neoliberalismo e educação

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Neoliberalismo e educação: manual do usuário Pablo Gentili Neste trabalho pretendo abordar criticamente algumas dimensões da configuração do discurso neoliberal no campo educacional. Começarei destacando a importância teórica e política de se compreender o neoliberalismo como um complexo processo de construção hegemônica. Isto é, como uma estratégia de poder que se implementa sentidos articulados: por um lado, através de um conjunto razoavelmente regular de reformas concretas no plano econômico, político, jurídico, educacional, etc. e, por ou através de uma série de estratégias culturais orientadas a impor novos diagnósticos acerca da crise e construir novos significados sociais a partir dos quais legitimar as reformas neoliberais como sendo as únicas que podem (e devem) ser aplicadas no atual contexto histórico de nossas sociedades Tentarei mostrar de que forma esta dimensão cultural, característica de toda lógica hegemônica, foi sempre reconhecida como um importante espaço de construção política por aqueles intelectuais conservadores que, em meados deste século, começaram a traçar as bases teóricas e conceituada do neoliberalismo enquanto alternativa de poder. Em segundo lugar, tentarei apresentar algumas considerações gerais sobre como se constrói a retórica neoliberal no campo educacional. Pretendo identificar as dimensões que unificam os discursos neoliberais para além das particularidades locais que caracterizam os diferentes contextos regionais onde tal retórica é aplicada. Meu objetivo será questionar a forma neoliberal de pensar e projetar a política educacional. Finalizo destacando algumas das mais evidentes conseqüências da pedagogia da exclusão promovida pelos regimes neoliberais em nossas sociedades.' 1.O neoliberalismo como construção hegemônica Explicar o êxito do neoliberalismo (é também, é claro, traçar estratégias para sua necessária derrota) é uma tarefa cuja

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Neoliberalismo e educao: manual do usurioPablo GentiliNeste trabalho pretendo abordar criticamente algumas dimenses daconfgurao do discurso neoliberal no campo educacional. Comeareidestacando a importncia terica e poltica de se compreender oneoliberalismo como um comple!o processo de construo hegem"nica. #sto$% como uma estrat$gia de poder &ue se implementa sentidos articulados:porumlado% atra'$sdeumcon(untora)oa'elmenteregulardere*ormasconcretas no plano econ"mico% poltico% (urdico% educacional% etc. e% por ouatra'$sdeumas$riedeestrat$giasculturaisorientadasaimpor no'osdiagnsticos acerca da crise e construir no'os signifcados sociais a partirdos &uais legitimar as re*ormas neoliberais comosendoas +nicas &uepodem,ede'em- ser aplicadas no atual conte!to histrico denossassociedades .entarei mostrar de &ue *orma esta dimenso cultural%caracterstica de toda lgica hegem"nica% *oi sempre reconhecida como umimportante espao de construo poltica por a&ueles intelectuaisconser'adores &ue% em meados deste s$culo% comearam a traar as basestericas e conceituada do neoliberalismo en&uanto alternati'a de poder. /msegundolugar% tentarei apresentar algumas consideraes gerais sobrecomoseconstri aretricaneoliberal nocampoeducacional. Pretendoidentifcarasdimenses&ueunifcamosdiscursosneoliberaisparaal$mdas particularidades locais &ue caracteri)am os di*erentes conte!tosregionais onde tal retrica $ aplicada. 0eu ob(eti'o ser &uestionar a *ormaneoliberalde pensar e pro(etar a poltica educacional. 1inali)o destacandoalgumas das mais e'identes conse&23ncias da pedagogia da e!clusopromo'ida pelos regimes neoliberais em nossas sociedades.45.6 neoliberalismo como construo hegem"nica/!plicaro3!itodoneoliberalismo,$tamb$m% $claro% traarestrat$giasparasuanecessriaderrota- $umatare*acu(acomple!idadederi'adaprprianature)ahegem"nicadessepro(eto. Come*eito% oneoliberalismoe!pressa a dupla dinmica &ue caracteri)a todo processo de construo dehegemonia. Por um lado% trata7se de uma alternati'a de podere!tremamente 'igorosa constituda por uma s$rie de estrat$gias polticas%econ"micas e (urdicas orientadas para encontrar uma sada dominante paraacrisecapitalista&ueseiniciaaofnal dosanos89e&uesemani*estaclaramente(nosanos:9. Por outrolado% elae!pressaesinteti)aumambicioso pro(eto de re*orma ideolgica de nossas sociedades a construoe a di*uso de um no'o senso comum &ue *ornece coer3ncia% sentido e umapretensalegitimidade;spropostasdere*ormaimpulsionadaspeloblocodominante. interseco de ambas as dinmicas permite compreender a *orahegem"nica do neoliberalismo./stes processos ti'eram tamb$m eu impacto especfco na >m$rica Hatina.Com e*eito% alguns pases da regio constituram um 'erdadeiro laboratriodee!perimentaoneoliberal deresultadosaparentementemilagrosos. >>m$rica latina% de *ato% *oi o cenrio trgico do primeiro e!perimentopoltico do neoliberalismo em n'el mundial: a dita dura do general Pinochetiniciada no Chile em 5C:R./ntretanto% a contribuio latino7americano ao neoliberalismo mundial nose esgotou na e!peri3ncia chilena. =urante os anos L9% e no conte!to dasincipientes democracias ps7ditatoriais% o neoliberalismo chegar ao poder%na maioria das naes da regio% pela 'ia do 'oto popular. >lgumase!peri3ncias% inclusi'e% transcenderam as *ronteiras como modelosBe!itososBcapa)esdeiluminar,de*orma&uaseuni'ersal-ocaminhodeuma 'erdadeira e pro*unda re*orma econ"mica% a partir da &ual garantir aestabilidademonetriaepoltica% apartir da&ual garantir umasupostago'ernabilidade democrtica. =urante a segunda metade do s$culo SS% oneoliberalismo dei!ou% assim% de ser apenas uma simples perspecti'aterica produ)ida em con*rarias intelectuais% a orientar as decisesgo'ernamentais em grande parte do mundo capitalista% o &ue inclui desdeas naes do Primeiro e do .erceiro 0undo at$ algumas das maiscon'ulsionadas sociedades da /uropa 6riental.Cincod$cadasdehistriatericae&uase'inteanosdee!peri3ncianoe!ercciodopoderpermitem7nosidentifcarmaisregularidades&ue% paraal$m das especifcidades locais% contribuem para a defnio da nature)a edocarter dos programas dea(usteneoliberal numsentidoglobal. Naseguinte% nossointeresseseconcentrarnasregularidadesapresentadaspela retrica neoliberal no campo educacional. Desumiremos a seguiralgumasdimensesdiscursi'as&ueconfguramestaretrica% apartirda&ual so elaboradas uma s$rie de diagnsticos e% conse&uentemente% umas$rie de propostas polticas &ue de'em% sob a perspecti'a neoliberal%orientar uma pro*unda re*orma do sistema escolar nas sociedadescontemporneas. Pretendo% desta *orma% contribuir para a necessria tare*adecaracteri)ar a*ormaneoliberal depensar epro(etar aspolticas. >possibilidade de conhecer e reconhecer a discursi'a do neoliberalismoob'iamente no $ sufciente para *reiar a *ora persuasi'a de sua retrica.No entanto pode a(udar7nos a desen'ol'er mais e melhores estrat$gias delutacontraasintensasdinmicasdee!clusosocial promo'idasportaispolticas. Pretendo a&ui contribuir minimamente para esse ob(eti'o.Podemos ns apro!imar de uma compreenso crtica da *orma neoliberal depensar e traar a poltica educacional procurando responder% bre'emente% a&uatro &uestes:5. como entendem os neoliberais a crise educacionalJM. &uem so% de acordo com essa perspecti'a% seus culpadosJR. &ue estrat$gias defnem para sair delaJF. &uem de'e ser consultado para encontrar uma sada para a criseJ/m primeiro lugar $ necessrio destacar &ue na perspecti'a neoliberalossistemaseducacionaisen*rentam% ho(e% umapro*undacrisedeefci3ncia%efccia e produti'idade% mais do &ue uma crise de &uantidade%uni'ersali)ao e e!tenso.Para eles% o processo de e!panso da escola% durante a segunda metade dos$culo% ocorreu de *orma acelerada sem&ue tal crescimento tenhagarantidoumadistribuioefcientedosser'ioso*erecidos. >crisedasinstituies escolares $ produto% segundo este en*o&ue% da e!pansodesordenadaeBanr&uicaB&ueosistemaeducacional 'emso*rendonos+ltimos anos. .rata7se *undamentalmente de uma crise de &ualidadedecorrente da improduti'idade &ue caracteri)a as prticas pedaggicas e agesto administrati'a da grande maioria dos estabelecimentos escolares.Nestesentido% ae!ist3nciademecanismosdee!clusoediscriminaoeducacional resulta de *orma clara e direta% da prpria inefccia da escola eda pro*unda incompet3ncia da&ueles &ue nela trabalham. 6s sistemaseducacionais contemporneos no en*rentam% sob a perspecti'a neoliberal%uma crise de democrati)ao% mas uma crise gerencial. /sta crise promo'e%emdeterminadosconte!tos% certosmecanismosdeBini&2idadeB escolar%tais como a e'aso% a repet3ncia% o anal*abetismo *uncional etc.6ob(eti'opolticodedemocrati)ar aescolaestassimsubordinadoaoreconhecimento de &ue tal tare*a depende% ine!ora'elmente% da reali)aode uma pro*unda re*orma administrati'a do sistema escolar orientada pelanecessidade de introdu)ir mecanismos &ue regulem a efci3ncia% aproduti'idade% a efccia% em suma: a &ualidade dos ser'ios educacionais.=este diagnstico inicial decorre um argumento central na retricaconstruda pelas tecnocracias neoliberais: atualmente% inclusi'e nos pasesmais pobres% no *altamescolas% *altamescolas melhoresK no *altampro*essores%% *altam pro*essores mais &ualifcadosK no *altam recursos parafnanciar as polticas educacionais% ao contrrio% *alta uma melhordistribuiodos recursos e!istentes. crise social se deri'a% *undamentalmente% de &ue os sistemas institucionaisdependentesdaes*erado/stado,dapoltica- noatuamelesmesmoscomo mercados. #sto ocorre% segundo a perspecti'a neoliberal% no campo dasa+de% dapre'id3ncia% daspolticasdeempregoetamb$m% $claro% daeducao.=e certa *orma% a crise $ produto da di*uso ,e!cessi'a% aos olhos de certosneoliberais atentos- da noo de cidadania. Para eles% o conceito decidadaniaem&uesebaseiaaconcepouni'ersal euni'ersali)antedosdireitos humanos ,polticos% sociais% econ"micos% culturais etc.- tem geradoumcon(unto de *alsas promessas &ue orientaramaes coleti'as eindi'iduais caracteri)adas pela improduti'idade e pela *alta dereconhecimento social no 'alor indi'idual da competio.Come*eito% como (tentei demonstrar emoutros trabalhos% agrandeoperao estrat$gica do neoliberalismo consiste em trans*erir a educaodaes*eradapolticaparaaes*eradomercado&uestionandoassimseucarterdedireitoeredu)indo7aasuacondiodepropriedade. Tneste&uadro &ue se reconceituali)a a noo de cidadania% atra'$s de umare'alori)ao da ao do indi'duo en&uanto proprietrio% en&uantoindi'duo &ue luta para con&uistar ,comprar- propriedades7mercadoriasdi'ersa ndole% sendo a educao uma delas. 6 modelo de homemneoliberal $ o cidado pri'ati)ado o entrepreneur% o consumidor.M. 6s culpadosmbos passam a ser considerados 'ari'eis dependentes de um con(untodeopesindi'iduaisatra'$sdas&uaisaspessoas(ogamdiaadiaseudestino% como num(ogo de baccarat. lgica competiti'a promo'ida por um sistema de pr3mios e castigos combase emtais crit$rios meritocrticos cria as condies culturais &ue*acilitam uma pro*unda mudana institucional 'oltada para a Confguraode um 'erdadeiro mercado educacional. mcdonaldi)ao da escola6s processos de mcdonaldi)ao t3m sido destacados por alguns autorespara re*erir7se ; trans*er3ncia dos princpios &ue regulama lgica de*uncionamento dos *ast *oods a espaos institucionais cada 'e) mais amplosna 'ida social do capitalismo contemporneo. > mcdonaldi)ao da escola%processo &ue se concreti)a em di*erentes e articulados planos ,alguns maisgerais e outros mais especfcos-% constituiuma met*ora apropriada paracaracteri)ar as *ormas dominantes de reestruturao educacional propostaspelas administraes neoliberais.Na o*ensi'a antidemocrtica e e!cludente promo'ida pelo ambiciosoprograma de re*ormas estruturais impulsionado pelo neoliberalismo% asinstituieseducacionaistendemaser pensadasereestruturadassobomodelo de certos padres produti'istas e empresariais.W temos en*ati)ado &ue os neoliberais defnem um con(unto de estrat$giasdirigidas a trans*erir a educao da es*era dos direitos sociais ; es*era domercado. >aus3nciadeum'erdadeiromercadoeducacional ,isto$% aaus3ncia de mecanismos de regulao mercantil &ue confgurem as basesde um mercado escolar- e!plica a crise de produti'idade da escola. Para osneoliberais% o reconhecimento desse *ato permite orientar urna sadaestrat$gica mediante a &ual $ poss'el con&uistar% sem B*alsas promessasB%uma educao de &ualidade e 'inculada ;s necessidades do mundomoderno: as instituies escolares de'em *uncionar como empresasprodutoras de ser'ios educacionais. > inter*er3ncia estatal no pode&uestionar odireitodeli'reescolha&ueosconsumidoresdeeducaode'em reali)ar no mercado escolar. >penas um conglomerado deinstituies corri essas caractersticas pode obter n'eis de efci3nciabaseados na competio e no m$rito indi'idual. 6s 0c=onald4s constituemumbome!emplodeorgani)aoproduti'acomtaisatributose% nessesentido% representam um bom modelo organi)acional para a moderni)aoescolar. Xe(amos algumas das poss'eis coincid3ncias entre ambas ases*eras. /m primeiro lugar% os *ast *oods% e as escolas t3m um ponto bsicoem comum. >mbos e!istem para dar conta de duas necessidades*undamentais nas sociedades modernas: comer e ser sociali)adoescolarmente. /mbora a primeira se(a uma necessidade to antiga &uanto aprpria ?umanidade e a segunda nem tanto% no e!istiria% aparentemente%nenhumaoriginalidadenas*unes&ueatualmentesocumpridastantopelos 0c=onald4s &uanto pelas escolas. /ntretanto% a&ui% como na produodetodamercadoria% oimportanteno$apenas acoisaprodu)ida, ohamb+rguer ou o conhecimento ofcial-% mas a *orma histrica &ue ad&uire aproduodessesprocessos% &uersetratedaind+striadacomidarpida%&uer se trate da ind+stria escolar. #sto $% o &ue unifca os 0c=onalds e autopia educacional dos homens de negcios $ &ue% em ambos% a mercadoriao*erecidade'eserprodu)idade*ormarpidaedeacordocomcertaserigorosasnormasdecontroledaefci3nciaedaproduti'idade. 6modelo0c=onald4s temdemonstrado% graas ;uni'ersali)aodohamb+rguer%umaenormecapacidadepara ter sucessonomercadodaalimentaoBrpidaB ,se $ &ue o termo BalimentaoB pode ser aplicado nesse caso-. >escola% pelo contrrio% no &ue se re*ere a suas *unes educacionais% notem sido to bem sucedida% se a'aliada sob a tica empresarial de*endidapelos neoliberais. 6s princpios &ue regulama prtica cotidiana dos0c=onald4s% emtodas as cidades do planeta% bem&ue poderiamseraplicados ;s instituies escolares &uepretendempercorrer atrilhadae!cel3ncia: B&ualidade% ser'io% limpe)a e preoB. > rigor na perspecti'a doshomens de negcios% esses princpios de'em regular toda prtica produti'amoderna. 6 prprio *undador dessa cadeia de restaurantes% Da@ Oroc% temdito% sem*alsamod$stia: Bsemeti'essemdadoumti(olocada'e)&uerepetiessas pala'ras% creio &ue teria podido construir uma ponte sobre o6ceano>tlnticoB ,Peter YUaterman% 5CLF: 5:9-. >escola% pensadaepro(etada como uma instituio prestadora de ser'ios% de'e adotar essesprincpios de demonstrada efccia para obter certa liderana em &ual&uermercado./sse aspecto de carter geral se 'incula a outra coincid3ncia ,ou melhor% aoutralio-&ueos0c=onald4so*erecem;sinstituieseducacionais. =e*ormabastantesimples% podemosdi)er &ueos*ast *oodssurgirampararesponder a uma demanda da sociedade moderna ps7industrial: as pessoascorrem muitoK esto% em grande parte do dia% *ora de casaK e t3m poucotempo para comer. /ntre os *ast *oods realmente e!istentes% o 0c=onald4sad&uiriulideranamundial% apro'eitando7seda&uilo&uenaterminologiaempresarial se denomina B'antagens comparati'asB. Gma grandecapacidade administrati'a permitiu &ue essa empresa con&uistasse uniimportantenichonomercadodacomidarpida. >lgumasdascorrentesdominantes entreas perspecti'as acad3micas dos homens denegciosen*ati)am &ue a capacidade competiti'a de uma empresa ,e inclusi'e deumanao- sedefneporseudinamismoePe!ibilidade paradescobrireocupardeterminadossegmentos,ounichos-&ueseabrem;competioempresarial. >ssim% os mercados e!pressamtend3ncias enecessidadesheterog3neas. Deconhecer tal di'ersidade *a) parte da habilidadeempresarial da&ueles&uecondu)emasgrandescorporaesconseguemsobre'i'er ; intensa competio inter7empresarial. 6 &ue $ tudo isso tem a'er com a educaoJ > resposta $ simples: se o sistema escolar tem &ue seconfgurar como mercado educacional% as escolas de'em defnir estrat$giascompetiti'as para atuar emtais mercados% con&uistando nichos &uerespondam de *orma especfca ; di'ersidade e!istente nas demandas deconsumo por educao. 0cdonaldi)ar% a escola supe pens7la como urnainstituio Pe!'el &ue de'e reagir aos estmulos ,os sinais- emitidos por ummercado educacional altamente competiti'o./ntretanto% algu$m% pro'a'elmenteintrigado% poderiaperguntar &ual $ara)o&uee!plica&ueomercadoeducacional de'asernecessariamentecompetiti'o. 6sneoliberaisrespondemaessa&uestotamb$mde*ormasimples: assim como as pessoas precisam comer hamb+rgueres por&ue otrabalho ,e% claro% a mdia- o e!ige% tamb$m precisam educar7se por&ue oconhecimentosetrans*ormounacha'edeacesso;no'a educao escolar de'e garantir as *unes de classifcao ehierar&ui)ao dos postulantes aos *uturos empregos ,ou aos empregos do*uturo-. Para os neoliberais% nisso reside a B*uno social da escolaB. possibilidade de construo de um mercadoescolar competiti'o depende% entre outros *atores% da di*uso de rigorososcrit$rios decompetiointerna&ueregulemas prticas eas relaescotidianas da escola. >lgo similar ocorre nos 0c=onald4s.=e *ato% os sistemas de controle e promoo de pessoal no 0c=onald4s soconhecidos ,e em muitas ocasies tomados como modelos- pelo uso efca)de umsistema de incenti'os &ue promo'e uma dura e implac'elcompetiointernaentreos trabalhadores bemcomoadi*usodeumsistemadepr3miosecastigosdirigidosamoti'aroBpertencimentoBeaadeso incondicional ; empresa. /sses mecanismos esto sendo cada 'e)mais di*undidos nos mbitos escolares at$ mesmo &uando as normas(urdicas 'igentes no o permitem-. Vuem mais produ) mais ganha. / s $poss'el saber &uemmais produ) &uandosea'aliamrigorosamenteosatores en'ol'idos no processo pedaggico,se(am pro*essores% alunos%*uncionrios etc.-. 6s pr3mios ; produti'idade so% tal como no 0c=onald4s%tanto meramente simblicos,&uadro de honra% empregado do m3s-% &uantomateriais,aumento salarial% pr3mios em esp$cie% promoo de categoria-. >educao de'e ser pensada como umgrande campeonato. Nela% ostriun*adores sabem &ue o primeiro desafo $ assumirem7se comoganhadores. B.u pertences ; e&uipe dos campeesZB% costuma repetirorgulhoso Da@ Oroe em suas habituais arengas ; sua tropa de despachantesde hamb+rgueres e batatas *ritas baratas. /sprito de luta% de auto7superao% deconfanano'alordom$rito% certe)adesaber&ue&uemestaonossoladosatrapalhanossocaminhoaosucesso. Nadamaisapreciado na escola do &ue o ttulo de 0estre do >no. Nada mais cobiadono 0c=onald4s do &ue o pr3mio >ll >merican ?amburguer70aAer.>pedagogiadaVualidade.otal seinscre'enessa*ormaparticular decompreender os processos educacionais% no sendo mais do &ue umatentati'a de trans*erir para a es*era escolar os m$todos e as estrat$gias decontrole de &ualidade prprios do campo produti'o.6 processo de mcdonaldi)ao da escola tamb$m tem seu e*eito no campodocurrculo e na *ormao depro*essores.Vuem se a'enturar aestudarcommais detalhes os *ast *oods,tare*a &ue constituiria uma grandecontribuioparacompreender melhor nossasescolas- poderencontrarumasurpreendentesimilitudeentreosmecanismosdeplane(amentodoscardpios nesse tipo de negcio e as estrat$gias neo7tecnicistas de re*ormacurricular. 6 carter assumido pelo plane(amento dos currculos nacionais%noconte!todare*ormaeducacional promo'idapelosregimesneoliberaispoderia muito bem ser entendido como um processo de macdonaldi)aodo conhecimento escolar.>o mesmo tempo% no conte!to desses processos de moderni)aoconser'adora% as p polticas de *ormao de docentes 'o se confgurandocomo pacotes *echados de treinamento ,defnidos sempre por e&uipes det$cnicos% e!perts eat$consultores deempresasZ- plane(ados de*ormacentrali)ada% semparticipaodos grupos depro*essores en'ol'idosnoprocesso de *ormao% e apresentando uma alta trans*eribilidade ,ou se(a%comgrande potencial para seremaplicados emdi*erentes conte!tosgeogrfcos e comdi*erentespopulaes-Tessa%precisamente%umadascaractersticas &ue t3m *acilitado a e!panso internacional de uma empresacomo o 0c=onald4s. /sse tipo de ernpresa tem tido um papel *undamentalno desen'ol'imento da&uilo &ue poderamos chamar a&ui Bpedagogia *ast*oodB: sistemasdetreinamentorpidocomgrandepoderdisciplinadorealtamente centrali)ados em seu plane(amento e aplicao. > ?amburguerGni'ersit@de0c=onald4semChicagoesuacompetidora% a?ar'arddospreparadores de batatas *ritas% a Qurger Oing Gni'ersit@% na perspecti'a doshomens de negcios% constituem in'e('eis modelos de instituieseducacionaisdeno'otipo. >ssim% inclusi'e% aparecemtiosmanuais&ueestimulam o 3!ito empresarial% en*ati)ando o no'o 'alor e a centralidade doconhecimentonasociedadedo*uturo. 1ormarumpro*essornocostumaser considerada uma tare*a mais comple!a do &ue a de treinar umpreparador de ?amburguer.Por+ltimo% amcdonaldi)aodocampoeducacional see!pressaatra'$sdas cada 'e) mais *re&2entes *ormas de terceiri)ao ,pedaggica e no7pedaggica- &ue tendem a caracteri)ar o trabalho escolar nos programas dere*orma propostos ,e impostos- pelo neoliberalismo. Xe(amos. Gma lo(a do0c=onald4s ,suponhamos% em 0oscou- $ sempre um espao de integraode di'ersos trabalhos parciais reali)ados em outras unidades produti'as. =ecerta *orma% o Qig 0ac $ a sntese Bdial$tica de uma s$rie de contribuiesterceiri)adas: por um lado% e!iste &uem produ) a carne% &uem *abrica opo% &uem*orneceoAetchupe% por outro% &uemculti'aospepinos. 60c=onald4s da Praa Xermelha simplesmente articula coma mesmaefci3ncia e limpe)a &ue o 0c=onald4s da Vuinta >'enida, em No'a [orA-esses insumos% os &uais% todos (untos% do origem a esse grande in'ento dacultura americana &ue so duas pe&uenas bolas achatadas de carne modacu(o suporte so dois pedaos de po. 6 Qig 0ac s pode ser compreendido%a partir da perspecti'a de um e!pert na ind+stria de hamb+rgueres% como oresultado de uma criati'a planifcao centrali)ada e uma no menoscriati'adescentrali)aodas*unese!igidasparaaelaboraodeumproduto cu(os insumos so *ornecidos por um n+mero 'ari'el deprodutores. >aplicaodeumas$riedergidoscontrolesde&ualidade,tamb$m centrali)ados- garante uma alta produti'idade% al$m da reduodos custos de produo e% em conse&2encia% um aumento da rentabilidadeobtidapor esses restaurantes. /ssaracionalidadeseaplicatamb$maocampo educacional . > lgica do lucro e da efci3ncia penetra asadministraes neoliberais. T nesse conte!to &ue a terceiri)ao do trabalhoeducacional constitui uma *orma de mcdonaldi)ar a prpria escola.>lgu$m de esprito certamente apocalptico poderia di)er% com ra)o% &ue amcdonaldi)ao da escola no se aplica a umdos atributos &ue temcaracteri)ado o notrio crescimento dos *ast *oods nesta segunda metadedo s$culo S: sua progressi'a uni'ersali)ao. >nalisando as condiesatuaisdodesen'ol'imentocapitalista% poderamossuspeitar% come*eito%&ue os 0c=onald4s t3m melhor *uturo o &ue a escola p+blica.Pro'a'elmente% as 'antagens comparati'as dos *ast *oods permitiro &ue%emmuitos de nossos pases% os hamb+rgueres e as batatas *ritas sedemocrati)em mais rapidamente do &ue o conhecimento. /ntretanto% este $um problema de carter especulati'o &ue e!cede nossas possibilidades derePe!oJ ao menos por en&uanto.6processodemcdonaldi)aodaescolade'eserconsideradode*ormaBrelacionalB. No se trata de um *ato isolado e arbitrrio. Pelo contrrio % eles pode ser e!plicado no conte!to do pro*undo processo de reestruturaopoltica% econ"mica% (urdicaetamb$m% $claro% educacional &ueestocorrendo no capitalismo de fmde s$culo. > crise do *ordismo e aconfgurao de umno'o regime de acumulao ps7*ordista permiteentender . o carter e a nature)a das re*ormas impulsionadas pelos regimesneoliberais na es*era escolar. Na economia7rnundo capitalista se articulamno'os mapasinstitucionais cu(ageografa do bene*cio produ) e reprodu)no'as e 'elhas *ormas de e!cluso e desintegrao social.> escola no $ alheia a esses processosK sua prpria estrutura e*uncionalidade $ colocada em&uestionamento por tais dinmicas. 6processomcdonaldi)aoe!pressaessamudanainstitucional dirigidaacon*ormar as bases de uma escola to@oti)ada% uma escola de altodesempenho% a administrada pelos no'os lderes gerenciais% os &uaisplane(am*ormasdeaprendi)agemdeno'ashabilidadese!igidasporumlocal detrabalhoreestrurado% *ormas&uese(amBconcretasB% BprticasBB%ligadas ; 'ida reale organi)adas atra'$s de e&uipes de trabalho ,Ue!ler75CCN: 58M-.=e &ual&uer *orma% $ importante destacar &ue essa no'a racionalidade doaparato escolar se constri sobre a&ueles princpios &ue regula'am a escolata@lorista. .rata7se de um processo de reestruturao educacional onde searticulam no'as e 'elhas dinmicas organi)acionais% onde se defnem no'ase 'elhas lgicas produti'istas atra'$s das &uais a re*orma escolar se redu) auma s$rie de crit$rios empresariais de carter alienante e e!cludente. F. 6s sabiches.endo chegado a este ponto% procuraremos responder ; nossa +ltimapergunta: &uem% na perspecti'a neoliberal% de'e ser consultado para podersuperar a atual crise educacionalJ Poderamos *ormular nossa pergunta de*orma negati'a: &uem no de'e ser consultadoJ > resposta $% em princpio%simples: os prprios culpados pela crise ,especialmente% $ claro% ossindicatos e a&ueles BperdedoresB &ue so*rem as conse&23ncias doin*ort+nio e a desgraa econ"mica por terem desconfado do es*oro e daperse'erana meritocrtica &uepermitemtriun*ar na 'ida% ou se(a: asgrandes maiorias-. =e*ender e promo'er a&uele 'elho e Bimproduti'oBmodelo de /stado de Qem7/star parece tamb$m no ser um bom caminhopara superar a crise.Vuem% ento% de'e ser consultadoJ Vuem pode nos a(udar a sair da criseJ6b'iamente% os e!itosos: os homens de negcios. 6 raciocnio neoliberal $%neste aspecto% transparente: se os empresrios souberam triun*ar na 'ida,isto $% se souberam desen'ol'er7se com 3!ito no mercado- e o &ue est*altando em nossas escolas $ (ustamente Bconcorr3nciaB% &uem melhor do&ue eles para dar7nos as BdicasB necessrias para triun*arJ 6sistemaeducacional de'e con'erter7se ele mesmo em um mercado.... de'em entoser consultados a&ueles &ue melhor entendem do mercado para a(udar7nosasair daimproduti'idadeedainefci3ncia&uecaracteri)amasprticasescolares e &ue regula a lgica cotidiana das instituies educacionais emtodososn'eis. Tnesseconte!to&uede'eser compreendidaaatitudemendicante e cnica dos go'ernantes &ue solicitamaos empresriosBhumanistasB a adoo de uma escola. ssim% sair da crise pressupe consultar osespecialistaset$cnicoscompetentes&uedispemdosaberinstrumentalnecessrio para le'ar a cabo as citadas propostas de re*orma: peritos emcurrculo% em*ormao de pro*essores ; distncia% especialistas emtomadasdedecisescomescassosrecursos% sabichesre*ormadoresdo/stado% intelectuais competentes em reduo do gasto p+blico% doutores emefci3ncia e produti'idade% etc. >lgu$m candidamente poderia perguntar7sedeondetirar tantagente. >respostaasemelhante&uestopodeserencontrada nos corredores dos 0inist$rios de educao de &ual&uergo'erno neoliberal: so os organismos internacionais ,especialmente oQanco 0undial- os &ue *ornecem todo tipo de especialistas nestas mat$rias.Para trabalhar nestes organismos% &ue no so precisamente debenefc3ncia e a(uda m+tua% basta *a)er pro(etos &ue se retro7alimentem asi mesmos e% de pre*er3ncia% ter sido de es&uerda na puberdadeprofssional.###. Concluso6 aumento da pobre)a e da e!cluso condu)em; con*ormao desociedades estruturalmente di'ididas nas &uais% necessariamente% o acesso;sinstituieseducacionaisde&ualidadeeaperman3ncianasmesmastende a trans*ormar7se em um pri'il$gio do &ual go)am apenas as minorias.>discriminao educacional articula7se desta *orma comos pro*undosmecanismos de discriminao de classe% de raa e g3nero historicamentee!istentes em nossas sociedades. .ais processos caracteri)am a dinmicasocial assumidapelocapitalismocontemporneo% apesardosmesmosseconcreti)aremcomalgumas di*erenas regionais e'identes noconte!tomais amplo do sistema mundial. =e *ato% o capitalismo a'anado tamb$mtem so*rido a intensifcao deste tipo de tend3ncias no seio de sociedadesaparentemente imunes ao aumento da pobre)a% da mis$ria e da e!cluso.=ois processos decorrentes das polticas neoliberais produ)em tamb$m umimpacto direto na es*era das polticas educacionais: a difculdade ,ou% emalguns casos% a impossibilidade- de manter e!pandir mecanismosdemocrticos de go'ernabilidade% e o aumento acelerado da 'iol3ncia.social% poltica e econ"mica contra os setores populares urbanos e ruraisPor outro lado% e ao mesmo tempo% a crescente di*uso de intensas relaesde Corrupo 7 sendo a corrupo poltica apenas uma das e!presses maiselo&2entes deste processo 7 tende a criar as bases materiais e culturais umtecido social marcado pelo indi'idualismo e pela aus3ncia de mecanismosdesolidariedadecoleti'a. 6dar\inismosocial intensifcaoprocessode*ragmentao e de di'iso estrutural produ)ido no interior das sociedadesneoliberais. > corrupo como problema &ue ultrapassa o mbito da moralparticular daselitespolticaseecon"micas% isto$% comolgicacultural%constitui um *ator caracterstico deste processo de desagregao edesintegrao social. .allgica culturalpenetra capilarmente em todas asinstituies principalmente nas educacionais% as &uais tendem a Con'erter7se em promotoras e di*usoras desta no'a *orma de indi'idualismoe!acerbado./msuma% os go'ernos neoliberais dei!aram,eestodei!ando- nossospases muito mais pobres% mais e!cludentes% mais desiguais. #ncrementaram,e esto incrementando- a discriminao social% racial e se!ual%reprodu)indo os pri'il$gios das minorias. /!acerbaram ,e estoe!acerbando- o indi'idualismo e a competio sel'agem% &uebrando assimos laos de solidariedade coleti'a e intensifcando um processoantidemocrticodeseleoBnaturalBondeosBmelhoresBB triun*ameospiores perdem. /% em nossas sociedades duali)adas% os BmelhoresB acabamsendosempreaselites&uemonopoli)amopoder poltico% econ"micoecultural% e os BpioresB% as grandes maiorias submetidas a um aumento brutaldas condies depobre)aeauma'iol3nciarepressi'a&ueneganoapenas os direitos sociais% mas% principalmente% o mais elementar direito ;'ida.>respostaneoliberal $simplistaeenganadora: prometemaismercado&uando% na realidade% $ na prpria confgurao do mercado &ue seencontram as ra)es da e!cluso e da desigualdade. T nesse mercado &ue ae!cluso e a desigualdade se reprodu)em e se ampliam. 6 neoliberalismonada nos di) acerca de como atuar contra as causas estruturais da pobre)aKao contrrio% atua intensifcando7as.6desafodeumalutae*eti'acontraaspolticasneoliberais$enormeecomple!o. > es&uerda no de'e ser arrastada ,ou arrasada- pelopragmatismo con*ormista e acomodado segundo o &ual o a(uste neoliberal$% ho(e% a +nica opo poss'el para a crise. Para os &ue atuamos no campoeducacional% a &uesto $ simples e inilud'el: logo aps o dil+'io neoliberalasnossasescolasseromuitopioresdo&ue(soagora. Nosetrataapenas de um problema de &ualidade pedaggica ,embora tamb$m o se(a-%sero piores por&ue sero mais e!cludentes.6sneoliberaisestotendoumgrande3!itoemimpor seusargumentoscomo 'erdades &ue se deri'amda nature)a dos *atos. =esarticular aaparentemente in&uestion'el nacionalidade natural do discurso neoliberalConstitui apenas um dos desafos &ue temos pela *rente. No entanto% trata7se de um desafo do &ual depende a possibilidade de se construir uma no'ahegemonia &ue d3 sustentao material e cultural a uma sociedadeplenamente democrtica e igualitria.Pessimismo da intelig3ncia% otimismo da 'ontade. Nunca a sentenagramscianate'etanta'ig3ncia. Nossopessimismodaintelig3nciade'epermitir7nos considerar criticamenteamagnitudedao*ensi'aneoliberalcontra a educao das maiorias. Nosso otimismo da 'ontade de'e manter7nosati'osnalutacontraumsistemadee!clusosocial &ue&uebraasbases de sustentao democrtica do%. direito ; educao como pr$7re&uisito bsico para a con&uista da cidadania% uma cidadania plena &ue spode ser concreti)ada numa sociedade radicalmente igualitria.,.e!to tirado do li'ro B/scola .B% .oma) .adeu da