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Universidade de Brasília - UnB Instituto de Artes - IdA Departamento de Música - MUS NELSON FARIA: Desafios iniciais na sua formação como músico e professor de guitarra Brasília - DF 2016

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Universidade de Brasília - UnB Instituto de Artes - IdA

Departamento de Música - MUS

NELSON FARIA: Desafios iniciais na sua formação como músico e professor de guitarra

Brasília - DF 2016

WANDERSON FERREIRA BOMFIM

NELSON FARIA: Desafios iniciais na sua formação como músico e professor de guitarra

Trabalho de conclusão de curso submetido como requisito obrigatório para obtenção do título de Licenciatura em Música da Universidade de Brasília. Orientadora: Profa. Dra. Delmary Vasconcelos de Abreu

Brasília-DF

2016

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por sempre estar à frente dos meus planos

e sempre me guiar da melhor forma possível. A minha família, Valdete Bomfim,

Manoel Bomfim, William, Wesley, Barbara, Rose, Ana Luísa e João Pedro, que

sempre me apoiaram para realização dos meus sonhos e conquistas.

Ao grande músico e professor Nelson Faria que aceitou fazer parte dessa

pesquisa. Muito obrigado pela paciência e contribuição.

A professora Delmary Abreu da área de Educação Musical do Departamento

de Música da Universidade de Brasília, por ter me acolhido como aluno de TCC, me

ajudando a encontrar o foco da minha pesquisa.

Aos membros da banca de avaliação, que gentilmente se prontificaram a ler

este trabalho e dar suas contribuições.

Aos professores Alexei Alves, Antenor Ferreira, Bojin Nedialkov, Bruno

Mangueira, Maria Isabel e Hans Balstedt pelos ensinamentos que recebi durante

esse curso.

Aos colegas de Universidade que me apoiaram ao longo desse percurso.

Meus mais sinceros agradecimentos.

RESUMO Esse trabalho tem como foco os desafios da formação inicial do guitarrista Nelson Faria. O objetivo da pesquisa consiste em compreender quais foram os desafios iniciais no percurso formativo de Nelson Faria, músico e professor da Örebro Universitet em Örebro, Suécia. A experiência formativa foi tomada dos estudos de Josso (2004, 2006). A metodologia da pesquisa foi a entrevista narrativa que possibilitou a construção de uma narrativa de si numa abordagem autobiográfica. Os resultados da pesquisa mostram que os desafios enfrentados por Nelson Faria no decorrer do seu processo inicial contribuíram no vir a ser um profissional da área de música. Palavras-chave: Desafios da formação em música; guitarrista e professor; entrevista narrativa.

ABSTRACT

The aim of this research is to investigate the challenges of the initial formation of the guitar player Nelson Faria. The objective of the research is to comprehend which were the initial aspects of the formative path of Nelson Faria, musician and professor at Örebro Universitet, Sweden. The formative experience was taken by the studies of Josso (2004, 2006). The methodology used was the narrative interview, which enabled the construction of a narrative in itself in an autobiographical approach. The results presented in this research show that the challenges faced by Nelson during his initial formative process were resulted of a desire to become a professional in the field of music and what does this means for his life. The results presented in this research show that the challenges faced by Nelson Faria during his initial process contributed to him to become a professional in the field of music.

Keywords: formative experience in music; guitar; narrative interview; autobiography, learning and teaching in music.

LISTA DE ABREVIATURAS

UNB - Universidade de Brasília

EAG - Ensino e Aprendizagem da Guitarra EMB – Escola de Música de Brasília

EN - Entrevista Narrativa

GIT - Guitar Institute of Technology

MPB - Música Popular Brasileira

TABELA TABELA 1 Fases principais da entrevista narrativa............................................22

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................10

2. REVISÃODELITERATURA...................................................................................16

2.1 ConceitosdeFormaçãoeExperiência..............................................................16

3. METODOLOGIADAPESQUISA............................................................................19

3.1 Abordagemqualitativa....................................................................................19

3.2TécnicadePesquisa:EntrevistaNarrativa...........................................................20

3.3 ProcedimentodeEntrevista.............................................................................24

3.4 ProcedimentodeAnálise.................................................................................25

4 DESCRIÇÃODAENTREVISTANARRATIVA............................................................26

4.1FormaçãoInicial..................................................................................................26

4.2FormaçãonoGIT(GuitarInstituteofTechnology)...............................................29

4.3RetornoaoBrasil.................................................................................................33

5.ALGUMASCOMPREENSÕES...................................................................................37

APÊNDICEA..............................................................................................................39

10

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como tema a formação musical inicial do guitarrista

Nelson Faria 1 , professor de guitarra na Örebro Universitet, arranjador,

compositor, apresentador do programa “Um café lá em casa” 2 e produtor

musical.

O interesse pela pesquisa surgiu a partir da representatividade que o

músico Nelson Faria tem no cenário nacional e internacional. Nelson nasceu em

23 de março de 1963, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais e é um dos

mais expressivos músicos brasileiros, contando em seu curriculum a edição de 6

livros, sendo 2 editados nos EUA, Japão e Itália, 9 CD’s, 1 DVD, 1 vídeo-aula,

além da participação em mais de 200 CD’s de diversos artistas nacionais e

internacionais como músico, arranjador e produtor.

Nelson iniciou seus estudos com Sidney Barros (Gamela), professor

responsável por despertar seu gosto pelo estilo chord melody, e em 1983,

mudou-se para Los Angeles, Estados Unidos, onde cursou o GIT (Guitar

Institute of Technology) e teve o privilégio de aprender com os mestres Joe

Pass, Joe Diorio, Frank Gambale, Scott Henderson, Howard Roberts, Ron

Eschete e Ted Greene.

Como educador, Nelson também acumula muitos projetos bem-

sucedidos. Entre 1987 e 1999 lecionou disciplinas de arranjo, harmonia,

improvisação e guitarra na Faculdade de Música da Universidade Estácio de Sá,

e no curso CIGAM (Curso Ian Guest de Aperfeiçoamento Musical), ambos no

Rio de Janeiro. Paralelamente ministrou inúmeros cursos e workshops em todo

o país, dentre os quais se destacam o Primeiro Seminário Brasileiro de Música

Instrumental em Ouro preto/MG, o Curso Internacional de Verão de Brasília/DF,

o Festival de Música da Universidade do Rio Grande do Norte/RN, Oficina de

Música em Itajaí/SC, Escola de Música e Tecnologia em São Paulo/SP,

Conservatório Souza Lima em São Paulo/SP, Festival Internacional de

1 Disponível em: http://www.nelsonfaria.com/music/www.nelsonfaria.com_music/Release.html Acesso em maio de 2016. 2 UM CAFÉ LÁ EM CASA é um programa de entrevistas apresentado pelo guitarrista Nelson Faria. A ideia surgiu em família. O pai músico, o filho filmmaker e a filha jornalista se reuniram para criar um conteúdo capaz de agradar curiosos e amantes da música. O diferencial do programa está na intimidade do apresentador com o entrevistado. O clima de amizade e parceria possibilita situações inusitadas e assuntos que vão além do óbvio. Gravado na casa do músico Nelson Faria, o bate-papo discorre sobre vida, carreira e, claro, muita música. Disponível em: http://umcafelaemcasa.com.br/o-cafe/

11

Domingos Martins no Espírito Santo/ES, Festival de Ibiapaba e a Oficina de

MPB em Curitiba/PR.

No exterior Nelson também atuou como professor convidado nas

Universidades de Manhattan School of Music (NY – USA), New School of Music

(NY – USA), Berklee College of Music (Boston – USA), University of South

California (LA - USA), Stockholm Royal College of Music (Suécia), Göterborgs

Universitet (Suécia), Sibellius Academy (Finlândia), University of Miami (USA),

San Francisco University (USA), Malmo Universitet (Suécia) e nos

conservatórios de Amsterdam e Rotterdam (Holanda).

Desde janeiro de 2010 mora na Suécia onde trabalha como professor

convidado na Örebro Universitet e Ingesund Universitet.

Tive a oportunidade de conhecer Nelson Faria no programa de

mobilidade acadêmica que participei como aluno entre a Universidade de

Brasília e a Örebro Universitet. Durante dois semestres cursei disciplinas

com Nelson como Improvisação I e II, Prática de Conjunto e Aulas de

Guitarra. Diferente de alguns profissionais com os quais tive contato,

Nelson tem uma maneira muito objetiva e dinâmica de lecionar. Normalmente,

pela sua experiência em lecionar ele já percebe as limitações do aluno e

trabalha, justamente, nos pontos necessários a serem aperfeiçoados. Cheguei a

essa conclusão devido aos relatos dos outros alunos que estudavam com o

Nelson, pois sempre diziam que ele identificava rapidamente suas dificildades e

começava a trabalhar em cima delas com o intuito de resolvê-las.

Sua história de sucesso, seus métodos, sua técnica, sua participação

como músico na cenário nacional e internacional. Tudo isso me levou a

questionar como foi a formação inicial de Nelson como músico. Quais foram suas

influências musicais? A família teve um papel na sua formação? Como foi

construída sua experiência musical nesse instrumento? Que dificuldades pode ter

encontrado no seu percurso de formação?

Cada pessoa tem um jeito único de adquirir conhecimento. No meu caso,

por exemplo, comecei a fazer meus primeiros acordes influenciado pelo ambiente

musical que havia na igreja em que fui criado. E também, pelas músicas que meu

irmão costumava ouvir diariamente, pois dormíamos no mesmo quarto e ele era

um grande amante da Música Popular Brasileira (MPB).

Em pouco tempo, já tinha em mente o nome dos principais representantes

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da MPB e suas músicas. Simultaneamente, procurei ter aulas particulares de

guitarra pois sentia a necessidade de ter um professor que pudesse me ensinar e

ampliar meus conhecimentos.

Um amigo meu me indicou o Betinho (Luís Alberto) um guitarrista famoso

na época aqui de Brasília. Comecei a ter aulas de guitarra com ele e em pouco

tempo ele me introduziu ao mundo do jazz. Comecei a ouvir muita coisa de

música instrumental como Wes Montgomery, John Scofield, Coltrane, Miles,

Hermeto Pascoal, Ed Bickert, Hélio Delmiro, etc. e observei que em um dos

materiais que o Betinho usava como fonte estava escrito o nome de Nelson

Faria. Perguntei quem era essa pessoa e o Betinho disse que era um dos

maiores guitarristas do Brasil e amigo dele. E disse também que o Nelson tinha

estudado com os maiores guitarristas do mundo do jazz, e que esse material era

o mesmo que ele tinha estudado nos Estados Unidos.

Fiquei encantado com tais informações e sempre que eu tinha aulas fazia

uma série de perguntas ao Betinho sobre o Nelson, como ele o conhecera, se

ainda eram amigos, se ele conhecia algum dos professores dele, etc. Até que um

dia, o Betinho falou que conhecia um dos principais professores do Nelson e que

ele dava aulas particulares em Brasília. Rapidamente pedi o contato do professor

e marquei um aula. O professor era o Sidney Barros, conhecido como Gamela3,

um dos maiores professores de violão que Brasília já teve na minha opinião.

Conheci o Gamela em sua sala de aula em uma quitinete na Asa Norte,

em Brasília. Logo que cheguei já havia outro aluno tendo aula e o Gamela me

pediu para que tocasse um pouco e disse que aquilo era auma “batidinha de

boteco” e que iríamos aprender a tocar de verdade. Ressaltou que a aula era

prática sem partituras e que apenas deveríamos tocar juntos e, assim, eu

aprenderia o repertório apenas memorizando as músicas passadas por ele em

sala.

Em um primeiro momento fiquei perplexo pois achava muito difícil

memorizar tudo que me ensinava sem ter um gravador ou algo para me ajudar a

aprender melhor as músicas. O Gamela falava constantemente do Nelson Faria.

Dizia que era um dos melhores guitarristas do mundo e que havia estudado com

ele e também havia aprendido com os grandes guitarrista de jazz, dentre eles,

3 Gamela foi professor de violão em Brasília e teve alunos como Cássia Eller, Zélian Duncan, Herberth Vianna, dentre outros. Disponível em: http://www.oexplorador.com.br/sidney-barros-musico-e-instrumentista-conhecido-como-mestre-gamela/. Acesso em junho de 2016.

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Joe Pass, Joe Diorio, Ted Greene, etc.

Estudei com o Gamela por apenas seis meses, pois meus pais não tinham

condição de pagar a aula particular dele e eu mesmo pagava, uma vez que

trabalhava como office-boy em uma escola de idiomas e todo meu salário ia para

as aulas do Gamela. Quando saí da escola não tive como manter as aulas e

parei. Mas sempre mantive a curiosidade sobre as aulas do Nelson com o

Gamela, como eles ficaram amigos e se houve realmente influência do Gamela

na formação do Nelson como músico.

Passado alguns anos comecei a estudar guitarra na Escola de Música de

Brasília e lá tive aula com professores como Paulo André e Genil de Castro. Tive

aulas principalmente com o Genil e mais uma vez o nome de Nelson Faria

aparecia constantemente nas conversas sobre música e guitarristas com

representatividade no cenário nacional e internacional. O Genil chegou a falar

que havia estudado na mesma época que o Nelson no GIT, nos Estados Unidos,

e que também tinha tido aulas com o Gamela. Fiquei curioso e instigado com a

coincidência na formação dos dois músicos e sempre que podia perguntava ao

Genil sobre a amizade com o Nelson e sua formação musical. A aprendizagem

com o Genil foi primordial para entender melhor como o Gamela estruturava seus

arranjos para violão solo. O Genil me apresentou livros de guitarristas essenciais

sobre harmonia e improvisação que me levaram a compreender o instrumento

guitarra de uma forma bem mais ampla. Por exemplo “Chord Chemistry” e

“Modern Chord Progressions”, de Ted Greene; “Joe Pass Guitar Style”, de Joe

Pass e Bill Thraser; “Fusion”, de Joe Diorio, dentre outros. Consequentemente,

comecei a entender com mais detalhe a forma como Nelson Faria harmonizava e

improvisava. A vontade de conhecer mais de perto seu trabalho com o passar

dos anos apenas aumentava.

Depois de um bom tempo tive a oportunidade de ingressar na

Universidade de Brasília no curso de Licenciatura em Música e durante o curso

fiquei sabendo que havia um intercâmbio entre a Universidade de Brasília e a

Örebro Universitet, na Suécia. Claro que tive interesse em participar da seleção

para ficar um ano estudando em Örebro. Principalmente quando soube que um

dos professores que ministravam aula lá seria o Nelson Faria e que havia real

possibilidade de estudar com ele. Participei da seleção. Passei e fui estudar com

um dos principais guitarristas do Brasil e do mundo.

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Lembro-me como se fosse hoje a primeira aula que tive com Nelson Faria

na Suécia. Era uma aula particular, sem outros alunos, e o Nelson pediu para

que tocássemos um tema de jazz juntos. Tocamos “Minha Saudade” de João

Donato e, em seguida, Nelson fez uma série de considerações sobre como

poderíamos seguir com as aulas e o que eu gostaria mais de aprender. Disse

que conhecia seu livro “A Arte da Improvisação” e gostaria de aprender um pouco

mais sobre improviso e música brasileira. Daí em diante foram várias aulas sobre

o assunto e, por fim, tornei-me não apenas aluno mas amigo dele. Nas aulas

individuais na Suécia era escolhido um tema para estudar durante a semana e no

próximo encontro tocávamos e o Nelson fazia considerações sobre o que poderia

melhorar e aonde já estava bom. Além disso, várias transcrições de solos eram

feitas para assimilação de vocabulário e frases jazzísticas. Nas aulas de

improviso, que eram coletivas, cada aluno improvisava de acordo com o tema

estudado para o dia e o Nelson comentava os improvisos mostrando uma forma

melhor de se fazer ou que tipo de dificuldade se mostrou durante a performance.

Isso foi primordial para o estabelecimento de uma auto-estima elevada, tal como,

para se ter uma confiança no que se estava aprendendo. No caso das aulas de

Prática de Conjunto, a abordagem dada pelo Nelson foi mais corporativista e

orgânica, ou seja, ele mostrou a importância fundamental de se trabalhar em

grupo com respeito e o profissionalismo com aspectos como horário, partituras

para cada membro do grupo escritas e arranjadas corretamente, otimização do

tempo de ensaio, saber ouvir os outros músicos, além de compartilhar sua

experiência de vida com relatos de vários ensaios e apresentações com famosos

músicos e apresentações em várias partes do mundo. Isso tudo me ajudou, de

forma considerável, a ampliar positivamente meu ponto de vista sobre

improvisação, arranjo, prática de conjunto e auto-estima.

Apesar dessa inserção do Nelson Faria na minha vida por intermédio das

disciplinas que cursava com ele, e do intercâmbio na Suécia sempre tinha em

mente a pergunta de como se deu sua formação inicial. Quais foram os desafios

iniciais da sua formação? Como foi sua experiência formativa no GIT? Acredito

que ao evidenciar alguns desafios na sua formação inicial como guitarrista será

possível apontar elementos musicais e extra musicais que poderão contribuir

como fonte de referência para outros profissionais e alunos em processo de

formação inicial em música.

15

A partir das questões levantadas tomei como objetivo desta

pesquisarevidenciar quais foram os desafios de Nelson Faria na sua trajetória

formativa inicial em música.

16

2. REVISÃO DE LITERATURA

Para seguir com o meu objetivo de pesquisa, tomo como ponto de partida

conceitos de formação e experiência na perspectiva de Marie Christine Josso.

2.1 Conceitos de Formação e Experiência

São várias as abordagens conceituais sobre formação e experiência.

Trago para este trabalho os conceitos desenvolvidos por Josso (2004), que

apresenta eixos estruturantes para se pensar sobre processos formativos.

Para a autora, um objeto teórico chamado de formação, e por outras

vezes de autoformação, é indissociável do status antropológico e sociológico do

aprendiz e dos seus desafios em uma relação pedagógica, neste caso,

pedagógico-musical.

O trabalho biográfico não consiste somente em fazer emergir lembranças

pertinentes à vista do questionamento que orienta este trabalho. Segundo Josso

(2006, p. 378) “é preciso chegar em um momento charneira de reconstrução de

quem faz história no percusso relatado. É o momento em que se trata de

compreender como essa história articula-se como um processo – o processos

de formação”. Isso pode ser depreendido mediante as lembranças que se

articulam entre o presente, passado e futuro. Para a autora, “será o

estabelecimento dessa perspectiva temporal que permitirá nomear os

‘argumentos’ da história do aprendiz”. (JOSSO, 2006, 378-379)

Pensar a formação do ponto de vista do aprendiz é, evidentemente, não

ignorar as subjetividades. Para Josso (2004), aprender pela experiência é ser

capaz de resolver problemas dos quais se pode ignorar que tenham formulação

e soluções teóricas, e assim se percebe que a experiência formadora é uma

aprendizagem que articula o saber-fazer e conhecimentos com os processos de

significação para o sujeito. Esses processos de significação estão relacionados,

segundo a autora, com a reflexão sobre si mesmo.

Como a narrativa congrega e entrelaça experiências muito diversas, é

possível, segundo Josso (2004) interrogarmo-nos sobre as escolhas, as inércias

e as dinâmicas. Para a autora, a aprendizagem experiencial é um meio

poderoso de elaboração e de integração do saber-fazer e dos conhecimentos, o

seu domínio pode tornar-se, nas palavras da autora, um suporte eficaz de

17

transformações. As experiências que descrevem um processo de formação

podem assim ser perspectivadas pela maneira como o autor da narrativa

compreende a sua formação.

Outra etapa do processo experiencial é, Segundo Josso (2004), utilizar

conscientemente o saber-fazer e os conhecimentos experiências nas

aprendizagens necessárias para levar a bom termo um projeto. Portanto, o

conceito de experiência formadora implica uma articulação conscientemente

elaborada entre atividade, sensibilidade, afetividade e ideação que se objetiva

numa representação e numa competência.

Para Josso (2004) é útil fazer uma distição entre experiências existênciais

que agitam as coerências da vida, e até mesmo os critérios destas coerências, e

a aprendizagem pela experiência, que transforma complexos comportamentais,

que orientam os compromissos da vida. Assim, a autora, define que a formação

é experiencial. Para tanto, a autora elabora três modalidades que nos permite

compreender a construção da experiência:

a) “ter experiências” é viver situações e acontecimentos durante a vida,

que se tornaram significativos, mas sem tê-los provocado;

b) “fazer experiências” são vivências de situações e acontecimentos que

nós próprios provocamos, isto é, somos nós mesmo que criamos, de propósito,

as situações para fazer experências;

c) “pensar sobre experências” tanto aquelas que tivemos sem procurá-

las (modalidade a), quanto aquelas que nós mesmos criamos (modalidade b).

d) Assim, a autora conclui que as implicações dos processos de

elaboração das vivências em experências (modalidades a e b) são: o

alargamento do campo da consciência, a mudança, a criatividade, a

autonomização, a responsabilzação. Essas implicações estão, Segundo a

autora, inscritas nos processos de aprendizagem, de conhecimento e de

formação.

Para Josso (2004), “pensar as suas experências” (modalidade c) diz

respeito não a uma experência, a uma vivência, particular, mas a um conjunto

de vivências que foram sucessivamente trabalhadas para se tornarem

experências. A autora afirma que reflexões como: “o que eu extraio como

conhecimentos e saber-fazer do conjunto destas experências?” podem orientar

um trabalho biográfico, qualquer que seja a temática escolhida relacionada com

18

as experiências e histórias de vida e formação. Portanto, se a abordagem

biográfica da formação ou da experiência formativa se centra no aprendente,

isso nos permite compreender o que é uma experência formadora e, por

conseguinte, o próprio processo experiencial.

19

3. METODOLOGIA DA PESQUISA

Este trabalho, por se tratar de uma pesquisa que tem como foco o

percuso formativo de um sujeito levando em conta suas relações sociais, exigiu

uma escolha de método que, segundo Bauer e Gaskell (2002), desse cobertura

adequada dos acontecimentos sociais que tratam da investigação da ação

empírica (BAUER; GASKELL, 2002, p.18-9).

Esta pesquisa, que teve como objetivo compreender o percurso inicial de

Nelson Faria como músico e professor de guitarra; os ambientes formativos em

música e saber como se deu a sua escolha profissional, levou à busca de uma

metodologia que indicasse meios de capturar a visão do entrevistado sobre a

sua formação musical.

A seguir, apresento a abordagem qualitativa, suas características e a

opção pela entrevista narrativa, bem como a descrição do procedimento de

entrevista como técnica de coleta de informações.

3.1 Abordagem qualitativa

A pesquisa qualitativa, ao se distinguir da quantitativa, não se preocupa

com dados estatísticos, mas trabalha com a compreensão aprofundada de

determinado grupo social, de uma organização, entre outros. Os pesquisadores

que optam pela abordagem qualitativa “buscam explicar o porquê das coisas,

exprimindo o que convém ser feito, mas não quantificam os valores e as trocas

simbólicas nem se submetem à prova de fatos, pois os dados analisados são

não-métricos” (PORTELA, 2004, p.2).

Portela (2004) destaca algumas características da pesquisa qualitativa:

Objetivação do fenômeno, hierarquização das ações descrever, compreender, explicar, precisão das relações entre o global e o local em determinado fenômeno, observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural, respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos, busca de resultados os mais fidedignos possíveis, oposição ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências. (PORTELA, 2004, p.3)

20

A abordagem qualitativa é um tipo de investigação descritiva, em que a

fonte direta de dados é o ambiente natural. A coleta de dados parte desse

ambiente através da observação direta, do estudo de caso da entrevista, da

história de vida, entre outros e se complementa por informações adquiridas por

meio de documentos, fotografias, vídeos e transcrições de entrevistas.

(PORTELA, 2004, p.2). Sobre a coleta de dados, Gunther (2006) explana:

Para o contexto da pesquisa qualitativa, as três maneiras de coleta de dados apontadas por Kish (1987) – observação, experimento e survey – podem ser reagrupadas como coleta de dados visuais e verbais. Independente dos delineamentos elencados acima, diferentes técnicas de coleta de dados visuais e verbais podem ser utilizadas. [...] Flick (1995) diferencia entre quatro tipos de entrevistas: a) focalizada, b) semiestandardizada, c) centrada num problema e d) centrada no contexto. Além do mais, aponta três tipos de relatos: a) entrevista narrativa, b) entrevista episódica e c) contos. Descreve, ainda, três tipos de procedimentos grupais: a) entrevista em grupo, b) discussão em grupo e c) narrativa em grupo. No que diz respeito aos procedimentos visuais, Flick menciona a) observação, b) observação participante, c) etnografia, d) fotografia e e) análise de filmes. Mayring (2002) descreve quatro maneiras de levantar dados no contexto da pesquisa qualitativa: a) dados verbais por meio de entrevista centrada num problema, b) entrevista narrativa, c) grupo de discussão e d) dados visuais por meio da observação participante. (GUNTHER, 2006, p. 6)

Esta pesquisa, por possuir um caráter de pesquisa biográfica, se vale da

abordagem qualitativa como metodologia por focar a subjetividade da formação

de um indivíduo em determinado contexto social, buscando compreender alguns

dos caminhos que o levaram a ser quem é profissionalmente. O instrumento

utilizado para levantamento de informações foi a entrevista em sua

especificidade de narrativa. A escolha por este meio se deu devido à fidelidade

que oferece à perspectiva do entrevistado perante os seus processos de

aprendizagem no decorrer da sua formação.

3.2 Técnica de Pesquisa: Entrevista Narrativa

Para a realização desta pesquisa, a entrevista narrativa (EN) foi utilizada

como procedimento metodológico. Bauer e Gaskell (2002) destacam algumas

21

características que devem ser levadas em consideração pelo pesquisador que

opta por este método:

A narrativa privilegia a realidade do que é experienciado pelos contadores de história: a realidade de uma narrativa refere-se ao que é real para o contador de história. As narrativas não copiam realidade do mundo fora delas: elas propõem representações/interpretações particulares do mundo. As narrativas não estão abertas comprovação e não podem ser simplesmente julgadas como verdadeiras ou falsas: elas expressam a verdade de um ponto de vista, de uma situação específica no tempo e no espaço. As narrativas estão sempre inseridas no contexto sócio- histórico. Uma voz específica em uma narrativa somente pode ser compreendida em relação a um contexto mais amplo: nenhuma narrativa pode ser formulada sem tal sistema de referentes. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 110)

A entrevista narrativa é considerada um método de pesquisa qualitativa,

como explicitado anteriormente, e uma forma de entrevista não estruturada que

se opõe ao modelo pergunta-resposta utilizado na maioria das entrevistas. A

diferença básica é que na EN o informante narra os acontecimentos de forma

espontânea, utilizando sua própria linguagem, já “no modo pergunta-resposta, o

entrevistador está impondo estruturas em um sentido tríplice: a) selecionando o

tema e os tópicos; b) ordenando as perguntas; c) verbalizando as perguntas

com sua própria linguagem” (BAUER; GASKELL, 2002, p. 95).

Para obtenção de uma versão da história que siga fielmente a perspectiva

do entrevistado, o pesquisador deve interferir o mínimo possível no decorrer da

entrevista, como explica Bauer e Gaskell (2002):

Para se conseguir uma versão menos imposta e por isso mais "válida” da perspectiva do informante, a influência do entrevistador deve ser mínima e um ambiente deve ser preparado para se conseguir esta minimização da influência do entrevistador. As regras de execução da EN restringem o entrevistador. A EN vai mais além que qualquer outro método ao evitar uma pré-estruturação da entrevista. É o empreendimento mais notável para superar o tipo de entrevista baseado em pergunta-resposta. Ela emprega um tipo específico de comunicação cotidiana, o contar e escutar história, para conseguir este objetivo. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 95)

Como técnica de entrevista, os autores afirmam que a EN possui algumas

regras que direcionam o pesquisador a ativar o esquema da história provocar a

narração do informante e mantê-la em andamento através de incentivo ao

processo autogerador. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 96)

22

A tabela 1 apresenta algumas regras de procedimento da EN e sua

estrutura que se divide em quatro fases: iniciação, narração, fase de

questionamento e fase da fala conclusiva. As regras sugeridas devem servir

como um guia para orientar o entrevistador “a fim de fazer com que surja uma

narração rica sobre um tópico de interesse, evitando os perigos do esquema

pergunta-resposta de entrevista” (BAUER; GASKELL, 2002, p. 96).

TABELA 1 – Fases principais da entrevista narrativa

Fonte: BAUER; GASKELL, 2002, p. 97.

A preparação de EN exige do pesquisador um conhecimento prévio do

tema a ser tratado. Cabe ao entrevistador fazer investigações documentais4,

formais e informais a fim de criar familiaridade com o campo de estudo “tanto

para deixar evidentes as lacunas que a EN deve preencher, quanto para se

conseguir uma formulação convincente do tópico inicial central, designado a

provocar uma narração auto-sustentável” (BAUER; GASKELL, 2002, p. 97).

A iniciação refere-se ao momento em que o procedimento da entrevista e

o contexto da pesquisa são apresentados ao informante. É nessa hora que o

tópico central da EN é exposto com o intuito de deslanchar o processo de 4 A fontes documentais foram extraídas do site official de Nelson Faria. Disponível em: <http://www.nelsonfaria.com/music/www.nelsonfaria.com_music/Release.html>

23

narração. Bauer e Gaskell (2002) sugerem algumas regras para desenvolver um

tópico central que represente um combustível para a narrativa:

A experiência mostra que, a fim de eliciar uma história que possa ir adiante, várias regras podem ser empregadas como orientações para formular o tópico inicial: O tópico inicial deve fazer parte da experiência do informante. Isso irá garantir seu interesse, e uma narração rica em detalhes. O tópico inicial deve ser de significância pessoal e social, ou comunitária. O interesse e o investimento do informante no tópico não devem ser mencionados. Isso é para evitar que se tomem posições ou se assumam papéis já desde o início. O tópico deve ser suficientemente amplo para permitir ao informante desenvolver uma história longa que, a partir de situações iniciais, passando por acontecimentos passados, leve à situação atual. Evitar formulações indexadas. Não referir datas, nomes ou lugares. Esses devem ser trazidos somente pelo informante, como parte de sua estrutura relevante. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 98)

A narração central é quando o entrevistado conta a história. Ela não deve

ser interrompida até que o informante mostre fortes sinais de que concluiu esta

fase. Durante a narração o pesquisador deve mostrar interesse e encorajamento

para que a história prossiga. Neste momento entrevistador pode fazer anotações

para perguntas posteriores, sem, contudo, interferir na narração.

A fase de questionamento se inicia quando, terminada a narração, o

entrevistador faz algumas perguntas que foram surgindo no decorrer da narrativa

a fim de completar as lacunas deixadas pelo informante. “A fase de

questionamento tem como finalidade eliciar material novo e adicional além do

esquema autogerador da história” (BAUER; GASKELL, 2002, p. 99 - 100).

A fala conclusiva, último tópico da EN, se refere às possíveis discussões

informais a serem desenvolvidas ao final da entrevista. A situação de

descontração pode suscitar comentários que embasam as informações formais

relatadas na narração. Esta fase da EN “se mostra, em muitos casos, muito

importante para a interpretação dos dados, e pode ser crucial para a

interpretação contextual das narrativas do informante” (BAUER; GASKELL,

2002, p.100).

Quanto aos processos analíticos da entrevista narrativa, ela se mostra

aberta aos procedimentos que derivam de uma coleta de dados. Bauer e

Gaskell (2002) orientam esse momento da pesquisa:

Falando de maneira geral, a análise de narrativas implica sempre a análise de aspectos cronológicos e não cronológicos da história.

24

Narrativas são uma sucessão de eventos ou episódios que abrangem atores, ações, contextos e espaços temporais. A narração de eventos e episódios apresenta uma ordem cronológica e permite uma interpretação de como o tempo é usado pelos contadores de história. Os aspectos não cronológicos de uma narrativa correspondem a explicações e razões encontradas por detrás dos acontecimentos, aos critérios implícitos nas seleções feitas durante a narrativa, aos valores e juízos ligados à narração e a todas as operações do enredo. Compreender uma história é captar não apenas como o desenrolar dos acontecimentos é descrito, mas também a rede de relações e sentidos que dá à narrativa sua estrutura como um todo. É função do enredo organizar os episódios em uma história coerente e significativa. É vital, por isso, identificar o enredo na análise de narrativas. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 108)

É tarefa do pesquisador a escuta imparcial dos relatos e reprodução fiel

com todos os detalhes e considerações possíveis. “Na verdade, extrema

fidelidade em reproduzir as narrativas é um dos indicadores de qualidade da

entrevista narrativa” (BAUER; GASKELL, 2002, p. 109).

3.3 Procedimento de Entrevista

Ao entrar em contato com o entrevistado defini o local da entrevista que se

realizou no dia 07/01/2016 às 16:30 na casa da mãe do Nelson em um

condomínio fora de Brasília. Perguntei sobre a possibilidade de fazer aquela

entrevista e ressaltei que o áudio seria apenas usado para fins acadêmicos. O

entrevistado aceitou e forneci um termo de consentimento (cf. Apêndice 1) e

começamos a gravação.

A entrevista durou mais de duas horas e foi gravada em um iphone onde

pude capturar o áudio do relato oral. A gravação foi realizada em três áudios,

sendo cada um deles relacionados às perguntas geradoras. Os áudios gerados

foram divididos da seguinte forma: (áudio 1 - 36’29”); (áudio 2 - 15’06”); (áudio 3 -

78’18”). O áudio 1 foi o escolhido para ser analisado e transcrito, devido a ênfase

de como se deu sua formação inicial como músico, tal como, influências,

professores e desafios em início de carreira. Os demais áudios servirão como

base para trabalhos futuros de análise e interpretação mais detalhada e

estruturada.

Para a realização dessa entrevista criei um roteiro de entrevista que se

iniciava com uma pergunta geradora a respeito do seu percuso formativo das

suas experiências de vida como músico. As demais questões foram estruturadas

25

com base nos objetivos específicos dessa pesquisa, conforme segue.

A pergunta geradora foi: “Como é que começou toda a sua história como

músico e professor? A pergunta foi organizada de forma que o entrevistado

pudesse fazer “recordações-referências” (JOSSO, 2004, p. 31). De acordo com

a autora as recordações-referências permitem o entrevistado resignificar aquilo

que foi vivido. Essas referências buscadas na memória são episódios escolhidos

pelo entrevistado do que contar sobre suas escolhas, as influências que

atravessaram a sua trajetória de vida, os modelos e os momentos vividos. Cabe

ressaltar que a pergunta gerado foi formulada para capturar toda sua trajetória

formativa. Porém, para este trabalho o recorte foi dado para as narrativas que

tratam dos desafios de sua formação inicial.

3.4 Procedimento de Análise

Os relatos orais gravados, com cerca de duas horas de duração, foram

transcritos, por mim, e a primeira parte inteiraram um total de trinta e seis

minutos completando seis páginas com espaço simples. No momento da

transcrição me deparei com vários vícios de linguagem que aparecem

normalmente em um relato oral. Decidi transcrever na integra o relato na

tentativa de não deixar dúvidas na interpretação, porém no momento da análise

decide suprimir parte desses vícios de linguagem para que a leitura se tornasse

mais fluente. Cabe ressaltar o não julgamento estilístico em termos da norma

culta gramatical do relato do entrevistado, pois o intuito aqui é uma análise dos

desafios do seu percurso inicial em música.

Em seguida, com o material transcrito e com as informações do

entrevistado, passei a organizar o processo de análise separando as narrativas

por episódios que tratavam dos desafios em sua formação inicial e das

experiências no GIT. Dessa forma, apresentarei no próximo capítulo a descrição

e o primeiro exercício de interpretação desse processo formativo inicial do

músico Nelson Faria.

26

4 DESCRIÇÃO DA ENTREVISTA NARRATIVA

Neste capítulo descrevo as narrativas extraídas da entrevista com Nelson

Faria sobre o seu percurso formativo inicial como guitarrista e professor de

música. Para que pudesse elucidar algumas compreensões desse processo

tomei os relatos do informante que evidenciasse aspectos de sua trajetória

formativa desde Brasília até o seu retorno de estudos no GIT, bem como a sua

relação como professor até o primeiro seminário brasileiro da música

Instrumental em 1986 na cidade de Ouro Preto, no Estado de Minas Gerais, no

Brasil. Escolha feita, pois foi a partir dessa data que Nelson se torna um músico

reconhecido nacionalmente e começou a desenvolver uma série de

apresentações e workshops. Em seguida, apresentarei o relato de Nelson Faria

por tópicos para uma melhor compreensão de sua formação inicial como músico

e professor.

4.1 Formação Inicial

À partir dos relatos do entrevistado foi possível perceber que a música

na vida do Nelson Faria começou muito cedo e a família foi influência primordial.

E que apesar de não serem músicos profissionais houve apoio incondicional

para sua carreira.

Nenhum deles se tornou músico, mas todo mundo toca alguma coisa. Quando eu era pequeno, tinha seis anos, o meu irmão mais velho tinha uma banda. Em casa mesmo sempre foi uma coisa meio uma família bossa-nova, minha formação foi em casa, eu aprendi a tocar violão com meu irmão. Minha irmã me ensinou a primeira música, foi aquela “não posso ficar nem mais um minuto sem você”, e aí eu aprendi a tocar com meus irmãos e comecei a desenvolver sozinho, e não tive nenhum professor até quando aos meus 16 anos mais ou menos, aí eu já tava tocando, tinha um conhecimento razoável, mas tudo empírico, já tinha um repertoriozinho, mas só de acompanhamento.

Podemos observar que foram várias as marcas deixadas pela música

quando ainda criança. Isso remete ao que Josso (2004, p.64.) chama de

“momentos charneira” em que o sujeito relembra momentos significativos no

percurso de sua vida.

27

Por estar em um ambiente familiar propício ao aprendizado de violão e a

bossanova ser um estilo já comum para o Nelson, ao ouvir um dos principais

professores de violão em Brasília se interessou imediatamente para poder

estudar com o mestre Gamela.

Quando eu ouvi pela primeira vez o Gamela tocando, vi através de um amigo meu, que era amigo dele, vi através de uma fita cassete no carro, aí eu ouvi o Gamela tocando e caí pra trás, o quê que é isso aí, porra, quero fazer aula com esse cara, e aí, eu fui lá estudar com o Gamela, aí o mundo abriu pra mim, o Gamela me apresentou o jazz, que eu não conhecia jazz, nada, e coisa também do violão, aquela onda do Luís Bonfá, do Baden, eu estudei uns três anos. Na verdade eu estudei com o Gamela até ele morrer, até a pouco tempo eu estava aprendendo com ele, a gente ficou muito amigo, o Gamela veio muitas vezes aqui, passou vários natais, ano novo.

Lembramos aqui a facilidade que o entrevistado tem em reconhecer e se

identificar com o trabalho do Gamela. Esse ouvido musical pode remeter ao que

Recôva (2006, p. 100) chama de retomada na memória musical, ou seja, o meio

pelo qual Nelson construiu o seu processo de escuta.

A aprendizagem com o Gamela parece ter sido relevante na formação

inicial de Nelson Faria como guitarrista. Podemos ver essa informação em seu

relato sobre como eram suas aulas com ele. O ambiente de aprendizagem no

qual Nelson estava inserido era como um ponto de encontro entre pessoas que

tinham algo em comum para compartilhar. Não apenas os alunos e o professor

Gamela faziam parte dessa reunião, mas músicos e colegas que também

gostavam e apreciavam bossa-nova e jazz.

Na verdade, quando eu comecei a ter aula com o Gamela, eu encontrei uma realidade de aula que era muito engraçada, que não era muito aula na verdade, eu chegava pra ter aula, tava marcado pra 10 horas da manhã, aí eu chegava lá, já tinha uns quatro caras lá que já tinham feito aula e continuavam lá, aí ele me passava uma coisinha e eu acabava ficando também, aquela sala dele virava um ponto de encontro, a gente passava o dia inteiro ali, ninguém fazia uma aula e ia embora, o Gamela me ensinou as primeiras coisas, coisas de chord melody, me ensinou isso.

Em seguida, podemos ver o surgimento do interesse de Nelson Faria por

estudar fora do país com o intuito ampliar seus conhecimentos musicais e como

28

a oportunidade apareceu. O Gamela foi essencial nesse processo, pois

incentivou o Nelson a seguir o caminho em diante e ser músico. Ressaltou ainda

que o Nelson teria a oportunidade de estar no GIT com uma pessoa conhecida e

que iria gostar do curso. Incentivando assim a escolha de sua carreira como

músico profissional.

Aí, quando eu tinha 19 anos tinha um aluno dele que era o Tico Monteiro, depois de um tempo que tava ali, o Tico foi estudar fora, aí o Gamela falou, o Tico tá indo estudar nos Estados Unidos, por que é que você não vai? Eu tinha acabado de passar no vestibular. Eu entrei pra UnB muito cedo, eu entrei com 17 anos, pra estudar Economia. Aí, o Gamela, não cara você tem que ser músico, vai lá para os Estados Unidos, vai fazer esse curso que você vai gostar, o Tico tá indo, aproveita que ele tá indo e vai junto, e aí o Tico trouxe, o pessoal lá da escola mandou um monte de material, uma fita que se chamava “the monsters are here”, um versão do “like someone in love” do Joe Diorio, de outro planeta, e aí eu fiquei afim de ir, o Tico foi e eu fiquei.

Contudo, Nelson se sentiu preocupado para ir estudar nos Estados Unidos

devido a questões familiares e financeiras que poderiam atrapalhar sua viagem e

seu desempenho no GIT.

Mas aí eu conversei em casa, tô querendo trancar o curso de Economia, passar um tempo fora estudando música, na época meu pai achou meio assim, você devia terminar seu curso de Economia pra depois você poder fazer música, eu acho que não, aí eu vou tá completamente já fora do lance, eu tô sentindo que tá na hora de eu ir, meu pai topou, todo mundo me deu a maior força pra ir, aí eu fui, por que lá era uma coisa paga, tinha que pagar adiantado, você pagava o curso inteiro, era o curso de um ano, eles tinham um esquema lá na escola de desistência, porque muita gente desistia, a cada semana que você estava lá, você, se você desistisse, você levava de volta pra casa um percentual, esse cálculo ia de 100% a zero até a metade do curso, se você desistisse na metade do curso você não levava dinheiro nenhum pra casa, mas se você desistisse no primeiro bimestre você levava metade. E eu acabei indo porque o Tico tava lá, tava fazendo o curso, já tinha feito um semestre e eu fui.

Podemos observar que Nelson mostra que sua “formação não é senão

experiencial” (JOSSO, 2004), tendo em vista que lhe são inerentes a atribuição

de sentido e a reflexão sobre o que foi vivido, e isso exige a apropriação das

29

situações por parte dele mesmo como sujeito dessa narração. Assim, refletir

sobre sua experiência através das narrativas de si é condição necessária para

que ocorra formação. Ao concluir, Nelson traz a importância do Gamela como

professor em sua formação musical e pedagógico-musical, tal como, a

importância familiar no seu desenvolvimento inicial, evidenciando mais uma vez,

os diversos contextos em que estava inserido e que o ajudou na construção da

identidade como guitarrista e professor de música. Há também momentos de

ruptura na narrativa do Nelson que são denominados por Josso (2004) como

“momentos charneiras”, por exemplo, o período em que ele decide deixar o curso

de Economia e ir para o GIT, o momento em que ouviu a fita de áudio com

Gamela tocando e decidiu estudar com ele, dentre outros.

4.2 Formação no GIT (Guitar Institute of Technology)

O intuito dessa seção é continuar mostrando o percurso formativo do

músico Nelson Faria. O destaque agora é para sua formação no GIT e os

desafios que se apresentaram no seu desenvolvimento nos Estados Unidos.

Podemos ver que outros músicos que estudaram com o Gamela em Brasília

fizeram parte desse período. Nelson cita que o guitarrista Tico foi o primeiro a ir

para o GIT, e que serviu como um incentivo para seu ingresso no curso. Em

seguida, cita que Genil fez parte do curso e que voltou na mesma época em que

acabou o seu período de estudos lá. De certa forma, isso fez parte da formação

de Nelson no GIT sendo que compartilharam sentimentos semelhantes durante o

processo de estadia e estudos nessa escola.

Fui e fiz um semestre, e aí que o Genil foi. O Tico foi, seis meses, depois eu fui, seis meses depois o Tico voltou, e o Genil foi, só que o Tico voltou antes da hora, não terminou o curso não, nem o Genil nem o Tico, e aí eu acabei, morei sozinho lá por mais um tempo, assim, aí depois chegou o Genil, quando o Genil chegou, seis meses depois eu voltei, e quando eu voltei o Genil resolveu voltar também.

O resumo acima apenas sumariza brevemente como foi sua estadia no

GIT. Contudo, é importante destacar como foi sua relação como os estudos e as

30

dificuldades encontradas no seu desenvolvimento como músico e guitarrista. O

relato a seguir destaca tais aspectos.

Quando tinha dois meses e meio que eu tava lá, é, aconteceram várias coisas, uma delas foi que o Tico voltou, acabei sentindo um pouco sozinho, além disso, eu não tava sentindo melhora nenhuma, tava estudando muito e não tava sentindo nada acontecer, mas na verdade tem um gap, tem um delay assim você não tá estudando e as coisas acontecem na mesma hora, tem um prazo pra aquilo sedimentar, e passar para o seu dedo e entender, você entender isso intelectualmente, depois o dedo também entender e você conseguir tocar, tava a dois meses e meio, estudando igual um louco e nada estava acontecendo e o Tico voltou, aí foi a hora que eu pensei em voltar também, que eu quis desistir do curso, fiquei mal, fiquei hiper deprimido e quis desistir do curso, e vendo que a grana a cada semana ia ser menos pra devolver, eu ficava achando que não tinha talento pro negócio, era muito louco, por que eu via, quando eu fui pra lá eu achava que tocava bem, porque tava estudando com o Gamela, tocava um monte de coisa, quando eu cheguei lá disse, cara não sei nada de música, levei um susto, eu vi os caras tocando, eu falei, porra eu não vou conseguir tocar, cara, o buraco é muito mais fundo do que eu imaginava, eu não sabia tocar uma escala maior, eu sabia tocar um monte de música, o Gamela me ensinou a tocar, sentava aqui fazia um violão solo a noite inteira, tinha repertório pra tocar a noite inteira, mas se fala, improvisa nessa música, faz uma escala de dó maior, não sabia, nem sabia que precisava saber essas coisas, pra quê que eu iria saber aquela porra, aí eu sei que quando eu cheguei lá, os caras improvisando, eu falei, bicho isso aí é demais pra mim, e aí fiquei super deprimido e tal, e numa sexta-feira dessas que se você não desistisse na segunda-feira iria voltar com menos dinheiro ainda, eu fui lá pra desistir do curso, fui lá pra desistir, mas aí a tesouraria tava fechada, eu peguei um papel, que me garantia continuar com essa mesma grana e recebia na segunda-feira, eu desisti mesmo, mas eu voltei pra casa, depois de ter desistido, cara, mal, deprimido, quer dizer não resolveu, eu continuei muito mal, tava mal, desisti, fiquei péssimo, chorei o final de semana inteiro, cara, eu lembro que tinha uma bibliazinha assim, eu ficava lendo aquele negócio, eu falei, bicho me dá uma luz aqui, alguém tem que me dar uma luz, eu ali na bíblia pra ver se me dava uma luz, cara, e aí acordei segunda-feira péssimo, mal demais, mas fui lá na escola pra desistir.

Nelson ao narrar sua experiência no GIT evidencia seu processo

formativo, trazendo assim explicações sobre as dificuldades de aprendizagem

vivênciadas. Notamos que é a partir dessas experiências vividas com a música

que nosso narrador cria significado aos seus percursos. Josso (2004) destaca

que partir de um processo de significação e ressignificação da experiência é

31

tornar-se um sujeito consciente de suas ações, neste caso, no modo como

Nelson vê o processo de consolidação de aprendizagem e seus desafios “você

não tá estudando e as coisas acontecem na mesma hora, tem um prazo pra

aquilo sedimentar”.

Logo a seguir, Nelson relata um fator externo primordial para sua

continuidade no curso. Lembro até hoje, tava na Holywood Boulevard, passando, andando, do outro lado veio a Beck. Bech Hicks, ela era casada, casada com o dono da escola, e ela era porto-riquenha, falava espanhol, e foi ela que recebeu os alunos latinos, que eram uns sete ou oito. Ela conhecia a gente pelo nome, então quando ela me viu, ela falou: ‘Nelson o quê que tá acontecendo você está com uma cara péssima’. Tava chorando e tal, falei, poxa chorei o final de semana inteiro, tava péssimo, ela perguntou, o que tava acontecendo, eu falei que desisti da escola, vou parar, ela falou: ‘você tá louco, uma coisa que você vai ter que aprender como músico é lidar com estresse, você tá estressado, você tá totalmente estressado, se você não souber lidar com isso, desistir na primeira dificuldade, como é que você vai continuar, e tal’. Eu falei, pois é acho que nem vou continuar, não vou ser músico, vou fazer outra coisa na vida, e o pior, o que me dava depressão, eu falei, a única coisa que eu gosto de fazer é isso, e eu acho que não dá pra mim, cara, foi horrível.

Podemos observar ainda que Nelson mostra que sua dificuldade era,

principalmente, com o conteúdo que estava estudando e não era assimilado e

que isso gerou uma grande sobre carga em seus resultado. Porém foi “salvo” no

último momento tendo ajuda de uma das fundadoras do GIT. A ressignificação

que Nelson dá aos conselhos de Beck reflete em sua experiência formativa,

mostrando assim ser um sujeito ativo e consciente de suas atitudes, pois

expressa em sua narrativa aspectos de um passado ressignificado no presente.

Podemos inferir que Nelson sabe lidar com situações de aprendizado hoje devido

a experiência adquirida em seu passado.

Ela falou assim, vamos fazer uma coisa, vamos tomar um café aqui e vamos conversar, aí entramos num café, pedimos um café e ela falou: ‘Nelson isso que tá acontecendo com você acontece com um monte de gente, a escola tem um nível de evasão enorme, muita gente desiste, mas de fato eu não acredito que seja o seu caso, porque eu já conversei com outros professores’, o Joe Diorio que era muito meu amigo, o cara que me deu mais força, ela falou: ‘já falei com o Joe Diorio, já falamos sobre você, na reunião dos professores você já foi

32

citado, como um cara de talento, uma promessa, então isso que você tá falando não faz sentido nenhum, você tá estressado’, aí ela falou assim: ‘a questão financeira tá te preocupando? De você não poder levar o dinheiro de volta, se você desistir mais tarde?’. Aí eu falei, também, por que aí eu desisto, aí eu resolvo desistir e ainda vou chegar em casa sem ser músico, sem dinheiro, porra, vai ser péssimo. Aí, ela falou assim: ‘bom eu vou te garantir uma coisa, se você ficar aqui mais um bimestre...” eu já tinha ficado um bimestre, dois meses e meio, [...] ‘se você ficar mais dois meses e meio aqui’, logo iria ter umas férias de 15 dias, ‘se você ficar e resolver desistir no meio do ano, eu te garanto que o mesmo dinheiro que você levaria agora, você leva no meio do ano’. Na hora já deu uma relaxada, já tirou o peso, e ela falou assim: ‘eu vou fazer uma coisa por você, eu tenho uma casa de campo, você tem algum amigo que tenha carro?’ Eu falei tenho, meu roomate, o cara que morava comigo. [...] ‘Então você vai pegar o seu amigo, a minha casa cabe 11 pessoas, junta todo mundo que você conheça, passa hoje no meu escritório, vou te dar a chave da minha casa, você vai para essa minha casa de campo e passa essas férias de quinze dias, passa essas férias lá pra você relaxar e você vai voltar outro cara, não leva a guitarra, beleza?’. Aí eu falei com os meus amigos, obviamente eu levei a guitarra.

O resultado proposto por Beck foi essencial na vida do Nelson e em seu

relato fica destacado como foram seus últimos meses de estudo no GIT e sua

volta ao Brasil. Mais uma vez Nelson ressignifica em sua narrativa destaques da

sua formação, enfatizando a questão de se levar tempo para assimilar

conhecimento e ao mesmo tempo obter fluência no aprendizado do improviso em

um período de tempo curto. Devemos destacar novamente a contribuição de

Beck para a formação de Nelson, pois Beck pensou não apenas na formação

musical do aluno, naquele momento, mas principalmente ela se preocupou com o

bem estar do aluno, as relações musicais e não musicais inerentes para que o

desenvolvimento musical ocorresse.

Quando Beck afirma que vários professores já haviam relatado sobre o

talento de Nelson e, consequentemente, mostra que aquilo foi algo normal e que

havia necessidade de repouso para ele, pois a situação era de estresse e não de

falta de talento. Há uma ressignificação em sua narrativa mostrando a

importância de sua escolha de ultrapassar os diversos obstáculos e dificuldades

e aceita a ajuda de Beck.

33

O aprendizado requer tempo e Nelson conseguiu entender essa variável

importantíssima na processo de assimilação de conhecimento. Ele ficou e

enfrentou o desafio de se formar no GIT. Aí cara, eu fui pra lá e realmente voltei outro cara, voltei pronto pra encarar a escola e fiz até o final. Aí eu fui e resolvi ser músico, aí o quê que aconteceu, eu tinha dois meses e meio de escola, dois meses e meio depois chegou o Genil, e aí o Genil ficou, eu fiquei mais 6 meses. Quando deu um ano de escola e eu voltei, bateu a mesma depressão no Genil, mesmo lance, só que antes de eu ir embora, quando deu assim uma semana antes de eu ir embora, ele começou a ficar mal e falou, Nelson eu vou embora contigo. Aí eu falei com ele, passei pela mesma coisa, fica aí cara. Não teve o quê segurasse o homem, ele foi, remarcou a passagem e voltou comigo no mesmo avião, mas não teve jeito o Genil um super músico, maravilhoso, ele iria ser músico mesmo, como eu acredito que iria ser, terminando ou não terminando o curso. Ele voltou pra cá e aí caiu em cima do Gamela mesmo. Aí eu terminei o curso, voltei pro Brasil.

Podemos mostrar, de acordo com Josso (2006), “momentos charneiras”

em sua narrativa, tais como “voltei pronto pra encarar a escola e fiz até o final. Aí

eu fui e resolvi ser músico”. Parece que houve uma ruptura com a insegurança

prévia que Nelson sentia, dando lugar a escolhas essenciais para sua formação e

fazendo com que ele seguisse adiante com seus objetivos. Em sua narrativa

Nelson afirma ainda que percorreu todo o processo formativo no GIT e que

concluiu o curso se tornando músico, fato importante a se destacar dentro do seu

percursso formativo. O retorno de Nelson Faria ao Brasil foi cercado de muitos

desafios e novidades.

4.3 Retorno ao Brasil

O retorno de Nelson Faria ao Brasil foi cercado de muitos desafios e

principalmente pela sua rápida inserção no mercado musical brasileiro. Nelson foi

assimilado rapidamente pelo mercado brasileiro, tanto no aspecto performático,

como professor de guitarra e improviso. Notamos que sua formação no GIT foi

primordial para que isso acontecesse pois o conhecimento adquirido foi

absorvido rapidamente pelo mercado brasileiro de música instrumental,

34

inicialmente na Escola de Música de Brasília e logo depois em diversos cursos e

workshops ministrado pelo músico. Isso se deu devido ao grande número de

material que Nelson trouxe do GIT.

Bom, aí cheguei aqui, comecei a trabalhar, comecei a tocar, voltei direto pra Brasília, fui dar aula na escola de música, imediatamente, quando eu voltei a escola de música tinha acabado de fundar o núcleo de música popular, o Carlinhos tinha acabo de assumir e abrir o núcleo de música popular, e não tinha professor de guitarra. O Paulo André, ele tava na música erudita, e começou a dar umas coisinhas de música popular, mas ele era mesmo professor de violão, e aí, eu tinha acabado de chegar, e fui lá na escola de música, lembro até hoje, eu fui lá conversar, alguém me indicou, eu comecei a tocar com o Zequinha Galvão, eu tinha um trio, eu, Toni Botelho e Zequinha, a gente começou a fazer instrumental, aí o Zequinha falou, porra a gente tá com um grupo de música popular, você podia ir lá pra escolar, eu falei, cara eu não conheço ninguém lá, ele disse, cara, meu irmão é director, aí cheguei lá e eu lembro que fui conversar com o Carlinhos, cara como é que é isso. Ele falou, não cara normalmente a pessoa tem que fazer um concurso, mas eu tô precisando de um professor de guitarra imediatamente, e o pessoal tá falando muito bem de você, tem um material bacana, por que eu já tinha muita coisa que eu tinha trazido lá de fora, ele falou assim, eu te contrato como professor especial, eu falei, então beleza e comecei a dar aula na escola de música, dei aula na escola de música por, sei lá, dois anos, talvez um pouquinho mais, quase três anos, com vinte e quatro anos eu me mudei para o Rio, por que eu senti que aqui em Brasília tava sobrando, tava sobrando um pouco, porque eu tocava praticamente toda noite, tinha duo com pianista, tinha trio, e não sei o que, dava aula na escola de música, tinha aluno particular pra caramba. Cara, aqui não tem pra onde crescer mais, vai ficar nisso aqui, não vejo muita possibilidade aqui em Brasília.

A impossibilidade de crescimento e desenvolvimento da carreira de

Nelson Faria em Brasília fez com que o músico escolhesse o Rio de Janeiro

como meta. A cidade do Rio de Janeiro ainda hoje é referência como centro

cultural no Brasil e na América Latina. Destaca ainda, em mais um “momento

charneira” (JOSSO, 2004), sua ressignificação perante as possibilidades que

Brasília poderia oferecer como mercado de trabalho. Sendo que, apesar de ser

bem aceito como músico e professor de música, sentiu-se limitado pela

impossibilidade de crescimento que a cidade poderia oferecer. Em seu relato

abaixo Nelson Faria mostra como conseguiu se estabeler no Rio de Janeiro

antes mesmo de morar nessa cidade e a importância do seu legado como

35

professor e guitarrista. Ainda nesse sentido, parece que Nelson já se reconhecia

como professor de música e não apenas como um instrumentista, pois traça sua

trajetória e faz suas escolhas sabendo que trabalharia como guitarrista e também

como professor de música. Vemos aqui um percurso de reconhecimento de sua

própria trajetória. Bom, eu sei o seguinte, quando eu fui pro Rio, eu fui pro Rio em 87, em 86 eu tava aqui em Brasília eu era professor da escola de música, aí aconteceu um fato super interessante, foi o seguinte, o Toninho Horta, ele fez o primeiro, por que eu conheci o Toninho Horta quando eu tava morando em Los Angeles, fazendo curso lá. Em 86 o Toninho fez o primeiro seminário brasileiro da música instrumental, em Ouro Preto, um grande festival, genial, professores excelentes, show todo dia, um mês de show, tinha oficinas, todo dia tinha show, oficinas, seminários e aulas regulares e tal, aí o Toninho, como eu já era professor da escola de música há uns dois anos, além de ser professor da escola de música, todo curso de verão5 eu dava aula, aí eu tava dando aula no curso de verão, o outro professor de guitarra era o Paulo Belinati, que tinha vindo de São Paulo, violonista maravilhoso do Pau Brasil. Aí o Toninho me ligou em casa, aqui em Brasília, porra, Nelsinho tudo bom, vou fazer esse festival de música instrumental, e eu tô procurando um professor de guitarra, e eu tô sabendo que o Paulo Belinati tá dando aula aí no curso de verão, você conhece o Belinati, eu falei, claro que eu conheço, ele falou assim, você tá na escola de música, eu falei tô dando aula no curso de verão junto com ele, todo dia junto. Então conversa com ele e vê se em julho ele pode ser professor lá, eu falei, beleza, fui lá, falei com o Belinati e ele falou, julho vou fazer uma turnê na Europa com o Pau Brasil, não posso fazer. Aí eu liguei pro Toninho de volta e falei, Toninho o Belinati não pode e tal, ele vai tá em turnê, ele falou, cara, tô precisando de um professor de guitarra, se tem ideia de alguém? Eu falei tenho, ele falou quem? Eu falei, eu. Eu cara, me convida porra, tô cheio de material, tem coisa a pampa aqui. Ele falou, Nelsinho, você acha que você segura a onda? Eu falei, seguro, seguro relax a peteca, então beleza, então é você. Topou também, confiou, né.

É importante ressaltar aqui que antes mesmo do Toninho Horta confiar na

competência de Nelson como professor o próprio Nelson acreditava em sua

capacidade de assumir responsabilidade tão grande. Notamos isso em seu relato

citado acima “Eu cara, me convida porra, tô cheio de material, tem coisa a pampa

5 O Curso de Verão de Brasília, CIVEBRA, é uma atividade criada pelo primeiro diretor do CEP-EMB, Levino de Alcântara, ocorrendo desde então a cada mês de janeiro. Até 1985, apenas a música erudita era enfocada no CIVEBRA. Após essa data, tendo assumido a direção do CEP-EMB o prof. Carlos Galvão, ano em que também criou o núcleo de Música Popular em nossa escola, igualmente nos cursos de verão esse gênero de música passou a acontecer tanto em aulas, quanto nos concertos.

36

aqui... Eu falei, seguro, seguro relax a peteca”.

Nelson se preparou para lecionar no Seminário e elaborou o material

didático tendo como base o material estudado no GIT. Esse material tornou-se

referência no ensino do improviso no Brasil. Podemos observar isso na narrativa

a seguir. E aí o que é que eu fiz, cara, isso era janeiro, o curso dele era em julho, de janeiro até julho, eu comecei a organizar material, comecei a organizar muito material, comecei a organizar mesmo tudo, pra fazer umas apostilhas bacanas, a gente fez um material muito legal, e eu peguei cada folha dessa e carimbei meu nome e meu telefone, e aí fui lá, quando cheguei lá, a realidade que eu fui ver era o seguinte, os outros professores não tinham levado material, por que ninguém leva, normalmente ninguém leva. Eu cheguei com material pra dar aula, cheguei com as aulas preparadas, aí o quê que aconteceu, minha turma que tinha no começo dez alunos, no final tinha oitenta, tinha aluno, todo mundo chegava e dizia, posso ser aluno ouvinte, e eu dizia, sim pode, pode. Encheu, eu saí fazendo xerox dessas apostilas pra todo mundo, e aquilo dali foi um sucesso absurdo, sabe, no curso lá, essas apostilas, e todo mundo copiou essas apostilas, todo mundo saiu xerocando, tal. Quando eu saia de lá, ainda eu tava morando em Brasília, nesse curso eu conheci o outros professores, todos que na sua maioria, eram do Rio, Rio e São Paulo, então fiz a ponte, conheci as pessoas que moravam no Rio. E aí eu comecei a ficar, assim, comecei a ser chamado pra ir tocar lá.

Notamos que nessa narrativa Nelson se preocupa em organizar e planejar

todas as aulas a serem ministradas no curso. Outro fato em destaque é que

durante o curso ministrado em Ouro Preto Nelson conseguiu se inserir em uma

rede de contatos com outros professores que também estavam lecionando. Isso

nas palavras dele foi uma ponte para se firmar na profissão.

37

5. ALGUMAS COMPREENSÕES

Essa pesquisa foi elaborada a partir da minha curiosidade sobre os

desafios iniciais na formação musical de Nelson Faria. É importante salientar

que sua formação inicial teve início no ambiente familiar, sendo chave primordial

no desenvolvimento do gosto pela música brasileira, mais especificamente a

bossa-nova. Notamos também que sua experiência musical inicial ocorreu de

forma autodidata e que um dos principais influenciadores foi seu primeiro

professor, o músico Sidney Barros (o Gamela).

Ao longo da entrevista narrativa foi possível perceber que as recordações,

que para ele são referências, possibilitaram ressignificar sua própria experiência

no ato de contar sua trajetória inicial em música. Durante o processo da

entrevista, Nelson recordou, com clareza, algumas referências importantíssimas

para a sua formação, como foi o caso já citado do professor de violão Gamela.

Outro aspecto importante mencionado foi sua experiência de aprendizagem no

GIT e as ressignificações que se apresentaram em sua narrativa. Desde o

processo de preparação para sua ida, ou seja, a afirmação de querer ser músico

profissional deixando o curso de Economia, sendo influenciado pelo professor

Gamela. Até as diversas dificuldades de adaptação e aprendizagem que sofreu

e superou, com ajuda de sua supervisora, Beck.

Ao evidenciar quais foram os desafios desafios de Nelson Faria na sua

trajetória formativa em música podemos ver que vários elementos musicais e

extra musicais contribuíram nesse processo.

Dentre esses aspectos podemos destacar que a formação ao longo da

vida só se constitui, de fato, quando o sujeito da experiência se dá conta da

importância desses espaços formativos, retomados pela memória e narrativa

(auto)biográfica. Os conhecimentos advindos das narrativas de Nelson Faria

evidenciam um modo de construir experiências profissionais em música. E isso,

poderá contribuir com pesquisas futuras que remetam a aprendizagem musical.

Por fim, essa pesquisa não esgota o assunto apresentado, mas constitui-

se como ponto de partida para ampliar compreensões de experiências e

sentidos empreendidos ao longo da vida de profissionais de música.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. 2ª edição. Petrópolis: Vozes, 2002.

GUNTHER, Hartmut. Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: esta é a questão? Universidade de Brasília, 2006.

JOSSO, Marie-Chistine. As figuras de ligação nos relatos de formação: ligações formadoras, deformadoras e transformadoras. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 2, p. 373-383, maio/ago, 2006. ______. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.

PORTELA, Girlene L. Abordagens teórico-metodológicas - Pesquisa quantitativa ou qualitativa? Eis a questão. Universidade Estadual de Feira de Santana, 2004.

RECÔVA, Simone L. Aprendizagem do Músico Popular: Um processo de percepção através dos sentidos?. Dissertação de mestrado. Universidade Católica de Brasília, 2006.

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APÊNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu _______________________________________________________, portador da carteira de identidade de nº __________________, disponho-me voluntariamente a participar da pesquisa que está sendo desenvolvida pelo estudante Wanderson Ferreira Bomfim, do Programa de Graduação em Música da Universidade de Brasília, cujo objetivo é investigar o meu percurso formativo na guitarra e minha experiência profissional como instrumentista e docente. Autorizo a coleta de dados por meio de entrevista, bem como a publicação integral ou parcial dos resultados obtidos sem restrições de prazos e citações, desde a presente data e conforme os termos apresentados a seguir: • A entrevista será feita por meio de um iphone e gravada somente para fins didáticos e de pesquisa, não podendo ser publicadas para qualquer outro fim; • A entrevista não acarretará ônus financeiro para mim; • Eventualmente o meu nome poderá ser citado para a publicação dos resultados dessa pesquisa, sendo vedada a citação para qualquer outro fim; • A qualquer momento, e por qualquer razão, posso desistir ou me retirar da pesquisa, sendo os dados (até então) produzidos destruídos ou a mim devolvidos; • A qualquer momento posso tirar dúvidas referentes à pesquisa, ao seu andamento e/ou resultados, por meio dos contatos do pesquisador, no telefone (61) 99880-1943 ou pelo e-mail [email protected]; • Terei direito de revisar a entrevista antes de sua análise ou da publicação de resultados. Nestes termos concordo em participar desta pesquisa. Brasília – DF _____ de _____________ de 2016

____________________________________________________

Assinatura

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