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Newsletter mensal da organização não governamental moçambicana Justiça Ambiental

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Conselho EditorialAnabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna e Vanessa Cabanelas

Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007

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Como manda a regra geopolítica neste tipo de coisas, conforme os países de primeiro mundo começam a demolir as suas hidroeléctricas (seja porque a tecnologia já não é a mais barata ou rentável e/ou porque finalmente uma camada significativa das suas populações entendeu o quão danosas elas são para o ambiente e para a sociedade e forçou uma mudança de posição dos seus Estados) a pressão das companhias e financiadores deste tipo de infraestruturas sobre os países subdesenvolvidos e em via de desenvolvimento aumenta.

Para não variar, o governo de Moçambique parece não estar a “ver o filme”. Com uma série de barragens planeadas para os nossos rios nos próximos anos, encabeçada pela mediática Mphanda Nkuwa, a sua agenda indica que está empenhado em enviar-nos no rumo contrário ao tal desenvolvimento que tão invariavelmente enche os seus discursos.

Em 2014, só nos Estados Unidos da América, pelo menos 72 barragens foram demolidas com a finalidade de restaurar os seus rios e preservar as suas gentes (povos) e biodiversidade. Lá, o movimento para demolição de barragens e restauração de rios está claramente cada vez mais forte pois, fruto de campanhas e programas de educação e informação, é cada vez maior a consciência dos impactos que as barragens têm, tiveram e poderão vir a ter nos rios onde existem, e assim, é cada vez menor o espaço de manobra para quem as promove dentro do meio político e é consequentemente menor o “à vontade” que os políticos têm para

incuti-las à sociedade.Mas quem e porquê é que decide que uma barragem deve ser demolida? Bem, na verdade, não parece haver uma regra. Por vezes são entidades governamentais que, por questões ambientais e sociais, o determinam; outras vezes, são mesmo as empresas proprietárias da barragem que, quando esta deixa de ser rentável (se é que alguma vez fora), chegam à conclusão que os custos de manutenção são superiores aos da demolição, e então, por questões financeiras e de segurança optam por demoli-la. A natureza agradece.

A grande vitória na luta contra as barragens em 2014 foi o cancelamento do projecto HidroAysén, um plano de construção de 5 barragens nos rios Baker e Pascua na Patagónia. O Estudo de Impacto Ambiental foi aprovado em 2011, mas um grupo de cidadãos opôs-se veementemente e em 2014 a Ministra do Ambiente anunciou que o seu ministério rejeitara o projecto. Justificou-o dizendo que a barragem punha em risco a biodiversidade, as culturas tradicionais, comunidades e mesmo o turismo da região. Outra grande vitória foi conseguir responsabilizar o Banco Mundial pelo seu envolvimento em violações de direitos humanos através do seu financiamento de barragens, como por exemplo nos massacres do Rio Negro causados aquando da edificação da Hidroeléctrica de Chixoy na Guatemala.

Mas e nós? Até quando vamos andar para um lado quando o Mundo segue para outro? Somos e queremos continuar a ser

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diferentes, mas diferentes para melhor. Temos de impor a nossa vontade de modo a que sejam tomadas decisões sábias sobre estes assuntos, dos quais depende o bem estar e subsistência de milhões de pessoas e o equilíbrio do nosso meio ambiente. Concordamos que não podemos acreditar em tudo que se diz e escreve, mas também não podemos permitir que em nosso nome e de ânimo leve se tomem decisões tão obscenamente erradas que uma simples pesquisa online num qualquer motor de busca desclassifica perentoriamente.Precisamos que os decisores deste país promovam um diálogo amplo e aberto com a sociedade sobre as necessidades energéticas do país, e que permitam que esta participe na tomada de decisão, colocando em cima da mesa respostas claras para perguntas como:Precisamos de mais barragens para produzir energia para quê/quem?Que tipo de energia queremos, e quais as opções que temos?Em termos de justiça social, estamos certos que estas decisões, tomadas em conjunto com a sociedade, serão mais justas, mais válidas, e certamente não custarão tanto suor, sangue e lágrimas aos Moçambicanos. E quanto ao plano ambiental, temos fé que esta nos permita preservar os nossos rios, a nossa água.

No caso específico do Zambeze, o relatório do Plano Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), adverte que nos próximos anos “a bacia do Zambeze irá potencialmente enfrentar os piores efeitos das mudanças climáticas (...) e sofrerá, provavelmente, uma redução substancial na pluviosidade de cerca de 10-15%”. Não podemos nos dar ao luxo de ignorar estes avisos de painéis de cientistas de renome e levianamente construir mais barragens no Zambeze. As consequências poderão ser desastrosas.

Orgulhosos pelas vitórias dos nossos parceiros nos EUA e no Chile, mantemo-nos firmes na nossa luta e esperançosos até ao fim que a vitória nos sorria

também. E você até é capaz de estar a pensar que essa tão almejada vitória não será sua; pior, que em caso de derrota, para si nada mudará; ou pior ainda, que esse investimento certamente servirá o país, criará postos de trabalho e trará progresso... Pense de novo. Esse investimento poderá afectar irremediavelmente a vida de milhões de Moçambicanos que vivem nas margens do Zambeze. Poderá tirar o peixe e a xima das suas mesas, pois da “saúde” de um rio depende todo um ecossistema, incluindo as machambas que ele irriga. Como sobreviverão esses milhares de pescadores e agricultores que vivem no e do rio? E as possíveis repercussões no delta do Zambeze e na indústria do camarão?E se lhe disséssemos que Mphanda Nkuwa não é para colmatar a paupérrima taxa de electrificação do país? Ficaria admirado? Que atrás de Mphanda Nkuwa há projectos de outras indústrias de alto consumo energético, sujas, e que trarão para o país outros problemas socioambientais e o mesmo desenvolvimento que a Hidroeléctrica de Cahora Bassa, a Mozal, a Vale e a Jindal, entre outros, até hoje trouxeram: insuficiente face ao sacrificado e desproporcionalmente distribuído.

O Zambeze é só um, e no entanto, são inúmeros os projectos que o executivo parece ter para ele, como se este fosse inesgotável e indestrutível... Não acha estranho que nenhum deles vise beneficiar directamente as suas gentes? Acha mesmo que isso é progresso?

Para mais informações sobre o projecto HidroAysén e as demolições de barragens em 2014 ,consulte:http://news.nationalgeographic.com/news/energy/2014/06/140610-chile-hidroaysen-dam-patagonia-energy-environment/http://www.americanrivers.org/initiative/dams/projects/2014-dam-removals/#sthash.PNG8jVEs.dpuf

Sabia que foi em Março de 1997, em Curitiba, na primeira reunião internacional dos Povos Afectados Pelas Barragens que os participantes decidiram que o dia 14 de Março ficaria marcado como um dia de acção, para comemorar vitórias e dar voz unanimemente a esta luta por uma gestão equitativa e sustentável dos nossos rios?

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Como é bom ser ninguém e poder falar à vontade com os outros ninguéns como nós sobre o que pensamos, sem termos de nos preocupar que Alguém não goste das nossas ideias.É que Alguém não gosta de quem pensa de forma diferente. A sua mensagem é clara: se pensas diferente, pensa baixinho.Alguém é perigoso e faz questão que todos o saibamos. Alguém está, há muito, a tentar aniquilar tudo o que de bom e competente existe em Moçambique. A condenar-nos à sua mediocridade. Às suas ideias previsível e repetidamente estéreis, egoístas e monocromáticas.Em Novembro do ano 2000 Alguém mandou matar Carlos Cardoso e condenou então a nossa comunicação social a uma era de opacidade, de subordinação, de notícias ditadas, de verdadeiras fábulas onde brilharam patos, perdizes, macacos, porcos e demais personagens em tramas e intrigas tão mal ensaiadas que só um mentecapto poderia confundi-las com realidade. Menos de um ano depois, Alguém mandou matar Siba-Siba Macuácua para encobrir uma “bolada” gigante que o economista estaria a descortinar. Quantos como Siba-Siba terá Alguém feito “voar” para encobrir as suas peripécias?Em 2010, quase uma década depois, Orlando José, o então director de Auditoria, Investigação e Informação das Alfândegas, pagou igualmente com a vida o erro grotesco de dizer que Alguém teria de pagar também os mesmos impostos que todos nós comuns mortais.Ora, esta Terça-feira, dia 3 de Março, após 5 anos de bonança (no que a assassinatos políticos de óbvio carácter intimidatório diz respeito), Alguém voltou a mandar matar. Tombou Gilles Cistac. Tombou porque Alguém certamente achou inconcebível que um catedrático, um mentor, um académico de renome tivesse uma opinião tão destoante da sua. Decerto que Alguém julgou que Cistac estava a falar muito alto. Para mais, Cistac ocupava uma posição social perigosa demais para um desalinhado.E agora?É suposto que piemos todos baixinho como um bom bando de ninguéns?Que mais uma vez nos resignemos com a impunidade de Alguém e finjamos acreditar que a culpa é de outro Anibaldiota?Que aceitemos a opressão de Alguém como uma sociedade amorfa, amordaçada e subjugada?É suposto que os outros intelectuais da praça, que dão a cara pelos milhões de ninguéns como nós, se sintam intimidados e se calem?Embora nos pareça óbvio que o bem e o futuro do país dependam agora, e talvez mais do que nunca, da coragem desses homens e mulheres, não nos parece justo que exijamos deles que arrisquem a sua vida sozinhos para nos garantir um futuro. Temos de ser menos ninguéns, de sair da nossa tranquila e segura insignificância e dar voz ao nosso descontentamento e aos direitos que tantos já tombaram para defender.BASTA CAMARADAS! BASTA...

Os NinguénsPor Eduardo Galeano

As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:Que não são, embora sejam.Que não falam idiomas, falam dialetos.Que não praticam religiões, praticam superstições.Que não fazem arte, fazem artesanato.Que não são seres humanos, são recursos humanos.Que não têm cultura, têm folclore.Que não têm cara, têm braços.Que não têm nome, têm número.Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

República de Alguém

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TransformaçãoInstitucional

no contexto darealização do

Direito ao Ambiente

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I. IntroduçãoO direito ao ambiente está consagrado no artigo 90 da Constituição da República, em diversa legislação ordinária relevante e nos instrumentos internacionais de direitos humanos em vigor em Moçambique1. Este quadro legal prevê, de forma clara, regras de salvaguarda do direito ao ambiente e da utilização racional de todos os recursos naturais para que todo o cidadão possa viver num ambiente equilibrado. Importa notar que determinadas violações do direito do ambiente configuram delitos criminais à luz do novo Código Penal recentemente aprovado, embora ainda não esteja em vigor2.

A protecção do direito do ambiente cabe ao Estado e Autarquias locais, assim como as associações de defesa do ambiente, cidadãos em geral e demais entes privados. Ora, com vista a implementação da legislação sobre o direito do ambiente, criaram-se instituições específicas para esse efeito. Foi assim que foi criado

o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, em substituição ao antigo Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, o qual, através das suas direcções e serviços em todo o território nacional, vela, de entre outras matérias, pela gestão ambiental.No mesmo sentido, as Autarquias locais, através dos serviços das respectivas Vereações da Salubridade, Ambiente, Parques e Jardins Municipais, tem a responsabilidade de velar pela gestão ambiental ao nível da jurisdição da Autarquia local.

Outrossim, a protecção do direito do ambiente pode também ser feita através do recurso à Assembleia da República ou Assembleias Provinciais, bem como através do recurso às instituições de justiça: os tribunais, o Ministério Público, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, o Provedor de Justiça e o Conselho Constitucional.

Assim, claro está que as condições básicas de natureza legal e institucional para a defesa do ambiente e para a utilização racional de todos os recursos naturais estão criadas no Estado Moçambicano.Contudo, há várias evidências e situações que demonstram que os cidadãos e as comunidades locais em especial, sobretudo as afectadas pela exploração dos recursos naturais através das multinacionais, ainda se debatem profundamente com obstáculos sérios ao efectivo gozo e defesa do direito ao ambiente. A violação do direito ao ambiente tornou-se uma constante, não

1 O quadro legal sobre o direito do ambiente inclui a constituição da República; a Lei do Ambiente – Lei nº 20/97, de 01 de Outubro, Lei nº 19/2007, de 18 de Julho. Aprova a Lei de Ordenamento do Território, publicada na 1ª série do BR nº 29, de 18 de Julho de 2007; Diploma Ministerial nº 198/2005, de 28 de Setembro, Concernente a coordenação sectorial na implementação efectiva do Regulamento sobre o processo de Avaliação do Impacto Ambiental; Decreto nº 45/2004, de 29 de Setembro. Aprova o Regulamento Relativo ao Processo de Avaliação do Impacto Ambiental; Decreto nº 25/2011 que aprova o Regulamento sobre o Processo de Auditoria Ambiental; Decreto nº 26/2011 que aprova o Estatuto Orgânico do Fundo do Ambiente; Decreto nº 18/2004, de 2 de Junho. Aprova o Regulamento sobre Padrões de Qualidade Ambiental e de Emissão de Efluentes; Decreto n.º 23/2008 de 1 de Julho. Aprova o Regulamento da Lei de Ordenamento do Território; Decreto nº 70/2013 de 20 de Dezembro que aprova o Regulamento dos Procedimentos para a aprovação de Projectos de Redução e Emissão por Desmatamento e Degradação Florestal – REDD+; Decreto n.º 71/2014 - Aprova o Regulamento de Bio-Segurança Relativa à Gestão de Organismos Genéticamente Modificados; Decreto n.º 83/2014, de 31 de Dezembro - Aprova o Regulamento sobre Gestão de Resíduos Perigosos e respectivos Anexos; Decreto n.º 13/2013, de 11 de Abril - Aprova o Regulamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável; Decreto 16/2013 de 26 de Abril – aprova o Regulamento Sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção; Diploma Ministerial n.º 189/2006, de 14 de Dezembro. Aprova as Normas Básicas de Gestão Ambiental para a Actividade Mineira.2 Aprovado pela Assembleia da República através do Boletim da República n. 105, I Série, 14ª Suplemento de 31 de Dezembro de 2014.

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obstante os diversos actores sociais denunciarem os casos de violação da legislação ambiental, o que denota, em certa medida, falta de capacidade institucional para o respeito e implementação correcta da lei, com vista à efectiva realização do direito ao ambiente no nosso Estado.

II. (In)Capacidade Institucional para a Defesa do Ambiente A Justiça Ambiental tem refletido sobre o direito ao ambiente em termos de transformação institucional, no contexto de Estado de Direito democrático baseado no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais e na dignidade humana conforme plasmado na Constituição da República3.

Aliás, o debate público sobre da defesa do direito ao ambiente tornou-se, indubitavelmente, a retórica prevalecente no que tange a garantia da qualidade de vida das pessoas. A aspiração de proteger a dignidade humana para a melhoria da qualidade e padrão de vida estão no cerne da essência do gozo e defesa do direito ao ambiente e dos demais direitos e liberdades fundamentais conexos.

Para o efeito, é necessário que hajam instituições que sejam capazes de respeitar e aplicar os princípios de direitos humanos e pôr em prática as medidas necessárias para remover os obstáculos à efectiva realização do direito do ambiente.

O fracasso do nosso Estado em garantir a realização efetiva do direito

ao ambiente e a utilização racional dos recursos naturais é visível sobretudo nas comunidades afectadas pela exploração dos recursos naturais, no contexto dos megaprojectos. Essas comunidades locais vivem num meio abençoado pela riqueza dos recursos naturais, mas sem protecção institucional para a garantia de vida num ambiente equilibrado.

A liderança institucional que é um dos principais requisitos para o progresso da gestão ambiental é extremamente fraca. Na verdade, existe a forte percepção popular de que as instituições no campo de direito ao ambiente são irresponsáveis e corruptas.

A falta de transparência e de acesso à informação relativamente aos Estudos de Impacto Ambiental, de Avaliação de Impacto Ambiental, de concessão de licença ambiental, a falta de resposta institucional sobre os casos de poluição ambiental, incluindo a poluição sonora, casos de exploração florestal ilegal, da caça furtiva, de construções em violação ao planeamento e ordenamento territorial e casos sobre o controlo e gestão do lixo são alguns casos frequentes e crónicos que revelam a incapacidade institucional em respeitar a lei e garantir a vivência do cidadão num ambiente equilibrado.

O Ministério Público, como o garante da legalidade, não tem, dentro das competências que lhe são conferidas por lei, agido relativamente aos actos que violam ou perigam o direito fundamental ao ambiente, com vista 3 Cfr. Artigos 1 e 3 da Constituição da República de Moçambique.

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a repor a legalidade e a salvaguarda deste direito em respeito ao Estado de Direito. Ademais, os casos de violação do direito ao ambiente raramente são levados, por quem de direito, a barra da justiça, sejam instituições jurisdicionais ou extrajudiciais, como é o caso do Provedor de Justiça e da Comissão Nacional dos Direitos Humanos.

Considerando que, por um lado, existe legislação suficiente para a salvaguarda do direito ao ambiente e que, por outro lado, existe fraca resposta institucional aos inúmeros casos de violação do direito do ambiente, tal significa que falta cometimento ou vontade institucional em respeitar a lei do ponto de vista prático e fazer valer a defesa do ambiente e a utilização racional dos recursos naturais.

As instituições públicas responsáveis pela protecção e garantia de um ambiente equilibrado, ou não conhecem o conteúdo da vasta legislação ambiental em vigor, ou se conhecem, ignoram a existência dessa legislação, pois só assim é possível compreender a razão pela qual não há uma resposta institucional cabal face a frequentes actos de degradação do meio ambiente e de clara violação da respectiva legislação.

III. ConclusãoOs órgãos e serviços públicos a nível dos três poderes do Estado, executivo, legislativo e judicial, incluindo as autarquias locais, precisam de melhor articulação e colaboração entre si e com a sociedade civil para

uma melhor reflexão numa reforma institucional baseada em direitos humanos e com vista a garantir o direito fundamental ao ambiente.

Urge desenvolver a consciência institucional sobre a importância do respeito à lei, baseada na cultura de Estado de Direito para protecção do ambiente e como forma de efectivar a transformação institucional.

A cultura de prestação de contas, juntamente com transparência e a participação tem que ser vista como uma máxima nas referidas instituições. A liderança institucional, na sua tarefa de garantir a vida num ambiente equilibrado e de velar pela utilização racional dos recursos naturais, deve demonstrar, na prática, uma actuação baseada no respeito ao princípio do Estado de direito democrático e no respeito dos direitos e liberdades fundamentais e da dignidade humana.

Portanto, no processo de reforma institucional em curso, é importante desenvolver e por em prática as actividades das instituições responsáveis pela defesa do ambiente à luz das preocupações reais dos cidadãos sobre esta questão, bem como explicar ao povo todos os aspectos das decisões tomadas e postas em prática. As políticas e estratégias, devem ter por base a realização de suficientes estudos de investigação ou de campo. Estas instituições precisam de introduzir uma maior abertura e fornecer acesso aos dados e indicadores de desempenho oficial em prazos razoáveis, nos termos da lei.

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Traga as crianças ao Jardim dos Professores das 10h às 16h para um dia diferente e repleto de boa disposição.Teremos um contador de histórias, pinturas e muitas outras actividades!

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Sábado, dia 21 de Março, comemora-se o Dia Mundial das Florestas. Em alusão a esta data, a Justiça Ambiental e a Associação Livro Aberto estão a organizar um evento para a criançada no Jardim dos Professores em Maputo. A ideia é mostrar-lhes através de actividades lúdicas e didácticas o quão importantes são as florestas para o planeta e, acima de tudo, proporcionar-lhes um dia divertido. “Mas vocês não vão para lá dizer que os Chineses estão a acabar com as nossas florestas pois não?!?” – perguntaram-nos há dias.Claro que não. Primeiro, porque embora seja parcialmente verdade, sabemos que a maioria das crianças que pretendemos entreter ainda não estão preparadas para interpretar devidamente esse tipo de discurso, e como escrevemos acima, a ideia é fazer passar uma mensagem positiva. Falar-lhes do valor das florestas.Segundo, porque os Chineses não estão a agir sozinhos. Se fossemos dizer algo do género, para sermos justos teria de ser que: empresas e empresários, na sua maioria de proveniência Chinesa, aliados a empresas e empresários Moçambicanos, face à falta de integridade do governo de Moçambique (altamente corrompível) e à débil monitorização dos recursos florestais no país, estão a acabar com as nossas florestas.E terceiro e último, porque quem terá de explicar aos seus filhos e/ou netos o amanhã que lhes está a deixar, é você.No entanto, neste espaço que é reservado aos mais graúdos, cabe-nos a responsabilidade de o informar. De lhe apelar que se junte a uma luta que talvez mais tarde o poupe de ter de explicar à sua prole onde estão as nossas florestas. Porque a situação está feia...A verdade é que, apesar dos acesos debates e dos inúmeros documentos publicados sobre o dramático aumento da exploração ilegal do sector florestal em Moçambique nos últimos anos, lamentavelmente, o assédio às florestas moçambicanas só se vem agravando e pouco ou nada está a ser feito para combatê-lo.Fomentada pela elevada demanda de madeira de países como a República Popular da China, e tornada possível pela tal fraca capacidade de fiscalização e alta corrompibilidade das entidades competentes, a situação do sector é, no mínimo, emergencial. De acordo com um estudo da britânica Environmental Investigation Agency publicado em Julho de 2014, 81% da exploração florestal comercial dos últimos 7 anos em Moçambique foi ilegal. No ano de 2013, por si só, esse número foi de 93%, o que nos indica claramente que a situação não está a melhorar. Infelizmente, em Moçambique não se dá a devida importância às florestas. Para muitos actores, dos mais diversos palcos políticos e sociais, elas representam apenas uma forma de enriquecer fácil e rapidamente. Em nossa humilde opinião, a já mencionada fraca fiscalização associada a um número insuficiente de fiscais, a também já mencionada corrupção, o pouco investimento no sector, o incumprimento das recomendações do Plano de Maneio, a falta de incentivos aos funcionários e o fraco domínio da legislação por parte dos fiscais, entre outros, não passam de pequenos grandes problemas que certamente se resolveriam caso o principal fosse solucionado: a falta de vontade política dos dirigentes de um país onde cerca de 70% da população vive na zona rural e depende imensamente de recursos florestais.Quando se destrói uma floresta perdem-se, em cadeia, uma série de serviços ecossistémicos como a regulação do clima, o ciclo de nutrientes do solo, a purificação da água e do ar, e promove-se a destruição de habitats de fauna e flora, a exposição do solo à erosão, a libertação de CO2 para atmosfera, a perda de plantas medicinais e outros produtos florestais não madeireiros, e quase sempre, ameaça-se ou acaba-se com o sustento e modo de vida de comunidades inteiras.As florestas são, sem dúvida, uma das maiores riquezas naturais que o planeta terra contém, e para além de poderem servir como fonte sustentável de renda, devem ser vistas de uma forma mais abrangente, ou seja, como importantes fontes de diversidade biológica, bem como um importante sumidouro de CO2 da atmosfera, contribuindo sobremaneira para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. E isso, até uma criança de 10 anos lhe sabe explicar...

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Na nossa edição passada, partilhamos um artigo sobre a navegabilidade dos Rios Chire e Zambeze, e como esta questão volta à baila, julgamos importante recordar que não é assunto novo, é recorrente e inclusive já foram feitos vários estudos, um em 2005 pelo Malawi e mais tarde em 2011 o estudo de Impacto Ambiental em Moçambique e em ambos a proposta foi chumbada. No entanto, os interesses por detrás da navegabilidade são imensos, vão além fronteiras, a pressão que o Malawi tem exercido é enorme e surge agora com fortes aliados, a Zâmbia e a SADC. Para além de Moçambique e dos moçambicanos quem mais irá sofrer os inúmeros impactos negativos da navegabilidade no Zambeze? Quem vai lucrar é fácil identificar, mas quem vai pagar a factura?

Apesar dos estudos anteriores não recomendarem a navegabilidade comercial do Rio Zambeze, as pretensões de tranformar o nosso Zambeze numa auto estrada para escoamento dos mais diversos produtos mantém-se. O processo de discussão, ao mais alto nível, da navegabilidade comercial do Zambeze já vem de algum tempo, soubemos que o Memorando de Entendimento entre os três países foi assinado em 2007, mas bem antes dessa data já havia muito interesse e pressão para que Moçambique aceitasse o projecto. Desde então até ao momento vários passos foram dados, nomeadamente a criação de comités e comissões políticas e/ou técnicas conjuntas.

Em Novembro de 2013 teve início o Estudo de Viabilidade sobre a Navegabilidade dos Rios Chire e Zambeze, no âmbito do Memorando acima referido, mas apenas em Fevereiro de 2015 tivemos conhecimento, e sabemos ainda que o mesmo deve terminar em finais de Março do mesmo

ano. Ou seja, a pouco mais de 1 mês da data prevista para o término do estudo é que a sociedade civil é supostamente consultada. Nos vários comités e comissões, com encontros regulares, não houve em momento algum espaço para ouvir e quem sabe acomodar as preocupações e interesses da sociedade civil e agora procuram validar o que tem vindo a fazer e “incluem” a sociedade civil, para um ou outro breve encontro. Apesar do MTC nos ter enviado uma apresentação em Powerpoint que apresenta de forma resumida todo o processo que levou ao estudo de viabilidade incluindo o que se pretende. Após uma leitura e análise mais cuidada da referida verificamos que existem algumas discrepâncias, entre o que foi dito no encontro que tivemos e o que está escrito. Uma das primeiras questões que colocamos para entender melhor o que se pretende com o estudo e o nosso papel foi, para quê a navegabilidade? Para transportar o quê? E a resposta foi clara e várias vezes repetida para que percebessemos bem, “para transporte de açucar, chá, tabaco e outros produtos agrícolas”. No entanto, a apresentação refere que o Malawi terá ainda cerca de 1 650 000 toneladas de produtos minerais a serem transportados a partir de 2030, e equaciona-se que seja via fluvial.Quantos embarcações e quantas vezes por dia? “Uma embarcação uma vez por dia” – responderam-nos, salientando que a razão de nos terem contactado era essencialmente para que partilhassemos a nossa percepção dos impactos de 1 embarcação a passar desde N’sanje até ao Chinde apenas 1 vez por dia. A título de exemplo acautelaram-nos que a passagem da embarcação poderá causar pequenas ondas e disseram-nos que pretendiam apurar se a população se importaria com estas...

gira o disco e toca o mesmo

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Quão estúpidos pensam que somos? Esperavam mesmo que sequer comentássemos o impacto da navegação em virtude do impacto das pequenas ondas? E apenas uma embarcação 1 vez por dia? Iria alguém gastar milhões de dólares com estudos de viabilidade, com reuniões e comités infindáveis, todo o processo de dragagem de vulto e permanente para passar uma embarcação 1 vez por dia no rio?Bem, as pequenas ondas até poderiam trazer alguma animação à vida pacata e tão pobre das comunidades nas margens do Zambeze se não fossem os outros inúmeros problemas que a navegação também traz e que curiosamente ficaram esquecidos... como por exemplo a tal da dragagem de vulto e em regime permanente...Citando a referida apresentação “O Rio Zambeze é largo (400 a 2300 m) mas muito pouco fundo (1 a 2 m) / (2 a 14m), meandra e necessitaria de dragagens de vulto e em regime permanente”, no entanto, os consultores simplificam a questão referindo que a dragagem irá ocorrer em apenas 45 km de extensão, na confluência dos Rios Chire e Zambeze. Como será então na região do delta do Zambeze, já que a profundidade não permite a navegação mas pretende-se que a navegação seja efectuada até ao Chinde? Os impactos da dragagem não se limitam apenas aos 45 km de extensão como se pretende... Esta, mesmo que seja em apenas 45 km de extensão vai entre outros acelerar e agravar o processo de erosão das margens e bancos de areia, removendo importantes sedimentos carregados de nutrientes que são fundamentais para a vida no rio e ainda para a agricultura camponesa; vai eliminar bancos de areia com reconhecidas funções ecológicas tais como locais de desova de peixes, de estabelecimento dos hipopótamos, e vai de forma imediata eliminar a flora e

fauna do local, com impactos imediatos na qualidade da água, na pesca, agricultura e pecuária. Será necessário lembrar aos entusiásticos proponentes deste projecto que ao longo das margens do Rio Zambeze, as comunidades locais dependem directamente do Rio e praticam essencialmente três actividades, a agricultura camponesa a pesca e pecuária, e qualquer destas actividades será gravemente afectada pela dragagem e posterior navegação. Para analisar a dimensão destes impactos na vida das comunidades locais é fundamental saber de quantas pessoas estamos a falar? Quantas famílias dependem directamente destes recursos? Esta questão foi colocada aos consultores, mas não teve resposta, porque a pouco mais de 1 mês da conclusão do estudo estes simplesmente não sabem... É inaceitável!

Considerando a dimensão da bacia do Zambeze, a biodiversidade que alberga, a riqueza, a sensibilidade do ecossistema e o número de pessoas directamente dependentes dos recursos naturais nesta existentes, não conseguimos de todo aceitar que ainda assim os benefícios económicos sejam maiores do que os impactos sociais e ambientais... e facto é que uma das conclusões do estudo do Malawi é precisamente que este poderá vir a ser um “projecto cronicamente subsidiado, e sem perspectiva de sua privatização”. Será que precisamos de mais algum problema crónico? Não nos bastam os que já temos? Sem mais estudos, sem mais tentativas de demonstração da viabilidade podemos afirmar que a navegabilidade do Zambeze como se pretende é o fim deste ecossistema, é o fim da riqueza do Delta é o fim da riqueza do banco de Sofala. E a troco de quê?

gira o disco e toca o mesmo

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