neurodidática, uma nova perspectiva para aprendizagem

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[email protected] www.facebook.com/consultoriodepsicologiarenataguedes 1 Neurodidática, uma Nova Perspectiva para Aprendizagem. Renata de Moura Guedes O termo neurodidática foi criado por Gerhard Preiss (professor de didática da matemática) na década de 80, na Alemanha. Nos anos 90, Gerhard Friedrich (doutor em pedagogia) adaptou o conceito de “neurodidática” para questões mais amplas em educação. Em um artigo publicado na revista Mente e Cérebro em 2003, Friedrich e Preiss afirmam serem muitas as áreas que discutem o papel e eficácia das escolas no processo de aprendizagem dos estudantes, entre elas, pedagogia, filosofia, psicologia, sociologia, entre tantas outras e que as neurociências têm se posicionado fora dessas discussões, no entanto, isso lhes parece um paradoxo, já que o “aprendizado se dá na cabeça e todo o processo é acompanhado de alterações no cérebro”. Dessa forma, seria responsabilidade da neurociência “fornecer a base científica sobre a qual se poderiam erigir teorias didáticas modernas. Foi a partir dessa ideia que, há alguns anos, os dois neuroeducadores fundaram essa nova ciência: a neurodidática. Eles a definiram como a ciência que procura configurar o aprendizado da melhor maneira que o cérebro é capaz de aprender. Na Europa, berço da Neurodidática, podem-se encontrar alguns dos mais relevantes debates acerca do papel da Neurociência para a aprendizagem. Em Berlim (2005), os autores Elsbeth Stern, Roland Grabner, Ralph Schumacher em colaboração com Christa Neuper e Henrik Saalbach publicaram o 13º Volume da revista Reforma Educacional com o tema “Pesquisa Educacional e Neurociências Expectativas, Evidências e Perspectivas de Pesquisas” com diversos artigos. Neste volume podemos encontrar o artigo “Processos de aprendizagem no cérebro uma perspectiva fascinante”. Nele os autores discursam sobre como é fascinante ver, por meio de métodos de neuroimagem, como o cérebro responde a certas informações, e assim novas constatações neurocientíficas estão sendo reafirmadas na medida em que transmitem uma imagem otimista quanto à flexibilidade e plasticidade do cérebro durante toda a vida. Lesões cerebrais devido a doenças ou trauma, por exemplo, não envolvem necessariamente incapacidades permanentes e irreversíveis no funcionamento cognitivo.

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Neurodidática, uma Nova Perspectiva para Aprendizagem.

Renata de Moura Guedes

O termo neurodidática foi criado por Gerhard Preiss (professor de didática da

matemática) na década de 80, na Alemanha. Nos anos 90, Gerhard Friedrich (doutor em

pedagogia) adaptou o conceito de “neurodidática” para questões mais amplas em

educação.

Em um artigo publicado na revista Mente e Cérebro em 2003, Friedrich e Preiss

afirmam serem muitas as áreas que discutem o papel e eficácia das escolas no processo

de aprendizagem dos estudantes, entre elas, pedagogia, filosofia, psicologia, sociologia,

entre tantas outras e que as neurociências têm se posicionado fora dessas discussões, no

entanto, isso lhes parece um paradoxo, já que o “aprendizado se dá na cabeça e todo o

processo é acompanhado de alterações no cérebro”. Dessa forma, seria responsabilidade

da neurociência “fornecer a base científica sobre a qual se poderiam erigir teorias didáticas

modernas”.

Foi a partir dessa ideia que, há alguns anos, os dois neuroeducadores fundaram

essa nova ciência: a neurodidática. Eles a definiram como a ciência que “procura configurar

o aprendizado da melhor maneira que o cérebro é capaz de aprender”.

Na Europa, berço da Neurodidática, podem-se encontrar alguns dos mais relevantes

debates acerca do papel da Neurociência para a aprendizagem.

Em Berlim (2005), os autores Elsbeth Stern, Roland Grabner, Ralph Schumacher em

colaboração com Christa Neuper e Henrik Saalbach publicaram o 13º Volume da revista

Reforma Educacional com o tema “Pesquisa Educacional e Neurociências – Expectativas,

Evidências e Perspectivas de Pesquisas” com diversos artigos. Neste volume podemos

encontrar o artigo “Processos de aprendizagem no cérebro – uma perspectiva fascinante”.

Nele os autores discursam sobre como é fascinante ver, por meio de métodos de

neuroimagem, como o cérebro responde a certas informações, e assim novas constatações

neurocientíficas estão sendo reafirmadas na medida em que transmitem uma imagem

otimista quanto à flexibilidade e plasticidade do cérebro durante toda a vida. Lesões

cerebrais devido a doenças ou trauma, por exemplo, não envolvem necessariamente

incapacidades permanentes e irreversíveis no funcionamento cognitivo.

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Em 2006, o Dr. Ralph Schumacher (doutor em Filosofia e responsável pelo projeto

do centro de aprendizagem MINT no Instituto de Ciências Comportamentais em Zurique)

publicou, na revista Mente e Cérebro, um artigo chamado “Neurodidática: os pedagogos e

políticos esperam das investigações cerebrais indicações práticas para melhorar o ensino

nas escolas. O que pode nos trazer essa linha de investigação?”. Nesse artigo, ele fala

sobre as grandes expectativas depositadas nos métodos dos neurologistas (PET, RM) e em

suas contribuições para a aprendizagem. “Se algum dia pudermos decifrar as bases

biológicas do pensar, aprender e esquecer, poderemos pensar, então, no próximo passo,

curar as dificuldades de aprendizagem das crianças em geral e reestruturar com mais

eficiência as aulas” (Schumacher, 2006).

Em 2007, a revista americana Newsweek (edição de 22/10/2007) descreve a

chamada neurociência educacional e afirma que a mesma “avança a passos largos” com o

respaldo do recém-criado programa MBE - Mind, Brain and Education (Mente, Cérebro e

Educação), da Universidade de Harvard.

Mais recentemente, duas autoras em especial têm se destacado nesse cenário,

Sarah - Jayne Blakemore (estudou Psicologia Experimental na Universidade de Oxford, é

Doutora em Neurociência e responsável pelo Grupo de Desenvolvimento em Neurociência

Cognitiva no Instituto de Neurociência Cognitiva) e Uta Frith (concluiu o curso de Psicologia

Experimental na Alemanha e fez seu doutorado em autismo em Londres, atua no Instituto

de Neurociência Cognitiva na Universidade de Londres). Elas são as autoras do livro

Learning Brain: lessons for education (O cérebro que aprende: lições para a educação) e de

inúmeros artigos que contribuem para as pesquisas de como o cérebro pode influenciar na

aprendizagem.

A Neurodidática tem sido aplicada em diversas áreas, como, por exemplo, na

aprendizagem de música, computação, línguas.

Na Espanha, em 2004, o Dr. Wilfried Gruhn apresentou em uma Conferência

Internacional, seu artigo denominado: “Neurodidática - uma nova tendência científica na

aprendizagem de música?”. Em seu artigo ele fala sobre como a aprendizagem de música

afeta o cérebro, como a neurociência tem mostrado pelas tecnologias de imagem cerebral

diferenças funcionais do cérebro, tais como diferenças de volume de substância cinzenta

em regiões cerebrais motoras e auditivas. Este é um passo importante para uma melhor

compreensão da aprendizagem e mais uma documentação objetiva dos processos

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envolvidos na aprendizagem. Ele conclui afirmando que “em vista disso, as investigações

sobre respostas neurais para tarefas de aprendizagem são cruciais”.

É difícil escrever sobre a Neurodidática no Brasil porque infelizmente são poucos os

estudiosos dessa ciência por aqui.

Os pioneiros nessa árdua jornada são os responsáveis pelo primeiro laboratório de

Neurodidática no Brasil, que está situado em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, na

Universidade Federal de Pernambuco, e teve início em janeiro de 2007. De acordo com

Cordeiro e Flor (2007), ele “vem reunindo educadores fundamentalmente comprometidos

com a prática pedagógica neurodidática dispostos a investir em observação, estudos,

pesquisas e sistematização com a finalidade de construir seu acervo de cooperação para a

mudança induzida na organização escolar exigida pelos novos tempos”.

Os autores destacam três dificuldades que encontraram no desenvolvimento dessa

nova ciência. Em primeiro lugar, eles apontam para a dificuldade em reunir cientistas da

educação; em segundo lugar, “as dificuldades estão ligadas à complexidade da

neurodidática que se fundamenta nas neurociências” e, em terceiro lugar, “a configuração

metodológica da própria escola, que segundo especialistas em neurociências têm quase

todos os seus métodos contrários ao funcionamento do cérebro” (Cordeiro e Flor, 2007).

Apesar das dificuldades encontradas, da complexidade da neurociência, sua

contribuição para o crescimento e aplicação prática da neurodidática é importantíssima.

Dessa forma, faz-se necessário que os profissionais da educação se tornem estudantes da

neurociência, porque só assim será possível a transformação de nosso sistema

educacional, só assim a tão discutida inclusão poderá ser feita verdadeiramente.

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BLAKEMORE, Sarah J., BUNGE, Silvia. A. At the nexus of neuroscience and education.

Developmental Cognitive Neuroscience. Elsevier, 2012. Disponível em:

˂http:www.elsevier.com/locate/dcn˃ Acesso em 6 set. 2013.

BLAKEMORE, Sarah J., FRITH, Uta. The Learning Brain: Lessons for Education. Oxford:

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CORDEIRO, Luiz G., FLOR, Damaris. O Pioneirismo do Laboratório de Neurodidática (2007). Disponível em: ˂http:www. http://blogdedamarisflor.blogspot.com.br˃ Acesso em 6 set. 2013.

FRIEDRCH, Gehard, PREISS, Gehard. Neurodidáctica. Revista Mente y Cerebro.

Espanha: n. 4, p. 39-45, 2003.

GRABNER, Roland, SCHUMACHER, Ralph, STERN, Elsbeth. Educational Research and

Neurosciences – Expectations, Evidence, Research Prospects. Education Reform. Berlim:

v. 13, p. 17-19, 2005.

GRUHN, Wilfried. Neurodidatics – A new scientific trend in music education? 2004. Artigo

apresentado ao XXVIth ISME International Conference, Espanha, 2004.

OECD/CERI INTERNATIONAL CONFERENCE “LEARNING IN THE 21ST CENTURY:

RESEARCH, INNOVATION AND POLICY”, 4, 2007, Paris.

SCHUMACHER, Ralph. Neurodidáctica. Revista Mente y Cerebro. Espanha: n. 20, p. 89-

91, 2006.

Sobre a autora:

Mestre em Psicologia (Análise do Comportamento) pela PUC- GO e fez

Extensão em Neuropsicologia (UFRJ). Atualmente trabalha como psicóloga

clínica e neuropsicóloga em Goiânia. Ministra a disciplina Tópicos Especiais

em Neurodidática no curso de Especialização em Neuropedagogia pelo

Instituto de Ensino e Pesquisa em Saúde e Educação (IEPSE). Foi

professora visitante no Departamento de Psicologia da PUC-GO.