas que ainda castiga a criança crescida.Bom, isso é outra historia, fiz essa ilustração para fazer uma relação com que irei discutir nesse texto, a arte contemporânea. Alguém que não estudou artes sabe o que isso significa?

Se não, não é complicado. Tudo começou quando o francês Marcel Duchamp enviou em 1917 um urinol a um salão de artes e que mesmo não sendo aceito, depois se tornaria a pedra fundamental para a construção de uma realidade não artística até os dias de hoje.

Por que fiz essa relação de Deus e arte contemporânea?

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Se a física é a ciência que estuda as propriedades materiais e suas leis, a metafísica é o estudo dos limites da experiência possível, a causa primeira do ser, o ser em si etc.

Deus é metafísico porque não é possível estudá-lo por meio da física, ele apenas existe pela fé, pela crença.

Para a criança que cresce no Afeganistão será Allah, para a que cresce em Israel será YAHVEH e assim por diante.

Voltando ao conceito “arte contemporânea”, todo aluno antes de entrar numa faculdade de arte — -ou outro curso que ensina o assunto — aprende até o ensino médio a arte até o modernismo, pode até ter ouvido falar de Duchamp e seus seguidores, mas raramente, desde que pesquisei até então, sabe que o urinol é algo sagrado e oficializado como único modelo.

Pois bem, se não podemos ver Deus, também não há como ver arte em um urinol e seus congêneres, é preciso — como na religião que tem a teologia para explicá-la — dos teóricos da arte para explicar que Duchamp quis contestar os valores artísticos até então. Até aí tudo bem, teve e tem o seu sentido histórico dentro da historia da arte, mas o que se fez até então de repetição do mesmo código e do assassínio da tradição, se tornou em uma arte que ninguém vê, apenas acredita, logo metafísica.

Quantos caminhos Van Gogh, Cézanne, Picasso, Dali, Magritte, Klee, Rousseau, Matisse, Hopper, Munch, abriram e somaram com os mestres do passado. Pra que?

Para ser negado por um sistema único que parece mais com brincadeira de ciranda!

Arte contemporânea e religião são idênticas em vários pontos:

A bíblia judaico-cristã se divide em dois testamentos, o velho e o novo, o das leis e o do redentor.

Assim é a arte, o velho testamento é até o modernismo com ênfase a técnica, o talento, a criatividade; já o novo traz a mensagem do redentor Duchamp: a ausência dos valores e a liberdade total.

Os cristãos têm a cruz como ícone máximo, os contemporâneos, o urinol.

Algumas religiões usam a prática do culto a símbolos: roupas, animais mortos e objetos diversos, sacrifícios humanos; a arte contemporânea, idem.

E nessa onda de destruição das artes plásticas, levaram com ela o romance, a música, a poesia, todos de mãos dadas seguindo a vanguarda, rumo ao nada!

E tudo isso muitos atribuem a um pensador: Nietzsche! O destruidor de valores, do cristianismo, da razão na filosofia, da moral, contestador do bem e do mal, da verdade e da mentira. Como o filósofo via a arte, eu pensava, será ele mesmo o pai do contemporâneo?

Será Marcel Duchamp o além-do-homem que Zaratustra anunciara?

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E agora que li o filósofo, eu o parafraseio:

O nada se chama Duchamp!

Já em A filosofia na época trágica dos gregos, Nietzsche ataca Platão por expulsar os poetas de sua Republica utópica:

“A poesia poderia talvez, se a obrigassem a falar, dizer: Povo miserável! É culpa minha se em vosso meio vagueio como uma cigana pelos campos e tenho de me esconder e disfarçar, como se fosse eu a pecadora e vós meus juízes? Vede minha irmã, a arte! Ela está como eu: caímos entre bárbaros e não sabemos mais nos salvar, aqui nos falta, é verdade, justa causa: mas os juízes diante dos quais encontraremos justiça têm também jurisdição sobre vós e vos dirão:- Tende antes uma civilização, e então ficarei sabendo vós também o que a filosofia quer e pode.”

Isto, não está acontecendo de fato, hoje?

Pois na Europa, nessa época, fervilhava de gênios, e assim Nietzsche não estaria sendo o profeta da crise pós Duchamp?

Beuys, apóstolo de Duchamp, nos anos de 1960, afirmou que todo mundo é artista, e com isso decretou a liberdade total na arte, o artista passou a ser o terrorista conceitual da burguesia e conseqüentemente do grande público, já que tudo pode, mas o que Nietzsche diz sobre a liberdade, em Crepúsculo dos Ídolos ele é categórico ao afirmar:

“Meu conceito de liberdade. - O valor de uma coisa não está às vezes naquilo que se alcança com ela, mas naquilo que por ela se paga- no que ela nos custa. Dou um exemplo. As instituições liberais tão logo são alcançadas: mais tarde, não há piores e mais radicais danificadores da liberdade, do que instituições liberais. Sabe-se, até, o que elas conseguem: minam a vontade de potencia, são a nivelação da montanha e vale transformada em moral, tornam pequeno, covarde e guloso - com elas triunfa toda vez o animal de rebanho.”

Em suma, a liberdade que Duchamp e seus apóstolos propuseram se transformou nesse “vale de moral” anunciada por Nietzsche, moral hoje manipulada por radicais que só aceitam como “arte” as obras do molde: o urinólismo!

Chamo de “urinólismo” porque arte contemporânea foi uma apropriação arbitraria de um nome, que não deixa saída, afinal toda arte é contemporânea a sua época, mesmo a rejeitada pintura.

E tudo isso novamente tem uma semelhança com o cristianismo: todos são iguais diante de Duchamp. E por isso não pode haver o grande artista, o nivelamento da montanha, que em Assim Falou Zaratustra, Nietzsche outra vez sentenciou:

“Com esses pregadores da igualdade é que eu não quero ser confundido. Porque a justiça me fala assim: ‘Os homens não são iguais’.”

Quanto! os teóricos da arte, o público, não perdem com essa não-arte: passional sem paixão, que usa a negação do prazer estético em prol do choque, do que horroriza e na

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maioria dos casos, do feio, como é contraditório com que o autor alemão refletiu Em Humano Demasiado Humano sobre a função da arte:

“Contra a arte das obras de arte. — A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida, portanto, fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros... Deve proceder desse modo especialmente em vista das paixões e das dores e angustias da alma.”

Assim a doutrina nietzschiana não é a da efêmera, repugnante, depressiva, como ele também disse em O nascimento da tragédia:

“Aqui, neste supremo perigo da vontade, aproxima-se, como uma feiticeira salvadora, com seus bálsamos, a arte; só ela é capaz de converter aqueles pensamentos de nojo sobre o susto e o absurdo da existência em representações com as quais se pode viver.”

Mais adiante ele acrescenta:

“‘Acreditamos na vida eterna’ assim exclama a tragédia; enquanto a musica é a idéia imediata dessa vida. Um alvo inteiramente diferente tem a arte plástica: aqui Apolo supera o sofrimento do individuo pela luminosa glorificação da eternidade do fenômeno.”

Portanto, com isso, comprovasse que Nietzsche é a antípoda de Duchamp, a eternidade do fenômeno em oposição à novidade proposta pelos contemporâneos. Novidade que se repete por ter se esgotado em todos os seus caminhos.

Entretanto até aqui Nietzsche fez apenas o diagnostico da crise, mas em Crepúsculo dos ídolos ele sugere um caminho para a salvação:

“Ainda há hoje partidos que sonham em fazer com que as coisa caminhem para trás como os caranguejos. Mas ninguém é livre para ser caranguejo. Não é possível: é preciso ir para frente, isto é, avançar passo a passo mais adiante para a decadência ( está é a minha definição do ‘progresso’ moderno...) Pode-se pôr obstáculos a esse desenvolvimento e, ao travá-lo, criar uma ressurreição da degenerancia, concentrá-la, torná-la mais veemente e mais repentina: aí está tudo que se pode fazer.”

Ou seja, voltar como no renascimento, voltar para ir para frente e travar os caminhos que levam ao labirinto do Minotauro Duchamp.

Não será fácil, mas tenho fé em Nietzsche, que esse artista que vagueia escondido e disfarçado, ressurgirá, o artista tal como o filósofo mencionou em a Genealogia da moral:

“O artista perfeito e completo está desde toda a eternidade separado da realidade, daquilo que é efetivo; compreende-se, por outro lado, que às vezes possa estar cansado até o desespero dessa eterna ‘irrealidade’ e falsidade de sua existência mais intima.”

E que a profecia de Zaratustra se cumpra:

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“ Tudo que vai, torna, a roda da existência gira eternamente.Tudo morre; tudo torna a florescer.”

Marcos Ribeiro Ecce ArsPrimavera de 2008