nick shadow - biblioteca da meia-noite 4 - a dona dos gatos

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    Nick Shadow

    TraduoRita Lagoeiro Sussekind

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    A dona dos gatos / Nick Shadow; traduo Rita LagoeiroSussekind. So Paulo: Prumo, 2009. (Biblioteca dameia-noite).

    Traduo de: The midnight library: the cat lady ISBN

    978-85-7927-017-81. Literatura infanto-juvenil inglesa. 2. Histria de terror.I. Sussekind, Rita. II. Titulo. III. Srie.09-2280. CDD: 028. 5 CDU:087. 5

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    Bem-vindo, leitor.

    Meu nome Nick Shadow, curador destainstituio secreta: a Biblioteca da Meia-noite.

    Onde fica a Biblioteca da Meia-noite?,voc pergunta. Por que voc nunca ouviufalar dela? Para sua prpria segurana, melhor que essas perguntas permaneam

    sem resposta. Contudo... desde que vocprometa no revelar onde descobriu o quevem a seguir (no importa quem ou o queexija isso de voc), eu revelarei o quemantenho nos cofres antigos. Aps muitosanos de pesquisa, reuni a mais assustadora

    coleo de histrias j apresentada aohomem. Elas iro aterroriz-lo, e fazer comque a carne de seu jovem esqueletoestremea. Talvez voc devesse tomarcoragem e virar a pgina. Afinal de contas,qual a pior coisa que poderia acontecer?...

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    Volume 4

    A mulher dos gatos

    Quem ousa ganha

    No acorde o beb

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    A DONA DOS GATOS

    Gatinha medrosa! Gatinha medrosa!As vozes assustadoras ecoavam nos

    ouvidos de Chloe Forrester, enquanto elapedalava furiosamente pelo beco que dividiaas novas construes da cidade antiga. Suasbochechas estavam queimando, ela

    acelerou entre as altas grades de madeiraat chegar a um monte de grama aberto,conhecido como o Velho Verde.

    Chloe gritou em tom desafiador paraHeather e para o resto do pessoal.

    Eu no estou com medo! S noquero fazer!

    A Chloe muito covarde! gritouHeather.

    Covarde! Maggie e Emmaberraram juntas, aproveitando a deixa deHeather.

    Calem a boca! continuou Chloe.

    Calem a boca!Hayley e Megan se uniram ao coro.Agora todo o grupo estava gritando:

    Covarde! Covarde!Chloe agarrou o guido da bicicleta,

    levantando-se do banco para passar porcima de uma mureta e chegar ao gramado.Ela pedalou com fora, e teve dificuldades

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    para sustentar a velocidade no aclive. Notopo do monte, freou a bicicleta e virou. Elatinha 13 anos, era alta e magra, com

    cabelos dourados e um rosto plido esardento s que agora as bochechasestavam vermelhas e seus olhos azuisardiam com o vento frio.

    Tudo comeou quando Heatherdesafiou Chloe a jogar pedras nas janelas daMulher dos Gatos e depois correr. Ela se

    recusou. Ento Heather a chamou demedrosa e ela foi embora com sua bicicleta,humilhada e irritada.

    Chloe observou enquanto Heather e oresto do grupo pedalaram at o final dobeco. Heather disse alguma coisa s

    meninas, e todas riram. As bochechas deChloe enrubesceram de vergonha sabiaque estavam rindo dela, e detestava isso.

    Enquanto olhava para o grupo, desejoujamais ter brigado com Tina. As coisas erammuito mais simples quando as duas eram asmelhores amigas.

    A desavena acontecera uns mesesantes foi uma discusso tola por causa deuma blusa. Chloe pegou-a emprestada deTina para ir a uma festa e, quando devolveu,havia uma mancha que no saa de jeitonenhum. Tina disse que a blusa estava em

    perfeito estado quando a emprestou masChloe tinha certeza de que no tinha

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    manchado a blusa. Nenhuma das duas deu obrao a torcer.

    Chloe saiu irritada, dizendo a Tina que

    nunca mais queria falar com ela. Depois,para provocar cimes em Tina, comeou aandar com Heather e seu grupo de amigas,em parte porque todos achavam que elaseram legais mas tambm sabia que Tinano gostava delas. Ela achava que pareciamovelhas estpidas seguindo Heather por

    todos os lados. Chloe no gostava muito deHeather: ela era sarcstica, cruel e tambmmuito encrenqueira. Mas Maggie, Megan,Emma e Hayley eram bacanas. Exceto pelofato de que sempre faziam tudo que Heathermandava. Isso era muito irritante.

    Chloe olhou para baixo, para o caminhoque havia seguido. A parte com as novasconstrues se alongava, bonita, limpa,organizada e crescendo para o ladoesquerdo do Velho Verde. Para o ladodireito, espalhava-se a velha parte vitorianada cidade. Uma estrada dividia o velho donovo. Era pavimentada e tinha cercas emambos os lados. esquerda, belas portas demadeira levavam aos jardins da parte nova,e direita havia um conjunto antigo decercas decrpitas e entrelaadas comvinhas e plantas espinhosas. Na opinio de

    Chloe, parecia que as pessoas que puseram

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    as cercas no queriam que ningum de umaparte da cidade entrasse na outra.

    Mas isso no freava os gatos! Havia

    muitos gatos. A maioria deles vinha da casada senhora Tibbalt, um lugar sujo localizadologo atrs da cerca que limitava asfronteiras da parte antiga da cidade. Asenhora Tibbalt era um pouco estranha. Eraconhecida como a Mulher dos Gatos. svezes Chloe e as meninas olhavam por cima

    da alta cerca e viam o jardim cheio dessesanimais. E s vezes Heather balanava acerca e gritava para assust-los. Chloe nogostava disso ela achava maldade.

    A casa da senhora Tibbalt era umsanturio para o que pareciam centenas de

    gatos. Eles ficavam por todos os lados.Pretos e malhados, machos e fmeas, velhose jovens de filhotes com olhos brilhantese unhas afiadas a velhos gatos ferozes quesibilavam e exibiam seus dentes amarelosquebrados a qualquer um que seaproximasse.

    Desde que Chloe se lembrava, corriamhistrias assustadoras sobre a mulher.

    Foi Tina quem contou as primeirashistrias, h anos, quando a famlia de Chloese mudou para a cidade.

    verdade, tudo verdade disse

    Tina, com os olhos arregalados, no primeiro

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    dia de aula. A Mulher dos Gatos sequestracrianas.

    Chloe no se convenceu.

    Por que ela faria isso? perguntou.A voz de Tina se tornou um sussurro. Ela leva as crianas para a adega, e

    faz picadinho delas para transformar emcomida de gato disse Tina. Como vocacha que consegue alimentar tantos gatos?

    Chloe encarou Tina, desconfortvel.

    Eu no acredito!Tina riu. Pode perguntar a qualquer um!

    disse. Mas melhor tomar cuidado. Sevoc se aproximar da casa, ela aparece eoferece doces para convenc-la a entrar. E

    depois que voc entra, ela oferece umabebida que a deixa fraca e sonolenta. E depois? perguntou Chloe, com

    os olhos arregalados em sinal de alerta. Depois ela arrasta voc para a

    adega suja e escura afirmou Tina. Esua cabea vai batendo pelos degraus, evoc no pode fazer nada. Ela tem umamquina de moer enorme l embaixo. Evoc fica deitada indefesa enquanto asenhora Tibbalt liga a mquina. E o aparelhocomea a estalar e fazer barulho, e voc vuma chave enorme girando. E depois a

    Mulher dos Gatos te coloca na mquina,lentamente, primeiro pelos ps. E a pior

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    parte que, apesar de no conseguir semover, voc continua consciente enquanto esmagada em pedacinhos!

    Chloe no havia acreditado que aMulher dos Gatos realmente transformavacrianas em comida de gato em sua adega,mas mesmo assim preferiu manter sempreuma distncia segura da casa. A senhoraTibbalt no era de se ausentar da casa, mas,quando saa, Chloe a observava com

    ateno enquanto ela descia a rua com aajuda de uma bengala, toda enrolada em umcasaco pesado e mofado e um cachecol. Emesmo depois de tantos anos, Chloecontinuava atravessando a rua para nochegar muito perto da casa.

    Havia algum tempo ela fizera essaconfisso para Heather e o resto do grupo. Eu sei que s uma senhora. E

    essas histrias a seu respeito no soverdadeiras, mas mesmo assim ela me darrepios.

    Heather gozou de Chloe. Isso pattico Heather disse.

    Quantos anos voc tem? Seis? as outrasse juntaram s gargalhadas de Heather,apesar de Chloe ter certeza de que elastambm tinham medo da Mulher dos Gatos.

    Voc precisa crescer um pouco

    Heather afirmou. Eu sei como pode curaro seu medo da Mulher dos Gatos ela subiu

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    na bicicleta. Vem, vamos nos divertir umpouco.

    Que tipo de diverso? perguntou

    Chloe, rapidamente. Bem, para comear ns podemosjogar pedras na porta da frente da casa dela disse Heather. Isso seria engraado.

    Eu no quero fazer isso Chloerespondeu. O que ganharemos com isso? maldade.

    Divirta-se um pouco, medrosa Heather disse, enquanto pedalava paralonge.

    O resto do grupo foi atrs, deixando-asozinha. Chloe ficou com raiva de Heatherpelas gozaes, e irritada com aquelas

    quatro garotas estpidas que seguiam ospassos de Heather como se fossem zumbis.Ela sabia que Tina tinha razo quanto smeninas, e isso fazia com que sua sensaode isolamento e solido piorasse ainda mais.Chloe sentiu o estmago embrulhar, elgrimas quentes se formaram em seusolhos; mas estava determinada a nochorar.

    E agora se encontrava na mesmaposio outra vez, sozinha no topo do VelhoVerde enquanto o resto do grupo ria dela.

    So todas idiotas, disse para si mesma

    enquanto olhava para baixo. Mas se eu nofizer o que querem, elas vo infernizar a

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    minha vida. Ela franziu o rosto. Eu voucolocar um fim nisso de uma vez por todas,resolveu Chloe, virando sua bicicleta e

    descendo novamente pelo monte de grama. Olhem meninas! A medrosa est devolta zombou Heather,

    O que a medrosa quer? perguntouEmma.

    Maggie se intrometeu tambm. Voc deveria correr para casa, para

    o colinho da mame, Chloe ela disse. AMulher dos Gatos pode peg-la!

    Ah, cale a boca! irritou-se Chloe. O que? disse Hayley, Voc ficou

    corajosa de repente?Chloe a ignorou.

    Eu cumpro esse desafio estpido disse ela, olhando para Heather. Notenho medo. Eu s acho uma coisa pattica,s isso.

    Heather olhou para ela de formaarteira.

    Voc tem que passar pelo porto afirmou. No jardim da frente.

    Que seja disse Chloe, tentandosoar como se no se importasse a mnimacom isso. Eu vou fingir que estou dando omeu melhor, mas vou errar a janela e mirarna parede, pensou. Farei isso disse ao

    grupo. totalmente pattico e imaturo.

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    Heather olhou para ela, e Chloe aencarou por um instante.

    Tudo bem, se voc fizer direito um

    sorriso se esboou no rosto de Heather,enquanto olhava para as outras. Eu jcontei sobre a vez em que fui na casa daMulher dos Gatos? perguntou.

    No acredito! engasgou-seMegan.

    Heather fez que sim com a cabea.

    verdade disse. As outrasolharam para ela, impressionadas. Elatinha sado para fazer compras e deixou aporta da frente aberta. Ento eu decidientrar e dar uma olhada em volta.

    Como era? perguntou Emma,

    quase sem flego.Heather olhou para Chloe. Nojenta respondeu. Era escura,

    fedorenta, e muito suja. E todos os quartosestavam cheios de montes mofados dejornais e revistas presos por uma corda. Ehavia sacolas de supermercado lotadas delixo; e sacos pretos com mais lixotransbordando. E havia latas de comida degato abertas por todos os lados. E todo olugar cheirava a xixi de gato. O cheiro davaa impresso de que os animais usavam acasa inteira como um banheiro gigante.

    Ouviam-se gemidos e sons queindicavam repulsa do resto do grupo, mas

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    Chloe achava que Heather estavainventando tudo isso para enojar as outrasmeninas.

    Heather continuou com sua histriaassombrosa. Os tapetes eram todos grudentos e

    esponjosos embaixo dos ps disse ela. E o papel de parede estava todo estragado,porque os gatos afiavam as unhas ali. Haviaanimais por todos os lados! E eles ficaram

    me olhando, e alguns deles sibilaram paramim, mas isso no me incomodou. Se algumtivesse tentado me atacar, eu teria dado umbelo chute!

    Mas a Mulher dos Gatos poderia tervoltado e flagrado voc! engasgou

    Hayley.Heather olhou para ela. E da? disse. O que ela iria

    fazer? Eu no tenho medo dela olhou paraChloe, como se estivesse esfregando isso nacara dela. Depois fui l para cima continuou. Eu achei o quarto dela. S queno tem uma cama, como as pessoasnormais. Havia apenas uma enorme cestaredonda de vime no cho, cheia de lenissujos. l que ela dorme. E havia uma caixaenorme com areia de gato ao lado da cesta ela deu outra olhada profunda. E a

    caixa estava usada!Maggie arregalou os olhos.

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    Voc est querendo dizer que...Heather fez que sim com a cabea. Era a privada dela!

    Houve gritos de horror liberados portodas, exceto Chloe. Isso foi to nojento que virei as

    costas e sa de l disse Heather. Aquelelugar me deu arrepios.

    Eu no acredito que possa ser toruim assim interrompeu Chloe.

    Ningum pode morar assim! E no creio queela durma numa cesta de gatos!

    Heather deu de ombros. Acredite no que quiser disse.

    Eu sei o que vi ela lanou um olhar deprovocao a Chloe. Ento, quando voc

    vai realizar a aposta?Chloe olhou com ar desafiador. Amanh, depois da aula.Heather sorriu. Estaremos esperando. Estarei l disse Chloe. Ela pisou

    forte no pedal e conduziu a bicicleta pela ruaque levava sua casa. Ela tinha certeza deque Heather deveria estar falando mal delapara as outras nesse instante, dizendo queno iria aparecer.

    Bem, dessa vez ela estava errada.Mas, mesmo assim, Chloe se sentiu um

    pouco trmula enquanto pedalava de voltapara casa. Mais do que tudo, por raiva de

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    Heather e de seu grupo idiota, mas umaparte dela estava nervosa pelo que tinhaconcordado em fazer no dia seguinte.

    Era uma tarde montona, nublada echuvosa enquanto Chloe passava pelocruzamento com sua bicicleta e deixava aparte moderna da cidade, em direo

    velha. Dobrou a esquina da rua em que asenhora Tibbalt morava. Ela viu Heather e asoutras ali paradas com suas bicicletas noextremo oposto da estrada, esperando.

    Chloe pedalou at elas e parou.Heather deu um passo frente. Ela

    estava segurando alguma coisa na mo. Erauma pedra enorme quase do tamanho deseu punho.

    isso que voc vai atirar na janelada Mulher dos Gatos disse Heather.

    Chloe olhou para aquele pedregulho. Voc disse pedras!Heather deu de ombros. E da? uma pedra grande disse.

    Ela olhou para as outras, que responderamcom um aceno de cabea. Todas nsconcordamos comeou Heather que, sequiser que ningum mais chateie voc, essa

    a pedra que tem que jogar na janela. Mas

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    voc quem sabe, claro. Pode desistir, sequiser.

    Chloe sabia que uma pedra daquele

    tamanho destruiria qualquer janela queatingisse. Ela examinou cada um dos rostos. Todos tinham a mesma expresso deansiedade e petulncia. Se se recusasse ajogar a pedra, as provocaes comeariamoutra vez. Se ela concordasse, iriam sedivertir um bocado com o ataque janela da

    Mulher dos Gatos. De qualquer forma, Chloesoube naquele instante que detestava edesprezava cada uma daquelas pessoas.

    Mas no podia recuar. Era tarde demaispara isso.

    Ela pegou a pedra da mo de Heather.

    Jogue com fora disse Heather,com um brilho maldoso nos olhos.Chloe apoiou a bicicleta na mureta. A

    pedra parecia enorme e pesada em suamo. Sem dizer uma palavra, virou-se ecaminhou pela rua. Ela s queria acabarlogo com isso.

    As casas eram todas cercadas por altasrvores folhosas e estava sombrio e midosob os galhos gotejantes. A residncia dasenhora Tibbalt ficava atrs de um ptioquebrado, depois de uns arbustosespinhentos muito altos. Chloe olhou entre

    os galhos de espinhos tentando enxergarpelas janelas imundas a velha senhora. Mas

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    estava escuro demais. Ela observou atravsde seu casaco de capuz; a chuva fria agrediasua pele.

    Ela podia sentir que estava sendoobservada pelas outras enquanto seaproximava do velho muro de ferro,quebrado e gasto. Ele era preso a um pilarde tijolos. Sobre a base de tijolos havia umgato de pedra, quebrado e manchado. E oporto tinha a silhueta de um gato de ferro,

    com seus contornos destrudos pelaferrugem.

    Chloe se encolheu e passou peloporto. Ela respirou fundo e observou optio malcuidado at a velha casa. Em umdos lados, notou um galpo caindo aos

    pedaos, semiescondido sob as rvores.Como sempre, a casa se encontrava sob assombras da escurido. Chloe olhou para as janelas cinzentas. Caminhoucuidadosamente pelo ptio, desviando dosespinhos, atenta a tudo.

    Parou por um instante, olhando para apedra. Era preta e denticulada imaginouque deveria pesar um quilo ou mais. Olhousobre seu ombro. Podia ouvir rudosdistantes vindos das meninas umaindicao de como se comportariam comela, caso desistisse do desafio.

    Ela se voltou para a casa e apertou apedra que tinha nas mos. Levantou o brao

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    e o lanou para trs, preparando-se para oarremesso. E ento mirou uma das janelaslaterais menores, sentindo-se pssima por

    isso. A cortina de rede se mexeu. Chloecongelou, seu corao estava acelerado.Atravs da fresta da janela, viu o rosto deum gato preto, que a encarava com seusluminosos olhos verdes. Um segundo gatose aproximou e sentou ao lado do primeiro;

    o rosto, malhado, misturava as coresmarrom e dourada, e seus olhos eramamarelos.

    Eles a observavam.Chloe no podia jogar a pedra naquela

    janela, pois os gatos iriam se machucar com

    o vidro quebrado. Depois mais felinosapareceram atrs do resto dos vidros dasjanelas at que todas as janelas tivessemrostos que observavam atravs de olhosamarelos, olhos verdes e olhos dourados.

    Ela ouviu um barulho vindo de trs.Concluiu que deveria ser a turma demeninas, escalando a cerca para observar.

    Seus pensamentos aceleraramenquanto os gatos olhavam para ela.

    Eu no posso! respirou. Emseguida, ouviu novamente o tom zombeteiroque vinha de trs da cerca. Se ela no

    jogasse a pedra, as meninas nunca mais adeixariam em paz.

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    Respirou fundo, tentando acalmar oritmo acelerado do corao. Os gatos aobservavam. Ela engoliu em seco, lanou

    seu brao para trs e jogou a pedra. Mas elamirou baixo de propsito, com o objetivo deno acertar nenhuma das janelas.

    O pedregulho bateu contra as ervasdaninhas sob as janelas.

    Houve um barulho seco e perturbador,seguido de um grito profundo de dor quando

    a pedra atingiu alguma coisa escondida naplanta.

    Chloe cambaleou para a frente, comseu estmago se contraindo em uma bolade choque apavorado.

    Ela viu um gato pequeno deitado

    contra a parede em uma posio estranha,com a cabea torcida. A pedra estavaprxima. Havia sangue manchando o pelodo animal.

    Chloe sentiu-se tonta e enjoada. Elaestava com medo de se aproximar do pobreanimal ferido, mas sabia que precisava fazerisso.

    Ela se jogou sobre seus joelhos,afastando cuidadosamente as folhasespinhosas do bicho. Trmula, esticou obrao e tocou no pelo macio, evitando osangue. O trax estreito do gato subia e

    descia rapidamente, liberando cada vezmais sangue atravs do nariz e da boca.

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    Gatinho...? sussurrou Chloe, coma voz rouca, a garganta apertada equeimando. Foi sem querer... um choro

    doloroso cortou sua garganta como umapedra afiada. Seus olhos se embaaram comas lgrimas.

    A respirao do gatinho ferido perdeu auniformidade. Chloe sabia que estavamorrendo. J tinha ajoelhado, tremendo,enjoada extremamente horrorizada com o

    que tinha feito.Chloe gritou.Ela se levantou cambaleante e correu

    desordenadamente pelo ptio. Enquantolutava para sair pelo porto quebrado, pdeouvir atrs dela os gritos de dzias de gatos

    enfurecidos.Chloe estava apavorada.As meninas esperavam por ela, e

    Heather sorria. Voc matou mesmo disse. Foi

    muito legal! Saia de perto de mim Chloe a

    empurrou com fora. Heather perdeu oequilbrio. Suas pernas se enrolaram com abicicleta e ela caiu de costas, com um gritode raiva e dor.

    Chloe sequer notou as outras que seafastaram, enquanto ela correu pela rua

    onde havia deixado sua bicicleta. Lanou-sesobre a bicicleta e pedalou para longe

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    daquele pesadelo horrvel o mais rpido quepodia com lgrimas correndo pelo rostoenquanto ia para casa na chuva.

    Ela conseguiu passar pela porta, subiras escadas e chegar ao banheiro antes devomitar. Ajoelhou-se com a cabea sobre aprivada, com o corpo inteiramentedominado pelo sentimento de culpa. Elaouviu sua me chamando pelas escadas.

    Chloe lavou o rosto e secou com uma

    toalha, e respondeu com a voz mais normalque conseguiu.

    Sou eu. Voc est bem? gritou a me. Estou. Tudo bem respondeu

    Chloe.

    Ela ouviu vagamente algunscomentrios sobre guardar a bicicleta direito e em seguida veio o silncio. Sentou-seno cho do banheiro, encostando abochecha na fria bancada de porcelana dolavatrio.

    Chloe fechou os olhos, e ento viunovamente aquilo que a deixara apavoradano jardim da Mulher dos Gatos o quetinha feito com que ela instintivamentecorresse para se salvar e escapar com vidadaquele lugar horroroso.

    Levantou-se com dificuldade, puxou a

    vlvula de descarga e se inclinou sobre olavatrio. A imagem do prprio rosto no

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    espelho a deixou horrorizada. Sua peleestava manchada, marcada pelos traos delgrimas e suor. O cabelo estava grudado na

    pele.Ela abriu a torneira e observouenquanto a gua enchia a pia. Depoisfechou-a e ps o rosto na gua.

    Erguendo a cabea, Chloe se olhou noespelho mais uma vez. Agora estavasimplesmente plida com os cabelos

    claros parecendo laos em suas bochechas etesta. O olhar assombrado estavacomeando a desaparecer de seus olhos.

    Olhos.Como os olhos que tinham...No!

    Ela no ia pensar nisso.Uma determinao fria e slida estavaresultando de sua tristeza. Ela no queriamais saber de Heather e do resto do grupo.Definitivamente queria manter distnciadelas.

    Ela estremeceu. Sentia-se suada e fria,e suas roupas grudavam de um jeitoincmodo no corpo.

    Suas pernas pareciam mais fortesagora.

    Ela precisava de um banho.Um longo banho quente para tentar

    lavar seus sentimentos de dor e perda. Edepois resolveria uma coisa muito

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    importante. Algo que deveria ter feito hmuitas semanas.

    Chloe abriu o porto e empurrou suabicicleta pelo caminho. Ela a apoiou contra aparede e subiu entrada da casa. Respiroufundo e tocou a campainha.

    Durante o longo perodo que esperou

    at que algum viesse atend-la, tevetempo para imaginar todas as coisasdesagradveis que poderiam ser ditas a elaquando a porta fosse aberta.

    Ela ouviu o barulho de um passo portrs da porta que se abria.

    Sua ex-melhor amiga Tina estava naentrada. Ela era mais baixa do que Chloe, eno to magra; seus cabelos escuros tinhamum corte redondo que contornava a faceamigvel. No que a expresso fosseamistosa enquanto encarava Chloe. Elaolhou para a antiga amiga como se fossealguma coisa nojenta que encontrasse nasola do sapato.

    Oi disse Chloe de forma tmida. Oi a voz de Tina era fria e sem

    expresso. Elas no se falavam h setesemanas e cinco dias. A boca de Chloe

    estava seca. Ela tentou sorrir.

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    Como voc est? perguntouChloe. A voz de Tina foi dura e breve.

    Bem, obrigada ela se encostou

    contra a porta, olhando nos olhos davisitante, com um olhar de monotoniasatisfatria, como se estivesse esperandoque Chloe acabasse logo com isso para quepudesse entrar e voltar s atividadesnormais.

    Chloe engoliu em seco.

    Eu vim pedir desculpas pela blusa disse.

    J est um pouco tarde para isso,voc no acha? retrucou Tina.

    Uma voz chamou de dentro da casa.Era a me de Tina.

    Quem ? Ningum respondeu Tina. ChloeForrester. Sua me no respondeu.

    Chloe respirou fundo. Olhe ela disse. Eu vim aqui

    para dizer que compro uma blusa nova paravoc. Tenho um pouco de dinheiroguardado, e voc pode ficar com tudo seucorao estava acelerado. Queria voltar aser sua amiga ela engoliu em seco. Mas se voc ainda me odiar, e nunca maisquiser a minha amizade, s falar e saio dasua vida para sempre.

    Houve uma longa pausa.

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    Chloe gostaria que o cho se abrisse ea engolisse. Essa tinha sido uma pssimaideia. Tina jamais iria perdo-la. Depois de

    um momento, Tina respirou fundo. Talvez eu estivesse errada quanto blusa disse. Vamos esquecer isso abriu a porta de maneira receptiva. Amame fez torta de ma. Quer um pouco?

    Chloe e Tina estavam sentadas depernas cruzadas na cama de Tina, comendotorta de ma com creme de chantilly.

    Durante um longo tempo Chloe sesentiu muito feliz por conversar

    amigavelmente com Tina, descobrindo o quevinha acontecendo nas ltimas semanas, epela facilidade com que a amizade voltou.Parecia at que a briga s tinha durado umdia ou dois. E Chloe se sentia aliviada porpoder agir naturalmente e no precisarparecer descolada o tempo todo a fim deimpressionar Heather e as meninas.

    Mas, gradualmente, Chloe percebeuque estava falando sobre o desafio deHeather.

    Tina balanou a cabea. s vezes voc to idiota ela

    disse, enquanto Chloe explicava que tinhasucumbido s provocaes incessantes de

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    Heather e aceitara jogar a pedra na janelada Mulher dos Gatos.

    Chloe olhou para ela.

    Eu ainda no contei a pior parte disse, com a voz derrotada. Voc quebrou a janela?Chloe balanou a cabea. No, eu errei a mira de propsito.

    Mas acertei um gatinho ela se encolheuante o olhar de choque estampado no rosto

    da amiga. Eu no o vi disse Chloe, comlgrimas correndo por suas bochechas. Ele estava atrs de umas plantas.

    Tina levantou as mos para cobrir orosto.

    Ele se machucou muito?

    perguntou.Chloe confirmou com a cabea, esentiu um n na garganta, enquanto selembrava da cena.

    Voc ligou para a SociedadeProtetora dos Animais? indagou Tina.

    Chloe balanou a cabea. J era tarde demais. Chloe! exclamou Tina.Chloe mordeu o lbio. Ela no

    conseguia olhar para o rosto de Tina.Enquanto falava, mal reconhecia a prpriavoz.

    Ele j estava quase morto disse,quase sem flego. Todo contorcido e

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    sangrando. Mas depois... virou a cabea...e... olhou para mim ela estava tremendonovamente, revivendo o horror daquele

    momento terrvel.Ela encarou os olhos de Tina. Seus olhos no eram normais

    sussurrou, sem coragem de traduzir empalavras o horror que vinha aterrorizando-adesde ento.

    Como assim? perguntou Tina,

    murmurando. Chloe olhou para ela. Ele no tinha olhos normais de gato

    disse Chloe. Tina, ele tinha olhoshumanos!

    Naquela noite, Chloe no conseguiudormir. Seus olhos j estavam acostumados escurido, e ela percebia com facilidade asdiferentes formas no quarto. A coisa quemais queria na vida era que esse dia horrvelacabasse, mas seu crebro no desligava.Era como se houvesse um farol na cabea, esua luz forte e brilhante acendesse oscantos mais sombrios e assustadores de suamente.

    Tina tentara convenc-la de queimaginara aquela coisa assustadora dos

    olhos do gato. No podia ser real. Devia tersido um truque da luz ou coisa parecida.

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    Fosse o que fosse, como Tina havia dito,gatos no tm olhos humanos simplesmente no tm!

    E Chloe concordou com ela.Mas mesmo assim no conseguiadormir. Para no parecer fraca na frente deHeather e das outras meninas, ela haviafeito uma coisa que resultou na morte deum gatinho. E Heather se impressionara. Elasorrira. Voc matou mesmo. Chloe deu de

    ombros.Ela se lembrou de algo que sua me

    dissera uma vez: Uma conscincia pesadajamais d sossego at que as coisas sejamconsertadas, at que a pessoa corrija seuserros.

    por isso que, no consigo dormir,Chloe pensou consigo mesma. Eu precisocorrigir o meu erro. Mas como a pessoapode corrigir um erro que matou um animalinocente? O que pode fazer? A resposta veiode maneira muito clara sua mente. Eutenho que ir casa da senhora Tibbalt eassumir a culpa. Devo oferecer algumaespcie de ajuda. Preciso fazer o possvel.

    Chloe decidiu que faria isso no diaseguinte depois da aula.

    De alguma maneira, iria consertar seuerro.

  • 8/14/2019 Nick Shadow - Biblioteca Da Meia-Noite 4 - A Dona Dos Gatos

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    Heather e as meninas esperavam porela na porta da escola no dia seguinte.

    Chloe, a assassina de gatos disse Heather, enquanto Chloe seaproximava. assim que vamos cham-laa partir de agora. Gostou, Assassina?

    Chloe a ignorou, mas Heather nogostava de ser ignorada. Ela entrou nafrente de Chloe.

    Saia da minha frente disse Chloede forma seca e direta.

    No fique assim afirmou Heathercom um sorriso torto. Ficamospreocupadas com voc, depois que correudaquele jeito. Mas ficamos muito

    impressionadas. Quer dizer, quebrar a janela uma coisa. Mas matar um dos gatos davelha, isso foi incrvel!

    Me deixou com nojo, se voc quersaber disse Chloe.

    Ah. Que pena salientou Heather. Voc j est melhor?

    Chloe lanou um olhar frio a Heather. No respondeu.Heather sorriu, olhando para as outras. Dem a boa notcia a ela agora

    disse Heather. Ns fizemos uma votao afirmou

    Emma. Voc oficialmente parte donosso grupo.

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    Chloe olhou para ela, incrdula. Voc acha que ainda quero fazer

    parte desse grupo pattico de vocs?

    perguntou, furiosamente. Qual o seu problema, Assassina? indagou Maggie.

    Meu problema que so doentes,todas vocs! Chloe olhou para elas. Euno quero ter vnculo com nenhuma devocs. Saiam da minha frente!

    Nossa... melhor tomarmos cuidado provocou Hayley. A Assassina est comraiva da gente. Tomara que no hajanenhuma pedra por perto!

    Houve muitas risadas.Chloe passou por elas e cruzou o

    estacionamento dos professores. Heather foiatrs dela. Que pena que se sinta assim

    gritou, em tom de desdm. Mas pelomenos voc nos deu uma tima ideia parauma nova brincadeira. Chloe acelerou,tentando se afastar da voz sarcstica. Chama-se Jogar Pedras nos Gatos gritouHeather. Ns vamos jogar hoje, depois daaula, caso esteja interessada. Voc marcapontos, um ponto se atingir um gato comuma pedra, cinco pontos se o gato semachucar feio, e dez se ele morrer sua

    voz levantou. Ei, Assassina, voc j temdez pontos a mais que todas ns. Caso

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    mude de ideia, nos vemos na casa daMulher dos Gatos, hoje noite, depois daaula sua voz se encheu de risadas. E

    traga muitas pedras.

    Chloe pedalava com fora enquantosua bicicleta acelerava pela estrada. Asaulas j estavam encerradas por hoje. Ela

    precisava chegar casa da senhora Tibbaltantes de Heather e do grupo precisavaalert-la sobre os planos das meninas. Osgatos tinham de ser levados para o interiorda casa, para longe da brincadeira cruel dasmeninas.

    Ela parou e desceu da bicicleta. Chloepercebeu que, no local em que o gatinhoestava, as ervas daninhas haviam sidocortadas. Imaginou a pobre senhora, sozinhae assustada, saindo de l, na noite anterior,pegando o corpo do gato e carregando-opara dentro da casa em seus braos.

    Deixando a bicicleta de lado, ela olhoupara cima. No havia nenhum rosto felinopor trs dos vidros agora. Nenhum olharacusatrio.

    A determinao de alertar a senhora arespeito do grupo era to forte que Chloe

    at esqueceu o medo enquanto cruzava ocaminho.

  • 8/14/2019 Nick Shadow - Biblioteca Da Meia-Noite 4 - A Dona Dos Gatos

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    Ela viu uma forma escura passardepressa pelo gramado e desaparecer nalateral da casa. Um gato. Outro a observava

    desconfiado atravs da sombra do telhado.Seus olhos se cruzaram por um instante,depois o animal se escondeu nas sombras.

    Chloe respirou fundo e se aproximou daporta da frente, cuja tinta descascava eonde havia uma caixa de correio enferrujadae inutilizada. Ela procurou a campainha, mas

    no encontrou. A aldrava de ferro era emforma de um gato saltando. Chloe se esticoupara alcan-la. Era pesada e dura, mas seesforou e conseguiu mov-la.

    Ela esperou, seu corao batia forte erpido no peito.

    Ningum atendeu porta. Ela bateunovamente, e depois olhou para suas mos,que a ferrugem havia sujado de vermelhoescuro.

    De repente, ela ouviu um barulhodentro da casa o som perturbador dediversos gatos.

    Mas, mesmo assim, ningum veioatender porta.

    Chloe se encolheu, abrindo a caixa decorreio. A entrada da casa era escura, comparedes marrons e uma escadaria marromno final.

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    Senhora Tibbalt? gritou pela caixade correio. Ol! A senhora est a? Eupreciso falar com voc!

    Ela se levantou novamente, mexendona aldrava. Havia painis encardidos devidros coloridos. Chloe os esfregou com suamanga para limpar um pouco da sujeira. Elaolhou atravs do vidro, mas no conseguiaver muita coisa e no havia nenhum sinalde movimento no corredor sombrio.

    Olhou para o relgio, e a frustrao e aansiedade cresciam. A velha quase no saade casa ela tinha de estar l; ento, porque no atendia porta? Chloe estavaficando agitada se Heather e as meninasrealmente fossem at a casa da senhora

    Tibbalt para jogar pedras nos gatos, entorestavam poucos minutos... elas chegariama qualquer instante.

    Ela correu para as janelas da entrada.Esfregou o vidro imundo com as mos etentou enxergar atravs do vu cinza dascortinas de rede. Conseguia ver algumasformas em movimento l dentro baixas,no cho. Gatos. Mas ser que a senhoraTibbalt estava l? Ela bateu no vidro.

    Alguma coisa voou na direo de seurosto, surpreendendo-a, e fazendo com quecambaleasse para trs um enorme gato

    preto, com os olhos em chamas, com a bocavermelha completamente aberta enquanto

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    sibilava para ela de forma agressiva.Enormes garras afiadas arranharam ajanela.

    Ser que era o mesmo gato que haviavisto na janela na tarde de ontem?Ser que ele reconhecera Chloe?Ser que a detestava pelo que havia

    feito?Ela correu para a lateral da casa. Havia

    um beco ali, mas era bloqueado por um

    porto preto trancado com um cadeado queh tempos se tornara permanentementefechado pela ferrugem.

    Mas Chloe no podia desistir agora. Elaprecisava tentar fazer alguma coisa.

    A madeira em volta do cadeado estava

    apodrecida. Ela girou bruscamente o objetode metal enferrujado. Ele se soltou e ocadeado caiu no cho, provocando umbarulho forte ao atingir o piso. Empurrou oporto lentamente, fazendo com que asdobradias rangessem. Ela entrou pelolongo beco estreito. No final, podia enxergarum pedao do jardim dos fundos.

    Estava cheio de gatos.Gatos deitados sob o sol da tarde.

    Gatos se lambendo. Gatos simplesmentesentados, observando. Gatos brincando unscom os outros. Gatos afiando as unhas.

    Gatos perambulando. Um mundo inteiro degatos.

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    Um instante mais tarde, cada um dosolhos em forma de amndoa a encaravadesconfortavelmente.

    Chloe engoliu em seco. Havia algomuito perturbador no jeito como a olhavam.Ela comeou a caminhar lentamente. Algunsgatos sumiram de vista, foram para osfundos da casa. Outros simplesmenteobservaram enquanto ela se aproximava dojardim.

    Uma pequena forma escura silvou ecorreu para longe dela. Um gato marromescuro, magro e com o rosto afinado. Eleprovavelmente estava deitado escondido naescurido.

    Desculpe, gatinho disse Chloe.

    Eu no queria assust-lo.Ela saiu no jardim. Mais gatos correrampara longe dela, formando uma tempestadecolorida em direo porta dos fundos dacasa. Os que no fugiram a olhavamatentamente.

    Alguns silvavam e arqueavam a coluna,com os rabos erguidos como arbustosespinhosos, expondo os dentes afiados.

    Chloe movia-se lentamente,determinada a no assustar os animais. Elafoi em direo porta.

    Senhora Tibbalt? chamou. A

    senhora est a?Continuou sem resposta.

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    Ela virou e olhou para uma cozinhapequena e desbotada. Boa parte do choera dominada por fileiras de vasilhas de

    comida e gua. Havia um cheiro forte decomida de gato, mas Chloe percebeu logoque, apesar de o lugar ser ensebado evelho, e precisar desesperadamente de umanova pintura, no era nada como o queHeather havia descrito.

    Alguns dos gatos que estavam na

    cozinha correram pela porta. Outros, maiscorajosos, abominavam-na de seus locaisprivilegiados sobre a geladeira e emprateleiras altas.

    A porta da cozinha para o corredorestava entreaberta. Ela alcanou a

    maaneta, e engasgou-se assustada quandoa porta abriu sozinha. Uma sombra escurapreencheu a entrada. Chloe cambaleou paratrs e seu p se prendeu em uma dasvasilhas de gato, fazendo com que elaescorregasse e casse causando umestardalhao com as vasilhas de comida ede gua espalhadas pelo cho.

    Meu Deus do cu! disse uma vozgentil, porm assustada. Que susto vocme deu!

    Era a senhora Tibbalt. Ela carregavauma caixa de papelo nos braos.

    Desculpe engasgou-se Chloe. Mil desculpas ela se levantou

  • 8/14/2019 Nick Shadow - Biblioteca Da Meia-Noite 4 - A Dona Dos Gatos

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    atrapalhada. Eu bati na porta, e chamei,mas a senhora no ouviu, e precisava falarcom voc, ento entrei pelos fundos ela

    olhou a baguna aos seus ps. Eu sintomuito, desculpe pela baguna. Eu estava na adega disse a

    senhora. Buscando comida para os meusbebs ela entrou mancando pela cozinhae ps a caixa na mesa. Era uma caixa decomida enlatada de gato.

    As histrias assustadoras que ouvia noptio da escola vieram mente de Chloe a enorme mquina de moer. Agora que elaestava frente a frente com a senhora Tibbaltessas histrias pareciam absolutamenteridculas.

    E eu tive medo dela durante todo essetempo por causa dessas bobagens, pensou.Eu sou to idiota!

    Observando a caixa de comida de gato,ela deu uma risada involuntria, e sufocou-acolocando a mo sobre a boca. No havianada a temer ali.

    A mulher olhou para Chloe. Ela usavasaia e blusa. Sem o casaco com capuz,parecia praticamente normal. Mancou devolta para a porta e pegou uma bengala queestava no canto.

    A senhora Tibbalt se apoiou em sua

    bengala, franzindo a testa, enquantoobservava Chloe.

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    Eu conheo o seu rosto disse. Sou Chloe Forrester respondeu a

    menina. Ela apontou para a porta dos fundos

    e depois para o jardim. Eu moro nacidade.A senhora Tibbalt fez um sinal positivo

    com a cabea. Voc uma das meninas que ficam

    olhando pela minha grade, no ? seusolhos se encolheram, em sinal de

    desconfiana. Voc gosta de assustar osmeus bebs. Isso no gentil, sabia?

    Chloe engoliu em seco e fez que simcom a cabea.

    Sim, eu sei. E peo desculpas. Mas,por favor, me escute, senhora Tibbalt.

    Existem outras meninas, e elas esto vindopara c. Elas vo jogar pedras nos seusgatos. um jogo horrvel que inventaram. Asenhora tem que trazer os gatos paradentro, seno eles vo se machucar.

    A velha senhora lanou um olhar aChloe.

    Por que algum inventaria um jogoto cruel como esse? disse. Chloe tinha aestranha impresso de que a senhoraTibbalt sabia exatamente o que ela fizera nodia anterior.

    Chloe sentiu um remorso muito grande

    dentro de si.

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    Eu estive aqui ontem disselentamente. As meninas me desafiaram a jogar uma pedra na sua janela sua voz

    tremeu de vergonha. A mulher a observousem falar nada. Eu errei a janela, masacertei um gatinho engoliu em seco eolhou nos olhos da senhora. Eu matei ogatinho.

    O nome dela era Sophie disse asenhora Tibbalt. Ela tinha seis meses de

    idade. Eu a ganhei de uma famlia que no aqueria. assim que ganho a maioria dosmeus bebs. Eu dou casa e cuidados a todoseles.

    Lgrimas se formavam por trs dosolhos de Chloe.

    Eu sei que estou pedindo desculpasdesde que cheguei disse com a vozengasgada. Mas verdade, estou maisarrependida do que consigo expressar.

    Eu acredito em voc disse asenhora Tibbalt. Agora melhor noscertificarmos de que suas amigas no faamnenhum mal.

    Elas no so minhas amigas disseChloe com firmeza. A senhora Tibbalt sorriu.Ela caminhou at a porta dos fundos eassobiou. Segundos depois, os gatoscomearam a passar correndo, ignorando

    Chloe enquanto ocupavam rapidamente ocho da cozinha. Mais gatos vieram

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    correndo de outros cantos da casa, e logotoda a superfcie estava preenchida porgatos, se esfregando nas pernas da senhora

    Tibbalt e de Chloe, ronronando e miando.A senhora Tibbalt fechou a porta dosfundos.

    Pronto disse. Todos sos esalvos ela olhou para Chloe com umsorriso. Eles acham que est na hora dojantar, voc pode me ajudar a aliment-los,

    se quiser. Assim podem comear a perdo-lapelo que fez. O abridor de lata est nagaveta ao lado do fogo.

    Chloe retribuiu o sorriso, ela estavagostando muito daquela mulher.

    E a senhora vai me perdoar

    tambm? perguntou. Claro que vou respondeu asenhora Tibbalt. Vamos, temos muitasbocas para alimentar.

    Claro disse Chloe. Ela caminhoupelo mar de corpos peludos.

    Durante os caticos minutos seguintes,ela ajudou a senhora Tibbalt a servir acomida dos gatos. Logo, cada uma dasvasilhas era ocupada por uma ou duascabeas peludas, e toda a cozinha estavadominada por ronronados satisfeitos.

    Agora hora de ns ganharmos

    alguma coisa disse a senhora Tibbalt. Eu geralmente fao chocolate quente a essa

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    hora sorriu para Chloe. Voc gosta dechocolate quente?

    Chloe confirmou com um aceno de

    cabea. uma delcia disse a senhoraTibbalt.

    Chloe observou enquanto os gatoscomiam e a senhora Tibbalt fazia ochocolate quente em uma panelinha nofogo. Ela serviu duas canecas.

    Nada como um chocolate quente emuma tarde fria disse a senhora Tibbalt. Venha, vamos nos sentar.

    Ela levou Chloe por um longo corredorat a sala. A decorao era bastanteantiquada, com papel de parede escuro, um

    sof e poltronas cobertos por estampasflorais desgastadas. As paredes eramcobertas por fotos de gatos. Gatos deporcelana encontravam-se no consolo dalareira e fotos e desenhos de gatos estavamdispostos em diversos porta-retratosantigos.

    A senhora Tibbalt sentou-se em umapoltrona e Chloe acomodou-se no canto doenorme sof. Ela sentia-se confortvel emuito vontade com a amigvel senhora. Tomando um gole de chocolate quente,olhou para a senhora Tibbalt.

    Est delicioso disse a menina. Asenhora Tibbalt sorriu.

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    um receita secreta afirmou.Chloe se ajeitou no sof macio.

    Quantos gatos a senhora tem?

    perguntou. Eu sempre imaginei, mas no fcil, contar os gatos. Eu tenho 67 respondeu a senhora

    Tibbalt, observando-a com olhos brilhantes ereceptivos sobre sua xcara de chocolatequente. Ela franziu o rosto. No, 66,agora. Eu estava esquecendo da Sophie.

    Eu faria tudo para que isso notivesse acontecido disse Chloe.

    O que passou, passou afirmou asenhora.

    Eu fui muito burra. Foi um acidente disse a senhora

    Tibbalt em tom gentil. Voc mesma disseque no teve inteno de machucar Sophie.Chloe balanou a cabea. No foi isso que eu quis dizer

    disse a menina. Eu quis dizer que fuimuito burra por ter tido medo da senhoradurante todo esse tempo ela sorriu. Asenhora no nem um pouco assustadora.

    Ora, obrigada, Chloe! disse asenhora Tibbalt.

    Eu sempre quis um gato disseChloe. Mas meu pai alrgico olhoupara a senhora. Ser que posso vir visit-

    la de vez em quando? Eu adoraria ajudarcom os gatos.

  • 8/14/2019 Nick Shadow - Biblioteca Da Meia-Noite 4 - A Dona Dos Gatos

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    Eu acho uma tima ideia respondeu a senhora Tibbalt.

    Eu posso vir s vezes depois da aula

    disse Chloe. Ela bocejou. Desculpe! Deu um sorriso leve, sentindo-se aquecida econfortvel, e um pouco sonolenta.

    Eu adoraria afirmou a senhoraTibbalt. Eu no recebo muitas visitas.

    Eu poderia visitar bastante disseChloe. Suas plpebras estavam comeando

    a ficar muito pesadas. Ela piscou com fora,tentando lutar contra a sonolncia. Euestou to sonolenta. No estranho?

    A senhora Tibbalt e toda a salaestavam saindo de foco. Chloe noconseguia entender por que estava to

    sonolenta de repente. Talvez fosse por tertido uma noite to agitada ou porque osof era to confortvel, e o chocolate, tomorno e doce.

    Eu sei que a senhora j me perdoou disse Chloe, com a voz quase falhando, osmembros pesados e a cabea comeando afraquejar. Mas voc sabe o que eugostaria mesmo de fazer?

    No, querida, diga o que gostaria defazer.

    Eu queria corrigir o meu erro suspirou Chloe. Eu gostaria de...

    compensar... o que... o que... eu fiz...

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    As palavras da senhora Tibbalt vieramatravs de uma densa fumaa cinza.

    Eu tenho certeza de que voc vai

    conseguir arrumar um modo de pagar a suadvida.O queixo de Chloe caiu no peito. Seus

    olhos se fecharam. Ela percebeu vagamentea xcara ser tomada de suas mos. Elatentou combater o cansao.

    Eu preciso... ir... para... casa... logo...

    murmurou. Oh, ainda no, minha pobre

    menininha dorminhoca. Voc parece toboazinha, que acho que vou ficar com vocpara mim.

    Com grande esforo, Chloe levantou a

    cabea e forou seus olhos a se abrirem. Asenhora Tibbalt estava inclinada sobre ela e,atravs das rugas em seu rosto, os olhosamarelos e brilhantes de um gato aobservavam.

    Chloe acordou. Um vento frio sopravasobre seu rosto. Ela estava encolhida nosof. A senhora Tibbalt no se encontravamais l.

    Ela piscou os olhos, imaginando o que

    teria acontecido e quanto tempo se passara.Ento lembrou-se de ter se sentido muito,

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    muito cansada. Ela deveria ter cado nosono. Sorriu, ainda sentindo-se cansada erelaxada. Bocejou e tentou levantar-se.

    Seu corpo no parecia obedec-la.Tentou levantar-se umas duas ou trs vezes,mas ela caiu de quatro em todas elas.Balanando a cabea para tentar clarear amente, arrastou-se pelo sof e de algumjeito conseguiu chegar ao carpete.

    O ar frio vinha da porta aberta. Ela se

    arrastou at a entrada. A porta da frenteestava aberta. Chloe conseguia ver queestava escurecendo l fora. Sua medeveria estar preocupada. Ela precisava irpara casa.

    Novamente, Chloe tentou se levantar

    mais uma vez, ela caiu de quatro.Ela foi em direo porta aberta,batendo nas paredes, enquanto se arrastavalentamente pelo cho. Chloe saiu no friodegrau de pedras.

    Olhou para o jardim cheio de ervasdaninhas e espinhos por todos os lados. Tentou imaginar aonde a senhora Tibbaltteria ido e por que a simptica velhinha adeixara dormindo no sof.

    Mas sua principal preocupao eravoltar para casa.

    Ela se arrastou para descer o degrau. O

    movimento no canto do olho chamou suaateno. Tudo estava estranhamente

  • 8/14/2019 Nick Shadow - Biblioteca Da Meia-Noite 4 - A Dona Dos Gatos

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    embaado, mas muito brilhante e tingidocom uma luz esverdeada, de maneira que asformas se mexendo destacavam-se com

    clareza daquele fundo confuso.A Mulher dos Gatos estava empurrandouma bicicleta em direo ao galpo que caaaos pedaos sob as rvores.

    a minha bicicleta, pensou Chloe. Elaobservou enquanto a senhora Tibbalt abria aporta do balco e empurrava a bicicleta para

    dentro. Durante o breve instante em que aporta esteve aberta, Chloe viu muitas outrasbicicletas e uma pilha de bolas ebrinquedos, uns por cima dos outros. Algunspareciam estar ali h anos. Em seguida aporta se fechou.

    Uma lembrana sinistra veio suamente. Algo assustador! A imagem do rostoda velha senhora olhando para ela encarando-a com olhos de gato!

    Chloe partiu em direo ao ptio dafrente, a cabea ainda girava, com osmembros mal a obedecendo enquanto corriapara o porto semiaberto.

    De algum jeito ela passou sem servista.

    Casa. Tenho que ir para casa, Chloepensou consigo mesma. Minha casa segura.

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    Logo estava no beco, e em seguida noporto dos fundos de sua casa. Mas ela noconseguia alcanar a maaneta.

    Vai ver que eu machuquei meu brao,pensou, enquanto tentava novamente.Concentrando-se, ela pulou para alcanar amaaneta, e, para sua surpresa, chegou aotopo do porto com grande facilidade. A janela da cozinha brilhava ela podia versua me no fogo.

    Ela pulou de cima do porto e correupelo ptio de entrada.

    Mame! chamou. Mame, soueu! Eu no consigo entrar. Me ajuda! masa voz estava estranha e sua me noparecia conseguir enxerg-la.

    A porta abriu de repente. Mame! Chloe exclamou, aliviada.Sua me olhou para baixo e a encarou,

    surpresa. O que est fazendo aqui?

    perguntou. O que voc quer? Eu quero entrar chorou Chloe,

    frustrada, novamente. Ela no conseguiaentender as prprias palavras.

    Eu no tenho nada para voc disse a me. No pode vir aqui pedircomida. Se meu marido o visse, ele iriachut-lo at a cerca.

    Com quem voc est falando,senhora Forrester? Chloe ouviu uma voz

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    familiar e olhou para a porta da cozinha.Tina estava l.

    um gato disse a me de Chloe.

    Eu o ouvi arranhar a porta e miar.Chloe no entendia o que estavaacontecendo. Ser que Tina e sua mefaziam uma brincadeira boba com ela?

    Braos se esticaram para peg-la, e elasentiu que estava sendo suspensa no ar. Ocheiro de sua me era muito forte. Tina se

    aproximou e acariciou sua cabea. No bonito? disse. O pelo

    praticamente da mesma cor do cabelo deChloe.

    Ela tentou falar, mas de sua boca ssaam sons incoerentes.

    Nossa Senhora, que criatura maisbarulhenta! disse a me de Chloe. Eutenho certeza que no de ningum danossa rua. Acho que deve ser um dos gatosda senhora Tibbalt ela sorriu e acariciouentre as orelhas de Chloe. melhor noslivrarmos dele logo, antes que Chloe chegueem casa. Se ela vir, vai querer ficar com ogato franziu o rosto. Onde ela est? Jdeveria estar em casa.

    Me, eu estou aqui! miou Chloe. Estou bem aqui!

    Ela me disse que tinha uma coisa

    importante para fazer depois da aula

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    disse Tina. Tenho certeza de que j deveestar chegando.

    A senhora Forrester sorriu.

    Estou feliz em ver que vocs duasfizeram as pazes ela disse. Tina, serque poderia me fazer o imenso favor delev-lo casa da senhora Tibbalt e descobrirse dela?

    Chloe se debateu e uivou enquantoTina retirava-a dos braos de sua me.

    Voc tem razo disse Tina,segurando Chloe com firmeza. Elerealmente barulhento! E se sacode todo.Vou lev-lo de volta agora mesmo.

    Chloe desistiu de se debater. J estavatonta de exausto pelo choque do que

    estava lhe acontecendo. Ela se pendurousem ao no colo de Tina enquanto eracarregada pelo jardim, e de volta ao beco.

    Quem o gatinho lindo, hein? brincou Tina, acariciando sua cabea. Chloe adoraria ficar com voc, sabia? Issomesmo. Ah, isso mesmo.

    Eu sou... a Chloe... disse Chloe,em tom de tristeza.

    Mas como voc fala! disse Tina. Est com fome? Perdeu-se da sua me? Nose preocupe, estou te levando para casaagora mesmo.

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    Chloe desistiu de tentar falar. Elaprecisava de uns instantes de descanso parapensar em um jeito de explicar tudo a Tina.

    Carregando Chloe cuidadosamente emum dos braos, Tina esticou o outro e bateuna porta com a aldrava em forma de umgato pulando; a porta se abriu quaseimediatamente.

    Ol disse a senhora Tibbalt. Ns encontramos esse gato, um

    dos seus? perguntou Tina.A senhora Tibbalt sorriu. Sim, minha! ela respondeu.

    a minha pequena Sophie. J estavapreocupada com ela ela esticou os braose pegou Chloe do colo de Tina.

    S mais alguns segundos, Chloepensou, depois j vou estar melhor epoderei explicar a elas quem eu sou.

    Obrigada por traz-la de volta afirmou a senhora Tibbalt. Foi muitogentil de sua parte.

    Sem problemas disse Tina. Elavirou de costas e caminhou pelo ptio.

    Sophie sua fujona levada! repreendeu a Mulher dos Gatos, enquantofechava a porta. J d para perceber queterei que mant-la trancada em seguranadurante um tempo... voc no pode fugir o

    tempo todo, pode?

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    Ela carregou Chloe para uma portadebaixo das escadas. Abriu-a e jogou Chloenuma sala escura. A porta se fechou e tudo

    ficou preto.Chloe se sentiu assustada e perdida.Ela podia ouvir a senhora Tibbalt seafastando da porta e escutava o barulhode todos os outros gatos na casa: garrasestalando no piso de madeira; ronronadosde contentamento; gatos falando mal da

    senhora Tibbalt, enquanto ela se moviaentre eles.

    Seus olhos logo se acostumaram escurido. Uma sequencia de degraus demadeira levava at a adega. Chloe desceu aescada correndo, esperando

    desesperadamente encontrar uma sada. Ocho de concreto era frio sob os seus ps.Ela olhou cuidadosamente em volta,cheirando, com as orelhas apontadas para afrente, com seus bigodes tremendo.

    Alguma coisa fora feita com ela devia aceitar isso agora. Algo monstruoso.Algo inacreditvel.

    Ela correu distraidamente pela adega,buscando um jeito de se livrar de voltarpara casa. Tinha certeza de que, seconseguisse escapar, poderia encontrar ummodo de contar a sua me o que havia

    acontecido. Ento tudo ficaria bem outravez. Sua me saberia o que fazer.

  • 8/14/2019 Nick Shadow - Biblioteca Da Meia-Noite 4 - A Dona Dos Gatos

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    Ela viu uma janela alta e estreita.Estava coberta por uma camada de papelo,mas havia um pequeno feixe de luz no canto

    superior onde o papelo comeara a sesoltar.Chloe pulou para a janela. Ela

    conseguiu se equilibrar no parapeito fino,enquanto arranhava o papelo.

    Preciso ir para casa. Preciso da minhame, pensou freneticamente.

    Podia ouviu os gatos miando earranhando a porta da adega como setodos, de alguma forma, soubessem que elaestava tentando escapar.

    Suas unhas rasgaram o papelo. Ele sesoltou e caiu.

    O desespero tomou conta de Chloe podia enxergar as plantas, mas elasestavam na frente de uma cerca de arame.Empurrou o arame com fora. Ele cedeu umpouco e um buraco se abriu em um doslados mas no era largo o suficiente paraque ela passasse.

    Ela ouviu os passos da senhora Tibbaltse aproximando da porta da adega. A portase abriu. Os gatos estavam vindo peg-la ela s tinha mais alguns segundos paraescapar.

    Ela lutou bravamente contra o arame

    ignorando a dor quando era arranhada, e

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    sua pele, perfurada. Fez um esforo finalpara se livrar.

    Ofegando e fraca depois de tanta luta,

    ela se viu nos fundos da casa. Respirandoaliviada, correu pelo jardim em direo cerca de trs.

    Heather estava decepcionada e

    irritada. Ela olhou sobre a cerca, com osbolsos cheios de pedra. No havia um nicogato pulguento no jardim da Mulher dosGatos. Parecia que seu novo jogo teria deser adiado para outro dia.

    De repente, ela viu uma nica gata

    pequena correndo pelo jardim, para longeda casa vinha bem em direo cerca. Eu vou acertar em cheio! disse,

    lanando a mo para trs. A pedra em suamo era do tamanho de um punho fechado.Lanou o brao para a frente e a pedravoou.

    Isso! disse Heather, triunfante. Dez pontos!

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    QUEM OUSA GANHA

    I!Mark Trent rodava ojoysticke apertava

    os botes do controle do videogame. Afigura de samurai na tela pulava e rodavanum emaranhado de cores. Ouvia-sebarulho de algo sendo cortado, um grito e

    um rugido eletrnico. O samurai descansou.Seu ltimo oponente, o Mestre Ronin, obravo, estava deitado, decapitado em umapiscina vermelha de sangue que seespalhava. A tela explodiu em uma massade fogos e o fliperama comeou a tocar umamsica de triunfo.

    Mark sorriu ao lado de seu melhoramigo, Anil Jaffrey, e ficara mais satisfeitoquando seu recorde subiu para 27 igualando mais uma vez o de Anil.

    Que legal! disse um dos meninosda multido que se formara em torno dos

    dois amigos. Ele olhou para Anil. Vai, fazmais um pouco disse.Mark se afastou do jogo e Anil tomou o

    seu lugar. Ele olhou para todos aquelesrostos reunidos.

    Qual o maior recorde de todos? perguntou.

  • 8/14/2019 Nick Shadow - Biblioteca Da Meia-Noite 4 - A Dona Dos Gatos

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    Um amigo nosso disse que o Conorfez 30 respondeu um dos meninos.

    Anil ergueu uma sobrancelha.

    Moleza disse, convencido.Mark sorriu enquanto se encostava aum dos lados da mquina do jogo.

    Ele olhou para uma mquina prxima,na qual uma garota que jamais havia vistoestava entretida num jogo do qual ele e Anilno gostavam muito. Ela estava jogando h

    algum tempo, e parecia estar indo muitobem pelo que Mark podia perceber, aindaestava na sua primeira vida.

    Ela se virou para observar enquantoAnil apertava o starte comeava a jogar. Atela iniciou produzindo cores e sons,

    enquanto o samurai de Anil atacava ossoldados de Ronin. Anil sempre entravarpido como se estivesse tentandosurpreender o jogo. Soco chute golpefatal! Rpido e feroz.

    Mark preferia uma aproximao maislenta e calculada. Ele usava estratgia.Gostava de ser mais inteligente do que seusadversrios.

    Mark morava a duas ruas de Anil desdeque nascera. Eles eram grandes amigos erivais desde sempre. Se Mark fosse bom emalguma coisa, Anil tentava ser melhor. E se

    este fosse bem-sucedido em algo,naturalmente Mark se esforaria para

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    super-lo. Agiam assim com esportes, jogosou tarefas escolares. Para Mark, acompetitividade no atrapalhava a amizade

    dos dois s trazia um aspectointeressante.Mark olhou para o amigo enquanto este

    jogava, seu corpo forte e de baixa estaturainclinado sobre os controles do jogo, e ocabelo de cuia caa sobre os olhos. Anilparecia um Buli Temer destemido,

    determinado e sempre buscando vencer.Mark no era to agressivo; tendia a pensarantes de agir. Ele era mais alto do que Anil,magro e esguio, tinha cabelos castanhosclaros e olhos cor de mel.

    Mais pessoas comeavam a entrar no

    fliperama e, do lado de fora, o dia prometiaser claro e bonito. Fazia duas semanas queas frias de vero haviam comeado. Otempo permanecia timo, e o prximo anoescolar estava to longe que nem valia apena se preocupar com isso.

    O fliperama ficava de frente para apraia. Do outro lado da rua, alm das cercas,viam-se muitas pedrinhas na areia,misturando-se espuma das ondas quesubiam com a mar.

    Mark observava atentamente enquantoo samurai de Anil abria caminho chacinando

    todos no palcio de Ronin.

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    Ele sofrera trs ferimentos morreriacom seis e ainda havia muitos adversriosse posicionando no corredor que levava ao

    santurio de Ronin. Cuidado com o cara que jogaestrelas ninjas alertou Mark.

    Eu estou vendo disse Anil, girandoe balanando o joystick. Seu samurai puloue rodou, com a longa espada curvilneacortando e matando.

    Um instante mais tarde fez-se umbarulho, quando o guerreiro de Anil foiatingido por uma estrela no peito.

    Voc se machucou outra vez disseMark, sorrindo.

    Eu no vou ser o nico se voc no

    ficar quieto! rosnou Anil, com um olhar deabsoluta concentrao no rosto enquantolutava com ojoystick.

    S estou tentando ajudar ironizouMark, com uma risada. No leve to asrio.

    No levar a srio? protestou Anil. voc que sempre quer ser o melhor emtudo.

    No mesmo afirmou Mark. Eus sou naturalmente bom em tudo; vocque sempre transforma tudo em umacompetio.

    H! exclamou Anil. Ento porque ficou to irritado quando marquei o

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    mesmo nmero de gols que voc na ltimatemporada?

    Porque o seu stimo gol foi roubado,

    por isso retrucou Mark, rindo. Cuidadocom aquele cara com o gancho e ascorrentes.

    J sei.Mark observou silenciosamente

    enquanto o samurai de Anil cortava acabea dos ltimos guardas e se

    aproximava do santurio do castelo.Quinze segundos mais tarde houve um

    grito de aprovao dos meninos queestavam em volta quando Anil decapitou oMestre Ronin.

    Vinte e oito a vinte sete disse um

    dos meninos, olhando para Mark. Sua vez.A presso estava em cima de Marknovamente. Ele sabia que Anil observavacada jogada esperando que o adversrioerrasse ou perdesse a concentrao.

    Mas Mark no deixaria isso acontecer.Seu samurai rodou, girou e decapitousoldados at que no houvesse maisnenhum.

    Ele sorriu para Anil. Acho que estamos empatados

    novamente, certo? perguntou, saindo docaminho.

    No por muito tempo respondeuAnil.

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    Mark olhou novamente para a meninana mquina prxima da deles. Sups quedeveria ser da idade dele e de Anil 13

    anos. Ela era alta, magra e estava vestidade preto camiseta, jeans, sapatos, tudo.Ela tinha cabelos legais, pretos, na alturados ombros, com uma franja comprida quecaa sobre os olhos.

    Estava jogando Spidershadow Haviauma arma a laser no painel de comandos,

    mas no era um simples jogo de tiros. Haviaum joystickcom oito direes e seis botesde comando, alm da arma. O objetivo do jogo era seguir uma gangue de soldadostraidores das foras especiais por diversoscenrios e elimin-los a tiros.

    O problema era que os soldadostrabalhavam em dois grupos de trs e, ano ser que fosse muito gil com ojoystick,com os botes e com a arma, algum delesiria atirar em voc antes que tivesse tempode acertar todos. Mark e Anil desistiramdaquele jogo depois de uma manhfrustrante em que foram mortos diversasvezes. Era impossvel vencer; elesresolveram que no valia a pena jog-lo.

    Mas o desempenho da menina pareciaser muito bom. Mark observou, enquanto elamanejava o joystick, com seus dedos

    passando rapidamente sobre os botes.

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    Mark ficou intrigado. Alguma coisa ofascinava na maneira como ela estava l parecendo descolada e relaxada

    enquanto seus longos dedos controlavam osbotes. Ento, com uma velocidade sbitaque o impressionou, ela pegou a arma. Trstiros soaram. A tela brilhou e explodiu,enquanto os trs corpos caam mortos.

    Ela agarrou o joystick e saiunovamente, em busca do segundo trio de

    soldados. Mark estava impressionado eintrigado. Como ela tinha conseguido fazeraquilo?

    Havia alguma coisa escrito em brancona frente da camiseta da menina, mas Marks conseguia ver as palavras Estou

    acordada e O que mais.Os dedos velozes passearam pelosbotes novamente, e o joystick balanou erodou. Pela segunda vez, ela pegou a arma.Houve trs rpidos tiros, enquanto girava aarma. Crack-crack-crack. Mais trs soldadosmortos. O jogo estava encerrado.

    Mark no conseguia acreditar. Amenina havia acabado de chegar e zerouem menos de meia hora um jogo no qualmuitas outras crianas gastaram toda amesada e no conseguiram ganhar nemuma nica vez. Ela era muito legal!

    Ela se afastou do jogo e virou de frentepara eles. Tinha um rosto muito bonito e

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    os olhos mais incrveis que Mark j vira. Elespareciam prateados. Jamais havia vistoalgum com olhos prateados. Mark no

    conseguia parar de olhar para ela.Ela deu um passo em direo ao grupode meninos, cruzou os braos e observousem nenhuma expresso, enquanto Anil jogava. Agora Mark conseguia enxergar oque estava escrito na camiseta.

    Estou acordada e vestida. O que mais

    voc quer?Ele sorriu. Era muito legal ele

    gostou. Imaginou onde teria comprado.De repente, ela virou a cabea e

    aqueles olhos prateados maravilhososolharam diretamente para Mark. Um sorriso

    se formou em um dos lados de seu rosto.Era um sorriso estranho entretido eum pouco zombeteiro, muito descolado econtrolado.

    Mark desviou o olhar depressa,percebendo que estivera encarando amenina. No era o tipo de coisa que fazia.Gostava de meninas, e se dava bem comelas na escola mas jamais haviaconhecido alguma garota que fizesse comque no conseguisse parar de encarar. Eraestranho.

    Voc vai jogar ou no?

    Um dedo o cutucou no brao. Ele olhoupara Anil, com a boca semiaberta. Ele se

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    sentia como se tivesse acabado de serarrastado para fora de uma guaintensamente negra.

    O qu? Voc quer tentar empatar comigo ouvai desistir? perguntou Anil, sorrindo.

    Mark olhou em volta. Enquanto eleesteve distrado com a menina, Anil haviasubido seu recorde para 29.

    Voc pode admitir a derrota agora

    mesmo, se preferir disse Anil. No fimdas contas vou ganhar mesmo.

    Vai sonhando disse Mark,voltando-se para a mquina.

    Mas sua concentrao estavainteiramente quebrada. Mesmo enquanto

    acionava o boto start, olhou para trs, parao local onde a menina estava.Ela tinha ido embora.Mark franziu o rosto, olhando em torno

    de todo o fliperama, esperando v-lanovamente. Mas havia muitas pessoas aliagora muita coisa acontecendo.

    A mquina produziu um som musical.Mark olhou para a tela. Seu samuraiguerreiro estava no cho do jardim com acabea cortada.

    Pattico! disse Anil, empurrando-ocom os cotovelos e assumindo os controles

    do jogo. Voc tem que se concentrar. Noque estava pensando?

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    Mark saiu de lado. Estava levementeimpressionado, e sentia-se um tanto idiota.

    Ele olhou para a pequena multido,

    tentando encontr-la. Mas ela havia idoembora, e mal percebeu quando Anilganhou o jogo seguinte.

    Mark e Anil saram do fliperama lotadoe foram para a rua. Anil acabou ganhandode 31 a 29. As ruas estavam lotadas deturistas. Era hora de sair de l.

    Bem, voc certamente se aniquiloul dentro disse Anil. O que houve?

    Mark deu de ombros.

    Cansei do jogo respondeu. Ah t! divertiu-se Anil, respirandoo ar marinho. Ento, quais so os planos?

    Eu no sei disse Mark. Quaisso os planos? ele estava olhando para arua em frente praia.

    Anil olhou para ele. O que houve com voc? Nada Mark franziu o rosto.

    Tinha uma menina disse. Ela estavajogando Spidershadow.

    Anil soltou uma gargalhada. Boa sorte pra ela. Esse jogo

    impossvel.

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    Ela ganhou disse Mark. Anil olhoupara ele.

    Impossvel.

    Mark concordou com um aceno decabea. Ela ganhou. Eu tambm no

    consegui acreditar. Foi pura sorte disse Anil,

    ignorando o feito. Acho que no afirmou Mark.

    Voc tem que derrubar dois times desoldados das foras especiais para ganhar.Um pode ser sorte, mas ela acabou com osdois. Eu estava vendo. Ela foi incrvel.

    Anil franziu os olhos. Incrvel como? perguntou.

    Naquela hora quando j perdera asesperanas de encontr-la novamente Mark viu a menina sobre os ombros de Anil.Ela estava sentada na mureta que passavaao lado do fliperama. A mureta ficava emfrente a um bar com uma larga varandacheia de bancos de madeira que estavamlotados de pessoas barulhentas.

    L est ela disse Mark, apontandopara a menina com a cabea. No olhaagora sibilou, porm tarde demais. Anil jhavia virado de costas.

    A garota estava olhando para o mar,

    com fones no ouvido. Anil foi em direo a

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    ela, e Mark caminhou constrangido ao seulado.

    O que voc est ouvindo? indagou

    Anil. Ela olhou para ele. O qu? perguntou.Anil apontou para os fones de ouvido. Qual a msica?A menina tirou os fones e os colocou

    apoiados no pescoo. Nada que voc conhea ela disse.

    Seagulls Screaming Kiss Her Kiss Her. Elesso japoneses. So brilhantes.

    Meu amigo aqui disse que voczerou o Spidershadow disse Anil.

    Mark deu um sorriso leve sentindo-se extremamente envergonhado agora que

    Anil havia deixado claro que ele estiveraobservando a garota.A menina se inclinou para a frente, com

    as pernas balanando. Isso mesmo ela disse. Voc j tinha jogado antes, certo?

    perguntou Anil. Ela balanou a cabea, seuscabelos negros e sedosos se moviam comose fossem gua em ambos os lados de suaface.

    No foi difcil. s uma mquina,sempre d para descobrir o que asmquinas vo fazer.

    Anil sorriu.

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    Estou impressionado. Meu nome Anil e apontou por cima do ombro. Este Mark.

    Meu nome Chrissie respondeu amenina. Voc est aqui de frias?

    perguntou Anil. Na verdade, no ela disse

    vagamente.Mark se sentiu enrubescer. Chrissie era

    completamente descolada, e Anil estavaparecendo um bobo de 8 anos de idade.

    Gostei da sua blusa disse, loucopara se inserir na conversa. Onde voccomprou?

    Ela olhou para baixo.

    Em uma loja disse. No fica poraqui. Vendem muitas coisas legais l. Ento, voc gosta de videogames?

    perguntou Anil. Mark franziu o rosto. Elequeria que Anil ficasse quieto de uma vezpor todas.

    No muito respondeu Chrissie. Eles so um pouco chatos. Como aquele lno fliperama, o tal do Spidershadow. Querdizer, divertido por um tempo, mas depoisque voc joga como se fosse e a, qual anovidade?.

    Quanto mais voc joga, melhor fica

    disse Anil. Ele apontou com a cabea parao fliperama. Eu acabei de quebrar o maior

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    recorde do Ronin, o bravo. Marquei 31, orecorde antigo era 30.

    Mark sorriu Chrissie no parecia o

    tipo de menina que se impressionaria comessas coisas. Bom pra voc disse Chrissie, com

    um tom levemente gozador.Anil franziu o rosto para ela, sem saber

    direito o que pensar a seu respeito. Ento, como voc to boa no

    Spidershadow? perguntou Mark.Ela sorriu. Quer saber o truque? ela

    perguntou. Voc fica apertando os boteslocalizar e esconder at dar o primeirotiro. Assim eles no podem chegar por trs.

    Como voc sabia disso? perguntou Anil. Eu descobri disse Chrissie. Ela se

    levantou de repente. Onde bom comerpor aqui? perguntou. Estou morrendode fome.

    Tm umas lanchonetes e pizzarias lna frente disse Mark, antes que Aniltivesse a chance de dizer alguma coisaestpida. Mas geralmente ns vamos aum lugar ali nos fundos, l no fica muitocheio.

    Parece bom afirmou Chrissie.

    Onde ?

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    Ns podemos mostrar a voc disse Mark. No muito longe.

    Sentiu-se nervoso quando ela falou,

    mas havia alguma coisa nela que elegostava e queria conhec-la melhor.

    O restaurante retro americano tinhauma mesa alta e estreita que percorria toda

    a extenso da janela. O lugar estava maischeio do que Mark esperava, e elesdemoraram um pouco para encontrar trsbancos juntos e continuar conversando.

    Eles se sentaram enfileirados: Anil,Chrissie no meio e Mark no canto, sobre

    bancos altos, enquanto comiam. Ento Anil perguntou. Vocest aqui de frias ou no?

    Chrissie balanou a cabea,mastigando e engolindo.

    Estou aqui com o meu pai. Ele esttrabalhando em uma grande construo emLinks Road.

    Eu sei onde disse Mark,acenando com a cabea. Fica no centroda cidade.

    O que o seu pai faz? perguntouMark.

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    Chrissie pegou uma batata e molhouem uma piscina de ketchup que haviaderrubado em seu prato.

    Ele construtor ela disse. Ento voc est morando na cidade? perguntou Mark. Esperava que elarespondesse afirmativamente.

    Ns estamos em uma casa perto daconstruo respondeu Chrissie. umpouco ruim, e l esto as pessoas mais

    malucas ela sorriu. Tem um cara quemora em um poro. Eu falei com elealgumas vezes. Ele adora rpteis. Temcobras, lagartos e coisas assim. Ele mostroupra mim outro dia: deixa-os em aquriosenormes, e os alimenta com animais vivos:

    ratos, insetos e minhocas.Mark deu de ombros. Eu no gosto de cobras disse.

    Chrissie deu uma mordida na batata. Ah, cobras no me incomodam no

    afirmou. Elas so bonitinhas. Ento, se voc no tiver planos pode

    ficar com a gente, se quiser disse Anil.Mark se irritou um pouco ele estavaprestes a falar a mesma coisa.

    Chrissie olhou para ele. Ela franziu onariz.

    Jogando videogames? perguntou,

    em tom de dvida.

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    Do jeito que voc joga? afirmouMark, com um sorriso. Acho que no. Nscom certeza iramos perder!

    Ela sorriu para ele. No de modozombeteiro dessa vez, mas um largo sorrisoimpressionante que fez com que Mark sesentisse como se o sol tivesse aparecido derepente em um dia nublado.

    J que detesta videogames, o quevoc gosta de fazer? perguntou Anil.

    Ah, aprecio jogos respondeu. S no gosto desses videogames tolos elaafogou outra batata no ketchup. Eles sopara os tolos.

    De que tipo de jogo voc gosta,ento? perguntou Mark, quase

    recuperado do efeito do sorriso. Ah, s de um tipo de jogo Chrissiebalanou a cabea , mas vocs no iamgostar disse.

    Por que no nos diz e descobre? indagou Anil.

    No adianta nada respondeuChrissie. Mesmo que eu dissesse, vocsno se interessariam. Iriam se assustar.

    uma coisa perigosa? perguntouMark. Chrissie inclinou a cabea.

    No falou lentamente. Ela sorriuoutra vez, apontando para a cabea. S

    aqui. Mark no entendeu o que ela quisdizer. Anil balanou a cabea.

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    Ela est blefando dirigindo-se aMark. S est brincando com a gente.

    O nome Quem Ousa Ganha

    disse Chrissie. Seus penetrantes olhosprateados estavam fixados no rosto de Anil. Qual a coisa de que voc mais temmedo na vida? perguntou.

    Anil contraiu os lbios, pensativo. De ser beijado pela minha tia

    respondeu com um sorriso. nojento.

    Mark gargalhou. Ele conhecia a tia deAnil entendia direitinho o que o amigoestava querendo dizer. Mas Chrissie virou osolhos.

    Ora, cresam! disse, com arcansado. Ela olhou para a janela. Vamos

    esquecer isso afirmou. No disse Mark, ansioso para queela continuasse. Fale mais sobre o jogo,quais so as regras? O que voc tem quefazer?

    Voc precisa encarar as coisas que oassustam respondeu Chrissie. Euaprendi com um cara que conheci quandoestava morando na cidade com o meu paino ano passado.

    Que tipo de coisas? perguntouMark.

    Coisas diferentes para pessoas

    diversas disse Chrissie. Por exemplo,detesto quando pssaros voam perto do

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    meu rosto, me incomoda muito, por algummotivo. Parece que eles vo bicar os meusolhos, ou coisa do tipo ela tremeu.

    Ento, tive que ficar trancada em uma salacom um periquito solto sorriu. Noparece to ruim, mas foi muito difcil. Mas eufiz, e ganhei olhou para Anil novamente. Ento, alm de ser beijado pela sua tia,do que voc no gosta?

    Eu no sei disse Anil. No tem

    nada que eu deteste assim. Ah, t bom disse Mark com um

    sorriso. Que tal aranhas?Anil fechou o rosto. Tudo bem, eu no gosto muito de

    aranhas, mas tambm no morro de medo

    delas ele ps o dedo no rosto de Mark. E voc, com os tomates enlatados?Chrissie riu. Tomates enlatados? ela disse.

    Voc s pode estar brincando!Mark deu de ombros. Eu sei que estranho ter problemas

    com isso afirmou , mas detesto,especialmente as latas que vm comtomates inteiros. Eles so muito nojentos,parecem coraes de animais cobertos desangue.

    Isso a coisa mais doida que j ouvi

    afirmou Chrissie. Que tipo de pessoatem medo de tomates?

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    Ele sabe disso disse Anil. Mas como eu com as aranhas. No h nada quese possa fazer.

    H sim, se voc jogar Quem OusaGanha disse Chrissie. O objetivo este: enfrentar as coisas que o assustam evenc-las ela apontou para Mark. Vocteria que comer um tomate diretamentesado da lata voltou o olhar para Anil. Evoc deveria enfrentar uma aranha andando

    ao seu redor.A reao inicial de Mark foi de dizer-lhe

    que esquecesse isso ele realmentedetestava esses tomates. E percebeu pelaexpresso que Anil no gostara da ideia daaranha. Ele olhou para Chrissie, tentando

    decidir o que fazer. Topar o jogo ou dar paratrs? E voc? perguntou a ela. O que

    teria que fazer? J ganhei nesse jogo disse

    Chrissie. Ento, seria a Mestra do jogo. Eucriaria as regras e me certificaria de quevocs jogassem direito. E porque estariamcompetindo um contra o outro, ns teramosque criar um sistema de derrota, para o jogoficar mais interessante. Por exemplo, se umdos dois desistir, ento deveria dar algumacoisa para o outro.

    Mark olhou para Anil. Quer jogar? perguntou ele.

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    Por que no? respondeu Anil, comum sorriso se formando no lado do seurosto. Se perder, voc me d seus tnis

    Nike novos. E se voc perder, fico com a suablusa de futebol disse Mark, com os olhosbrilhando.

    Ento, quando a gente comea? perguntou Anil. E quem o primeiro?

    Podemos comear agora mesmo

    disse Chrissie. Ela ps a mo no bolso epegou uma moeda. Mark, cara ou coroa? perguntou, lanando a moeda para o ar, etapando-a com uma mo assim que ela caiuna outra.

    Mark respirou fundo.

    Cara ele disse. Chrissie levantou amo. Era coroa. Tomates enlatados, aqui vamos ns

    disse Anil, com uma risada. Ele sorriupara Mark. Voc j perdeu seus tnisnovos!

    Eles estavam na cozinha da casa deMark. No havia mais ningum; os pais deletrabalhavam, e no iam voltar to cedo.

    Mark olhou para Chrissie, sentada

    sobre a mesa, balanando as pernas. Eleestava numa cadeira com um prato vazio,

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    uma faca e um garfo frente. Anilpermanecia de p, no lado oposto, com umabridor de latas, levantando a tampa da lata

    de tomates que tinham acabado decomprar.Anil entornou a lata sobre o prato e os

    pedaos macios e vermelhos caram do sucogrosso. Mark olhou para aquela bagunahorrorosa no prato. Os tomates pareciammuito nojentos, naquela piscina de lquido

    vermelho, macios e molengos, e totalmentecrus.

    Anil sorriu para ele. Voc pode desistir agora, se quiser

    disse. Eca! falou. Coraesboiando no prprio sangue. Eu acho que

    alguns deles ainda esto batendo!Mark lanou um olhar irritado ebalanou a cabea.

    Voc no vai me fazer desistir.Anil riu. Tudo bem afirmou. Chega de

    truques.Mark olhou para o prato na sua frente e

    no conseguia evitar a sensao de nojo. V em frente incentivou Anil.

    Eu detestaria ter que ficar com seus... elese inclinou para a frente, encorajando Mark. Vamos, so apenas tomates.

    Mark pegou o garfo e a faca.

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    Eu preciso comer todos? perguntou hesitante.

    Precisa! disse Chrissie. Pode

    comer tudo, Mark.Ele olhou para ela, que parecia estar sedivertindo muito com isso tudo.

    Anil franziu o rosto. No ele retrucou. S precisa

    comer um. Chrissie deu de ombros. Tudo bem ela disse. Mas ter

    que comer com os dedos.Mark achava que cort-los em pedaos

    pequenos com o garfo e a faca pudessefacilitar as coisas. A ideia de pegar umtomate com a mo e morder tornava odesafio muito pior.

    Ele repousou os talheres na mesa eolhou para o prato. Voc consegue afirmou Anil.Mark respirou fundo. Ele clareou a

    mente, pensar a respeito s dificultava atarefa. Pegou um dos tomates do prato, elemal conseguia segurar, j que escorregavapor seus dedos, com o suco grossopingando. Fechou os olhos e abriu a boca.

    Ele ps aquela massa grossa enauseante na boca. Inclinou-se para trs,com os olhos cerrados, fechando os dentesem torno do tomate. Suas mos estavam

    agarrando a ponta da mesa. Mark mastigou,

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    sentindo o tecido macio virar uma coisanojenta na boca.

    Ele engoliu umas trs ou quatro vezes.

    O tomate acabou.Ele abriu os olhos e soltou uma risada. Isso a, Mark! gritou Anil. Mark

    respirou fundo. Isso foi a pior coisa que j comi na

    vida disse. Seu estmago tremeu.Levantou-se cambaleante. Vou vomitar!

    engasgou-se, correndo para a pia. Voc no vai passar mal falou

    Chrissie. Basta tomar um pouco de gua.Vai ficar bem.

    Mark se apoiou na pia.No ele no ia passar mal.

    Recusava-se a vomitar na frente de umapessoa to descolada e fascinante quantoChrissie. No queria que pensasse que eleera um fraco. Mark pegou um copo de guae tomou tudo em um s gole.

    Ele se afastou da pia, olhando paraAnil. Depois sorriu.

    Voc ainda acha que vai ficar com omeu tnis? perguntou. Agora vamosver como se sai com as aranhas. Sei que humas bem gordas e grandes atrs do galpono jardim.

    Anil o encarou com um olhar relaxado.

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    Sem problemas disse. Vocpode colocar uma dzia delas em mim sequiser.

    No disse Chrissie, descendo damesa. S uma, mas voc tem que com-la.

    Mark riu, imaginado que Chrissieestivesse apenas brincando com Anil. Mas aexpresso em seu rosto no sugeriabrincadeira.

    Anil estava olhando para ela eletinha ficado plido.

    Voc no pode obrig-lo a comeruma aranha censurou Mark.

    Eu sou a Mestra do jogo disseChrissie. Decido as regras ela olhou

    para Mark. Voc teve que comer otomate, uma coisa com a qual temproblemas. Anil dever comer uma aranha,algo repelente para ele. Qual o problema? seus olhos estavam brilhantes e afiados. Ou ns podemos esquecer a brincadeira ela deu de ombros, com um olharlevemente desdenhoso dominando suaexpresso. A deciso de vocs.

    Esse jogo estpido disse Anil. Isso exatamente o que dizem os

    fracos falou Chrissie. Ento sua voz setornou macia e extremamente persuasiva.

    Ora, vamos, Anil. No desista. Markvenceu o jogo. Se no enfrentar o medo de

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    aranhas, ele vai ganhar a sua camisa defutebol, e, alm disso, vai se sentir pattico.Voc no quer isso, quer?

    Mark olhou para o seu amigo, tentandopensar em um modo de persuadi-lo a jogar.Ele comeu um daqueles tomates, e queriaque Anil ao menos tentasse comer a aranhaantes de desistir.

    Voc no precisa comer umadaquelas grandes que ficam no jardim

    disse a Anil. Que tal uma das magrinhasque ficam penduradas de cabea para baixono galpo do meu pai? E voc pode enrol-laem um pedao de po; desse jeito nem ianotar ele olhou para Chrissie. Assimpode, no pode?

    Chrissie sorriu. Eu preferia uma bem grande queestourasse na boca quando ele mordesse disse. Mas aranha aranha ela deu deombros. Tudo bem. Ele passa no teste secomer um sanduche de aranha.

    Mark olhou para Anil. Vai encarar?Anil fez que sim com a cabea; seu

    rosto ainda estava um pouco plido, mas aexpresso mostrava determinao.

    Mark pegou uma fatia de po. Eledestrancou a porta dos fundos e os guiou

    pelo jardim at o galpo. Abriu o cadeado eentrou, sentindo uma sbita ansiedade. Ele

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    realmente ficava incomodado em lugarespequenos e fechados.

    Mark no demorou mais de um

    segundo para localizar uma das aranhaspenduradas no telhado.Anil e Chrissie esperaram na porta

    enquanto Mark levantou a fatia de po e acolocou embaixo da aranha, dando umpeteleco com os dedos. A aranha foisurpreendida e acabou caindo em cima do

    po. Ele dobrou a fatia rapidamente.Em seguida, saiu do galpo e entregou

    o sanduche a Anil. difcil para a aranha disse Mark.

    Uma hora ela est quieta, cuidando daprpria vida; em seguida vira o almoo de

    algum. Se Anil com-la depressa, ela nemvai ver o que est acontecendo disseChrissie. Alm disso, muitos bi