neomondo maio 2013 54

52
EDIÇÃO ESPECIAL DIA DO ÍNDIO Gilberto Freyre “Um Pensador “ 12 Identidade Cultural Espelho de um povo 32 Índio Terra, respeito e vida 16 Exemplar de ASSINANTE Venda Proibida R$16,00 Ano 6 - N o 54 - Maio 2013

Upload: neo-mondo

Post on 06-Apr-2016

223 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Neomondo maio 2013 54

Edição EspEcial

dia do Índio

Gilberto Freyre“Um Pensador “

12

identidade culturalEspelho deum povo

32

Índio Terra, respeito e vida

16

Exem

plar

de

Assi

nAn

tEVe

nda

Proi

bida

R$16,00

Ano 6 - No 54 - Maio 2013

Page 2: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2008 2

Hoje é dia de quem nos inspira a buscar energia na natureza.E, mais do que isso, a conviver com ela em harmonia.

19 de abril, Dia do Índio.

Há 25 anos, a Eletrobras Eletronorte desenvolve os programas Waimiri Atroari e Parakanã, referências mundiais na promoção da autonomia indígena. É assim que, todos os dias, transformamos desenvolvimento sustentável em energia

para o Brasil. 19 de abril, Dia do Índio.

ww

w.eletronorte.gov.br

Page 3: Neomondo maio 2013 54

3Neo Mondo - Maio 2008

Hoje é dia de quem nos inspira a buscar energia na natureza.E, mais do que isso, a conviver com ela em harmonia.

19 de abril, Dia do Índio.

Há 25 anos, a Eletrobras Eletronorte desenvolve os programas Waimiri Atroari e Parakanã, referências mundiais na promoção da autonomia indígena. É assim que, todos os dias, transformamos desenvolvimento sustentável em energia

para o Brasil. 19 de abril, Dia do Índio.

ww

w.eletronorte.gov.br

Page 4: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2008 6

todos os animais

Os animais são diretamente afetados pelo comportamento humano.

Podemos ser cruéis e negligentes, mas também podemos manifestar bondade e compaixão — valores que exemplificam

o melhor do espírito humano.

Acesse hsi.org/compaixao e veja como você pode ajudar.

Proteção e respeito a todos os animais

Page 5: Neomondo maio 2013 54

7Neo Mondo - Maio 2008

todos os animais

Os animais são diretamente afetados pelo comportamento humano.

Podemos ser cruéis e negligentes, mas também podemos manifestar bondade e compaixão — valores que exemplificam

o melhor do espírito humano.

Acesse hsi.org/compaixao e veja como você pode ajudar.

Proteção e respeito a todos os animais

Page 6: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2008 8

Informações:11 2669-0945 | 98234-4344

97987-1335Neo

Mondo Um olhar consciente

As crianças vão se encantar com essa história bem-humorada sobre um reino distante onde há um castelo, um rei e um espelho. Mas diferentemente das outras histórias, esse espelho não é mágico - ele mostra apenas a realidade. E a realidade é que, um dia, o rei desse reino distante

olhou-se no espelho e viu que seu belo umbigo havia desaparecido de sua barriga. Quem teria roubado o umbigo? Um grande mistério a ser descoberto pelos leitores. As alegres

e coloridas ilustrações de Ricardo Girotto dão o toque mágico a essa história escrita por Márcio Thamos em que umbigos escondidos sob grandes barrigas e umbigos à mostra em barrigas que roncam de fome apresentam uma trama delicada sobre compreensão, respeito e solidariedade.

Em um mundo marcado por brinquedos eletrônicos que funcionam a partir do botão power, que tal dar à criança o poder para construir seus próprios brinquedos? Imaginação acionada, materiais fáceis e disponíveis, fotos grandes mostrando o passo a passo e lá vem um divertido índio cara de pet,

um charmoso robô que movimenta a boca, um teatro e suas marionetes e...diversão garantida!Do mesmo autor do consagrado livro FÁBRICA DE BRINQUEDOS, essa obra, além da proposta

lúdica e divertida de criar brinquedos a partir de embalagens, tampinhas e outros materiais descartados no dia a dia, é uma excelente oportunidade para a criança experimentar a autonomia e

o prazer de imaginar, criar, construir e brincar.

??

Crianças criam! Crianças brincam!

Grrrr!!!

Grrrr

!!!

Os mais recentes lançamentos da Editora Caramujo já estão fazendo sucesso nas escolas. E vem muito mais por aí!

32 páginas | 20,5 x 27,5 cm | ISB

N: 9788566251005

32 páginas | 20,5 x 27,5 cm | ISB

N: 9788566251012

Anuncio NEOMONDO2.indd 1 12/4/12 8:36 PM

Page 7: Neomondo maio 2013 54

9Neo Mondo - Maio 2008

Informações:11 2669-0945 | 98234-4344

97987-1335Neo

Mondo Um olhar consciente

As crianças vão se encantar com essa história bem-humorada sobre um reino distante onde há um castelo, um rei e um espelho. Mas diferentemente das outras histórias, esse espelho não é mágico - ele mostra apenas a realidade. E a realidade é que, um dia, o rei desse reino distante

olhou-se no espelho e viu que seu belo umbigo havia desaparecido de sua barriga. Quem teria roubado o umbigo? Um grande mistério a ser descoberto pelos leitores. As alegres

e coloridas ilustrações de Ricardo Girotto dão o toque mágico a essa história escrita por Márcio Thamos em que umbigos escondidos sob grandes barrigas e umbigos à mostra em barrigas que roncam de fome apresentam uma trama delicada sobre compreensão, respeito e solidariedade.

Em um mundo marcado por brinquedos eletrônicos que funcionam a partir do botão power, que tal dar à criança o poder para construir seus próprios brinquedos? Imaginação acionada, materiais fáceis e disponíveis, fotos grandes mostrando o passo a passo e lá vem um divertido índio cara de pet,

um charmoso robô que movimenta a boca, um teatro e suas marionetes e...diversão garantida!Do mesmo autor do consagrado livro FÁBRICA DE BRINQUEDOS, essa obra, além da proposta

lúdica e divertida de criar brinquedos a partir de embalagens, tampinhas e outros materiais descartados no dia a dia, é uma excelente oportunidade para a criança experimentar a autonomia e

o prazer de imaginar, criar, construir e brincar.

??

Crianças criam! Crianças brincam!

Grrrr!!!

Grrrr

!!!

Os mais recentes lançamentos da Editora Caramujo já estão fazendo sucesso nas escolas. E vem muito mais por aí!

32 páginas | 20,5 x 27,5 cm | ISB

N: 9788566251005

32 páginas | 20,5 x 27,5 cm | ISB

N: 9788566251012

Anuncio NEOMONDO2.indd 1 12/4/12 8:36 PM

Page 8: Neomondo maio 2013 54

Seções

CulturaDiversidade Cultural ResguardadaNovas propostas e macanismos

Artigo: Luciana MergulhãoBicho Mãe

23

ESPECIal - DIa DO ÍNDIO

PErfIl

EDuCaÇÃO 42

Artigo: Natascha TrennepohlReflexos da identidade de um povo

Gilberto Freyre Um pensador do “ser brasileiro”

Pedro MartinelliDoutor das lentes

A criança e a TVRevelações surpreendentes

Prezado leitor é com grande satisfação que preparamos mais uma edição de NEO MONDO para você.Começamos este editorial com uma frase de um dos maiores pensadores que o Brasil já teve… GILBERTO FREYRE…”TODO BRASILEIRO TRAZ NA ALMA E NO CORPO A SOMBRA DO INDÍGENA OU DO NEGRO”.A “Declaração universal sobre a diversidade cultural”, adotada pela UNESCO, em 2001, a fim de estimular o diálogo entre os povos e o desenvolvimento harmonioso de todas as nações, reconhece a diversidade cultural como o patrimônio comum da humanidade.Entre os diferentes povos que formam esta nação, os indígenas ganham importância crescente. Procuramos esclarecer o que é mito e o que é realidade, como funcionam os órgãos oficiais de defesa, e como está a organização dessa gente, com destaque para os Yanomamis.A EDUCAÇÃO é considerada pela constitutição um direito de todos e dever do estado e da família. Pensando nisso, entrevistamos o Dr. Claudemir Viana, do LAPIC (Laboratório de Pesquisas sobre Infância, Imaginário e Comunicação), que desenvolve pesquisas, com os alunos da ECA-USP sobre o mundo da infância e sua relação com os meios de comunicação.Tudo isso e muito mais, você terá o prazer de encontrar em nossas páginas.Tenha uma ótima leitura!NEO MONDO, tudo por uma vida melhor.

Editorial

Oscar lopes luizPresidente do Instituto Neo Mondo

[email protected]

Expediente Publicação

Diretor responsável: Oscar lopes luiz

Diretor de redação: Gabriel arcanjo Nogueira (MtB 16.586)

Conselho Editorial: Oscar lopes luiz, Marcio thamos, Dr. Marcos lúcio Barreto, terence trennepohl, João Carlos Mucciacito, rafael Pimentel lopes, Denise de la Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha trennepohl, rosane Magaly Martins, Pedro Henrique Passos e Vinicius Zambrana

redação: Gabriel arcanjo Nogueira (MtB 16.586), rosane araujo (MtB 38.300) e antônio Marmo (MtB 10.585)

revisão: Instituto Neo Mondo

Diretora de arte: renata ariane rosa

Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo

tradução: Efex Idiomas – tel.: 55 11 8346-9437Diretor de relações Internacionais: Vinicius ZambranaDiretor Jurídico: Dr.Erick rodrigues ferreira de Melo e Silva

Correspondência: Instituto Neo Mondorua antônio Cardoso franco nº 250, Casa Branca – Santo andré – SPCep: 09015-530

Para falar com a Neo Mondo:[email protected]@[email protected]

Para anunciar: [email protected]. (11) 2669-0945 / 8234-4344 / 7987-1331

Presidente do Instituto Neo Mondo:[email protected]

a revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/0001-00, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24.

tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas.

Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.

8 Neo Mondo - Maio 2013

Sem título-1 1 28/07/2011 11:12:46

Dia de índio é sempreEle quer ser respeitado e viver sua realidade

ESPECIal - DIa DO ÍNDIO

14

10

18

Identidade Cultural A formação do português brasileiro

Cultura

28

Artigo: Márcio ThamosUma língua latina com certeza

3632

Artigo: Dilma de Melo SilvaDiversidade Cultural

39Artigo: Denise de La Corte BaccGeodiversidade e Patrimônio Geológico

40

Artigo: Terence TrennepohlO direito fundamental de acesso à Educação Ambiental

Formador de Formadores: Vendedor de sonhos?

Artigo: Rafael Pimentel LopesA força publicitária da criança

48

50

24

46

Page 9: Neomondo maio 2013 54

9Neo Mondo - Julho 2008

Sem título-1 1 28/07/2011 11:12:46

Page 10: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 201310

Autor de “Casa-grande & Senzala” é reconhecido mundialmente pelo pioneirismo dos estudos da cultura brasileira

Da Redação

Perfil

Em 2013, completarão 113 anos de nascimento de um dos primeiros intelectuais a discutir o “ser brasilei-

ro”: Gilberto Freyre.Nascido em Recife, Pernambuco,

em 15 de março de 1900, formou-se ba-charel em Ciências e Letras e posterior-mente mestre em Ciências Sociais pela Columbia University de Nova Iorque, realizando doutorado em diversas insti-tuições no decorrer da carreira.

Sua principal obra foi publicada em 1933: “Casa-grande & Senzala”, livro que revolucionou a intelectualidade da épo-ca ao apresentar novos conceitos sobre a formação da sociedade brasileira, consi-derando a mistura de “três raças”: índios, africanos e portugueses.

Durante o período de estudos na universidade americana, Freyre teve contato com o antropólogo Franz Boas, que viria a ser a principal referência na elaboração de uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separa-va herança cultural de herança étnica e considerava o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.

Hoje, mesmo tendo aspectos de sua obra criticados (veja abaixo), Gilberto

Divulgação

Page 11: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 11

Freyre ainda inspira estudos e conquis-ta admiradores.

Ele foi tema de exposição majestosa no Museu da Língua Portuguesa, entre novembro de 2007 e maio de 2008, que reuniu acervo da Fundação que leva seu nome, criada meses antes de sua mor-te, ocorrida em 18 de julho de 1987. E, no ano passado, foi tema do livro “Gilberto Freyre-Social theory in the tropics”, lançado pelo conhecido histo-riador da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Peter Burke e sua mulher, a brasileira Maria Lúcia Garcia Palhares Burke, do Centro de Estudos Latino--americanos da mesma universidade. A obra situa-o em seu contexto cultural e político, sem ocultar as críticas, mas reconhecendo também suas enormes contribuições à compreensão da socie-dade brasileira.

Mas, afinal, quais são essas contribuições?Certamente são muitas, mas destaca-

-se, no aspecto da historiografia, a manei-ra inovadora de considerar a história, não por meio de grandes feitos, mas sim pela análise da vida cotidiana, incluindo-se aí relatos orais e documentos manuscritos.

Teria sido ele, então, um dos primei-ros a pensar em “patrimônio imaterial”?

Muitos acreditam que sim. “Ele foi o pre-cursor do conceito de patrimônio imate-rial, conceito este que se concretizou com enorme sucesso”, afirmou Antonio Car-los Sartini, superintendente-executivo do Museu da Língua Portuguesa, no site da Fundação Gilberto Freyre.

Outra contribuição da obra de Freyre foi a tentativa de desmistificar a noção de determinação racial na for-mação de um povo, apontando a mis-cigenação conferida no país como ele-mento positivo.

Em “Casa-Grande”, o papel de índios e negros na formação do povo brasileiro é valorizada de forma praticamente inédita.

Autor não é unanimidadeMesmo tendo alcançado sucesso

dentro e fora do país, as ideias defen-didas por Gilberto Freyre não são una-nimidade.

Membro da classe dominante per-nambucana (o pai era juiz de Direito e catedrático de Economia política da Fa-culdade de Direito do Recife, e o avô se-nhor de engenho), é por vezes acusado de manter postura elitista, mostrando--se benevolente com a escravidão, na qual via consequências positivas do

Gilberto de Mello Freyre

Nasceu no Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900, filho do Dr. Alfredo Freyre - educador, Juiz de Direito e catedrático de Economia Política da Faculdade de Direito do Recife - e Francisca de Mello Freyre.

Sociólogo, antropólogo, escritor, pioneiro da Antropologia Cultural Moderna Brasileira com a obra “Casa-grande & Senzala”.

Foi doutor pelas Universidades de Paris (Sorbonne), Colúmbia (EUA), Coimbra (Portugal), Sussex (Inglaterra) e Münster (Alemanha). Em 1971, a Rainha Elizabeth lhe conferiu o título de Sir (Cavaleiro do Império Britânico).

Obras:

Casa-Grande & Senzala, 1933.

Sobrados e Mucambos, 1936.

Nordeste: Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem..., 1937.

Assucar, 1939.

Olinda, 1939.

O mundo que o português criou, 1940.

A história de um engenheiro francês no Brasil,1941.

Problemas brasileiros de antropologia, 1943.

Sociologia, 1945.

Interpretação do Brasil, 1947.

Ingleses no Brasil, 1948.

Ordem e Progresso, 1957.

O Recife sim, Recife não, 1960.

Vida social no Brasil nos meados do século XIX, (1964).

Brasis, Brasil e Brasília, 1968.

O brasileiro entre os outros hispanos, 1975.

Influências

Franz Boas (18598-1942) – crítico feroz dos determinismos biológicos e geográ-ficos. Apontava que cada cultura é uma unidade integrada, fruto de um desen-volvimento histórico peculiar. Dentre suas obras principais, destacam-se: “The Mind of Primitive Man”, 1938 (A Mente do Homem Primitivo), e “Race, Language and Culture”, 1940 (Raça, Linguagem e Cultura).

Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena

ou do negro“

Ficha

Page 12: Neomondo maio 2013 54

12

Perfil

Neo Mondo - Maio 2013

Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia

a mim próprio: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação fui eu

próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos estímulos.

Gilberto Freyre

ponto de vista cultural, no contato de brancos e negros.

Apesar do termo nunca ter aparecido em sua obra, seus estudos foram inter-pretados como defensores da miscigena-ção como mecanismo desencadeador da “democracia racial”.

Outros estudiosos da época, porém, refutavam esta ideia, ressaltando a in-justiça e violência do regime escravista, no qual não vinham qualquer ponto po-sitivo. Era o caso do sociólogo paulista Florestan Fernandes.

No ponto de vista defendido por Flo-restan, não há igualdade racial no Brasil e a miscigenação é um mecanismo, não de ascensão social para negros e mulatos, mas, ao contrário, que promove a hegemo-nia da raça dominante.

O embate de ideias dava-se porque, enquanto Freyre baseava-se na escola cul-turalista da antropologia de Franz Boas, Florestan utilizava o método histórico dia-lético de Karl Marx.

A discussão continua, mas não dimi-nui a importância do legado de Gilberto Freyre, ainda considerado um dos melho-res “intérpretes do Brasil”.

Jorge Amado

“Felizmente o Brasil futuro não vai ser o que os velhos

historiadores disseram e os de hoje repetem. Vai ser o que

Gilberto Freyre disser. A grande vingança dos gênios é essa”.

Monteiro Lobato

“O que o Brasil e os brasileiros devem a Gilberto Freyre poderia

ser definido como tomada de consciência histórica. Através da

interpretação gilbertiana, o Brasil ‘reconhece-se’ e foi ‘reconhecido’ pelo mundo, o que é, por sua vez,

um fato decisivo, uma data na história brasileira”.

Otto Maria Carpeaux

Fonte: Biblioteca Virtual – Fundação Gilberto Freyrehttp://bvgf.fgf.org.br/

“E então apareceu Casa-Grande & Senzala. Saíamos do terreno da ficção, da pura criação literária, agora abria-se um nôvo caminho para o estudo, para a

ciência. Foi uma explosão, um fato nôvo, alguma coisa como ainda não possu-íamos e houve de imediato uma consciência de que crescêramos e estávamos

mais capazes. Quem não viveu aquêle tempo não pode realmente imaginar sua beleza. Como um deslumbramento. Assisti e participei dêsses acontecimentos, posso dar testemunho. O livro de Gilberto, foi fundamental para tôda a trans-formação sofrida no país, verdadeira alavanca. O abalo produzido na opinião

pública por CasaGrande & Senzala foi decisivo. Uma época começava no Brasil, o aparecimento de tal livro era a melhor das provas”.

Depoimentos

Fonte: Foto de Arquivo pessoal, da família AguiarAutor: Eduardo Adonias Aguiar

Gilberto Freyre com a amiga Rachel de Queirós

Page 13: Neomondo maio 2013 54

NEO MONDO não pretende explicar a violência urbana. Apenas faz um apelo às pessoas para que não se isolem à frente de um computador; saiam de si mesmas e convivam mais; eduquem-se para o Bem; cerquem-se de pessoas sempre melhores do que elas próprias;

busquem o conhecimento na pesquisa, no estudo, na troca de ideias e de experiências posi-tivas seja no campo pessoal seja no coletivo; cuidem-se e cuidem dos mais fracos, dos mais

carentes, das crianças e adolescentes, dos idosos, das plantas, dos animais.

Somente pessoas de mentes e corpos sadios saberão salvar o Planeta do fim dos tempos. O gênero humano e a Terra agradecem!

desArME-se

Page 14: Neomondo maio 2013 54

Mais que dono da própria terra, ele quer é ser respeitado e viver sua realidade

Da Redação

Neo Mondo - Maio 201314

Dia de Índio é sempre

Tentar entender o que são povos indí-genas, como vivem e o que fazem é embrenhar-se num emaranhado de

etnias, costumes, organismos oficiais e não oficiais, de uma ponta a outra do País, mais intricado do que adentrar a própria floresta amazônica - ou o que vier a sobrar dela. Con-tribuição fundamental é a dos irmãos Villas Bôas, que iniciaram seus contatos com povos indígenas em meados do século 20 - trata-dos por eles com o respeito, a dignidade e a seriedade merecidos - e, de lá para cá, foram fiéis ao ideal de marechal Rondon, pioneiro na caminhada: “morrer se for preciso, matar nunca”. Noel Villas Bôas, um dos filhos de Orlando, mantém vivo o legado indigenista e, gentilmente, nos cedeu imagens que enri-quecem esta edição da NEO MONDO.

O censo de 2000 traz um dado que chegou a surpreender estudiosos: 734.131 mil brasileiros se definiram como índios,

em 26 Estados e no Distrito Federal, mais que o dobro do número do censo de 1991. A Fundação Nacional do Índio (Funai) confirma a tendência crescente da popu-lação indígena, ao estimar que são hoje cerca de 1 milhão de índios agrupados em centenas de etnias que se distribuem por todo o País. E atesta que a taxa de cres-cimento demográfico desse segmento da sociedade supera o crescimento da popu-lação não-índia.

Dá para dizer que a letra da música de Jorge Ben Jor faz sentido cada vez mais: em todo dia do ano, nossos índios podem comemorar seu dia. Importa mais, porém, conhecer um pouco mais do que pensam representantes dos próprios indígenas brasileiros, de instituições que trabalham diretamente com eles, para que a parte boa da música citada seja preservada: “Antes que o homem aqui chegasse/As Terras

Brasileiras/Eram habitadas e amadas/Por mais de 3 milhões de índios/Proprietários felizes/Da Terra Brasilis”...”Amantes da natureza/Eles são incapazes/Com certeza/De maltratar uma fêmea/Ou de poluir o rio e o mar/Preservando o equilíbrio eco-lógico/Da terra, fauna e flora/Pois em sua glória, o índio/É o exemplo puro e perfei-to/Próximo da harmonia/Da fraternidade e da alegria/Da alegria de viver!”

Identidade retomadaO Conselho Indigenista Missioná-

rio (Cimi) entende que existe uma reto-mada da identidade étnica por parte de alguns grupos indígenas. Embora reco-nheça que o organismo, da Conferência Na-cional dos Bispos do Brasil (CNBB), não disponha de dados sobre a citada autoiden-tificação, nos últimos anos, diversos gru-pos têm reassumido sua identidade étnica.

Especial - Dia de Índio

Page 15: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 15

é sempre

Um desses grupos são os Tukanos, do qual faz parte Estevão Lemos Barreto (Kemarõ, em sua língua materna). Para ele, “a cres-cente autoidentificação de indígenas no País se deve a vários fatores sociais e polí-ticos graças a algumas lideranças indíge-nas que levantaram a bandeira do direito a uma terra demarcada, desde os tempos da ditadura militar”. Nascido na Aldeia Mio-nã Pitó, na Terra Indígena Alto Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira, a noroeste do Estado do Amazonas, e pai de 6 filhos, Estevão Tukano é formado em Ciências Sociais e iniciou pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia. Um dos fatores que motiva a autoidentifi-cação, acredita, é a visibilidade que o movi-mento indígena conquista na mídia impres-sa e eletrônica. Outros são os programas de benefícios sociais de governos, ao reconhe-cer o direito diferenciado a povos indígenas

como sociedade de cultura de características próprias. Num momento em que “a conjun-tura política do País se afunda numa profun-da crise de estrutura social e política, onde quem não grita não é ouvido, quem não aparece não é visto, a estratégia indígena é muito bem utilizada”, avalia. O que, a seu ver, “tem despertado e motivado dezenas ou centenas de pessoas que até então viviam oprimidas, discriminadas, marginalizadas e muitas delas no anonimato a se autoidenti-ficar como indígenas ou seus descendentes”.

Tática contra o etnocídioEstevão Tukano ressalta que não se tra-

ta de uma questão de mera sobrevivência: “Quem sobrevive são os que migraram para centros urbanos de municípios e capitais dos estados, em busca de melhores condi-ções de vida – ou da ilusão de que viver na cidade é privilégio -, e outros em busca de

aprimorar cada vez mais seus conhecimen-tos”. Não que não haja os que se adaptam e vivem bem em centros urbanos. Mas, “uma coisa é certa: indígenas que vivem na sua terra de origem, estes não sobrevi-vem e sim vivem dentro da realidade que o ambiente lhes proporciona, atendendo a aspectos culturais de cada povo”.

Uma análise próxima da do Cimi, ao lembrar que, por muitas décadas, alguns povos indígenas tiveram de usar como mecanismo de resistência o ocultamento de sua identidade. O que, no entender da instituição, era necessário como um meio de proteção para que as pessoas sobrevi-vessem a diversas agressões. Houve casos em que muitos negaram sua identidade por medo, como os Koiupanká, em Ala-goas. Outros se isolaram ou se integraram a outros povos para continuar existindo, como os Xetá do Paraná.

Indios do Alto Xingu dançando em homenagem ao Kuarup de

Orlando Villas Bôas, 2003

Ace

rvo

Orl

ando

Vill

as B

ôas

Page 16: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 201316

Nos últimos 30 anos, é que muitos po-vos voltaram a assumir publicamente suas identidades. A partir daí, reapareceram no cenário nacional diversos povos que, por muito tempo, não eram conhecidos ou eram considerados extintos pelos regis-tros oficiais do Estado brasileiro.

Na visão do Cimi, é possível dizer que essa tática tenha sido a principal e mais eficiente estratégia na luta contra o etno-cídio incentivado por políticas integracio-nistas. Ao fingir não ser mais indígena, o indivíduo pertencente a um determinado povo conseguia preservar sua integridade física. Ele deixava de ser perseguido por políticos e outras pessoas da região com interesses econômicos sobre suas terras e recursos naturais.

Diversidade cultural expressivaA Funai cita alguns aspectos impor-

tantes, como o fato de a população in-dígena do Brasil representar uma das maiores diversidades culturais do plane-ta. São 220 povos diferenciados, falantes de 180 línguas, distribuídos em todo o território nacional. A instituição lembra que, para os povos que vivem em seus territórios tradicionais, o governo promo-veu a regularização de mais de 400 áreas, totalizando 12% do território nacional. Se muitas dessas áreas enfrentam proble-mas de invasões, exploração ilegal dos re-cursos naturais e outras formas de pressão, a Funai - para conter os abusos e garantir os direitos dos povos indígenas - executa o Programa de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas. O que é feito em ações que procuram considerar as especificida-des culturais de cada povo, valorizando a autonomia e a participação dos indígenas nos processos políticos que definem suas condições de vida.

Firmeza YanomamiPara quem já foi consultor-antropólogo

em convênio Funai-Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), atua em vários conselhos socioam-bientais, é membro fundador do Instituto de Empreendedorismo Indígena do Ama-zonas e presidente da Confederação das Or-ganizações Indígenas e Povos do Amazonas (Coiam), pode-se dizer que Estevão Tukano é legítimo representante de povos indígenas.

Ele fala com desenvoltura tanto de as-pectos geográficos e históricos da região que mais conhece, o Amazonas - Estado que concentra o maior número de popu-lação indígena, algo em torno de “27% do seu total no Brasil e, portanto, a maior diversidade de povos indígenas” - como dos Yanomamis, etnia, segundo ele, mais focada pelos holofotes da mídia. O pre-sidente da Coiam é cauteloso. “Se quem aparece na mídia é conhecido, todavia a mesma mídia que elitiza, destrói ou acaba com a imagem de qualquer cidadão”, diz. Estevão Tukano lembra que, entre suas ca-racterísticas, os Yanomamis se destacam pela manutenção da cultura mediante o grafismo facial e a preservação ambiental. Habitantes de um território quantitativa-mente superior à área de muitos países europeus e sob a liderança de Davi Cope-nawa, esse povo, como “guardiões da flo-resta, trabalha duro para ter uma condição digna para viver”.

O Cimi, por sua vez, destaca que os Yano-mamis se mostram firmes contra a exploração mineral (por garimpeiros ou empresas) em suas terras. Ao lembrar que a terra Yanomami foi e continua sendo constantemente vítima de in-vasão de garimpeiros, que gera diversas conse-quências negativas para o povo, como vírus de doenças e contaminação de rios, o organismo

da CNBB considera que muito da força Yano-mami está nas lideranças desse povo, que não toleram a exploração mineral em suas terras.

Amazonas, um espelhoPor contar com 178 terras indígenas

demarcadas oficialmente, corresponden-do a 29% do território do Estado, com 45.977.834 hectares, o Amazonas bem que pode ser um espelho para as demais unidades da Federação. O reconhecimen-to dessas terras, ressalta Estevão Tukano, representa papel fundamental na proteção das culturas dos povos indígenas e na con-servação ambiental em vista do fator agra-vante de mudanças climáticas.

O nível de organização indígena a que se chegou nesse Estado do Norte do País é fru-to de muita consciência étnica e persistência, além de tudo. O presidente da Coiam afirma que, em sua trajetória, “lideranças indígenas das federações e organizações regionais do Amazonas discutiram em suas reuniões lo-cais a necessidade de ampliar a articulação política do Movimento Indígena em outros Estados da Amazônia Brasileira”.

Estatuto e relatórioQuando já estávamos com esta matéria

pronta, a Organização das Nações Unidas di-vulgou relatório, em que, entre outros aspec-tos, alerta para condições precárias em que vi-vem populações indígenas. Isto porque muitas delas não controlam suas terras e recursos. Se 15% da população brasileira vie na pobreza, en-tre os índios, a taxa sobe para 38%.

O relatório, resultado de trabalho coor-denado por James Anaya, descendente de apache, aponta sobretudo problemas em de-marcações de terra, falta de recursos em pro-jetos educacionais, pouca participação de po-vos indígenas em cargos políticos e, embora

Especial - Dia do Índio

Cri

slia

n M

ich

el B

arre

to M

ach

ado

Indígenas que vivem em sua terra de origem preservam a própria cultura num aprendizado constante

Telmo Ribeiro Paulino

Estevão Tukano: “trabalho duro para ter condição digna”

Page 17: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 17

reconheça avanços nas iniciativas da Funai, defende que a Fundação abandone posturas paternalistas, para se tornar mais efetiva na defesa dos interesses indígenas.

O relatório diz ainda que o novo Esta-tuto do Indio, que está em debate, limitará a proteção dos direitos dos povos. No to-

SERVIÇO

Para saber mais sobre as organizações indígenas citadas e ajudá-las em seus projetos, contatar:Fundação Villas-Bôas - www.expedicaovillasboas.com.brCoração da Terra - www.yvykuraxo.org.brCoiam - [email protected]; [email protected]ãos Villas Bôas: www.estadao.com.br/ext/especial/villasboas/; [email protected] site da Funai é www.funai.gov.br; e o do Cimi é www.cimi.org.br

Entre as organizações envolvidas com a diver-sidade cultural estão a Fundação Villas-Bôas e a Yvy Kuraxo (Coração da Terra) - a primeira, do Pará; a segunda, do Rio Grande do Sul. A Fundação Villas-Bôas, presidida por Paulo Celso Villas-Bôas, está empenhada em um projeto da mais alta significância para tornar a Amazônia - e o País - sustentável: a Expedição Villas-Bôas pelo Brasil. Para isso, busca parcerias com áreas do setor produtivo, que lhe permitam viabilizar o projeto. Na empreitada, ele conta com sua “fiel escudeira” Liana Utinguassú, índia Guarani que preside a Yvy Kuraxo. Escritora e consultora, ela é autora do livro O Chamado da Terra. Paulo Celso esclarece: “A Fundação/Expedição Villas-Bôas pelo Brasil prima pelo conceito de Responsabilidade Social correlacionando-o com o amor ao próximo e ao planeta em um único tripé: o homem e sua família protegido pela força divina; a economia com o setor

produtivo; e a natureza e o trabalho com responsabilidade socioambiental”. Em que pese o sobrenome, Paulo Celso não é da família dos irmãos Villas Bôas, Orlando e Cláudio, indigenistas históricos. Mas o

IDEAl cOnSERVAcIOnISTA E pOVOS InDÍgEnAS

Orlando Villas Bôas

Ace

rvo

Orl

ando

Vill

as B

ôas

Paulo Celso e Liana: os dois se dizem fiéis escudeiros; para ele, a Guarani é uma guerreira; ela o trata como irmão

Acervo de Paulo Villas Bôas

ideal conservacionista, implícito em seu projeto, e a evolução dos povos indígenas caminham juntos. Assim como Paulo Celso e Liana, incansáveis à frente de ações pró--indígenas, como esta expedição.

tal, são 19 propostas no Senado e 15 na Câmara para modificar a forma pela qual as terras são demarcadas.

Para Liana Utinguassú (saiba mais sobre ela no quadro abaixo), é triste constatar que o que se lê no relatório é mais e mais visto entre os índios brasileiros.

Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Bôas, década de 1950

Primeiros contatos com os Txikão, em 1967

Chegada dos Txikão ao Parque Indígena do Xingu, década de 1970

Claudio e Orlando com um índio xinguano, década de 1970

Ace

rvo

Orl

ando

Vill

as B

ôas

Page 18: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 201318

Doutor das

Pedro Martinelli é um dos poucos bra-sileiros que conhecem a Amazônia, não por ouvir falar e ler ou por meio de

estudos de gabinete. Ele documenta a região e seu povo desde 1970, quando, aos 20 anos, foi enviado pela sucursal paulista do jornal O Globo para fotografar a expedição dos irmãos Villas Bôas, Cláudio e Orlando, sertanistas que, com o irmão Leonardo, idealizaram o Parque Nacional do Xingu (hoje Parque Indí-gena do Xingu), fundado em 1961 - a primeira terra indígena homologada pelo governo fe-deral. Prêmio Esso de Jornalismo na categoria Informação Científica, Tecnológica e Ecológica (1996) , é fotógrafo independente desde 1994 e tem inúmeras reportagens publicadas nos

principais periódicos do País. Reconhecida-mente, um dos maiores fotógrafos brasileiros.

Os Villas Bôas foram responsáveis por sua “pós-graduação em mato”, como Pedrão costuma dizer. Pedrão é como todos cha-mam esse descendente de italianos, criado em Santo André, no ABC, em São Paulo, em uma família de oito irmãos. Desde o iní-cio, em 1967, na sucursal do jornal Gazeta Esportiva - quando revelou a primeira foto e se apaixonou pela profissão -, sua carreira voou. Trabalhou no Diário do Grande ABC em Santo André até 1970 e foi para a su-cursal paulista de O Globo, onde ficou até 1975. Fez de tudo, desde cuidar dos linoti-pos até aprender a fotografar e revelar.

Pedro Martinelli, fotógrafo da Amazônia, é pós-graduado em mato pelos irmãos Villas BôasDa Redação

Especial - Dia do Índio

O primeiro índio fotografado em 1973, ao sair da pesca: “Nós levamos três anos para fazer contato, adiando ao máximo a catástrofe”

“Cheguei na redação indicado por um amigo do Diário do Grande ABC, o Chicão. Nove da manhã, o chefe, que se chamava Garini, cortou um pedaço de jornal que es-tava lendo e falou: ‘senta e escreve’. Eu tinha trabalhado em cartório, fiz curso de datilo-grafia, era bom nisso.” Foi assim que Pedrão se tornou rádio-escuta, não havia vaga para fotógrafo. Rádio-escuta é a pessoa que fica-va ouvindo rádio e gravando os noticiários. “Acontece que eu mais fotografava do que gravava noticiário. Trabalhei bastante, e cinco meses depois O Globo tinha mandado dois fotógrafos para a Amazônia; nenhum deu certo, ninguém queria ir, com medo de malária, da mata. Eu fui, e pronto”.

Page 19: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 21

No mato, todo diaEntão tudo começou. Mas Pedrão não era

um iniciante em mato. “Eu já conhecia a Mata Atlântica em Santo André, desde menino caça-va com meu pai, na Serra do Mar, que ficava do lado da minha casa. Meu pai fechava o açougue às 3 horas, e a gente ia para o mato todo dia. Eu tinha adoração pelo mato, a Mata Atlântica, deslumbrante, mas com um olhar de caçador, não de ambientalista, não tinha noção do ta-manho da encrenca que estava por acontecer. Em 1970, eu queria conhecer a Amazônia”.

Na época da ditadura, os militares come-çaram a construir estradas: Cuiabá--Santa-rém, Transamazônica, Perimetral Norte. Foi quando O Globo escalou Pedrão para cobrir

a expedição de contato com os índios gi-gantes, os Kranhacãcore (homem grande da cabeça redonda), como os inimigos Txucar-ramães os chamavam. Hoje são os Panará. A frente de atração era chefiada pelos irmãos Claudio e Orlando Villas Bôas, cuja missão era fazer o contato com os índios que esta-vam no rumo da rodovia Cuiabá--Santarém.

“Fui para ficar um mês e acabei fican-do três anos”, conta. “Encontrei meus mes-tres Villas Bôas, que tinham uma concep-ção contra a construção de estrada, a favor de manter os índios isolados, enfim...”.

Ficou três anos no rio Peixoto de Aze-vedo (divisa de Mato Grosso e Pará) até fazer contato com os índios. “O contato foi em abril de 73.”

Quando ninguém esperava, sai do meio da mata um índio gigante: ”Estava pescando e apareceu no fim da tarde, inteirinho, mara-vilhoso”, lembra. A foto do primeiro conta-to foi publicada na primeira página de O Glo-bo, em 11 de fevereiro de 1973, depois que as partes íntimas do índio foram retocadas por ordem do censor que ficava na redação.

Especialista em Amazônia Assim Pedrão começou a se especia-

lizar em Amazônia. Ficou em O Globo até 1975, trabalhou depois no Palácio do Governo de São Paulo e foi para a revista Veja em 1976, onde ficou até 1983, como fotógrafo e depois editor de fotografia. Entre 1983 e 1994 foi diretor de serviços fotográficos do Estúdio Abril.

Pediu demissão para dedicar-se à do-cumentação da Amazônia. “A primeira coisa que eu fiz foi ver se encontrava o índio que tinha fotografado em 1973. Até então ninguém sabia me dizer se eles es-tavam vivos, principalmente o que havia saído na foto de primeira página. Fiquei 20 anos tentando, as informações eram mui-to escassas, só sabia que eles haviam sido transferidos para o Xingu. Logo depois do contato, a estrada passou, morreu 70% da população, acho que ficaram vivos 76. Para impedir a extinção, a Funai os trans-feriu para o Xingu”, conta.

Em 1994, com seu projeto pessoal elaborado durante anos, Pedrão comprou

Pedro Martinelli: quase 40 anos de Amazônia, um trabalho inestimável

Div

ulga

ção

Pedr

o M

arti

nel

li

Page 20: Neomondo maio 2013 54

Problema maior é a degradação humana... Se nada for feito, (região) não dura mais 20 anos;

como falar em sustentabilidade?“

Especial - Dia do Índio

Neo Mondo - Maio 201322

um barco para fazer seu primeiro livro Amazônia povo das águas. Foi atrás dos Kranhacãcore com um antropólogo norte--americano, conhecedor da língua deles que, de certa forma, salvou a sua vida.

“Eu fui o primeiro que participou do con-tato e voltou na aldeia 20 anos depois. Cláu-dio e Orlando se aposentaram e nunca mais voltaram. Os mais velhos me reconheceram, e foi uma loucura, o pajé os instigava pra me matarem.” Isto porque culpavam Pedrão, um membro da expedição de 1973, por todo o mal que aconteceu a eles depois do contato.

“Mas o antropólogo Steve (Pedrão recor-da-se apenas do nome – N.R.) foi contornan-do, na língua deles, calmo. Foi colocando mi-nha história. Dormi na aldeia; foi dramático,

O mesmo indio, quase 40 anos depois : “Fiquei amigo dele; hoje os Panará entendem perfeitamente o meu

roso”, diz. Para o encontro, Pedrão encontrou um índio amigo da antiga expedição: “Fomos numa caminhonete e andamos até a antiga al-deia”. Encontraram terra arrasada.” Onde era aldeia tem ponte de concreto; fotografei tudo e liguei para Merval Pereira, então diretor do Globo, que nos anos 70 era colega repórter. Quando consegui falar, ele disse: ‘Vem para o Rio agora’. Ficaram loucos com o material, o jornal não tinha nunca voltado. Fizeram uma série de matérias, e ganhamos o Prêmio Esso de Informação Jornalística”.

Em 1998, foi realizada uma grande ex-posição no Sesc Pompéia com o lançamento do livro Panará a volta dos índios gigantes. Compareceram seis índios, fizeram uma linda dança durante três dias. Entre eles, o índio gigante fotografado há 35 anos. De camiseta pólo, sapatos, não é mais um ín-dio gigante; hoje ele é o seu Euclides.

As contas do que se perdeu Desde 1970, Pedro Martinelli come-

çou a fazer as contas de tudo que se estava perdendo. “Muita gente que fala em sus-tentabilidade não conhece mato, não tem idéia da perda. Hoje saiu uma notícia de que desmatamos 36 % menos que no ano passado. São burocratas de escritório que ficam tomando banho de luz fluorescente na frente do computador a vida inteira, nunca falaram com caboclo, nunca dormi-ram mais de uma noite no mato”, avalia. Pedrão se enfurece porque suas contas não batem com as oficiais.

“Na minha conta, eu juro, quando vi a estrada chegando, nos anos 1970, as pri-meiras derrubadas, pensei que a Amazô-nica se acabaria em 20 anos. Posso ter er-rado, mas se continuar assim, em 20 anos não vai haver mais nada”, profetiza.

Segundo Pedrão,nos últimos cinco anos a qualidade de vida piorou muito: “ A questão não é nem ambiental; o problema é a degradação humana que a Amazônia está sofrendo. Trabalhei para um especial da revista Veja e fiz a parte de Manaus in-teira em quatro dias. Toda a periferia. Não dá para explicar, é egoísta pensar em árvo-re, preservação de mato, de bicho, com o ser humano naquelas condições”.

acordei e pensei: estou vivo, então não me matam mais. Porque o lance é matar à noite, é clássico no Xingu: dão uma casa pra dor-mir e matam de borduna, muitos brancos morreram lá assim”, diz Pedrão.

Ponte no lugar de aldeia Teve início, então, uma grande relação

com aqueles índios. “Levei as fotos, eles viram parentes que tinham morrido, foi muito dolo-

Pedr

o M

arti

nel

li

Page 21: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 23

O livro Panará a Volta dos Índios Gigantes (1998) conta toda a história do contato, a transferência para o Xingu e a mudança para o Rio Iriri, onde os Panará estão desde 1994. Você pode encontrar a obra no site www.istitutosocioambiental.org Pedro Martinelli publicou ainda Casas Paulistanas (São Paulo, 1998), Amazônia o Povo das Águas (com exposição individual no Museu de Imagem e do Som, São Paulo, 2000), Mulheres da Amazônia (com exposição no Museu da Casa Brasileira, São Paulo 2004) e Gente X Mato, São Paulo 2008. Estes dois últimos podem ser adquiridos com o próprio autor no seu site www.pedromartinelli.com.br

Uma tartaruga vale R$ 5 , que é o preço de um litro de óleo diesel na Amazônia. Duas horas de TV consomem um litro de óleo diesel, ou seja, uma tartaruga. Cinco horas de TV valem uma paca. Para come-çar a discutir sustentabilidade, é preciso discutir qual a alternativa para o caboclo comprar o diesel dele e continuar a ver te-levisão sem vender tartaruga nem matar paca”, afirma.

Todo o trabalho de Pedrão na docu-mentação da Amazônia nunca foi financia-do: ”Nem um litro de gasolina, nenhuma passagem de avião, ninguém me hospe-dou por conta. E também ninguém me questionou até hoje; só o caboclo poderia me questionar, mas não”.

Enquanto grelha uma abobrinha na cha-pa, Pedrão , que em seu blog coloca estas e muitas outras histórias preciosas de sua vida profissional, diz que tem vontade mesmo é de falar sobre comida.”Sempre cozinhei, des-de pequeno; todos os oito irmãos aprende-ram a limpar casa, passar roupa e cozinhar - a nossa primeira grande lição de vida”.

E a comida da Amazônia? Pedrão diz que está na moda,mas esta é mais uma frente de dilapidação do patrimônio de índios e caboclos: “Neguinho vai lá, usa a pimenta deles, a idéia deles, vota, faz um prato bonitinho para o mundinho fashion, mas o retorno, a contrapartida é zero”.

Ele pergunta: como arrumar o mundo sustentável para esse homem da Amazônia? “Eu comprei ingresso na poltrona vermelha, numerada, vou sentar e assistir de camarote.”

Lição dE orLANdo ViLLAs BôAs

“Durante a longa permanência entre os índios, a única contribuição que talvez lhes tenhamos dado foi mostrar aos civilizados que o índio brasileiro não é um selvagem agres-sivo e destruidor. Nós trouxemos a notícia de que eles constituem uma sociedade tranqüila, alegre. Ali, nin-guém manda em ninguém. O velho é dono da história; o índio, dono da aldeia; e a criança, dona do mundo. Nesse tempo todo em que vivemos perto deles, nunca assistimos a uma discussão, a uma desavença na al-deia ou a uma briga de marido e mu-lher. Se a criança faz alguma coisa que o pai desaprova, ele não a repre-ende. Apenas a tira de onde está e a leva para outro lugar. É admirável, também, o respeito que os pequenos têm pela natureza, valor que adqui-rem observando o comportamento dos mais velhos.

O chefe, ou cacique, é o líder cul-tural da aldeia. Ele goza de muitas prerrogativas, mas deve observar uma série de restrições: não pode falar alto, nem rir ou fazer gestos bruscos, por exemplo. Sua função não é impor re-gulamentos nem determinar tarefas, mas estabelecer uma ligação entre a comunidade e os pajés que se reúnem todas as tardes para conversar, fumar e deliberar sobre o bom andamento da tribo. O cacique não participa da con-versa. Apenas ouve o que está sendo dito e na manhã seguinte, segurando o arco numa das mãos, dirige-se ao povo que se junta diante de sua maloca para escutar as recomendações dos pajés e, em seguida, colocá-las em prática. Supostamente os pajés nunca erram porque não têm outra preocupação além de ficar zelando pelo bem-estar da comunidade.

Quando colocamos a possibili-dade do diálogo entre os diferentes povos e culturas como horizonte a ser alcançado, precisamos logo esclarecer que ele pressupõe que os povos este-jam fortalecidos e seguros (quanto é questão de suas terras; quanto é sua identidade étnica e nas suas relações com ‘os outros’)”.

www.expedicaovillasboas.com.br/ portal/orlando-villas-boas.html

Em Belém as pessoas moram em cima do esgoto, em palafitas Pedrão enfatiza: “Se fal-ta esgoto em São Paulo, imagine em Belém e Manaus. Vou a Belém há quase 40 anos. Desde que construíram o Hilton Hotel, há 25 anos, até hoje, tem esgoto passando em fren-te. Duvida disso? Você pega um táxi e vai até o Porto da Palha, a 10 minutos do Hilton, na Avenida Beira Rio, você vai ver ser humano no pior estado.Você não imagina! O problema não é só deste governo, é de vários. Isso que eu falei na boca de um sociólogo fica interes-santíssimo, jamais ele falará de saneamento básico, de esgoto, da degradação humana. Continuam falando uma linguagem que não existe. E daqui a pouco, vão falar o que mais?”.

Fossa olímpica Para Pedro Martinelli, antes de salvar a

Amazônia, as pessoas deveriam cuidar do rio Tietê, que passa no nosso quintal. “A raia olím-pica da USP é de esgoto. Onde estão sentados os grandes cérebros do País, a 200 metros do rio Pinheiros, ao lado existe uma favela. Eu pergunto: há alguma assistente social fazendo trabalho naquela favela? Este país precisa de assistente social, para ensinar a cuidar de ver-me, tratar de saneamento. Porque há muitos trabalhos em favelas que ensinam a mexer em computador, mas não a defecar na fossa. Sim, deve haver aula de teatro, de música, mas não há fossa séptica.Esgoto, saneamento básico, estas são as palavras necessárias. Assim esta-remos dando um passo enorme”, alerta.

“No mato, para ver televisão a pessoa tem de matar uma paca, vender tartaruga.

LiVros dE PEdro MArtiNELLi

Page 22: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Outubro 2008A

Page 23: Neomondo maio 2013 54

ditório que essa espécie vive, são perdas e ganhos em frações de segundos, de meni-na passa a mulher, de filha passa à mãe, de mãe a filha e de filha a filha da mãe.

São sentimentos opostos vividos durante a sua trajetória, são alegrias, fracassos, sonhos sonhados, sonhos abortados, esquecidos e paralisados, mas descobertas vividas profun-damente no tempo e espaço de sua existência.

Bicho mãe tem desejo de VIDA, vida que nasce a cada dia, vida que transforma e amadurece, vida que envelhece, mas que nunca perde a essência da infância.

Bicho mãe tem alma de anjo “encapetado” e sensibilidade guerreira.Bicho mãe ama incondicionalmente, se entrega neste ofício sem vacilar.Bicho mãe tem um profundo sentimento de posse e pertence. Ama a sua continuida-de e a continuidade de sua continuidade.

Bicho mãe, quando tem uma prole, sabe o que cada um deles precisa e sente.Bicho mãe, quando tem um único filhote, sufoca-o de carinhos, preocupações e super-proteção. Bicho mãe é admirável mesmo!

Bicho mãe surta numa explosão de raiva e rapidamente se recompõe com a mesma velocidade do surto como se nada fosse. Bicho mãe conhece o perdão e exerce-o com uma naturalidade quando se trata de aplicá-lo ao seu filhote.Bicho mãe é o bicho que mais se culpa, pois não aceita de forma alguma errar na criação de seu filhote.Bicho mãe é maluco mesmo!!

Bicho mãe aproxima-se de Deus com tanta facilidade quando necessita suplicar pelo seu

Luciana Stocco de

Que bicho estranho e esquisito é esta es-pécie feminina, ao mesmo tempo em que deseja ver sua cria crescida com indepen-dência, deseja ardentemente que ela nunca saia de perto se aventurando demais.

Afinal, o bicho mãe é quem sabe o que é melhor...

Tem uma boca que professa e uma língua felina e doce que educa com firmeza e suavidade.

Até pouco tempo atrás era apenas bicho filha, e reinava no âmbito de filha, mas ao se tornar bicho mãe pode compreender o que intensamente a espécie tem como instinto de proteção e preservação.

Nossa! Os cientistas deveriam observar atentamente este animal mãe para busca-rem maneiras mais eficientes de preser-var o planeta, pois é um animal que a todo custo e sem limites olha, ora e cuida com muita dedicação da sua continuida-de. Provavelmente, o bicho mãe é a única espécie que não será extinta do planeta.

E, ai de quem ousar mexer com seus filhotes, vira, verdadeiramente, uma fera irracional envolvida por uma raciona-lidade que só a sua categoria consegue compreender.Proteger com seus filhotes é uma tarefa exclusiva da mãe felina.

Bicho mãe é estranho mesmo!

Bicho filha que se deliciava na sua filiação percebeu que aos quarenta anos algo novo acontecia, modificações ocorriam, bicho fi-lha seria bicho mãe da filha ou filha da mãe.Este universo que se descortinou a sua frente revelou o ciclo inevitável e contra-

filhote. Para o bicho mãe, este filhote nunca cresce, é seu menininho ou sua menininha crescidinho, mas pequeninos e indefesos.Bicho mãe é viajante mesmo!

Tem um espírito astuto que sabe direiti-nho fisgar seu filhote, seja pelo estômago ou com suas sábias palavras. Só o bicho mãe consegue isso com tanta desenvol-tura, traz seu filhote de volta ao longo de sua vida para baixo de suas asas.

Bicho mãe tem asas para acolher todos, presas para afastar qualquer perigo e nadadeiras para incentivar mergulhos.Bicho mãe arrasta, rola, voa e salta quan-tas vezes forem necessárias para ver os seus filhos saudáveis e satisfeitos.Bicho mãe tem medo quando seu filhote vai alçar o primeiro vôo, mas acompanha--o no primeiro, segundo, terceiro, quantos vôos forem necessários, com a mesma vibração, empolgação do primeiro.Bicho mãe é incansável mesmo!!!

Bicho mãe é engraçado, consegue nos alegrar nos momentos mais complicados, nos distraindo e acalentando.Bicho mãe é um bicho esquisito mesmo!!! Mas um bicho eternamente apaixonante e apaixonado por sua cria.

“Uma homenagem sempre atual a todas as mães do Planeta “.

Luciana Stocco de MergulhãoMestre em Educação, especializada

em Psicopedagogia e graduada em Pedagogia.

Professora universitária dos cursos de Pedagogia,Psicopedagogia e atendi-mento psicopedagógico. Experiência

profissional de professora e coordena-dora pedagógica de educação básica.

BICHO MÃE

Neo Mondo - Maio 2013 23

Page 24: Neomondo maio 2013 54

24 Neo Mondo - Maio 2013

Q uando pensamos em meio am-biente no Brasil, as imagens re-correntes são da fauna e da flora

nacionais, com toda a sua diversidade biológica. Não é para menos, o nosso País possui uma das maiores concentrações de plantas e animais do mundo.

No entanto, o meio ambiente não se restringe ao meio natural, pois o seu con-ceito também está ligado ao meio artifi-cial, social e cultural. Assim, quando se fala em proteção do meio ambiente, não se está restringindo o cuidado apenas aos exemplares da flora e da fauna, já que a definição de meio ambiente é ampla e abarca tanto o homem quanto a natureza.

Seguindo essa linha, percebe-se que o patrimônio cultural nacional é parte do meio ambiente. No meio ambiente cultural, estão inseridas as criações ar-tísticas, os objetos, os documentos his-tóricos e tantas outras manifestações culturais, como a dança, a literatura, a música, e outras expressões que fazem parte da cultura brasileira.

Os bens que compõem o patrimônio cultural podem ser materiais, como as

construções históricas, ou até mesmo ima-teriais, como os dialetos de algumas comu-nidades indígenas. Ambos são importan-tes e merecem ser preservados, para que possamos garantir a identidade e memória dos diferentes grupos da sociedade e a das diferentes regiões do Brasil. Festas popu-lares e de longa tradição, como a do Boi, em Parintins, o Guerreiro, em Alagoas, e a Semana Farroupilha, na região Sul, são exemplos da riqueza regional do nosso meio ambiente cultural.

A Constituição brasileira de 1988 protege o meio ambiente cultural brasi-leiro, incumbindo ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, a proteção desse patrimônio por meio de inventá-rios, registros, vigilância, desapropriação e tombamento.

O tombamento é uma medida admi-nistrativa usada para preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental. Tanto pode ser realizado em âmbito federal, pelo Instituto do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, como pode ser proveniente de ato estadual ou municipal. Na verdade, um

bem pode ser tombado simultaneamente em âmbito local, regional ou nacional. É o que acontece com o centro histórico da cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, que é tombado pelo Município, pelo Esta-do, pela União, e até pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade.

A lista do Patrimônio Mundial da UNESCO é formada por 878 locais es-colhidos em razão de suas propriedades naturais ou culturais. Desse total, 689 são propriedades culturais, 176 são proprieda-des naturais e 25 são mistas. O Brasil pos-sui 17 locais na lista, dos quais dez foram escolhidos por suas qualidades culturais. Assim, além da Cidade Histórica de Ouro Preto, também integram a lista por razões culturais os Centros Históricos das cida-des de Olinda, Salvador, São Luís do Ma-ranhão, Diamantina e Goiás; bem como as Ruínas de São Miguel das Missões; o Santuário do Bom Jesus do Congonhas; a Cidade de Brasília e o Parque Nacional da Serra da Capivara.

Além dos centros históricos de algu-mas cidades brasileiras, os modos de criar e de produzir enraizados no cotidiano de

Meio AMbiente CulturAl no brAsil:Reflexos da Identidade de um Povo

Page 25: Neomondo maio 2013 54

Meio AMbiente CulturAl no brAsil:

Neo Mondo - Maio 2013 25

net. Atualmente, o Ministério da Cultu-ra está apoiando um projeto de reforma da lei que visa ampliar a capacidade de fomento à cultura. Tal projeto ficou dis-ponível para consulta pública até o início do mês de maio desse ano e propõe a instituição do Programa Nacional de Fo-mento e Incentivo à Cultura (Profic) com o objetivo de mobilizar recursos e aplicá--los em projetos culturais.

Além dos instrumentos que já estavam previstos na Lei Rouanet, como o Fundo Nacional da Cultura (FNC), o Fundo Na-cional de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e os incentivos a projetos culturais, o Projeto de Lei inclui o “Vale-Cultura”, a ser regulamento por lei específica.

O propósito central do vale está re-lacionado com a idéia do ex-ministro Gilberto Gil em fazer da cultura um ele-mento da cesta básica dos brasileiros. Assim, de acordo com o Projeto de Lei, o Vale-Cultura (no valor de 50 reais) deverá ser fornecido ao trabalhador que receba até cinco salários mínimos, podendo-se descontar de sua remuneração até 10% do valor, ou seja, 5 reais.

Natascha Trennepohl

Correspondente especial de Berlim – Alemanha

comunidades também integram o patri-mônio cultural brasileiro. Um exemplo disso são as técnicas tradicionais de cons-trução de embarcações (e de navegação oceânica) desenvolvidas pela comunidade caiçara de Cairuçu, no Município de Parati (RJ), as quais são patrimônio cultural da referida comunidade. Neste caso, o meio idôneo para a sua proteção não é o tomba-mento, mas o registro.

De acordo com a Constituição Brasi-leira, a proteção de documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como de monumentos, paisagens naturais notáveis e sítios ar-queológicos faz parte da competência comum, o que significa dizer que cabe a todos os entes da federação. A Cons-tituição prevê, ainda, o estabelecimento de incentivos para a produção e o acesso a bens culturais.

O acesso às fontes culturais está previsto na lei que criou o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), em 1991. Essa lei ficou mais conhecida como Lei Rouanet, por causa do então ministro da cultura Sérgio Paulo Roua-

O Vale-Cultura pretende estimular a visitação de estabelecimentos culturais e artísticos, bem como incentivar o acesso a eventos e espetáculos, como peças de teatro, shows, museus etc. É interessante ressaltar que o vale inclui na área de ativi-dades culturais a literatura, o que permiti-rá o seu uso para a aquisição de livros.

É bem vinda a criação de diferentes meios para incentivar as manifestações culturais que refletem a identidade de um grupo. Assim como meios para proporcio-nar o acesso aos bens culturais e as formas de expressão, criações científicas ou cul-turais. Dessa forma, ajudamos a construir essa identidade e a fortalecer a história e o meio ambiente cultural de um povo. Afi-nal, é de todos nós o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Reflexos da Identidade de um Povo

Natascha TrennepohlAdvogada e consultora ambiental

Mestre em Direito Ambiental (UFSC)Doutoranda na

Humboldt Universität (HU) em Berlim.E-mail: [email protected]

Page 26: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Outubro 200824

OZ 8629_0005_41X27.5_REV NEO_MONDO_TARTARUGA.indd 1 16/01/13 18:03

Page 27: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Setembro 2008 A

OZ 8629_0005_41X27.5_REV NEO_MONDO_TARTARUGA.indd 1 16/01/13 18:03

Page 28: Neomondo maio 2013 54

CulturaA

cerv

o Ip

han

Page 29: Neomondo maio 2013 54

Para garantir a preservação do patrimônio cultural brasileiro, surgem novas propostas e mecanismos

Da Redação

S e desde sua origem, o povo bra-sileiro recebe influências tão diversas, é de se esperar que sua

produção cultural seja diversificada na mesma medida.

Em tempo, a questão da preservação da diversidade cultural vem recebendo atenção não só de governo e Ongs (Organizações Não-Governamentais) brasileiras, como também de instituições pelo mundo afora.

Em 2002, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) divulgou sua “Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural”, na qual afir-mou que “o respeito à diversidade das cultu-ras, à tolerância, ao diálogo e à cooperação, em clima de confiança e de entendimento mútuos, estão entre as melhores garantias da paz e da segurança internacionais”.

Para o órgão, “a diversidade cultural apresenta um duplo desafio: assegurar a co-existência harmoniosa entre indiví-duos e grupos de culturas diferentes en-quanto defende a criatividade por meio de inúmeras expressões de culturas, estas denominadas como criação contemporâ-nea e patrimônio cultural. O patrimônio cultural é subdivido em patrimônio tan-gível e intangível”.

Os conceitos citados são colocados em prática por meio de “ações a favor da di-versidade”, que incluem preservação dos direitos humanos, apoio aos indígenas, combate ao racismo, entre outras.

Patrimônios tangível e intangívelEnquanto o patrimônio cultural tan-

gível, composto por bens materiais, como monumentos, achados arqueológicos, obras de arte, etc, sempre recebeu aten-

resguardada

ção de órgãos e governos, é relativamente nova a defesa do patrimônio intangível, composto por expressões culturais ima-teriais, como danças, lendas e tradições diversas, as quais são passadas por ances-trais aos seus descendentes.

A expressão foi oficializada pela UNESCO em 1997 e, desde 2001, o órgão divulga, a cada dois anos, a Lista Repre-sentativa do Patrimônio Cultural Ima-terial da Humanidade. Para obtenção da lista, os bens inscritos pelos países signatários da Convenção para a Salva-guarda do Patrimônio Cultural Imaterial são avaliados por um júri internacional.

Os bens imateriais inseridos na lista passam a receber incentivo para sua salva-guarda, como é o caso das expressões orais

O frevo pernambucano é um bem cultural imaterial reconhecido pelo IPHAN

Ace

rvo

Iph

an

e linguagem gráfica dos índios Wajãpi, do Amapá e do Samba de Roda do Recôncavo Baiano, ambos expressões brasileiras que já integram a lista (saiba mais sobre elas no quadro abaixo).

Iniciativas governamentais brasileirasA Constituição Federal atribui ao po-

der público, com o apoio da comunidade, a proteção, preservação e gestão do pa-trimônio histórico e artístico do país. No Ministério da Cultura, existe uma seção especial própria para a questão da diversi-dade. A Secretaria de Identidade e Diver-sidade (SID) subdivide-se em oito áreas de atuação: culturas ciganas, indígenas, LGBT, do idoso, na infância, na juventu-de, na saúde e culturas populares.

Neo Mondo - Maio 2013 29

Page 30: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 201328

As áreas organizam encontros, se-minários e prêmios para seus segmen-tos. Um dos destaques da programação atual é o Prêmio Culturas Populares, que chega à quarta edição em 2009 e contemplará 195 iniciativas com um prêmio de 10 mil reais. “Queremos ho-menagear todas as expressões das cul-turas tradicionais que fazem parte de nossa diversidade cultural”, declara o Secretário da Identidade e Diversidade, Américo Córdula, no portal eletrônico da Secretaria.

Quem empresta o nome a esta edi-ção do prêmio é a mestra Dona Izabel, artesã ceramista do Vale do Jequitinho-nha, em Minas Gerais, que ficou famosa na região pela produção de noivas de ce-râmica, ofício que continua ensinando.

Prêmio Culturas Populares 2009 leva o nome da artesã Izabel Mendes, do Vale do Jequitinhonha (MG)

Também vinculado ao Ministério da Cultura, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é o responsá-vel pela preservação, divulgação e fiscali-zação dos bens culturais brasileiros. Além dos 20 mil edifícios tombados, 83 centros e conjuntos urbanos, 12.517 sítios arque-ológicos cadastrados e mais de um milhão de objetos cadastrados, o Instituto também viabiliza projetos de identificação, reconhe-cimento, salvaguarda e promoção do patri-mônio imaterial.

Na lista de bens imateriais já registrados pelo IPHAN, além da arte dos índios Wajãpi e do Samba de Roda do Recôncavo Bahiano, também reconhecidos pela UNESCO, figu-ram outros 13 itens. Confira a seguir.• Ofício das paneleiras de Goiabeiras (ES)• Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA)

• Modo de Fazer Viola de Cocho (MT/MS)• Ofício das Baianas de Acarajé (BA)• Jongo no Sudeste (RJ)• Cachoeira de Iauaretê – Lugar sagrado

dos povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri (AM)

• Feira de Caruaru (PE)• Frevo (PE)• Tambor de Crioula• Matrizes do Samba no Rio de Janeiro:

Partido Alto, Samba de Terreiro e Sam-ba-Enredo (RJ)

• Modo artesanal de fazer Queijo de Mi-nas, nas regiões do Serro e das serras da Canastra e do Salitre (MG)

• Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira

• O modo de fazer Renda Irlandesa pro-duzida em Divina Pastora (SE)

Tambor de Crioula

Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (ES)

Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA)

Edgar Rocha- Iphan

Acervo Iphan

Fran

cisc

o M

or -

Iph

an

Cultura

Page 31: Neomondo maio 2013 54

Arte Kusiwa dos Wajãpi

• De acordo com o dossiê do IPHAN so-bre o assunto, atualmente os Wajãpi do Amapá são 670 pessoas distribuídas em 48 aldeias, os remanescentes de um grupo que chegou a 6 mil pessoas no início do século XIX.

• Sua arte é peculiar, porque a tradição de decorar corpos e objetos são motivadas por prazer estético e não usados como marcas étnicas ou símbolos rituais. Eles possuem um repertório codificado de padrões gráficos que representam par-tes do corpo ou da ornamentação de animais e objetos. Esse sistema de re-presentações é chamado de kusiwa.

• Parque Nacional do Jaú (AM)• Ouro Preto (MG)• Olinda (PE)• São Miguel das Missões (RS)• Salvador (BA)• Congonhas do Campo (MG)• Parque Nacional do Iguaçu (RS)• Brasília (DF)• Parque Nacional Serra da Capivara (PI)• Centro Histórico de São Luís (MA)• Diamantina (MG)• Pantanal Matogrossense (MS)• Costa do Descobrimento (BA / ES)• Reserva Mata Atlântica (SP / PR)• Reservas do Cerrado (GO)• Centro Histórico de Goiás (GO)• Ilhas Atlânticas (PE)

Fonte: IPHAN - www.iphan.gov.br

Bens Imateriais reconhecidos pela UNESCO

Bens Culturais brasileiros na lista do Patrimônio da Humanidade

• O Samba de Roda é uma expressão musical, coreográfica, poética e festiva. Exerceu in-fluência no samba carioca e até hoje é uma das referências do samba nacional. Permeia atividades econômicas, religiosas e lúdicas no contexto do Recôncavo Bahiano.

Samba de Roda do Recôncavo Bahiano

Ouro Preto (MG)

Samba de Roda do Recôncavo Bahiano

Índios Wajãpi pintam a pele com urucum

Acervo Iphan

Fotos: Luiz Santos - Iphan

Neo Mondo - Maio 2013 31

Marcelo da Mota Silva

Page 32: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 201332

Cultura

A formação do português brasileiro, suas influências e seu papel como espelho da diversidade cultural

Da Redação

Í ndios, portugueses, negros e posterior-mente imigrantes de várias nacionali-dades. O caldeirão cultural em que se

formou o povo brasileiro é mesmo singular e reflete na língua toda essa diversidade.

“Não poderia deixar de ser diversa e particular a história do português falado aqui, inserido em um novo contexto e numa nova realidade social. Se a língua é o principal meio de expressão da cultura de um povo, e se a cultura brasileira é tão rica e singular em seus sincretismos étnicos, é natural que, com o passar do tempo, o nosso falar tenha adquirido características próprias”, disse o doutor em Estudos Lite-rários, professor do Departamento de Lin-guística da UNESP-FCL/CAr e colaborador da Neo Mondo, Márcio Thamos.

A história de formação do português brasileiro, a qual se refere o professor, é repleta de capítulos interessantes.

“Ele deriva do português médio (século XV - primeiro quartel do século XVI), que foi a língua adquirida pelos portugueses que povoaram o país”, explica o doutor em Lin-guística e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade de Campinas), Ataliba Teixeira de Castilho.

Em seu trabalho “A hora e a vez do português brasileiro”, disponível no site do Museu da Língua, o pesquisador relata a trajetória de formação da língua falada no Brasil, destrinchando as influências re-cebidas ao longo de sua história.

“Até o momento, a mudança natural da língua portuguesa e esses contatos que ela teve não deram origem a uma nova lín-gua, fato que poderá ocorrer daqui a cerca de 200 anos”, completou.

Influências indígenas e negrasSegundo o estudo do pesquisador Ata-

liba de Castilho, quando os portugueses chegaram ao Brasil havia entre um a seis milhões de índios, falantes de cerca de 300 línguas, as quais se organizavam em dois grupos: Grupo Jê e Grupo Tupi-Guarani.

Os falantes do grupo Tupi-Guarani, devido à sua distribuição geográfica mais costeira, influenciaram de forma mais ativa a língua falada no país. Já no século XVI, o tupi misturado ao portu-guês originou a Língua Geral Paulista, falada no interior de São Paulo, Mato

Palavras indígenas: Caipira, pipoca, maracujá, goiaba, mandioca, pitanga jacaré, tatu, arara;

Nomes próprios de lugares: Moema, Butantã, Jaçanã, Maracanã, Guanabara, Canindé, Itu, Araraquara;

Palavras africanas: fubá, caçula, angu, jiló, carinho, bunda, quiabo, dendê, dengo, samba;

Exemplos de contribuições linguísticas no português

Grosso, Minas Gerais e Paraná, e que co-meçou a ser extinta na segunda metade do século XVIII.

Paralelamente às influências indíge-nas, entre 1538 a 1855, foram trazidos 18 milhões de escravos negros originários das culturas Banto (Congo, Angola e Mo-çambique) e Sudanesa (Sudão, Senegal, Guiné, Costa do Ouro, Daomé e Nigéria) que também passaram a influenciar a lín-gua. As palavras Banto atingiram maior dispersão, enquanto as Sudanesas foram utilizadas de forma mais ativa na liturgia do candomblé.

Estima-se que 10.000 vocábulos foram cedidos do Tupi-Guarani para o português brasileiro, na maioria substantivos pró-prios de lugares e pessoas. Já o número de palavras africanas incorporadas ao portu-guês brasileiro é 300.

Page 33: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 33

O Brasil é o principal responsável pela atual posição da língua portuguesa entre as línguas mais faladas no mundo: 8º lu-gar, com 191 milhões de falantes, dos quais 171 milhões vivem no país.

Com tanta gente, é natural que a língua adquira diferentes nuances. Pode-mos, então, dizer que existem dialetos no Brasil?

O pesquisador Ataliba de Castilho esclarece. “Depende do que entender-mos por dialeto. Se assim designarmos as variedades geográficas que não difi-cultam a compreensão, temos dialetos. Se por dialeto se entende a variação geográfica de uma língua de difícil com-preensão para falantes de outras regiões, então não temos dialetos do Português no Brasil. Nota-se atualmente a tendên-

cia a usar o termo para qualquer variação geográfica”, disse.

O professor Márcio Thamos concorda com a explicação do pesquisador, mas ad-mite que o uso do termo “dialeto” causa certo estranhamento. “Nos entendemos muito bem em qualquer parte do país, apesar das marcantes diferenças regionais. Não é o que acontece, por exemplo, com relação à Itália, onde as variações da lín-gua podem ser tão grandes que ninguém estranha quando se diz que se trata de dia-letos”, ponderou.

Consideradas como dialetos ou não, o fato é que o português brasileiro apre-senta, além das variações regionais, dife-renças socioculturais.

Além do falar caipira, nordestino ou gaúcho, temos o português culto e o

A unidade do português brasileiro

popular. Este chegou primeiro, já que os portugueses que vieram para o país eram na grande maioria representantes das ca-madas populares de Portugal. Somente com a urbanização, o português culto foi se firmando, também como forma de dis-tinção de classes sociais: os alfabetizados e os analfabetos.

Mas entre o português culto e o popular, qual deles é mais correto? Quem respondeu a forma culta enganou-se. Segundo o estudo do pesquisador Ataliba, no Brasil, ao con-trário de outros lugares do mundo, a forma popular é menos valorizada e seus falantes são acusados de “falarem errado”, o que é contestado pelo pesquisador. “Quem pratica o português popular não fala errado, apenas opera com a variedade correspondente ao seu nível sociocultural”, diz no estudo.

Page 34: Neomondo maio 2013 54

Fotos: Luciano Bogado

Neo Mondo - Maio 201334

Cultura

Em 2007, com apenas um ano de funcionamento, já foi eleito o “mais querido do Brasil” pela revista Veja. Um título merecido, já que só naque-le primeiro ano recebeu quase 900 mil visitantes, mais do que o dobro do que tradicionalíssimo Masp (Mu-seu de Arte de São Paulo).

O Museu da Língua Portuguesa com-pletou três anos de vida este ano, contabi-lizando mais de 1,7 milhão de visitantes.

Localizado no centenário prédio da Estação da Luz, no Centro de São Paulo, tem aproximadamente 4 mil metros quadrados abertos para a visi-tação, nos quais é possível conhecer a história, a importância e as variações da língua Portuguesa, considerada como grande elo da identidade cultu-ral do povo brasileiro.

Museu da Língua PortuguesaPioneirismo na preservação do patrimônio imaterial

No mundo inteiro, só existe um outro similar: na África do Sul, o mu-seu da língua Africâner.

“A ideia do museu surgiu em 2001, quando a CPTM comunicou ao Governo do Estado sua disposição de transferir seus escritórios do edifício da Estação da Luz. Na ocasião, o governo decidiu im-plantar no prédio um equipamento cul-tural, pois fazia parte de uma política ini-ciada em 1998 de recuperação da região central da cidade. De início não se falava em museu, mas sim em um equipamen-to cultural dedicado ao nosso idioma. Em 2002, foi firmado um convênio com a Fundação Roberto Marinho para a con-ceitualização deste novo espaço, captação de recursos e implantação. Entre 2002 e março de 2006, uma equipe de mais de 40 profissionais, entre museólogos, arqui-

tetos, professores, sociólogos e artistas, trabalharam na criação do novo espaço, que ganhou o nome de Museu da Língua Portuguesa alguns meses antes de sua inauguração (até então o nome era Esta-ção Luz da Nossa Língua)”, conta o dire-tor do Museu, Antonio Carlos Sartini.

Para superar o desafio de traba-lhar com o conteúdo imaterial que é o idioma, o museu teve que investir em tecnologia. “Foi a solução para dar materialidade a este rico e varia-do acervo. Muitos recursos de áudio e vídeo são usados nas exposições permanentes, o que o torna um es-paço muito moderno e interativo. E novas tecnologias foram desenvolvi-das especialmente para o museu, caso do Beco das Palavras, um divertido e educativo jogo etimológico”, explicou.

Museu da Língua Portuguesa – Mais de 1,7 milhões de visitantes em três anos

Conhecer a origem e desenvolvimento do português brasileiro fica mais fácil na completíssima Linha do Tempo

Page 35: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 35

Além do conteúdo permanente, há exposições temporárias, cuja pauta já está fechada até 2011.

Atualmente e até 11 de outubro, está em cartaz “O Francês no Brasil em Todos os Sentidos”, que tem como tema as rela-ções entre o idioma português e a língua francesa, bem como os pontos de contato entre as duas culturas.

“É a primeira mostra binacional do mu-seu, com curadores brasileiros e franceses, e nasceu face ao Ano da França no Brasil, comemorado em 2009”, explicou o diretor.

Em setembro, será inaugurada uma mostra em homenagem à poeta Cora Coralina. Outros importantes nomes da literatura brasileira já mereceram mos-tras temporárias: Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Gilberto Freyre e Machado de Assis foram os principais.

Não são só os nomes de peso, po-rém, que fazem o sucesso do Museu da Língua Portuguesa. A boa localiza-ção e os preços acessíveis dos ingres-sos ajudam a democratizar a visitação. “A política adotada pela Secretaria de Estado da Cultura e pela diretoria do museu facilita muito o acesso da po-pulação: preços baixos, gratuidade para todos aos sábados, participação em inúmeros projetos de cunho social e outras ações. O público do museu é muito variado, mas todos, ou a grande maioria, têm algo em comum: falam português, são os usuários e donos da nossa língua. Assim, com este elo entre todos, as reações costumam ser de identificação imediata, reconheci-mento e orgulho pelo belo idioma que usamos”, encerrou Sartini.

Nos totens multimídia, é possível conhecer as influências de outros idiomas

SERVIÇO - Museu da Língua Portuguesa

Praça da Luz, s/nº, Centro - São Paulo – SP

Horários Bilheteria: de terça a domin-go, das 10 às 17hs

Museu: de terça a domingo, das 10 às 18hs (não abre às segundas-feiras)

Ingresso: R$ 6,00 (seis reais) – pagamento somente em dinheiro

Estudantes com carteirinha pagam meia-entrada

Isentos do pagamento de ingresso:

Professores da rede pública com hole-rite e carteira de identidade;

Crianças até 10 anos;

Adultos a partir de 60 anos.

Telefone: (11) 3326-0775

www.museudalinguaportuguesa.org.br

Page 36: Neomondo maio 2013 54

A ntes de nos entendermos como seres no mundo, antes de nos darmos conta de cada coisa no

mundo, antes de descobrirmos que, neste mesmo mundo de que fazemos parte, cada coisa tem um nome, enfim, muito antes de cada um de nós, a fim de que pudéssemos nos tornar alguém no mundo e nos pudéssemos reconhecer a nós mesmos e ter um nome que nos individualizasse neste mundo, havia a realidade da língua – da língua materna de cada um, sem a qual não saberíamos quem somos e não conheceríamos nosso próprio mundo.

Pode às vezes parecer exagero dos linguistas, como se estivessem a valorizar o objeto de seu escrutínio diário, mas, se pensamos na vivência de uma criança em formação, partindo da pré-consciência das coisas que começa a descobrir no mundo em que se vai ela mesma descobrindo, te-mos de admitir que a língua materna é mui-to mais do que um simples instrumento de comunicação – ela é uma estrutura social na qual se configura e se desenvolve necessa-riamente a psique de todo indivíduo, isto

é, sua vida mental e emocional. A partir do domínio das palavras, o mundo torna-se pouco a pouco cognoscível, e os sentidos que dele emanam se fazem cada vez mais apreensíveis através da linguagem.

É, sem dúvida, visceral, intensa e pro-funda a relação que se estabelece entre o ser e a língua materna. Instrumento sutil e eficiente a promover a interação dos indiví-duos em sociedade, é através dela, ou me-lhor, nela mesma, que as noções e os con-ceitos mais fundamentais em relação a toda a vida se cristalizam no espírito. É na língua materna que reconhecemos nossa própria identidade. No poema “A língua mãe”, Ma-noel de Barros nos oferece um belo teste-munho desse sentimento de encontro de si mesmo, de seu próprio ser ecoando praze-rosamente na intimidade de sua língua:

“Não sinto o mesmo gosto nas pala-vras:/ oiseau e pássaro./ Embora elas te-nham o mesmo sentido./ Será pelo gosto que vem de mãe? de língua mãe?/ Seria porque eu não tenha amor pela língua/ de Flaubert?/ Mas eu tenho./ (Faço este registro/ porque tenho a estupefação/ de

não sentir com a mesma riqueza as/ pa-lavras oiseau e pássaro)/ Penso que seja porque a palavra pássaro em/ mim reper-cute a infância/ E oiseau não repercute./ Penso que a palavra pássaro carrega até hoje/ nela o menino que ia de tarde pra/ debaixo das árvores a ouvir os pássaros./ Nas folhas daquelas árvores não tinha oiseaux/ Só tinha pássaros./ É o que me ocorre sobre língua mãe”.

Pode-se dizer que a língua é o co-ração de uma cultura e o estilo de uma nação. Enquanto mantém seu idioma, a coletividade possui um poderoso fa-tor de agregação. Afastando-se de sua língua, uma sociedade tende a se desar-raigar, a perder sua unidade natural, e consequentemente a fragmentar-se. Foi o caso do Império Romano com o latim, de onde vem o nosso português.

Segundo contavam os próprios an-tigos romanos, sua cidade havia sido fundada em 753 a. C. (é claro que eles não diziam “antes de Cristo”), na região centro-oeste da Itália conhecida como Lácio. Com o passar do tempo, enquanto o latim se enriquecia sob a influência de

Uma língUa latina

Neo Mondo - Maio 201336

Page 37: Neomondo maio 2013 54

37 Neo Mondo - Maio 2013

outras culturas mais antigas, principal-mente a etrusca e a grega, Roma foi-se tornando uma importante cidade naquela região, mas até meados do IV século a. C. havia expandido pouco suas fronteiras. No século III, no entanto, já se tornara praticamente dona da parte meridional da Península Itálica e, no século II a. C., após vencer a guerra contra Cartago, der-rotando enfim o general africano Aníbal, em 202, a cidade latina criou as condições para dominar todas as terras em torno do Mar Mediterrâneo. Conforme alargavam seu Império, os romanos levavam suas instituições sociais, seus valores e cos-tumes para os novos territórios e impu-nham o latim como língua oficial entre os povos conquistados, que assim iam pouco a pouco assimilando a cultura dos latinos e se romanizando.

Deve-se dar aqui uma breve expli-cação a respeito da distinção que se costuma fazer entre “latim clássico” e “latim vulgar”. Com tranquilidade pode--se entender que o latim clássico é a língua literária, altamente estilizada e lapidada pelos prosadores e poetas sob a influência da cultura grega, que chegou até nós por meio de inúmeras obras cujos registros escritos tiveram a felicidade de superar a ação devoradora dos séculos. Já o chamado latim vulgar (denominação tradicional um tanto im-própria por seu caráter depreciativo) não é senão a língua popular, coloquial e corrente, que abrangia as incontáveis variações da fala cotidiana, e cujo regis-tro é naturalmente escasso.

Penetrando as mais distantes localida-des do Império, o latim falado, vale dizer, a língua materna dos antigos romanos, ia tomando os matizes regionais que convi-nham às populações anexadas, de acordo com o substrato linguístico e cultural que esses povos guardavam como herança de suas tradições mais particulares. Com o passar do tempo, a relativa unidade linguís-tica do Império começa a dissolver-se; e, a partir do século III de nossa era, a cultura geral transforma-se rapidamente. O cris-tianismo torna-se dominante em relação às religiões politeístas, e um progressivo enfraquecimento político de Roma leva à descentralização do poder do Estado. No IV século, o vasto domínio é divido entre Império Oriental e Ocidental, e já no sécu-lo V, o Império Romano do Ocidente, cuja capital permanecia sendo Roma, acaba por ruir inteiramente sob o peso de sucessivas invasões de povos diversos. Todos esses fa-tos, como se pode bem compreender, con-tribuíram decisivamente para o aprofunda-mento da dialetação do latim. E então, às portas da Idade Média, inicia-se o período do chamado romanço, a língua coloquial in-termediária entre o latim dos antigos roma-nos e as línguas neolatinas ou românicas, isto é, derivadas do latim, que se tornariam os idiomas maternos das futuras nações europeias, como o francês, o espanhol, o romeno, o italiano e o português.

Da Península Ibérica, no tempo das Grandes Navegações, o português foi leva-do para as diversas regiões conquistadas pelos lusitanos em todo o globo e chegou ao Brasil, com o início da colonização, já

no século XVI. Aqui, assim como os roma-nos faziam em suas antigas colônias, os portugueses impuseram sua língua e seus costumes. As populações indígenas, desde sempre, foram sendo aculturadas; em se-guida, grandes levas de escravos vieram da África, e a língua portuguesa aos poucos foi-se aclimatando aos falares tropicais.

Mal se pode avaliar a importância de um país tão grande como o nosso ter um único idioma, sem maiores variações dia-letais. A notável coesão nacional de nossa língua materna em seus falares regionais é, sem dúvida, um dos principais fatores que nos permitem perceber quanto o Brasil todo é sempre Brasil mesmo, quero dizer, quanto a identidade histórica, sincrética e singular, desse país se entrelaçou de norte a sul para dar no que deu em cada canto. Por trás de toda a riqueza das diversidades regionais, se entrevê um substrato cultu-ral unificador que faz a gente se sentir em casa, muito à vontade, entre gente de as-pecto e hábitos às vezes bem diferentes. Temos aqui uma língua latina com certeza!

Uma língUa latina

Márcio Thamos

Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e

Literatura Latinas junto ao Departamento de Linguística

da UNESP-FCL/CAr, credenciado no Programa de

Pós-Graduação em Estudos Literários da mesma instituição.

Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica.

E-mail: [email protected]

Réplica da escrita cursiva romana inspirada pelos tabletes de Vindolana

Page 38: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Outubro 2008A

Rua Cel. Ortiz, 726 -V. Assunção - Santo André(Convênio com estacionamento)

(11) 2896-0065

www.villanatural.com.br

Alimentação saudável, saborosa e feita com arte

Horário de Funcionamento

Seg a Sex - 11:30 às 15:00hSáb, Dom e Feriados - 12:00 às 15:30h

Page 39: Neomondo maio 2013 54

Rua Cel. Ortiz, 726 -V. Assunção - Santo André(Convênio com estacionamento)

Alimentação saudável, saborosa e feita com arte

Neo Mondo - Maio 2013 39

Dilma de Melo Silva

N osso país, no processo de sua forma-ção cultural, teve matrizes culturais diversas,desde a gama diferenciada

de nações autóctones existentes em nosso território, passando pelos diferentes matizes de povos ibéricos até a enorme diversidade étnica dos grupos africanos escravizados que para cá foram trazidos, pela violência, no pe-ríodo do tráfego negreiro.

Contudo,isso não se reflete no modelo de desenvolvimento erigido pelas elites he-gemônicas, que optaram pela não inclusão de milhões de brasileiros,estabelecendo um eixo norteador favorecendo a matriz branca/cristã/européia, vista como “mode-lo” universal de humanidade.

No aspecto legal, tanto no período da Colônia, Império, como na República, a postura dessa elite foi ativa e permissiva, permitindo a discriminação e o racismo, que até hoje atingem os descendentes de africanos e indígenas.

Os indicadores de exclusão registrados por inúmeras pesquisas demonstram a de-sigualdade econômica e de acesso aos direi-tos por esses segmentos sociais,que vivem há séculos numa condição de “cidadania mutilada”(na afirmação de Milton Santos).

A Constituição de 1988 busca efetivar a construção de um Estado democrático de direito, com ênfase na cidadania plena e na dignidade da pessoa humana, mas a realidade social ainda permanece marca-da por posturas subjetivas e objetivas de preconceito,racismo e discriminação.

No que se refere aos meios de comu-nicação de massa, desde a implantação da Industria Cultural, nos anos 50, os mesmos atuam no reforço dos estereó-tipos que acentuam a pseudo “suprema-cia” branca.

O que vemos, diariamente, na telinha? A ausência de negros e de indígenas na televisão, principalmente nas telenovelas, reforçando a tese da supremacia do homem branco /europeu, dentro da tolerância opressiva do “outro” considerado como inferior.

Vivemos hoje num mundo embebido pela lógica midiática e,como afirma Sodré:

...a mídia funciona,a nível macro,como um gênero discursivo capaz de catalisar expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais ,em geral estrutu-rada por uma tradição intelectual elitista que, de uma maneira ou de outra, legitima desigualdade racial pela cor... (1)

E se os personagens que aparecem são sempre mostrados em situação de inferioridade,apresentando a imagem do(a) negro(a) em três l’s:lúgubre,lúdico e luxurioso,no dizer de Conceição:

O negro lúgubre está no noticiário na parte policial, ou como serviçal cabisbaixo,ou gaia-to bêbado;o lúdico, em ocasiões eventuais,no Carnaval, em ambientes de alegoria, com ins-trumentos de batuques,muitas vezes fanta-siados a maneira selvagem;luxurioso, ligado á libido,ao exagero sexual(2)

Os estereótipos negativos reafirmam o imaginário surgido no período escravocrata, os afro descendentes vistos como integrantes da classe subalterna;a quase total invisibilida-de do negro em situações positivas;a cultura e religiosidade negra sempre folclorizada; a situação social mostrada é a de favelado e/ou pobre,ignorante, drogado, criminoso.

Como consequência, a auto estima dos descendentes de africanos é baixa,a ideo-logia do embranquecimento é introjetada em crianças e adolescentes que rejeitam suas ancestralidades milenares.

Cabe a nós brasileiros(as) lutarmos por uma sociedade mais justa, igualitá-ria, combatendo esse imaginário perver-so e injusto.

Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de São Paulo, socióloga pela FFLCH\USP, mestre pela Universidade

de Uppsala, Suécia, e Professora convidada para ministrar aulas sobre

Cultura Brasileira na Universidade de Estudos Estrangeiros.

modelo de desenvolvimento excludente e os meios de comunicação

DiversiDaDe cultural,

Notas(1)SODRE, Muniz.Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis:Vozes, 1999(2)CONCEIÇÃO, Fernando. Mordendo um cachorro por dia in MUNANGA(org.) Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. SP: EDUSP.1996

Page 40: Neomondo maio 2013 54

40 Neo Mondo - Maio 2013

A diversidade é tratada em várias ciências, na Biologia, Ecologia, So-ciologia, Antropologia, História.

No caso das Ciências da Terra, falamos em Geodiversidade. Apesar de ser um conceito relativamente novo, vem sendo utilizado desde o início dos anos de 1990 e aplicado aos estudos da geoconservação, ou seja, à preservação do patrimônio geológico natu-ral, dos monumentos geológicos, dos sítios fossilíferos, das paisagens naturais.

Para alguns autores, é definida como a diversidade natural entre aspectos ge-ológicos, do relevo e dos solos ou ainda estendendo sua aplicação aos estudos de planejamento territorial.

Uma concepção mais ampla de geodi-versidade apresenta as paisagens naturais como variedades de ambientes e proces-

Geodiversidade e Patrimônio Geológico

sos geológicos, que estariam relacionadas à seu povo e sua cultura (Stanley, 2001), estabelecendo uma relação direta entre a diversidade natural dos terrenos (compre-endida como uma combinação de rochas, minerais, solos e relevo) e a sociedade.

Menegat (2009) afirma que a paisagem não está fora do ser humano, que ela inter-fere na história humana e que estamos con-dicionados pela paisagem em que vivemos. A habilidade humana de ler e interpretar a paisagem, a cognição, fez com que o cére-bro humano se desenvolvesse na e com a paisagem. O autor afirma ainda que a diver-sidade da cultura humana responde a uma diversidade de ecossistemas, que, por sua vez, responde à diversidade de geossiste-mas. Cada lugar pode ser lido em termos de elementos geológicos, geomorfológicos,

estruturantes da paisagem, de uma parte da superfície da crosta terrestre.

O Serviço Geológico do Brasil CPRM (2006) definiu geodiversidade como �o estu-do da natureza abiótica (meio físico) constitu-ída por uma variedade de ambientes, compo-sições, fenômenos e processos geológicos que dão origem às paisagens, rochas, minerais, águas, fósseis, solos, clima e outros depósitos superficiais que propiciam o desenvolvimen-to da vida na Terra, tendo como valores in-trínsecos a cultura, o estético, o econômico, o científico, o educativo e o turístico.

No Brasil, os termos geodiversidade, geoconservação e geoturismo vêm sendo cada vez mais utilizados pelos geólogos e profissionais de outras áreas, como Histó-ria, Turismo, Arquitetura, com a finalida-de de conservação do patrimônio geológi-

Dih

elso

n M

endo

nça

Page 41: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 41

co natural e desenvolvimento das regiões detentoras dessas paisagens.

Nesse sentido, cresce o interesse por uma nova modalidade de gestão das áre-as naturais, os geoparques. Os geoparques envolvem áreas geográficas com limites bem definidos, onde sítios do patrimônio geológico constituem parte de um conceito holístico de proteção, educação e desenvol-vimento sustentável. Essas áreas envolvem diversos geossítios ou locais de interesse do patrimônio geológico-paleontológico de especial importância científica, raridade ou beleza, cuja importância é realçada não uni-camente por razões geológicas, mas também em virtude de conterem aspectos adicionais de valor arqueológico, ecológico, histórico ou cultural (UNESCO, 2004). É uma iniciati-va que visa a proteger o patrimônio geológi-

Denise de La Corte Bacci

var legalmente os principais sítios geológi-cos (“geotopes” ou geossítios estratigráficos), afim de que recebam atividades científicas qualificadas, selecionados entre os demais pela representatividade estratigráfica, di-vulgação científica, para a população local e visitantes, sobre os conceitos de geociências e de ecoturismo. Sua concepção levou em consideração a Floresta Nacional do Araripe e aspectos culturais e históricos locais, no sentido de validar formas de apropriação dos recursos naturais da região com sólida alternativa de desenvolvimento econômico local sustentado, com incremento do turis-mo regional. Foi colocado ainda, como ob-jetivo, o controle da extração e comercializa-ção ilegal do patrimônio fossilífero.

Com as diversas propostas de criação de geoparques no Brasil (pelo menos qua-tro em andamento), é preciso ampliar a divulgação e o debate, com vistas às impli-cações e potencialidades que os geoparques agregam, considerando-se os três pilares de sustentação dessa estratégia: conservação, educação e geoturismo.

Essa é uma das maneiras que, certamen-te, contribuirá muito para a geoconservação em nosso país e para o desenvolvimento de muitos locais rumo à sustentabilidade.

Para mais informação consulte:TEIXEIRA, W. FAIRCHILD, T. R., TO-LEDO, M.C.M, TAIOLI, F. Decifrando a Terra. 2ª. Edição. Companhia Editora Nacional. São Paulo. 2009.

Geodiversidade e

Denise de La Corte BacciGraduada em Geologia pela UNESP, Campus de Rio Claro, mestrado em Geociências e Meio Ambiente pela

UNESP e doutorado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Estágios na Università di Milano e University

of Missouri_Rolla. Pós-doutorado em Engenharia Mineral pela POLI-USP.

Atualmente é docente do Instituto de Geociências da USP.

Patrimônio Geológico

co e promovê-lo ao público em geral; apoiar a gestão racional das áreas protegidas com patrimônio geológico significativo; apoiar o desenvolvimento econômico e cultural das comunidades locais por meio da valoriza-ção do seu patrimônio e identidade única e do desenvolvimento do turismo geológi-co; e fornecer uma plataforma de coopera-ção entre Geoparques Nacionais, reunindo agências governamentais, organizações não--governamentais, cientistas e profissionais de diferentes países do mundo em uma par-ceria única que opera com objetivos comuns e de acordo com regulamentos da UNESCO.

O Geoparque Araripe é o único no Bra-sil e foi criado por iniciativa do Governo de Estado do Ceará, em 2006, tendo a frente do processo a Universidade Regional do Cariri (URCA). Sua criação visa proteger e preser-

Geoparque Araripe

Page 42: Neomondo maio 2013 54

Pesquisas que enfocam esta relação do ponto de vista da criança fazem revelações surpreendentes

Da Redação

A criança e a TV

Educação

Page 43: Neomondo maio 2013 54

Crédito: Thiago Carahyba – Rede Atletismo

Neo Mondo - Maio 2013 43

O s desenhos animados violentos são realmente prejudiciais à for-mação da infância? Qual a relação

da criança com a programação televisiva? O que os produtos midiáticos represen-tam para as crianças, seus mitos, símbolos e heróis?

Essas questões tão atuais são a ma-téria-prima do trabalho do Laboratório de Pesquisa sobre Infância, Imaginário e Comunicação (Lapic), ligado ao o Departa-mento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da USP, criado pela professora Elza Dias Pacheco, em 1994. Hoje aposentada, a livre docente em Psicologia da Comunicação foi pioneira ao tratar desta relação a partir da análise de representação que a criança constrói sobre o que vê na televisão.

Após o doutorado na Espanha, a pro-fessora retornou ao Brasil e deu início à organização do núcleo de pesquisa para aprofundar essa linha de análise.

Seus orientandos começaram a pes-quisar aspectos mais particulares da repre-sentação infantil sobre os produtos midi-áticos. Os trabalhos mais importantes e atuais, embora realizados no fim da déca-da de 1990, são duas pesquisas integradas, financiadas por órgãos públicos, como CNPq e Fapesp, o que permitiu a presença de muitos pesquisadores no grupo.

Entre 1994 e 1997, traçaram um gran-de mapa conceitual sobre a relação das crianças com a TV, “Televisão, Criança e Imaginário: contribuições para a integra-ção Escola - Universidade e Sociedade”. E, de janeiro de 1998 a dezembro de 1999, “Desenho Animado na TV: mitos, símbo-los e metáforas”.

O professor Claudemir Viana fez par-te dessas pesquisas desde o início, e hoje é um dos responsáveis pelo Laboratório (http://www.eca.usp.br/nucleos/lapic).

Historiador pela USP, atuou 15 anos como professor do ensino fundamental e médio. Com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação, Claudemir tem dez anos de experiência na gestão de ensino superior e há cinco trabalha no portal educativo Educarede: é ges-tor da comunidade virtual Minha Terra, com 8 mil participantes, alunos e profes-sores de todo o país.

Ele conta que a primeira pesquisa foi re-veladora. “Para traçar o mapa conceitual das relações criança/TV, partimos para entrevistar quase 800 crianças em idade escolar, de 7 a 11

anos, em escolas públicas das cinco regiões da cidade de São Paulo, e aplicamos questioná-rios perguntando o que assistiam, como, em que horários, e do que mais gostavam”.

É importante lembrar que, naquela época, ainda não havia TV a cabo dissemi-nada e a internet ainda era de difícil acesso à população. O trabalho do grupo concluiu que a criança assiste a toda a programação, não apenas a infantil, não por opção dela, mas pelo contexto familiar, pois pai e mãe ficam com o controle remoto. A pesquisa foi realizada com famílias das classes C e D, quando o televisor era apenas um e ficava na sala, situação que hoje mudou bastante com a queda dos preços dos apa-relhos e a internet.

“A resposta quase unânime à pergunta sobre o que a criança gosta de assistir foi desenho. Assim, percebe-se que a cultu-ra televisa que se constrói na criança não vem só do desejo dela, mas de todo um consumo da família. Ela é educada nesse convívio familiar, com outras preferências, não só desenho, mas novela, jornal, filme, esporte, etc.”, afirma o professor.

Ao entrar em contato com essa pro-gramação, a criança acaba conhecendo e apreciando alguns aspectos desses outros gêneros e aprendendo com seus conteú-dos. A preferência, entretanto, é disparada o desenho animado, depois os programas de auditório, como os de Xuxa, Angélica, Sergio Malandro, Eliana, que na época ti-nham grande audiência.

Mas o que atrai as crianças nessa pro-gramação? Segundo Claudemir, “o senso co-mum sempre afirmou que era o apresenta-dor/ a que causaria grande mal às crianças, porque antecipavam sua sexualidade.”

Pois os pesquisadores descobriram que não. “A criança gostava por causa das brin-cadeiras. Ela vê aquilo que é de seu interes-se e não o que nós adultos vemos. Reside aí o diferencial desta pesquisa, que procurou entender a relação criança e mídia a partir da leitura dela, do seu interesse”, acentua.

Outro erro muito comum nas análi-ses acadêmicas é focar a criança e a mí-dia. “Mas ela não está isolada do mundo”, observa Claudemir. “Mesmo quando está sozinha frente à TV, não é um papel em branco. Ela tem seu histórico de vida, emoções e interesses naquele momento, uma cultura já acumulada, por mais pe-quena que seja. Estas são variáveis que interferem na capacidade desta criança ter seus interesses pelo que assiste”.

A criança e a TV

Por isso, a análise foi tão complexa, exi-giu tantos anos e uma equipe interdisciplinar de 15 pessoas de vários níveis, estudantes de varias áreas, mestrandos e doutorandos em antropologia, história, psicologia, etc.

A preferência dos pequenos telespec-tadores, em segundo lugar, ficou nos pro-gramas de auditório, depois em programas infantis sem auditório, apenas com o apre-sentador chamando desenhos, como o X Tudo da TV Cultura. Em seguida, uma extensa lista, de filmes a esportes.

O papel do desenho animado

Concluída a pesquisa, o Lapic partiu para o estudo do papel do desenho anima-do no desenvolvimento global da criança: “Desenho Animado na TV: mitos, símbolos e metáforas”. Os projetos contaram com a participação de outros docentes da USP e de outras instituições, além dos alunos de graduação, pós-graduação e doutorado.

Claudemir conta que, desta vez, foram entrevistadas outras 300 crianças. E, como a intenção seria atingir o inconsciente da criança através de sua fala, não poderia ser feita uma entrevista formal, com questio-nário, como a anterior. O grupo foi para os parques públicos.

“Criamos uma intervenção inusitada. O grupo de pesquisadores entrava vestido de palhaços, cantando musica fácil de repetir, com bumbos, cornetas, davam a volta no parque e as crianças iam chegando. Quando eram muitas, dois pesquisadores, entre os quais um de teatro, paravam e os persona-gens começavam a conversar com as crian-ças, até que chegavam ao assunto desenho. Um pesquisador perguntava sobre determi-nado desenho do qual eles falavam. Que desenho é esse? Quem assiste desenho? Aí a equipe toda, com gravadores e filmadora, conversava com pequenos grupos de crian-ças, fazendo as perguntas”.

Sempre com crianças entre de 7 a 11 anos, colheram um rico material. Foram lis-tados 179 desenhos, mas não havia recur-sos para analisar todos, e ficaram com os cinco mais votados, cruzando as falas das crianças com o conteúdo dos desenhos.

Pica-pau, Pernalonga, Pateta em fa-mília, Máskara (desenho americano da década de 80) e o Yuyu Hakushô -- muito famoso na época, era ao segundo desenho japonês, logo depois dos Cavaleiros do Zodíaco, na extinta TV Manchete. O dese-nho provocava muita polêmica, porque era muito violento.

Page 44: Neomondo maio 2013 54

44 Neo Mondo - Maio 2013

Segundo Claudemir, a equipe se surpre-endeu ao ver a facilidade com que as crian-ças descreviam esses desenhos e os perso-nagens com nomes japoneses. “Gravamos vários episódios para conhecer os desenhos. Enquanto o pessoal da pesquisa sistematiza-va as falas das crianças conforme idade, sexo e desenho, outro grupo analisava o conteúdo de cada desenho. Num terceiro momento, fazíamos a relação entre a análise do con-teúdo e o que a criança dizia, para localizar na leitura dela que tipos de mitos, símbolo e metáforas estavam presentes”.

Apesar de realizadas há mais de dez anos, as pesquisas continuam atuais na sua essência. O desenho traz elementos

fundamentais ao desenvolvimento global da criança e se dá no consciente e no in-consciente. A equipe recorreu a Carl Gustav Jung, que trabalhou muito com símbolos.

Eles notaram que todos os desenhos têm o mito do herói. E, principalmente, que essa estrutura narrativa já estava presente mundo infantil, por meio dos contos de fadas, antes de toda a tecnologia da cultura midiática.

Claudemir afirma que “o mito do herói tem papel importante no desenvolvimento do ser humano, ou seja, criar na pessoa, atra-vés das histórias, condições para o desenvol-vimento de sua auto-estima e autoconfiança”.

A criança projeta-se inconscientemen-te no personagem do herói. E não percebe que está compensando uma situação de fra-gilidade que ela vive na realidade. Por ser uma criança num mundo de adultos, sofre as consequências dos perigos reais do mun-do e de seu imaginário: um bicho pode me morder, o lobo mau, o lobisomem podem me raptar. Até as frases dos pais são amea-çadoras: “Cuidado menino, não põe a mão aí que vai te queimar; se você não fizer isso, o bicho papão vai te pegar.

A criança vive num contexto de ame-aça e perigo. O herói, ao contrário dela, tem superpoderes e os usa para enfrentar perigos e vencê-los, ou para salvar a huma-nidade em perigo.

Assim acontece uma catarse, afirma Claudemir, e a criança se realiza por meio de seu personagem. “Na consciência, vira uma referência para ela construir a capacidade de enfrentar desafios, que será fundamental na adolescência e no mundo adulto”.

O mito do herói, presente em todos os de-senhos animados, tem o poder de transformar as coisas. Assim como no famoso jogo do faz de conta, no qual a criança exerce o poder in-dividual que não consegue ter no mundo real.

“Há os heróis individuais, como o Super Homem, todos de origem norte-americana, de cultura individualista, mas também aparecem de outra forma, como o desenho japonês, um povo que tem cultura mais co-letiva, no qual há um grupo de adolescentes heróis, cada um com poder diferente”.

No desenho do Máskara, um jovem re-pórter tímido, frágil, vive reprimido pelo che-fe autoritário. Na pensão onde mora, a dona é

rabugenta e briga com ele. O rapaz tem medo, mas abre o guarda-roupa e coloca a máscara que achou e tem poderes sobrenaturais. En-tão, ele se transforma, torna-se alguém co-rajoso, irônico, sarcástico, enfrenta o chefe e usa poderes especiais para salvar pessoas de situações de perigo. E não só o Máskara se transforma, mas também seu cachorrinho, que era bobão, triste, covarde, vira outro.

O mito do herói está representado expli-citamente no Pica Pau. E explica o professor Claudemir Viana: “ Para nós, adultos, ele é um vilão, porque é safadinho, malandro, coloca os outros personagens em situação desagra-dável, e no fim, leva vantagem: com o jargão “eheheheheeh”, como se dissesse, você se deu mal... Mas, para a criança, ele é herói porque ela se projeta nele facilmente, é pequeno e frágil.”

As historinhas do Pica-pau, com 7 mi-nutos de duração, sempre começam com o pequeno herói tranquilo, mas chega alguém e o ameaça: ou um caçador o persegue, ou um animal mais forte, como o leão marinho Leôncio, ou alguém quer derrubar a árvore onde ele mora para fazer uma estrada, etc.

O Pica-pau usa esperteza, malandra-gem, rapidez para inverter essa relação e consegue sempre, de forma que, quem o ameaça, se dê mal. Novamente há uma catarse, a criança se projetou num ser tão frágil quanto ela e supera, no contexto, as ameaças, como gostaria de ser capaz de fa-zer com as ameaças do seu cotidiano.

Não à toa, comenta Claudemir, as ge-rações passam, há tantos novos desenhos, e o Pica-pau continua. “Recentemente, uma emissora de TV o colocou em horário nobre e aos domingos pela manhã, com sucesso. É a maior audiência do canal no horário. Mesmo os adultos gostam de ver, quem não adora o Pica-pau?”

Outro desenho analisado, o do Pernalon-ga, tem estrutura semelhante. “Pateta talvez tenha interessado porque trazia referências de diferentes modelos de família, além da sua, por ser bobão, vivia sob as ordens da esposa cujo rosto não aparecia, dando ordens e broncas. O filhinho do Pateta é inteligente e esperto e sal-va seu pai das trapalhadas. O vizinho Bafo, um grande gato, é machista, mandão, estúpido, e, o filho, muito inteligente e educado, também salva o pai das trapalhadas”.

Pesquisas continuam atuais na sua essência; criança se realiza por meio de seu personagem“ ”

Educação

Pica-pau: esperteza, malandragem, rapidez agradam até adultos

Pernalonga: estrutura semelhante ao do Pica-pau

Page 45: Neomondo maio 2013 54

A pesquisa concluiu que a criança ti-nha dois modelos de relação entre esposos e se projetava facilmente nos filhos que, ao contrário do que o espectador mirim sentia na sua família, eram mais inteligen-tes e espertos e salvavam os pais.

Os pesquisadores ficaram muito sur-presos ao assistirem pela primeira vez o desenho japonês, no qual um grupo de heróis luta contra outro grupo de jovens vilãos que querem destruir a Terra.

“Ficamos surpresos com a violência do desenho, muito realista. Havia embates, luta marcial, ênfase em golpes, aparecia sangue, etc. O senso comum dizia que o desenho tra-zia consequências negativas para a criança.”

Mas, surpreendentemente, não foi isso o que constataram. “As crianças acha-vam que era uma violência justificada, usada para salvar a humanidade. E, diz Claudemir,” é bem este o contexto da luta marcial e da violência na cultura oriental, que sempre luta como autodefesa”.

Então a criança que assiste desenho vio-lento não vai se tornar violenta? “Esta con-cepção é resultado da metodologia errônea utilizada, que decorre da fundamentação behaviorista da psicologia, aquela que faz tes-tes com ratinhos: ele recebe um estimulo e só tem, necessariamente, uma resposta”, afirma.

De acordo com o professor, “o estudo de comunicação do século passado teve muita influência dessa teoria, criando a fundamentação da teoria funcionalista.

Entendia-se que uma mensagem é um estimulo que provoca resposta determi-nada, ignorando inúmeras variáveis que interferem na relação, a começar pelo próprio sujeito. Ele não será influencia-do apenas por um estímulo, pois tem um histórico de vida, interesses, sensações próprias que interferem nessa relação, aspectos culturais, familiares, outros con-textos sociais, como escola, bairro. São fontes de referências que o constituem e isso interfere na leitura”.

Entretanto, é claro que uma criança que assiste mais de 30 horas semanais de um único gênero televisivo violento está submersa de tal maneira que isso se tor-nará sua referência e pode causar desvio na sua formação. Diz Claudemir: “É como o chocolate, faz bem, é gostoso, mas sem exagero. Esporte idem, se você viver em função, deixará de viver outros aspectos importantes de sua vida.”

Portanto, arremata o professor, não existe uma programação ruim ou boa, mas o tipo de relação que a pessoa tem com isso, e quem é essa pessoa: “Se viver numa fa-mília desequilibrada, pode ser perigoso dar toda atenção a um produto cuja história é de novo violenta, ela pode procurar nessa história uma “solução” para o que ela vive.”

E atenção: muito mais violento que a programação de TV ou o jogo digital é o que a criança sofre dos pais, uma vio-lência não necessariamente física, mas

agressões verbais, brigas de casal, ausên-cia da figura do pai.

Claudemir lembra um estudo da Univer-sidade Estadual da Bahia sobre o papel dos jogos violentos para o desenvolvimento da criança, constatando que, exceto às situa-ções extremadas de desequilíbrio, quando a criança está jogando exerce uma catarse.

O ser humano é violento como qual-quer animal. A criança está aprendendo a lidar com isso e aprende de várias manei-ras, como brincando de brigar. São formas da criança exercitar esse instinto e, ao fa-zer isso, ela tem uma resposta social que a leva a perceber seus limites de suportar e os limites de sua violência.

torado, alguns permaneceram como voluntários. “Em 2006, mandamos a proposta para a Fapesp financiar e, como a temática teve sua importân-cia ampliada e quase nenhuma pro-dução cientifica, o livro foi editado.”

Ele é vendido no Lapic, pessoal-mente ou via site, na Edusp e na li-vraria Cultura por R$ 30 e serve para custear o laboratório, atualmente sem verbas para pesquisa porque a professora responsável se aposentou e os órgãos públicos não financiam professores aposentados. No grupo não há nenhum professor da USP que possa pedir financiamento, e assim as pessoas são voluntárias, atendendo interessados, mantendo o site. Outro livro “Televisão, criança, imaginário e educação”, em sexta edição, resulta da primeira pesquisa e está esgotado.

As pesquisas do Lapic podem ser consultadas na Biblioteca da ECA, na Cidade Universitária, e também se transformaram em eventos científi-cos, como simpósios e filmes. São tão importantes que, em 2007, a Fapesp patrocinou a edição do livro “O co-tidiano infantil violento: marginali-dade e exclusão social”, organizado pela professora Elza Dias Pacheco.

Claudemir conta que o Lapic tra-balhava esses temas em 98, e começou a transcrever palestras dos encontros com pessoas de várias áreas. Mas, no ano 2000, pegou fogo o segundo an-dar da ECA. Como o grupo ficou mais de dois anos precariamente intalado, o trabalho acabou sendo interrompido.

Em 2004, conseguiram retomar, e a maioria dos membros do grupo já havia encerrado seu mestrado e dou-

Como conhecer o trabalho do LapicPateta: salvo das

trapalhadas pelo filho

Desenho japonês: luta entendida como autodefesa

45 Neo Mondo - Maio 2013

Page 46: Neomondo maio 2013 54

46 Neo Mondo - Maio 2013

pação encontra guarida na Constituição Federal de 1988, com a referência ao bem-estar, sobrelevando a preocupação com a atribuição de responsabilidade a todos os entes da Federação e, mais que isso, à sociedade.

O desenvolvimento desses preceitos deu ensejo ao Direito Ambiental como novo ramo jurídico de estudo, e a Educação Ambiental como sólida base para colocar isso em prática.

De fato, o meio ambiente é um direito humano fundamental, assim como o direito à vida, apesar de não estar contido no art. 5.º da Constitui-ção Federal, mas sempre interessado

O meio ambiente há muito tempo é considerado como uma extensão do direito à vida.

Ao longo do tempo, a evolução da proteção ao meio ambiente tornou-se um imperativo fundamental de sobrevivência e de solidariedade. Atualmente, é obriga-tório preservar para as presentes e futu-ras gerações. Ora, a importância é tama-nha que, para o sistema jurídico e para o chamado Estado Democrático de Direito, tornaram-se imperativos categóricos.

Os Tribunais brasileiros, em diver-sos de seus julgados em prol do meio ambiente ecologicamente equilibrado, começaram a entender que essa preocu-

O Direito Fundamental de acesso

em proteger os valores fundamentais da pessoa humana e necessário a toda população brasileira.

O meio ambiente sadio e ecologica-mente equilibrado representa um bem e interesse transindividual, garantido cons-titucionalmente a todos, estando acima de interesses privados. Essa previsão vem ex-pressa no art. 225 da Constituição Federal e no art. 2.º da Lei n.º 6.938/81.

Assim, o art. 225 da CF/88 erigiu o meio ambiente ecologicamente equilibra-do “a bem de uso comum do povo e es-sencial à sadia qualidade de vida, impon-do-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

Page 47: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 47

Terence Trennepohl

Assim, o § 1º, VI, da Constituição Fe-deral, que versa a Educação Ambiental, trouxe a reboque a Lei n.º 9.795/99, que regulou a matéria, dispondo sobre a Políti-ca Nacional de Educação Ambiental.

Basta colocá-la em prática.

Terence TrennepohlSócio de Martorelli e Gouveia Advogados

Senior Fellow na Universidade de Harvard

Doutor e Mestre em Direito (UFPE)E-mail: [email protected]

à Educação AmbientalO Direito Fundamental de acesso

presentes e futuras gerações”, incumbin-do ao Poder Público, para assegurar a efe-tividade desse direito.

A Constituição Federal de 1988, dife-rentemente das demais até então promul-gadas no país, fez valer uma exigência que muito preocupava os estudiosos do direito que lutavam para a inserção de normas que tratassem das questões ambientais.

Inovando brilhantemente, a nossa Carta Magna trouxe um capítulo específi-co sobre o assunto, voltado inteiramente para o meio ambiente, definindo-o como sendo direito de todos e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essen-cial à sadia qualidade de vida, incumbindo

ao poder público e à coletividade o dever de zelar e preservar para que as próximas gerações façam bom uso e usufruam livre-mente de um meio ambiente equilibrado.

O direito à vida, assegurado como direito fundamental, inclusive enquanto princípio do Direito Ambiental, e garanti-do pela dignidade da pessoa humana, ga-nha substancial reforço quanto ao direito a um meio ambiente ecologicamente equili-brado. São direitos que se complementam e se fortalecem, mutuamente.

Dentre eles, está aquele de promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

Correspondente especial de Boston – Estados Unidos

Page 48: Neomondo maio 2013 54

48 Neo Mondo - Maio 2013

A criança sempre ocupou um lugar de destaque entre os apelos publi-citários. Ao lado de filhotinhos de

animais, mulheres esculturais e celebri-dades, o uso da imagem da criança é uma daquelas fórmulas que resistem ao passar dos anos. Criança é quase sempre sucesso de público e de crítica. Os comerciais com crianças não estão apenas entre os mais comentados pelo público geral, mas tam-bém entre os mais premiados em festivais de publicidade por todo o mundo.

Quando o anunciante quer reduzir pra-ticamente a zero o risco do seu investimen-to, ele aposta no poder das crianç as. No in-tervalo publicitário da transmissão da final do futebol americano - o Super Bowl - onde 30 segundos custam facilmente alguns milhões de dólares, o apelo da imagem da criança é um dos mais presentes.

Recentemente, a água mineral Evian comprovou a força da criança na publicida-

de. Com um comercial repleto de bebês fa-zendo esportes radicais, a marca conquistou a simpatia instantânea de milhões de ameri-canos. O sucesso foi tão grande que o vídeo passou a ser um dos mais vistos no Youtube.

Muitos dos clássicos da publicidade brasileira são protagonizados por crian-ças. Quem não se lembra da campanha dos mamíferos da Parmalat? Veiculada há quase 15 anos, a campanha é ainda re-cordada com facilidade pelos brasileiros. Não é para menos. Na época, a empresa viu suas vendas crescerem 20% e despon-tou entre as três principais marcas de alimentos no Brasil. O sucesso da cam-panha também motivou novas idéias e promoções para a Parmalat. Em 1997, a empresa lançou a promoção “Mamíferos de Pelúcia”, responsável pela distribuição de mais de 15 milhões de bichinhos de pelúcia pelo País. Já em 2007, foi a vez da campanha “Mamíferos crescidos”, que

reuniu as mesmas crianças, agora bem mais crescidinhas.

O poder da criança na publicidade é tão grande que ela pode não só vender produtos, como também eleger candidatos. Ainda nos anos 60, a campanha vitoriosa de Lyndon Johnson para a presidência dos Estados Unidos marcou a história da propa-ganda política com um filme estrelado por uma criança. O objetivo do filme era muito simples: alertar a todos sobre a intenção do candidato adversário de usar armas nucle-ares no Vietnã. No filme, vemos uma ga-rotinha contando lentamente as pétalas de uma margarida. De repente, surge uma voz grave dando início a uma contagem regres-siva para o lançamento de um míssil. Ao final, ouvimos o estrondo de uma explosão nuclear, e vemos o “cogumelo atômico” re-fletido nos olhos da garotinha.

A criança é também uma das prin-cipais fontes de humor na propaganda.

Pequena, mas persuasiva: a força publicit ária da criança

Page 49: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Maio 2013 49

Sempre com um ponto de vista muito próprio, a criança é com frequência a res-ponsável por aquele comentário engraça-do que marca o comercial.

Na Alemanha, um comercial recente da Mercedes mostra um diálogo entre um garoto e o futuro padrasto num restauran-te. Ao perceber que o homem é dono de uma Mercedes, o garoto diz: “O negócio é o seguinte: ou você vai me levar e buscar na escola todos os dias, ou pode esquecer namorar a minha mãe!”.

Para produzir o efeito cômico deseja-do no comercial, a criança é normalmente representada de algumas formas bastante típicas. Uma das mais usadas é a criança precoce, aquela que é um mini-adulto, e que entende das coisas mais até do que os próprios pais. A campanha do E-trade, um dos sites mais populares para investimen-tos no mercado de capitais, mostra crian-ças acompanhando os seus investimentos

a criança ajuda a entender o que é a boa publicidade. Porque criança é como boa publicidade: espontânea, cheia de vida, e não precisa se esforçar para ser percebida.

Desde bem pequena, a criança al-cança com facilidade aquele que é o pri-meiro objetivo de toda peça publicitária: chamar atenção.

É por isso que a publicidade recorre tanto à imagem da criança. Afinal, a pu-blicidade precisa conseguir exatamente o que o choro de um bebê consegue: mobi-lizar as pessoas em poucos segundos.

Publicitário da Jung von Matt, em Berlim

Formado em Comunicação Social pela ESPM-SP

e em Criação Publicitária pela Miami Ad School

E-mail: [email protected]

na Internet e dando dicas para adultos usando o jargão financeiro.

Mostrar uma criança se comportando de modo diferente do esperado sempre chama atenção. Um comercial de sucesso do Sustagen Kids faz exatamente isso. Ao invés de mostrar uma criança esperne-ando no supermercado para ganhar um chocolate, a propaganda mostra a criança gritando para ganhar brócolis.

Outro produto que já retratou a criança de modo curioso é o Gatorade Kids. A mar-ca criou paródias de momentos marcantes de vários esportes, usando crianças para re-produzir cenas, como um “vôo” de Michael Jordan em direção à cesta ou o famoso soco no ar quando Pelé comemorava um gol.

É claro que o uso da imagem da crian-ça na publicidade não é necessariamente garantia de sucesso. No entanto, inúme-ros exemplos comprovam seu grande po-tencial. Além de fortalecer a publicidade,

Pequena, mas persuasiva:

Rafael Pimentel Lopes

a força publicit ária da criança

Page 50: Neomondo maio 2013 54

50 Neo Mondo - Maio 2013

Serei uma alienada romântica que planta sonhos e esperanças, e acredita no ser hu-mano na sua mais pura essência? Ou serei mais uma que fortalece e contribui para a lógica histórica de acentuadas e perversas desigualdades sociais? Ou então mais uma peça do sistema que se cala e em suaves e dolorosas prestações entrega um diploma?

Estas dúvidas intensificaram-se quan-do recebi o email de um aluno. Na verdade,

S er docente para pessoas que esco-lheram a educação na sua forma-ção, atualmente, me traz muitos

questionamentos diante de uma socie-dade que poucos têm a chance de se encontrarem, de apenas viverem e não só sobreviverem.

Serei uma vendedora de sonhos para uma população que talvez já esteja pre-determinada a continuar a ser explorada?

a mensagem começou com: “desculpe o de-sabafo, mas me vejo num caminho que não sei se ao certo se vale a pena percorrê-lo”, e seu desabafo trouxe vários protestos sobre a formação que o aluno tem na universida-de. Indagações que venho fazendo sobre o meu real papel no contexto escolar. Aqui tomarei emprestada a idéia de Aldo Fortu-nati de que a escola de Educação infantil é um ambiente, um contexto no qual adultos

Page 51: Neomondo maio 2013 54

Luciana Stocco de Mergulhão

E, como resposta, tenho nossos adul-tos que nada mais são do que sujeitos de direito, assim como nossas crianças de-veriam ser, adultos com coração e mente, atores sociais que criam relações, assim como nossos pequeninos que verdadeira-mente são e criam. Adultos que desejam encontrar na figura do educador alguém que apóia, orienta, encaminha e assume uma pedagogia da escuta. Um educador/observador atento, um profissional com-prometido com seu papel, que divide as responsabilidades do processo de ensino e aprendizagem com seus alunos adultos, que também têm alma de criança desejo-sa e sedenta de conhecer seu entorno e significar suas experiências.

Portanto, tenho muito forte a crença que a partir do momento que sei, que tenho consciência dos fatos, idéias e pensamen-tos, sou responsável por minhas ações.

Não consigo desenvolver minha prá-tica docente conformada e obediente aos tempos e espaços institucionais. Em uma época, aprofundei meus conhecimentos sobre a palavra e o sentido do tempo dentro dialógica escolar, o tempo Chro-nos (o tempo que rege nosso cotidiano, nossos compromissos e prazos) e o Kairós (o tempo da alma do espírito). Hoje, mais do que nunca, eles vem à tona, mas não mais para entender apenas a lacuna entre sujeito e instituição, compreendendo que cada um tem seu tempo. O meu tempo é agora e está muito claro e forte o sen-timento de que chegou o tempo de me respeitar, de não me submeter ao que me machuca, fere e descaracteriza. Chegou o tempo de agregar pessoas que desejam mudanças, que desejam entender os dis-cursos e transformarem-nos em práticas conscientes e felizes.

Sei que muitas ações terão que ser construídas. Uma delas é resgatar a valo-rização profissional, NÃO quero só fazer parte desta forma de sobrevivência que alimenta o que é conveniente, necessário e eficiente para reproduzir e fortalecer ape-nas a uma pequena parcela da população.

Luciana Stocco de MergulhãoMestre em Educação, especializada

em Psicopedagogia e graduada em Pedagogia.

Professora universitária dos cursos de Pedagogia,Psicopedagogia e atendi-mento psicopedagógico. Experiência

profissional de professora e coordena-dora pedagógica de educação básica.

e crianças compartilham a vida cotidiana, criando relações, novas experiências e ge-rando novas compreensões.

Percebo claramente que a experiência que vive e adquire na escola de educação infantil foi e é fundamental para o meu fazer pedagógico no ensino superior. Para alguns colegas acadêmicos isto pode pa-recer inconcebível, pois se trata de um ensino de adultos e não de crianças.

E decidida, o momento é agora que será intensamente direcionado as refle-xões para o papel do professor dentro de seu contexto. Não estaremos desviando nosso olhar para as questões históricas da política brasileira, que em nosso país estão entrelaçadas com as questões edu-cacionais, pois muitas vezes acabamos não fazendo o que é essencial na nos-sa prática docente: Qual o meu papel diante da classe que estou? Pois o meu tempo é agora e sendo a educação um ato político. Faz parte do seu papel po-lítico assumir a responsabilidade diante do outro, e a nossa responsabilidade é dar novas possibilidades para os sujeitos saírem de suas condições de subordina-ções silenciosas e alienadas. Não adian-ta apenas apontar que o aluno chega ao Ensino Superior com sérias dificuldades em ler, interpretar e escrever, que não estão interessados, comportamentos estes produzidos pelo próprio sistema escolar. Pois, quando apenas denuncia-mos, estamos diante de um ciclo vicioso que apenas busca os responsáveis. Prefi-ro pensar e agir a partir da idéia: qual é a minha parcela nesta engrenagem?

Não serão por palavras faladas ao ven-to, discursos que não refletem, e não são nossas ações. Não pretendo transformar o mundo, mas transformarei o meu mundo, desejo pessoas que muitas vezes estão su-bordinados, mas conscientes de sua atual situação e desejosos de mudanças. As no-vas gerações precisam ter oportunidades, acesso à informação e, sobretudo, serem insaciáveis por mudanças.

Neo Mondo - Maio 2013 51

Page 52: Neomondo maio 2013 54

Neo Mondo - Outubro 2008A