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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO MESTRADO EM HISTÓRIA NEGÓCIOS NA MADRUGADA: FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO COMÉRCIO ILÍCITO EM URUGUAIANA RONALDO BERNARDINO COLVERO Dissertação de Mestrado na área de História Regional, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. Fernando da Silva Camargo. Passo Fundo, Abril de 2003.

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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

MESTRADO EM HISTÓRIA

NEGÓCIOS NA MADRUGADA: FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO COMÉRCIO ILÍCITO EM

URUGUAIANA

RONALDO BERNARDINO COLVERO

Dissertação de Mestrado na área de História Regional, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. Fernando da Silva Camargo.

Passo Fundo, Abril de 2003.

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_____________________________________________________________________ C727n Colvero, Ronaldo Bernardino Negócios na madrugada : o comércio ilícito e a expansão da economia no extremo oeste (1850-1870) / Ronaldo Bernardino Colvero. – 2003. 179 f. Dissertação (mestrado) – Universidade de Passo Fundo, 2003. 2003. 1. História do Rio Grande do Sul 2. Contrabando 3. Uruguaiana 4. Economia – Fronteira Oeste I. Título CDU:981.65 _____________________________________________________________________ Catalogação na fonte: bibliotecária Sandra M. Milbrath Vieira CRB 10/1278

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AGRADECIMENTOS A minha família e à memória de meu pai. Ao Prof. Dr. Fernando Camargo, meu orientador, incentivador, crítico e um grande entusiasta deste trabalho. Ao Alex Jacques da Costa, amigo, colega de trabalho, colaborador de extrema importância na construção deste trabalho, pois sua capacidade intelectual influenciou decisivamente os rumos desta dissertação. Alex, como pesquisador foste muito sábio e, como amigo, um amparo nas discussões, e eu não tenho palavras que possam expressar meus agradecimentos. Muito obrigado é pouco. Ao amigo e professor Elton dos Santos Machado, pela influência e auxílio nas decisões. À profª. Jandira Elohá Lopes, pela oportunidade e confiança em mim depositada. Aos professores Edson Paniágua e Lauro Rubim, pela participação no clube. Aos professores do mestrado: prof.ª Dr.ª Ana Luiza Reckziegel, prof.ª Dr.ª Loiva Otero Félix, prof. Dr. Tau Golin e prof. Dr. João Carlos Tedesco. Ao Programa de Pós-Graduação da UPF. À Deize, do PPG. À prof.ª Ms. Maria de Lourdes Brondani D’Ávila, pelo saber histórico. Ao prof. Ms. Edison Gonzague Brito. Ao prof. Danilo e equipe do Cepal de Alegrete, de extrema importância no levantamento de fontes bibliográficas. A Elezita, Cláudio e Édina, por todo auxílio dado neste trabalho. Aos colegas da RPS Sistemas pelo apoio incondicional. Às funcionárias da sala do Arquivo Histórico e sala Raul Pont do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Aos sempre prestativos e atenciosos funcionários do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Aos funcionários do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. À Biblioteca Pública de São Borja, em especial à prof. Lurdes e prof. Theresinha. Ao Cartório de Registro de Imóveis de Uruguaiana. Aos funcionários da Biblioteca da Urcamp - campus de São Borja. Às colegas de graduação: Carmem, Silvia e Mariza.

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RESUMO

A necessidade de resgatar a história local remeteu, neste trabalho, à discussão acerca da formação de um espaço econômico e do desenvolvimento do comércio lícito e ilícito na fronteira oeste da província do Rio Grande do Sul, mais especificamente em Uruguaiana, no período compreendido entre 1850 e 1870. O espaço local foi estudado a partir da ocupação guarani, do contrabando no Prata sob influência inglesa, e dos tratados de fronteira. Para isso, o estudo explicita os conceitos de fronteira, limite e território, pois é necessária uma visão mais aprofundada do tema em questão. O estudo recai no plano econômico, visto que o social e o político são estudados em sua conexão com a dinâmica interna do sistema econômico, colaborando no sentido de levantar elementos empíricos e hipóteses teóricas para um entendimento amplo e profundo de uma região de fronteira. A distribuição das sesmarias através das doações ou aquisições de terras devolutas e, a partir de 1850 a lei de terras como forma de legalização a titulo de propriedade das terras, foram responsáveis pelo povoamento e defesa particular da região da campanha, que contava com suas guardas que tinham a função da defesa do território, em especial, a fronteira que nasceu como representação dos sesmeiros. A condição de fronteira-zona de Uruguaian a, no período de 1850 a 1870, foi desenvolvida sob alguns condicionamentos: 1º a fronteira com a Argentina e o Uruguai; 2º os pecuaristas; 3º os comerciantes locais e 4º os comerciantes estrangeiros. Este estudo traz o levantamento de várias fontes que mostraram as nuanças do desenvolvimento econômico, político e social daquela cidade de fronteira, permeado pelo contrabando que se fazia corriqueiramente, em razão, sobretudo, da falta de um esquema eficaz para banir tais procedimentos. Também realiza a análise dos registros e fatos que interferiram no desenvolvimento da vila de Uruguaiana no período determinado nesta pesquisa, com ênfase na formação da cidade com suas características, o processo de urbanização, os meios de comunicação e transportes, aspectos do comércio local, as importações e exportações, o problema da mão-de-obra, o contrabando e alguns traços característicos do homem da fronteira. PALAVRAS-CHAVE: fronteira, comércio, contrabando, Uruguaiana.

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ABSTRACT

This work brings about the need of rescuing the local history the discussion about the formation of the economical settlement and the development of licit and illicit commerce in the west border of the province of Rio Grande do Sul, more specifically in Uruguaiana, between 1850 and 1870. the guarani occupation, the influence of England in the Prata contraband, and the border treats were studied concerning to the local space. Since a broadest and deepest view of the matter would be necessary, limit, territory and contributed to the reflection about the empirical elements and theoretical hypotheses related to the border region of Uruguaiana. At that time, the distribution of land properties called “sesmarias” was made according to donations and acquisition of free lands by the “sesmeiros”. People who established there were responsible for the defense of the border region as well as the population growth. The legalization of the properties was made after the 1850 law. The condition zone-border of Uruguaiana was developed accord ing some conditions, such as: 1) the Uruguay-Argentina border; 2) the farmers; 3) the local traders; 4) the foreign traders. The research about economic, social, political development of that time shows among many matters the lack of an efficient project to banish and punish wrong procedures in that border region. This study also carries the analysis of the facts and registers which influenced in the process of urbanization, means of transportation and communication, local commerce, imports and exports trad es, the employment, illicit commerce, and the characteristics of the man as well.

KEYWORDS: border, commerce, contraband, Uruguaiana.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ........................................................................................................ 03 RESUMO ................................................................................................ ............................. 04 ABSTRACT ........................................................................................................................ 05 LISTA DE FIGURAS ................................ .......................................................................... 07 INTRODUÇÃO ................................................................................................ ................... 09 1. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO RIO-GRANDENSE .............................................. 14 2. AS PRIMEIRAS CONCESSÕES DE TERRAS NA REGIÃO DE URUGUAIANA ... 26 3. CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS POVOADOS DA FRONTEIRA NA MARGEM DO RIO URUGUAI ................................ ........................................................................................... 50 4. A URBANIZAÇÃO NA FRONTEIRA OESTE RIO-GRANDENSE ........................... 66 5. A FORMAÇÃO DO ESPAÇO ECONÔMICO .............................................................. 91 6. O CONTRABANDO NA FRONTEIRA OESTE ........................................................... 137 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 162 REFERÊNCIAS ................................................................ .................................................. 171

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa das missões do Paraguai e do Uruguai ....................................................... 15 Figura 2: Mapa do Rio Grande de São Pedro com as divisões do Tratado de Madri e Santo Ildefonso ................................ ............................................................................................... 23

Figura 3: Foto de cerca de pedra da região .............................................. 29 Figura 4: Cópia (frente) escaneada da Carta de Doação de Sesmarias feita pelo

conde de Rezende a Timóteo Lemes do Amaral, dat ada de 1799 ......................... 30 Figura 5: Cópia (verso) escaneada da Carta de Doação de Sesmarias feita pelo

Conde de Rezende a Timóteo Lemes do Amaral, datada de 1799 ........................ 31 Figura 6: Principais portos fluviais argentinos, brasileiros e uruguaios do rio Uruguai na segunda metade do século XIX ............................................................................................ 78 Figura 7: Mapa da Invasão Paraguaia em Uruguaiana (18/09/1865) ................................ ... 82 Figura 8: Participação do Porto de Uruguaiana nas exportações de mercadorias com o Rio da Prata em relação aos portos de Itaqui, São Borja e Uruguaiana (1850-1881) ...................... 94

Figura 9: Movimentação de importação do posto de Uruguaiana em relação aos

portos de Itaqui e São Borja (1850-1881) ......................................................... 95 Figura 10: Irradiação dos portos de Uruguaiana, Itaqui e São Borja dentro da província do Rio Grande do Sul ................................................................................................ ....................... 96 Figura 11: Dados comparativos das importações entre os portos de Uruguaiana e Rio Grande (1850-1868) ................................................................ .......................................................... 103 Figura 12: Balsas que atravessavam o rio Uruguai transportando madeiras ........................ 106 Figura 13: Dados comparativos das exportações realizadas pelos portos de Uruguaiana e Rio Grande ................................ ................................................................................................ ... 110 Figura 14: Receita e despesa geral do município de Uruguaiana conforme o Livro de Estatística de 1926 ................................................................................................................ 118

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Figura 15: Receita e despesa da Vila de Uruguaiana conforme o Livro de Receitas e Despesas de 1847-1856 ........................................................................................................................ 118 Figura 16: Receita e despesa geral do município de Uruguaiana conforme o Livro de Estatística de 1926 ................................................................................................................ 119 Figura 17: Receita e despesa da Vila de Uruguaiana conforme o Livro de Receitas e Despesas de 1847-1856 ........................................................................................................................ 120

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INTRODUÇÃO

O florescimento do comércio no Brasil foi perceptível a partir de várias condições

socioeconômico -políticas que se verificaram após um longo período de colonização e fixação

sob o domínio português. Várias foram as tentativas externas de outros países para tomar

partes do território brasileiro, algumas com sucesso; outras, nem tanto. E o Brasil continuou

sua trajetória de forma a garantir os lucros da Metrópole.

O Rio Grande do Sul nasceu em um contexto de disputa entre duas potências

européias, Portugal e Espanha, que se estabeleceram na América do Sul atraídas pelas

riquezas minerais e naturais, as quais geravam dividendos para ambas as Coroas. Os padres da

Companhia de Jesus tomaram parte na ocupação do território sul-rio-grandense, pois se

estabeleceram na província, onde lutaram contra os bandeirantes que vinham em busca de

mão-de-obra. Para isso, procuravam escravizar o índio e saquear suas aldeias, ação que

começou a ser evitada pelos padres jesuítas a partir de sua instalação em solo sul-americano.

Desde a primeira incursão missioneira aos campos sul-rio -grandenses, que, na época,

pertenciam ao Reino de Espanha, já era perceptível uma incipiente forma de comercialização

com Buenos Aires e Montevidéu, feita através da navegação pelos rios Uruguai, Paraguai e

Paraná. Depois de vários tratados e tentativas de ocupação territorial, o que valia mesmo era o

uti possidetis, e foi isso o que Portugal fez rapidamente ao perceber que as terras ao sul

deveriam ser garantidas para que pudesse participar do lucrativo comércio platino, para onde

as vistas de muitos países já haviam se voltado há algum tempo.

Dessa forma, o Rio Grande do Sul sofreu um processo de povoação relativamente

rápido, visto que em praticamente dois séculos formaram-se várias vilas e cidades em

Comentário: Não foi por isso que os padres da Companhia se estabeleceram ali. Na verdade, foi ali que eles tiveram de enfrentar os bandeirantes e não em outro lugar.

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diversos pontos da província: algumas servindo como paragem de tropeiros que vinham em

busca do gado criado livremente nos campos; outras, somente com objetivos militares, para

salvaguardar uma fronteira-zona que ainda não havia se formado, e, ainda, as pequenas

povoações formadas a partir da mistura de índios e outros povos, que eram características da

região missioneira.

A República Farroupilha, a tão falada e famosa insurreição sul-rio -grandense contra o

Império brasileiro, veio em meio a um processo de consolidação de fronteiras por parte do

segundo, o que agravava os ânimos referentes a essa região. Uruguaiana, ou a Capela Curada

de Uruguaiana, surgiu de uma iniciativa farroupilha, quando a capital da república farrapa se

encontrava em Alegrete em 1843. Mas qual seria o intuito dos políticos farroupilhas em

fundar uma povoação às margens do rio Uruguai? Teriam eles intenção de fundar o primeiro

porto farroupilha para a obtenção de contato direto com o Prata, por considerarem essa

estratégia econômica e politicamente importante?

É importante ressaltar nesse ponto que não se pretende aqui obter a comprovação das

duas questões apontadas, mas, a partir dessas interrogações, chegar a uma conclusão sobre o

modo como se deu a ocupação dos espaços econômicos ness a região de fronteira, onde fatores

étnicos, políticos, ideológicos, sociais participavam de todo um processo gradativo de

consolidação de territórios.

Na historiografia de Uruguaiana não há uma obra que leve em consideração um

aspecto que é de fundamental importância para o crescimento de uma comunidade, que é a

questão da ocupação do espaço econômico sobretudo a partir do processo da capitalização da

América do Sul. Por isso, este estudo foi motivado pela necessidade de conhecer o modo

como surgiram as comunidades de fronteira, principalmente a de Uruguaiana, indo além dos

achismos que foram relatados até hoje pela historiografia sul-rio-grandense. Como um desses,

deixa -se de lado a visão de que o fim da Guerra do Paraguai foi o único ponto da

historiografia sul-rio-grandense e brasileira em que se enxergou Uruguaiana como o centro

das atenções. Através deste trabalho, pensa-se possibilitar uma visão mais ampla daquilo que

seria um comércio de pouca lucratividade e do qual muitos até hoje duvidam, que era a

navegação do rio Uruguai como principal via de transação comercial do Sul do Brasil.

Comentário: Substituir todos os “sul-rio-grandense” e “sul -rio-grandenses” que aparecerem por “sul-rio-grandense” e “sul -rio-grandenses”.

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Hoje o porto de Rio Grande é um dos portos mais movimentados do Brasil em número

de transações comerciais e por receber boa parte da comercialização brasileira feita através da

navegação. No entanto, os gaúchos e os uruguaianenses, em especial, esquecem-se de que, no

século XIX, em plena expansão do capitalismo, teve-se um porto que superou de diversas

formas aquele que hoje é o segundo maior porto do Brasil.

Pelo vasto material obtido em diversas fontes historiográficas e primárias, encontrou-

se que o porto de Uruguaiana foi importante na formação e no crescimento da região sul da

província. Nos acordos de livre navegação assinados entre os três países que formam a bacia

do rio Uruguai – Brasil, Argentina e Uruguai – , constata-se o objetivo de manter contatos

muito estreitos e, até mesmo, de desenvolver uma cooperação, por razões políticas,

econômicas ou, ainda, de ocupação espacial.

Não se podem dissociar as questões sociais e políticas desse âmbito da análise que

tiveram influência direta nos tratados, acordos, súmulas e decisões, pelos quais se desenvolvia

cada vez mais na vila e, mais tarde, na cidade de Uruguaiana o comércio, diretamente

interligado com vários países da Europa e da América através do seu porto. Por isso, analisa-

se a política local a partir da leitura efetuada nos livros da Câmara de Vereadores da vila, sua

instituição política mais importante e que controlava todas as áreas que se relacionavam com

a localidade, como a alfândega, a cadeia, o cemitério, o bem-estar social e os distritos.

A sociedade uruguaianense surgiu de uma pequena povoação já estabelecida em outra

região, que comporia mais tarde o município e na qual já se encontravam convivendo

portugueses, espanhóis e índios. Posteriormente, com o boom do comércio através do rio

Uruguai, a sociedade foi sendo penetrada por atores de regiões mais longínquas, como

ingleses, franceses, alemães, etc. Esses personagens iriam contracenar na formação identitária

desta comunidade de fronteira, que transcende o espaço demarcado como limitação de suas

fronteiras e se insere dentro de um contexto, ao mesmo tempo, inerente e diferente de seu

território. Aqui, não se pode esquecer que a afirmação das nacionalidades deu -se somente a

partir da segunda metade do século XIX, com os processos de consolidação das fronteiras

num âmbito mais abrangente entre os países que compunham a Bacia do Prata; restaram,

então, apenas questões mais específicas em relação à fronteira entre Brasil e Argentina, como

a de Palmas, que transcenderia a passagem do século XIX para o XX.

Comentário: Cuidado com essas expressões. Quem esqueceu? Eu, você?

Comentário: Limpe todos esses “etc.”

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A pesquisa empreendida foi desenvolvida tomando-se por base documentos da época,

como atas da Câmara de Vereadores da vila de Uruguaiana e os registros de correspondências

desta com a presidência da província. Desses foram extraídas informações sobre diversas

questões relativas à vila que eram pedidas pelo governo a fim de prestação de contas e

conhecimento da realidade socioeconômica da região. Foram também utilizados mapas feitos

na época pelos agrimensores que trabalharam na região. Dessa forma, vê-se que as fontes

primárias foram abundantes e ricas em material para a interpretação e reflexão neste estudo.

Tomam-se ainda como base para a interpretação do material obras de vários autores que

trabalham com a história do Rio Grande do Sul, compreendendo principalmente o período

entre 1850 e 1870, delimitação temporal do presente trabalho.

A divisão deste trabalho em seis capítulos foi motivada pela necessidade de separação

temática, delimitando-se os pontos que envolveram a ocupação dos espaços econômicos na

região da fronteira oeste e, mais especificamente, em Uruguaiana. O capítulo 1 versa sobre a

ocupação do território sulino num contexto envolvendo a necessidade de sobrevivência dos

povos guaranis, conduzidos pelos padres da Companhia de Jesus, e suas formas de

organização social, política e econômica dentro das reduções que povoaram o noroeste do

estado e que auxiliaram na extensão desta povoação por todo o território sul-rio-grandense.

No capítulo 2, trata-se das primeiras concessões de terras na região de Uruguaiana, dos

pioneiros da povoação e do desenvolvimento local, iniciado a partir das estâncias, que

formaram o primeiro baluarte econômico do Rio Grande do Sul. Doadas ou ocupadas por

pessoas de diversas regiões, por meio delas as culturas e experiências se intercruzaram,

alavancando os processos de desenvolvimento da região fronteiriça.

Ainda neste capítulo, podem ser vistas as transformações, avanços e retrocessos que

antecederam as tratativas de delimitação das fronteiras entre a província de São Pedro do Rio

Grande do Sul e os Estados vizinhos, já que Uruguaiana se localiza na fronteira entre os três

países que compõem o sul da América do Sul: Brasil, Uruguai e Argentina. Em relação a

essas divisas, constata-se que a diplomacia brasileira na época do Império e, posteriormente,

no início República, procurava resolver o problema da demarcação dos limites.

No capítulo 3, descreve-se a formação dos povoados da fronteira oeste da província de

São Pedro: São Borja, Itaqui e Uruguaiana. São Borja insere-se num contexto de formação

Comentário: A mesma coisa do comentário anterior...

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jesuítica no qual houve uma transformação dos mais diversos setores a partir da ocupação

definitiva dos portugueses em 1801, que levaram a fronteira a tornar-se uma das principais

regiões de comercialização de produtos. Itaqui teve uma formação populacional anterior à de

Uruguaiana e passava por um período de crescimento em razão do porto. Por fim, aborda-se a

formação de Uruguaiana a partir do primeiro povoado nas margens do rio Uruguai, sua

origem farroupilha e a fundação da vila, onde se localizava o porto mais movimentado da

província.

O capítulo 4 versa sobre a questão urbana, explicitando os pontos fundamentais da

urbanização da fronteira oeste, tomando como base uma concepção teórico-metodológica

voltada a essa problematização. Trazem-se levantamentos feitos do traçado das ruas, das

Posturas Municipais adotadas pela Câmara para administrar a vila, dos terrenos doados pelos

presidentes da província, e analisa-se a relação econômica estabelecida entre os cidadãos.

No capítulo 5 entra-se na questão -chave da presente dissertação, pois é a partir do

âmbito econômico que se conseguirá analisar todo o processo de desenvolvimento da vila de

Uruguaiana. A economia assume, nesta parte, papel central, coadjuvando a questão dos

transportes, um dos meios que possibilitaram grande lucros. Servindo-se da história

quantitativa, analisam-se as arrecadações das “mesas de rendas” de Uruguaiana, fazendo uma

comparação com as de outras cidades da fronteira da província.

O último capítulo, de número 6, versa sobre um dos principais problemas encontrados

não só nesta região de fronteira, mas em qualquer outra região que apresente facilidades

naturais e políticas para sua efetivação: o contrabando. Neste capítulo, relatam-se alguns fatos

relacionados ao tema ocorridos no município de Uruguaiana e as formas como este

contrabando era desenvolvido, tanto por brasileiros quanto por argentinos e uruguaios. Assim,

verificam-se as conseqüências desse tipo de comércio ilícito para o município de Uruguaiana,

para a província do Rio Grande do Sul e para o Império do Brasil.

Comentário: Tens usado muito essa palavra.

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1. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO RIO-GRANDENSE

Durante o século XVII, a ocupação holandesa no Nordeste brasileiro e em algumas

regiões da África, estas abundantes em mão -de-obra negra, forçou os portugueses no Brasil a

se deslocarem em direção ao sul a fim de aprisionar o gentio,1 que estava reduzido nas

missõ es jesuíticas situadas na região de Itatins e Guairá, na margem esquerda do rio

Paranapanema, fundadas pelos missionários da Companhia de Jesus em 1607.2 As incursões

portuguesas receberam o nome de “entradas” e “bandeiras” e tinham como principal intuito o

ganho econômico através do aprisionamento de mão-de-obra, destinada para as lavouras que

os portugueses possuíam.

Os jesuítas tinham como objetivo reduzir o índio para “convertê-lo à fé cristã,

livrando -o de sua cultura pagã que era considerada como obra do diabo”,3 e também para

“remissão dos pecados, dessa forma o fim maior da evangelização se confirmava para

alcançar de Nosso Senhor uma grande estima da gloriosa empresa que lhes confiou, e fazer-se

instrumentos aptos seus para a conversão de tantos fiéis”. 4 Segundo Mário Maestri, “o projeto

jesuítico era o mesmo para todo o novo mundo. Reunir em uma aldeia diversas comunidades

nativas, submetê-las à autoridade colonial e convertê-las ao cristianismo e ao que se

considerava como civilização”.5

1 QUEVEDO, Júlio (Org.). Rio Grande do Sul: quatro séculos de história. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1999. p.104. “Gentio” é um termo que faz parte exclusivamente da tradição judaico-cristã e serve para indicar todos aqueles que professam religiões não monoteístas, geralmente profanas, fundamentando -se na oposição entre “povo eleito” e os demais povos. 2 Companhia organizada em 15 de agosto de 1534 por Ignácio de Loyola e mais sete companheiros, sendo reconhecida pelo papa Paulo III somente em 1540. Tinha como premissa a “militância cristã”. 3 FLORES, Moacyr. Reduções jesuíticas dos guaranis. Porto Alegre: Edipucrs, 1997. (Coleção História, 17). 4 BOLLO, Pe. Diego Torres S.J. Primeira instrução para os padres José Cataldino e Simão Mazzete de 1609 apud QUEVEDO, op. cit., p.107. 5 MAESTRI, Mário. Uma história do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais. 2.ed. Passo Fundo: Ediupf, 2000. p.61. (Cadernos do Núcleo de Estudos Históricos Lingüísticos).

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Fonte: Baseado em MAEDER, E. J. A.; GUTIERREZ, R. Atlas histórico y urbano del nordeste argentino. Resistência, Chaco: Instituto de Investigaciones Geohistoricas, 1994. p.57 in: QUEVEDO, Júlio. Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata. São Paulo: Edusc, 2000. p.77. Figura 1: Mapa das missões do Paraguai e do Uruguai.

São Paulo, ou melhor, a capitania de São Vicente, com as incursões bandeirantes,

tornou -se uma área especializada no aprisionamento e venda de gentios, mas, ao contrário do

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que se pensava, este não se destinara para a região açucareira e, sim, segundo estudos de John

Monteiro, permanecia na própria província de São Vicente como mão -de-obra nas fazendas.6

Segundo Júlio Quevedo e José Tamanquevis: “O Jesuíta representava uma ameaça, pois

disputava a mão-de-obra indígena; os luso-brasileiros queriam escravizá-los, enquanto os

jesuítas queriam cristianizá-los e especializá-los em uma profissão para a autodefesa.”7

Com os ataques dos luso-brasileiros e os interesses dos espanhóis, os jesuítas viram-se

obrigados a migrar para o sul, penetrando em território rio-grandense em 1626, na chamada

zona do “Tape”,8 e, a partir daí, fundando reduções. Essas penetrações no território sulino

deram-se sob bandeira espanhola, pois os primeiros jesuítas que vieram para a América

estavam sob o comando da Coroa espanhola. Logo, a sua estabilização temporária na região

Sul deu-se justamente em razão de uma estratégia geopolítica9 da Espanha para o continente

americano.

Tanto as reduções do Tape como, mais tarde, as dos Sete Povos das Missões faziam

parte do sistema colonial espanhol, pois foram criadas pela necessidade de manutenção de um

território, conseguida através da fundação de agrupamentos indígenas dentro dos princípios

cristãos, que impunham ao índio uma doutrina. Entretanto, as reduções representavam para os

índios a possibilidade de não serem escravizados, tanto pelos encomenderos espanhóis quanto

pelos luso-brasileiros de São Vicente. Conforme relatos do padre Roque Gonzáles, fundador

das missões, referentemente à região do Tape, o índio, por vezes, resistia ao processo

reducional, dificultando em certos momentos o trabalho do jesuíta. E continua: “No período

reducional os missionários defrontaram-se com muitas adversidades, tanto internas

(sublevações indígenas, ação de animais ferozes) quanto externas (o encomendero espanhol e

as bandeiras escravistas)”.10

6 Ler mais em MONTEIRO, John. Os negros da terra. São Paulo: Terra, 2000. 7 QUEVEDO, Júlio; TAMANQUEVIS, José C. Rio Grande do Sul: aspectos da história. 4.ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1995. p.16. 8 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. 8.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997. p.8. (Série Revisão, 1). Tape era a área que se estendia pela bacia do Jacuí, limitando-se, por um lado, pelos contrafortes das Serras do Mar e Geral e com o rio Uruguai, por outro. 9 A geopolítica diferencia- se das demais geografias pelo princípio de dinamismo, ou seja, utiliza os dados geográficos cruzados com a ação política do Estado, interna e externamente. No entanto, não tem o fim de buscar idéias abstratas e universais sobre diversos aspectos, mas achar elementos para promover uma discussão da atuação política do Estado tanto no âmbito interno quanto internacional. Friederich Ratzel foi o grande precursor e inspirador das geopolíticas desenvolvidas por muitos Estados na busca de sua hegemonia capitalista. Este comparava o Estado a um organismo vivo, sujeito às leis naturais. Ver mais em SILVEIRA, Helder Gordim da. Argentina x Brasil: a questão do Chaco Boreal. Porto Alegre: Edipucrs, 1997. 10 QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata, p.80.

Comentário: Não está certo, pois ainda não era “território rio -grandense”.

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25

Entretanto, os jesuítas consideravam o espaço guarani na construção das reduções, o

que se pode notar através das Cartas Ânuas,11 da época da formação das reduções jesuíticas da

margem oriental do Uruguai. Nessas era expresso que as missões seriam construídas nos

lugares que tivessem alguma significação especial, ou fossem sagrados para os guaranis, o

que, por conseqüência, facilitaria o contato com os índio s e a transformação do espaço já

construído pela cultura guarani em espaço reducional cristão.

O ano de 1636 foi marcado por um desastroso incidente: iniciaram-se os ataques às

reduções do Tape, chefiados por Raposo Tavares.12 Conhecidos como “entradas” e

“bandeiras”, esses ataques tinham como principais objetivos a exploração do pau-brasil e o

aprisionamento de índios para serem utilizados como escravos nas fazendas do Nordeste e do

Sudeste da Colônia. As expedições chefiadas por Raposo Tavares enquadravam-se como

“bandeiras”, porque seu intuito era o aprisionamento dos índios que se encontravam reduzidos

na região do Tape.

Frente a essa ameaça externa, os padres da Companhia de Jesus perceberam a

necessidade de se organizar para os combates entendidos como uma Guerra Santa. Essa

guerra era justificada e defendida ideologicamente através dos Exercícios espirituais, escritos

por Ignácio de Loyola a partir de 1522 e publicados em 1548.13

A partir de 1680, com a fundação da Colônia do Sacramento, em frente ao porto de

Buenos Aires, e o retorno dos jesuítas ao local de suas antigas reduções, ficou claro que as

nações ibéricas estavam interessadas em permanecer definitivamente na região, iniciando-se,

assim, um processo de conflito político, militar, econômico, religioso. O objetivo luso era

intervir no comércio espanhol, pois vinha sofrendo duras perdas desde 1640, quando do

término da União Ibérica.14

11 Ânua, segundo FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Dicionário da língua portuguesa – século XXI. São Paulo: Nova Fronteira, 2000. p.157, significa carta-relatório dos sucessos ocorridos durante um ano. Sendo assim, as Cartas Ãnuas dos padres jesuítas seriam relatórios feitos para informar a Congregação Jesuíta sobre os fatos ocorridos no decorrer do ano nas missões ou peregrinações. 12 Antônio Raposo Tavares nasceu em Portugal por volta de 1598, vindo para o Brasil no ano de 1618, pois seu pai era governador da capitania de São Vicente. Iniciou suas expedições, conhecidas como despovoadoras, em 1627, atacando primeiramente Guairá e, em 1636, o Tape. Teve alguns cargos públicos e chefiou a expedição que chegou até o atual estado do Pará, levando três anos para tanto. Faleceu na cidade de São Paulo no ano de 1658. Disponível em: <httpd://www.submarino.net/jubileu/raposo_tavares.htm> Acesso em 26 dez. 2002. 13 Ver mais em QUEVEDO, op. cit. 14 Consultar QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata.

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Desde 1640, o contrabando tivera uma ascensão na região do Prata, onde os

portugueses, através da Colônia do Santíssimo Sacramento, mantinham um intenso comércio

de manufaturas, principalmente inglesas. Isso deixava os espanhóis desgostosos, levando-os,

em conseqüência, em 1680, a atacar o reduto português. Quanto aos índios, acreditavam que a

região pertencia ao s domínios espanhóis e, portanto, ao seu rei. Conforme relata Fernando

Camargo:

O Prata foi, durante todo o período colonial no continente americano, o mais importante ponto de contato entre as colônias espanholas e portuguesas. De fato, os conflitos e os intercâmbios – lícitos e ilícitos – entre essas duas colonizações não foram tão significativos no restante da imensa fronteira entre o Brasil e os virreynatos da América do Sul espanhola, como na bacia do rio da Prata, onde se mostraram inúmeros e constantes.15

Segundo Quevedo e Tamanquevis, “em agosto de 1680, os índios missioneiros

atacaram o reduto, sobrando poucos sobreviventes”.16 Com isso, os portugueses ameaçaram

guerrear com a Espanha, o que resultou no Tratado Provisional de 1681, pelo qual a Colônia

foi devolvida aos portugueses.

A partir da segunda metade do século XVII, as reduções em território sulino estavam

organizadas econômica, política e culturalmente de uma forma independente da espanhola,

iniciando-se um processo cada vez mais intenso de expansão territorial rumo ao sul, como se

verifica pela narrativa de Fernando Camargo:

As reduções, ou missões, de San Luís, San Borja, San Miguel, San Ángel, San Juan, San Lorenzo e San Nicolás se desenvolviam a olhos vistos e se transformavam nas pérolas da experiência missioneira jesuítica. O território básico que ocupavam era delimitado pelos rios Uruguai, Ibicuí e Jacuí, mas suas adjacências se estendiam, através das chamadas estâncias dos povos, até os campos orientais, às proximidades do rio Negro.17

O retorno dos jesuítas à região do Tape em 1682 deu -se, sobretudo, pelas pressões

sofridas a partir da grande procura pelo couro na economia platina. No entanto, o interesse por

este produto, abundante na região ao norte do Prata, também se deu por p arte dos lusos, que já

possuíam um ponto mais ao sul sob seu domínio, a Colônia do Santíssimo Sacramento.

15 CAMARGO, Fernando. O malón de 1801: a guerra das laranjas e suas implicações na América Meridional. Passo Fundo: Clio Livros, 2001. p.12. 16 QUEVEDO; TAMANQUEVIS, Rio Grande do Sul: aspectos da história, p.18. 17 CAMARGO, op. cit., p.61.

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27

Em 1737 foi fundado na região da atual cidade de Rio Grande o forte Jesus Maria

José. A vila de Rio Grande de São Pedro, pode-se dizer, foi o primeiro agrupamento urbano

do Rio Grande do Sul, no qual havia um dos principais meios de ligação com o resto do

continente e com a Europa: o porto. Por esse motivo, a região era o alvo principal de muitos

contrabandistas, que vinham por terra ou por mar e cujo objetivo era transportar suas

mercadorias para outros lugares.

No ano posterior, em 1738, a Coroa portuguesa chegou a criar na vila de Rio Grande a

Comandância Militar do Rio Grande de São Pedro, sediada naquela localidade, mas

subordinada ao comando existente em Santa Catarina, que, por sua vez, obedecia às

determinações provenientes do Rio de Janeiro.Essa medida e a distribuição de sesmarias

próximo a Rio Grande visavam manter o domínio sobre a área. Conforme relata Quevedo, “a

expansão portuguesa preocupava sobremaneira os missionários. Nas correspondências dos

jesuítas da década de 1740, sobressai a preocupação com a presença portuguesa e a missão

dos povoados de defender a fronteira espanhola na Zona do Rio da Prata”.18 Nota-se aí uma

tentativa de os índios criarem uma identidade espanhola para defender os interesses da Coroa,

com ênfase no resguardo da fronteira espanhola.

Segundo Sandra Pesavento, as Missões eram

unidades economicamente desenvolvidas, praticamente autônomas, exportando para a Europa, enviando tributos ao Geral de Companhia, em Roma, com influência política dentro dos Estados Católicos da Europa, a Companhia de Jesus tornou-se pouco a pouco uma ameaça. Generalizou-se o boato de que a ordem jesuíta se constituíra num “Estado dentro do Estado e que os padres estariam com intenção de fundar um ‘Império Teocrático na América’”.19

Contrapondo-se a isso, Mário Maestri afirma, em sua obra, História do Rio Grande do

Sul: a ocupação do território, que

jamais houve projeto jesuítico de construção de um reino teocrático- cristão nas Américas – Império Universal. Após algumas décadas, quando as comunidades nativas estavam estabilizadas, elas transformavam- se em doutrinas, ficando sob a autoridade eclesiástica dos bispos e, portanto, das Coroas Ibéricas, responsáveis pela administração religiosa nas colônias.20

18 QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata, p.152. 19 PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul, p.12. 20 MAESTRI, Uma história do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais, p.61.

Comentário: Tire essas reticências daqui.

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Quevedo afirma, analisando a obra A cristandade colonial: mito e ideologia de

Riolando Azzi, que “a Missão fazia parte do projeto de Cristandade Colonial, no qual o jesuíta

foi o principal artíficie, ao converter o guarani em ‘índio reduzido’ ”21.

No período que compreendeu o final da primeira metade do século XVIII, as

condições de diálogo entre os espanhóis, os luso-brasileiros e os guarani-missioneiros na

região do Prata eram quase insustentáveis, pois “espionagem, táticas, armamentos, avanços,

retrocessos, roubo ou pilhagem de gado, contrabando, eram elementos rotineiros no processo

de expansão e ocupação da região”22.

É importante comentar que o espaço geográfico regional que abrigava os guaranis era

manejável e disperso e foi nele se desenvolveram todos os tipos de relações econômicas,

políticas e sociais dos índios. Na região é que se forma a identidade. E nesta região, foi-se, aos

poucos, transformando a identidade guarani em identidade espanhola pela persuasão da

aculturação empreendida pelos jesuítas. Como se pode observar, conforme comenta Júlio

Quevedo: “[a Coroa] transformou os índios em súditos, agentes e defensores da causa

política.”23

Enquanto, na Europa, os vassalos das Coroas de Portugal e Espanha disputavam as

terras por meio de lutas, nos meios políticos ocorria uma permanente troca de acusações,

motivadas pela expansão ibérica na América, com ocupação de regiões desconhecidas. Para

isso, baseavam-se no Tratado de Tordesilhas, que definia limites de fronteira, embora

ninguém soubesse precisamente onde estavam esses limites. Nesse contexto, os monarcas das

duas Coroas assinaram, em 1750, um novo tratado, com objetivos políticos, econômicos e

geográficos, o Tratado de Madri.24 Conforme Sandra Pesavento, como uma “zona

21 QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata, p.13. 22 QUEVEDO, op. cit., p.157-158. 23 QUEVEDO, op. cit., p.87. 24 O tratado continha três artigos fundamentais para a redefinição do espaço, que objetivavam reduzir o contrabando, criar uma zona neutra e fortalecer o equilíbrio entre as duas nações ibéricas e seus domínios. Ainda segundo o tratado, caberia à Espanha a zona portuária do Prata, enquanto Portugal dominaria o interior e grande parte da hidrografia. O tratado também redimensionou a função e o espaço das Missões na região, inserindo-as na zona neutra como elemento mantenedor da fronteira. O papel beligerante de Sete Povos foi bastante reduzido em função do propalado equilíbrio, sendo entregues aos luso-brasileiros. Ver mais em QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata, p.159.

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economicamente rica e constituindo ameaça política à segurança das monarquias ibéricas, a

região dos Sete Povos foi colocada em pauta nas disposições do Tratado de Madri ”.25

No setor econômico, as Missões possuíam papel importante dentro do Estado

Espanhol na América, pois exportavam grande quantidade de produtos, inclusive para a

Europa. Os índios reduzidos industrializavam a erva-mate e tinham uma colheita farta. Eles

possuíam duas formas de trabalho com a terra: Tupã-baé, que nada mais eram do que as terras

de Deus, onde eles trabalhavam comunitariamente durante um certo período e o que colhiam

revertia para a comunidade; Aban -baé, que eram terras de uso próprio de cada família

indígena, mas que não eram mais bem exploradas em razão da falta de tempo e de energia

suficiente para o trabalho.26 Como todos os outros meios de produção, a terra era da

comunidade, formada pelos padres, pelos representantes da Coroa e de Deus. Os índios, por

conseqüência, defendiam esta terra e a bandeira castelhana.

Outro processo econômico que teve grande expansão em virtude das Missões foi a

criação de gado, que havia sido trazido já em 1555 pelos irmãos Góis e que, posteriormente,

foi conduzido até o Peru. Em 1634, quando da primeira tentativa de redução dos índios, os

jesuítas trouxeram o gado da outra margem do rio Uruguai, o qual, quanto de seu retorno para

lá, ficou solto, tornando-se mais tarde o principal atrativo para os bandeirantes de São Paulo e

espanhóis da região do Prata.

Politicamente, os indígenas reduzidos estavam organizados de uma forma que os

convencesse de que realmente participavam da administração das reduções, pois, segundo

Júlio Quevedo, “a Missão representava a ampliação política do Estado espanhol na Zona do

Prata, avançando até onde o governo não conseguia chegar”27.

Ana Luiza Reckziegel registra que

o fato de o território sulino não mostrar maior atrativo econômico, que tornasse possível o seu enquadramento nos moldes mercantilistas adotados pela economia da época, e a sua própria distância física do centro administrativo da colônia confinaram-no a um isolamento que só seria rompido mais de dois séculos depois de 1500.

25 Para ver mais PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul. 26 Conforme QUEVEDO; TAMANQUEVIS, História do Rio Grande do Sul: aspectos da história. 27 QUEVEDO, op. cit., p.103.

Comentário: Que fazem esses colchetes aqui?

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Se o Rio Grande do Sul não atraiu, nos primeiros tempos, o olhar do colonizador, logo depois, colocar-se-ia numa posição de importância, se não econômico-política, pelo menos estratégico- militar.28

A partir daí, como já se viu, o principal objetivo dos portugueses passou a ser a

conquista das terras que levassem até a região do Prata, justificando -se através do uti

possidetis da terra. No momento em que isso ocorresse,

a região sulina iria adquirir relativo significado econômico em decorrência das necessidades do centro do país durante o período minerador, especificamente no que tangia à apropriação do gado, que serviria de alimento e meio de transporte para aquela zona; também no que se referia à estreita vigilância sobre a atividade comercial desenvolvida pelo porto de Buenos Aires, que resultou na fundação da Colônia do Sacramento, ponta-de-lança das ambições portuguesas sobre a bacia do Prata.29

Entretanto, com o início da demarcação das terras que estavam sendo passadas para o

domínio português, os índios reduzidos nas Missões revoltaram-se. Esse fato acabou gerando

a Guerra Guaranítica, que se iniciou em 1754 e acabou com o combate de São Miguel, onde

os índios foram massacrados e derrotados pelos portugueses em 1856.

Em 1760, pela necessidade de conceder maior poder de decisão e autonomia, foi

criada a Capitania do Rio Grande de São Pedro, com sede em Rio Grande, mas ainda

subordinada ao Rio de Janeiro. E em 1761, foi assinado entre Portugal e Espanha o Tratado de

El Pardo, que não anulava completamente o de Madrid, mas devolvia as Missões Jesuíticas ao

domínio espanhol e a Colônia do Sacramento, a Portugal.

Em virtude da guerra dos sete anos na Europa, as Coroas Ibéricas novamente se

atacavam na América. Mesmo com a paz, pelo menos provisoriamente na Europa, em 1777 a

terceira ofensiva castelhana, que tomou a Ilha de Santa Catarina e novamente ficou de posse

da Colônia de Sacramento, levou a que fosse assinado um novo Tratado em 1777, o de Santo

Ildefonso. O tratado tinha por objetivo a troca das Missões e da Colônia do Sacramento pela

Ilha de Santa Catarina, bem como a renúncia à navegação nos rios da Prata e Uruguai por

parte de Portugal. Foi definida, a partir de então, uma faixa de terra na divisa das duas

fronteiras, entre a lagoa Mirim, lagoa Mangueira e a costa atlântica, como terras neutras, não

pertencentes a nenhuma das Coroas. No entanto, os “Campos Neutrais”, como ficaram

28 RECKZIEGEL, Ana Luiza Gobbi Setti. A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai (1893-1904). Passo Fundo: Ediupf, 1999. p.13. 29 RECKZIEGEL, op. cit., p.13.

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conhecidas tais terras, serviram como uma das principais rotas de contrabando entre o Rio

Grande do Sul e a Banda Oriental.30

Fonte: LAZAROTTO, Danilo. História do Rio Grande do Sul in: PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul, p.25. Figura 2 : Mapa do Rio Grande de São Pedro com as divisões do Tratado de Madri e Santo Ildefonso.

Até 1801, o Rio Grande de São Pedro ficou,portanto, praticamente rasgado ao meio,

com as Missões sob o domínio e governo espanhol leigo. Pelas considerações de Thomas

Whigham pode-se ter uma idéia de como se desenvolveu a política do governo espanhol nas

Missões:

After the jesuits departed, the mission region passed into the hands of Royal agents, an arrangement that theorecally safeguarded the interests of the Indians. In fact, the new administrators systematically looted the missions and, with the help of Correntino profiteers, reduced the Guaraní population to little better than slaves. The Spaniard’s singleminded pursuit of profits from yerba production meant the neglect of subsistence agriculture, leaving the Indians chronically malnourished. The secular authorities within the Upper Plata showed little concern; in some cases, they even disregarded the Indian’s need for clothing. Writing in 1799, Félix de Azara commented, “I believe I can positively say that not a single pueblo has been given a

30 Ver em PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul.

Comentário: Mesmo caso anterior. Acho desnecessário esse mapa.

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32

complete set of clothing, not even once, since the expulsion of the Jesuits, and I emphasize… that I do not exaggerate”.31

No caso do Rio Grande do Sul, reforçou-se a mercantilização da economia gaúcha

com o fortalecimento das estâncias produtoras de charque somente a partir de 1810, a partir

de quando , “a indústria do charque gaúcho adquire grandes proporções devido à

impossibilidade da indústria platina, de carne seca, atender ao mercado consumidor.”32

No ano de 1801, os portugueses, tendo à frente o estancieiro Manuel dos Santos

Pedroso, juntamente com José Borges do Canto e mais alguns homens, conquistaram as

Missões orientais , o que levou a que começasse a se definir a fronteira oeste do Rio Grande

do Sul. Segundo Fernando Camargo:

A tomada do Povo de São Borja encerrou o capítulo da tomadas das Missões

pelas armas portuguesas. Excetuando- se momentos nos quais os espanhóis intentaram forçar os passos do rio Uruguai, tendo sido repelidos em todas as tentativas. Uma partida portuguesa ousou ainda, dia 19 de novembro de 1801, cruzar o rio, atacando e saqueando o povoado de São Lucas da Concepção.33

A dominação portuguesa só foi possível em razão da vontade dos indígenas de se

submeterem à Coroa portuguesa, ou melhor, à indiferença desses diante do acontecido,

excetuando-se algum caso mais específico, pois não houve qualquer reação contrária. A partir

de então, houve vários confrontos entre portugueses e espanhóis para manterem sua soberania

sobre tal território. No entanto, no final de novembro de 1801, os luso-brasileiros deram um

aviso ao vice-rei de Buenos Aires, marquês de Sobremonte, afirmando terem recebido

notícias do Tratado de Paz de Badajós, no qual se assegurariam as possessões e cessaria o

fogo. Mais tarde, Sobremonte receberia determinações de Buenos Aires confirmando tal ação.

31 Quer dizer que, “após os Jesuítas terem sido deportados, a região das missões passou para as mãos dos agentes reais espanhóis, em um arranjo que teoricamente resguardaria os interesses dos índios. Realmente, os novos administradores sistematicamente saquearam as missões e, com a ajuda de aproveitadores Correntinos, reduziram os Guaranis à uma população pouco melhor que de escravos. Os espanhóis, decididamente buscavam a lucratividade com a produção da yerba negligenciando a agricultura de subsistência, deixando os índios cronicamente subnutridos. As autoridades leigas dentro do Prata Superior mostraram pouco interesse; em alguns casos, eles até desconsideravam a necessidade de vestimenta para os indígenas. Escrevendo em 1799, Felix de Azara comenta, ‘Eu creio positivamente em dizer que uma única peça de vestuário foi dada a um indivíduo deste pueblo , desde a expulsão dos jesuítas, e eu enfatizo... não estou exagerando’.” WRIGHAM, Thomas. The politics of river trade: tradition and development in the Upper Plata, 1780-1870. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1991. p.111-112. 32 SILVA, Edmar Manique da. Ligações externas da economia gaúcha (1736-1890) in: DACANAL, Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Org.). RS: economia e política. 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. p.59. 33 CAMARGO, O malón de 1801: a guerra das laranjas e suas implicações na América Meridional, p.132.

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33

É importante salientar que, no Tratado de Paz de Badajós, não se comentara em parte

alguma sobre as questões referentes à América Meridional, e, sim, sobre as fronteiras luso -

espanholas na Europa. As fronteiras luso-brasileiras e hispano -platinas, como a divisa com o

Uruguai, só começaram a ser definidas com os tratados de limites de 1851. Portanto, pode-se

concluir que

talvez a explicação do malón de 1801 resida não somente neste ou naquele argumento, mas no conjunto de expectativas individuais e coletivas que calavam fundo no espírito e nas necessidades dos homens e mulheres que se envolveram diretamente nos acontecimentos, as quais deviam ser as mais variadas e díspares, sem contudo, impedir que possamos efetuar uma aproximação histórica, no sentido de construir um quadro panorâmico e compreensível, a partir dos elementos de análise e interpretação que dispomos.34

Cabe se fazer uma ressalva neste ponto para entender-se o que seria o malón, a fim de

elucidar a questão, que envolve os acordos de fronteiras e a situação beligerante que era

constantemente verificada na região Platina. Esse fato foi marcado, primordialmente, pela

relação entre as coroas ibéricas na região Platina, relacionado diretamente à guerra das

Laranjas que ocorria na Europa. Dessa forma, um grupo de luso-brasileiros, composto

principalmente de contrabandistas e desertores e, dentre eles Manoel dos Santos Pedroso, José

Borges do Canto e Gabriel Ribeiro de Almeida se propôs a retomar a posse dos Sete Povos da

Missões para a coroa portuguesa. Esse ato foi citado na literatura da área como um levante de

maloqueiros, bandoleiros, portanto, um malón.35A partir daí, as disputas territoriais foram

marcadas por discussões, sobretudo diplomáticas, sobre quem deveria ter direito às terras, até

que se entrasse em acordo através de um tratado de paz.

Ve-se, entretanto, que estão intrinsecamente ligados os interesses daqueles bandoleiros

e os benefícios que a coroa concedia nessa região, principalmente a doação de sesmarias que

teve grande procura, também, por parte de estancieiros do centro do país, militares e

funcionários do Império que buscavam uma propriedade onde pudessem desenvolver alguma

atividade capitalista. Inicialmente, essas atividades não fugiram do modelo já consagrado

pelos jesuítas na região sul: a criação do gado e a produção de alguns produtos de consumo

alto como a erva-mate.

34 CAMARGO, O malón de 1801: a guerra das laranjas e suas implicações na América Meridional, p.149. 35 CAMARGO, op. cit. p.12-13.

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34

2. AS PRIMEIRAS CONCESSÕES DE TERRAS NA REGIÃO DE URUGUAIANA

É a partir da doação de sesmarias36 na região de Uruguaiana que se começa a analisar

todo o processo de formação das estâncias, da cidade e, conseqüentemente, da sua economia,

já que esta deriva de uma condição basicamente pastoril, relacionada, portanto, diretamente à

primeira.

Embora esse espaço trabalhado a partir da doação das sesmarias já tivesse sido

ocupado pelos índios37 que habitavam os campos, mesmo que de uma forma muito esparsa,

neste capítulo, procura-se verificar os principais pontos relacionados com as terras doadas

nesta região. Mesmo tendo já uma dominação territorial primordialmente portuguesa, a região

continuou até meados da década de 50 do século XIX sob a ameaça de invasões castelhanas

provindas do país vizinho, pois não havia nenhuma cláusula, em tratado algum, que

delimitasse a fronteira entre a província de São Pedro do Rio Grande do Sul e a Argentina,

nem com o Uruguai.

36 “Terrenos inclusos ou abandonados, entregues pela monarquia portuguesa, desde o século XIII, às pessoas que se comprometiam a coloniza-los [...] Uma sesmaria media em regra, cerca de 6.500m². Instituídas no período medieval, as sesmarias projetaram-se para o período moderno, sendo transplantadas para as terras portuguesas de ultramar, inclusive o Brasil. Aqui elas assumiram feição peculiar, transformando-se em grandes latifúndios, reflexo de doações generosas da monarquia portuguesa.” Ver AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. São Paulo: Nova Fronteira, 1990. p.358. 37 Nesta região do Rio Grande do Sul, entre o Planalto Médio e a região do Prata, em direção mais a oeste, encontravam-se principalmente os índios charruas, sendo que também se encontravam mais ao sul e a leste os minuanos e, mais ao norte, os guaranis, como se pode ver nas palavras de Arno Kern: “Os Guaranis, [...] desceram da Amazônia para o sul, pelos caminhos hidrográficos da bacia platina, Instalaram-se desde o sul do Mato Grosso e do Trópico de Capricórnio, até a foz do rio da Prata, ocupando ainda o litoral sul- brasileiro. Deixaram intocadas, entretanto, as alturas do planalto meridional e o pampa.” Ver mais em KERN, Arno Alvarez. Antecedentes indígenas. 2.ed. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1998.

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35

Um exemplo da invasão espanhola neste “território de ninguém”38 foi o incêndio

provocado na região da Capela Queimada, na costa do Inhanduí, atual município de Alegrete,

que, na época (1816), não passava de um distrito de Cachoeira. Nessa localidade Andresito

Artigas mandou queimar a Capela de Nossa Senhora da Conceição Aparecida do Alegrete.39

A Coroa portuguesa começou a doar terras, através dos seus governadores nesse

território de São Pedro, para militares, em sua maioria, e até mesmo estancieiros que já

viviam na região oeste, mas sem nenhum documento oficial de propriedade. A partir de 1814,

iniciou-se o processo de concessões de terras na região onde hoje se encontra o município de

Uruguaiana, através do regime de sesmarias.

A distribuição de sesmarias deu origem aos latifúndios, ou seja, grandes extensões de

terra pertencentes a apenas um proprietário. Segundo Pedro Fonseca, “a grande propriedade

não é apenas características da fronteira; de certo modo, é um elemento da própria economia

pecuária”. 40 Portanto, a região, no período, tinha a sua economia voltada à pecuária, com

grandes propriedades dedicando -se à criação de gado.

O povoamento da região da campanha deu-se pela necessidade de fixação de território,

com a distribuição de grandes extensões de terras voltadas para a criação do gado. Roche

relata a respeito:

A formação de uma sociedade essencialmente rural teve por base a

apropriação da terra, que se realizou no Rio Grande, como no resto do país, sob o regime de latifúndios. A unidade de medida era a légua de sesmaria (43 quilômetros quadrados), e as primeiras concessões de terra foram, em média, de 129 quilômetros quadrados cada uma.41

A região em estudo era composta por campos extensos com pouco povoamento e não

havia um exército para defesa dos limites de fronteira, o que facilitava as freqüentes invasões

dos castelhanos. A fronteira apresenta-se, assim, como uma representação dos sesmeiros, da

ocupação da terra pela distribuição das sesmarias, as quais, ao mesmo tempo, serviam para

38 PONT, Raul. Campos realengos: formação da fonteira sudoeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Renascença, 1983. v.II, p.556. 39 Conforme TRINDADE, Miguel Jacques. Alegrete: do século XVII ao século XX. Porto Alegre: Movimento, 1985. v.I. 40 FONSECA, Pedro C. Dutra. RS: economia e conflitos políticos na república velha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. p.51. 41 FONSECA, op. cit., p.51.

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ocupar e para policiar e apoiar os postos das guardas portuguesas que se deslocavam

freqüentemente pelas áreas de fronteira. Portanto, “em breve, as sesmarias teriam os desígnios

de promoverem a fixação dos gaudérios com os primeiros arranchamentos e fogões, que de

logo evoluíram para as primeiras estâncias”.42

O povoamento da região da campanha ocorreu à medida que se alastravam pelo pampa

e pelo Brasil as notícias da possibilidade da riqueza pastoril, e da necessidade dos

“candidatos” a sesmeiro terem espírito aventureiro, em virtude da localização das sesmarias,

as quais exigiam, em certos momentos, que fosse montada na propriedade uma guarda

particular para defesa de seus interesses e da própria vida. Segundo Raul Pont, “a concessão

de sesmarias poderia ser um prêmio ou merecido galardão. Entretanto o domínio e a posse da

área pretendida exigiam muitas vezes o sacrifício da própria vida”.43 Logo,

as sesmarias cobriram as áreas conquistadas, chegando sofregamente até novas divisa políticas. Reduzindo o bandoleirismo que aí reinava, os nossos campeiros tinham seus movimentos limitados pela presença dominadora da estância, que do topo das coxilhas podiam esquadrinhar profundamente o horizonte em derredor.44

Só a partir de Lei de Terras de 185045 é que as terras devolutas passaram a ter um

caráter legal, conforme o artigo nº 3, parágrafo 1 a 4, que dizia o seguinte:

1) – as que não se achassem aplicadas a algum uso publico, nacional, provincial ou municipal; 2) – as que não se achassem no domínio particular por titulo legitimo, nem fossem havidas por sesmarias ou outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura; 3) – as que não se achassem dadas por sesmarias ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em comisso, fossem revalidadas por aquela lei; 4) – as que não se achassem ocupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, fossem legitimadas por aquela lei.4 6

A aquisição dessas terras devolutas era facilitada para aqu eles que já possuíssem

terras, denotando uma exclusão dos que as não possuíam, de renda muito baixa ou quase nula,

conforme se pode constatar pelo artigo nº 15 da Lei de Terras:

42 PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste o Rio Grande do Sul, v.2, p.557. 43 PONT, op. cit., v.2, p.556. 44 PONT, op. cit., v.2, p.557. 45 Ver “Lei de Terras”em Texto completo da Lei de Terra de 1850. Disponível em: <http://www.webhistoria.com.br/lei1850.html> Acesso em: 18 fev. 2002. 46 Ver “Lei de Terras”, op. cit. Acesso em: 18 fev. 2002.

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Art. 15. Os possuidores de terra de cultura e criação, qualquer que seja o título de sua aquisição, terão preferência na compra das terras devolutas que lhes forem contíguas, com tanto que mostrem pelo estado da sua lavoura ou criação, que tem os meios necessários para aproveitá-las.47

No início do século XIX, não havia ainda as cercas de arame que hoje servem para

delimitar as estâncias; portanto, as sesmarias se situavam, para sua melhor identificação, entre

acidentes geográficos, como rios, arroios, matas, coxilhas, etc. Com os escravos, foram sendo

construídas as cercas de pedra, ainda existentes na região da Campanha para limitar as

sesmarias. Este trabalho de demarcação ficava a cargo do proprietário, que, para isso,

contratava os “pilotos”, os quais utilizavam para a medição elementos como o palmo 48, a

braça49 e a corda50.

Fonte: Acervo Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. RP/GAV.06, nº 70. Figura 3: Foto de cerca de pedra da região.

Algumas disposições referentes às doações de terras e sesmarias que ainda tinham

caráter português foram a base para a formulação de normas e providências, mesmo tendo

caráter isolado, criadas e dispostas no alvará de 5 de outubro de 1795 para regulamentar o 47 Ver “Lei de Terras” em Texto completo da Lei de Terra de 1850. Disponível em: <http://www.webhistoria.com.br/lei1850.html> Acesso em: 18 fev. 2002. 48 Cada palmo equivalia a 22 cm. 49 Cinco palmos formavam uma vara e, por sua vez, duas varas formavam uma braça. 50 Duas braças, que equivaliam juntas a 110m, formavam a corda, que foi largamente empregada nas medições de sesmarias pelos agrimensores da época.

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regime de sesmarias no Brasil. Ao ler duas cartas de doações de sesmaria datadas de 1799 e

1802, percebe-se que as determinações do alvará de 1795 eram nelas expressas, como o

trecho que se transcreve a seguir:

Fonte: Acervo Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. RP/GAV.4, Pasta nº 49-Doc. nº 2. Figura 4: Cópia (frente) escaneada da Carta de Doação de Sesmarias feita pelo conde de Rezende a Timóteo Lemes do Amaral, datada de 1799, pela qual são doadas as terras onde hoje, pela localização aproximada, está a cidade de São Gabriel.

Me pediu em fim lhe fizesse Mercê conceder-lhe de Sesmaria, e sendo visto o seu Requerimento e a Informação que a Câmara de Porto Alegre que declarou terem os mesmos Campos no seu maior comprimento pouco mais de duas legoas, e de largo empartes legoas e quarto com o que se confirma o Provedor da Real Fazenda daquelle Continente, nao tendo duvida alguma, o Tenente General Governador do mesmo. Hay por bem dar de Sesmaria [...] em virtude da ordem [...] na parte acima referida admençoens e confrontaçoens e prevada de prejuízo de terceiro ou de direito que alguma pessôa tenha nelles, com declaração que os cultivará, e mandará confirmar esta Minha Carta por S. Mag. Dentro de dois annos e não o fazendo lhe

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denegará mais tempo, e antes de tomar posse delles, os farei medir, e demarcar judicialmente, sendo para este effeito notificadas as pessoas com quem confrontar [...]51

No trecho transcrito, observa-se a preocupação de não prejudicar terceiros que,

porventura, estivessem usufruindo da terra, pois fora verificado na Câmara de Porto Alegre

que eram devolutas, bem como a confirmação da carta pelo Co nselho Ultramarino,

personificado no rei de Portugal, e a medição das ditas terras, que deveria ser feita a cargo do

sesmeiro. Estes três itens constam da provisão de 1795.

Fonte: Acervo Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. RP/GAV.4, Pasta nº 49-Doc. nº 2.

51 Transcrição da Carta original datada de 1799, como pedido de sesmaria deferido a Timóteo Lemes do Amaral pelo conde de Rezende. Acervo Sala Raul Pont, Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. RP/GAV4; Pasta nº 49, nº 2.

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Figura 5: Cópia (verso) escaneada da Carta de Doação de Sesmarias feita pelo Conde de Rezende a Timóteo Lemes do Amaral datada de 1799.

Assim também, havia a recomendação de não poder haver nas sesmarias religiões,

proibição de 26 de junho de 1711, e de deverem ficar as madeiras e paus-reais livres para o

real serviço, como se lê neste trecho:

[...] e nesta Datta não poderá suceder em tempo algum pessoa Ecclesiastica,

ou Relligiao, e succedendo, terá com o encargo de pagar Dízimos, e outro qualquer que Sua Magestade lhes impuzer de novo, e não o fazendo se-poderá dar aquém a denomeiar: e outro sim sendo o Mesmo Senhor a servida mandar fundar no districto della alguâ villa, e poderá fazer, ficando livre, e sem encargo algum, ou penção para o sesmeiro: e não compreenderá esta Datta vicinos, ou Minas de qualquer genero de Metal, que nella se descobrir, Reservando igualmente os Paus Reaes; e faltando a qualquer da ditas clauzulas, por serem conformes as ordens de Sua Magestade em que dispoem a Lei Foral das Sesmarias, ficará privado desta.52

Em 17 de julho de 1822, foi extinta a cessão de direitos sobre as terras por meio de

sesmarias, mas se autorizava a simples possessão das terras devolutas para cultivá-las. É

importante ressaltar que, diferentemente da occupatio romana, como comenta Ruy Cirne

Lima, a forma de ocupação desenvolvida a partir de 1822 era de “posse com cultura

efetiva”,53 o que não caracterizava a primeira, que era meramente a aquisição do domínio 54.

Esse tipo de ocupação auxiliou o pequeno agricultor a possuir terras sob seu jugo, coisa que

dantes as sesmarias oportunizavam apenas aos que tinham um status social perante o governo

provincial, que cedia as terras nessas condições.

É certo que as sesmarias, com suas imensas medid as, iniciaram a formação dos

grandes latifúndios no Brasil, no entanto as possessões, com o tempo, foram se tornando ainda

mais extensas: “A tendência para a grande propriedade estava já definitivamente arraigada na

psicologia da nossa gente.”55

52 Transcrição da carta de confirmação de doação de sesmaria datada de 1802. Acervo sala Raul Pont. Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. 53 Ver mais definições em LIMA, Ruy Cirne Lima. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4.ed. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1990. p.53. 54 Aqui se abre um parêntese para explicar a palavra “domínio”, que, no texto, foi utilizada para designar o sistema econômico medieval caracterizado pela divisão da grande propriedade rural, que era dividido em duas partes: a reserva e o manso. Era praticamente uma empresa econômica, em que a mão-de-obra era proveniente dos mansos. Cf. AZEVEDO, Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos, p.142. 55 AZEVEDO, op. cit., p.58.

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Não é errôneo afirmar que essas terras “possuídas” passaram a ser irregulares, pois não

havia nenhuma forma de registro das mesmas, o que aumentou a falsificação de documentos

quando de seu registro, a partir de 1850. Iniciou-se, então, uma forma de comercialização fora

da lei, pela qual essas terras cada vez mais foram sendo negociadas e vendidas a outrem,

criando -se uma grande rede econômica e social em volta disso.

Em 18 de setembro de 1850, no entanto, entrou em vigor a lei nº 601, que previa a

condição criminal aos danos contra a propriedade, bem como diferenciação do domínio

privado do público, numa tentativa, também, de fazer a efetiva legalização de tais terras.

Como relata Ruy Cirne Lima,

[...] as sesmarias de qualquer maneira invalidadas foram tornadas suscetíveis

de revalidação, bem como as posses ainda não legitimamente transmitidas forma declaradas legitimáveis, desde que umas e outras preenchessem os requisitos de cultura efetiva e morada habitual.56

Essa “Lei de Terras”, como ficou conhecida a lei nº 601, tinha claros objetivos de

estabelecer uma forma de controlar as formas de apropriação das terras do Estado brasileiro.

No entanto, as maneiras pelas quais as terras foram adquiridas anteriormente a esta lei

levaram a que vários problemas, sobretudo a falsificação de documentos, ocorresse para que

se procedesse à legitimação das terras, tanto para os posseiros quanto para os sesmeiros. Esse

fato pode ser corroborado pela citação de José de Souza Martins, reproduzida por Paulo Zarth:

“Uma verdadeira indústria de falsificação de títulos de propriedade sempre datadas da época

anterior ao registro paroquial, registradas em cartórios oficiais geralmente mediante suborno

dos escrivães e notários[...].”57

É importante notar uma diferença que foi exposta po r Paulo Zarth, o qual comenta

que, “no Sul do Brasil, diferentemente de São Paulo, a questão da terra tinha outro

caráter[...]”58. Isso porque em São Paulo, os interesses referentes à questão das terras vinham

de uma classe latifundiária muito forte, com plenos poderes no Império, que eram os

cafeicultores. Esses começaram a procurar a mão-de-obra estrangeira devido à Lei Euzébio de

Queiroz, que proibia o tráfico negreiro.

56 LIMA, Sesmarias e terras devolutas: (parecer). p.31-32. 57 MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Hucitec, 1981. apud ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto gaúcho: (1850- 1920). Ijuí: Unijuí, 1997. p.75. 58 ZARTH, op. cit., p.71.

Comentário: “Confimardo” é uma palabra forte demais.

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Já, no Rio Grande do Sul, os estancieiros não tinham problema de escassez de

mão-de-obra, pois a pecuária, principal atividade econômica gaúcha, não necessitava

de muitos escravos. A imigração no Sul também forma questão à parte em razão do

seu caráter defensor e colonizador, não explorador. No entanto, deve-se fazer uma

ressalva aqui quando se fala do escravo no Rio Grande do Sul, que, ao contrário do

que pensam muitos historiadores tradicionais, não foi beneficiado por uma escravidão

atípica. Nas atividades voltadas à pecuária, predominante em Uruguaiana, e também

nas atividades urbanas, o escravo foi utilizado como uma mercadoria e, portanto, não

poderia dar prejuízo ao seu proprietário. Para isso, foi criada uma série de aparatos

legais, dentre os quais as Posturas Municipais, como forma de regulamentação das leis

e repressão a uma cultura negra. Também se podem citar todos os tipos de “aparelhos”

existentes nas estâncias e nas cidades utilizados para a repressão.

Um problema que se tornava constante e que causava indignação aos senhores donos

de terras era a fuga de escravos, visto qu e eram a única mão-de-obra disponível em algumas

regiões da província e do Império. Em uma das correspondências localizadas trocadas entre a

Câmara de Uruguaiana e a Presidência da província, encontrou-se uma medida adotada por

esta para evitar as perdas de escravos que fugiam para os países vizinhos, especialmente para

o Estado Oriental. No documento lê-se o seguinte:

Nº1 – Illm.º Ex.mo Snr. = A Camara Municipal desta Villa tem a honra acuzar

a recepção do officio em circular de 27 de novembro do anno passado, em que expressa V.Ex.ª ter reclamado ao Gov.º Imperial o perjuizo que resulta aos Brazileiros Fazendeiros da Fronteira, da fuga de escravos de sua propriedade para o Estado Oriental, e adificuldade de as reclamar das Authoridades daquelle mesmo Estado; e que em consequencia lhe fora comonicado pela Secretaria de Estado de Negocios Estrangeiros em 11 do mesmo mez de Novembro, que para reclamar das authoridades daquella Republica á sua entrega se faz preciso que os respectivos Senhores a quem compete esta reclamação juntem aos seus requirimentos justificações authenticas e circunstanciadas da maneira que passaram ao mesmo Estado: A que em cumprimento da citada ordem de V.Ex.ª se fez conetar[?] em todo o Municipio, tanto por editaes, como transmitindo esta resolução aos respectivos juizes de paz do 2º e 3º Districto para seu devido andamento. Deos Guarde a V.Exª Paço da Camara Municipal da Villa Uruguayanna em Sessão Extraordinaria de 19 de Fevereiro de 1848. = Ilm.º Ex.mo Snr. Conselheiro Manoel Antonio Galvão, presidente da Provincia = Manoel Doria da Luz = Fortunato Francisco da Silva = Jose Marques Vianna = Jose Pereira da Silva = Manoel Pinto de Faria = Zeferino Nolasco Rodrigues Paz = Jose Caetano de Mello. 59

59 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros de Correspondências (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.67-67v.

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Assim se seguem as correspondências com a Presidência da província sobre o assunto,

tendo sido a citação transcrita a resposta da Câmara em relação a um problema local. O fato

de os vereadores da Câmara de Uruguaiana serem, em sua maioria, estancieiros, acarretava

que se preocupassem, sobremaneira, com a fuga dos escravos, como vemos nesta transcrição:

Nº 3 _ Illmo e Ex. mo Snr. = A Camara Municipal desta Villa, respeitosamente

faz presente a V.Ex.ª que na circular de 27 de Novembro do anno passado que leva contestada esta Camara não se achar comprehendida a fuga de escravos para o Estado vezinho de Corrientes, que por sua proximidade e falta de Brazileiros por alli não se pode saber por onde estão os muitos escravos fugados para aquella Provincia, por que não para o centro d’ella, e mesmo que não atenderião aquellas authoridades reclamação alguma não sendo esta da Authoridade superior d’esta Provincia, o que esta Camara poem em conhecim. to de V.Ex.ª como medida que pode ter lugar se V.Ex.ª assim o julga. [...] Paço da Camara Municipal da Villa de Uruguayanna em Sessão Extraordinaria de 19 de Fevereiro de 1848.60

A documentação arrolada no Centro Cultural de Uruguaiana com referência às fugas e

processos-crimes deixa claro que os negros também no estado sulino viveram sob um regime

de austeridade. Na vila de Uruguaiana encontravam-se escravos urbanos executando serviços

domésticos e, mais tarde, como escravos de “ganho” e de “aluguel”, que desempenharam

papel fundamental no processo de desenvolvimento da cidade.

Pode-se perceber também que, em Uruguaiana, eram atribuídos muitos defeitos aos

negros para justificar os castigos e punições a que se submetiam, associando-se a cor negra à

inferioridade de raça; logo, incutia-se no povo negro a péssima visão de si mesmo. Deixa-se

claro, portanto, que a n ão-necessidade de mão-de-obra escrava traria, conseqüentemente, uma

amenização das formas como a escravidão era praticada.

O governo do Rio Grande do Sul, na época, dava subsídios para a instalação de

colonizadores estrangeiros e empresários em determinadas regiões do estado, continuando,

legalmente, a doar terras para o estabelecimento desses cidadãos. Isso já não ocorria em São

Paulo, onde a massa estrangeira vinda para trabalhar nas lavouras de café era assalariada e

não recebia terras, justamente para não poder iniciar uma economia paralela à do café.61

Portanto, para se ter uma idéia do que foi a Lei de Terras de 1850, deve-se levar em

consideração as diferenças regionais que a história revela, relativas à economia, à distribuição

populacional e à mão-de-obra.

60 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.67v-68. 61 Verificar em ZARTH, História agrária do Planalto gaúcho.

Comentário: É proibido usar “etc.”

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Como se comentou anteriormente, a partir da segunda década do século XIX, foram

doadas várias sesmarias na região de Uruguaiana, no período entre 1814 até 1855, das quais a

primeira foi concedida a Antonio Silveira de Souza por Dom Diogo de So uza. Essa concessão

tinha “uma légua de frente por três de fundos localizada ao norte com o rio Ibicuí; pelo sul

com o arroio Ibirocai; pelo oeste com os fundos do rincão onde se encontra o Ibirocai com o

Ibicuí”,62 conforme descrição da Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul de 1921 e

de 1928. Também houve a sesmaria concedida a Joaquim Antônio de Alencastre pelo

marquês de Alegrete, em 1815, localizada

[...] na costa oriental do Uruguai, e que confronta: ao Norte com o arroio Guarapuitã, que deságua no Uruguai e divide o campo de Sant’Anna; ao Sul com uma vertente, a qual, nascendo da cochilha, vai ao citado rio, na parte onde existem uns salsos e, daí para baixo, uns matos; a Leste com a cochilha, onde se formam vertentes do rio Quaraí, e a Oeste com o mesmo Uruguai.63

O cel. Joaquim de Alencastre, cognominado por Raul Pont como o “sesmeiro

brigadeiro Comandante da Fronteira”,64 acampava na desembocadura do arroio Guarapuitã

com o rio Uruguai com o seu agrupamento militar e executava suas operações militares de

defesa de fronteira. Esse local era mais seguro para a travessia do rio Uruguai na fronteira

entre o Rio Grande e a Argentina, razão pela qual era necessária uma guarda militar para sua

defesa, que deu origem, mais tarde, aos primeiros arranchamentos relatados por Saint-Hilaire

em 1821, na então chamada Povoação de Santana, no Passo de Santana, antes denominado

Rincão de São Joaquim pelos tropeiros que circulavam por esta região.

Em 1º de fevereiro de 1821, nas margens do Arroio Guarapuitã (até hoje conhecido

por este nome), Saint-Hilaire iria encontrar alguns acampamentos, como se pode perceber

neste trecho por ele escrito:

Prosseguindo a caminhada, deparamos um pequeno curral e alguns

homens que, com a nossa presença, esconderam-se entre as árvores. Meus empregados deduziram logo serem insurretos espanhóis; mas, não entendendo porque teriam vindo estabelecer-se nesses desertos, pensei que poderiam ser antes alguns índios refugiados recentemente desse lado do rio Uruguai”.65

62 Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul de 1921 a 1928. nº 04; fol.178v.; p.141. 63 Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul de 1921 a 1928. nº 10; fol.179; p.154. 64 PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. v.2, p.575. 65 SAINT -HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Trad. Adroaldo Mesquita da Costa. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997. p.240.

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Entretanto, como afirmava o próprio Saint-Hilaire:

Demos com o curral e algumas barracas, mas ninguém apareceu. Soube

pelo vaqueano, chegado ontem à noite, que era este o local da guarda, mas, provavelmente, ela fôra retirada; ninguém se apresentou à nossa aproximação e, como eu previra, alguns índios tomaram o lugar dos soldados.”66

Tendo sido essa a localização da guarda de Sant’Ana, acredita-se que a povoação que

ali se desenvolveu deu origem à vila e, depois, à cidade de Uruguaiana, transferida para o

local atual em 1843. A partir da formação da vila de Uruguaiana é que se teve o

estabelecimento das instituições políticas, econômicas e sociais neste novo porto farroupilha.

A Câmara Municipal, por exemplo, foi instalada no ano seguinte à sua elevação à vila, em

1847.

Durante todo o tempo em que estavam sendo feitas as tratativas para definir onde seria

estabelecida a nova povoação, tanto os farroupilhas quanto os imperialistas já haviam entrado

em negociações com os países vizinhos, Uruguai e Argentina, por diversas vezes para se

estabelecer as fronteiras entre os três países. No entanto, em 1843, não havia ainda sido

conseguida a demarcação das fronteiras sulinas. Conforme Fernando Gil: “Entende-se por

demarcação a fixação de domínios diferenciados do conhecimento [...] e a demarcação

explicita-se através do que é o seu conteúdo, quer dizer pela identificação dos domínios do

conhecimento.”67 No entanto, a definição inicial desse espaço fronteiriço ocorreu,

inicialmente, a partir da fronteira política e, “mais exactamente, a versão que dela então

propõe o Estado -Nação.”68

A partir da Revolução de 1810, quando houve a invasão das missões pelos vizinhos

castelhanos, numa tentativa de recuperar essa porção do território que estava nas mãos do

Império brasileiro, o gov erno do Rio de Janeiro preocupou -se em relação às fronteiras na

região. Dessa forma, criou-se na fronteira oeste uma guarnição para proteger os interesses do

Império, tanto na região de Bagé quanto em Alegrete, no Acampamento de São Diogo e,

posteriormente, em Santana Velha.

66 SAINT -HILAIRE, op. cit., p.240. 67 GIL, Fernando apud MARTINS, Rui Cunha. Fronteira, referencialidade e visibilidade. Estudos Ibero-amaericanos – Revista do Departamento de História. Porto Alegre: Edipucrs, ed. esp., n.1, 2000. p.7. 68 MARTINS, op. cit., p.10.

Comentário: Não é melhor castelhanos? Ou eram espanhóis mesmo? Acho que não, acho que eram os futuros argentinos. Por via da dúvidas, ponha “castelhanos”.

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Com a entrada dos revolucionários portenhos a favor da independência em

Montevidéu, após haverem sido derrotados em Buenos Aires, o vice-rei Elío solicitou auxílio

à Coroa portuguesa, tentando preservar também a vontade da rainha Carlota Joaquina, que via

na região do Prata o seu reino perdido. As tropas de ocupação, sob o comando de dom Diogo,

que transpuseram o Quaraí, tiveram de tomar extremo cuidado com os charruas que, por

vezes, respondiam aos comandos de Tomás de Rocamora, fundador e governador de Entre

Rios, conhecido também como “bandido Rocamora”, combatendo os inimigos ao lado dos

seus milicianos.

Em 1811 foi assinado o tratado de pacificação entre duas das três partes envolvidas,

com o que, conseqüentemente, o exército pacificador brasileiro teria de retornar ao Império.

Apesar das investidas dessas tropas sobre o território oriental com o objetivo, mesmo que

subjetivamente, de incorporar dessa passagem até o Prata, a fronteira rio -grandense ficaria

delimitada, de acordo co m o status quo de 1804, até o Ibicuí. Já estavam sob guarnição

brasileira as divisas até o Quaraí, pois, além de ter destacamentos nesta região, os milicianos

já haviam efetuado uma “limpeza” na região do Jarau, onde se encontravam os minuanos e

charruas, que lutavam contra os luso -brasileiros.69

Em 15 janeiro de 1819, o Cabildo de Montevidéu pretendeu ratificar com o Reino

Unido de Portugal, Brasil e Algarve as linhas divisórias entre o Rio Grande do Sul e o

território do Uruguai, para o que cedia a região entre o Quaraí e o Arapeí. No entanto, como

diz Tau Golin, tudo não passou de uma grande encenação para que esse feito pudesse ser

levado adiante.70

O general Lecor, representante do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve em

Montevidéu, articulou, juntamente com aquele mesmo cabildo, a entrega de parte do território

compreendido entre o Quaraí e o Arapeí em troca de - por incrível que pareça - um farol na

Ilha das Flores, pois, segundo os próprios cabildantes, com isso cessariam as constantes

desgraças que ocorriam naquela região, como o naufrágio da sumaca Pimpon.71 Em 1820, as

atas haviam sido ratificadas por ambas as partes e os limites, demarcados.

69 Ver melhor em CRUB , Ulises Rubens. Evolución histórica geográfica y política de lãs fronteras del Uruguay con Brasil. Montevideu: Imprenta Nacional, 1951. 70 GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002. v.1. 71 GOLIN, op. cit., p.312.

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Com a incorporação de parte desse território, a ocupação lusa tornou-se muito mais

presente, o que gerou vários descontentamentos dentro da Banda Oriental e, mais tarde, nas

negociações de 1851, até entre os representantes do Império brasileiro.

Em 1821, com a reunião de um Congresso Cisplatino, Lecor recebeu algumas

orientações da corte sobre como deveria se orientar. Segundo Golin, ele deveria ter três

referências: “a da incorporação ao Brasil ou a uma outra província, ou a da constituição de um

Estado independente, o que o próprio documento considerava ‘mais provável’.”72 Assim,

juntamente com os cab ildantes de Montevidéu que eram favoráveis à anexação, o Congresso

decidiu exclusivamente pela incorporação, o que acabou ocorrendo em 31 de julho de 1821.

Mais uma vez, a intenção e a força externa para que a anexação fosse efetuada

partiram dos representantes de Montevidéu, que deram total apoio ao ato. No entanto, isso

desagradou muito à corte em Lisboa, que antevia a nova disputa que poderia enfrentar diante

da Espanha. E não seria de se estranhar que tais fatos tivessem resultados negativos na corte

portuguesa, como realmente se concretizou, em 1822, com a independência do Brasil,

também proveniente de articulações “subterrâneas”.73 Ficou disposto então que os limites

deveriam ser:

a leste, pelo Oceano; ao sul, pelo Rio da Prata; a oeste, pelo rio Uruguai e ao norte, pelo rio Quarai, até a cochilha de Santa Ana, que divide o rio Santa Maria e por esta parte o arroio Taquerembó Grande e seguindo as nascentes do Jaguarão, entraria na Lagoa Mirim, passando pelo pontal de S. Miguel, até o Chuí.74

Com a anexação, os limites recuaram até o Quaraí, mesmo que o governo do Rio

Grande ainda doasse sesmarias até o Arapeí. A questão de terem sido os limites criados

praticamente entre duas províncias dentro de um mesmo estado provocou grandes discussões

até 1851.

Em 1828, no tratado que criou a República Oriental do Uruguai, não se comentou nada

sobre os limites que este país teria, do que se depreende que ficariam como limitações aquelas

já mencionadas no tratado de 1821. 72 GOLIN, A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. p.328. 73 GOLIN, op. cit., p.330. 74 DOCCA, Souza. História do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1954. p.28.

Comentário: Isso não é verdade. Nunca encontrei prova que referendasse a existência desse documento. Ele é conhecido como Acordo de 1819...

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Em 1835 eclodiu a Revolução Farroupilha. Então, na visão dos governantes uruguaios,

já não era o Império a principal ameaça, mas a nova República que estava tentando se

consolidar no cenário sulino. Por isso, antecipando -se a qualquer investida dos farrapos sobre

os territórios uruguaios, Oribe e Rosas, inimigos ferrenhos do Império, tentaram de diversas

formas instrumentalizar os farrapos para unir, através de diversos projetos, desde Santa

Catarina até a Mesopotâmia argentina, os territórios a fim de se fortalecerem como uma nação

independente.75

Com o intuito de se fortificar e, futuramente, de fixar os limites com a Banda Oriental,

o Império criou uma comissão encarregada de analisar todos os documentos e processos, os

quais fossem necessários para avaliar a melhor maneira e o melhor momento para intervir, de

forma a garantir as fronteiras do sul e do oeste. A notável intenção do Império era de

preparar-se diplomaticamente para garantir uma possível fixação de fronteiras através de uma

geopolítica eficaz para evitar o contato bélico com os vizinhos.

Com certeza, a diplomacia foi um ponto a favor do Brasil em várias ocasiões e a

questão da demarcação das fronteiras foi um claro exemplo disso. Em meio a tantas

convulsões que estavam atormentando a vida platina, desde a queda de Rivera até o bloqueio

do Prata pelos franceses durante o governo de Oribe, que tinham também repercussão no

Brasil, e sob a insistência do ministro Carlos Villademoros, para dar seqüência aos tratados de

delimitação, a comissão brasileira resolveu adiar por mais tempo as iniciativas a serem

tomadas.76

Rivera, o caudilho oriental, em 1838 fixou dois tratados com os revolucionários

farroupilhas para conseguir apoio na sua intenção de retornar a Montevidéu. No entanto, ao

mesmo tempo em que tratava com os farroupilhas, entrava em conversação com os imperiais,

fazendo um jogo duplo em benefício próprio. Contudo, esses tratados nunca se efetivaram,

pois Rivera tomou posse de Montevidéu ao mesmo tempo que os farroupilhas tomariam Rio

75 MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria. Imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São Paulo: Unesp/Moderna. 1997. p.153, 158 e 162. 76 GOUVEIA, Maurílio de. Marquês do Paraná, um varão do Império. Rio de Janeiro: Bilbioteca do Exército, 1962. p.172 e 174.

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Grande, o principal porto da província e de fundamental importância para a manutenção da

República Farroupilha.77

Os farroupilhas, então, ficaram desamparados porque não obtiveram o apoio de

Rivera, que fora subornado pelo Império a fim de que não se cumprisse o tratado de Canguê,

último feito entre Rivera e a República Farroupilha, pelo qual o primeiro reconheceria a

independência desta última e, ao mesmo tempo, os farroupilhas expulsariam os oribistas e

imperiais do território oriental.

Até 1842, com a volta dos liberais ao poder, o Brasil passou por adversidades internas

oriundas de problemas advindos do golpe da maioridade. No Sul, os farroupilhas eram uma

grande preocupação em relação às fronteiras, mas já estavam sendo combatidos pelas forças

militares reorganizadas sob o comando do barão de Caxias. No Prata, com a paz selada entre

Buenos Aires e a França, acabava-se o bloqueio da região, mas criavam-se dificuldades para o

Brasil. Rosas, então, poderia começar a pensar no seu projeto de reorganização do espaço

platino com a anexação da provín cia de São Pedro com o apoio dos farroupilhas, o que trazia

um grande temor ao Brasil.78

Apesar de ter sido feito às escondidas, o Tratado das Pontas do Quaraí, assinado em

1844 pelos plenipotenciários rio -grandense e uruguaio, foi descoberto por Rosas, que passou a

tentar aliança com o governo imperial para enfraquecer o inimigo. Num ato de desespero,

Rivera, que se viu entrincheirado pelas tropas de Oribe/Rosas e do Império brasileiro e que

fora excluído das conversações de paz entre o Império e os farroupilhas, assinou o tratado

reconhecendo como Estado independente a República Farroupilha.79

Rosas acreditava que o Uruguai não deveria ficar ciente das tratativas sobre a

demarcação das fronteiras na parte sul do Brasil, pois, assim como fora criado como um

Estado-tampão por Brasil e Argentina no Tratado Provisório de 1828, não tomaria parte de

nenhuma decisão quanto à fixação dos limites territoriais. Para isso, foi assinado um tratado

no Rio de Janeiro pelos plenipotenciários do Brasil e Argentina para pacificar ambos os lados,

o uruguaio e o brasileiro. No entanto, Rosas não aceitou o tratado, pois este não incluía Oribe

77 Conforme VIANA, Hélio. História das fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1948. p.138-139 e SPALDING, Walter. A epopéia farroupilha. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1963. p.355-359. 78 FLORES, Moacyr. Modelo político dos farrapos. 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. p.81. 79 FLORES, op. cit., p.82-85.

Comentário: fica meio chula essa colocação, aqui.

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como legítimo sucessor do poder na República Oriental. Outra versão trata-se da tentativa de

Rosas de reorganizar o vice-reinado de Buenos Aires e, por isso, não aceitar os limites

propostos pelo Brasil.

O Brasil sabia que a aliança entre os farrapos e Rivera mantinha-se por laços muito

frágeis, já que os primeiros se encontravam em dissidência dentro do próprio partido, além de

que estavam entrincheirados pelas tropas comandadas por Caxias. Portanto, Rivera estava

praticamente dominado sob o olhar de Oribe.80 Assim foi que o governo farroupilha acabou

esmagado pelo Império, que não o reconheceu como Estado independente, embora o governo

imperial concedesse, sob a condição de baixarem as armas, indenização aos chefes

farroupilhas e incorporação de seus oficiais no Exército nacional. Acabou, assim, a tentativa

de uma República se tornar independente.

Mesmo passando por diversos problemas internos e externos, o Império brasileiro

tentou garantir suas fronteiras no sul, não mais do que as conquistadas na guerra de 1801 e

retificadas pela convenção de 1821, quando da anexação da Cisplatina. Em 1848, um projeto

conservador visava desemperrar um plano de reconhecimento da fronteira, o que foi posto em

prática através da nomeação de Cândido Baptista de Oliveira pelo imperador, para que

procedesse à verificação e ao rastreamento das fronteiras com a República Oriental.81 Assim,

segundo as demarcações, ficou delimitada a fronteira sulina da seguinte forma:

Partindo da foz do arroio Chuí, no Oceano, segue a linha da fronteira águas acima deste arroio até o passo que dista cerca de duas léguas da costa do mar; dali busca, à rumo de Leste-Oeste (com pequena diferença) o Passo do arroio São Miguel. Segue pela margem esquerda deste até a sua embocadura na lagoa Mirim. Dali se dirige à foz do Jaguarão, cingindo a margem ocidental da lagoa Mirim. Sobe pela margem direita do Jaguarão grande e pequeno; e do galho mais ao Sul deste vai buscar a rumo direito a origem do galho principal do rio Negro - águas abaixo deste rio até a sua confluência com o arroio São Luís. Vai procurar daí as vertentes deste arroio na Coxilha de Santana. Segue na direção desta Coxilha até as vertentes do rio Quaraí. E da origem do galho principal deste rio, vai pela margem direita terminar na sua confluência com o Uruguai.82

Durante sua expedição, o conselheiro Oliveira projetou uma forma de manter a

segurança na fronteira contra os possíveis ataques de inimigos castelhanos. Ele acreditava

80 Ver QUESADA, Vicente G. La política del Brasil con las Repúblicas del Rio de la Plata. Buenos Aires: Vaccaro, 1919. p.160-162. 81 GOLIN, A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentin a, p.367. 82 Conforme GOLIN, op. cit., p.370.

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que, dividindo-se a fronteira em três sessões, para o seu guarnecimento através de tropas

permanentes, a região ficaria totalmente segura. As três sessões eram as de Jaguarão, Bagé e

Alegrete, municípios em que ficariam, permanentemente, aquartelamentos, de onde se

destacariam guardas para manter uma barreira de segurança e prevenção contra deserções.

Para manter esses postos, seria o principal sustentáculo a vila de São Gabriel, pela sua posição

geográfica e fácil ligação com Rio Pardo e outras vilas da campanha. Esta ficaria responsável

por manter Bagé e Alegrete.83

Vinte e dois anos depois da criação da República Oriental do Uruguai, os tratados de

12 de outubro de 1851 marcaram um ponto importante da história, tanto do Rio Grande do Sul

quanto do Uruguai, pois foi através deles que houve a delimitação dos espaços geográficos do

Sul do Brasil. O Tratado de Aliança, no seu artigo 1º, dizia que tinha “o fim de manter a

independência e pacificar o território da mesma República”, objetivo que a República Oriental

do Uruguai há muito tempo vinha buscando e, sobretudo, a obtenção de proteção por parte do

Brasil.

Desde 1845, com Margariños Cervantes, o Uruguai buscava junto ao governo imperial

brasileiro a proteção de sua independência frente aos perigosos ataques de Rosas, chegando a

oferecer à venda os “Campos Neutrais” e o território entre o Arapeí e o Quaraí, mas nunca se

esquecendo do Tratado de paz de 1828, pelo qual o Brasil reconhecia a independência deste

país. Em 1850, Andrés Lamas, delegado do governo uruguaio enviado ao Rio de Janeiro,

apresentou um Memorandum no qual se referia a essas bases que haviam sido lançadas em

1845 para a assinatura de um tratado de auxílio.84

Ainda em 1848, Manoel Herrera y Obes, ministro das Relações Exteriores, pressionou

Lamas dizendo que, se o Brasil em 60 sessenta dias continuasse a se mostrar “indolente e

imprevisor”, a República Oriental poderia virar apenas uma província da confederação,

tamanha era preocupação dos líderes uruguaios. A partir daí, a República Oriental só tentou

ratificar seus limites com o Brasil a fim de que se cumprisse o Tratado de 31 de julho de

83 Verificar em TRINDADE, Alegrete: do século XVII ao século XX. e ARAÚJO FILHO, Luiz. O município de Alegrete. Porto Alegre: Corag, 1985. 84 Ver maiores considerações em DOCCA, História do Rio Grande do Sul. p.47- 53.

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1821, no qual fora incorporado ao Brasil como Província Cisplatina, portanto, estabelecer o

uti possidetis.85 Então,

o tratado de 1851 não foi mais que uma ratificação dos limites já existentes entre o Brasil e o Uruguai, há 30 anos, e, por isso, certamente, o dr. Setembrino E. Pereda, ilustre escritor uruguaio, considera o referido tratado “mais como de demarcação do que de limites”.86

Em 1852, foi eleito um novo presidente para o Uruguai, já pacificado, João Francisco

Giró. No mês de março, o ministro brasileiro Hermeto Carneiro Leão solicitou ao governo

uruguaio que desse conta de cumprir as cláusulas dos tratados de 1851. No dia 23 do mesmo

mês, o ministro de Relações Exteriores do Uruguai comunicou que recebera

ordem par [sic] declinar a exeqüibilidade dos ajustes que contêm os ditos Tratados, porque em sua órbita constitucional só lhe é permitido levar a imediata execução aquelas leis que o sejam, porque se conformam às condições da Lei fundamental do Estado.8 7

Notava-se, então, uma tentativa de retroceder no que havia sido disposto nos tratados

de 12 de outubro de 1851, contudo a resposta dada por Carneiro Leão foi taxativa, dando três

dias para o cumprimento de tais tratados, pois o Uruguai já havia pedido ajuda à vizinha

Argentina. É interessante, aqui, lembrar que a própria Argentina era um dos principais pivôs

da realização dos acordos entre Brasil e Uruguai, pois este último temia perder sua

independência justamente para o poder argentino. Vê -se, pois, que as uniões políticas e ajudas

mútuas variavam ao sabor dos ventos em um período de tempo curto, mas, acima de tudo,

pode-se perceber o poder coercitivo que o governo imperial brasileiro exercia sobre os demais

governos do Prata, especialmente através da sua diplomacia, como relata Tau Golin:

De imediato, o governo oriental conheceria a habilidade da diplomacia do

Império. Seus argumentos extravasavam a situação circunstancial. O corolário do texto do Tratado de 1851 era apavorante, pois tomava como referência o convênio

85 Uti possedetis: expressão latina, literalmente significando “tal como possuís”, que constitui fórmula diplomática utilizada em convenções e tratados cujo objetivo é a fixação de limites territoriais entre países, estabelecendo o direito ao territóri o pela ocupação efetiva e prolongada. O princípio do uti possidetis, na formação territorial do Brasil, foi utilizado na celebração do Tratado de Madri, em 1750, que uniu o critério de ocupação efetiva da terra à sua delimitação pelos acidentes geográficos. Ver mais em AZEVEDO, Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos, p.392. 86 DOCCA, História do Rio Grande do Sul, p.55. 87 DOCCA, op. cit., p.64.

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de 1821 (fronteira Chuí-Quaraí). Em caso de ser invalidado, sua vigência retroagiria ao convênio imediatamente anterior, o de 1819 (fronteira Castilhos-Arapeí).88

Os limites na Barra do Chuí sofreram, entretanto, algumas alterações nos acordos de

maio de 1852 e abril de 1853, além de outras feitas em outubro de 1909 e pela convenção de

maio de 1913.89

Foi lido um officio do Encarregado do assentamento dos marcos de limites,

communicando achar-se colocado o ultimo Marco de Limites da Linha devisoria entre Brasil e o Estado Oriental, na Ilha da barra do quarahim no Uruguay, e ficou a Camara interada.9 0

Como se pode ver pela ata da Câmara Municipal da vila de Uruguaiana, os últimos

marcos de delimitação da fronteira Brasil-Uruguai foram fixados no ano de 1862, o que foi

informado à mesma em sessão de 7 de agosto. Deve-se levar em consideração que Uruguaiana

não possui apenas a fronteira com o Estado Oriental, mas também com a Argentina, que, na

época, não havia ainda se consolidado como República Argentina e era um Estado

Confederado91.

O primeiro tratado feito entre o Império brasileiro e a Confederação Argentina, que

fazia considerações sobre as fronteiras dos dois Estados, foi celebrado em 7 de março de

1856, denominado “Tratado de Amizade, Comércio e Navegação”. Este tratado foi assinado

pelo ministro do Exterior da Confederação, Juan Maria Gutiérrez, e pelo visconde de Abaeté,

de parte do Brasil. Em 1750, com o Tratado de Madri já haviam ficado definidas as linhas

divisórias a partir do rio Ibicuí, todavia este tratado havia sido assinado entre as duas Coroas

ibéricas, Portugal e Espanha, não entre os Estados nacionais brasileiro e argentino.

No tratado de 1856 estavam contidas algumas referências à comercialização e à livre

navegação nos rios Uruguai, Paraguai e Uruguai, tanto para embarcações brasileiras quanto

para argentinas, com sujeição apenas aos devidos regulamentos fiscais e políticos. O rio

88 GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espntâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Católica do Rio Grande do Sul. v.II. p.32. 89 Ver RIBEIRO, João. Fronteiras do Brasil. Salvador: Progresso, s.d. e VIANA, História das fronteiras do Brasil. 90 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas de 1847 a 1848. Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala do Arquivo Histórico. p. 96v-97. 91 Entende-se por confederação uma união de Estados nacionais que mantêm sua autonomia em relação a outrem, mas que lutam em prol de um mesmo ideal. A Confederação Argentina era formada pelas províncias de Entre Rios, Corrientes e Santa Fé.

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Uruguai, pelo que se depreende, nem entrava nas discussões sobre limites, pois era já o

divisor natural de dois territórios que antes faziam parte de um espaço, já dividido pelas

diferentes formas de povoação.

Para confirmar mais dois tratados que giravam em torno da definição dos limites, o

primeiro, de 20 de novembro de 1857, que completou as determinações do tratado de 56, e o

segundo, de 14 de dezembro de 1857, de limites e extradição de criminosos, foi nomeado José

Maria da Silva Paranhos do Rio Branco, barão do Rio Branco, por parte do Brasil.92 Como em

outras ocasiões de guerra, os tratados foram ratificados pelo Brasil, mas o governo da

Confederação Argentina deixou passar o tempo das ratificações em razão de o Império não ter

se aliado para submeter a província de Buenos Aires, rebelde.

O general Urquiza, presidente da Confederação Argentina, ressentira-se pela falta de

apoio do Império na questão de Buenos Aires, pois acreditava na retribuição de um favor por

parte do Brasil. A cobrança feita pela Confederação ao governo imperial irritou

profundamente o ministro que respondia pelos tratados, José Maria do Amaral, tanto que este

manteve sua posição frente aos acordos. A Confederação, então, entrou em disputa armada

contra a província de Buenos Aires e foi derrotada pelo general Mitre na batalha de Pavón, o

qual se elegeria presidente da República e lutaria por uma “nueva Argentina”.93

Em 1874, após um período muito conturbado da história sul-americana, quando os

países que fazem fronteira com a parte sul do Brasil empreenderam uma das maiores guerras

que a América do Sul já viu, a Guerra do Paraguai, o barão d’Aguiar foi instruído a negociar

outro tratado ou tentar a aceitação do tratado de 1857 pelo governo da Confederação. Tal foi o

jogo de propostas que se sucederam aos tratados já ratificados que o barão não obteve sucesso

na sua investida. Em 1881, a Argentina começou a levantar dúvidas sobre as divisas do Brasil

na altura de onde hoje estão as divisas dos estados de Santa Catarina e Paraná. Essa questão

ficou conhecida como “das Missões” ou “de Palmas”.

Várias e sucessivas foram as tentativas de chegar a um acordo quanto a essas terras,

tanto que, em 7 de setembro de 1889, foi assinado em Buenos Aires o tratado para pôr fim a

essas diferenças. No entanto, pouco depois, em 5 de novembro, foi assinado no Rio de Janeiro

92 Conforme RIBEIRO, Fronteiras do Brasil . 93 Ver RIBEIRO, Fronteiras do Brasil .

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o tratado que convencionava pôr sob a decisão do presidente dos Estados Unidos a questão

dos limites. Em 23 de janeiro de 1890, em Montevidéu, foi assinado novo acordo, que

praticamente anularia o último tratado e decidia pela divisão da metade das terras para cada

país.94

Adelar Heinsfeld diz que, após esse último acordo, a imprensa brasileira teve assunto

para tecer comentários de repúdio às decisões do Império, fazendo apelos para que o mesmo

tratado fosse rejeitado, já que “era extremamente prejudicial à segurança territorial

brasileira”.95

O último tratado foi rejeitado pela Câmara dos Deputados do Império em votação

arrasadora e com uma rejeição espantosa por todos quantos estavam envolvidos na questão da

demarcação dos limites. Para o Brasil, portanto, os tratados anteriores continuavam valendo.

Foi então que o barão d’Aguiar de Andrada novamente entrou em cena e viajou a Nova York

para defender a questão dos limites frente ao presidente Grover Cleveland dos Estados

Americanos. O problema agravou -se quando o barão faleceu cinco meses antes da defesa e

teve de ser nomeado em seu lugar o barão do Rio Branco, famoso pela sua capacidade

diplomática. Foi então que ficou definido pelo presidente Cleveland que o Brasil teria de volta

1.263 Km de terras na fronteira com a Argentina. Em 1898 foi assinado o Tratado do Rio de

Janeiro, pelo qual ficavam limitadas as fronteiras entre Brasil e Argentina da seguinte forma:

(Art.1º) – A linha divisória entre o Brasil e a República Argentina começa no

rio Uruguai defronte da foz do rio Quarahim e segue pelo talweg daquele rio até á foz do Pepiriguaçú. A margem esquerda ou oriental do Uruguai pertence ao Brasil e a direita ou ocidental à República Argentina.

(Art.2º) – Da foz do rio Pepiriguaçú a linha segue pelo alveo dêsse rio assás encachoeirado até à sua cabeceira principal, de onde continua pelo mais alto terreno até à cabeceira principal do rio Santo Antônio e daí pelo seu alveo até sua embocadura no rio Iguaçú, de conformidade com o laudo proferido pelo Presidente dos Estados Unidos da América. Pertence ao Brasil o território a leste da linha divisória em tôda a extensão de cada um dos rios e da linha que divide o mais alto terreno entre as cabeceiras dos mesmos rios. Pertence à República Argentina o território que fica a oeste.

(Art.3º) – Da bôca do rio Santo Antônio a linha segue pelo talweg do rio Iguaçú até à sua embocadura no rio Paraná, pertencendo ao Brasil a margem setentrional ou direita do mesmo Iguaçú e à República Argentina a meridional ou esquerda.

(Art.4º) – As ilhas do Uruguai e do Iguaçú ficarão pertencendo ao país indicado pelo talweg de cada um dêsses rios. Os Comissários demarcadores, porém,

94 Ver RIBEIRO, op. cit. 95 HEINSFELD, Adelar. A questão de Palmas entre Brasil e Argentina: e o início da Colonização Alemã no Baixo Vale do Rio do Peixe – SC. Joaçaba: Unoesc, 1996. p.81.

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terão a faculdade de propôr a troca que julgarem aconselhada pelas conveniências de ambos os países e que dependerá da aprovação dos respectivos governos.96

Na região de Palmas, durante o período das discussões sobre os limites entre Brasil e

Argentina foram fortes as críticas feitas por ambos os países interessados no território sempre

que viam um sinal obscuro nas negociações. Quando da vitória brasileira, foi grande a

comemoração do governo que via naquela área uma importância estratégica para a ligação

com o Rio Grande do Sul. E, percebendo o interesse argentino, prontamente encontrou uma

maneira de garantir o povoamento da região: a construção da ferrovia São Paulo-Rio

Grande.97 No período que abrangeu de 1901 a 1904, foram postos os pequenos marcos que

definiriam os limites. A questão foi comentada por um político argentino da seguinte forma:

“Liquidou-se uma questão. Na realidade, os litigantes foram a Espanha e Portugal e não a

Argentina e o Brasil.”98

Atualmente, a fronteira entre os dois países continua a mesma, no entanto a povoação

modificou-se bastante desde que Moacir M. F. Silva, autor de História das fronteiras do

Brasil, fez seu levantamento, em 1948. É interessante citar nesse ponto as cidades que são

identificadas pelo mesmo, dentre as quais Uruguaiana:

Nove são os municípios brasileiros que se extendem ao longo da fronteira com a República Argentina. Dois são povoados: Santa Rosa e Palmeira, com 20,94 e 10,78 habitantes por Km², respectivamente; dois são semipovoados: Uruguaiana (5,04) e São Luís de Gonzaga (9,38); quatro são fracamente povoados: Itaqui (2,97), São Borja (4,26), Chapecó (3,02) e Clevelândia (1,92); um é despovoado: Foz do Iguaçú (0,38 habitantes por Km², situação que aliás deve ter sido modificada, depois da criação do Território de Iguaçú).99

Outro notório comentário que o autor faz é extraído do livro de Mem de Sá:

Dêsses municípios, quatro cidades estão situadas junto à linha fronteiriça: Uruguaiana, Itaqui, São Borja e Foz do Iguaçú, com maiores recursos a primeira, um de nossos mais importantes centros de população da fronteira, cruzamento ferroviário dotado de unidade industrial da envergadura de uma refinaria de petróleo.100

96 RIBEIRO, Fronteiras do Brasil, p.43-44. 97 HEINSFELD, op. cit. p.90-91. 98 RIBEIRO, op. cit., p.45. 99 SILVA, Moacir M. F. in: VIANA, História das fronteiras do Brasil, p.206. 1 0 0 SÁ, Mem de. Confronto entre as características demográficas e econômicas de três regiões do Rio Grande do Sul. apud SILVA, Moacir M. F. in: VIANA, op. cit., p.206.

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Os comentários transcritos revelam a importância que Uruguaiana, praticamente um

século depois de sua fundação, ainda tinha dentro do cenário sul-rio-grandense e brasileiro,

em razão de sua produção e economia, fortificadas durante o período inicial de sua formação.

A formação de Uruguaiana, assim como dos outros povoados que se situam na

fronteira oeste do Rio Grande do Sul foram resultado das relações existentes nas fronteiras do

Brasil com os países vizinhos. Todos os povoados que costeiam os limites sul-rio -grandenses

possuem características próprias de cidades formadas a partir de inter-relações, nem sempre

amigáveis, com pessoas que possuíam hábitos e língua totalmente diferenciadas mas que

buscavam subterfúgio no outro lado para complementar sua sobrevivência em regiões

praticamente deixadas de lado pelos poderes centralizados.

Viu-se que as discussões para chegar a um acordo sobre as divisas territoriais foram

intensas e recheadas de interesses políticos e econômicos. Assim, passa-se a tratar da

formação das vilas ao longo da costa oeste do Rio Grande do Sul, desde seus antecedentes

coloniais até o processo de fixação de limites.

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3 . CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS POVOADOS DA FRONTEIRA NA MARGEM DO

RIO URUGUAI

Em meados de 1632, na banda oriental do rio Uruguai, os jesuítas fundaram 18

reduções, dentre as quais a de São Tomé, próxima ao rio Jaguari, na margem direita do

Ibicuí.

Com a expansão portuguesa, que visava, entre outros objetos, o comércio da região do

Prata e descia cada vez mais para o sul, em 1635 chegou a terras missioneiras a bandeira

chefiada por Raposo Tavares. Então, as missões do Uruguai foram atacadas e abandonadas,

sendo os jesuítas e índios obrigados a voltar para a margem direita do rio. Nessa região,

fundaram novas reduções, inclusive a de Santo Tomé, que progredia sem precedentes, com a

forma de organização reducional jesuítica.

No ano de 1682, o padre jesuíta Francisco Garcia fez a travessia do rio Uruguai para

novamente estabelecer na margem oriental, como relata Cláudio Rodrigues, “à frente de mil

novecentos e cinqüenta e duas almas”,101 uma nova redução jesuítica, com a construção de

uma palhoça, que seria a igreja, de casas para os índios e de oficinas de trabalho

comunitárias. Essa redução recebeu o nome de São Francisco de Borja. Então, os índios aí

reduzidos começaram a cultivar a terra e a prear e criar o gado vacum, chamado de

“chimarrão”,102 que estava solto nos pampas desde que havia sido trazido nas primeiras

1 0 1 RODRIGUES, Cláudio Oraindi. São Borja e sua história. São Borja: Tricentenário, 1982. p.17. 1 0 2 A palavra “chimarrão” é derivada da palavra castelhana cimarrón, que designava toda a gadaria xucra que vivia solta nos campos e que havia sido trazida até esses campos principalmente pelos jesuítas. Alvarino de Fontoura Marques, em seu livro Episódios dos ciclos do charque, comenta que “criou- se a fantasia de que o gado xucro das vacarias era muito abundante, mas extremamente feroz, atacando o homem. [...] Na verdade, o rebanho “cimarrón” nunca foi assim tão grande, porque a reprodução era baixa em condições selvagens.”

Comentário: ponto

Comentário: , Entre outras coisas,

Comentário: vacum

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incursões dos jesuítas pela região. Em 1687, São Francisco de Borja tornou-se independente

de Santo Tomé, obtendo, assim, autonomia administrativa.

É interessante notar que Arsènne Isabelle, em seus escritos sobre sua viagem ao Rio

Grande do Sul entre 1833 e 1834, comentou, ao chegar à Redução de São Borja, que ela teria

sido fundada em 1690, mas registros paroquiais de batizados apontam para a data de 1682.

Durante a primeira metade do século XVIII, os jesuítas promoveram uma grande

revolução econômica, política e educacional de toda região das missões do Uruguai, tendo

respaldo da Coroa de Espanha. Entretanto, o Tratado de Madrid foi a “gota d’água” para se

iniciar a Guerra Guaranítica, que levou vários índios dos Sete Povos das Missões a entrarem

em luta com os lusos, e até mesmo espanhóis, que queriam tomar posse de suas terras.103 A

guerra acabou com a vitória das tropas ibéricas, que obrigaram os índios a voltar para a

margem direita do rio. Depois de várias tentativas para prender os padres jesuítas como

participantes e incentivadores da guerra guaranítica, “o Rei da Espanha, Carlos III, expediu o

Real Decreto de expulsão dos jesuítas dos territórios de Espanha datado de 27 de fevereiro de

1767.”104

Segundo Cláudio Rodrigues,105 “a 15 de julho de 1768 é que o Governador Bucareli, à

frente de um grande exército, veio dar cumprimento ao Decreto de expulsão dos jesuítas das

missões do Uruguai. Chegando em Yapeyu, onde estabeleceu suas tropas, destacou uma

escolta para intimar os jesuítas a se apresentarem em seu quartel.”106

A partir de 1768, São Francisco de Borja foi governada pelos espanhóis que fizeram

drástica alteração no modo de governo da redução, levando ao aumento da sua população nos

primeiros anos, embora, após algum tempo, tenha entrado em franco declínio. Os índios iam

Mostra-se aí a característica predominante de serem animais alçados, que não tinham sofrido a domesticação pelo homem. MARQUES, Alvarino da Fontoura. Episódio do ciclo do charque . Porto Alegre: Edigal, 1987. 1 0 3 Conforme Fernando Camargo, “foi com o Tratado de Madrid que principiou a decadência, jamais recuperada, da simbiose entre guaranis reduzidos e padres da Companhia de Jesus e até com religiosos católicos de qualquer outra origem ou as autoridades laicas coloniais.” CAMARGO, O malón de 1801: a guerra das laranjas e suas implicações na América Meridional, p.64. Dessa forma, a guerra guaranítica começou a tomar contornos, auxiliada também pelos desentendimentos internos dos Sete Povos da Missões. 1 0 4 RODRIGUES, São Borja e sua história, p.34. 1 0 5 Nota-se que a palavra “governador”, no caso de Bucareli, ou melhor, tenente-general Francisco de Paula Bucareli y Orsua, é em relação a Buenos Aires, de onde veio até São Borja para cumprir o decreto real. 1 0 6 RODRIGUES, op. cit., p.34.

Comentário: Notarmos?

Comentário: Crescimento do que?

Comentário: Essa nota fica melhor antes das “aspas”

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perdendo sua fé em virtude do tratamento que lhes era dispensado, tanto pelos governantes

quanto pelos curas franciscanos que ali se instalaram.

Em 1801, com a conquista dos chamados Sete povos das Missões Orientais do

Uruguai pelos portugueses, São Francisco de Borja teve ativa participação no processo de

proteção e ocupação da região da fronteira oeste da província de São Pedro. No período de

1801-1822, São Borja passou a ser a sede civil e militar do governo da Província das Missões.

Mesmo sabendo que nem tudo que é descrito pelos viajantes que passaram pela região

da campanha, em especial São Borja, pode ser confirmado, torna-se necessário analisar suas

narrativas a respeito desta região. Tendo essa preocupação, tomam-se Auguste de Saint-

Hilaire e Arsènne Isabelle para poder visualizar as questões relativas à ocupação desses

espaços e se ter uma vis ão de quem eram os habitantes nos primórdios da criação do povoado

de São Borja.

Arsènne Isabelle, assim como Saint-Hilaire, escreveu sobre as belezas que havia na

costa do rio Uruguai, como as matas e a variedade de animais. Todavia, ambos também

comentaram sobre as condições para se chegar ao lugar onde estava construída a igreja e as

choupanas dos índios guaranis. Assim relatou Saint-Hilaire: “Após deixar minha carroça,

entrei logo num lodaçal de quase uma légua de comprimento, onde meu cavalo atolou

profundamente; daí já avistamos a igreja de São Borja e, só um quarto de légua, aquém do

lodaçal, chegamos à aldeia.”107

Ao ler os escritos desses dois viajantes franceses que aportaram no Rio Grande do Sul,

é perceptível a decepção que tiveram ao ver o primeiro dos Sete Povos das Missões, pois

traziam as imagens descritas e trabalhadas por tantos outros historiadores e viajantes que por

ali haviam passado, os quais os tinham descrito como um grande império extremamente

organizado, com impressionantes manifestações artísticas e organização administrativa.

Como! E são estas as vossas famosas Missões?...Esses edifícios inimitáveis, esse gigantesco, grandioso, esse admirável plano, esses pueblos enfim, que elogiáveis tanto!... O diabo vos leve, a vós e aos jesuítas.

1 0 7 SAINT-HILAIRE, Viagem ao Rio Grande do Sul, p.270.

Comentário: Fica melhor assim - Dos chamados Sete povos das Missões Orientais do Uruguai.

Comentário: Acho que não precisa

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Foi assim que me apostrofaram meus fiéis companheiros, encolerizados porque, com fé em Cherlevoix, Funes e velhos cronistas espanhóis, eu lhes tinha feito uma pintura pouco fiel, mas pomposa das Missões do Uruguai. Tive a maior dificuldade do mundo para acalma-los.108

A destruição e o empobrecimento da região, causados especialmente pela ocupação

portuguesa, foram responsáveis pela gradativa diminuição das populações indígenas e pelo

abandono das plantações. Assim as casas dos índios passavam a ser ocupadas por moradores

brancos, que as utilizavam em boa parte para o comércio.

Em virtude do acampamento das tropas deslocadas de São Borja para a localidade na

costa do Inhanduhy a pedido do Marechal Joaquim Xavier Curado, em 1811, dom Diogo de

Souza, então governador da província de São Pedro, visitou o lugar, que ficou conhecido por

São Diogo e seria, mais tarde, o município de Santana do Livramento.

Chagas Santos,109 neste mesmo ano (1811), invadiu a província de Corrientes pelo

Passo de Sant’Ana, que mais tarde pertenceria a Uruguaiana, para enfrentar as tropas que

estavam situadas em Santo Tomé, prontas para invadir São Borja a fim de reconquistar os

territórios missioneiros. Além de vencer a batalha, Chagas Santos arrebanhou várias cabeças

de gado para o lado brasileiro. Após essa investida, houve mais duas disputas pelas terras

missioneiras, que foram defendidas pelas tropas de Chagas Santos: em 1816 e em 1818,

ambas contra Andresito Artigas, nascido em São Borja e filho adotivo de dom José de

Artigas, idealista que lutou pela independência da Banda Oriental do Uruguai.110

Sobretudo em razão das disputas havidas nessa região, em 1822, o coronel José

Pedroso César tentou reerguer a localidade de São Borja através do comércio com o Paraguai,

mais especificamente com Encarnación. Esse comércio é um dado interessante dado para

explicar a formação de São Borja, pois manteve-se ativo até 1852, quando foram abertas as

negociações comerciais entre a Argentina e o Paraguai.

1 0 8 ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio Grande do Sul: (1833- 1834). Porto Alegre: Martins Livreiro, 1983. p.18. 1 0 9 Francisco das Chagas Santos nasceu no Rio de Janeiro em 1763, indo mais tarde estudar em Lisboa, onde foi nomeado oficial de infantaria. Em 1784 participou da demarcação de limites do extremo sul. Em 1823, comandou as Armas de São Paulo e, em 1835, comandava a guarnição de Porto, recebendo o título de barão do Cerro Largo; faleceu em 1840. FLORES, Moacyr. Dicionário de história do Brasil. Porto Alegre: Edipucrs, 1996. p.470. 1 1 0 Ver RODRIGUES, São Borja e sua história .

Comentário: Defendidas pelas tropas de...

Comentário: Nascido em

Comentário: E filho

Comentário: Quem lutava pelo “nacionalismo” eram os nazistas...

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Por resolução de 11 de março de 1833, advinda do governador da província, Manuel

Antônio Galvão, São Borja foi desmembrada de Rio Pardo, sendo elevada à categoria de

“vila” em e de “termo municipal” pouco mais de um ano depois, em 21 de maio de 1834. É

importante aqui fazer uma ressalva para dizer que, até o ano de 1809, o território de São Borja

ficou anexado ao município de Porto Alegre, quando foi dele desmembrado para pertencer ao

termo de Rio Pardo. Somente em 1887, por lei de 21 de dezembro, é que São Borja veio a ser

elevada à categoria de “cidade”.

Sendo lindeiro de São Borja e Uruguaiana, o município de Itaqui era, em seus

primórdios, parte de uma estância jesuítica por volta do ano de 1687. Esta estância teria sido

criada pelos padres que se encontravam do outro lado do rio Uruguai, na redução de La Cruz,

que deu origem ao nome da localidade, Rincão de La Cruz. A partir de 1802, segundo livro

estatístico do IBGE publicado em 1959, começaram a ser doadas as primeiras sesmarias na

região do atual município.111 Em 1817, o alvará que criou a vila de São Luis de Leal

Bragança, mencionado anteriormente, incluía Itaqui. Por volta de 1821, era apenas um

povoado com alguns ranchos, onde posteriormente acampou o destacamento de 150 homens

comandados por Fabiano Pires de Almeida, que veio até a região a fim de proteger o local

contra possíveis invasões argentinas.

Com o tempo, a freqüente instalação de várias famílias vindas da Argentina, fugindo

das perseguições de Aguirre, levou a que, pela lei provincial nº 15 de 1837, fosse elevada a

“freguesia” a localidade de São Patrício do Itaqui, pois desde 1821 já havia sido traçado um

plano para a pequena povoação. Contudo, somente em 1850 foi nomeado um pároco para a

freguesia, que em 1853 recebeu a primeira “mesa de rendas”, por ser um dos portos mais

ativos da região, superando já o de Itaqui, sobretudo na exportação da erva-mate. Em 1858

havia em Itaqui 400 casas e 6.631 habitantes em todo o município, sendo 5.554 livres, 63

libertos e 1.014 escravos. Pela resolução provincial nº 301 de 1854, o município teve seus

limites firmados em relação aos municípios vizinhos.112

1 1 1 Para ver quais foram os primeiros sesmeiros da cidade de Itaqui verificar INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: 1959. XXXIII v. p.282 1 1 2 SILVA, Sany. Itaqui: primeiros governos (1859-1896). S.l.: 1978, p.7.

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Entretanto, em 6 de dezembro de 1858, pela lei nº 419 e por intervenção do juiz da

Comarca de São Borja, Hemetério José Velloso da Silveira,113 Itaqui conseguiu se

desmembrar, mas somente em março de 1859 foi instalada a “vila”. Esta, em 1860, tinha

como uma de suas principais atividades econômicas o porto, verificando-se aí a navegação no

rio Uruguai, que a ligava com os portos de Buenos Aires e Montevidéu, na bacia do Prata,

comerciando especialmente a erva-mate missioneira. Pouco antes de ser elevada à categoria

de “cidade”, Itaqui foi sede da comarca, título que perdeu posteriormente para São Borja. Em

3 de maio de 1879, foi elevada a “cidade”, antes mesmo de São Borja e quatro anos depois de

Uruguaiana.114

Sobre a criação da vila de Uruguaiana, os primeiros relatos foram deixados pelos

viajantes franceses Arsène Isabelle e August de Saint-Hilaire, que descreveram em seus

diários as mais diversas situações por que passaram na região. Podem-se encontrar nos

escritos de Auguste de Saint-Hilaire, por exemplo, em 1821 as primeiras identificações desta

localidade, ao descrever uma região pouco habitada em que havia grande dificuldade de

deslocamento. Assim também Arsène Isabelle descreveu-a algum tempo depois, em meados

de 1830:

[...] uma estação muito chuvosa traz consternação entre os seus habitantes; as

comunicações tornam- se difíceis pelas cheias dos rios; os terrenos transformam-se em pântanos; as carretas de transporte ficam atoladas ou suas imensas rodas operam dificilmente sobre o eixo de madeira, levando meses inteiros a percorrer um caminho de trinta ou quarenta léguas.115

Os autores citados registraram também ter encontrado acampamentos que não

passavam de barracas feitas de couro ou ranchos cobertos de capim santa-fé ocupados por

portugueses, espanhóis ou índios. Por essa razão, a melhor maneira de se deslocar nesta região

era através da navegação no rio Uruguai, que mais tarde viria a ser importante rota de

comercialização.

Na década de 1820, identificou-se o vau ou passo de Santana, local onde havia uma

guarda portuguesa que formava um acampamento militar de pequeno porte, mas que já tinha

1 1 3 “Hemetério vinha seguidamente a Itaqui. Naquele ano impressionou-se com a enorme quantidade de processos e o alto valor da renda da área que viria a ser o novo Município, pois atingia, a renda, 55:000$000, quase o dobro do que São Borja arrecadava.” Ver mais sobre a emancipação de Itaqui em SILVA, Itaqui: primeiros governos (1859-1896), p.8. 1 1 4 Verificar em SILVA, op. cit. 1 1 5 ISABELLE, Viagem ao Rio Grande do Sul: (1833-1834), p.12.

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como objetivo impedir a penetração no território sulino de mercadorias, bem como uma

possível invasão militar espanhola. Não se pode deixar de citar aqui a existência de índios e

espanhóis na região.

Raul Pont, no primeiro volume de Campos Realengos, menciona a visita de Saint-

Hilaire à região relatando:

Os arranchamentos de Santana Velha, situados sobre o Vau de Santana, cinco

léguas da atual cidade, na margem esquerda do Rio Uruguai, formaram o primeiro aglomerado da povoação ribeirinha, que deram causa a criação do município.

O porto de Santana Velha, próximo ao Arroio Guaraiputãn, marcava o secular caminho desvendado pelos Jesuítas quando se dirigiam da povoação de Yapeyu para a Colônia do Sacramento ou para Montevideo. Era pois um itinerário forçoso à procura do mar.

Desses arranchamentos, tivemos minuciosas notícias através das viagens descritas nas Memórias do célebre naturalista Saint-Hilaire, que aí esteve acampado, precisamente em 30 de janeiro a 01 de fevereiro de 1821.1 1 6

Conforme Rogério Haesbaert da Costa: “No início do séc. XIX, as guerras cisplatinas

de 1811-17117 e 1825-28 fizeram do Rio Grande do Sul novo palco de batalhas e sangrentas

disputas territoriais, em boa parcela como fruto do expansionismo luso-brasileiro.”118 Nesse

tempo, o Rio Grande do Sul tinha sua economia voltada à atividade criatória, estando nas

mãos dos estancieiros o poder político e militar, o que lhes dava condições de barganhar com

o governo central. Durante o período compreendido entre 1811 e 1828, os estancieiros

apropriaram-se de uma grande quantidade de gado pertencente à Banda Oriental, conforme

relata Arsène Isabelle:

Os brasileiros roubaram da banda Oriental, durante a ocupação injusta do

território dessa república, por suas tropas, mais de 4.000.000 de cabeças de gado, que eles introduziram na província do Rio Grande como o comprovam os registros de fronteira.119

Nesse período não estavam delimitadas as fronteiras da província com os países

vizinhos, em virtude das atribulações tanto em território brasileiro quanto em território

estrangeiro, o que dificultava a consolidação dos limites do território sul-rio-grandense. Só a

partir da década de 1850 é que começaram a ser definidos tais limites graças à diplomacia do

1 1 6 PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, p.76. 1 1 7 As guerras Cisplatinas, na verdade, compreenderam, inicialmente, o período de 1811-1813 e, com um intervalo de tempo de três anos, de 1816-1819. 1 1 8 COSTA, Rogério Haesbaert da. RS: latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. p.35. 1 1 9 ISABELLE, Viagem ao Rio Grande do Sul: (1833-1834), p.86.

Comentário: Nós quem? Não fica melhor “estavam”?

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Império. Somente havia, portanto, os rios Uruguai e Quaraí como limites naturais entre os três

países nesta região sulina.

Saint-Hilaire, que Isabelle chama, alias sem favor, de viajante muito sábio e

justo, fez um apanhado sobre essas ‘províncias’, mas, na opinião de seu compatriota, não se extendeu suficientemente, e não o podia fazer, confessa o amigo do comerciante do Havre, e muito mais quando toca ao interesse econômico que oferecem as novas cidades e os novos portos, fundados há poucos anos e que crescem rapidamente.120

Fica, portanto, evidente pelos relatos dos viajantes franceses o interesse em não

divulgar informações relativas às questões econômicas, mas em salientar sempre os postos

militares, as questões de terras, a flora, fauna e outros dados que lhes conviesse. Certamente,

não se podem considerar esses relatos sobre a região de Uruguaiana como sendo sempre

verdadeiros ou definitivos, mas, efetivamente, pode-se tomá-los como indicadores iniciais

para a pesquisa.

Embora existisse um grande interesse dos viajantes em aumentar os conhecimentos

nas áreas de botânica, astronomia e geografia, não se descartam também as finalidades de

conquista do espaço platino pelos franceses, o que se pode observar pela afirmação de

Carmem Palazzo:

A França demonstrou muito cedo seu interesse pelo Brasil, não

necessariamente a partir de um projeto coerente de expansionismo – já que o cenário interno apresentava-se por demais conturbado – mas por meio de incursões freqüentes com objetivo de comércio. 121

Na segunda quinzena de janeiro de 1821, Auguste Saint-Hilaire tentou encontrar uma

guarda de soldados que estariam acampados no local denominado “vau” ou “passo de

Santana”, conforme narrou: “Há nas vizinhanças daqui uma guarda de alguns soldados

destacados de Belém; devo deixar ai o vaqueano que trouxe de Quaraim e levar outro, mas

infelizmente, meu guia não sabe onde fica instalada a guarda”.122 No dia 1º de fevereiro de

1 2 0 ISABELLE, Viagem ao Rio Grande do Sul: (1833-1834), p.114. “O comerciante do Havre, homem culto, imbuído, como quase todas as inteligências do seu século, das teorias do Racionalismo, acha que somente poderia ser liberal insultando a Igreja e, principalmente, os Jesuítas. Não obstante o terrível antagonismo desses pseudo-liberais, a América Portuguesa reconheceu e reconhece ainda que deve, aos Discípulos de Loyola, realizações dignas da mais adiantada civilização.” (Comentário tecido por Dante de Laytano, o tradutor da obra de Isabelle. p.104). 1 2 1 PALAZZO, Carmen Lícia. Imagens do Brasil nos relatos de viajantes franceses (séculos XVI e XVIII). Estudos Ibero-americanos - Revista do Departamento de História, Porto Alegre: PUCRS, v.XXV, n.2, dez. 1999. p.66. 1 2 2 SAINT-HILAIRE, Viagem ao Rio Grande do Sul, p.234.

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1821, encontrou o local onde a guarda deveria estar, porém lá havia apenas barracas

abandonadas e semidestruídas. Alguns homens, com a chegada do viajante, esconderam-se

nas matas, do que o autor deduziu que seriam índios ou espanhóis.

A partir de 1814, com a doação das sesmarias, seus proprietários foram tomando posse

da terra. Sabe-se que, dentro dessas demarcações feitas pelos proprietários das sesmarias,

havia índios, posseiros e tropeiros. Em virtude do intenso contrabando de gado praticado na

região, “insistente tinha sido a troca de chasques dos posseiros com o governo farrapo para

que fosse criado à margem do rio Uruguai uma povoação, especialmente, diziam, para

arrecadação de impostos e sede de uma guarnição”.123 No entanto, como registra Hemetério

Velloso da Silveira:

A população das fazendas não cogitou de erguer um campanário, como ponto de seu agrupamento, à exemplo que succedera em Santa Maria, Alegrete, Cruz Alta, Itaqui e Livramento. Ahi, onde abundantemente circulavam as onças de ouro, eram indifferentes as dependencias do Alegrete e pagar carissima a vinda do vigario para a administração dos sacramentos do baptismo e do matrimonio.124

Observa-se, assim, que já havia nesta época, mesmo antes da criação da vila, uma

circulação de moeda proveniente de negócios lícitos e ilícitos praticados por comerciantes,

viajantes e estancieiros. Estes últimos reuniram-se para escolher um local melhor para

travessia, pois o Passo de Santana, quando das cheias do rio Uruguai, inundava todo o

pequeno povoado, dificultando a vida da população. Conforme Raul Pont:

Em outubro de 1840, entretanto sobreveio uma tremenda cheia do Rio Uruguai, que desmantelou os ranchos da povoação, inclusive o Posto Fiscal que já se havia instalado sob a direção de José Pinto Cezimbra, que exercia as funções de coletor de impostos, que eram cobrados ao gado contrabandeado.125

Em 1839 já funcionava um posto fiscal avançado em Sant’Ana Velha, sob jurisdição

da mesa de rendas da alfândega de São Borja, que havia sido criada pelo decreto de 22 de

junho de 1836, embora somente tenha sido instalada em outubro de 1845. Em Uruguaiana, a

alfândega portuária, segundo Raul Pont, foi instalada em 12 de março de 1849, por José

1 2 3 PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. p.72. 1 2 4 SILVEIRA, Hemetério José Velloso da. As missões orientaes e seus antigos domínios. Porto Alegre: Typographia da Livraria Universal de Carlos Echenique, 1909. p.520. 1 2 5 PONT, op. cit., p.76.

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Joaquim da Cunha e Frederico Corrêa da Câmara, e seu primeiro inspetor foi Pinheiro da

Cunha.126

Começaram, então, os políticos mais influentes da República Farroupilha a discutir

sobre o melhor lugar para a definitiva ocupação da nova povoação. Um desses era Domingos

José de Almeida, mineiro de Diamantina, grande incentivador do comércio e indústria.

Jornalista e, como tal, fundador dos jornais Brados do Sul e Jornal do Povo, entusiasta do

movimento de emancipação e defensor dos ideais da Revolução Farroupilha. Na época, foi

eleito deputado para a primeira Assembléia Legislativa da província em 1835. Viveu boa

parte da sua vida na cidade de Pelotas, onde faleceu em 6 de maio de 1871.

Outro exemplo do político que defendia essas fronteiras foi Joaquim dos Santos Prado

Lima, nascido em Rio Pardo em 1802 e que, aos 32 anos de idade, foi eleito vereador em

Alegrete, para onde viera com a família. Foi presidente da Câmara, juiz de paz, chefe de

polícia, coletor geral e deputado da Assembléia Constituinte da República. Fazia inspeções

rotineiras pela costa do rio Uruguai quando era delegado e juiz de paz. Recebeu terras na

região de Uruguaiana e auxiliou na retirada da população quando da invasão paraguaia em

1865, cedendo escravos e até mesmo reses para o abate. Faleceu aos 94 anos de idade em

1897. Recebeu, ainda em vida, o título de “Patriarca de Uruguaiana”.

A idéia de mudar o pequeno povoado já existia desde 1839, segundo Hemetério José

Velloso da Silveira,127 mas somente em 1840 é que se iniciaram as tratativas, tendo como

principal interlocutor o estancieiro Joaquim dos Santos Prado Lima, então chefe de polícia de

Alegrete, designado para interceder pela população ribeirinha, que passava dificuldades por

causa das enchentes.

Prado Lima entrou em contato com Domingos José de Almeida, ministro da Fazenda e

do Interior, solicitando que o povoado fosse transferido para as margens do arroio Itapitocai,

no local denominado de “Coxilha de São Joaquim”. O ministro Almeida mobilizou alguns

outros políticos farroupilhas para entrarem em acordo sobre a necessidade da nova

localização, com o que três possíveis locais para sediar o povoado foram levantados: entre os

1 2 6 PONT, Raul. Subsídios para a história do contrabando. Uruguaiana: Centro Cultural Dr. Pedro Marini, pasta 95, GAV.11, nº13. 1 2 7 SILVEIRA, As missões orientaes e seus antigos domínios.

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arroios Imbahá e Salso; parte do Rincão de Sant’Ana, próximo à foz do Itapitocai; e por

último, ficando este o local definitivo, a região conhecida como “Capão do Tigre”, situada nas

terras de Manuel do Couto, homem muito rico e conhecido como “Couto Rico”.128

Percebe-se, através dos documentos e cartas analisados, assim como pelos dados

localizados a respeito da fundação da vila, que o local foi escolhido em razão dos interesses

financeiros dos sesmeiros da região e dos políticos farroupilhas. Foi então decretada a criação

da “Capela de Sant’Ana do Uruguai”:

Decreto nº 21. Alegrete, 24 de fevereiro de 1843 8º da Independência e da

República. Art. 1º - Fica creada, junto ao Capão do Tigre, na margem esquerda do Uruguai,

uma Capela Curada com a denominação de CAPELA DO URUGUAI. Art. 2º - A Capela do Uruguai terá por limites o Ibirocaí na sua Barra com o

Ibicuí até a Barra com o Giquiquá, por esta acima seguirá a vertente a rumo do sul que confronta com outra ao mesmo rumo, que vai ao Garupa e por este abaixo até o Quarahym, seguindo este até o Uruguai e daí por este acima a feixar na referida Barra do Ibirocaí, e gozará de todas as vantagens atribuídas por às demais Capellas Curadas da República. Francisco de Sá Brito, Ministro e Secretário dos Negócios da Justiça e interinamente dos do Interior o tenha assim entendido e faça executar com os despachos necessários. “Ass.” Bento Gonçalves da Silva – Francisco de Sá Brito.”129

O fato, ou seja, a criação da Capela Curada do Uruguai, foi noticiado no jornal farrapo

Estrela do Sul, na sua edição nº 2, de 8 de março de 1843, desta forma:

ALEGRETE Depois de hum maduro, reflectido exame, sobre o local mais conveniente para

fundar-se huma Povoação na margem esquerda do Uruguay junto ao Passo de S.Anna, foi ella finalmente creada pelo Decreto de 27 de fevereiro (?) do corrente anno, que abaixo transcrevemos. A nova Povoação vai pois ser construída em huma situação formosíssima, e pelas vantagens que apresenta, revalisará muito breve em riqueza e commércio com as mais populosas e florescentes do Estado. Tem hum magnífico porto para ancoradouro das embarcaçõens, que podem navegar no Uruguay, com sufficiente commodidade para conter mais de cento e cincoenta. Em frente ao arroio existe o Jataity, que necessariamente está destinado para em sua margem formar-se também outra Capella; e disto resultaram sem duvidas grandes utilidades mercantis para a que foi recentemente creada. He incrível o numero de habitantes, que já estão nella se estabelecendo e construindo cazas; attrahida por tantas vantagens de todas as partes concorre huma multidão ávida de fixar lá o seu domicillio; circonstancia esta, que promete o mais rápido progresso no augmento da Povoação. Considerada por outra face a creação de nova Capella muito deve contribuir para a melhor arrecadação das rendas publicas naquelle ponto, as quaes creceram naturalmente, à proporção que sejao bem fiscalisadas, e que torne franca a navegação do Uruguay. He este pois hum estabelecimento que grandes benefícios

1 2 8 PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. 1 2 9 PONT, op.cit. p.77.

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trará ao Paiz, e que deve por conseqüência merecer a mais seria attenção e solicitude de parte do Governo.”130

No artigo nota-se um forte empenho de que o comércio e o porto locais se

desenvolvessem, fazendo-se quase que uma convocação para que cada vez mais famílias se

instalassem no local, pois o entusiasmo pela prosperidade desta comunidade era muito grande.

Pode-se dizer que a mudança do povoado para outro local e o anúncio feito deste ato

retratavam a esperança em atrair pessoas e fazer crescer a vila, a qual, possivelmente, seria a

ligação da capital da República Farroupilha, sediada em Alegrete em 1843, com a região do

Prata; inclusive, poderia auxiliar no escoamento da produção das estâncias que se situavam

nessa região, que, em sua maioria, pertenciam a militares e políticos envolvidos com o

governo farroupilha.

Após o fim da Revolução Farroupilha, sob o governo de Patrício Corrêa da Câmara,

foi assinada a lei nº 58, de 29 de maio de 1846, elevando a então Capela do Uruguai a “vila”,

a qual recebeu então o nome de Uruguaiana. Seus limites, como previa a lei, foram fixados

pelo presidente da província em 3 de agosto de 1846, separando -a de Alegrete.131

Muitas são as interpretações dadas às questões legais de “vila” ou “município”,

caracterizadas no século XIX no Brasil, de modo que a tentativa de compreender esses

conceitos pode conduzir a compreensões duvidosas ou até mesmo confusas. Por vezes, vê-se

que não se tem definido qual é o termo utilizado na designação de “vila”132 ou “município”,

no caso de Uruguaiana, nos documentos oficiais da Câmara de Vereadores e correspondências

do governo da província com essa entidade. Portanto, quando se fala em “Villa de

Uruguaiana”, está-se fazendo referência a uma povoação de menor porte, com baixa

população, mesmo porque, na época, este era o termo comumente utilizado. Amyr Fortes e

João Wagner analisam as relações jurídicas e as possíveis semelhanças que havia entre

“município” e “vila” de maneira a esclarecer tal dicotomia:

1 3 0 Estrela do Sul – Transcrição obtida por cópia e gentileza do Sr. José de Almeida Collares, dos originais conservados na Biblioteca Pública de Pelotas. 1 3 1 PONT (1983), p.86. 1 3 2 Cf. Jacques Le Goff, na Idade Média, “[...] a villa é um domínio com um prédio principal que pertence ao senhor; em conseqüência, é um centro de poder, não apenas de poder econômico, mas também de poder em geral sobre todas as pessoas, os camponeses e os artesãos que vivem nas terras ao redor. Desse modo, quando se passa a dizer, em francês, la ville (o italiano conservará o termo cittá), marcar-se-á bem a passagem do poder do campo para a cidade. O termo ‘villa’ , esse se aplicará à aldeia nascente a partir dos séculos IX e X.” LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Unesp, 1998. p.12.

Comentário: coloque isso no rodapé

Comentário: podem conduzir

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A palavra “município”, entretanto, só aparece em nosso Direito Constitucional com a República, pois, até então, as expressões “vila” e “cidade”, além do significado que possuem, de aglomerado social, serviam para definir um território, subdivisão de província, ou seja, o município de hoje.[...] Também a expressão “município” só entrou para nossa legislação com o Ato Adicional – Lei Regencial nº 16 de 12 de agosto de 1834 – na qual há referência explícita aos “municípios das províncias” (Art. 10º, § 6º)... Durante muito tempo a figura jurídica do município foi concretizada pela “vila”, embora esta expressão nunca tivesse recebido definição em texto legal. A “vila” era “uma povoação de categoria inferior a uma cidade, mas superior a uma aldeia” [no caso de Uruguaiana, à uma Capela Curada].133

Coisa muito comum naquela época eram as povoações ou nucleações que se

formavam a partir de postos de apoio avançados, além das cercanias das cidades mais

próximas, como diz Miguel Jacques Trindade, referindo -se a Alegrete:

A formação dos distritos e subdistritos em nosso extenso município, como de há muito vinha acontecendo na Colônia Portuguesa e na província, teve suas bases em antigo pontos de apoio utilizados pelos padres catequizadores de indígenas e tropeiros: Oratórios, ‘cavalhadas, vacarias’ e postos de vigilância militar”.134

Uruguaiana, ou Oratório de Sant’Ana, era o segundo distrito da Capela do Alegrete

antes da criação da Capela Curada em 1843. Esse nome foi mudado para Sant’Ana Velha pelo

fato de outra povoação, na mesma capela, ser conhecida pelo mesmo nome, que mais tarde

seria a cidade de Santana do Livramento.

Em 29 de maio de 1846, pela lei provincial nº 58, foi decretada a elevação à vila da

Capela Curada, segundo normativo que trazia o seguinte:

Artº. 1º - Fica elevada à cathegoria de Villa, a nova povoação de Santa Anna, à

margem do Uruguay; e gosará de todos os foros e previlegio que por Ley tem as Villas.

Artº. 2º - Esta Villa se chamará Uruguayana e nella haverá hua Parochia, sendo o seu Orago aquella Santa.

Artº. 3º - O presidente da Provincia marcará provisoriamente os limites do Município, e da Freguezia, submettendo-os a essa Assembléa, na sua primeira reunião, afim de definitivamente serem fixados.

Artº. 4º - Os habitantes do Município farão a sua custa a casa da Câmara, e Cadêa, para cuja construcção a Camara Municipal promoverà subscripção.

Artº. 5º - Ficão consignados quatro contos de réis, para contrução das obras da Igreja da Villa, devendo o presidente da província dal-os, por prestações à medida que o andamento da obra o exigir, ao Párocho, ou à pessoa em cujo cargo ellas estiverem.

Artº. 6º - Ficão revogadas as Leis e disposições em contrario.

1 3 3 FORTES, Amyr Borges; WAGNER, João Batista S. História administrativa, judiciária e eclesiástica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1963. p.03. 1 3 4 TRINDADE, Alegrete: do século XVII ao século XX, p.45.

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Mando, portanto, à todas as Authoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei, pertencer, que a cumprão e fação cumprir tão inteiramente como nella se contem. O 1º official que interinamente serve de Secretário desta Presidencia, a fassa imprimir, publicar e correr. Palácio do Governo na Leal e Vallorosa Cidade de Porto Alegre aos vinte e nove dias do mez de Maio de mil oitocentos quarenta e seis, vigesimo quinto da Independência e do Imperio.135

A Câmara Municipal de Vereadores, como se pode constatar a partir do livro de Atas

das Sessões, foi instalada em 24 de abril de 1847. Um ofício enviado a Manoel Antônio

Galvão, presidente da província, comunicava o fato, o qual se transcreve em seqüência,

destacando que foi registrado no Livro de Correspondências da Câmara:

Illm.º e Ex.mo Snr. A Camara Municipal desta Villa, tem a subida honra de

remetter a V. Ex.ª a inclusa copia do Auto de sua installação, que acaba de ter lugar, cumprindo assim com o disposto na ultima parte do art.º 4º do Decreto de 13 de Novembro de 1832. Deos Guarde a V. Ex.ª. Villa de Uruguayanna em Sessão de 24 de Abril de 1847.136

O ofício era assinado pelos primeiros componentes da Câmara – “Venancio Jose Per.ª

= Manoel Thomas do Prado Lima = Manoel Doria da Luz = Narciso Antonio d’Oliveirª =

Francisco José Dias = Theodolino de Oliveirª Fagundes = e José Pereirª da Silva”137 – , em

sua maioria sesmeiros nessa cidade.

Desses, Manoel Thomas do Prado Lima era irmão de Joaquim dos Santos Prado Lima

e também possuía terras na região de Uruguaiana, tendo fincado suas raízes na fronteira

mesmo antes da formação da vila. Narciso Antonio de Oliveira era também sesmeiro e major

do Exército e arrematou, em 1864, o Passo da Cruz. Francisco José Dias participou como

sesmeiro e político farroupilha, tendo sido indicado por Domingos José de Almeida para

compor a comissão que definiu onde seria a localização da nova povoação. Theodolino de

Oliveira Fagundes era um dos maiores sesmeiros dentre os vereadores eleitos para compor a

primeira mesa da Câmara da vila de Uruguaiana, tendo recebido sesmarias na região entre o

Pindaí e o Carumbé. Vindo de São Gabriel e irmão do major Narciso, exerceu o cargo de

primeiro juiz de paz da vila de Uruguaiana.138

1 3 5 ALBUQUERQUE, Amílcar Cunha de. Relatório de estatística apresentado ao Coronel João Baptista Arregui. Uruguaiana: 25 jul. 1926. p.60-61. 1 3 6 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.01. 1 3 7 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.01. 1 3 8 Ver capítulo VI em PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul.

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Outros tantos documentos, assim como as transcrições das Atas das Sessões da

Câmara, mostram a constante comunicação entre a então vila de Uruguaiana com a

Presidência da província, tanto para prestar informações diversas quanto para solicitar auxílio

do governo em determinadas áreas, como para a instalação de uma agência dos Correios,139

autorização para trazer de São Borja dois sinos que eram da época das Missões para instalá-

los na Igreja Matriz, etc.

Na época da instalação da Câmara Municipal, era utilizado o “Código de Posturas da

Câmara Municipal da vila de Uruguaiana”, onde constavam todos os deveres e direitos da

Câmara, bem como de seus funcionários, e até mesmo dos moradores da vila, como se pode

perceber por esta transcrição:

Titulo 1º §4º - Todos edificios que se construirem n’esta Villa terão ao menos dezoito palmos de pé direito, descansarão sobre paredes de pedra ou tijolo, serão cobertas de telha ou satea; as portas terão doze palmos de altura, e cinco de largura de vivo ao menos, e as janellas sete palmos de alto, e a mesma largura das portas. O contraventor soffrerá a multa de 30$000 reis, e obra será demolida assua custa; se reincidir pagara o duplo da multa, demolir-se-há a obra a sua custa.140

Para os vereadores previa-se: “Titulo 17º § 147 – Todo o empregado da Camara que

nas funçoes de seu cargo, não tratar as partes com toda a urbanidade possivel, faltando -lhes ao

respeito devido, será demittido, hûa vez que não prove que foi provocado.”141

Dessa forma, e como se constata em algumas atas da Câmara Municipal, os vereadores

eram penalizados por faltas que, porventura, fossem cometidas, tendo -se como base o Código

das Posturas. Isso leva a crer que a política, ao menos municipal, desenvolvida na época era

cumprida de forma bastante enérgica, pelo menos no tocante à organização interna da Câmara

e também da cadeia pública, organizada e gerida pela mesma Casa.

1 3 9 Conforme podemos ver em URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. “A Camara Municipal desta Villa tem a honra acuzar a recepção do officio de V.Sª datado de 12 de outubro ultimo, em que pede informações sobre o modo de formar huma Agencia de Correios desta Villa a de Alegrete, indicando mais a V.S.ª as pessoas e todos os quesitos marcados no citado Officio. Esta Camara vai aproceder as infomações precisas, e logo que as obtenha participara a V.S.ª para o ffeito indicado. = [...] 17 de Nobr. Digo em Sessão extraordinaria de 17 de Novembro de 1847.” 1 4 0 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.34. 1 4 1 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.57v.

Comentário: elimine essa palavra

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Principiando com a doação de sesmarias, fixação de território e propriedade, a região

da fronteira oeste do Rio Grande do Sul foi se organizando em pequenos povoados e dando

origem, posteriormente, às cidades. Através de ap enas um órgão político-administrativo, a

Câmara de Vereadores, essas vilas ou cidades eram geridas e, pela organização espacial e

política que foi desenvolvida, é que se torna passível de análise a urbanização que se deu no

início da formação das vilas fronteiriças, principalmente em Uruguaiana, onde fatores

políticos e de imigração estrangeira tiveram papel essencial na constituição da vila.

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4. A URBANIZAÇÃO NA FRONTEIRA OESTE RIO -GRANDENSE

Como se está trabalhando com uma cidade de fronteira, deve-se ter o cuidado de

analisá-la dentro da conjuntura espacial da qual faz parte, pois sabe-se que, apesar de o espaço

hoje estar definido por divisões políticas, desde muito tempo já constituía uma área sem

limites para seus habitantes. Portanto, tudo precisa ser considerado para se poder entender a

forma de ocupação do espaço fronteiriço e a urbanização dessa região.

Bordieu afirma que não existem critérios capazes de fundamentar as classificações em regiões “naturais” separadas por fronteiras “naturais”. Trata-se de representações, que podem estar embasadas em critérios objetivos, como ascendência, território, língua, religião, atividade econômica, ou subjetivos, como o sentimento de pertencimento.142

Ao se iniciar esta discussão, torna-se necessário dissertar sobre os conceitos de região,

que são abordados por outras disciplinas compósitas,143 para melhor se entender a maneira

como os povoados se formaram e ocuparam os espaços regionais. “O primeiro e mais

imediato de todos é o tratamento da geografia física e humana, que irá identificar a região

com base em critérios de delimitação da paisagem natural e étnica.”144 Também se podem

considerar “los factores geográficos, cuya historia hay que considerar, solo adquiren uma

importancia decisiva cuando se les relaciona com otros datos, económicos, sociales,

culturales”.145

1 4 2 BARCELLOS, Tanya M. de; OLIVEIRA, Naia. As áreas de fronteira na perspectiva da globalização: reflexões a partir do caso do Rio Grande do Sul/Corrientes. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.226. 1 4 3 Compósitas é a união de duas ciências num substantivo e num epíteto: história sociológica, demografia histórica, antropologia histórica; Ver mais em LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.26. 1 4 4 NORONHA, Márcio Pizarro. Região, identificações culturais. História: Debates e Tendências, Passo Fundo: Ediupf, jun. 1998, v.1, n.1. p.25. 1 4 5 BRAUDEL, Fernand. El Mediterráneo: el espacio y la historia. México: Fondo de Cultura Económica, 1992. p.115.

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Desde a Antiguidade, o conceito de região veio passando por diversas alterações de

significados e, até mesmo, de perspectivas teóricas e metodológicas, mas foi a partir da Idade

Contemporânea que o Estado passou a influenciar definitivamente na sua configuração.

Uma das principais características do homem é a sua capacidade de adaptação e,

conseqüentemente, a sua capacidade de viver em cidades, o que, conforme a evolução do

homem, acaba por não ser natural. Isso porque há mais ou menos 15 milhões de anos, desde

que os primeiros ancestrais povoaram a Terra, caracterizavam-se pelo nomadismo e viviam

em pequenos grupos em amplos espaços abertos.

Para Milton Santos, o espaço é um fato social, produto da ação humana, uma natureza

socializada, que, por sua vez, interfere no processo social não apenas pela carga de

historicidade passada, mas também pela carga inerente de historicidade possível de ser

construída.146

Lipietz, por sua vez, acredita que o “espaço social” é o fundamento do espaço

empírico, com o qual se mistura:

[...] o espaço sócio-econômico, segundo o autor, pode ser analisado em termos da articulação de espacialidades próprias às relações definidas nas diferentes instâncias de diferentes modos de produção existentes numa formação social. Essas espacialidades consistem na correspondência entre presença/distância (no espaço) e participação/exclusão (na estrutura da relação considerada), o que pode ser melhor entendido pela distribuição de lugares no espaço e na relação.1 4 7

É inevitável, ao se falar de espaço, não levar em consideração que é parte da sociedade

que o produz e que, por isso, deve ser entendido em sua totalidade, assim como a sociedade.

No entanto, esse espaço é particionado em diversos “pedaços”, que podem ser estudados de

diversas formas, utilizando-se de diversos métodos, em elementos que interagem e o fazem

interagir a fim de que se complementarize e seja complementarizado e modificado a partir

das ações externas e internas, supondo uma “interdependência funcional”, como afirma

Milton Santos.148

1 4 6 SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Região e história: questão de método in: SILVA, Marcos A. da (Coord.). República em migalhas. História reginal e local. São Paulo: Marco Zero, 1990. p.28. 1 4 7 LIPIETZ, Alain. Le capital et son espace in: SILVA, op. cit., p.29. 1 4 8 SANTOS, Milton. Espaço e método. 4.ed. São Paulo: Nobel, 1997. p.7.

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Segundo o mesmo autor, a divisão dos elementos poderia ser esta: “os homens, as

firmas, as instituições, o chamado meio ecológico e as infra-estruturas.”149 Cada um responde

por uma função que é a ação dentro do espaço, e o estudo das interações dessas ações é

necessário para se alcançar a totalização do espaço social.

Deve-se levar em consideração para a análise, a posteriori , dos elementos do espaço

sua diferenciação em razão de dado sistema temporal em que ocorrem, bem como espacial,

mudando seu papel. O espaço, assim, deve ser tratado dentro de suas interdependências e com

relação ao todo. Não se trata o espaço na história como sendo absoluto e evidente por si

mesmo, pois este contém dentro de si não só o espaço físico, mas o cultural, o social, o

político e o ideológico. Sua construção é feita pela sociedade, que interage com a

territorialidade, onde as identidades comuns se concentram para dar a “cara” desse espaço.

Procurando a vertente mais particular em torno deste ponto, tem-se a região como

particularização do espaço. Milton Santos esclarece que região

[...] se definiria, [...] como o resultado das possibilidades ligadas a uma certa presença, nela, de capitais fixos exercendo determinado papel ou determinadas funções técnicas e das condições do seu funcionamento econômico, dadas pela rede de relações acima indicadas. Pode-se dizer que há uma verdadeira dialética entre ambos esses fatores concretos, um influenciando e modificando o outro.1 5 0

Segundo Ana Luiza Gobbi Setti Reckziegel, há uma tendência entre os historiadores

de assimilarem e utilizarem os conceitos produzidos pelos geógrafos, mas, entre as muitas

vertentes explicativas para o termo “reg ião”, há um ponto consensual de que seria a

particularização dos lugares, a sua individualização. Portanto, pode-se aceitar como válida a

definição de região “como um espaço de identidade ideológico-cultural e representatividade

política, articulado em torno de interesses específicos, geralmente econômicos, por uma

fração ou bloco regional de classe que nele reconhece sua base territorial”.151

Uruguaiana pertence à região denominada de “Campanha”, que já tinha seus espaços

particularizados e era individualizada pela situação imposta pelos conquistadores, visto que

1 4 9 SANTOS, Espaço e método, p.6. 1 5 0 SANTOS, op. cit., p.67. 1 5 1 RECKZIEGEL, A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai (1893-1904), p.20.

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se localiza num contexto de fronteira. Foi criada ainda quando não havia limites políticos

definidos para o Rio Grande do Sul, os quais somente mais tarde foram demarcados pela

criação da fronteira do estado sulino com o Estado Oriental e a República Argentina, tendo

como fronteira natural o rio Uruguai. Conforme Márcio Pizarro Noronha:

Região, ao invés de ser apenas um referente (no caso específico da delimitação a um tipo de configuração geográf ico-espacial), passa a ser um modo de proceder – um tratamento metodológico – que visa estabelecer uma relação específica no âmbito de uma cartografia simbólica, que deverá incluir os níveis do local, do regional, do nacional e do transnacional.152

A v ila de Uruguaiana, quando de sua criação, apresentava características militares em

sua organização política, fator fundamental na criação de vários municípios em regiões

consideradas vulneráveis às invasões de países vizinhos. Sua base econômica era formada por

estancieiros que praticavam a criação extensiva de gado; já o desenvolvimento do comércio

desta vila apresentou alguns pontos que se podem considerar importantes em seu crescimento,

como a facilidade de comunicação com as cidades costeiras ao rio Uruguai, bem como com as

da região da bacia do Prata. Foi com a chegada dos elementos culturais vindos da Europa e do

centro do Brasil que o comércio nacional e internacional começou a fluir, passando a ser

identificada a vila como sendo um grande porto de escoamento de produtos para fora e para

dentro do país. Conforme Brasil Pinheiro Machado, podem-se

destacar duas formações sócio-econômicas que, com o passar do tempo, vão entrando em conflito, numa luta pela hegemonia da sociedade: os donos da terra (os “latifundiários”) e os comerciantes. Os latifundiários percorrem a linha mais legítima da tradição da comunidade; os comerciantes representam a possibilidade de progresso e de superação da atitude tradicional.153

A possibilidade de uma invasão e a necessidad e de fixar limites do território

justificaram a criação de alguns postos da Guarda Nacional para defesa da fronteira, o que

levou a se identificar a província de São Pedro como tendo um papel marginal, pois “a

vocação militar de um posto avançado de fronteira fez com que alguns traços fossem

marcadamente diferentes de outras províncias do Império.”154 Foram

as tensões de uma fronteira duramente controvertida, em constante estado de guerra, mais a rudeza primitiva das lides campeiras, explicam as transformações

1 5 2 NORONHA. História: Debates e Tendências. Passo Fundo: Ediupf, jun. 1998, v.1, n.1. p.26. 1 5 3 MACHADO. História: Questões e Debates. Curit iba, nº2, dez. 1981. p.107. 1 5 4 TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Rio Grande da América do Sul: partidos e eleições (1823-1990). Porto Alegre: Editora da Universidade / Sulina, 1991. p.27.

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responsáveis pela cunhagem do padrão social que vingou no Rio Grande sob o designativo regional de gaúcho.155

A Câmara da vila de Uruguaiana, representada pelos seus vereadores, não tinha uma

certa segurança de seus poderes com referência à defesa de limites internacionais, nem

autonomia para gerar algum débito com oficiais ou praças da Guarda Nacional, que estava

assentada nas imediações da vila, tanto que, para oferecer uma moradia a esses, a Câmara

solicitou autorização ao presidente da província, como se pode verificar através deste ofício:

Illm.º Ex.mo Snr. = Tem a honra esta Camara acusar a recepção do officio de

V.Ex.ª de 5 do corrente em que significa como deve entender- se a duvida que esta Camara tinha sobre a competencia de poder ou não tomar assento de V.ª qualquer official de G. Nacionaes em destacamento o qual assim se lhe fez saber. = [...] Uruguayana em Sessão extraordinaria de 6 de Fevereiro de 1849.156

Isso proporcionou a formação de uma identidade, pois a região necessitava que o

Império criasse estruturas para manter os limites na fronteira oeste da província de São Pedro.

Junto com o início da ocupação do espaço da vila de Uruguaiana, nasceu a

necessidade do comércio, primeiramente com os populares armazéns de secos e

molhados,cuja utilidade é visível até os dias de hoje, e, posteriormente, com empresas

maiores, que faziam transações com o exterior. Portanto, havia duas formações econômicas

bem distintas: os pecuaristas e os comerciantes.

O crescimento urbano era influenciado pelas facilidades de negociar, sem contar os

serviços oferecidos pela concentração urbana, como as sapatarias, ferrarias, armazéns,

escravos de ganho, boticários, bilhares, e outros. Isso atraía a população rural para as áreas

urbanas. E foi a partir dessas concepções de desenvolvimento que o poder político passou a

ser moldado: o que antes estava concentrado nas mãos dos pecuaristas, formando uma

hegemonia política, começou a sofrer mudanças através de opiniões diferenciadas referentes

ao desenvolvimento e ao pro gresso da vila. O poder político urbano foi assumindo posturas

em benefício da burguesia urbana, mesmo que nesse período (1850-1870) esta classe não

tivesse um papel tão relevante no cenário social brasileiro.

1 5 5 TRINDADE; NOLL, Rio Grande da América do Sul: partidos e eleições (1823-1990), p.09. 1 5 6 URUGUAIANA. Câmara da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros de Ofícios e Correspondências (1849-1861) Centro Cultural Dr. Pedro Marini: Sala do Arquivo Histórico. p.9.

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A região está configurada como uma fração estruturada do todo. Segundo Rogério

Haesbaert da Costa:

A exemplo do pays francês, região proposta por Vidal de La Blache, considerado o fundador da geografia regional clássica, a Campanha era considerada uma região no sentido de envolver uma paisagem relativamente uniforme e um "gênero de vida" específico, representado pela criação de gado em suas grandes propriedades campestres, a herança cultural lusa e espanhola e as práticas tradicionais do gaúcho.157

A região é identidade, é personalidade regional e possui as suas especificidades, que

são historicamente construídas, assim como a definição do espaço local, que pode ser

concebido por dois vieses: o primeiro, concreto, ou seja, o espaço delimitado fisicamente, e o

segundo, abstrato, definido pelas relações sociais desenvolvidas e incorporadas pelos

elementos da comunidade.158

As Posturas Municipais eram determinantes para o processo de organização do espaço

urbano econômico de Uruguaiana, que foi construído a partir de uma necessidade de

formação de cap ital, influenciado pela possibilidade de um fluente comércio internacional e

nacional, gerando, assim, relações inter-regionais e internacionais. Para Ciro Flamarion

Cardoso, que assume uma abordagem teórica baseada no materialismo dialético, citado por

Reckziegel, a “noção de região está intimamente ligada ao processo de desenvolvimento

econômico e à difusão das inovações do capitalismo.”159

A vila de Uruguaiana, desde seu nascimento, possuía uma estrutura que a identificava

como uma fronteira-zona, pois não pode ser concebida como uma zona de periferia no que diz

respeito à economia e a sua importância para o desenvolvimento das outras cidades que eram

partes integrantes desta zona de comércio, como importadores e exportadores, ou,

simplesmente, compradores de produtos que entravam pelo porto de Uruguaiana. Tedesco,

comentando uma posição weberiana, relata que,

a característica básica da cidade é a funcionalidade de um mercado fortificado por instituições políticas e administrativas (centro de poder) que objetivam a

1 5 7 COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.16. 1 5 8 Idéia desenvolvida a partir de discussões em sala de aula na cadeira de História e Região: dimensões teórico-metodológicas, dia 22 de março de 2001, com a Prof.ª Dr.ª Ana Luiza Reckziegel. 1 5 9 RECKZIEGEL. História: Debates e Tendências. Passo Fundo: Ediupf, v.1, n .1, jun.1999. p.18.

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subsistência econômica, inclusive com formas modernamente conhecidas de expropriação do excedente alheio.1 6 0

Com a incorporação da individualidade no espaço local, deve-se vê-la mais na sua

complexidade que na unilateralidade de processos aglutinadores, que ignoram as diferenças e

priorizam uma universalização, pois essa visão é facilmente contestada dentro da região.

Portanto, as regiões envolvem relações de poder, ou seja, disputa de poder; uma representação

e uma ideologia, principalmente quando a ideologia é apropriada pelos grupos dominantes e

assimilada pelo restante da sociedade, com o que será, então, uma representação ideológica.

Apesar de a região ter suas articulações com o todo, possui características próprias,

autônomas, que singularizam deste todo o local, que é o conjunto das relações sociais que

atuam dentro do regional. Para Ana Luiza Reckziegel:

Os estudos históricos com o recorte regional são, assim, manifestações de um

tempo que recusa as ditas concepções hegemônicas, tentando resgatar as particularidades e especificidades locais como maneira de confirmar ou refutar as grande sínteses até agora impostas como válidas para todas as realidades históricas.161

A história regional é uma forma de recorte que o historiador pode utilizar para estudar

o seu objeto de pesquisa. Uruguaiana está inserida dentro do contexto da Campanha, mas

possui suas características próprias, bem como Itaqui e São Borja, pois o crescimento

alcançado pela vila pode ser percebido pelo fluxo de importação e exp ortação que passava

pelo porto e que imprimia a essas três cidades um caráter diferenciado. O maior fluxo de

comercialização dava-se com Buenos Aires e Montevidéu, estas cidades consideradas como

cidades de grande porte, que enviavam vários produtos com destino ao Brasil. Contudo, esses

produtos eram provenientes das cidades fronteiriças brasileiras, que os enviavam aos portos

do Prata, os quais, os reexportavam para as capitais brasileiras que se localizavam próximas à

costa.

O estudo regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho

nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da História (como os movimentos sociais, a ação do Estado, as atividade econômicas, a identidade cultural, etc.) a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o

1 6 0 DAL MORO, Selina Maria; KALIL, Rosa Maria Locatelli; TEDESCO, João Carlos. Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de urbanização na região de Passo Fundo. Passo Fundo: Ediupf, 1998. p.19. 1 6 1 RECKZIEGEL. História: Debates e Tendências. Passo Fundo: Ediupf, v.1, n.1, jun.1999. p.21.

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particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças, a multiplicidade.162

A ocupação do espaço de Uruguaiana era, antes de tudo, uma qualificação,

componente de um processo econômico e histórico e que urgia ser humanizador e construtor

de uma identidade, pois as migrações, imigrações e as invasões deste espaço, bem como as

apropriações, doações, compras e confiscos, seguidos dos fatores econômicos locais, atraíram

para a esta vila uma considerável quantidade de estrangeiros, o que levou, em 1858, o viajante

francês Avè-Lallemant a dizer sobre a vila:

É uma vila de pelo menos 2.000 habitantes, onde se manifesta, em todos os recantos, a mais viva atividade comercial. Só franceses existem mais de cem no lugar, entre eles gente de muito boa educação e irrepreensível conduta. Em Uruguaiana quase não se reconhece uma cidade brasileira, mas uma hispano -francesa, que parece apoiar -se em suas relações de vida e de comércio, mais em Buenos Aires e Montevidéu, do que em Porto Alegre e Rio Grande.163

A afirmação de Avé-Lallemant e os levantamentos no Arquivo Histórico de

Uruguaiana comprovam a existência de um grande número de estrangeiros na época, dentre

os quais franceses, ingleses, alemães, italianos e espanhóis, que encontraram ali uma vila em

fase de organização urbana. Com eles veio uma parcela do capital que iria estruturar um novo

espaço econômico da fronteira-oeste da província, pois “o espaço é das forças produtivas,

juntamente com o capital e o trabalho, não apenas um ambiente construído.”164

A força produtiva de Uruguaiana era a pecuária, juntamente com os produtos dele

derivados, como o couro e o charque. Essa força produtiva possuía dois atores: quem detinha

o bem (o animal) e quem possuía o capital, ou seja, o comprador que executava uma oferta de

compra para, a posteriori, revender a um outro estancieiro, que abatia a rés para comercializar

a carne, fresca ou o charque. Assim, o acúmulo de capital era rendoso através das transações

de compra e venda. Para Harvey,

[...] o processo urbano é a produção de um ambiente construído, e o estudo

desse processo envolve o exame das forças pelas quais esse ambiente é produzido e

1 6 2 AMADO, Janaína. História e região: reconhecendo e reconstruindo espaços apud RECKZIEGEL. História: Debates e Tendências. Passo Fundo: Ediupf, v.1, n.1, jun.1999. p.21. 1 6 3 AVÉ-LALLEMANT , Robert Christian Bertold. Viagem pelo sul do Brasil no ano de 1858 apud SILVA in: DACANAL, RS: economia e política, p.67. 1 6 4 DAL MORO; KALIL; TEDESCO, Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de urbanização na região de Passo Fundo. p.31.

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seu papel no processo mais amplo de acumulação. Em linhas gerais , o espaço urbano é produto de interesse do capital.1 6 5

Seriam essas forças produtivas que iriam alavancar o processo de crescimento

econômico que, junto com outros produtos, ocorreu no decorrer da segunda metade do século

XIX: a erva-mate, a madeira, o sal, o couro, etc. Pelo movimento de importações e

exportações, vê-se que a “cidade é a manifestação espacial desse processo de acumulação, ou

seja, a estrutura e o funcionamento das cidades estão radicados na produção, reprodução e

organização em toda part e do processo de acumulação do capital.”166

Ainda se pode afirmar que muitas foram as transações de compra e venda de gado

feitas com os atravessadores que, algumas vezes, eram contrabandistas, que se multiplicavam

nessa região pela não-coibição de suas ações. A identidade individual desses diversos grupos

que se instalaram nesta região vem se aglutinar aos fatores geográficos e políticos, para,

juntos, formarem uma nova característica do local, transformada – diferentemente de outras

regiões, onde a instalação dos imigrantes ocorreu de forma constante e se inseriu no local de

acordo com suas semelhanças, do que é exemplo a quarta colônia italiana, a região de

colonização alemã etc. – em uma identidade regional, com traços bem distintos, através da

aglutinação de costumes, políticas, vivências, idiomas etc.

Na medida que os padrões de civilização foram se desenvolvendo acima do nível de subsistência, as fronteiras entre ecúmenos tornaram-se lugares de comunicação e, por conseguinte, adquiriram um caráter político. Mesmo assim, não tinha a conotação de uma área ou zona que marcasse o limite definido ou fim de uma unidade política. Na realidade, o sentido de fronteira era não de fim, mas do começo do estado, o lugar para onde ele tendia a se expandir.167

Apesar das exportações da erva-mate e de outros produtos, a base econômica de

Uruguaiana era a pecuária extensiva, que, a partir de 1858, expandiu -se com maior rapidez. A

legalização das sesmarias passou a ocorrer a partir da Lei das Terras, em 1850, caracterizando

a propriedade rural estancieira e proporcionando, assim, a legalização dos grandes latifúndios:

“Assim, a Coroa portuguesa e os fazendeiros rio -grandenses conjugaram seus interesses na

1 6 5 DAL MORO; KALIL; TEDESCO, Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de urbanização na região de Passo Fundo, p.29. 1 6 6 DAL MORO; KALIL; TEDESCO, Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de urbanização na região de Passo Fundo, p.28. 1 6 7 Para uma visão mais ampla desta tendência ver: STROHAECKER, Tânia Marques. et.al. Fronteiras e espaço global. Porto Alegre: AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1998. p.41.

Comentário: evite “desenvolvimento”, é melhor “crescimento” ou outra expressão...

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contração das fronteiras: a fome de terra e de gado dos proprietários gaúchos avançou mais

rapidamente que a institucionalização dos limites.”168

Ana Luiza Gobbi Setti Reckziegel deixa claro que, quando nos

referimos ao inter-relacionamento entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai, objetivamos chamar a atenção para o fato que se formou uma região na qual se reconhecem características comuns, isto é, a fronteira entre ambos os territórios foi extrapolada pela existência de uma área compartilhada desde os primórdios da ocupação lusitano-espanhola, moldada por uma história comum.169

Esse inter-relacionamento pode também ser aplicado à fronteira com a Argentina, em

especial aqui, no presente trabalho, à cidade de Uruguaiana. A fronteira não tem poder de

influenciar em características culturais adquiridas durante algum período, pois, mesmo que “a

presença do Estado imponha distinções marcantes entre uma parte e outra, o contato

interfronteiriço pode ensejar estilos de vida semelhantes em ambos os lados, o que, algumas

vezes, influi na existência de uma identidade regional singular.”170

Com base nessas afirmações, pode-se concluir que a formação de uma identidade

regional pode e sofre influências ocasionadas pelo inter-relacionamento entre países e, no

caso específico de Uruguaiana, forma uma região que ultrapassa os limites determinados pela

fronteira no seu caráter político. Para se entender a criação da identidade de Uruguaiana,

torna-se necessário compreender como se desenvolveu a economia da região e quais foram os

atores que interagiram nesse processo.

A tentativa de analisar a formação da identidade desta região parte dos espanhóis e dos

índios, mas deve-se considerar que, após os portugueses definitivamente terem tomado posse

da região, iniciou-se o segundo processo de influência de identidade, com a vinda para a

região de estancieiros portugueses com o objetivo de garantir a posse do território. Com eles,

entrou em cena um novo ator, o negro, além dos diversos estrangeiros franceses, alemães,

ingleses, que também se instalaram no cenário pampeano em busca de novas oportunidades.

1 6 8 RECKZIEGEL, A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai (1893-1904), p.33. 1 6 9 RECKZIEGEL, op. cit., p.19. 1 7 0 RECKZIEGEL, op. cit., p.19.

Comentário: Essas etnias chegaram ali antes dos portugueses???

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Portanto, têm-se índios, espanhóis, portugueses e negros, além de imigrantes, em

especial, italianos, franceses e alemães provenientes da Europa, que, com exceção do escravo,

procuravam a realização de aspirações pessoais voltadas ao âmbito econômico. Fica claro que

a identidade de Uruguaiana mudou com o passar do tempo, tendo-se aí um elemento novo, o

gaúcho, que teve sua identidade elevada no contexto nacional a partir da Revolução

Farroupilha. Portanto, ao se comparar o estado rio -grandense com qualquer outro estado

nacional, não se pode esquecer do passado rural e da figura do gaúcho171.

A figura do gaúcho, entretanto, estava marcada pelas ideologias elitistas, que, por

necessidade de dominação, incorporaram os modos de vida dos gaúchos para tentar convencê-

los da necessidade da luta contra os imperialistas. Tau Golin, em A ideologia do gauchismo,

comenta que o tradicionalismo era a ideologia da elite rural, que pretendia se sobrepor aos

ensejos do centro do país e manter uma ordem social e de organ ização interna. Assim, a

corrente tradicionalista, que foi tomando forma no Rio Grande do Sul, serviu de suporte para

a manutenção do poder estatal e, especialmente, econômico dos estancieiros sul-rio-

grandenses.172

Durante a Guerra do Paraguai, Duque de Ca xias, dirigindo-se a Uruguaiana, escreveu:

Para o gaúcho rio-grandense, (mesmo) que um homem tenha nascido à sua porta, na província de Santa Catarina, quer venha da Lapônia, é sempre baiano. E se, para ele, o gaúcho castelhano é um rival odiado, ao menos considera-o seu igual, pois sempre é gaúcho; ao passo que o baiano é um ser inferior, porque não maneja bolas nem laço, não se tem por ‘centauro’ e não entende ser desonra andar a pé.173

O gaúcho, segundo Tau Golin, era tido como o “pária do Estado, o marg inal do

campo, que, alijado de todos os meios legais e trâmites jurídicos para tomar posse da terra que

conquistara, vivia permanentemente como intruso.”174 No entanto, não se pode deixar de

perceber o papel que a elite latifundiária do século XIX teve nesse processo de alijamento do 1 7 1 Segundo LESSA, Barbosa (1985), p.24 apud COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.79, o primeiro documento onde aparece a definição de “gaúcho” foi o Diário de José de Saldanha, escrito em Santa Maria em 1777: “gauches – palavra espanhola usada neste país para designar os vagabundos ou ladrões do campo que matam os touros chimarrões, tiram-lhes o couro e vão vender nas povoações”. Ainda na Revolução Farroupilha (1834) o termo era usado pejorativamente (v. Lessa, p.26). Já FLORES, Dicionário de história do Brasil, p.237-238 diz que etimologicamente a palavra é desconhecida, mas que surgiu na região do Prata para designar o grupo de indivíduos mestiços, brancos, índios e negros que se reuniam nos acampamentos dos índios charruas e minuanos, marginalizados pela sociedade latifundiária. Ainda comenta que segundo Coni, o primeiro tipo teria surgido por volta de 1617 em Santa Fé. 1 7 2 GOLIN, Tau. A ideologia do gauchismo. 3.ed. Porto Alegre: Tchê, 1983. 1 7 3 GOLIN, op. cit., p.20. 1 7 4 GOLIN, op. cit., p.68.

Comentário: Isso é óbvio... Todos temos nossos objetivos particulares.

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gaúcho, tratando -o como um substrato da sociedade que fora criado livre no campo, sem

acesso à menor instrução.

A identidade de Uruguaiana ultrapassa as fronteiras políticas, visto que sua formação,

em certos momentos, poderá servir para aproximar e, em outras, para acirrar as diferenças

entre regiões. Uruguaiana possui sua fronteira natural e tem o rio Uruguai como limite de

fronteira com a Argentina.

A fronteira é, por outro lado, uma área estratégica, e as relações que nela se expressam a tornam constantemente móvel, ou seja, as fronteiras são sempre transponíveis por trocas estabelecidas pela sociedade: elas se abrem ou se fecham, dependendo da origem dos interesses que estão presentes. A fronteira ao mesmo tempo proíbe e aut oriza a passagem, pois é uma construção histórica resultante de relações de força entre grupos ou classes sociais, típicas de sociedades capitalistas.1 7 5

A formação da identidade uruguaianense apresenta particularidades com referência às

demais regiões por se tratar de uma zona de fronteira, cuja identidade muitas vezes é

apropriada, seletiva de objetos, símbolos e significados. Por essa razão, é importante a

reflexão sobre as inter-relações observadas entre identidades locais, nacionais e

intern acionais.

A urbanização é parte indissociável em se tratando de aglomerações humanas e de

formas de produção em conjunto em sociedade. Precisa-se levar em consideração as relações

entre os homens dentro de um espaço delimitado socialmente para se chegar a uma relação

deste com o espaço econômico, cultural, e assim por diante. Como afirma Albers, o

urbanismo, “no sentido moderno da palavra, é o planejamento prospectivo – até a fixação

jurídica – da utilização do solo na cidade e no campo, interfere nos direitos de uso do

proprietário e em suas expectativas de lucro.”176 Há, portanto, uma intrínseca relação entre

economia e urbanização. Haroldo Carvalho, citando Weber, confirma que,

[...] apesar de a cidade ser um dos pressupostos para o capitalismo, este, à medida que se desenvolve, acaba por determinar o ritmo do crescimento urbano; assim, há uma alteração de posição: a cidade transita de formadora para resultado do próprio sistema econômico. 177

1 7 5 BARCELLOS; OLIVEIRA. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.225. 1 7 6 ALBERS, G. A cidade in: GADAMER, H.-G.; VOGLER, P. (Org.). Nova antropologia: o homem em sua existência biológica, socil e cultural. São Paulo: Ediusp, 1977. p.166. 1 7 7 CARVALHO, Haroldo L. Elementos para o estudo da urbanização brasileira. Passo Fundo: Ediupf, 1998. p.11.

Comentário: A formação da identidade uruguianense

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Pelo que foi posto anteriormente sobre a criação da vila de Uruguaiana, percebe-se a

presença de interesses econômicos na formação de centros urbanos nessa região, para

possibilitar o escoamento da produção vinda do interior e fazer frente ao mercado platino. O

porto desta vila seria um dos melhores da bacia do rio Uruguai para comercializar as

mercadorias que fossem importadas daquela região, sem necessidade de efetuar transações

pelo mar. A navegação interna mostrava-se, na época, muito mais segura, pois os produtos

chegavam mais rapidamente ao mercado consumidor do interior do continente. Assim, as

cidades costeiras ao rio formavam uma rede de recepção e distribuição de mercadorias.

Fonte: Mapa baseado em MEDRANO, Lilia Inês Zanotti de. A livre navegação dos rios Paraná e Uruguay: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889). São Paulo: USP, 1989. Tese (Doutorado em História). Departamento de História, Instituto de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1989. , p.114, e nas pesquisas realizadas em outros diversos livros e documentos analisados. Figura 6: Principais portos fluviais argentinos, brasileiros e uruguaios do rio Uruguai na segunda metade do século XIX.

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Aos poucos, a vila de Uruguaiana foi crescendo em população, aumentando a sua área

urbana e, por conseqüência, atraindo para a região vários comerciantes e trabalhadores

estrangeiros e brasileiros que buscavam melhores condições de vida e negócios lucrativos

com o recém-criado (oficialmente) porto de Uruguaiana.178

Segundo relatório estatístico de 1926 do chefe de Estatística Municipal de Cachoeira,

em 1846, quando foi elevada a “vila”, Uruguaiana já possuía 4.279 habitantes, dos quais

2.725 eram do sexo masculino e 1.555, do feminino.179 É necessário que se faça aqui uma

ressalva, utilizando as palavras de Milton Santos quando diz que “[...] esses dados, porém,

devem ser tomados com cautela, já que somente após 1940 as contagens separavam a

população das cidades e das vilas da população rural do mesmo município.”180

Os proprietários de terras, formados pelos estancieiros e pelos donos de chácaras,

juntamente com seus empregados, começaram a entrar em contato com o novo povoado que

surgia na região da capela de Sant’Ana e, conseqüentemente, iniciaram-se algumas alterações

sociais, que passaram a ser compartilhadas entre os personagens locais e os que vinham de

fora, os quais passaram a contracenar nesse cenário fronteiriço. Esses novos personagens

eram franceses, ingleses, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, que já faziam parte do

cenário do Prata. Francisco Scarlato afirma que o imigrante passa, a partir da ruptura com o

seu lugar de origem e do esquecimento das imagens do cotidiano, a buscar se inserir no

1 7 8 Não foi possível encontrar uma data específica que marcasse a instalação do porto da povoação, apenas as correspondências pedindo verbas para a construção de uma rampa. No entanto, o porto já existia até mesmo anteriormente à fundação da vila de Uruguaiana. “É igualmente sabido que estando collocada nesta Villa a Alfandega do Uruguay, é aqui o imperio do Commercio especialmente o de importação. Isto demostra a frequencia do Porto onde se faz o desembarque dos generos, entretanto este Porto tão frequentado, como se deve calcular pela importancia do Commercio, não tem o maior beneficio sendo frequente o faserem o embarque e desembarque de generos no meio da lâma. É pois de mais urgente necessidade de formar-se uma rampa calçada desde a Praça do Porto ate elle. Esta Camara pença, que com uma consignação de 10:000$000 se realiza esta importante obra, e tendo sido concedido na Lei do orçamento vigente uma verba para se fazer uma rampa no Porto de Itaqui, que não sendo mais importante, que este, deseja igual favor.” Conforme URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861) Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.149v.- 153. 1 7 9 CAMARGO, Antonio Eleuterio de. Quadro estatístico e geographico da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul - 1868 in: ALBUQUERQUE, Relatório de estatística apresentado ao Coronel João Baptista Arregui, p.07. 1 8 0 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1996. p.21-22. O autor, neste ponto, tece um comentário sobre as probabilidades e divisões da contagem da população: o período pré-estatístico (do início da colonização até a metade do século 18); o período protoestatístico (que termina com o primeiro recenseamento geral do Brasil, em 1872); e o período estatístico que aí começa. Até o censo realizado em 1940 não se dava atenção à participação da população urbana.

Comentário: se faça

Comentário: Elimine...

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espaço físico e social do local onde se encontra, pois seus traços culturais o identificam como

forasteiro.181

Entretanto, no caso de Uruguaiana, pode-se constatar, com base nos comentários de

autores que trabalharam as questões relacionadas à imigração, como Raul Pont, que foi a vila

que começou a ter sua vida alterada, adquirindo um “quê” de européia. 182 Os Códigos das

Posturas Municipais de 1847 tratavam das questões relativas à imigração em cinco artigos,

num dos quais, o de número 68183, previa a possibilidade de o estrangeiro comercializar

produtos na vila, o que lhe era permitido somen te se estivesse registrado com sua casa de

negócio na Câmara de Vereadores. Portanto, subentende-se que a vendedores ambulantes

estrangeiros não era permitido trabalhar no recinto da vila, a não ser que fossem casados com

brasileiras.

Pelas Posturas 80 184 e 94185, não se permitia a permanência ou trânsito de estrangeiros

no município, contudo a segunda comprometia o estrangeiro, em caso de necessidade de

defesa do território, a estar pronto para defendê-lo. Nesse ponto havia uma dicotomia, pois, ao

mesmo tempo em que se proibia sua permanência, solicitava-se seu auxílio, ou melhor,

ordenava-se que o estrangeiro agisse como filho da terra.

1 8 1 SCARLATO, Francisco Capuano. População e urbanização brasileira in: ROSS, Jurandir L. Sanches (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.396-397. 1 8 2 Para saber mais, ver PONT, Raul. Franceses na fronteira oeste do Rio Grande do Sul in: BEUX, Armindo. (Org.). Franceses no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metrópole, 1976. p.122-132. 1 8 3 “§ 68º - Dentro dos lemites do Municipio não é permitido a estrangeiro algum poder vender por maior ou a retalho, generos de quaesquer natureza, excepto os estabelecidos com casa aberta no recinto da Villa, ou povoações que para o futuro hajão no termo, sob amulta de 30$000 reis, por cada infracção. Desta regra são exceptuados os casados com Brazileiras que dellas não estejão devorsiados, já estejão establecidos, ou para o diante vierem establecer-se no Municipio porque estes poderão negociar libremente por toda a sua extenção.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.44. 1 8 4 “§ 80º - Não é permitido a estrangeiro algum transitar denro do Municipio. O que contravier sofrera apena de oito dias de cadea, e 30$000 reis de multa; e não tendo comque pagar, o duplo da prizão, sem prejuizo das em que incorrer pelo codigo criminal.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.46. 1 8 5 “§ 94º - Todo o guarda Nacional, ou qualquer vezinho nacional, ou estrangeiro, que a toda a hora do dia, ou noite, ouvindo hum tiro na rua, gritos, ou outro algum signal que indique desordem e por essa razão nessecidade de auxilio, não se apresentar armado com as armas que tiver a sua porta, janella, ou mesmo na rua para coadjuvar á prisão do delinquente, e prestar auxilio ao encarregado de alguma diligencia ordenada por authoridade competente, será punido de oito a quinze dias de prisão, e 10$000 reis á 20$000 reis de multa.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.48.

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As Posturas 120186 e 121187 referiam a necessidade de os estrangeiros registrarem seus

diplomas de habilitação para exercerem as profissões de médico, boticário ou parteiros, sob

pena de serem multados, caso não o fizessem. Portanto, nota-se a preocupação das

autoridades com a possibilidade de existirem falsários na localidade, pondo em risco a saúde

da população.

A área rural de Uruguaiana era formada por estancieiros que se ocupavam com a

pecuária e que faziam algumas tentativas, ainda que pequenas, de desenvolver a agricultura de

subsistência, que já existia incentivada pela influência de São Borja e Restauração, cidades

que também exerciam preponderante importância nas decisões políticas da vila. Nas atas da

Câmara Vereadores, encontraram-se nomes de pessoas que estavam ligadas ao campo, mas

que, a partir de 1847, passariam a participar do cenário político de Uruguaiana, juntamente

com alguns comerciantes.

As migrações que acabaram acontecendo em direção à região eram provenientes

especialmente da Argentina e do Uruguai, onde a entrada de estrangeiros oriundos dos países

da Europa muito facilitada, pois “[...] a gênese do fenômeno urbano se situa no período do

comércio em grande escala, o que, de certa forma, tornou possível que as cidades recebessem

influências dos elementos de modernização da época.”188

O Código de Posturas da Câmara de Uruguaiana era responsável por determinar as

características sociais, políticas e econômicas da vila, ou seja, todo o planejamento que

envolvesse o futuro do povoado. O maior poder político, portanto, estava concentrado nessas

leis municipais, responsáveis por todos os acontecimentos e pelo destino da população que

estava dentro dos limites da vila de Uruguaiana. Uma comprovação disso são os mapas

1 8 6 “§ 120. – Ninguem poderá exercer aproffisão de medico, Boticario, ou Parteira dentro do Municipio, sem que perante a Camara Municipal se mostrem habilitados nos termos da lei de 3 de outubro de 1832, exibindo os seus diplomas legães, para serem registrados. Os estrangeiros porem serão obrigados a justificarem a identidade da pessoa alem da apresentação do titulo, sem o que não poderão exercer assua arte. Ficão sugeitos a multa de 30$000 reis, á 60$000 reis, todos os que contravierem apresente postura, independente das penas em que incorrerem pelas disposiçoes das Leis criminaes, se forem costumazes.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.52v.- 53. 1 8 7 § 121. – O auto de achada, ou violação nas casas dos §§115, 116, 117 e 118 deste Titulo será feito na presença do Fiscal, e dos Professores por elle convocados, e o Proffessor, quer nacional, quer estrangeiro, que a este serviço se negar sob qualquer pretexto, soffrerá amulta de 15$000 reis a 30$000 reis.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.53. 1 8 8 CARVALHO, Elementos para o estudo da urbanização brasileira, p.15.

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cartográficos da cidade elaborados para os generais das armas brasileiras que ali estavam

instalados para salvaguardar a fronteira. Francisco Scarlato comenta que: “Ao contrário do

plano geométrico das cidades fundadas pelos espanhóis, as cidades portuguesas criadas nos

territórios da Coroa, nas capitanias, cresceram de forma desordenada.”189

Fonte: Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. Pasta 21, GAV.03. Figura 7: Mapa da Invasão Paraguaia em Uruguaiana (18/09/1865).

O território dessa região de fronteira ainda não estava delimitado judicialmente como

fronteira entre o Brasil e a Argentina, mas sabe-se que sua população tinha costumes

1 8 9 SCARLATO in: ROSS, Geografia do Brasil, p.415.

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portugueses e que a própria vila fora fundada por esses. No entanto, seus traços eram

espanhóis, o que pode levar a crer que sua influência, desde o projeto inicial, era proveniente

de estrangeiros que aqui se encontravam, como os agrimensores Chuster, Félix Grivot e

outros tantos empresários, os quais, aos poucos, foram se instalando na vila. Isso sem contar

com os espanhóis já estabelecidos na primeira povoação de Sant’Ana Velha.

Chuster desenhou em 1845 a planta baixa da vila de Uruguaiana, que a Câmara

Municipal acabou adotando como definitiva e que serviu como modelo básico inicial para o

desenvolvimento urbano. A Câmara deixava claro que o arruamento não poderia ser alterado

através do artigo 1º, §2º190 das Posturas Municipais, o qual não permitia que se alterasse o que

estava predeterminado nessa planta, além de permitir a contratação de fiscais, chamados

“arruadores”, para perfilar os prédios já existentes no recinto da vila.191

O registro do contrato do agrimensor Félix Grivot com a Câmara de Uruguaiana foi

levado ao presidente da província a fim de que ele estivesse ciente da contratação para o

nivelamento e feitura da planta da vila, satisfazendo a um pedido feito em diversos ofícios

enviados à Câmara.

Illmo Exmo Snr. = Esta Camara tem a honra levar ao conhecimento de V.Ex.ª

para que se sirva approvar o contracto que em sessão de hontem fez com o Agrimensor Felix Alexandre Grivot de Valleville para tirar a planta e nivellamento da Villa, providencia esta julgada de urgente necessidade para não continuarem as irregularidades dadas ate a presente epoca em que se desenvolve espantosamente o progresso e aumento da Villa. [...] 16 de Abril de 1858.1 9 2

Entretanto, três anos depois, a mesma Câmara resolveu exonerar Grivot de seu cargo,

o que lhe foi comunicado por carta enviada em 1861:

1 9 0 “§ 2º - A Camara Municipal adoptará difinitivamente a planta da mesma Villa levantada em mil oito centos quarenta e cinco pelo Agrimensor Chuster, e a fará collocar na salla de suas Sessões, onde os interessados poderão examinal-a, e mesmo d’ella tirarem copias, se lhes convier, não consentindo que por qualquer modo se altere o arruamento existente.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847- 1848). Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont, p.33v.-34. 1 9 1 “§ 3º - A Camara nomeará um ou mias aruadores se forem necessarios, aos quaes fica competindo alinhar, e perfilar os edificios, regulando sua frente pela Planta adoptada, e dando a altura das soleiras; por cujo trabalho perceberão de quem as requerer, 4$000 reis; sendo porem chamdos para dar regularidade as soleiras unicamente, perceberão 2$000 reis. O arruador que sendo chamado, negar-se a este serviço, será multado pela primeira vez em 10$000 reis, e nas reencidencias em 30$000 reis, uma vez qe não prove ter tido empedimento attendivel.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.34. 1 9 2 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.157.

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Illmo Snr. Em sessão de hoje, resolveo esta Camara exoneral-o do lugar de arruador que occupava por nomeação da mesma Camara, fasendo Vm.ce entrega ao V.r Julio Fierrard, de todo e qualquer objecto pertencente a mesma Camara que tenha em seu poder; visto ser quem passa a substituil-o. [...] 26 de Março de 1861. Illmo Snr. Felix Alexandre Grivot.193

Félix Grivot era francês e, a convite de um amigo, viera para o Uruguai,

posteriormente se estabelecendo em Uruguaiana para trabalhar. Então, quando de sua

destituição do cargo, o Consulado Francês - acredita-se que os outros consulados agiam da

mesma forma – endereçou correspondência à Câmara de Uruguaiana solicitando que

explicasse os motivos que a teriam levado a tomar tal decisão, como se pode constatar pelo

documento transcrito:

Câmara Municipal do Termo de Uruguaiana, 20 de Julho de 1862. Illmo

Senr. Esta Câmara recebendo o off.º que V.S.ª lhe dirigio com data de 15 de Maio do ultimo, á 16 do corrente mez, a companhado de duas cartas para Felix Grivot, tem a responder a V.S.ª que as cartas forão entregues ao mesmo Grivot, como verá do incluso recibo que o mesmo passou, e tendo retirado-se para a cidade de Alegrete, o mencionado Grivot, motivo por que não se pôde conseguir o recibo em papel se parado, e assim forçado somos em devolver a V.S.ª o incluso officio visto junto a elle a char-se o recibo passado por Grivot.

Passando a segunda parte do off.º de V.S.ª tem esta Camara a diser que, Felix Grivot, foi seu agrimensor, deixando de ser a tempos por circunstancias seu comportamento com quanto não seja completamente exemplar, em rasão de sua idade juvenil, com tudo não é merecedor de reprovação para qual quer mister de nossa sociedade que seja necessario praticar-se algum acto, se incontra nesse cidadão as qualidades precisas para o seu bom desempenho, que por veses tem sido de alguma utilidade para esta Villa. Esta Câmara tem dispensado a esse Cidadão Francez, aquelles favores, que estão em relação com as suas attribuições, e continuará a fazer em quanto isso julgar que é em beneficio de um individuo d`alguma sorte digno de concideração. [...] Illm.º Senr. João Baptista de Ormano – Vice Cônsul do Império de França em Porto Alegre.194

Pelo conteúdo do texto, observa-se que o Consulado francês mostrava-se sempre

presente e mantinha ativa participação na vida de seus concidadãos que trabalhavam ou

residiam em território brasileiro. Assim é que solicitava informações à Câmara Municipal

sobre o modo como estavam sendo tratados os franceses residentes no local.

Gradualmente, juntamente com a crescente urbanização, foi se formando e se

fortalecendo o comércio de Uruguaiana com as principais capitais da Bacia do Prata,

estabelecendo-se contatos comerciais e culturais mais constantes com Buenos Aires e

1 9 3 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.02v. 1 9 4 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.34.

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Montevidéu que com Porto Alegre. Esse fato pode ser constatado na citação de Hemetério

José Velloso da Silveira, quando relata:

Em correspondência mais assídua com as duas grandes capitães platinas

(Montevideo e Buenos Ayres) do que com a cidade de Porto Alegre, o pessoal da villa ostentava um tratamento mais luxuoso, que o commum dos habitantes de outras povoações da campanha.195

Acredita-se que os contatos mais freqüentemente mantidos com Buenos Aires e

Montevidéu, em Uruguaiana, realizavam-se apenas entre os habitantes que possuíam um alto

poder aquisitivo, o que determinava e o que atraía, em certos momentos, a vinda de mais

estrangeiros. Esses contatos foram atrativos a diversas empresas que ali se instalaram pela

facilidade de comunicação com o restante do interior do continente. Conforme relata Haroldo

Carvalho:

Naquele momento, não havia um mercado inter -regional mais desenvolvido

uma vez que cada região privilegiava seu comércio externo, independemente dos vínculos regionais e, especialmente, desvinculada da perspectiva de ampliar o mercado interno nacional, o que teve reflexos na vida política nacional.196

Ainda como “Passo” ou “Vau de Santana” e mesmo quando vila, Uruguaiana

representava possibilidades de ampliar o mercado nacional, formando uma zona de

concentração de mercadorias e fluxo de passagem de produtos para as mais diversas regiões

do Prata e também para a Europa. Nesse contexto, o espaço urbano na cidade de Uruguaiana

passou a ter um grande valor comercial. Contudo, esse fato foi motivo, no período de 1839 a

1870, de grande preocupação para os políticos nacionais, pois tal movimentação trazia

implicações para a soberania nacional e também as tarifas alfandegárias.

É possível constatar nas atas da Câmara de Vereadores da vila de Uruguaiana várias

concessões de terrenos feitas pelos presidentes da província e também pela Câmara desde a

sua criação, as quais, invariavelmente, beneficiavam alguma autoridade ou pessoa de nível

econômico elevado. O processo de concessão iniciava-se após os levantamentos dos terrenos

devolutos existentes dentro da vila, que eram repassados pela Câmara ao Império, o qual

remetia, em caso de concessão, um ofício para que aquela tomasse conhecimento e registrasse

o referido título de posse.

1 9 5 SILVEIRA, As missões orientaes e seus antigos domínios, p.524. 1 9 6 CARVALHO, Elementos para o estudo da urbanização brasileira, p.18.

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O mesmo procedimento ocorria quando da construção de obras públicas, quando o

terreno em que seria construído o edifício deveria ser avaliado e evacuado para possibilitar a

instalação de obra, como se vê no caso de terrenos em torno da praça da Matriz, destinados

para a construção de prédios públicos. Conforme encontradas nas fontes pesquisadas, em

correspondência à Câmara Municipal, o presidente da província ordenou que esses terrenos

fossem avaliados. É interessante observar que, po r concessão da Câmara, um desses terrenos

estava ocupado por um estrangeiro, provavelmente alemão, como se pode ver no registro

deste ofício:

Nº 58 – Tem a honra esta camara acusar arrecepção do officio de V.Ex.ª de 21 de Agosto findo, ordenando se mande avaluar as casas que ocupam o terreno que está destinado para os edificios publicos, na praça da Matriz d’esta Villa; e passando esta corporação a dar cumprimento ao que V.Ex.ª manda nomeou uma comição d’entre seus Membros, para que acomapanhada de Mestres, Carpinteiros e pedreiro, procedam a uma exacta avaluação; e sendo efectuada por dita comição, como consta do parecer d’ella por copia authentica junta, assignada por toda a Corporação; pela qual V.Ex.ª achará circunstanciado o valor de cada um dos trez unicos edificios que occupam o já mencionado terreno; Valores calculados já com o pouco merecimento que tem presentemente as casas neste lugar: em quanto aos titulos que os ditos donos tem, não são mais que concessões dadas pela Camara, na mesma forma que a todos se tem concedido: um d’elles Apollon Wribek, apresentou assim o que tem e os outros dois requererão a V.Ex.ª Titulos, acompanhado por conseguinte a ditas concessoes: hé Ex. mo Snr quanto tem esta Camara a informar, sobre quanto V.Ex.ª ordena. = [...] V.ª Uruguayana em Sessão extraordinaria de 19 de Novembro de 1849.197

Uruguaiana organizou seu espaço urbano a partir de um disciplinamento feito por um

traçado, determinado pelo mapa urbano, que seguia uma orientação social econômica e

cultural. Essa organização ocorreu principalmente pela distribuição de terrenos devolutos

dentro da ordem estabelecida pela planta cartográfica da cidade, na qual se localizavam todos

os prédios existentes, com as suas respectivas numerações e registros na Câmara, bem como o

nome das ruas. Portanto, era esse um serviço público que foi implementado a partir do

crescimento da urbanização. Como exemplo, podem-se ver as atas dos dias 24 e 29 de maio

de 1861, sobre a doação de terrenos na vila:

Forão apresentados dois Títulos pelos quaes o Exm.º Senr.º presidente da

Provincia,em data de 18 de Dezembro do anno proximo passado servio -se dar ao Cidadão Eufrário José da Silva, dois terrenos nesta Villa, sendo um sito na rua da Independência quadra entre a da Imperatriz e Caverá, com sessenta palmos de frente ao norte, e fundos correspondentes ao Sul a te a meia quadra devidindo- se pelo Leste com terrenos de Anna America Paz pelo Oeste com terreno concedido ao mesmo

1 9 7 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.43- 43v.

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Eufrario e pelo Oeste com terreno devoluto, aos quaes resolveo a Camara fossem registrados.198

Foi presente o título pelo qual o Exm. Senr.º presidente da Provincia

concedeo ao Desembargador Luis Alves Leite de Oliveira Bela, um terreno sito na Rua da Praça desta Villa com seis centos palmos de frente ao Sul, e seis palmos tambem de fundos ao Norte dividindo-se Leste com a rua tres de Maio, pelo Oeste com a rua Sete de Setembro e pelo norte com a rua do Principe, e resolveo esta Camara mandar registrar o referido título.199

Assim, percebe-se que, na vila, havia muitos terrenos que poderiam ser doados no ano

de 1861, como revelam tais transcrições, sem contar o controle que o presidente da província

detinha em relação às vilas, que seguidamente lhe prestavam informações por meio de

correspondências. Em 1847, logo após a elev ação da capela de Uruguaiana a vila, a Câmara

de Uruguaiana recebeu vários ofícios (mais especificamente, um total de quinze) da

Presidência da província, dos quais em treze se indagava sobre as terras devolutas existentes

na mesma para que fossem cultivadas. Veja -se um desses pedidos: “De 20 do dito Fevereiro,

exigindo desta Camara declarace com urgencia quaes as terras devolutas, que há neste

Municipio, para que culturas são mais proprias, e de nellas podesse estabellecer Colonias com

vantagem dessa cultu ra.”200

A resposta da Câmara foi taxativa e, ao mesmo tempo estranha, levando -se em conta

que não havia uma povoação de tão vasto território na época. Nota-se um interesse dos

proprietários de terras que faziam parte da Câmara de Vereadores em manter suas posses e

em evitar que a vila fosse invadida por imigrantes e outros “intrusos”, que pudessem lucrar

com o desenvolvimento de um ramo não utilizado no período para a terra, a agricultura. Dizia

o documento:

Quanto porem ao Officio accusado sob nº 13º, tem de informar a V. Ex.ª que

neste Municipio não consta haverem terras devolutas proprias para Colonias, por quanto estão todos os campos povoados por criadores de gados; e mesmo quando os houvesse, o que poder -se-hia conhecer unicamente por meio de huma medida que obrigasse aos Sismeiros medirem, e demarcarem suas Sesmarias, nenhuma vantagem trarião esses estabellecimentos, pela má qualidade do terreno em geral para agricultura.201

1 9 8 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala do Arquivo Histórico. p.74v. 1 9 9 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.73v. 2 0 0 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.03v. 2 0 1 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.4.

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A urbanização da vila, aos poucos, foi crescendo em razão, também, do interesse das

pessoas envolvidas na política local e regional, que se beneficiavam com esta ou aquela

medida tomada pela Presidência da província e que afetava diretamente Uruguaiana, como a

doação de terrenos, por exemplo. As correspondências trocadas entre a Presidência da

província e a Câmara de Vereadores mostram bem essas variações nas decisões locais:

É por demais sabido, como nos lembra Jacques Le Goff, que as pessoas da

Baixa Idade Média “não pensavam, ao obter os forais, as franquias, em criar uma cidade”. O que pretendiam era ‘formar uma comunidade capaz de fazer frente aos senhores’. A luta por garantias políticas é um fenômeno que, a partir do século XII, atravessa todo o espaço europeu ocidental. Não apenas o citadino, mas o rural também.202

Os interesses de pessoas mais influentes dentro da vila também acabaram por se tornar

um fator determinante de fatos ocorridos no período, sobretudo por envolverem cidadãos com

alto grau de relacionamento com o governo provincial e até mesmo com o Império, com

mil itares e abastados estancieiros. Assim, a vila foi moldada de acordo com os ventos da

economia, principal interesse defendido por essas pessoas, que, não generalizando, vieram se

instalar na região, justamente pela facilidade de comércio e, mais especifica mente, de

contrabando.

A Câmara Municipal, após a criação das Posturas Municipais, em 23 de agosto de

1847, criou algumas leis com o objetivo de regulamentar as atividades ligadas à administração

pública e privada dos terrenos existentes na vila, bem como das chácaras situadas nos seus

arredores, o que é possível verificar através do livro de registro de ofícios da Câmara

Municipal da vila de Uruguaiana de 1847 a 1848. Tais determinações visavam a que a vila

tivesse uma organização espacial urbana e um crescimento organizado. Tão forte era o poder

das Câmaras que, no artigo nº 1 das Posturas Municipais, previa-se que o terreno doado por

algum órgão público em que não fosse iniciada a construção em determinado período poderia

ser perdido pelo beneficiado; perdido o direito, a Câmara podia passá-lo a outra pessoa que

estivesse em condições de construir alguma benfeitoria na vila. Com isso, ficam claros dois

2 0 2 LE GOFF, Jacques apud PEREIRA in: Estudos Ibero-americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XXVII, n.1, jun.2001. p.76.

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importantes aspectos: primeiro, o poder que a Câmara possuía e, segundo, as obrigações de

quem recebia algum bem do governo.203

Ainda sobre os terrenos e construções do perímetro urbano da vila e redondezas,

encontrou -se que uma forma de pena que a Câmara previa para que fossem cumpridas

algumas determinações eram as multas cobradas por infrações cometidas. Assim, os

proprietários dos imóveis eram autuados pelos fiscais da vila, escolhidos pelos vereadores,

formados na época, como se pôde verificar, por comerciantes, militares e estancieiros. Os

valores arrecadados pela Câmara eram passados para o livro de receitas e despesas da vila,

que, posteriormente, era remetido para a fiscalização do Império, em caso mais restrito, para o

governo da província.204

2 0 3 Análise dos artigos seguintes do Código de Posturas: “§ 10º - Os que actualmente se achão na posse de terrenos no recinto da Villa, por concessão que lhes tenha sido feita a mais de anno, para n’elles edificar, e que a’té noventa dias depois de postos em execução estas posturas não tenhão dado começo a obra, perdem o direito a esses terrenos, os quaes serão concedidos a quem se mostre habilitado, e as requeira para edificar. § 19º - As disposiçoes de § 10º comprehendem os que estando atualmente de posse de terrenos por trespasse, ou qualquer outra transacção não tiverem inda edificado, o levantamento de hum muro na frente do terreno, não sera reputado principio de Edificio. § 20º - A Camara não poderá conceder licença para edificar em mais de 60 palmos de terreno a cada individuo, com a clausula de sollicitar o competente Titulo da Presidencia da Provincia. Os que possuindo actualmente mais extenção de terreno, e o não tiverem edificado, são conciderados devolutos, e serão dados á quem os pretender.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.35- 36v. 2 0 4 As posturas seguintes podem nos dar uma visão dos motivos que levavam os fiscais a incorrerem na multa dos proprietários de terrenos: § 12º - Todo o indivíduo que possuindo terrenos quer já edificados, quer por edificar, não aprezentar a Camara Municipal o competente titulo de concessão para ser registado, da publicação d’estas Posturas a [noventa dias] um anno, soffrerá a multa de 30$000 reis; Esta disposição comprehende os moradores dos suburbios da Villa, que estão na posse de cortes de chacaras, consedidas pelas transatas commandancias Militares, cujas confirmações devem sollicitar da Presidencia da Provincia. § 13º - Fica expressamente prohibido edificar, ou fazer qualquer obra em terrenos publicos, sem licença da Camara. O proprietario fica sugeito ao aforamento ou a rendamento respectivo, alem da licença. Os contraventores pagarão a multa de 30$000 reis, e a obra sera demolida a sua custa. § 18º - Fica prohibido construir casa coberta de palha dentro do recinto da Villa, como tamem casinha, ou Galpão dentro dos terrenos a pretexto de recolherem materiaes para obras, pelo perigo eminente dos incendios. Os contraventores seão multados em 16$000 reis, ena demolição da obra a sua custa; os que como primeiros provoadores d’esta Villa ainda possuem essas casas, ou ranchos, não lhes poderão fazer obra sem por telha em sima, sob á multa de 30$000 reis. § 26º - Hé expresamente prohibido a qualquer pessoa tirar aterro por meio de escavação na ruas, praças, ou nos terrenos vazios. Os contraventores pagarão amulta de 4$000 reis, pela primeira vez, e o dobro nas reincidencias. § 33º - Os que depositarem, ou mandarrem depositar, nas ruas, praças ou terrenos vazios da Villa, lixos, águas sujas, aves e animaes mortos, ou quaisquer outros objectos inmundos, que possão corromper a salubridade do ar, serão multados em 10$000 reis; os donos de animaes que morrerem nas ruas, praças ou estradas, assim como os moradores em cujas testadas forem encontrados esses animaes, incorrerão commulativamente na mesma pena, se as não mandarem enterrar, com tanto porem, que o dono ofará assua custa, e o morador por conta da Camara. § 123. – Os que possuirem no recinto da Villa terreno pantanozo onde se estaganem as aguas, serão obrigados a aterral-o no prazo que lhes for marcado pelo respectivo Fiscal, em consequencia do exame feito por dous peritos, com recurço para a Camara Municipal (senão se conformarem com o prazo marcado) por, julgando attendiveis as rasões cafendidas(?), poderá amplial-o, por huma vez somente. Os que contravierem serão multados em 10$000 reis, e o atterro será feito á sua custa.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana.

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Das quatro principais cidades da fronteira oeste que possuem alguma ligação

importante com Uruguaiana, apenas Alegrete conseguiu sua emancipação antes desta, em 22

de janeiro de 1857, através da lei provincial nº 339.205 Assim, com a elevação da vila à cidade

asseguravam-se algumas autonomias, o que Uruguaiana alcançou somente em 1874, no dia 6

de abril, pela lei provincial n.º 808. Em 1875, com a lei nº 865, foi criada a comarca de

Uruguaiana, separando -se da comarca de São Borja. 206

Portanto, a organização econômica, social e principalmente política de Uruguaiana

ocorreu preponderantemente mais cedo que a das demais povoações da fronteira oeste,

denotando uma organização reconhecidamente auto-suficiente para adquirir tal status

decorridos apenas trinta anos de sua criação como “capela curada”.

Sua condição de fronteira, integrada a um fator econômico, o contrabando, fez com

que sua característica principal fosse a grande quantidade de capital que girava na vila, em

função, principalmente da pecuária, setor preponderantemente capitalista, e de seu porto

fluvial, motivo de sua importância maior no espaço regional. A formação econômica de

Uruguaiana está atrelada a essas duas características que, por vezes, se complementavam,

numa interação entre capital rural, incipiente em toda província sul-rio-grandense, e capital

mercantil, inserido na região da fronteira oeste principalmente pelos estrangeiros que ali se

instalaram.

Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.35v. -53v. 2 0 5 ARAÚJO FILHO, O Município de Alegrete, p.59. 2 0 6 PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, p.88.

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5. A FORMAÇÃO DO ESPAÇO ECONÔMICO

A partir de 1830, empresas inglesas e francesas apareceram no cenário econômico

latino -americano e, junto com elas, trouxeram padrões considerados superiores e mais cultos,

levando em conta as elites existentes, em razão do isolamento dos novos povoados que

surgiam na costa do rio Uruguai. Os novos padrões estavam relacionados às formas de vida,

vestimenta, mobiliário e cozinha, conforme está relatado nos escritos dos viajantes que

passaram por essa região durante o século XIX. Em seus relato, esses registram a sua surpresa

com a superioridade de certos povoados e, ao mesmo tempo, a estranheza em face das

tradições, costumes e aparências dos povoadores.

A burguesia, pelo rápido desenvolvimento de todos os instrumentos de

produção, pelos meios de comunicação imensamente facilitados, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização... Em uma palavra, cria um mundo a sua própria imagem.2 0 7

Uruguaiana utilizava-se do rio Uruguai para se comunicar com outras cidades

costeiras da província e, ao mesmo tempo, com o exterior. A vila de Uruguaiana surgiu já

usufruindo dessa via fluvial, iniciando seu processo de ocupação de um espaço econômico

que mais tarde lhe renderia grandes dividendos na esfera regional. Na América, assim como

na Europa, como dizem Marx e Engels,

o período do final da década de 1840 até meados da década de 1870 iria provar não ser, contrariamente ao desejo convencional de alguns, o modelo de crescimento econômico, desenvolvimento político, progresso intelectual e realização cultural que iria, apesar de tudo, terminar por sobreviver com algumas melhoras, no futuro indefinido, mas ao invés de tudo isso uma espécie de interlúdio. Entretanto, suas realizações globais eram, de qualquer forma, extremamente surpreendentes. Nesta

2 0 7 MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto of the Communist Party in: HOBSBAWM, Eric. A era do capital (1848-1875). 3.ed. Trad. Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.67.

Comentário: Não tem palavra melhor?

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era, o capitalismo industrial tornou-se uma genuína economia mundial e o globo estava em uma constante realidade operacional. História, dali em diante, passava a ser história mundial.208

O fato da navegabilidade é confirmado nas tabelas a seguir, onde se destacam os

volumes de importações e exportações dos principais portos da fronteira oeste da província do

Rio Grande do Sul no período de 1850 a 1881. Neles se observa a importância do Porto de

Uruguaiana dentro do contexto das transações comerciais com o Rio da Prata.

Tabela 1 - Importações realizadas pelas alfândegas do rio Uruguai de

procedência do rio da Prata (1850-1880)

Ano SÃO BORJA ITAQUI URUGUAIANA 1850- 51..................... 47:096$000 - 46:737$000 1851- 52..................... 46:737$000 - 64:282$000 1852- 53..................... 64:282$000 - 116:078$000 1853- 54..................... - - 103:847$000 1854- 55..................... - - 100:086$000 1855- 56..................... - - 296:990$000 1856- 57..................... - - 465:046$000 1857- 58..................... - - 748:373$000 1858- 59..................... 4:786$000 31:868$000 448:856$000 1859- 60..................... 11:976$000 9:238$000 456:245$000 1860- 61..................... - - 397:847$000 1861- 62..................... - - 176:055$000 1862- 63..................... - - - 1863- 64..................... - - 125:134$000 1864- 65..................... - - 229:215$000 1865- 66..................... - - 236:413$000 1866- 67..................... 1:361$000 15:988$000 812:594$000 1867- 68..................... 2:503$000 49:784$000 586:446$000 1868- 69..................... - - - 1869- 70..................... - 46:670$000 606:137$000 1870- 71...... ............... 454$000 45:388$000 281:819$000 1871- 72..................... 4:416$000 99:012$000 672:490$000 1872- 73..................... 112$000 4:835$000 142:594$000 1873- 74..................... 69$000 1:228$000 130:235$000 1874- 75..................... 133$000 153$000 166:385$000 1875- 76..................... 379$000 3:152$000 183:879$000 1876- 77..................... - - - 1877-8..................... - - - 1878- 79..................... 1:245$000 7:367$000 1:195:655$000 1879- 80..................... - - 957:572$000 1880- 81..................... - - 481:739$000 TOTAL 466:425$000 3:876:131$000 5:118:938$000 Fonte: Relatórios apresentados pelos presidentes da província do Rio Grande do Sul à Assembléia Provincial..., 1850- 1881, Biblioteca Nacional, RJ. Nota: Os valores estão expressos em $réis.

2 0 8 MARX; ENGELS in: HOBSBAWM, A era do capital, p.66.

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Tabela 2 - Exportações realizadas pelo rio Uruguai com

destino ao Rio da Prata (1850-1881)

Ano SÃO BORJA ITAQUI URUGUAIANA 1850- 51..................... 48:724$000 - 48:724$000 1851- 52...... ............... - - 47:039$000 1852- 53..................... 5:860$000 - 68:468$000 1853- 54..................... - 161:474$000 75:168$000 1854- 55..................... 52:392$000 - 130:597$000 1855- 56..................... - 228:151$000 149:786$000 1856- 57..................... 43:439$000 - 438:252$000 1857- 58..................... - 452:198$000 295:045$000 1858- 59..................... 29:104$000 708:817$000 614:731$000 1859- 60..................... 11:351$000 209:674$000 415:498$000 1860- 61..................... 2:159$000 362:263$000 282:977$000 1861- 62..................... 28:066$000 - 422:965$000 1862- 63..................... - - 168:765$000 1863- 64..................... - - 107:405$000* 1864- 65..................... - - 277:878$000** 1865- 66..................... - - 231:420$000 1866- 67..................... 30:844$000 192:810$000 142:596$000 1867- 68..................... 32:060$000 322:433$000 147:005$000 1868- 69..................... - - - 1869- 70..................... 32:049$000 303:128$000 104:865$000 1870- 71..................... 51:886$000 345:606$000 111:616$000 1871- 72..................... 42:235$000 713:590$000 199:743$000 1872- 73..................... 4:029$000 41:620$000 18:004$000 1873- 74..................... 3:965$000 22:524$000 13:676$000 1874- 75..................... 3:705$000 28:095$000 10:029$000 1875- 76..................... 939$000 17:560$000 8:706$000 1876- 77..................... - - - 1877- 78..................... 43:618$000 - - 1878- 79..................... - 185:536$000 213:684$000 1879- 80..................... - - 95:806$000 1880- 81..................... - 77:437$000 TOTAL 185:279$000 360:071$000 10:228:789$000 Fonte: Relatórios apresentados pelos presidentes da província do Rio Grande do Sul à Assembléia Provincial, 1850- 1881, Biblioteca Nacional, RJ. Nota: * 1º semestre; ** Termo meio dos três últimos anos; valores expressos em $réis.

As tabelas 1 e 2 permitem fazer uma aproximação quantitativa referentemente às

importações realizadas pelas alfândegas do rio Uruguai, vindas do Rio da Prata. Na Tabela 2,

pode-se perceber que Uruguaiana algumas vezes perdeu em valores de comercialização para

Itaqui, o que provavelmente ocorria em razão da quantidade de erva-mate produzida na

região, que era o principal produto de exportação gaúcha comercializado com o Rio da Prata.

A proximidade de Itaqui com a região missioneira talvez tenha sido um fator preponderante

para este aumento de exportações pelo porto dessa cidade, em detrimento de Uruguaiana. O

valor da erva também teve aumento por causa da guerra do Paraguai, a qual acarretou que a

Comentário: “aproximação” não fica melhor?

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erva oriunda daquele país não viesse mais a ser exportada para a região do Prata em razão da

crise e da cessação do comércio com a região.

Deve-se notar que, comparando as tabelas 1 e 2, Uruguaiana possui o porto mais

movimentado e faz bem mais importações que exportações, fato ilustrado na Figura 8.

466:425$000

3:876:131$000

5:118:938$000

Itaqui

São Borja

Uruguaiana

Figura 8 : Participação do Porto de Uruguaiana nas exportações de mercadorias com o Rio da Prata em relação aos portos de Itaqui, São Borja e Uruguaiana (1850-1881). Nota: Os valores dos rótulos estão expressos em Réis.

Observa-se que especificamente o Porto de Uruguaiana possui 1:242:807$000 de

diferença em seu montante a mais – levando-se em conta os valores – que o porto de Itaqui,

segundo maior exportador (Fig. 8). Já, nas importações (Fig. 9), Uruguaiana apresenta um

valor muito superior ao de Itaqui, com uma diferença de 9:868:718$000, e maior ainda que o

de São Borja, chegando a somar 10:043:510$000 de diferença do total desse tipo de

transação.

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185:279$000360:071$000

10:228:789$000

Itaqui

São Borja

Uruguaiana

Figura 9 : Movimentação de importação do posto de Uruguaiana em relação aos portos de Itaqui e São Borja (1850-1881). Nota: Os valores estão expressos em $réis.

Uruguaiana importava mais produtos dos portos da região do Prata do que exportava

porque sua ligação por terra com as outras cidades do interior da província era mais fácil que

as das vilas de Itaqui e São Borja. Estas duas vilas tinham dificuldade de acesso por terra até

seu porto, em virtude, essencialmente, dos banhados que as circundavam, além de, quem

vinha do sul, para chegar a Itaqui, tinha de transpor o rio Ibicu í, de difícil travessia durante a

maior parte do ano por causa das cheias.

Pode-se ver a abrangência da distribuição dos produtos a partir da entrada nos portos

desta região de fronteira através da Figura 9, onde se vêem as demais cidades que eram

beneficiadas com a redistribuição das mercadorias após o seu desembarque pelas vias

terrestres, que mais tarde seriam secundárias em relação ao transporte ferroviário.

O rio da Prata e o rio Uruguai foram utilizados pelos comerciantes ingleses e franceses

para transportar mercadorias que adquiriam na região de Uruguaiana com fins de exportação,

ou para redistribuir produtos para esta mesma vila e para a região. Um exemplo de empresa

criada por estrangeiros em Uruguaiana a partir de 1858 foi a João Peró & Cia, fundada nesse

mesmo ano por Jayme Soler, de nacionalidade espanhola. Esta empresa teve vários sócio -

proprietários, todos pertencentes às famílias formadoras da primeira sociedade, estabelecida

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entre os senhores Pablo Soler e José Majó. Após possuir outras razões sociais por causa da

alteração do quadro de sócios da empresa, passou, definitivamente, a se chamar João Peró &

Cia, a partir de 1895, quando seu quadro social contava com os senhores José Majó Sobrinho,

José Camara Canto Sobrinho e João Peró.209

A empresa João Peró & Cia ocupava-se da importação e venda por atacado de

fazendas, secos e molhados, sendo o seu capital um dos mais elevados do estado. A firma era

a principal acionista da charqueada Barra do Quaraí, o único representante para venda de seus

produtos, que compreendiam, além do charque, couros e outros derivados da matança;

também vendiam sabão e velas da marca “Gladeador”, manufaturadas numa fábrica anexa à

charqueada e de boa aceitação dentro do estado, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.210

Figura 10 : Irradiação dos portos de Uruguaiana, Itaqui e São Borja dentro da província do Rio Grande do Sul.

2 0 9 SOARES, Manuel Adolpho. Uruguaiana: um século de história... (1843 -1943). Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1942. p.187-188. 2 1 0 Ver em MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889).

Alegrete Santa Maria

Itaqui

São Borja

Cruz Alta Passo Fundo

Cachoeira Caçapava

S. Gabriel

S. Tomé

Alvear

Restauración

Porto Alegre

S. J. Norte Rio Grande

Montevidéu

Buenos Aires

Uruguaiana

Pelotas

Rota utilizada inicialmente por contrabandistas.

Rota utilizada pelos tropeiros.

LEGENDA

Belen

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Nota: Mapa feito a partir das conclusões tiradas de documentos do prof. Raul Pont sobre a rota das mercadorias que vinham do Uruguai e da Argentina e dos registros de ofícios da Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana.

Essa ligação por terra que partia de Uruguaiana para as outras cidades do interior da

província foi desbravada e utilizada sobretudo pelos tropeiros, muladeiros, ou birivas que

cruzavam a região. As mulas eram trazidas da banda oriental e da Confederação Argentina,

em especial das regiões de Corrientes e Entre Rios, para as estâncias localizadas em

Uruguaiana, ond e permaneciam durante algum tempo até que fosse possível formar uma

tropa, que tinha como destino outras regiões.

Para que os tropeiros se deslocassem com o gado, tornavam-se necessários os passes,

que eram autorizações de passagem de animais e de outros produtos, as quais deveriam ter

desenhadas as marcas dos animais211 e a quantidade, a fim de que os fiscais pudessem conferir

a procedência, bem como o recolhimento do tributo. Isso não só ocorria entre os países

limítrofes, mas também entre as cidades da província.

Uruguaiana não possuía uma guarda rural encarregada do policiamento para coibir a

prática do comércio ilícito e, até mesmo, do roubo do gado que se dava fora dos limites

urbanos da vila. No entanto, pode-se constatar uma série de determinações feitas aos fiscais

da vila para que atuassem fiscalizando as compras e vendas de gado que se davam nas

estâncias.212

A partir de 1849, Uruguaiana passou a ser sede da Alfândega. Antes disso, toda a

tramitação de mercadorias que passasse por esta região tinha de prestar contas para as “mesas

de rendas” de Itaqui e São Borja. O posto fiscal que havia no vau de Santana era o local da

cobrança desses impostos sobre os produtos que entravam ou saíam da região de Uruguaiana,

e a data de 1839 é referencial por ser demarcadora da presença de fiscais cobrando impostos.

Em 1849 Uruguaiana já tinha constituída a sua Câmara de Vereadores, que tinha a

preocupação com o desenvolvimento da vila, como se pode notar pelas primeiras medidas

tomadas, registradas no livro de atas e de correspondências de ofícios remetidos e recebidos

2 1 1 Ver LIVRO DE MARCAS E REGISTROS. Livro n° 1 de 1851 a 1875. Centro Cultural Dr. Pedro Marini: Sala Raul Pont, Gav.6, Pasta 1, n° 1.2. 2 1 2 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul P ont.

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pela Casa. Os distritos foram divididos em número de três; as ruas, largas, já tinham sido

demarcadas, o que dava a impressão de rápido desenvolvimento, que, se dependesse do

entusiasmo dos vereadores, seria apenas uma questão de tempo.

As determinações sobre como os fiscais deveriam agir eram feitas pelos vereadores

visando à arrecadação de impostos. Nos distritos, a Câmara nomeava um agente encarregado

para mediar essas transações, que, ao final de um determinado período, prestava contas à

mesa de arrecadação do município. Quando o fiscal encontrava alguma irregularidade,

imediatamente deveria comunicá-la à autoridade policial da vila, para que esta procedesse

dentro das normas que a lei previa, como se pode verificar por registros encontrados no livro

de correspondências da Câmara do período de 1849 a 1861.213 Ilustrativamente, em uma

fiscalização executada pelo agente fiscal da corporação Antonio Pinto Cezimbra, foi

encontrado gado com marcas diferentes, que comprovou o roubo, ou mesmo a venda de gado

contrabandeado. O fato é assim relatado em uma correspondência:

Illm.º Exmo = O Agente Fiscal desta Corporação Antonio Pinto Cezimbra

encarregado de revisar as tropas introdusidas nos talhos desta V.ª tendo achado um certo Numero de rézes de marcas alheias aos introductores, sem que estes verificassem suficientemente a legalidade da sua acquisição, embargou o valor das mencionadas rezes, em forma lhe prescrevião as suas instrucções. Esse valor montante a 114$000 reis, e cuja origem será a V.Sª detalhadas pelo mencionado Agente, por que asfim lhe ordena digo vai ser por este entregue a V.Sª por que assim lhe ordena a Camara a fim de V.Sª ser devido mandar proceder como foi de direito,

2 1 3 “Instrucçoes por que se devem reger os fiscaes agentes nomeados pela Camara Municipal da Uruguayana para os deferentes destrictos do seu Município. Art.1º = não deixarão sahir dos seus Destrictos tropa alguma de gado cavallar ou vaccum sem serem por elles ou seus Agentes registados, com assintencia de dous vezinhos que tambem assignarão os registos. Estes serão tres: um que acompanhara a tropa, outro que será remitido a esta Camara para ser archivado, e o terceiro ficará lançado em um quaderno que terão em seu poder os Fiscaes; e que será aberto, encerrado, e rubricado pelo V.º presidente; o qual tambem deve ser assignado. Art.2º = Não consentirão que saia gado algum, a não ser da propriedade do Vendedor, authorizado por carta de ordem ou por declaração verbal do proprietario que estiver presente. Exceptuan-se a tropa que for de Touros, novillos ou Egoas, sempre que o Vendedor seja suficientemente abonado para responder pelos sugeitos; e fazendo-se decalaração ao pé delle: ficando entendido que o Fiscal ou Agente que permitir esta faculdade a quem não estiver no caso, se responçabiliza por elle. Art.3º = Qualquer Fiscal ou Agente por cujo Districto passar uma tropa e que indo examinal-la como é de seu dever; achara que não foi registada, ou que o foi sem as formalidades n’esta exigidas; deverá refugar, e fazer condusir pelo infractor o refugo á largar na querencia. Art.4º = Ninguem poderá vender couros cavallares ou Vacuns, sem ser registados pelo Fiscal do Destricto, ou seu Agente, e deverão ir acompanhados por tres registos, na mesma forma que se delibera para o gado no artigo 1º. Alem disso, cada couro virá contramarcado com a marca do Vendedor. Art.5º = Os couros achados sem estas formalidades serão embargados e depositados, sendo immediatamente parte o Fiscal a authoridade policial mais imediata para esta proceder na forma da Lei. Art.6º = Qualquer agente ou Fiscal que não observar o disposto nos anteriores artigos, será demitido immediatamente. [...] Villa de Uruguayana 18 de Janeiro de 1849.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.6v. -7v.

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no interece dos Fazendeiros proprietarios das citadas marcas. = [...] Uruguayana 16 de Janeiro de 1849.214

Os tropeiros de mulas, como eram conhecidos nesta região os muladeiros, ou

simplesmente tropeiros, eram homens que preavam o gado, ou a mula, que os domavam e os

levavam para serem vendidos em outras cidades e regiões. Eles foram de extrema importância

para o desenvolvimento da fronteira da província. Também eram conhecidos por birivas,

nome atribuído aos tropeiros provenientes da região do Planalto Central e região d e Cima da

Serra, onde eram muitos os matos de beribás, árvores típicas da região.215 Os tropeiros que

levavam tropas de gado de uma praça para outra também muitas vezes transportavam os

produtos para serem revendidos em diferentes pontos da província e do Império.

Uruguaiana ligava-se por terra às demais cidades da região. Quando os tropeiros

vinham da Banda Oriental, entravam por Belén, do outro lado do rio Quaraí, e vinham pelo

Passo da Cruz; então entravam nos campos que hoje pertencem ao município de Uruguaiana;

seguiam-se pela coxilha dos Ventenas, em direção a leste, para chegar ao local denominado

hoje de Três Bocas, de onde rumavam para o norte como quem vai ao Plano Alto; cruzavam o

passo do Ipané e subiam a coxilha de Santa Rosa para evitar a cruza do Itapororó, quando

então chegavam à coxilha do Jacinto, que dividia as águas do Inhanduí e do Ibirapuitã, na vila

de Alegrete.216 Daí eles rumavam para outras cidades, como Santa Maria, Passo Fundo, Cruz

Alta. 217

Era, portanto, muito mais fácil fazer o trajeto para o interior da província porque era

uma ligação segura por terra. Entre Uruguaiana e Itaqui, havia o rio Ibicuí, que, em épocas de

cheia, impossibilitava a travessia, tanto pelo volume de águas quanto pela distância de uma

margem à outra. Mesmo para São Borja a passagem era difícil, em razão dos diversos

banhadais que circundavam a cidade.

Até hoje, há no município de Alegrete a Rua das Tropas, que margeia o Ibirapuitã e é

um legado dos tropeiros que cruzavam por essa via. Em oficio dirigido à Câmara de

Vereadores de Uruguaiana, a Câmara de Alegrete solicitou o auxílio desta para conseguir 2 1 4 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.4. 2 1 5 Verificar PONT (1983), vol. 2, cap. VII. 2 1 6 O GUARANI, 1870 – Arquivo Histórico do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Neste jornal encontra-se o comentário da construção da estrada que seguiria por este trajeto. 2 1 7 Conforme PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, p.231.

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abrir uma nova estrada, que consistia em abrir os passos que estavam sob sua jurisdição. Veja-

se o documento mencionado:

O Senr. Vereador Sallasar tomando a palavra fez ver a Camara que tendo a

Camara de Alegrete a tempos officiado a esta sobre a abertura de novos Passos na Estrada que communica estes municipios, chamando concurrencia desta para a parte que lhe toca nessas aberturas se havia expedido diversos officios a vários moradores dessa estrada proximas aos novos Passos, pedindo-se seus serviços como já tinhão antes offerecido a Camara, mas que tendo um desses moradores o Senr. Ten. Cel. JM. Guedes da Luz, apresentado certos motivos pelos quaes não podia corresponder ao pedido da Camara, tornava-se necessário que o serviço preciso no Passo de Inhanduhy fosse feito as espensas da Camara visto ser urgente a mudança de taes Passos, tanto mais que a parte pertencente a Camara de Alegrete já estava senão prompta ao menos em andamento: julgando-se objecto de discussão foi posta em discussão a representação do Senr. Vereador Sallasar, e resolveo a Camara nomear uma Commisão composta dos Senr.Vereadores Sallasar e Fonceca, para por si ou por pessoas de sua confiança, reconheceremos trabalhos precisos nessa parte da referida Estrada, fazendo logo o respectivo orçamento afim de o mais breve possível apresentarem a Camara seu parecer a respeito e orçamento para inteirada Camara, levar tudo ao conhecimento da Presidencia da Provincia e pedir de logo a necessaria authorização para as despesas de taes obras. O Senr. Vereador Sallasar fez sentir a Camara que segundo informação do Secretário e mesmo pelo que por si proprio tinha reconhecido, achava-se o registro de concessão de terrenos em um estado tal de faltas de lançamentos de varias concessões que tornara-se impossível ao Secretário informar os requerimentos que sobre tal assumpto lhe erão apresentados; a vista do que pedia uma medida nosentido de sanarem-se essas faltas e que lembrava a Camara a ella por meio de edital cha-mou todos os possuidores de terrenos a apresentarem na Secretaria da Camara os respectivos titulos ou documentos que lhes dá o direito a taes terrenos, afim de serem nova e regular-mente feito esse registro, authorizando-se também a compra de um livro próprio para esse mister: posto em discussão, foi a certa a indicação do Senr. Vereador Sallasar, authorizando-se ao Secretario a compra de uma livro proprio, assim como mandou a Camara que se a fixasse editaes com praso rasoavel para virem sendo apresentados a registro os terrenos.218

A estrada que partia de Santana Velha em direção à região denominada hoje de Três

Bocas, local de entroncamento com outra estrada que vinha do Passo da Cruz, foi alterada em

virtude da mudança da vila de Uruguaiana, em 1843, pois ficava fora de rota. Assim, em 26

de junho de 1867 a Câmara de Uruguaiana, juntamente com a de Alegrete, designou um novo

traçado para a estrada, com o que o trajeto entre Uruguaiana e Alegrete ficaria menor,

facilitando o transporte das mercadorias para o interior da província.

A vila de Uruguaiana foi criada segundo um padrão totalmente diferente daquele das

demais povoações da fronteira que já haviam sido elevadas à categoria de vila. Apresentava ,

por exemplo, ruas largas, parecendo já estar preparada para o crescimento. Sobre ocupação de

espaços econômicos analise-se o que dizem de Moraes & Costa: 2 1 8 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.04-04v.

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Ninguém levantará dúvidas à afirmação de que as formas espaciais criadas por uma sociedade exprimem o condicionamento da estrutura econômica que ali domina. Entretanto, se esse processo possui uma realidade específica em cada modo de produção, por outro lado ele expressa uma universalidade. Em qualquer época e em qualquer lugar, a sociedade, em sua própria existência, valoriza o espaço.2 1 9

Desde o posto fiscal que originou a cidade, já havia a intenção de estabelecer uma

grande rota de comércio, gerado pela entrada e saída de mercadorias para as regiões da Bacia

do Prata. Pode-se, assim, notar que, quando a vila de Uruguaiana mudou de lugar por causa da

grande enchente de 1842, em seu novo espaço, ela já foi estruturada prevendo o crescimento

do comércio, do transporte de mercadorias via fluvial, tanto para Buenos Aires como para

Montevidéu e, também, para o centro do Brasil e outros países da Europa.

Uruguaiana situa-se em um ponto de fundamental importância para as arrecadações

provenientes de impostos, bem como para a proteção da fronteira de uma possível invasão ou

apropriação de terras por parte dos países vizinhos. A vila iniciou seu comércio internacional

legal nos primeiros anos de sua existência, em 1850, isto é, quatro anos após sua instalação,

quando já exportava para o exterior mercadorias que representavam valores significativos no

total das exportações da província. Embora com pequenas oscilações, o comércio de

Uruguaiana seguiu em escala ascendente o seu processo de crescimento. As exportações eram

de produtos derivados da indústria pastoril e destinavam-se para a República Oriental do

Uruguai, Argentina, Alemanha, França, Chile, Cuba, Bélgica, Inglaterra, além das praças

nacionais, tais como o Rio de Janeiro, Pernambuco e outros.

2 1 9 FLÔRES, João Rodolpho Amaral. A vila de São Borja (1834-1887) numa conjuntura de transição: história sócio-econômica e geopolítica. Canoas: Unisinos, 1996. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Ciências Humanas, Universidade do Vale do rio dos Sinos, 1996. p.113.

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Tabela 3 - Quantidade de navios que atracaram no Porto de Uruguaiana entre

os anos de 1850 e 1858 com seu s respectivos volumes

Entradas Saídas Ano

Nº de Navios Toneladas Nº de Navios Toneladas

1850/51 - - - -

1851/52 90 296 70 326

1852/53 - - - -

1853/54 - - - -

1854/55 188 826 45 236

1855/56 320 2.200 99 530

1856/57* 268 1.347 107 466

1857/58 401 2.381 ½ 401 2.936 ½ Fonte: Relatórios presidenciais do Rio Grande do Sul – 1859. Nota: * Neste exercício o total corresponde a nove meses do período financeiro.

Pode-se avaliar o crescimento de Uruguaiana, por estar localizada na fronteira com o

Uruguai e a Argentina e por ter em seus campos uma grande quantidade de gado solto,

“chimarrão”, herança das antigas reduções jesuíticas e fator de influência decisiva para uma

economia inicial voltada para o setor pecuário. Aí se encontravam, então, os estancieiros, que

detinham o poder político e econômico local, os quais, a partir de um dado momento, iriam

acompanhar o início do crescimento econômico e urbano em outra área que não a de sua

origem. Esse desenvolvimento foi muitas vezes conduzido pelos acontecimentos ocorridos

nos países que fazem parte da bacia do Rio da Prata.

O início desse crescimento econômico foi influenciado pela necessidade de exportação

de produtos que tivessem valor comercial para os países vizinhos e que pudessem ser

reexportados para a Europa. Portanto, a vila de Uruguaiana adaptava-se às condições externas,

de modo que os produtos importados comprados deveriam ser bens consumíveis de fácil

comercialização local ou no interior da província.

Quando aqui se refere o crescimento de uma localidade, está-se considerando o

desenvolvimento que vem associado à modernidade, o que, para a idéia “weberiana” de Diehl,

Comentário: aqui refere-se

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implica a “tendência à perda do sentido e da significação da cultura, o que é, em outras

palavras, a perda do poder de orientação da conduta de vida no processo histórico.”220

Inicialmente, Uruguaiana tinha a economia voltada à pecuária extensiva, além de se

especializar no comércio de trânsito, pois sua produção, que era remetida para fora da cidade

com destino ao centro do país ou para as exportações, tinha como destino o porto de

Montevidéu, escoado pelo rio Uruguai. Mais tarde, esta navegação seria substituída pelas

estradas de ferro,

que desde logo tiveram o caráter de ferrovias de penetração, dirigindo-se decididamente para a fronteira do Brasil, onde chegaram muito antes que o fizesse a rede ferroviária brasileira. De fato, já em 1887, concluído o Ferro-Carril Noroeste del Uruguay até Barra do Quaraí, e estabeleceria a famosa linha da BGS até Uruguaiana (e Itaqui no ano seguinte), estas cidades ficaram diretamente ligadas a Salto e a Montevidéu.221

Como se pode verificar pela Figura 11, a movimentação de navios em Uruguaiana foi

muito intensa, sendo superior, inclusive, à do porto de Rio Grande durante todo o período

analisado. Mostra-se, assim, uma forte influência dos novos investimentos nos setores

pecuário e comercial nessa região, que levaram a que houvesse um salto na quantidade de

transações efetuadas com os países vizinhos, juntamente com a exportação da erva-mate, que

se comentará adiante. Destaca-se também que, entre 1852 e 1853, aumentaram relativamente

as importações pelo porto de Uruguaiana, coincidindo com a abertura da livre navegação do

rio Uruguai.

0,000100.000,000200.000,000300.000,000400.000,000500.000,000600.000,000700.000,000800.000,000900.000,000

1850

-51

1851

-52

1852

-53

1853

-54

1854

-55

1855

-56

1856

-57

1857

-58

1858

-59

1859

-60

1860

-61

1861

-62

1863

-64

1864

-65

1865

-66

1867

-68

ANOS

VA

LOR

ES

URUGUAIANA

RIO GRANDE

Fonte: Relatórios do presidente da província do Rio Grande do Sul à Assembléia Provincial, 1850-1870, RJ.

2 2 0 DIEHL, Astor Antônio. Max Weber e a história. Passo Fundo: Ediupf, 1996. (Ciência e história), p. 117. 2 2 1 FRANCO, Sérgio da Costa. Panorama sócio-cultural da fronteira Brasil-Argentina. Verso e Reverso, 1992. p.32.

Comentário: Uruguaiana tinha

Comentário: da cidade

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Figura 11: Dados comparativos das importações entre os portos de Uruguaiana e Rio Grande (1850-1868).Nota: Os períodos entre 1862-63, 1866-67 e 1868-69 não possuem valores, por isso não aparecem na figura.

Observando que havia superioridade do volume de transações de importação efetuadas

em Uruguaiana se comparadas às do porto de Rio Grande, uma pergunta emerge: por que os

comerciantes preferiam comerciar com o Prata através do porto de Uruguaiana em detrimento

do porto de Rio Grande?

Arthur Ferreira Filho contribui esclarecendo que os comerciantes preferiam enviar

suas mercadorias pela via fluvial do rio Uruguai até a região do Prata pela facilidade de

navegação, pois o porto de Rio Grande, na época, apresentava vários problemas quanto à

navegabilidade, principalmente no atracamento dos navios. Isso ocorria porque a

profundidade ia gradativamente diminuindo em razão do acúmulo de bancos de areia no

fundo do canal, e as autoridades não tomavam as medidas cabíveis para resolver o

problema.222 O porto de Rio Grande era o único porto da província que tinha ligação direta

com o oceano, no entanto, em 1800, a profundidade era de 4,40 m, tendo chegado a 3,60 m

em 1849, a 2,20m em 1860 e a apenas 2 metros em 1883.223 Em 1869 foram desenvolvidas

algumas obras para tentar contornar o problema, como a construção do cais e, mais tarde, da

alfândega. No entanto, somente com o advento da República, em 1889, é que foram

resolvidas tais adversidades para a navegação por esse.224

Retomando a discussão sobre a tentativa dos farroupilhas de tomar o porto de Rio

Grande com o auxílio de Rivera, vê-se a necessidade de os revolucionários rio-grandenses

fundarem um porto numa região farroupilha e que tivesse ligação pelo interior com Buenos

Aires e Montevidéu. Uruguaiana, portanto, apresentava-se como uma região estratégica para a

comercialização de produtos que manteriam a economia da República Farroupilha.

Outro motivo, dos citados, era o comércio de livre trânsito na região, através de várias

reembarcações, transbordos e permissões, por meio das quais se ia livremente aos territórios

vizinhos, o que acabava por facilitar, além dos transações lícitas, o comércio ilícito, o

contrabando. Um exemplo desses transbordos é a transposição do Salto Grande, entre 2 2 2 Ver FERREIRA FILHO, Arthur. A história do Rio Grande do Sul: 1503-1964. 3.ed. Rio de Janeiro: 1964. 2 2 3 FERREIRA FILHO, op. cit., p.130. 2 2 4 Verificar em URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont.

Comentário: excluir palavra

Comentário: vírgual

Comentário: “Retomando a discussão”...

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Concórdia e Federação, onde o rio praticamente se divide em dois: “um localizado acima ou

ao norte do Salto Grande e outro abaixo, ou ao Sul, na cidade de Concórdia.”225 As

embarcações podiam atravessar esse trecho somente nas épocas de enchente do rio; na época

de seca, as mercadorias eram desembarcadas e seguiam por terra até Federação, onde era

reembarcadas. Isso tudo acontecia mesmo depois de o governo da Confederação Argentina

não mais permitir o t ransporte de mercadorias por trânsito terrestre.

Segundo Medrano, somente a partir de 1860 Federação e Concórdia liberaram o

trânsito livre por seu território, tendo sido abertos os portos destas cidades e isentados os

produtos da fiscalização. Ocorria, então, o envio via terrestre ou fluvial, a partir de Concórdia,

de mercadorias manufaturadas para a alfândega de Uruguaiana. No entanto, essas mercadorias

por vezes eram desembarcadas no porto de Restauração (Paso de los Libres), entrando, após,

ilegalmente no Brasil por algum passo, principalmente o de Santana, mais utilizado na

época.226 Para esse tráfico acredita-se que eram utilizadas pequenas “chalanas”, que

facilmente atravessavam o rio transportando as mercadorias do porto de Restauração até

Uruguaiana.

Na Figura 12, vêem-se as balsas feitas de troncos de árvores extraídas da costa do rio

Uruguai, tanto no lado argentino como brasileiro. Como se observa, os troncos eram

colocados um ao lado do outro e atados com cordas ou cipós naturais da região, formando as

populares balsas de madeira, conduzidas por barcos, muitas vezes se beneficiando na época

das cheias, pois facilitava-se o transporte desses troncos destinados às cidades para serem

utilizados em construções, fabrico de móveis e outros.

2 2 5 MEDRANO, A livre navegação nos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.157. 2 2 6 MEDRANO, op. cit., p.159.

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Fonte: Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. RP 125. Figura 12 : Balsas que atravessavam o rio Uruguai transportando madeiras. Sem identificação de ano, mas, pelas outras fotos que se encontravam junto a esta, deve ser entre 1890 a 1905.

A presença de produtos de origem européia provenientes de ultramar pelos

portos de Montevidéu ou Buenos Aires, [...] revelam a importância destas fronteiras para o comércio entre os dois países. Revelam outrossim, a dependência da província gaúcha, com o porto de Buenos Aires, Montevidéu e os porto fluviais intermediários, dos quais se destacam Concórdia, Federação e Restauração entre os portos argentinos e o de Uruguaiana, no Brasil.227

Uruguaiana configurou -se, a partir de 1850-70, numa zona comercial desenvolvida

que se transformou, concomitantemente, em fronteira-zona, não livre de tarifação

alfandegária, mas de livre navegação e grandes possibilidades de contrabando, o que reduzia o

custo das mercadorias para as outras cidades do interior da província. A livre navegação no

rio Uruguai acontecia sem empecilhos desde que os proprietários dos botes, canoas, chalanas

ou lanchas pagassem a licença à Câmara, bem como comunicassem ao fiscal o tipo de produto

que transportavam para que ele emitisse as referidas notas fiscais.228

2 2 7 MEDRANO, A livre navegação nos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.175. 2 2 8 “§ 87º - Todos os botes, canoas, chalanas de boca abertas, e lanchas que andarem de aluguel ou afrete na cabotagem do Rio Uruguay, de unos para outros portos do litoral da Provincia, seraõ numerados, e ninguem os poderá navegar sem tirar todos os annos licença da Camara Municipal, pagando a taxa de 6$000 reis, e a embarcaçaõ depositada até a satisfaçaõ da multa. Na mesma pena incorreraõ os que transportarem cargas sem

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Ao mesmo tempo em que a Câmara cobrava uma eficiente fiscalização dos impostos,

os comerciantes e administradores faziam reclamações de alguns fiscais em virtude do

tratamento ríspido que haviam recebido ou por não fazerem “vistas gro ssas” quando

efetuavam suas inspeções, o que trazia certos desagrados até mesmo à Câmara.229

A partir de 1859, foram tomadas medidas para assegurar a qualidade da erva-mate

produzida na província a fim de exportá-la em grande escala para os países vizinhos, grandes

consumidores do produto. No entanto, as praças mais ao sul, como Buenos Aires, não

consumiam a erva-mate gaúcha e, sim, a paraguaia. Mesmo assim, havia algumas empresas

em Porto Alegre, como a fábrica de Benjamin Martinez, que faziam a manufatura da erva-

mate e a exportavam para os portos portenhos.230 A partir 19 de julho de 1869, por lei,

Uruguaiana, Rio Grande, Itaqui e Jaguarão passaram a ser os únicos portos responsáveis pela

exportação da erva-mate para fora da província. Porém, deveriam ter uma fiscalização que

verificasse a qualidade do produto que estava sendo exportado.

primeiramente participarem o Fiscal, para fazer as nesseçarias notas.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.47. 2 2 9 “Illmo Exmo Snr. = Esta Camara respeitosamente leva perante V.Ex.ª a dezagradavel correspondencia havida nos dias 9, 20 e 22 do corrente com Inspector d’Alfandega desta Villa = Por motivos bastante atendiveis emittidos em officio desta Camara a Exma Presidencia da Provincia em 27 de Maio de 1857 e 10 de Julho do mesmo anno, quando n’esta Alfandega a desenvolvia um empregado de fasenda entre mil absurdos fiscaes, grandes violencias ao publico, aos quaes a Exma Presidencia de então callando-se sobre este respondera ao 1º em data de 18 de Junho de 1857, fasendo nos crêr um mal entendido interesse de parte do Governo em sustentar com sacrificio mesmo das instituições do Paiz, e garantias de propriedade individual taes empregados, se impede esta Camara o mais restricto silencio e acentralidade em materias de Fiscalização. Passada aquella epoca novos ad’ministradores vierão a esta Alfandega melhor o peor sucedidos nunca tiverão a infeliz lembrança de insinuarem as autoridades que por dever os auxiliarão na policia e fiscalização das rendas publicas. Assumio porem o actual ad’ministrador e em poucos dias se achou em conflicto com diversas autoridades locaes, alem do dexespero em que tem posto as autoridades dos Estados Vezinhos e commercio, a navegação e o pôvo em geral, a tudo isto esta Camara conservando- se silenciosa pelos motivos já expendidos tractava apenas de desempenhar seu honroso cargo, sem se envolver em nada na marcha do ad’ministrador d’Alfandega e fasenda nacional; recebendo porem officio do Inspector da Alfandega junto sob nº1 de 9 do corrente, responder na forma do desta Camara de 20 do mesmo sob nº 2, devolvendo o Inspector este acompanhado do de nº 3, e encontrando esta Camara reunida em Sessão e se tendo pedido urgencia para responder a tão insolito e atrevido procedimento de aquelle empregado, resolveo responder lhe na forma do officio sob nº 4 o que tudo se remette em proprios originaes para V.Ex.ª servir-se tomar conhecimento e julgar quem quebrantou os devidos preceitos de civilidade e armonia, necessaria ás authoridades publicas. Outro sim esta Camara participa a V.Ex.ª a resolução que tomou em sessão de hoje a não mais abrir officios derigidos a ella pela actual ad’ministração desta Alfandega. Se por ventura no alto entender de V.Ex.ª este procedimento digo este proceder é inconveniente as vistas do Governo Imperial e aos interesses da Fasenda Publica, se servirá exclarecer-nos por que então de bom grado resignaremos o amuz que nos impõe o pôvo actualmente opprimido pela ad’ministração d’Alfandega desta Villa. = [...] 22 de Julho de 1859.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.182v.- 183v. 2 3 0 MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.201-202.

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Demonstrativos das exportações de erva-mate feitas por Uruguaiana são os números

referentes a 1854-55, quando o total do Império foi de 857:000$000, do qual a alfândega

dessa cidade participou com 117:000$000, ou seja, a sétima parte; em 1859, o valor subiu

para 456:000$000; entre 1855 e 1860, Uruguaiana foi responsável pela terça parte do total de

exportação da erva-mate de todo o Império com destino ao Rio da Prata.231

Na Tabela 4 constam os valores cobrados dos produtos para embarque no porto de

Uruguaiana, extraídos do jornal O Guarany de 1879.

Tabela 4 - Preços dos gêneros sujeitos a direito de exportação Parte comercial – Preços de Uruguaiana

Mercadorias Unidades Valores Aguardente Litro 300 Assucar Branco Kilog. 500 “ Mascavo “ 400 Café em Grão “ 1,000 Caibros Metro 300 Charutos Cento 4,000 Cigarros Kilog. 5,000 Chifres de Boi Cento 2,000 Couros Seccos Kilog. 400 “ de Refugo “ 800 “ de Terneiros “ 200 “ Cavallares Um 2,000 Crina Kilog. 400 Farinha de Mandioca “ 300 Fummo em Rollo M.Q. 1,200 Herva Matte Kilog. 300 Lenha de Madeira “ 640 Lá “ 840 Pedras Lages Metros 600 “ Agathas Kilog. 060 Penna de Abestruz “ 4,000 Pipas Armadas e Abatidas Uma 2,000 Pranchóes M.Q. 2,800 Sal Commum Kilog. 70 Taboado M.Q. 1,300 Telhas Cento 8,000 Tijollos “ 1,600 Tiranetes de Madeira M.Q. 300

Fonte: Jornal O Guarany – 19 de Janeiro de 1879. Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala do Arquivo Histórico.

2 3 1 Ver mais sobre a história da erva-mate em LINHARES, Temístocles. História econômica do mate. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1959, p.130.

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Nota: No rodapé do demonstrativo estava grafado: Alfandega de Uruguayana, 19 de janeiro de 1879. Prevaleça - Sá Brito. Os escripturários Porhrio Joaquim de Macedo Filho. Olympio Carlos D'araujo Brusque.

A vila de Uruguaiana tinha sua área urbana muito reduzida, sendo delimitada, por um

lado, pelo rio Uruguai. Em seu entorno havia estâncias e fazendas que cuja principal fonte de

renda era a criação e o abate do gado vacum, que existia em abundância em toda fronteira

gaúcha, bem como era trazido constantemente pelos tropeiros de outras regiões do país e da

província.

Esse gado vacum e até mesmo o gado cavalar criado nas estâncias lindeiras à vila

chamavam a atenção dos bandidos e de estrangeiros, mais especificamente, dos países

vizinhos, que viam neste animal não só a carne, que se apresentava como um dos subprodutos

do gado vacum, mas, sobretudo, a graxa e o couro, os quais tinham um grande mercado, tanto

no Império quanto em outros países. Por esse motivo, a fiscalização também sempre teve o

cuidado de colocar dentro de suas normas a observância ao gado criado dentro do território

guarnecido, tanto que a maioria das leis desenvolvidas na fronteira ou para a fronteira dizia

respeito ao gado, su a criação e comercialização.232

A fim de se verificar os dados referentes ao total deste tipo de comercialização entre os

portos de Uruguaiana e Rio Grande, analise-se a Figura 13.

2 3 2 “§ 131. – Todos os fazendeiros e creadores de gado estabellecidos no Municipio, seraõ obrigados amandar Registar na Camara, a marca de sua propiedade; os que naõ cumprirem esta disposiçaõ, trez mezes dipois da publicaçaõ destas posturas, seraõ multados em 10$000 reis. § 135. – Todo o fazendeiro em cujo campo se fizer tropa de corte ou de cria, deverá fazer um registo fiel de todas as marcas que na tropa houverem, com assist encia da authoridade Policial mais proxima, ou seja Subdelegado, Juiz de Paz, ou Inspector de Quarteiraõ assignado pello fazendeiro, e dous vesinhos, e rubricado pela authoridade que assistir ao acto: este registo será feito em triplicata, sendo remitido hum ao archivo da Camara, outro entregue ao conductor da Tropa e outro ficará em seu poder. O Fazendeiro que contravier incorrerá na multa de 30$000 reis, e na pena de oito, a quinze dias de cadêa.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.54-55.

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Fonte: Relatórios apresentados pelos presidentes da província do Rio Grande do Sul à Assembléia Provincial: (1850-1870). Biblioteca Nacional, RJ. Figura 13 : Dados comparativos das exportações realizadas pelos portos de Uruguaiana e Rio Grande.

A produção era voltada para a pecuária, principal fonte de renda, mas havia também

algumas chácaras, em especial as da Ilha Grande, que produziam cereais e leguminosas233,

porém de pouca relevância, visto que os cereais consumidos na vila de Uruguaiana vinham de

outras regiões da província ou do exterior. A partir de 1821, a Ilha Grande já estava habitada,

possuindo em 1858 uma população de 150 pessoas, que se dedicavam à agricultura e à venda

de lenha para a vila de Uruguaiana, fazendo o transporte através de carretas e pequenas

embarcações. Através das correspondências da Câmara, constata-se que habitavam a ilha

brasileiros e refugiados da Argentina (sem especificação de nacionalidade), a qual foi muito

utilizada durante a revolução na província, iniciada em 1835, para refúgio do gado das

estâncias próximas.234

2 3 3 “Informações sobre os estabelecimentos Agricolas e colhetas de Cereais

Não existe n’este Municipio um só estabelecimento desta ordem, a não serem tres chacaras na Ilha Grande que produzem; milho; feijão; e abobora para o consumo de seus danos. Todo o mantimento vendido n’esta Praça vem dos Municipios de S.Borja e Itaqui ou de Corrientes. As plantações de cereais são em pequenas proporções eleitas por alguns Senhores Fasendeiros apenas para consumo domestico; deixando de desenvolver este ramo agricola por falta de consumo em fabricas e de transportes.

He quanto se pode informar a este respeito a Repartição da Statistica Provincial.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.187-187v. 2 3 4 “3ª A Ilha Grande. Esta importante Ilha principia uma legua assima deste Porto, e se estende Uruguay assima em ûa extenção de duas e meia leguas. Está completamente habitada por brasileiros agricultores e industriosos, e alguns refugiados da Confederação Argentina. Sua população é calculada em 150 almas. Suas produções são madeira e lenha, com que forma a esta Villa, e alguns productos de agricultura. Instabilidade e falta de segurança, que receião continuamente os seus habitantes os tem privado de fazerem propriedades de importancia

0,000

100.000,000

200.000,000

300.000,000

400.000,000

500.000,000

600.000,000

700.000,000

1850

-51

1851

-52

1852

-53

1853

-54

1854

-55

1855

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1857

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1859

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1860

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1862

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1863

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1864

-65

1865

-66

1866

-67

1867

-68

1868

-69

Anos

Val

ore

s

URUGUAIANA

RIO GRANDE

Comentário: Nossa? Substitua por “A”

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As preocupações por parte da Câmara com a Ilha Grande tinham como principal

motivo a segurança, pela facilidade da prática do contrabando, em razão da sua proximidade

com a vila e da fácil travessia para esta, bem como para a ilha de Japejú, um pouco mais

acima no rio Uruguai. Por essa razão, em 1858, a Câmara sugeriu ao presidente da província

que retirasse os moradores instalados na ilha e os substituísse por colonizadores imigrantes,

que explorassem seus bens naturais, como a terra fértil, alavancando a produção agrícola,

pouco expressiva até então.235

Ainda verificando as correspondências da Câmara da vila, constata-se a preocupação

com a comercialização efetuada entre a ilha e os comerciantes de Uruguaiana, sendo

fundamental, na visão daquela, a arrecadação de impostos sobre esse tipo de transação.Veja-

se o documento:

Illm.º Senr. Alem dos interesses das rendas desta Câmara, vou importunar a V.S.ª rogando-lhe não desimpedir as embarcações que sahir com negocio para vender-se nas Ilhas ou em qualquer ponto deste município, assim como as carretas em idêntico caso, sem que representem o conhecimento de ter satisfeito os impostos Municipaes. Espero que V.S.ª tomará em attencção este meu pedido, certo de que, também me achará prompto para coadjulo no que por V.S.ª for exigido. [...] 1º de Julho de 1864. Illm.º Senr. Ant.º Tello Bastos Junior. M. D. Inspector d`Alfândega desta Villa. O presidente Bento Martins de Meneses.236

A vila de Uruguaiana apresentava um sistema econômico que compreendia um

conjunto de organizações sociais, cuja finalidade era de facilitar a produção e a distribuição de

bens econômicos. Essas organizações eram instituições jurídicas e sociais, entre as quais a

ahi. Referirei agora algumas tradições antigas relativas à esta Ilha. Consta que em 1821, por pessoas dessa época, tomarão posse da Ilha 3 Brazileiros um de nome João Ignacio Ilha, nactural de Porto Alegre, um tal Camara de Santa Catharina, e que pertencera ao regimento da Ilha, e outro que não lembramos o nome [...]Durante a revolução desta Provincia em 1838 entenderão Mathias de Vargas, Manoel Joaquim Picanha, e Antonio Ferreira que devião refugiar parte de seos gados n’esta Ilha onde se estabelecerão e fiserão bons ranchos e corraes; tendo Mathias de Vargas feito uma pequena casa de tijollo e telha que fes condusir do Povo de Japejú..” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.159-161. 2 3 5 “Tanto esta como a Ilha Grande estão mais sobre a Costa do Brasil de que sobre a de Correntes. A Camara prevalece-se desta oportunidade para indicar ao Governo provincial e ao Geral, por entermedio de V.Ex.ª a conveniencia de serem concedidos para estas 2 Ilhas Colonias agricolas não só para garantir o direito de posse como pelo melhoramento que traria a necessidade de viveres de que constantemente se recente esta parte da Provincia pela escaces de braços no desenvolvimento da lavora. Os habitantes destas Ilhas limitão suas plantações pela falta de estabilidade e segurança o que se removeria se fossem devididas por collonos, que tratarião de enraizar a segurança e direito de suas propriedades.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. 2 3 6 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.72v.

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Câmara de Vereadores, responsável por legislar em questões relativas à economia da vila e ao

bem-estar da população.

Conforme a vila crescia, surgiam novas necessidades, como foi a criação do Fórum

municipal, já que era difícil levar réus e testemunhas desta localidade até Alegrete, que era

sede da comarca, como se depreende da seguinte correspondência:

Nº 6 – Illmo Exmo Snr. = A Camara Municipal desta Villa convencida ser do

seu dever promover o milhoramento do seu Municipio, e bem estar de seu Moradores, resolveu representar a V.Ex.ª a nessecidade de criar no mesmo um Conselho de Jurados, visto que possam de sufficiente numero de Cidadaos qualificados, e mesmo ter dado este Municipio 129 Jurados qualificados; numero este mais que sufficiente para a formação de um Conselho de Jurados conforme a doutrina do art.º 223 do Regulamento Av. 120 de 31 de Janeiro de 1842. Alem d’esta razão acresce o incomodo que soffrem os Juizes de Facto em serem obrigados a concorrerem a Villa do Alegrete para as reunioes do Juri, remeças de prezos, para ali serem julgados comparecim.to das testemunhas; e serem os Escrivaes obrigados a irem a correição condusindo seus Cartorios em tão longa distancia e com notavel detrim to da administração da justiça; por quanto não existindo criado o Conselho de Jurados n’este Termo de julgado e não estando elle em caminho por onde tenha de passar o Juiz de Dereito da Comarca para correr os Termos d’ella, em conformidade do disposto nos art.º 202 e 204 do citado Regulamento não abre aqui correição. Em vista d’estas razoes e da solicitude com que V.Ex.ª promove o milhoramento d’esta Provincia, esta Camara espera que se dignará criar n’este Municipio um termo Judiciario com Conselho de Jurados. = [...] Villa Uruguayana em Sessão Ordinaria de 25 de Janeiro de 1850.237

O sistema econômico de Uruguaiana dependia dos seus elementos estruturais, como as

instituições criadas para regulamentar o comércio local, sendo encarregadas do conjunto de

leis, regulamentos, normas, resoluções, instruções, portarias e avisos disciplinadores e

norteadores das relações econômicas dentro da sociedade local da vila, formada por

brasileiros e estrangeiros. Segundo Souza, “o desenvolvimento econômico deriva da expansão

contínua do produto real de uma economia, implicando mudanças estruturais e melhorias do

bem-estar da população, medido por indicadores econômicos e sociais.” 238

A ocupação dos espaços econômicos na vila foi estruturada por estrangeiros, que se

aproveitavam da pouca fiscalização oferecida em toda a fronteira. Esses estrangeiros, num

primeiro plano, eram comerciantes informais que não contribuíam com os impostos para o

setor público, prejudicando, assim, a arrecadação local e concentrando o capital nas mãos de

2 3 7 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.48- 48v. 2 3 8 SOUZA, Nali de Jesus de. Curso de economia. São Paulo: Atlas, 2000. p.329.

Comentário: Excluir palavras.

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quem já o tinha. Somente mais tarde, esses comerciantes iriam se estabelecer com suas casas

comerciais no recinto da vila. Assim, confirma-se o que diz Rogério Haesbaert da Costa:

A Campanha é também uma periferia de crescimento lento, mas subordinada

aqui a um núcleo capitalista não apenas irradiador como também concentrador, representado à escala estadual por Porto Alegre, e inserida na divisão territorial do trabalho definida pelo modo de produção dominante. Assim, numa abordagem teórica de base materialista dialética, a região passa a ser concebida como produto da desigualdade sócio-espacial intrínseca ao desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo.239

A economia de Uruguaiana estava voltada, primordialmente, à pecuária, ou seja, à

criação de gado, com a indústria do charque, a criação de ovinos para extração da lã e outros

derivados. Comprovando o predomínio desse tipo de atividade, veja-se o apelo feito pela

Câmara Municipal ao Império, em correspondência enviada em 9 de março de 1850:

Augustos e Dignissimos Senhores Representantes da Nação. A Camara Municipal da Villa de Uruguayana da Provincia de S.Pedro do Rilgrande do Sul conscia de seus deveres; não pode deixar approveitar o favoravel ensejo de se achar reunida a Representação Nacional para ante ella respeitosamente impetrar proficuo remedio ao actual estado da decadente industria de seu Municipio e de toda a Provincia que a não ser protegida pela alta sabedoria dos escolhidos da Nação por medidas que tendão a extirpar o mal antes que tome um caracter cronico e incuravel, ver-se-há definhada e acarretará por sem duvida após de si todas as calamidades que urge evitar à classe laboriosa. Ninguem há que ignore, Augustos Senhores Representantes da Nação, o ramo principal de industria desta Provincia consta do fabrico do charque, que forma com os couros o mais pingeu ramo de sua exportação; e sendo identica a industria de commercio de Montevideu e Buenos Ayres, a que temos dous rivaes, com quem a Provincia não tem podido competir por circunstancias que cumpre elucidar. Offerecendo o Brazil apenas trez grandes mercados na actualidade para a venda das carnes, acontece que as fabricadas n'esta Provincia tem pouca extracção em comcurrencia com as daquelles paizes, sendo a mor parte das vezes vendida por preços tão mesquinhos que não cobrem a despeza da produção, não só pela barateza do gado em pé como pela diminuição do imposto do Sal que entra n'essa fabrica das Carnes estrangeiras, e outras circunstancias que se conttem por enfadonhas - Dos ingentes prejuizos que tem soffrido, e ainda soffrem o commercio d'esta Provincia nas vendas dos charques, tem-se resentido por tal modo a industria d'ella que os seus definhamento tem tocado ao ultimo extremo de decadencia; e para obviar este grande mal, esta Camara ousa indicar duas medidas que lhe parecem afficazes, que vem a ser, diminuição; se não a extinção do imposto do Sal nas Alfandegas, e o acrescimo na imposição sobre as carnes salgadas, ou charque estrangeiro, não só quanto as importadas de fora do Império, como as que descem do Estado Oriental pela Lagoa Mirim, que pela Lei nº 369 de 18 de Setembro de 1846 forão nacionalizadas e por conseguinte isentas do imposto geral como genero estrangeiro. São tão obvias as vantagens que se devem das medidas indicadas e levando-se o importe sobre o charque estrangeiro e diminuindo o lançado sobre o Sal no Império, que esta Camara se abstem de entrar em maior desemvolvimento sobre a materia. Augustos e Dignissimos Senhores Representantes da Nação a vossa consumada sobedoria, acrisolado patriotismo, practica dos publicos negocios suprirá o que n'esta humilde representação falta, e esta Camara Municipal cheia de confiança, espera providencias consentanias com o

2 3 9 COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.18.

Comentário: Altere.

Comentário: se tinha

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milhoramento industrial d'este belo torrão, sendo uma das preciozas estrellas do Imperio de Santa Cruz, por seus heroicos sacrificios em prol da integridade do Imperio, merece por sem duvida que a Representação da Nação cure de sua prosperidade e engrandecimento. Paço da Camara Municipal da Villa de Uruguayana 9 de março de 1850 = assignarão os Vereadores Manoel Doria da Luz = Caetano de Mello = Zeferino Nolasco Rodrigues Paz = Luis Pereira da Silva = Antonio Jose de Azevedo Castro = Francisco Carvalho.240

O sal era um produto de fundamental importância no fabrico e na conservação dos

produtos de origem animal. Este produto era importado da Europa pelo porto de Montevidéu

e, para chegar a Uruguaiana, passava por duas alfândegas, o que encarecia o seu preço final

para os charqueadores. Segundo Raul Pont, o sal era importado especialmente de “[...]

CADIS, na Espanha e SETÚBAL, em Portugal. O produto importado ficava por preço muito

alto, o que levou os charqueadores platino a buscá-lo na Patagônia. Embora a qualidade

inferior, era entretanto obtido a preço baixo e condições mais vantajosas.”241 Além da taxação

do sal, o gado em pé vendido no lado do uruguaio e argentino era mais barato que no lado

brasileiro.

Uruguaiana não possuía uma indústria propriamente dita de charque, mas apresentava

uma produção nas estâncias estabelecidas ao redor do perímetro urbano e no interior do

município. Essa produção seria voltada para o consumo interno da vila, visto que o charque

mais comumente comercializado na região era proveniente da Argentina, mais

especificamente da província de Corrientes, como se constata por alguns registros da Câmara:

Illmo Snr = Arrematante das Rendas Municipaes Manoel Marques Vianna

requer a esta Camara que se achando esacto na cobrança da carne fresca que vem do lado de corrientes, na conformidade da Lei Provincial, por ordem que dizem os guardas e guarda do porto terem de V.S.ª, e que maior parte dizem ser charques, porem que não hé mais que carne fresca aberta do outro lado para se evadirem do citado imposto, e sendo de grave perjuizo ao arrematante semilhante embaraço, precisa esta Camara que V.S.ª se digne dizer-lhe o que há a respeito para bem do serviço Municipal. = [...] Villa de Uruguayana 9 de Novembro de 1850.242

A inexpressiva produção de charque de Uruguaiana, pelo menos nos anos iniciais de

sua fundação, pode ser percebida pela inexistência nas Posturas da Câmara de menção ao

produto.

2 4 0 Reivindicações da Câmara da Villa de Uruguayana ao Parlamento Nacional. Arquivo Histórico do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Dossiê 01 / Doc. 17. 2 4 1 PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, p.356. 2 4 2 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.63- 63v.

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Além das taxações do sal e do preço do gado, havia o contrabando tanto do gado em

pé, quanto do charque, couro, sebo, crinas e outros produtos, prática constante tanto pela

fronteira do lado uruguaio quanto pelo lado argentino, ambos através do rio Uruguai.

Evidencia-se claramente este problema por uma manifestação dos vereadores de Uruguaiana

quando relataram que eram mínimas as importações de charque proveniente dessa região de

fronteira.

Illmo Snr. = Sendo um dever desta Camara velar pelos milhoramentos e bem

estar dos seus Municipes, e sendo um delles, nada menos, que a primeira necessidade da população, o ramo da carne fresca que vem do lado de Corrientes, da qual V.S.ª cobra um direito exorbitante, tornando- se assim em mais apuro a carestia della, e a que a Carniceiros ponhão o preço que querem a seu bel capricho; parece sem duvida estranho este direito, em vista das explicaçoes que anteriormente deu a Thezouraria da Fazenda ao Exmo Snr. presidente da Provincia em 20 de Dezembro de 1850, cuja copia authentica vai junta para que V.S.ª veja que as carnes frescas, as salgadas ou intituladas charques que vierem de Corrientes não estão sugeitas a imposição alguma: e nem o devião estar, mesmo outras batelas, como raiz de mandioca, milho em espiga, quejos, batata, cousas insignificantes, que privão essa pequena concurrencia a este mercado; e que de recente mesmo se acaso é Lei, de não estar em uso, tornando -se tanto por isto, como por outros insidentes, pouco communicado este lugar com o paiz vezinho, cuja reciprocidade commercial se estranha hoje. Em consequencia pois de V.S.ª julgar que deve continuar esse direito da Carne fresca que vier do lado de Corrientes para consumo publico, em tão esta Camara o levará ao conhecimento do Exm.º Snr presidente da Provincia para que se digne a este respeito providenciar medidas consentaneas com o bem publico. = [...] 14 de Janeiro de 1853.2 4 3

Dessa forma, percebe-se que uma preocupação constante da Câmara era a relação que

estava sendo imposta pelo presidente da província com Corrientes, já que o imposto sobre a

importação da carne fresca ou do charque não deveria ser cobrado, assim como de outros

produtos alimentícios. Contudo, o fiscal da vila taxava-o com valor muito alto, justamente por

não haver tabela que limitasse um valor máximo a ser cobrado na revenda para o consumidor.

Assim, a Câmara viu-se obrigada a reclamar desse problema, visto que poderia gerar diversos

outros, como o contrabando do produto por preços muito mais acessíveis, o que baixaria seu

custo e elevaria seu consumo.

Os saladeiros começaram a ter maior força a partir do bloqueio francês ao porto de

Buenos Aires, entre 1838 e 1839, quando as atividades saladeiris naquela região foram

paralisadas. O fato que provocou a abertura de uma grande quantidade de saladeiros na

fronteira do Brasil, especialmente com o Estado Oriental, como se verá posteriormente, em

2 4 3 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.92v.

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Quaraí, Santana do Livramento, Barra do Quaraí (então pertencente a Uruguaiana).

Conseqüentemente, a criação de gado vacum foi alavancada, atraindo várias tropeadas para a

região.’

Neste ponto do trabalho, é de fundamental importância, para que se tenha uma idéia

dos valores que circulavam na vila de Uruguaiana, saber como estavam organizadas as contas

da Câmara Municipal, principal órgão da vila, e como eram geridas suas finanças durante um

período inicial de dezoito anos. Esse período foi fixado em razão de não haver fontes

indicando as receitas e despesas da vila a partir de 1865, ano da invasão paraguaia a

Uruguaiana, até 1884, quando recomeçaram os registros das contas municipais.244

Em 11 de janeiro de 1858, a Câmara Municipal da vila de Uruguaiana encaminhou à

Assembléia Legislativa provincial as necessidades mais urgentes do município. Entre essas

estavam as obras públicas, como a cadeia, a matriz da vila, o prédio da Câmara de

Vereadores, melhoramentos no porto, as pontes dos passos, melhorias nas estradas, a

necessidade de escola de instrução que servisse ao sexo masculino, o mercado público e

rendas municipais.

Em relação ao ensino no município, verificou-se que, em 1854, Uruguaiana tinha duas

escolas, uma pública e outra particular. No entanto, a Câmara, pelo que indica um trecho do

relatório enviado ao presidente da província, não aprovava o ensino que estava sendo

desenvolvido, pois não havia nenhuma metodologia que guiasse a obtenção de grau pelos

alunos e suas respectivas habilitações. Por isso, a Câmara solicitava que houvesse melhores

condições de “fiscalização” dos exames.245

2 4 4 Abrimos uma nota neste trecho para esclarecer que a invasão paraguaia durou apenas alguns meses, e o motivo por não haver fontes até o ano de 1884 provavelmente, foi o extravio das mesmas pela Câmara de Uruguaiana, que não repassou ao Centro Cultural Dr. Pedro Marini tais livros nem os possui em seus arquivos. 2 4 5 “6º Existe nesta Villa duas aulas uma publica e outra particular que ambas são requintadas no adiantamento dos alumnos e puramente desconhecido desta Camara por que não fasendo dos alumnos exame annual não pode conhecer quaes seos adiantamentos, menos os internos por que são regulados essa aulas, seria pois para desejar que uma lei especial determinasse os exames marcando suas epocas regulando seos deferentes termos e quem seria asistir como examinadores dessas aulas assim como que a mostra dos alunos fosse feito perante a Camara por que assim serião as informaçoes mais exatas e não se atestaria muitas vezes o que não existe, por que pode dar-se casos de existirem matriculados tão somente na L.º de Matricula como para fazer numero a que não teria lugar se esta fosse feita pela mesma dita. Consta tambem de menores o qual é bastante frequentada a mais quanto a seos adiantamentos sestima de insigne tambem é desconhecido por esta Camara.” Para ver correspondência completa: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.118v.-120v.

Comentário: que se tenha

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Dentre outras solicitações feitas pela Câmara de Uruguaiana, chama a atenção a das

rendas públicas. Neste quesito, afirmava-se que, apesar do grande desenvolvimento no

comércio, as rendas não haviam tido o crescimento esperado. Essa estagnação na arrecadação

teria como motivo o fato de a Câmara ter deixado de funcionar durante algum tempo no ano

de 1854, quando houvera extravio de vários documentos. Além disso, o procurador da Casa

não prestara contas dos impostos recolhidos, prejudicando, assim, a contabilidade e a

escrituração das rendas.

Acerca dessas últimas denúncias, observou -se casos de afastamento de funcionários da

Câmara de Vereadores da vila por motivo de corrupção, desvio de verba pública, calúnia,

difamação, etc. Assim, vê-se que a Câmara passava muitas vezes por turbulências que

tumultuavam o andamento dos seus trabalhos, gerando a indignação de vereado res. Por isso,

eles não poupavam palavras para denunciar os contraventores perante o presidente da

província através dos ofícios que eram enviados à capital.

Exemplificativamente, no período de 1860 a 1861, a Câmara Municipal de Uruguaiana

encontrou irregularidades nas contas apresentadas pelo seu procurador, o que dificultou as

arrecadações dos impostos municipais. Consta que os talões dos recibos haviam ficado em

branco e o fiscal responsável pela cobrança desaparecera , não prestando perante a Câmara. O

fato gerou uma celeuma entre os seus membros, que o levaram ao conhecimento do presidente

da província e da Assembléia, para comprovar a inexatidão em suas receitas e despesas.

Pelos levantamentos realizados nesta pesquisa, constataram-se divergências entre o

que foi encontrado no Livro de Estatística de 1926, apresentado ao então intendente do

município, João Baptista Arregui, e as contas lavradas nos livros de registros de receitas e

despesas da Câmara Municipal de Uruguaiana. Comparando ambos os registros, verificam-se

as discrepâncias.

A partir do levantamento feito nos livros de receitas e despesas da Câmara Municipal,

também se constatou que, em 1847, a arrecadação fora muito baixa, com apenas Rs.

4:997$107; dez anos depois, subiu significativamente para 14:815$788, e assim seguiu em

escala ascendente, tanto nas receitas quanto nas despesas, estas últimas sempre muito altas em

relação aos ganhos.

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Para uma melhor visualização das alterações ocorridas nas arrecadações e nos gastos

do município, separaram-se as contas por períodos de cinco anos a fim de facilitar a sua

interpretação. Nas figuras 14 e 15 constam, entre 1847 e 1852. A Figura 14 mostra as receitas

e despesas levantadas pelo chefe de estatística de Cachoeira em visita a Uruguaiana em 1926;

já a Figura 15 é o resultado do levantamento atual tomando por base os livros de receitas e

despesas da Câmara Municipal.

0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000

1847-1848

1848-1849

1850

1851

1852

Livro de Estatística de 1926

DESPESA

RECEITA

Fonte: ALBUQUERQUE, Relatório de estatística apresentado ao Coronel João Baptista Arregui (intendente municipal) em 25 de julho de 1926. Figura 14 : Receita e despesa geral do município de Uruguaiana conforme o Livro de Estatística de 1926.

0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000

1847-48

1848-49

1849-50

1850-51

1851-52

DESPESA

RECEITA

Fonte: Livro de Receitas e Depesas da Villa de Uruguayana. Arquivo Histórico do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. C.M. 44 – 1847 a 1856 – L.C. Figura 15 : Receita e despesa da Vila de Uruguaiana conforme o Livro de Receitas e Despesas de 1847-1856.

Comentário: Excluir palavra

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Como se pode observar nas figuras, a principal diferença encontrada nos valores é a

quantia de receita arrecadada pelo município. Na Figura 14, segundo o relatório de estatística,

os valores são, em geral, muito mais altos que os recolhidos através da pesquisa e análise das

fontes primárias. Esclarece-se que não se conseguiu chegar à soma apresentada nos relatórios

nos primeiros anos da fundação da vila de Uruguaiana.

No livro de estatística não há a descrição das fontes utilizadas pelo responsável pela

organização dos livros, razão pela qual não se sabe se foram os mesmo livros postos à

disposição do chefe em estatística no ano de 1926, quando foi feito tal estudo. Acredita-se, no

entanto, que os livros existentes sobre receitas e despesas da Câmara não contenham o total

das arrecadações do município, mas somente alguns valores referentes às letras cobradas

pelos fiscais e arrematantes.

0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000

1853

1853-1854

1854-1855

1855-1856

1856-1857

DESPESA

RECEITA

Fonte ALBUQUERQUE, Relatório de estatística apresentado ao Coronel João Baptista Arregui (intendente municipal) em 25 de julho de 1926. Figura 16 : Receita e despesa geral do município de Uruguaiana conforme o Livro de Estatística de 1926.

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0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000

1852-53

1853-54

1854-55

1855-56

1856-57

DESPESA

RECEITA

Fonte: Livro de Receitas e Depesas da Villa de Uruguayana. Arquivo Histórico do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. C.M. 44 – 1847 a 1856 – L.C. Figura 17 : Receita e despesa da Vila de Uruguaiana conforme o Livro de Receitas e Despesas de 1847-1856.

Com base nas duas figuras, verifica-se que a diferença entre as receitas aumenta ainda

mais, provavelmente porque o estatístico, para chegar ao valor total da receita do município,

somou aos valores arrecadados o saldo anterior da receita, o que elevou o valor, como pode

ser visto na Figura 16. O valor constante na Figura 17 representa apenas o que foi arrecadado

e que consta no livro de receitas e despesas da Câmara, apresentando, portanto, o valo r bruto

recolhido dentro do período em análise.

É importante ressaltar, mais uma vez, que a divergência entre as fontes pode ser

também resultado de uma análise de documentos que se referenciavam a coisas diferentes,

mas que, no entanto, possuíam o mesmo cabeçalho, pois não é provável que fossem

apresentados ao presidente da província documentos que expressassem valores diferentes

daqueles que a Câmara realmente arrecadara, já que esta necessitava de ajuda do governo

provincial e algumas vezes passava por inspeções financeiras.

As principais fontes de receita da Câmara na época, que estão registradas no livro de

receitas e despesas, eram a cobrança das letras do município e pagamentos de multas diversas

por transgressão de alguma das posturas ou lei prov incial. Essas letras não eram, senão, os

impostos dos munícipes, que eram pagos aos arrematantes dos distritos ou fiscais

responsáveis pela cobrança e cujos valores posteriormente eram repassados à Câmara, onde se

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fazia a conferência final dos valores em relação à prospecção do último exercício e tomando

como base os recibos emitidos pelos cobradores. Após essa conferência, os valores eram

levados até o cofre da Câmara, que permanecia, em certa época, na própria casa das sessões e,

posteriormente, foi transferido para o prédio da alfândega no porto.

Não se pode esquecer que a cadeia pública ficava sob responsabilidade da Câmara,

que definia tudo quanto fosse necessário para o seu bom funcionamento. Por essa razão, a

Câmara despendia alguns gastos com o prédio, como o aluguel, e todos os objetos e materiais

que fossem necessários para suas instalações. O prédio da Câmara também era alugado, assim

como o do fórum.

Conforme determinavam as Posturas Municipais, os bares e similares, principalmente

os “bilhares”, não podiam abrir suas portas antes de fazerem o registro do estabelecimento

perante a Câmara, que era mais ou menos um termo de juramento (pago). Isso pode ser visto

no trecho a seguir:

§ 76º - Sem licença da Camara, ninguem pode ter casa de jogo de bilhar,

aqual naõ lhe será concedida sem que assigne na mesma Camara hum termo de naõ consentir, ou permitir em sua casa outro qualquer jogo. Os que contravierem sofreraõ apena de 30$000 reis, de multa, e oito dias de cadea, alem das em que encorrer pelo codigo criminal.246

Uma preocupação que transparece ao se ler o livro de registro de ofícios da Câmara

era de que não se transgredissem as posturas e, conseqüentemente, não se fizesse concessão

alguma quanto ao pagamento de multas ou taxas, evitando, desse modo, perder arrecadação.

Transcreve-se em seqüência correspondência pela qual a Câmara “intimava” o fiscal da vila a

fazer as devidas considerações frente a um transgressor:

Illm.º Snr. = A Camara Municipal desta Villa, a cujo conhecimento chegou

que se achão affixados annuncios assignados por Januário Paiva marcando o dia Domingo proximo fucturo para dar um espectacullo Publico de provas ginasticas, sem que para isso tenha sollicitado desta Camara a competente licença, na forma de suas Posturas, nem paga a taxa estabellecida pelo § 2º Art.º da Ley Provincial nº 57 de 29 de Maio do anno findo [1846], e ainda mais não tendo inda indennizado a Camara do imposto correspondente no ultimo espectacullo dado nesta Villa, resolveo em Sessão de hoje chamar a attenção de V. S.ª para a leitura do Art.º 132 do Regulamento nº 120 de 30 de Janeiro de 1842, e exigir 2º, ao que por parte de V. S.ª se fação effectivas as disposições do mesmo art.º do Regulamento citado, não consentindo se deve affeito esse espectacullo sem previa licença da Camara, pois

2 4 6 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.45v.

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que tolerado uma vez qualquer abuzo da Ley, estabellece-se um precedente ridiculo, e prejudicial ás instituicções do Paiz, e á acção das Autoridades Constituidas. = Deos Guarde a V.S.ª = Uruguayanna, em Sessão de 14 de Maio de 1847.247

Dentre várias outras atribuições, pelo que consta no livro de termos de arrematação,

fiança e outros contratos, a Câmara Municipal de Uruguaiana contratava serviços de terceiros

para consertar, construir, enfim, para manter a cidade. Para isso, não havia processo de

licitação, pois dependia da disponibilidade de valores e da necessidade pela qual eram

contratados os serviços de terceiros. Como não havia funcionários públicos na época, quem

fazia a devida cobrança e fiscalização dos serviços era o fiscal da vila. Dessa forma, a Câmara

Municipal mantinha uma forte presença dentro da vila, instaurando processos, controlando a

cadeia pública, arrecadando impostos etc. Isso tudo era feito através de fiscais, tanto no

interior quanto na região urbana, os quais percorriam o município para se certificarem de que

tudo corria conforme as normas legais.

A Câmara, em várias correspondências destinadas ao Império, reclamava que a região

de Uruguaiana era desprovida de mão -de-obra para a lavoura, embora tivesse terra propícia

para a agricultura. Ocorre que, nesse período, a agricultura não apresentava possibilidades de

lucros para os que plantavam, pois estava-se no auge da comercialização do couro, sebo,

graxa, charque, ou seja, todos os produtos relacionados com a pecuária. Também ocorria o

início do desenvolvimento comercial urbano na região, visto que o rio Uruguai proporcionava

a navegação, facilitando as transações comerciais e, assim, permitindo a chegada de produtos

que vinham de outras praças para serem comercializados na fronteira.

Na região de Uruguaiana, no período delimitado nesta pesquisa, embora houvesse

escravos, já havia uma mão-de-obra livre assalariada. Nessa questão concorda-se com Marx

quando diz que “os operários são forçados a vender sua força de trabalho, e a idéia de que eles

podem escolher livremente no mercado de trabalho não passa de uma construção

ideológica”248. No caso, como a pecuária era a principal atividade econômica da região, o

operário local não tinha outra escolha.

Foi essa economia pecuarista a responsável pelo crescimento econômico e pelas

mudanças ocorridas na região e nessa comunidade de fronteira. Segundo Naia Oliveira e 2 4 7 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.07- 07v. 2 4 8 ELSTER, John. Marx hoje. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p.44.

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Tânia Barcellos, “a abordagem que tem como foco as áreas de fronteira remete, antes de mais

nada, a um quadro de compreensão das mudanças estruturais em curso neste fim de século,

mudanças estas que afetam a base da produção capitalista, a política e a sociedade em nível

mundial.”249

A fronteira oeste do Rio Grande do Sul sofreu influências tanto da Argentina quanto

do Uruguai, ou seja, contradições “entre idéias pode ser condição para se chegar à verdade; o

conflito entre indivíduos, classes ou nações pode ser condição para a mudança social.”250 A

disputa entre diversos pontos discordantes existe, e não é su rpresa para quem vive na

fronteira, no entanto não se pode dizer que não haja cordialidade entre as cidades fronteiriças.

Constatou-se na região em estudo o processo de vendas de terras para colonos e

comerciantes franceses, alemães, italianos, espanhóis e ingleses, os quais se dedicaram à

criação de gado bovino e ovino. Isso pode ser comprovado a partir do livro de transcrições de

transmissões de hipotecas da vila de Uruguaiana, que é documento mais antigo encontrado no

Cartório de Imóveis da cidade.

Nesse livro, pelos sobrenomes das pessoas envolvidas nas transações de compra e

venda de terrenos, casas e terras, verifica-se que se tratava de estrangeiros vindos para

Uruguaiana, ou até mesmo de pessoas que moravam em outras cidades, mas que possuíam

terras ou casas na vila. O fato de morarem em outros locais e de possuírem terras em

Uruguaiana, provavelmente, tenha como razão a guerra contra o Paraguai, pois durante o sítio

a Uruguaiana a população fugiu para outras localidades e até mesmo para os países vizinhos.

Por esse motivo, lê-se no livro de transcrições, por exemplo, que Francisco David de

Medeiros, residente no Paraguai, vendeu, no ano de 1880, terras na localidade do Ibirocaí para

Francisco Maciel de Oliveira, que residia em Santana do Livramento.251 Portanto, nenhuma

das partes envolvidas era residente em Uruguaiana.

As transações entre partes estrangeiras também constam neste livro, reveladas pelos

sobrenomes dos contratantes, que denotam suas origens, como João Zacouteguy, descendente

de família francesa, que negociou com outro senhor, também de origem francesa, estabelecido

2 4 9 BARCELLOS; OLIVEIRA in: Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.219. 2 5 0 ELSTER, Marx hoje, p.48. 2 5 1 CARTORIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE URUGUAIANA. Livro de Transcrições das Transmissões dos Registros de Hipotecas da Comarca de Uruguaiana (1857-1886). Reg. 1 a 950.

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na vila, João Pipet, proprietário de um corte de chácara nos subúrbios, no ano de 1884.

Também havia outros descendentes de alemães e ingleses, como, por exemplo, os senhores

João Augusto Pousbach, Guilherme Winhler e João Wisman252, que mantinham relações

comerciais e familiares dentro da vila.

Vários são os nomes de franceses que se encontram nos registros de vendas de imóveis

na vila de Uruguaiana, dos quais se enumeram alguns que também são comentados por Raul

Pont no capítulo da obra Franceses no Rio Grande do Sul , organizado por Armindo Beux e

subsidiado pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul e Consulado Francês no biênio da

colonização francesa. São eles Brocard, Pibernat, Guirland, Raggio, Demarchi, Busquets,

Apesteguy, Beheregaray, Marty, Argenou, Bidegain, Orcy, Payot, Zacouteguy, Lacroix,

Lagisquet, Moreau, Codornís, Calvi, Fouchards, e muitos outros que povoaram esta região da

fronteira nos anos iniciais da fo rmação da vila de Uruguaiana.253

Era comum em Uruguaiana, como foi comprovado, que pessoas residentes em outros

países fizessem transações de compra e venda de terrenos e casas na vila, ou deixassem esses

imóveis como herança aos filhos. Vê-se como exemplo que Jose E. Comas y Busquets,

residente em Montevidéu, vendeu para Francisco Comas y Durlem e Maria Miguela Busquets

y Feher, residentes em Vila Piñeda, na Espanha, um terreno com casa de alvenaria na esquina

das ruas Direita e Formosa no valor de Rs. 300$000. Da mesma forma, Jose Cassarem, então

residindo na vila, deixou de herança para seus cinco filhos, residentes na Espanha, imóveis

nas esquinas da rua do Conde d’Eu com Imperatriz, no valor total de Rs. 2:000$000. 254

No Tratado de Limites assinado entre o Império do Brasil e a República Oriental do

Uruguai em 1851, estava fixado, na parte referente ao comércio e navegação, que “brasileiros

e orientais ficavam isentos do ‘serviço militar obrigatório’; vedava-se a ‘confiscação bélica da

propriedade particular’ quando os de uma nacionalidade fossem ‘residentes’ no território

vizinho.”255 Portanto, era estabelecido por este tratado que todos os uruguaios ou brasileiros,

2 5 2 CARTORIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE URUGUAIANA. Livro de Transcrições das Transmissões dos Registros de Hipotecas da Comarca de Uruguaiana (1857-1886). Reg. 1 a 950. 2 5 3 Para saber mais, verificar BEUX (1976), p.126-130. e CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. Livro de Transcrições das Transmissões dos Registros de Hipotecas da Comarca de Uruguaiana (1857-1886). Reg. 1 a 950. 2 5 4 CARTORIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE URUGUAIANA. Livro de Transcrições das Transmissões dos Registros de Hipotecas da Comarca de Uruguaiana (1857-1886). Reg. 1 a 950. 2 5 5 GOLIN, A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina, p.27.

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residentes ou que possuíssem bens no respectivo país vizinho teriam garantia de não perder

absolutamente nada do que tinham adquirido. Esse fato, provavelmente, foi fundamental para

que anos mais tarde vários terrenos na vila de Uruguaiana passassem a pertencer a uruguaios.

Portanto, houve uma reordenação no que diz respeito ao trabalho e às forças de

produção, pois, como diz Harvey:

A internacionalização do capital, a mundialização das relações produtivas e

comerciais e a redefinição da divisão global do trabalho promovem, inclusive, um reordenamento dos territórios. A emergência de um novo regime de acumulação de capital, a acumulação flexível, vem acompanhada de um processo de reestruturação econômica e de reajustamento social e político, marcado por profundas mudanças nos princípios locacionais e na organização do trabalho.256

A ocupação dos espaços econômicos em Uruguaiana proporcionou, constantemente,

um tipo de interação social e cultural influenciada pelo econômico. A chegada de estrangeiros

a essa localidade, pela lucratividade e pelo incentivo das atividades nascentes na fronteira,

levou a que as relações sociais, bem como as relações de trabalho, estabelecessem ligação

direta com as mais diversas praças da região sul e platina.

Comprovando que a vila de Uruguaiana tinha em seu território vários estrangeiros,

localizou-se o relatório que a Câmara de Vereadores enviou à Assembléia Constituinte, no

qual demonstrava preocupação em relação à idéia que os estrangeiros teriam da povoação,

onde não havia ainda algumas condições necessárias para o bem-estar dos cidadãos, bem

como para o incremento do comércio ali desenvolvido. Dessa forma, a Câmara expressou-se

em relação às suas necessidades perante a Assembléia da seguinte forma:

De outras muitas necessidades depende este Municipio; porem como não

pode tudo ser attendido ao mesmo tempo, limita-se a Camara a expor estas que julga mais importantes; esperando da sabedoria da Assemblea Provincial que attendendo-as circonstancias especiais deste Municipio, e desta Villa frequentada por estrangeiros, que em vista do seo estado não poderão formar idea vantajosa de nossa Civilização a dotará de meios de levar a effeito os melhoramentos que reclama.257

Em certos momentos dessa análise, a tentativa de entender os estágios iniciais do

capitalismo nesta fronteira remete à complexidade das estruturas econômicas existentes. Sabe-

se que em uma região de fronteira encontram-se “usos, costumes, valores, expressões

2 5 6 HARVEY, David apud BARCELLOS; OLIVEIRA. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.219. 2 5 7 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861) Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.149v.- 153.

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idiomáticas, comuns às populações fronteiriças, que muitas vezes as tornam mais integradas

entre si do que com o restante da população dos países a que pertencem.”258

A produção da vila de Uruguaiana a partir da segunda metade do século XIX, embora

aumentasse em escala surpreendente, apresentava dificuldades, pois não havia mão -de-obra

qualificada, o que obrigou os ingleses proprietários de algumas charqueadas a trazer em mão-

de-obra do exterior.

Os ingleses possuíam algumas indústrias e detinham a propriedade das terras onde foi

construída a estrada de ferro, a famosa BGS, que ligou as cidades da fronteira muito antes das

vias terrestres que hoje se conhecem; já os franceses começaram a comprar terras e

dedicaram-se ao comércio de importação e exportação. Os ingleses negociavam mais com

Montevidéu, ao passo que os franceses o faziam com Buenos Aires e o Centro do Brasil.

Foram as influências externas e as características de fronteira que impulsionaram o

progresso. Nesse ponto, torna-se oportuno questionar sobre que progresso seria esse e qual a

sua relação com a história da fronteira oeste. O século XIX foi marcado pelas idéias

progressistas na linh a da Revolução Francesa, quando os progressos científicos e tecnológicos

tiveram papel essencial para se encontrar uma forma de justificar aquelas idéias. Houve, no

entanto, a procura por leis, ou melhor, por uma lei de progresso que conseguisse abarcar todo

o significado que se tentava outorgar à palavra.

Para ilustrar o que os pensadores do século XIX teorizavam acerca da palavra

“progresso”, veja-se o que dizia Guizot:

A idéia do progresso, do desenvolvimento, parece-me ser a idéia fundamental

contida na palavra “civilização”. O conteúdo do progresso é por um lado uma produção crescente de meios de força e de bem-estar na sociedade e, por outro, uma distribuição mais eqüitativa entre os indivíduos, da força e do bem-estar.259

Le Goff afirma que “o período de 1840 a 1890 é o do triunfo da ideologia do

progresso, simultaneamente com o grande ‘boom’ econômico do Ocidente”260, o que era

percebível pela forte industrialização pela qual passavam os países da Europa. Já no século 2 5 8 BARCELLOS; OLIVEIRA. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.226. 2 5 9 GUIZOT, p.114 apud LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ed. Trad. Bernardo Leitão, Unicamp, 1996. p.257 2 6 0 LE GOFF, op. cit., p.259.

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XX, após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a reação dos países do Terceiro Mundo e

houve um grande avanço tecnológico e científico em todo o mundo. Daí em diante diversos

críticos manifestaram suas concepções mais sobre teorias de reação e crescimento do que na

ótica de progresso prop riamente dito.

No que tange à história, deve-se concordar com Raymond Aron quando enfatiza que

“a história da humanidade não se reduz ao progresso da ciência”. Daí se falar em

características variadas de cultura, etnia, espaço e técnicas produtivas para se chegar a uma

visão de progresso.

As novas técnicas trazidas por franceses e ingleses, aliados aos proprietários de terras

portugueses e espanhóis, constituíram as diretrizes iniciais do desenvolvimento do capitalismo

numa região de economia pecuarista. Nesse sentido, Paulo A. Zarth esclarece:

Jean Roche dá muito destaque para a qualidade dos colonizadores,

aproximando-se, desse modo, das concepções weberianas de espírito do progresso e, ao referir-se aos antigos habitantes, deixa implícita a idéia de tradicionalismo. Nesse discurso, o colono europeu seria o legítimo portador do espírito de progresso do capitalismo ao passo que o caboclo brasileiro estaria representando o tradicionalismo, o atraso. Nesse particular, Leo Waibel nos diz que “...nem o ext rativista, nem o caçador; nem o criador de gado podem ser considerados como pioneiros; apenas o agricultor pode ser considerado como tal estando apto a constituir uma zona pioneira e somente ele é capaz de transformar a mata virgem numa paisagem cultural [ ...]”.2 6 1

Não se pode concordar com a citação de Leo Waibel contida na transcrição, de que

está descartada a possibilidade de o criador de gado ser o pioneiro. Ao contrário, na análise da

criação de Uruguaiana, pode-se constatar a existência do pioneirismo nesta área através dos

criadores de gados antes mesmo do início da distribuição das sesmarias para os portugueses

na região. A respeito, lembra-se que, nas viagens de Saint-Hilaire, este trouxe consigo uma

figura muito comum e característica da região Sul, personagem de relevante papel na

historiografia rio-grandense, que é o vaqueano. Segundo este autor,

um homem que é vaqueano de uma região é aquele que a conhece perfeitamente bem. Um bom vaqueano só pode ser um bom guia, razão por que estas duas expressões se tornaram sinônimas. Eu presumo que vaqueano vem de vaca. O vaqueano devia ser aquele conhecedor dos caminhos que as vacas seguem habitualmente e que sabem encontrá-las quando se perdem.262

2 6 1 ZARTH, História agrária do Planalto gaucho, p.32. 2 6 2 SAINT-HILAIRE, Viagem ao Rio Grande do Sul, p.186.

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O processo de desenvolvimento econômico inicou -se com a pecuária, portanto não se

teve nesse período o desenvolvimento de uma agricultura. Não haveria progresso e

desenvolvimento, se não houvesse uma mão -de-obra local provida de um excelente

conhecimento de seus campos e de como lidar com o gado, que, no princípio, vivia à solta;

daí surgiu a figura do gaúcho como o mais alto expoente campeiro, uma figura indispensável

no manejo com o gado. Além disso, a figura do gaúcho é explicitamente a do homem

fronteiriço, uma mesclagem de índios, espanhóis e portugueses nesta região.

Para Markusen, a teoria marxista do desenvolvimento vê-se compelida a

enfrentar a “realidade empírica” da região, enquanto objeto relevante dos conflitos sociais, embora não seja ela uma categoria marxista fundamental. Assim, “as regiões existem e são significativas para os marxistas apenas como fenômenos empíricos sujeitos a uma análise concreta, histórica e caso a caso”.263

Portanto, as particularidades de fronteira – e o início do desenvolvimento econômico

voltado para a pecuária é um reflexo disso – devem ser consideradas ao se analisar questões

relativas ao início do capitalismo. Estudos recentes sobre a fronteira feitos pelo inglês Joe

Foweraker, registrados na obra A luta pela terra , esquematizam o desenvolvimento do

capitalismo a partir de três estágios:

1º - o estágio “não-capitalista”, no qual as atividades estão ligadas ao extrativismo e as trocas são limitadas. O mercado é precário na região tanto para a terra como para a produção e o trabalho; 2º - o estágio “pré-capitalista”, que é “caracterizado por um aumento da migração para a região e a intensificação da atividade extrativa A terra começa a ser vendida e comprada”; 3º - o estágio “capitalista”, em que a migração é intensificada e a região integra-se efetivamente na economia nacional; a agricultura passa a predominar sobre o extrativismo e dá origem a um crescente mercado de terras e mercadoria. Ao lado da pequena produção agrícola surge o mercado de trabalho livre.2 6 4

No caso de Uruguaiana, difícil é poder concordar ou tentar encaixar o primeiro estágio

citado, pois não houve nenhum extrativismo, nem trocas, mas o mercado era ótimo, porque se

exportava e se mandavam produtos para o centro do país. Já, no segundo estágio, pode-se

encaixar o esquema de Forewaker, pois aconteceu o pro cesso migratório e também a venda de

terras em Uruguaiana.

O aumento da migração da população do Centro do país para áreas de fronteira deu-se

em virtude da atração pela facilidade do comércio, o que possibilitava a comercialização de 2 6 3 MARKUSEN apud COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.21. 2 6 4 ZARTH, História agrária do Planalto gaúcho. p.34.

Comentário: Nosso???

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produtos com os países da Bacia do Prata. A posse, as vendas, as divisões foram algo

conturbado durante o século XIX, pois as primeiras estâncias eram grandes extensões de

terras, de modo que vendas de parte dessas não implicavam grandes perdas para os

estancieiros.

Uruguaiana, ainda quando vila, estava integrada à economia nacional e internacional.

Mesmo sem contar com uma agricultura significativa, tinha um forte comércio de gado e sua

localização era propícia para o crescimento de outras atividades comerciais. Quanto às

questões de mão-de-obra livre na região, nasceu com a pecuária.

Markusen conclui enfatizando que “teorizar sobre o trajeto do

desenvolvimento capitalista de uma região requer uma análise empírica que identifica as estruturas cultural, política e econômica que se desenvolveram historicamente, tanto internamente como em relação a outras regiões”.265

A influência do sistema capitalista pode ser vista nos investimentos feitos pelos

estancieiros na cidade e pelos investidores estrangeiros que chegavam. Os primeiros

montaram indústrias, algumas relacionadas ao ramo da pecuária, utilizando alguns derivados e

fomentando, assim, o comércio local e a possibilidade do aumento das exportações; já os

segundos estavam direcionados para o comércio com outras regiões. Como diz Giddens, “o

capitalismo é ‘ascético’, visto que as ações dos capitalistas se baseiam na auto-renúncia e no

reinvestimento contínuo de lucros. Isto fica claro, diz Marx, na teoria da economia política:

“A economia política, esta ciência da riqueza, é por isso ao mesmo tempo a ciência da

renúncia, da privação, da poupança [...].”266

O que se deve ter claro é que muitas das exportações para Montevidéu retornavam

como importações para a região central do país.

Ao reportar-se às distintas frações locais de classe, Dulong retoma Gramsci e

sua noção de “sociedade local”, em que o papel do espaço ou da “localização no território” é um determinante parcial dessa diferenciação, já que o desenvolvimento do capitalismo é geograficamente desigual, estruturando arranjos específicos entre frações locais das diversas classes, “que fazem de cada zona do território um subconjunto social original”.2 6 7

2 6 5 MARKUSEN apud COSTA, RS: latifúndio e identidade regional.p.21. 2 6 6 GIDDENS, Anthony. Max, Weber e o desenvolvimento do capitalismo in: GERTZ, René E. Max Weber e Karl Marx. São Paulo: Hucitec, 1994. p.135. 2 6 7 COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.21.

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Embora Uruguaiana pertença a uma região denominada Campanha, tem suas

particularidades, o que obriga a que não se enquadre em nenhum esquema teórico pronto. Por

isso, seu estudo é feito de dentro para fora, do local para o global, ou seja, é um estudo de

caso em uma comunidade de fronteira que apresenta estruturas que os historiadores não

podem apresentar como traços característicos de um sistema que gere acumulação de capital.

As famílias descendentes de espanhóis e portugueses, ou até mesmo estrangeiros natos

da região ibérica, partilhavam o comércio nesta região com comerciantes ingleses, franceses e

norte-americanos, conforme os produtos que eram importados para a província do Rio Grande

do Sul. Os ibéricos e seus descendentes dedicavam-se ao comércio de produtos tradicionais,

tais como gêneros alimentícios e bebidas, ao passo que os franceses atuavam no comércio

com produtos de alto nível, tais como vinhos e licores, jóias, móveis, vestimentas, destinados

a grupos de altas rendas. Já os ingleses importavam produtos como o ferro, aço, ferragens

têxteis de lã e algodão, ou seja, concentravam sua área de atuação em produtos com alta

rotatividade e preços baixos.

Os estrangeiros que chegaram à região participavam das importações e exportações

através do estabelecimento de casas comerciais, os atacados, que efetuavam suas vendas no

local e vendiam a intermediários - portugueses e espanhóis -, os quais revendiam para outras

cidades localizadas no interior da província do Rio Grande do Sul. Esses estrangeiros

possuíam grandes vantagens, como o conhecimento das estradas, da língua, além de suportar

melhor as dificuldades que a vida do interior oferecia.

Desde sua criação até 1887, a vila de Uruguaiana sofreu influência das políticas de

comércio, dos tratados de limites de fronteira, dos tratados de livre navegação do rio Uruguai

e da bacia do Prata. Os países que faziam fronteira com a vila exerciam influência nesses

pontos e com as importações de produtos que chegavam da Europa – que estava vivendo seu

auge na industrialização, o que exigia que se exportasse, além do que o mercado europeu era

insuficiente absorver toda produção – à vila esses produtos tornaram-se de fundamental

importância no seu processo de desenvolvimento, bem como para os demais povoados do

interior do estado, já que nestas paragens não existiam indústrias de nenhuma espécie que

trabalhassem com produtos mais elaborados.

Comentário: Ibérico é quem nasce na Península Ibérica. É disso que estás falando? Porque se estás te referindo aos descendentes, então é melhor mudar isso...

Comentário: Como assim?

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O início de desenvolvimento deu-se dentro do contexto revolucionário platino de 1835

a 1845. Na década de 1860, com a invasão paraguaia a Uruguaiana, o crescimento do

comércio local, regional, nacional e internacional ficou muito compromet ido, também afetado

pelo contrabando que já estava inserido nos costumes, hábitos e práticas nas fronteiras do

Império. O contrabando influenciava em dois aspectos a população local: o primeiro é que os

produtos contrabandeados que chegavam à vila eram comprados pelos comerciantes por um

custo muito inferior, o que lhes proporcionava um maior lucro e uma acumulação de capital

maior, por conseguinte, aumento de seu negócio; o segundo diz respeito às questões relativas

à arrecadação de impostos pelas mesas de arrecadações municipais, o que trazia prejuízos

tanto ao governo quanto aos estancieiros locais, bem como àqueles comerciantes que

compravam mercadorias legais. Portanto, o contrabando atuava como um agente tanto de

retrocesso como de progresso local.

O município, segundo informação da Câmara de Vereadores, contava com várias

estâncias que se dedicavam à criação de bovinos, predominante sobre os eqüinos, ovinos e

muares; sua agricultura era apenas de subsistência, pois a população não se interessava pelas

atividades agrícolas, e não havia produção primária e industrial. Vê -se a seguir uma

correspondência da Câmara ao presidente da província indicando quais eram as produções

primárias que Uruguaiana desenvolvia:

A Camara Municipal de Uruguayana, tem a honra de responder ao opf. de V.

Exa. ...pedindo informações sobre as producções e industrias deste Municipio:-1º Seu principal ramo de criação he o do gado vacum, contando-se 83 Estancias, em todas as quais há também crias de animaes cavallares. Em quasi todas crião-se alem disso ovelhas, e muares, mas em pequena escalla; e antes como uma auxiliar do que industria especial - 2º Que a carestia de braços faz o Municipio pouco lavrador, sendo apenas o milho cultivado em porções consideraveis nas Ilhas do Uruguay. A terrão, comtudo he favoravel ao cultivo da Uva, trigo, feijão, cevada, mandioca, amenduim e arros, segundo opinião de alguns poucos plantadores que os tem cultivado -3º Nem a canna, nem o cafe são cultivados neste Municipio:nem consta de ensaio algum que possa authorizar juizo sufficiente sobre a opportunidade da sua cultura -4º Consta a existência de minas de ferro nas margens do Imbahá, e de cobre nas do Capivary: sem no entanto terem havido explorações capases de habilitar um juizo perfeito na materia. Na costa do Imbahá observão- se productos calcarios de pessima qualidade, na opinião de entendedores, mas em Sam Marcos tem-se observado indicios d'outros de melhor quilate. Não há porem forno ninhum de Cal em actividade, nem consta de tentativas alguma para os estabelecer. Tampouco existe que se saiba, ninhuma mina de carvão de pedra. -5º Actualmente, trabalhão somente trez Olarias de Tijolo e telha: tendo sido abandonadas diferentes vezes desde que começou decahir a Villa em 1847 - De louça nunca houve -6º Excepto as olarias acima ditas, não há ninhuma outra fabrica, a não ser uma de farinha da pan, em muito pequena escalla - Aquellas são lidadas com braços livres; esta com cativos; nem umas, nem outras produzem senão para o consumo -7º Não há noticia de agua mineral ninhuma; e quanto a rios são os principais o Uruguay, limite deste

Comentário: falta um “de” aqui.

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Municipio com a Republica Argentina; Ibicuhy, que o divide do de SamBorja; o Ibirapuitan e o Inhanduhy divisas com o Alegrete; e Quaray que faz a linha com o Estado Oriental, - Do primeiro he occioso fallar por muito conhecido, e pessoalmente explorado por V. Exª. Do segundo feudatario do anterior, pode - se tirar grande proveito,pelo muito cabedal que arrasta, e longo curso que tem - Obstruido por numerosos areais, e espessas mattas, a sua navegação he pouco facil no verão mas na estação invernosa pode ser navegado até alem da sua confluencia com Sta. Maria, mesmo para barcos de 10 palmos - He riquissimo em madeiras, e rega terrenos da maior fertilidade -O terceiro admitte pouca navegação inda no tempo da cheias; faz barra no Ibicuhy, e possui tambem robustas mattas e optimo terrão -O 4º afluente do que precede, hé rio de curto cabedal -O 5º tambem pouco consideravel desagua no Uruguay -Alem destes há Ibiro cay, farto de mattos, mas escasso daguas, o Itapororó analogo ao precedente, e com elle tributario do Ibicuhy; o Touro Passo, o Itapitocahy, o Salço e o Ibirapuitan,arroios de pouca monta que afluem no Uruguay. Hum grande numero de Sangas de mais ou menos porte, porem sem importancia real, cortão o Municipio em todas as direções, e vão confluir nos arroios já citados, servindo de lindes entre diversas propriedades -Se bem que fruto de minuciosas indagações, esta Camara credita que a presente informação não hé tão plena e perfeita como poderia ser, porque de povoação relativamente mui recente esta parte da Provincia não tem sido ainda esplorada em termos de poderem-se ter sobre ella dados sufficientemente exactos; sendo por via de regra os mais antigos e practicos das localidades, os homens menos afetos, para dar dellas a menor noticia. (13 de abril de 1849).268

Ainda no ano de 1854, Uruguaiana tinha como principal ramo de atividade a criação

de gado vacum, de animais cavalares, muares e ovinos, realizada nas extensas fazendas que

existiam na região. O gado vacum era utilizado para consumo local em forma de “carne

verde”, chamada assim por não passar pelo processo que a transformava em charque.

A principal praça de venda do gado em pé – de forma legal – era Pelotas, em razão das

charqueadas, para onde era conduzido pelos tropeiros. Também é importante frisar que muitas

vezes o gado roubado nas estâncias brasileiras ia ilegalmente para o Uruguai, cruzando os

passos onde a travessia era facilitada.269

No livro de correspondências de 1849-1861, existem contradições com referência às

plantações do município, pois a Câmara, certa feita, solicitava ao presidente da província

auxílio para a compra de uma máquina de moagem de trigo, justificando que este seria o

único produto cultivado na vila. Doutra vez, afirmou que não existia nenhum estabelecimento

de agricultura no município, o que justificaria a entrada de trigo da província de Corrientes, na

Argentina.270

2 6 8 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1849-1857). Acervo do Centro Cultural Dr. P edro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.96v-97. 2 6 9 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1849-1857). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.96v-97. 2 7 0 “ Illmo Exmo Snr. = Esta Camara tem a honra acusar o recebimento do officio circular de V.Ex.ª de 3 de Abril do corrente anno sob nº 3 em que communica haver encommendado para os Estado Unidos e achar-se já

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Os estancieiros de Uruguaiana tinham uma grande preocupação com o aumento do

roubo de gado na região, o qual era levado para além das fronteiras e abatido para as

charqueadas locais. Solicitavam, então, à Câmara de Vereadores que providenciasse leis para

coibir essa prática, a qual, por sua vez, enviou o pedido à Assembléia Geral para tentar sanar

o problema: “Foi lida uma representação a Assemblea Geral em que esta Camara pede leis

para a repressão do Crime de furto de gado; a qual approvada pela Camara foi assigurada.”271

A preocupação com o contrabando do gado e de outros produtos não era somente

local, pois a falta de arrecadação afetava diretamente o Império. Nesse sentido, pode-se notar

uma grande preocupação deste com as zonas de fronteira e, em especial, com a vila de

Uruguaiana quando do envio de um oficio à Câmara de Vereadores, louvando as posições

referentes às tentativas de coibir essa prática tradicional na fronteira, por ser um problema que

afetava diretamente a economia local:

Lida a acta antecedente foi approvada. Foi presente pelo presidente da

Camara o officio do vice- presidente da Provincia sob numero 6 de 18 de junho, em que sua Ex.ª envolve pelo mesmo motivo sensuras com louvorez, pois respondendo a representação desta Camara de 27 de Maio louva esta Camara pelo interesse que toma pela boa administração da Alfandega e proteção do Commercio lícito, e porque a Camara não julgando regular a Comissão e seu procedimento pediu providencias para que o fosse.272

Segundo o registro de correspondências da Câmara Municipal da vila de Uruguaiana

no período de 1847 a 1848, a venda de carne era bastante controlada por esta, denotando,

além da preocupação com a boa qualidade do produto para o consumo dos habitantes, uma

forma de controle pela possibilidade de contrabando na vila. Transcreve-se a seguir uma

correspondência completa sobre o assunto:

montada uma maquina das usadas naquelle Pais para amuagem do trigo cuja discripção vem transcripta no Correio do Sul nº 67 de 23 de Março ultimo. Em tempo oportuno esta Camara solicitará da Assemblea Provincial autorização para acquisição de uma igual para este Municipio cujo único producto de agricultura é o trigo. [...] 1º de Julho de 1860.” Cf. URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861) Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.93. “Illmo Snr. = Em sulução a circular de V.S.ª de Fevereiro do corr. anno tem esta Camara a declarar que não tem feito remessa do mappa annoal da plantação e colheta do anno findo bem como dos anteriores por não existir neste Municipio um só estabellecimento de agricultura.” Cf. URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.94. 2 7 1 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.08. 2 7 2 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.11v.

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Illm.° Snr = Ordena a Camara Municipal, que V. S.ª intime aos talhadores de

carne para consumo da Villa, que até o dia 27 do corr. Mez devem ter impreterivelmente assogues fixos dentro da Villa, procurando estabellecel-os no centro da mesma para commodidade de seus habitantes, ficando prohibido dessa dacta em diante a venda de carne em carretilhas pelas ruas, afim de serem fiscalisadas os talhos, para V. S.ª, como lhe cumpre, na forma das Posturas adoptadas. = Deos guarde V. S.ª - Uruguayana, em Sessão de 7 de maio de 1847.273

A saúde pública, conforme este e outros ofícios, também era uma preocupação da

Câmara:

Illm.º Snr. = Esta Camara ordena V. S.ª emtime a Matheus Pinheiro, e a todos

os individuos que tem corraes dentro do arruamento desta Villa, ou mui proximo a ellas onde matão gado para o consumo, que no prazo de 15 dias, emprorrogaveis, facção muda-los para fora , marcando-lhes V. S.ª lugar nos suburbios da mesma Villa para esse fim, de maneira que não prejudique a saude publica. = Deos Guarde V.S.ª = Uruguayanna, em Sessão de 7 de Maio de 1847.274

A região da Campanha, em especial a fronteira oeste, após a invasão dos espanhóis à

Colônia do Sacramento, assumiu o papel de fronteira-zona, como ponto de troca de

mercadorias na região entre os brasileiros e os países que faziam parte da Bacia do Prata.

Sabe-se que o fator que facilitava as trocas nessas regiões era o transporte fluvial, ainda que

limitado pela segurança, que era precária. Por sua vez, o transporte por terra estav a limitado

às estradas, que eram muito escassas e exigiam o acompanhamento de pessoas que

conhecessem bem a região para transpor os obstáculos geográficos existentes.

Com o passar do tempo, o Brasil e os países que com ele faziam fronteira sentiram a

necessidade de construir vias de transportes para facilitar o trânsito de produtos que entravam

por suas fronteiras e que também circulavam internamente; assim, os produtos poderiam

chegar a seus destinos mais rapidamente e com menor custo. Isso era natural porque os

mercados das zonas ribeirinhas do rio Uruguai, com maior ênfase na vila de Uruguaiana, logo

se esgotariam, levando a que seus comerciantes necessitassem da abertura de novos mercados

consumidores, que seriam os do interior do estado, como única saída viável para o comércio.

Assim, pressionavam o Império para que disponibilisse verbas suficientes para a construção

desses meios.

2 7 3 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.06v. 2 7 4 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. 06v.

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A preocupação em construir vias de transporte para comunicação com as fronteiras

tornava-se visível nesta região com a ch egada do transporte fluvial e o grande fluxo de

mercadorias que chegavam da Europa, via portos de Montevidéu e Buenos Aires – os

primeiros receptores de produtos europeus e também americanos – , para depois subirem o rio

e serem redistribuídas para as vilas à beira do rio Uruguai. No entanto, nota-se também que as

primeiras ferrovias ligaram cidades que faziam parte das fronteiras do Império, mesmo sendo

essas linhas férreas particulares.

Os portos de Buenos Aires e Montevidéu converteram-se em portos coletores

econômicos de toda a região da fronteira oeste por intermédio do transporte fluvial e, mais

tarde, ferroviário; beneficiaram-se e serviram-se de todo o escoamento de produtos que eram

exportados para fora do Brasil e também dos que eram importados, porque os portos de São

Borja, Itaqui e Uruguaiana necessitavam do escoamento via estes portos e a estrada de ferro;

Obrigatoriamente, os produtos deveriam transpor o Uruguai para chegar ao porto de

Montevidéu, e, depois, seguirem seu destino quando não ficavam no caminho da estrada de

ferro.

A sociedade valoriza o espaço, portanto, o processo de ocupação do espaço econômico

em Uruguaiana deu -se decisivamente influenciado pela sua condição de fronteira com a

República Argentina e o Uruguai. Possuía um meio de comunicação fundamental para o

comércio com a zona do Prata, o rio Uruguai, numa época em que não havia meios seguros e

rápidos de transporte. Com isso, era facilitada também a entrada dos produtos no interior da

província, fazendo um grande hinterland , como diz Fernando Camargo.275

Esse espaço econômico de fronteira privilegiou, como se viu, o contrabando,

chamando a atenção de comerciantes da Europa que se encontravam em regiões próximas,

vindos daquele continente por causa das guerras e atraídos pela facilidade de acúmulo de

capital através da venda de produtos industrializados, fabricados especialmente na Inglaterra e

na França. Esses comerciantes instalaram-se em Uruguaiana desde seu surgimento, formando

uma zona de grande fluência econômica, contrabalançando com a atividade predominante na

região, a pecuária, que desde seus primórdios pastoris, quando não havia aglomerações

urbanas, era largamente desenvolvida.

2 7 5 Ver CAMARGO, Britânicos no Prata, p.38. Camargo, neste trecho, cita Garcia e comenta o que seria o hinterland e o foreland, levando em consideração a capital plat ina, Buenos Aires.

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Foi, entretanto, a partir da instalação da estrada de ferro na região que começaram a

ocorrer transformações em Uruguaiana, que passaria a sofrer influências externas com a

chegada de europeus, os quais trouxeram com eles uma série de interesses. As manifestações

de desenvolvimento que a estrada de ferro e os navios a vapor trouxeram para Uruguaiana

levaram a que a preocupação em relação ao charque fosse reduzida, pois não iria se deteriorar

no transporte devido ao tempo que levava até chegar ao seu destino. Também com esses dois

novos métodos de transporte, o custo do frete diminuiu, aumen tando, assim, o lucro. Além das

facilidades e da economia que a estrada de ferro proporcionou às cidades de Campanha, não

se podem deixar de citar as integrações e as facilidades para continuar a negociar com estas e

também com a região do Prata. Segundo Joseph Love,

as regiões da fronteira de oeste e sudoeste, portanto, continuaram a procurar os seus interesses comerciais no Sul. Em tal situação, o comércio de contrabando estava destinado a florescer. Não que se tratasse de algo novo na região; detinha-se desenvolvido desde as primeiras tentativas de definir os limites entre a América portuguesa e a espanhola. Mas com o rápido crescimento econômico da região platina e do Rio Grande, o contrabando aumentou em proportions phénoménales.276

Através das considerações feitas, pode-se perceber que, mesmo tendo uma formação

econômica atrasada relativamente em virtude das circunstâncias de sua fundação, Uruguaiana

mostra em seus moldes, em todo seu desenvolvimento e afirmação como cidade de fronteira,

a forma capitalista de aquisição de bens e acúmulo de capital através da venda de produtos.

Assim, passa-se a tratar mais especificamente do comércio ilícito, que já era

característico desta região de fronteira, visto que, antes mesmo de qualquer formação

populacional, passavam por essas paragens muitas mercadorias e animais trazidos das regiões

vizinhas para serem revendidos ou utilizados como força-motriz nos centros urbanos

primitivos da província de São Pedro, bem como no resto do Brasil.

2 7 6 LOVE, Joseph. O regionalismo gaucho e as origens da revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975. p.18.

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6. O CONTRABANDO NA FRONTEIRA OESTE

A fronteira sempre se apresenta de forma contundente dentro de um estado ou nação,

pois é a partir da demarcação de limites entre um território e outro que surgem

incongruências, manifestações e diversidades dentro do espaço, que pode já ter uma

identidade muito mais voltada ao exterior do que ao interior que o incorpora.

A região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul teve, sobretudo a partir do século

XVIII, grande participação no tráfico de todo e qualquer tipo de mercadorias que eram

contrabandeadas das regiões vizinhas e que passavam ou, pelo menos, eram escondidas nessa

região por não haver patrulhamento e, tampouco, fiscalização. A partir de então,

foi imensa a significação que teve o contrabando platino e gaúcho para explicar à luz de uma interpretação abrangente, a interação mercantil que uniu, em dada época, numa só idéia de interesse, a extração e comercialização de couros e a movimentação, no espaço meridional do Brasil, de vacuns, asininos e cavalares.277

Isso ocorria justamente porque esse território, a priori, não pertencia à Coroa

portuguesa, sendo identificado, inicialmente, como estância de Japejú; mais tarde, como

território de Entre Rios e, só a partir da incorporação das missões ao Brasil, em 1801, é que

chegou às mãos dos lusitanos.

Como as colônias não podiam comerciar com outra nação a não ser com a sua

respectiva metrópole, tornava-se necessário uma nova forma de adquirir bens por preços mais

baixos que os oferecidos pelos comerciantes lusos, os quais eram altíssimos, visando apenas

2 7 7 ANTUNES, Raízes sócio-econômicas de Alegrete, p.182.

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ao lucro imediato. Por esse motivo é que os changadores278 que se encontravam no território

sulino começaram um penoso, mas rentoso, comércio ilícito com outras nações européias, que

vinham pelo Rio da Prata para comercializar suas manufaturas. Os changadores efetivavam

trocas nas quais os produtos oferecidos eram aqueles derivados do gado, que se encontrava

em larga escala nas planícies uruguaias e de Entre Rios. Dessa forma, o contrabando ocorria

com tal intensidade que os gados eram passados de uma região para outra sem a menor

contestação de alguma autoridade, conforme relata Maria Ignácia de Souza Antunes:

Os portugueses, e seus aliados ingleses, tinham produtos para vender; os

colonos espanhóis necessitavam desses produtos e tinham os seus próprios para oferecer em torca; era, pois, para vantagem de ambas as partes que semelhantes tocas se fizessem.279

O mesmo ocorria com os produtos trazidos para o norte a partir das transações

efetuadas no sul do Estado Oriental, pois aqui os produtos eram revendidos às povoações

nascentes no início do século XIX. Com a fiscalização posta nas regiões mais ao sul da

província de São Pedro do Rio Grande do Sul, os hispano-platinos começaram a apresentar

documentos que comprovassem sua permanência e os motivos do abate do gado para Buenos

Aires. No entanto, esses ofícios de licença também passaram a ser falsificados para conseguir

a matéria-prima do contrabando sulino, o gado.280

Após várias crises, lutas e disputas que envolveram Portugal e Espanha na definição

do território, bem como, posteriormente, a definição das fronteiras entre Brasil, Argentina e

Uruguai, um outro fator desencadearia o contrabando: a liberação da comercialização. Isso

porque, da mesma forma que ocorria quando os mercados eram extremamente fechados ao

monopólio metropolitano, a partir da liberação, iniciou -se a tentativa de dominação dos

mercados regionais e locais, num processo no qual ganhava quem oferecia melhores preços.

Então, o contrabando iria dar uma contribuição a todo esse processo de fixação e acúmulo de

capitais. 2 7 8 Changador para Juan Francisco Aguirre: “são gaudérios que matam gado sem qualquer licença governamental para o fazer.” AGUIRRE, Juan Francisco. Diario . Buenos Aires: Biblioteca Nacional, Anales IV. p.138. Já para Azara, tanto os gaudérios, como os changadores e gaúchos são “a ralé do Rio da Prata e Brasil”. AZARA, Félix de. Descripción y historia del Paraguay y del Rio de la Plata. Madri: 1847. v.2. p.310. Dessa forma, percebemos que em na época do desbravamento e ocupação desse território ao sul da América, o changador, bem como o gaúcho, e aí incluem-se todos os três estereótipos (argentino, brasileiro e uruguaio), era tido como ladrão, como vagabundo que vivia pelos campos apenas a matar o gado para seu benefício. No entanto, hoje a definição de Aurélio de Holanda Ferreira é “aquele que faz changas ou carretos; ganhador, carregador, changueiro”. FERREIRA, Novo Aurélio Dicionário da Língua Portuguesa - Século XXI, p.453. 2 7 9 ANTUNES, Raízes sócio-econômicas de Alegrete, p.184. 2 8 0 ANTUNES, op. cit., p.185-187.

Comentário:

Comentário:

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Portanto, a história da formação dessas fronteiras da região oeste da província do Rio

Grande Sul está ligada mais intimamente à questão alfandegária, do reconhecimento de

direitos e veiculação de mercadorias, pois a exigência de determinados produtos para

consumo e sua facilidade de aquisição por vias não legais muitas vezes se antecipariam à

legislação do tráfego mercantil, dando vasão ao contrabando.281

Em função da sobrevivência e à mercê de intercâmbios, as povoações às margens do

rio Uruguai foram se formando, criando um longo corredor mercantil, pois se dispunham uma

frente à outra; no caso de Uruguaiana, formou-se uma tríplice fronteira, um entreposto

comercial e populacional que facilitaria o comércio, ao mesmo tempo em que chamaria

atenção de comerciantes ilegais.

O intercâmbio entre essas povoações seria facilitado, pois as necessidades individuais

poderiam ser supridas pelo coletivo; assim, formou-se uma rede de comercialização,

beneficia mento e manufatura. Outro ponto fundamental era a moeda corrente em cada país,

com o que, devido à balança cambial, uma povoação teria privilégios em detrimento de outra;

logo, foi esse o fator gerador do comércio e do contrabando nessa região de fronteira.

Acrescenta-se nesse ponto que a necessidade humana e a omissão legislativa também foram

preponderantes para que o contrabando se efetivasse.

No caso da fronteira oeste do Rio Grande, onde está situada Uruguaiana, a identidade

ali presente foi se alterando constantemente em virtude da ocupação que se deu em meados do

século XIX, como já se viu. Com a economia consolidada e fortificada, assistiu-se ao aumento

de um dos crimes mais constantemente tolhidos pelo governo, seja no Brasil, seja em

qualquer outro lugar do mundo: o contrabando.

Segundo Guilhermino César, são cinco as portas de entrada de culturas distintas que se

encontram num processo de expansão e ocupação de uma região praticamente vazia: a costa

Atlântica; a Fronteira Oeste; o baixo nordeste, comprimido entre a orla do mar e o sopé da

Serra; o Norte florestal e as coxilhas do sul.282

2 8 1 Ver PONT, Raul. Subsídios para a história do contrabando. Uruguaiana: Centro Cultural Dr. Pedro Marini, pasta 95, GAV.11, nº13. 2 8 2 CESAR, Guilhermino. O contrabando no sul do Brasil. Caxias do Sul: UCS/EST, 1979. p.11-12.

Comentário: “está”

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O espaço aqui em estudo restringe-se à segunda região citada por Guilhermino Cesar,

a Fronteira Oeste, que se originou envolta pela atividade contrabandista em seus setores

econômicos principais, e ainda, no caso de Uruguaiana, com a colaboração da economia

pastoril e das importações e exportações realizadas pelo porto, o que tornava a fronteira mais

vulnerável à prática do contrabando.

No princípio da ocupação desse espaço fronteiriço, muitas eram as tropas de gado que

vinham do lado oriental, ou até mesmo da Argentina, e também levas de gado iam daqui para

os países vizinhos. Através da livre navegação dos rios Uruguai e Paraná, a partir de 1851, a

facilidade com que as mercadorias subiam e desciam o rio era muito grande, o que aumentou

ainda mais os meios pelos quais o contrabando se realizava. Desse momento em diante, o

contrabando não estaria mais restrito ao local, mas expandiu -se ao âmbito internacional,

através da ligação que passou a ser fortemente consolidada com a região do Prata.

A partir desse momento, uma nova classe de pessoas passou a se instalar nas margens

do rio Uruguai em busca de benefícios e fugindo das dificuldades que assolavam os

estrangeiros que se encontravam nas grandes capitais do Prata, refugiados por problemas que

refletiam a situação da Europa283.

A partir do Tratado de Madri, observou-se uma nova configuração geopolítica, que

obedecia aos interesses de espanhóis e portugueses nessa região, o que teve um papel

essencial na formação dos espaços econômicos e de transações de mercadorias sem o

conhecimento do fisco. Desde cedo, a inobservância das leis fiscais nesta região foi patente

por causa dos vazios populacionais das regiões su linas, onde o gado, e os mais diversos

produtos do Prata atravessavam as divisas (ainda não efetivamente demarcadas) para serem

comercializados.

Como a economia rio-grandense estava baseada na pecuária desde o início do seu

povoamento e, mais tarde, a indústria do charque apareceu no cenário sulino, o contrabando

2 8 3 Onde a “Primavera dos Povos”, em 1848, gerou lutas pelo poder nas mais diversas nações. Segundo Hobsbawm, a chamada “Primavera dos Povos” caracterizou-se por “explosões simultâneas continentais ou mundiais... extremamente raras” (p.30); “[...] foi claramente, e sobretudo em termos internacionais, uma afirmação de nacionalidade, ou melhor, de nacionalidades rivais.” (p.101). Verificar em HOBSBAWM, A era do capital.

Comentário: Isso não pode ir como explicação no rodapé?

Comentário: Explique isso.

Comentário: Exclua essas duas palavras que ficará melhor...

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de gado era feito como uma forma de subsistência das grandes empresas charqueadoras, pois

os vários anos de guerras civis, tanto do lado argentino-uruguaio quanto do lado brasileiro,

haviam levado a que os rebanhos fossem reduzidos drasticamente, fortalecendo o comércio

ilícito desse gênero.284

Com a abertura dos portos fluviais dos rios Paraná e Uruguai, a partir da assinatura do

tratado de livre comércio entre os países do Prata (Argentina, Brasil e Uruguai), propiciou-se

que se estabelecesse um forte comércio entre as cidades do interior dos países e a Bacia do

Prata, mais especificamente, com Buenos Aires e Montevidéu.285

Dessa forma, como relata Guilhermino César, vê-se que,

na Campanha e na Fronteira Oeste, regiões onde era maior o atrito econômico e político com os vizinhos, o terreno estava preparado para receber jubilosamente, com a complacência postulada por Manuel de Magalhães, as correrias do comércio clandestino.286

Anteriormente, os governadores das províncias de Entre Rios, Santa Fé e Corrientes,

do lado argentino, haviam tomado medidas que visavam facilitar a navegação e o transporte

de produtos através do rio Uruguai, pois o porto de Buenos Aires estava bloqueado por

intervenção anglo -francesa, o que obrigava os portos do interior a fazerem várias cabotagens e

transbordos, a fim de driblar a fiscalização.287 Assim, a tentativa de fugir e burlar o domínio

portenho aos demais estados da Confederação Argentina criou uma rede de ligações fluviais

que praticavam tanto o comércio lícito quanto o ilícito, isso tudo com o conhecimento dos

governos, formando uma das primeiras ligações mercantis entre os argentinos e o Império

brasileiro.

A partir de 1860, de acordo com Lilia Medrano, as autoridades da Confederação

Argentina liberaram da fiscalização os portos de Concórdia e Restauración (esta última, hoje

Paso de los Libres); então, a partir daí, o trânsito passaria a ser livre para toda e qualquer

mercadoria que fosse enviada ou que tivesse como destino esses dois portos.288 Especialmente

2 8 4 CESAR, O contrabando no sul do Brasil, p.38. 2 8 5 MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889). p.149-151. 2 8 6 CE SAR, op. cit., p.41. 2 8 7 CESAR, op. cit., p.41. 2 8 8 MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.159.

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em Concórdia, havia muitos produtos manufaturados que eram procurados e enviados ao

Brasil, os quais entravam pela alfândega de Uruguaiana. No entanto, por diversas vezes esses

produtos eram embarcados em Concó rdia e eram levados até Restauración, cidade onde se

aguardava a melhor oportunidade para atravessá-los pelo rio Uruguai sem o devido

conhecimento da alfândega da vila de Uruguaiana.289

Para que se possa visualizar quantitativamente o que representavam as relações

fluviais entre os portos vizinhos de Uruguaiana e Restauración, veja-se a Tabela 5, na qual se

percebe que, entre 1º de julho e 11 de agosto de 1855, das vinte e oito embarcações

carregadas que saíram do porto de Restauración, dezenove tinham como destino o porto de

Uruguaiana. A tabela,no entanto, mostra apenas as relações legais realizadas no período.

2 8 9 MEDRANO, op. cit., p.159.

Comentário: Corrija.

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Tabela 5 - Embarcações saídas do porto de Restauración (1855)

Nome da Embarcação Tonelagem Destino Bote Fortuna 1 ton. Uruguaiana Bote Índio 1 ton. Uruguaiana Bote San Gregório 2 ton. Uruguaiana Queche Índia 5 ton. Itaqui Bote Tinoso 1 ton. Uruguaiana Bote San Antonio 1 ton. Uruguaiana Canoa San José 1 ton. Santo Tomé Bote Relâmpago 1 ton. Uruguaiana Bote Rosa del Uruguay 1 ton. Uruguaiana Bote Tormenta 1 ton. Uruguaiana Bote Vences 2 ton. São Borja Chalupa Paula 2 ton. Concordia Lanchão Clareto 3 ton. Salto Lanchão Caballo Marino 1 ton. Uruguaiana Lanchão Flor del Uruguay 8 ton. São Borja Lanchão São Borja 1 ton. Uruguaiana Lanchão Santiago 1 ton. Uruguaiana Chalupa Adelfa 3 ton. Santo Tomé Bote Doria 1 ton. Uruguaiana Bote Pescador 1 ton. Uruguaiana Lanchão Teodora 3 ton. Uruguaiana Goleta Catalina 11 ton. Uruguaiana Goleta Carolina 1 ton. Uruguaiana Balandra Minerva 6 ton. Uruguaiana Chalupa Capitolio 3 ton. Federación Goleta Libertad 14 ton. Santo Tomé Chalupa Aguila Negra 10 ton. Uruguaiana Bote Angelito 1 ton. Uruguaiana Fonte: Relatório apresentado à Assembléia Provincial de São Pedro do Rio Grande do Sul na 2ª sessão da 8ª Legislatura pelo Conselheiro Joaquim Antão Fernandez Leão. Porto Alegre: Typographia do Correio do Sul, 1859. Biblioteca Nacional, RJ.

Em 27 de maio de 1857, a Câmara Municipal da vila de Uruguaiana reuniu-se em

sessão extraordinária para fazer uma reclamação diante do presidente da província referente à

administração e inspeção da alfândega fluvial da vila. A administração, conforme os

vereadores, estava colocando enormes empecilhos à realização das transações comerciais, o

que teria ocasio nado até mesmo a transferência de alguns comerciantes para o povoado em

frente (Restauración), que se instalavam na costa do rio Uruguai, não exatamente dentro do

pequeno povoado, para facilitar a recepção de mercadorias vindas da região do Prata e a

conseqüente liberação para a praça de Uruguaiana. Ali eram revendidas no comércio por

vendedores, muitas vezes por familiares ou amigos dos primeiros.

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O problema era reclamado pelos cidadãos e, especialmente, pelos comerciantes que

tinham ligação com o governo da província e até mesmo do Império. Assim, através da

Câmara Municipal de Vereadores, foi enviada correspondência oficial em que solicitavam

medidas enérgicas para a resolução da questão. Veja-se o documento:

Illmo Exmo Snr. = A Camara Municipal desta Villa solicita em levar ao

conhecimento de V.Ex.ª todos os malles do seo Municipio que demandão remedio não pode deixar de reprezentar com todo os respeito contra o presidente da Commissão, que pela Thesouraria da Provincia foi mandada por examinar e administrar a Alfandega desta Villa pelos grandes males de que já se recente esta Povoação, e toda esta Fronteira. Sendo esta Villa o principal Porto do Uruguay destinado pela natureza para ser o emporio de seo Commercio não tem podido attingir a esse resultado pelos obstaculos, que passa a expôr = Tendo sido criada esta Povoação nessa época calamitosa em que uma guerra civil devastara esta campanha, a mesma especie de guerra nos estados vezinhos inutilizarão o Commercio do Uruguay e como esta devastadora guerra civil continuara nos Estadoz do prata mesmo depois da pacificação desta Provincia, só depois que a queda do Ditador Rosa trouxe a pás do Rio da prata é que se tornou franco o commercio do Uruguay, para esta Villa pois se derigio elle, que por sem duvida lhe dará sempre grande importancia, e é a fonte de sua fuctura grandesa. Porem a administração d’Alfandega de então tantos obstaculos, põe ao commercio lícito que o afugentou quase que de todo desta Villa para a Povoação enfrente na Provincia de Corrientes, que tornando-se o deposito de todo esse commercio teve um sofrido crescimento ao mesmo tempo que esta definhara quando devia ser o contrario por quanto a instabilidade na ordem publica em dita Povoação e nesta digo Povoação e a estabelidade que esta offerecia, devia attrahir lhe todo o commercio = As mercadorias porem depositadas no Povo enfrente intrudusidas para esta Fronteira por contrabando; para o que as extenças e acceciveis margens do Uruguay, Quarahim, e Ibicuhy, offerecendo toda a facilidade, sendo impossivel o exitar = Tornou-se então commum o contrabando em notavel detrimento do commercio licito da moralidade publica e dos interesses dos commeciantes honrados, e principalmente do crescimento desta Povoação dando so notaveis utildades aos aventureiros contrabandistas pela maior parte Estrangeiros e a refferida Povoação em frente a esta Villa Veio porem ad’ministrar esta Alfandega o honrado e inteligente empregado Caetano de Souza Pinto, que estabelecendo ordem na administração da Alfandega, facilitando os despachos e sobre tudo, sua urbanidade, moderação e probidade attrahindo as simpathias do commercio, chamou-o a Alfandega e se não conseguio extinguir de todo o contrabando o que é mesmo impossivel, elle tornou-se insensivel e inteiramente reprovado. Então esta Villa e seu Commercio principiou aprosperar, e a definhar a Povoação em frente, crescendo rapidamente as Rendas da Alfandega; retirou- se porem esse Snr deixando Geral pezar em todos commerciantes e particulares, havendo lhe succedido o honrado Snr Capitão Marcellino Antonio da Silva sob cuja administração continuou a crescimento nas rendas da Alfandega, e a prosperidade desta localidade. Veio porem uma commissão composta de empregados da Alfandega do Rio Grande inspecionar esta e estabelecendo nesta Alfandega um sistema de apprevisar restrições e com ellas tem como a ad’ministração anterior a do Snr Sousa Pinto, afugentando o Commercio da Alfandega e desta Villa e restabelecendo o pernicioso contrabando. O copioso decrescimento das Rendas da Alfandega attentarão esta verdade visto que só tem digo visto que ella quase que só tem despachado os generoz que ahy achou depositados, e os que tem subido o Uruguay se dirigem ao Povo em frente, de onde são introdusidos nesta por contrabando. Occorre mais que boatos se tem espalhado, que recentindo se o Commercio do Rio Grande da concorrencia do de Uruguay, e igualmente os rendimentos da Alfandega dessa Cidade, e prezun’mindo-se que as franqueiras concedidas nesta Alfandega é que tem causado essa deminuição de rendas, conseguirão que a commissão que hoje

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ad’ministra esta Alfandega trouxesse a missão de aniquilar o nosso Commercio, e posto que as pessoas de senço não dessem attenção alguma a esses boatos, e procedimentos da refferida commissão tem o tornado em crença popular. Esta Camara está longe de pençar que a commissão tenha isso em vista, e mesmo, que motivo algum reprovado seja a causa de seo procedimento, porem lamenta que tomem vulto taes boatos, por que trazem a crença de se tornar o contrabando uma necessidade, longe digo uma necessidade e que como já está sucedendo, longe de o encararem como um crime o julgão necessario e se quando o bom sendo reprovava esse crime era impossivel sua repressão, como será sendo julgado uma necessidade? Estes males que estão patentes e que já sentimos seos effeitos, precisando de pronto remedio esta Camara faltaria ao seus deveres se os não levasse ao conhecimento de V.Ex.ª, pedindo providencias a respeito. Se há necessidade de ser impreccionada esta Alfandega, esta Camara julga que para ser proveitosa tal inspecção, deve ser feita por pessoas inteligentes e imparciais, e não por empregados de uma repartição suspeitos de parcialidade contra esta Alfandega e que não sejão simples rotineiro; para comprihenderem que os Regulamentos conficcionados para Alfandegas maritimas, não podem ser exequiveis em todas as suas desposições em uma Alfandega estabelecida na margem de um rio Central, onde se não pode impedir o contrabando e em frente fazer definhar a uma Paiz Estrangeiro que tem interesse em fazer definhar o Commercio licito, e substituil-o pelo do Contrabando do qual tira grandes vantagens. Esta Camara espera da esclarecida solicitude de V.Ex.ª prontos remedios que a tolhem estes malles. = [...] Sessão Extraordinária de 27 de Maio de 1857.290

Provavelmente, a arrecadação diminuiu em determinadas épocas em razão da rigidez e

vigilância dos fiscais, fato que serviu de justificativa para que a Câmara de Vereadores

acusasse a fiscalização da alfândega de responsável pelo baixo flu xo de entrada de

mercadorias pelo porto da vila. Por isso, os barcos seriam quase que obrigados, em virtude

das altas tarifas e da dura inspeção, a descarregar as mercadorias em Restauración, logo em

frente a Uruguaiana.

Analisando a preocupação que a Câmara tinha com a rigidez que a administração da

alfândega exercia na fiscalização de mercadorias que chegavam ao porto de Uruguaiana, fica

claro que esta estava executando seu trabalho com competência. No entanto, a Câmara deixa

transparecer que isso prejudicaria o comércio legal local porque, dessa forma, a cidade

defronte a Uruguaiana, por ter taxas alfandegárias menores que as brasileiras, recebia esses

produtos para, mais tarde, introduzi-los de forma ilegal no comércio local. Essa prática estaria

levando ao crescimento do comércio na cidade de Restauración, o que era sinal de menor

arrecadação de tributos pela Câmara de Vereadores; por conseqüência, retardava-se o

desenvolvimento urbano da vila, bem como se dificultava o aumento de rendas dos

comerciantes locais.

2 9 0 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.135v.- 137v.

Comentário: Não é melhor usar o original em espanhol?

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Existe uma contradição no registro de correspondência da Câmara de Vereadores de

1865 quando reclama da rigidez da fiscalização alfandegária, pois, ao mesmo tempo em que

isso ocorria, a instituição temia os boatos que se alastravam pelo Império sobre a entrada de

produtos de forma ilegal pelo porto de Uruguaiana. Certamente, isso poderia influenciar a

população no sentido de ver essa prática como algo necessário para a manutenção do

comércio local; e, se isso se tornasse verdadeiro, seria difícil a repressão pelas autoridades.

Vê-se, portanto, a preocupação da Câmara em relação ao porto, que era um dos

principais meios de arrecadação de tributos da vila, sem contar que os vários comerciantes

instalados na localidade estavam perdendo em seus rendimentos, já que o comércio ilícito

invadia a olhos vistos a fronteira. A importância da vila de Uruguaiana em relação ao

comércio fronteiriço e provincial sobressai-se nesse fato, pois a comissão de Rio Grande era

também acusada de tentar “apagar” este porto para que o de Rio Grande se sobressaísse. As

exportações e importações, devido à segurança, à invulnerabilidade e às condições que o porto

de Rio Grande poderia oferecer, seriam muito mais seguras que as do porto de Uruguaiana,

que não teria condições para participar do comércio fluvial com o Rio da Prata. A Câmara

seguia ponderando:

Illmo Exmo Snr. = A Camara Municipal desta Villa tendo recibido o officio

que V.Ex.ª foi servido dirigir lhe com data de 18 de passado sob n° 60 em resposta a representação que derigio a V.Ex.ª em officio de 27 de Maio deliberou trazer ainda com todo o respeito as seguintes considerações. Prezenciando esta Câmara az continuadas queixas do Commercio e do povo contra administração da Commissão mandada pela Thesouraria par a ad’ministrar a Alfândega desta Villa, e tendo perfeito conhecimento que o procedimento dessa Commissão anima e põem em voga o pernicioso Commercio licito digo Commercio de contrabando aniquilando o Commercio licito; e que este proceder da Commissão e os boatos seguramente infundados, porem que o procedimento da Commissão tem tornado em crença popular faria julgarem se uma necessidade a prestarem toda a proteção ao ilícito contrabando; tendo plena certeza destes factos, entendeo, que pelas dispozições do art.° 71 e 72 da Constituição do Império e do art.° 1° da Lei de 12 de Agosto de 1834 era de seu rigoroso dever levar tudo do conhecimento de V.Ex.ª. Tendo também esta Câmara profundo conhecimento por uma dolorosa experiência dos males que tem causado a pr incipal industria deste Município, a criação dos gados o continuo furto d’elles e a impunidade desse crime que o acoroçoa fundado nas mesmas disposições de Leis e a exemplo de quase todas as Câmaras da província tão bem derigio uma representação a respeito a Assemblea Geral pedindo medidas Legislativas que ponha um paradeiro a esses males. Esta Câmara convencida como está de que tanto a substituição do commercio licito pelo contrabando como está succedendo e seguindo em progressão como a impunidade do objecto, alem dos dannos que causão a fortuna dos particulares e publica implanta e a immoralidade e a perversão dos costumes, julgou não só lhe competir como ter de seo rigoroso dever levar ao conhecimento das autoridades superiores estes males e impetrar providencias para sua exterpação; e tem tido a satisfação de ver pelos jornaes iguaes representações de Câmaras desta província tem sido bem recebida pela Câmara dos Senhores Deputados. Com a recepção do Officio citado de V.Ex.ª tão bem vio com

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praser os louvores, que foi servido lhe dar pelo interesse que tomou pelo serviço da Alfândega e proteção ao Commercio licito, veio porem com dor que V.Ex.ª julgou ter amesma exorbitado de seus deveres ingerindo-se em negócios fiscaes e ad’ministrativos. Esta Camara porem com o maior respeito pede licença para declarar a V.Ex.ª que ninhuma ingerência, nem directa e nem directamente tem tomado nos negócios fiscaes e ad’ministrativos, nem da Alfândega desta Villa e nem de repartição alguma bem como apurar de ter tão bem representado contra a impunidade do crime de abigeato, ninhuma ingerência tem tomado sobre a administração da justiça criminal. A commissão que em vez de fiscalizar, hoje ad’ministra despoticamente a Alfândega ainda não encontrando parte desta Camara o menor óbice as suas medidas mesmo illegaes. Pode esta Câmara estar em isso porem entende, que representar a Autoridade superior acerca de um mal de perniciosa conseqüência para seu Município, posto que deriu da má ad’ministração da Alfândega, não é ingerir-se em dita ad’ministração. E permitirá V.Ex.ª de ainda fazer a respeito as seguintes ponderações: Tendo esta Câmara julgado do seo dever levar ao conhecimento de V.Ex.ª os acontecimentos momentosos, que se tem dado neste Município, e em todo o commercio do Uruguay, com a completa e rápida invasão que estabelecêo a Commissão que veio ad’ministrar a Alfândega teve de historiar os factos occorridos afim de que V.Ex.ª pudesse bem apreciar a natureza e origem dos males que soffremos: procurou unicamente os consignar com verdade, fundando-se na notoriedade publica. Só quis demostrar o que é patente isto é 1°que ad’ministração da alfândega anterior a do Snr. Sousa Pinto, fez diferença digo fez definhar o commercio licita as rendas da Alfândega; e especialmente o Commercio desta Villa; tornando-se a Povoação em frente a esta, na província de Corrientes, o imporio do commercio do Uruguay e vulgar o contrabando, que todos os dias tomava maior vulto zombando que todos os dias digo zomgando das medidas fiscaes, e mesmo das violências praticadas pelo então ad’ministrador da Alfândega. ° que com administração do Snr Sousa Pinto, quazi que se extinguiu o contrabando, florecendo o Comercio d’esta Villa, tornando-se o deposito do Uruguay; e crescerão consideravelmente a as rendas da Alfândega: 3° que com a inverção que estabelecêo ultimamente a Commissão, que de fiscalizadora passou a ser ad’ministradora, estagnou-se o Commercio desta Villa, com notável detrimento mesmo para as rendas Municipais tornou-se o Povo em frente outra vez o empório do commercio do Uruguay e o contrabando toma amplas proporções; e com já se patenteou estabelecido, de que o fim principal da Commissão é aniquillar o Commercio do Uruguay a fim de prosperar o do litoral e o pernicioso antagonismo, que se vai estabellecendo entre esse commercio e o do Uruguay, forão com que se tornem emproprios e ineficazes as medidas que se impreguem para estinguir o contrabando. Do experto conhecerá V.Ex.ª e quanto tem sido e continua a ser anormal a ad’ministração da Alfândega do Uruguay; e a poderosa influencia que lhe exerce sobre o Commercio e prosperidade desta Villa, que sugeito aos caprichos do ad’ministrador de Corrientes para entrar nesta por contrabando ora se estabelesse nesta. Distante como está esta importante ad’ministração das benéficas vistas da Exma Presidência e da Thesouraria sem que até hoje se tenha estabelecido um systema fixo e regular de ad’minsitração não sendo como nas outras Alfândegas, onde a mudança do pessoal da ad’ministração não traz alteração alguma nems na computação dos Impostos nem no methodo dos despachos. Aqui tudo tem dependido do pessoal, cada administração se julga autorisada a fazer rápida, e desconmunais alterações; tanto ao systema de computar os impostos, como no dos despachos; e V.Ex.ª convirá que tal estado de cousas não pode continuar sem produsir graves malles.

Esta Câmara está certa que pelo art.° 58 da Lei de seo regimento é autorisada a denunciar as prevaricações e nigligencias dos empregados públicos; porem não tendo ingerência dos empregados alguma na ad’ministração da Alfândega não está habilitada para obter documentos com que comprove uma denuncia em regra; e se a câmara tem este dever, as autoridades judiciárias e ad’ministrativas, com mais meios de acção tem mais positivos deveres a respeito, e mais amplos meios de porem em pratica e por esta razão nem teve esta Câmara em vista quando representou a respeito a V.Ex.ª e nem agora formular uma denuncia contra a actual ad’ministração; porem unicamente representar acerca dos males que esta causando; e por isso ainda

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julga ser lhe licito dizer a V.Ex.ª que se na ad’ministração anterior a da Commissão existião abusos não consta, que existisse prevaricação por que os favores que são concedidos a um não geralmente concedidos a todos, sem a menor dependência, e menos retribuição: se nesses favores existião abusos, havia ao menos o mérito da igualdade da honestidade e encoruptibilidade como é notório. Hoje porem, quando haja honestidade e mesmo encorruptibilidade na ad’mnistração, o systema de a tudo se por dificuldades e de tudo faserem dependência, não pode imperar grande confiança por ser sabido, que os empregados malservidores costumão de tudo faserem deficuldades e dependências afim de obterem favores ilícitos. Cumpre mais a esta Câmara notar que tendo sido essa commissão nomeada para fiscalizar esta Alfândega, desde que emcumbio-se de sua ad’ministração perdeo o caráter de fiscalizadora da ad’ministração; porque, por que seria irrizoria a fiscalização, que farião a seuz próprios actos; havendo portanto a urgente necessidade de ser o seu turno fiscalisada. Finalmente esta Câmara pensando unicamente cumprir com seu dever attendendo amagnitude do negocio, e para que a todo tempo seus Munícipes não tenhão o direito de ataxarem de indeferente, é que pela ultima ser ainda occupa a attenção de V.Ex.ª com estes negócios esperando que desculpará seos erros se sem querer tem excedido de suas attribuições = [...] 10 de junho de 1857.291

A Câmara da vila estava convencida de que o comércio ilícito era maior do que o lícito

e, no entanto, não existia um órgão que reprimisse com autoridade o contrabando e o roubo de

gado, prática essa prejudicial para a arrecadação de impostos e a fortuna de particulares, que

se viam obrigados a baixar seus preços para conseguir concorrer no mercado.

Em 1857 a comissão do porto de Rio Grande chegou à vila de Uruguaiana com o

objetivo de apurar a forma de fiscalização executada pela administração da alfândega, o que

gerou uma revolta por parte da Câmara de Vereadores, alegando que isso se devia a interesses

em aniquilar o comércio que era feito pelo rio Uruguai para que fluísse o do porto de Rio

Grande. A comissão tentou apurar os tipos de concessões ou favores que a administração do

porto fazia, porém, em relatório da Câmara de Vereadores,292 fica claro que a administração

concedia favores, mas que não existiam abusos e havia honestidade, sendo que os favores não

eram para todos.

A comissão destinada a fiscalizar e apurar os problemas que se passavam no porto

acabou admi nistrando -o por algum tempo, o que gerou atritos entre a Câmara e os fiscais,

que, conseqüentemente, foram totalmente renegados pela sociedade comerciante local e pelos

representantes do poder estatal. Isso gerou graves acusações por parte também da Comissão

contra a Câmara Municipal, visto que “nas entre linhas”, muitas vezes aquela acusava

2 9 1 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.139v.- 142v. 2 9 2 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.139v.- 142v.

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membros desta Câmara de realizarem operações ilícitas, o que explicaria o porquê de não

estarem sendo aceitos na sociedade local.

Se, entretanto, for analisada a ques tão do pensamento mercantil, todo e qualquer

indivíduo que pratica algum tipo de comércio ilícito, no momento em que passa a ser

investigado, ou, até mesmo, impedido, por dificuldades impostas por um poder maior, de

exercer seu negócio lucrativo, passa a inverter a situação e tenta exaurir-se da culpa colocando

a responsabilidade sobre o representante da lei. Então, esse passa de fiscal a carrasco, tendo

sobre si toda a carga de repressão, característica dada a todo órgão ou indivíduo que exerça

cargo de fiscalização.

O porto de Restauración, segundo Medrano, em meados do século XIX, era o maior

irradiador de contrabando de produtos para o Brasil. Ali havia depósitos de mercadorias

praticamente construídos para utilização dos povos da província do Rio Grande do Sul.293

Neles se guardavam os produtos que, depois, seriam redistribuídos para o porto em frente

através de chalanas, pailebotes, botes, goletas, lanchões, queches, canoas e balandras. Esse

procedimento era perfeitamente calculado, pois, logo no dia seguinte ao dia em que os

produtos eram depositados, passavam a ser retirados; dessa forma, era improvável que

servissem para consumo interno de Restauración.294

Nota-se, portanto, que o comércio ilícito era muito conhecido pelas autoridades

brasileiras e, com certeza, como se pode observar através de relatórios expedidos pelos fiscais

da província vizinha, também esses tinham conhecimento do fato, que era um modo de fazer

circular os produtos produzidos tanto no lado argentino como no brasileiro.

Vários problemas sobrepunham-se para barrar o contrabando, pois, desde os tempos

em que essas terras da fronteira pertenciam à Espanha e a Portugal, o comércio ilícito era

largamente praticado por pessoas que tinham propriedades perto das linhas de fronteira e por

comerciantes que vinham até à região apenas para receber ou transpor a mercadoria que

estaria do outro lado do rio. Portanto, a fiscalização só seria realmente eficaz numa área

2 9 3 ME DRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.171. 2 9 4 RELATÓRIO do chefe da Administração de Rendas de Restauración. Diário Oficial do Império do Brasil. 30 de agosto de 1863, nº196, 1863. (manuscrito).

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consideravelmente extensa se houvesse vários postos fiscais e se os três países envolvidos nas

transações tivessem meios de fiscalização mútuos e cooperativos.

Tais práticas de fiscalização, entretanto, não aconteciam. Por isso, quando da liberação

da navegação dos rios Uruguai e Paraná, o Brasil viu-se em péssima situação quanto ao

contrabando na região, e também na região de Mato Grosso, pois esta foi uma medida tomada

entre a República Oriental e a Confederação Argentina visando à maior fluência do comércio,

lícito ou ilícito. Havia uma certa conivência de ambos os Estados e do Brasil com os

contrabandistas, pois em todos os sentidos estava sendo facilitada a travessia de longas

distâncias, por água ou por terra para a comercialização de produtos vindos da Europa.

Talvez fosse por esse motivo que os produtos do contrabando eram introduzidos nas

costas do Uruguai à noite ou quando o clima dificultava sobremaneira a fiscalização, como

ocorria no inverno, quando ficavam ainda mais difíceis as incursões de fiscais até regiões

mais distantes das vilas e que, efetivamente, eram pontos de concentração e desembarque de

mercadorias provenientes da região do Prata. Medrano afirma que “a história do contrabando

esteve intimamente ligada às fronteiras dos três países: Brasil, Uruguai e Argentina. Neste

triângulo tiveram grande participação as povoações de Salto (Uruguai), Restauración

(Confederação Argentina) e Uruguaiana (Brasil) além de outras intermediárias, entre elas

Concórdia (Argentina).”295

Em Uruguaiana, o comércio crescia rapidamente e seus comerciantes ampliavam cada

vez mais seus capitais. No entanto, inúmeras vezes os acontecimentos levaram a que esses

mesmos comerciantes optassem pelo comércio ilícito e pelas operações ilegais de compra e

venda de mercadoria. Nessas transações estavam envolvidos principalmente estrangeiros que

já conheciam os movimentos e maneiras como agiam os contrabandistas. A respeito, em uma

correspondência da Câmara de Vereadores de Uruguaiana, lê-se o seguinte:

Nº 7 – Illmo Exmo Snr. = A Camara Municipal desta Villa tem a honra

responder ao officio de V.Ex.ª datado de 24 de Janeiro findo e que não fez mais antes por querer recolher dados certos acerca da informação que V.Ex.ª ordena de esta Camara sobre a materia do artigos nelle expressados; e o que pôde obter digo observar a V.Ex.ª he o seguinte: 1º que os objetos de producção, ou de industria da Provincia exportados para os estados vezinhos são, Erva-mate, madeiras, Fumo, farinha de mandioca, tamancos, Arreios, Aguardente, Carretas feitas, Égoas, e Gado

2 9 5 MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.183.

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de criar; cujo numero e valores, não se pode calcular, por serem condusidos por deferentes pontos da Fronteira, e fora do alcanse em todo sentido desta corporação. Em quanto a importação consiste ella em generos estrangeiros de toda classe que admittem introducção por sua conveniencia mercantil, sem que mesmo se possa digo sem que mesmo tambem se possa calcular seus valores nem numero. Quanto porem finalmente ao contrabando, permitta V.Ex.ª que usando da linguagem da verdade, ponha esta corporação as causas no seu verdadeiro ponto de vista: não he Exm.º Snr. so o immenso litoral que há em toda a costa do Uruguay e linha de Fronteira, que occasiona o grande contrabando por que esta dificuldade sempre existio; e nunca houverão tantos contrabandos como de algum tempo a esta parte: os Commerciantes preferem arruinar seus capitaes antes que ver-se em presença do Snr. Inspector Flores, homem cujo caracter austero, bellicoso, e nada urbano, tem mesmo dentro da Alfandega e no exercicio de suas serias e delicadas funcçoes insultado a Negociantes que alli hião com toda a moderação fazer seus despachos tem mandado presos alguns injustamente, mandado dar buscas e outras muitas travas, que perjudica, aterrorisa, e definha o Commercio; com todas estas violencias proprias de um caracter subversivo, bem se deixa ver que os Commerciantes preferem negociar com grave risco de seus Capitaes, de que ver ao Snr. Flores, e mesmo é tal a odiosidade geral contra as acções desta Snr., que ainda que alguem veja os contrabandos ninhum os denuncia. Não assim se esta Alfandega tivesse hum homem que tratasse bem e com politica a todos, sem deixar de ser excecto nas funcções de seu dever em tão se veria que esse immenso contrabando sessava de facto, por que não esta na conveniencia mercantil tomar essa via, senão forçado a isso pelas razões que leva ponderado esta Camara. Talves em outras partes hajão outros motivos, mas nesta Fronteira não conhece esta Corporação outros que possa dar a V.Ex.ª sobre este mal. = 11 de Junho de 1853.296

Vê-se, no trecho extraído do livro de registro de correspondên cias da Câmara da vila

de Uruguaiana, uma preocupação das autoridades em tentar controlar o contrabando feito em

toda a fronteira oeste, principalmente nessa localidade, pela facilidade da transação de

mercadorias e pelo porto, que se mostrava um dos mais movimentados da província, como se

viu no capítulo anterior. Outro ponto discutido na ata, que, na verdade, era o foco central da

carta, conforme visto através da troca de correspondências desta Câmara com a Presidência da

província, era a austeridade e os prejuízos que vinha causando aos comerciantes o inspetor da

alfândega de Uruguaiana na época, sr. Flores.297 O funcionário, tendo em suas mãos o poder

de fechar e de inspecionar as mercadorias e as vendas de produtos na vila, vinha, já há algum

tempo, quando discussões e causando problemas aos comerciantes da vila.

Segundo a Câmara, as exportações davam-se por vários lugares, o que dificultava a

apuração do montante exportado, e as importações envolviam todos os tipos de produtos,

desde que fosse favorável sua comercialização na vila e na região. Dessa forma, também se

pode perceber na correspondência supracitada que a Câmara de Vereadores tinha ciência do

2 9 6 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.97v.-98v. 2 9 7 Não foi possível através da documentação arrolada no Centro Cultural Dr. Pedro Marini, saber qual era o nome completo deste inspetor da alfândega, por esse motivo utilizamos apenas a forma como é citado nas correspondências da Câmara enviadas ao presidente da província.

Comentário: “Uuuuuuuh”... Assombra quem?

Comentário: Melhor excluir ou trocar por “esse inspetor”...

Comentário: Tempo verbal...

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que ocorria em sua jurisdição referentemente ao comércio ilícito. No entanto, a culpa disso

recaía no funcionário da alfândega, que estaria agindo de maneira muito enérgica em suas

atividades, o que os comerciantes não aceitavam por não estarem acostumados a esse tipo de

tratamento.

De maneira mais clara, vê-se que o contrabando se realizava de tal forma que as

autoridades tinham conhecimento do fato, contudo nada faziam a não ser tentar autuar os seus

praticantes em flagrante, o que raras vezes acontecia pela falta de pessoal e também pela

indulgência das autoridades em não procurar reverter esse quadro.

Entretanto, não era só o contrabando em si que se constituía numa forma de comércio

ilegal, numa tentativa de burlar as leis fiscais do país, pois também havia a cobrança de

tributos sobre produtos importados. Essa tributação muitas vezes acabava gerando prejuízos

aos cofres públicos, pois o produto passava a ter outra taxação, e não a que lhe era cobrada

por tabela. Isso geralmente ocorria porque, ao entrar na alfândega, o produto era registrado

como tendo outra origem e outro tipo diferente daquele de que realmente derivava.

Transparece, ainda, no texto transcrito que a Câmara tentava justificar a prática do

contrabando pelos comerciantes com o tratamento que era dado pelo inspetor, sr. Flores. Por

isso, apontava uma solução para que cessasse essa prática, que seria a de a alfândega ter uma

administração que tratasse todos com uma política alfandegária de acordo com as

necessidades da vila.

Referentemente a isso, a Câmara de Vereadores, por diversas vezes, demonstrou

querer manter uma estabilização nas contas do município, pois vários eram os comerciantes

que se dirigiam à região apenas para comprar os produtos vindos através do rio Uruguai, para

depois revendê-los em outras cidades do interior da província; assim, Uruguaiana não tinha

lucro algum com esses negócios. Provavelmente por esse motivo, em 1851 a Câmara fez uma

revisão de suas Posturas e incluiu nelas os artigos seguintes:

ARTIGOS DE POSTURAS JUNTAS AO Nº 6 A Camara Municipal desta Villa de Uruguayana, tomando em

consideração que o Commercio da mesma Villa e seu Termo hé em grande parte manejado por individuos Estrangeiros, os quaes ao mesmo tempo que disfrutão por esse lado todas as vantagens, e gosos privativos dos Cidadaos Brazieleiros, estão izemptos do Serviço publico de que estes são onerados; e que a continuação de tal Commercio há extremamente nocivo aos Negociantes, já por que a aglomeração de

Comentário: Tempo verbal...

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generos de negocio importados, e dispostos n’este Municipio pelo Estrangeiro tem produsido o esmorecimento do Commercio Nacional pela difficil extracção dos generos, já por aquelle Commercio em lugar de concorrer para o progresso do Municipio, contribue para seu descrecimento e ruina em razão de não ter estabelidade, e permanecer só o tempo conveniente para a Venda da factura effeituada, a qual se retirão os Negociantes com o numerario, desfalcando o Municipio, e amesma Provincia de sua riquesa intrinsiga; baseada na authorização que lhe confere o art.º 40 da Carta de lei de 1º de Outubro de 1828, accordoce em Sessão extraordinaria de hoje formular a este respeito as posturas expressas nos art.º seguintes =: Artigo 1º A Camara Municipal não concede d’ora avante licença a individuo algum Estrangeiro não se permitindo pelas ruas, tendas estaveis, ou volantes ou em quaesquer armaçoens, bolichos, bebidas espirituosas, quinquilharias, generos, ou fazendas de qualquer denominação, que sejão excepto = § 1º Quando se convença de que o Commerciante Estrangeiro utiliza com seu Commercio ao Municipio, tanto por sua permanente estabilidade, como por que do giro de seu negocio reverte em beneficio reaes ao mesmo Municipio = § 2º - Aos Estrangeiros nas circonstancias do § precedente so serão consedidas as licenças mediante uma quantia pecuniaria, que deverão pagar annualmente a qual será arbitrada pela Camara em relação aos fundos do Negocio; que se pertender dispor, não sendo o arbitramento nunca menos de 200$000 reis annuaes, alem dos direitos Municipaes athe o presente estabelecidos = Art. 2º - A cautelando a Camara que não sejão fraudadas as disposiçoes do art.º 1º estabelece, que o individuo Brazileiro em recaíra suspeita, de que não hé o proprietario do Negocio mas sim o Agente de algum Estrangeiro, fica sugeito para obter a licença de abrir casa de Negocio, ou vender por mascateação, a prestar todas as informações e esclarecimentos que a Camara exigir té que ella fique no cabal conhecimento da ligitimidade do proprietario = Art.º 3º Estipular-se-há o prazo de trez meses contados da Publicação destas posturas para os Negociantes Estrangeiros ora residentes, ou volantes no Municipio, construirem suas tranzações commerciaes, devindo elles pagarem de suas patentes só a quota correspondente ao trimestre e serem indemnizados da quantia que houverem adiantado, excepto. § 1º e único, Aquelles que comprehendidos nas disposiçoes dos §§ 1º e 2º dos art.º 1º, obtiverem a respectiva licença para continuarem em seu Negocio = Art.º 4º Todo Negociante Estrangeiro que espirado prazo de 3 meses proseguir em seu negocio sem previa licença, serão condennados a pena de oito dias de prisão, e a de multa de 30$000 reis, e o duplo d’estas penas nas reincidencias, as quaes serão contadas de quinze em quinze dias = Art.º 5º Ficão libres para a serventia do publico, as pedreiras e Fontes do Municipio, A Camara fara demarcar a aria sufficiente para tirar a pedra que se precise para construcção de edefficios d’esta Villa. Todo aquelle que por qualquer maneira procurar empedir dificultar, ou vexar o publico no uso de semilhantes objectos, incorrerá na multa de 30$000 reis e oito dias de Cadeia, e nas reincidencias o duplo = Art.º 6º Ficão sendo absulutamente da serventia publica os montes do Uruguay e de todos os arroios banhados por este. Todo aquelle que por qualquer rmotivo procurar empedir o uzo d’elles ao publico, incorrerá na multa de 30$000 e oito dias de cadêa e o duplo nas reincidencias = [...] Villa de Uruguayana em Sessão extraordinaria de 12 de Fevereiro de 1851.298

Fica clara a preocupação da Câmara com suas finanças, utilizando como pano de

fundo, para isso, os estrangeiros que já se eram em grande número na vila, estabelecendo uma

grande rede de comércio entre o interior e o exterior e, por isso, “definhando o comércio

nacional”. No entanto, isso seria justificado por volta de 1851, pois a produção brasileira

restringia-se às regiões mais desenvolvidas e mais antigas do país, como Rio de Janeiro, São

2 9 8 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.68- 69.

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Paulo e Minas Gerais; as demais só apareciam como portas de entrada, de passagem ou de

saída dos produtos beneficiados em outras regiões.

Num ato para tentar “proteger” o comércio, a Câmara resolveu dificultar ao máximo as

relações comerciais efetuadas dentro da vila por estrangeiros, mesmo que esses estivessem já

há algum tempo ali estabelecidos. No entanto, essa corporação não esperava que tais medidas

levariam ao definhamento do comércio legal e, sobretudo, que intensificariam o contrabando,

efetuado até entre as famílias, principalmente de franceses, que vinham para a região

fronteiriça, onde se estabeleciam em ambos os lados do rio Uruguai para, assim, controlar as

relações ilícitas entre esses países.

Como se viu no capítulo anterior, os meios de transporte eram essenciais para o

florescimento e a manutenção de um comércio rentável, já que, na segunda metade do século

XIX, ainda não havia meios seguros e rápidos. Por essa razão, Uruguaiana e outras cidades

ribeirinhas eram beneficiadas visto que a navegação era permitida, dando condições a um

transporte de mercadorias mais veloz.

Em 1865, a Câmara discutiu com a Assembléia provincial a possibilidade da abertura

de um passo localizado no Rincão de Japejú, na boca do rio Ibicuí, denominado Passo de

Santa Maria, o qual já era utilizado pelos jesuítas para transpor o rio Ibicuí.299 A reutilização

deste passo resultaria na melhoria das comunicações comerciais com Itaqui e São Borja, e

também com Cruz Alta, que se localizava na região central da província, local este de grande

concentração de gado. Isso deixa clara a importância das comunicações comerciais entre as

cidades do interior da província e as de fronteira.

O comércio utilizava como meio de transporte principal a navegação do rio Uruguai,

contudo dependia totalmente das condições do rio, ou seja, em épocas de cheias podiam subir

o Uruguai grandes embarcações, levando maior quantidade de produtos. Todavia, o comércio

tinha uma grande preocupação com a possibilidade de criar outros meios de transporte, como

as estradas, que se tornaram fundamentais para a saída e entrada de produtos na região.

2 9 9 Verificar em URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.127v.-128v.

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Em certa correspondência, a Câmara pedia à Assembléia Provincial providências para

efetuar melhoramentos na estrada que ligava a vila de Uruguaiana a Alegrete, o que seria de

grande importância para o crescimento do comércio. De sua parte, a Câmara comprometia-se

em fazer barreiras ao longo do trecho para cobrança de impostos na tentativa de amortizar os

valores desembolsados pela Assembléia. Em 1857, a vila já tinha uma linha viária que a

ligava até Salto, no Estado Oriental, para onde se dirigiam duas vezes por semana, o que

facilitava a comunicação entre ambas.300

A Câmara de Uruguaiana, em correspondência dirigida aos deputados da Assembléia

Constituinte Nacional, solicitou em 1862 que se permitisse a navegação do rio Uruguai por

barcos movidos a vapor e não à vela, estes muito mais lentos e dependentes das condições

naturais que os primeiros. Um dos motivos alegados pela Câmara era a redução do

contrabando, o que ocorreria mais facilmente com os barcos movidos à vela, pois esses eram

muito menores, baratos e serviam basicamente para a travessia do rio de uma margem à outra.

O documento tinha o seguinte teor:

Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação Brasileira. A Câmara Municipal da Villa Uruguayana, província de Sam Pedro do Rio

Grande do Sul, solicita em promover todo o progresso material e moral do município que representa, com o mais profundo e devido respeito vem confiada no interesse que os Augustos Representantes da Nação tem mostrado em promover todos os ramos, que tendem ao engrandecimento do Império de Santa Cruz, pedir-vos em nome de seus munícipes que adopteis o Projecto de Lei, já approvado pela Câmara dos Senhores Deputados, em sua ultima Sessão relativa ao contracto celebrado com João Carlos Pereira Pinto, para a navegação á vapor no baixo e alto Uruguay e para Merecer este importante beneficio á este e out ros Municipios da Fronteira da província, esta Câmara passa a ponderar algumas de suas vantagens. O magestoso rio Uruguay, que banha esperançosas povoações das Comarcas de Alegrete, S.Borja e outras foi por algum tempo deixado no olvido, sem se cuidar de sua navegação, que era, e ainda é, feita por pesados barcos de vellas, que levão meses a transpor-se de uma a outra povoação rio acima, por ser pouco freqüentes os ventos favoráveis para ella com esse quase abandono, esta Villa, as de Itaqui e S.Borja, e mesmo as Misões se achavão na tutela e dependência do commercio do Rio Grande e Porto Alegre, d`onde para traserem seus sentimentos, era necessário transportarem suas mercadorias em distancias de mais de cem legoas por escabrosas montanhas e mãos caminhos com essa morosa via de transportes, lento era o seu giro commercial estabelecido porem um maior ponto a navegação a vella, com mesma lentidão se tornou o commercio entre estas povoações e as praças do Estado

3 0 0 “Este Commercio porem é todo elle feito pela navegação do Uruguay, e por esta rasão depende do estado do rio e só se desenvolve quando tem elle aguaz para ser navegado. Para poder este Commercio ter o necessário desenvolvimento de pende de estradas; e as que existem são apenas trilhas feitas pelas carretas sem o menor beneficio da industria humana. Sendo um dos pontos com que esta Villa sustenta um maior commercio a Cidade Alegrete, distante desta apenas 22 leguas, para onde não só as relações commerciais como por ser o centro da Comarca e sede do Juiso de Direito, faz com que haja um continuo transito; [...]” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.144.-144v.

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Oriental, d`onde se principiou a entreter relações commerciaes; mas esse commercio se tornou em parte pernicioso pelo nefando trafico do contrabando, por que sendo elle condusido por pequenos barcos de vellas, á esse crime se prestão pela facilidade de, em qualquer das margens do rio Uruguay, a portarem. Com a vinda do Vapor Uruguay, tornou- se porem mais rápidas essas relações de commercio, e em parte minorou-se o contrabando, por que sendo, como são, os transportes feitos por este vapor, com mais promptidão, não se póde fazer o contrabando, pela rasão de condusir elle sempre grande numero de passageiros, verdadeiros espectadores, e ter suas viagens mais certas, rapidas e conhecidas, o que não acontece com os pequenos barcos á vella, que apenas tripulado por 2 ou 3 homens, e quase de esclusiva propriedade de aventureiros, se prestão com facilidade ao contrabando. Ora estabelecendo -se uma linha de vapores regular, necessários para o conducção das mercadorias exportadas dos Paises visinhos para os nossos portos cessará necessariamente em grande parte essa navegação prejudicial ao Fisco Nacional, e tomará de necessidade os transportes dessas mercadorias com mais segurança, rapides e a vista de muitos passageiros, e de um maior numero de tripulação necessario a navegação á vapor, e d`esta forma não será fácil o contrabando. A estas circunstancias está ligado o grandioso porvir que espera esta parte do Império, e o seu respeito ao estrangeiro visinho, que verá as promptas communicações de providencias, e a rapidez commoda da conducção de tropas necessárias para sustentar a dignidade do Pavilhão Brasileiro, feita nestas fronteiras, por máos caminhos. Em vista das rasões que esta Câmara apresenta, provendo o augmento moral e material, que resultará da navegação á vapor em maior escala e com regularidade feita, o usa, como representante de seu Município e pelo interesse do commercio licito, pedir aos Augustos e Digníssimos Representantes da Nação, a approvação do referido projecto de lei, atualmente submettido as suas sabias e justas decisões. [...] Uruguayana, 11 de Dezembro de 1862.301

A partir da navegação do rio Uruguai por vapores, o contrabando começou a se

desenvolver de maneira um pouco diferente, pois, a partir daí, cresceu sua incidência mais à

noite, visto que, durante o dia, era mais fácil identificar as mercadorias e os navios que as

transportavam. Na época, havia empresas de trânsito fluvial especializadas em conduzir

contrabando, como a de Antonio Corso, famoso contrabandista .

No que se referia aos passageiros, era comentado no ofício como sendo um empecilho

para a prática do contrabando; na verdade, foi um meio encontrado para que este se realizasse

sem maiores problemas, porque, como se pode encontrar no relatório enviado pelo vice-

cônsul argentino em Itaqui às autoridades argentinas em 1870, as tripulações, em sua maioria,

eram compostas de italianos (genoveses), brasileiros e argentinos (muitas vezes filhos dos

primeiros), que neutralizavam qualquer ação contrária ao tráfego dos vapores no alto

Uruguai.302

3 0 1 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.38v.-40. 3 0 2 Ver MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.188.

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Em 1871, entretanto, o vice-cônsul argentino de Itaqui escreveu uma carta aos

representantes da nação comunicando que o vapor “Uruguay” deveria ter sua licença cassada

para evitar que se alastrasse ainda mais o contrabando. Por meio deste, que não tinha embargo

nenhum ao transitar livremente pelo rio, efetivava-se a maioria dos trâmites do comércio

ilegal, até mesmo porque não mantinha itinerário fixo e, muito menos, conduzia passageiros

constantemente, acabando por arrebanhar toda a cabotagem do alto Uruguai.303

Lilia de Medrano, em sua dissertação sobre a navegação fluvial nos rios Uruguai e

Paraná, aponta que o vapor “Uruguay”, brasileiro, provavelmente pertenceria à empresa do

contrabandista Antonio Corso, muito conhecido na região da fronteira por fazer contrabando

de elevadas cargas de mercadorias .304 No entanto, como se pode verificar pela

correspondência anteriormente transcrita, mantida entre a Câmara Municipal de Uruguaiana e

os deputados da Assembléia Geral, este navio pertencia a João Carlos Pereira Pinto, dono de

uma das empresas de transporte fluvial com sede em Uruguaiana.

Na época em estudo, era muito comum a Câmara de Vereadores fornecer atestados de

prestação de serviços a várias pessoas que residiam e trabalhavam na vila de Uruguaiana,

como se pode ver a seguir, no atestado dado ao vapor “Uruguay” seis anos antes da

declaração do vice-cônsul argentino em Itaqui. Este navio foi o primeiro movido a vapor que

saiu do porto de Uruguaiana para fazer transações comerciais e levar passageiros para outras

regiões da costa do rio Uruguai.

A Câmara Municipal de Uruguayana. Attesta que o Vapor Uruguay, tem

prestado utilidade ao commercio e é muito necessária a sua continuação, e bem assim que tem o mesmo Vapor soffrido prejuízos não só pela paralisação do commercio devido a guerra do Estado Oriental, como por ter tido occasião de não poder viajar pela grande seca do rio Uruguay. A sua continuação é de grande utilidade para o commercio das povoações da Costa do Uruguay, não só para os transportes de cargas, como mesmo de passageiros, a qual por embarcações de vela é difícil e muito demorada pela escacez d`algumas veses d`água, e outras de vento. Secretario da Câmara Municipal de Uruguayana, 15 de Fevereiro de 1864. O presidente Florentino José de Abreu.305

A partir do final do ano de 1864, a população da vila de Uruguaiana começou a se

alarmar com as investidas paraguaias realizadas ao longo da costa do Rio Grande do Sul e

3 0 3 Ver MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.188-189. 3 0 4 MEDRANO, op. cit., p.189. 3 0 5 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.68.

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também do lado argentino. De 26 de julho até o 13 de outubro de 1865, não houve registro

algum nos livros de correspondências da Câmara Municipal, que, no dia 5 de agosto, foi

invadida pelas hordas paraguaias que vinham de São Borja, permanecendo sob seu domínio

até 20 de setembro, quando foi retomada pelas tropas da Tríplice Aliança, com a presença do

imperador dom Pedro II.

Mais um golpe foi desferido contra a municipalidade e o Estado em geral com a

Guerra do Paraguai, pois, como relata Guilhermino César, “durante os choques

sangrentos,[...] o estímulo essencial ao prosseguimento da luta eram os animais de tração e o

gado para o munício.”306

Uruguaiana foi invadida pelos paraguaios, devastada e retomada pelas tropas

brasileiras e da Tríplice Aliança num período de mais ou menos dois meses, e a grave crise

que isso gerou repercutiu até cinco anos depois. Um exemplo dos gastos feitos na guerra e das

perdas referentes aos impostos pode ser constatado no seguinte trecho de documento da

Câmara Municipal:

A Câmara Municipal da Villa Uruguayanna determina ao Senr. Fiscal

ambulante Mariano Marques de Figueredo que quanto antes vá ao Paso de São Borja o aonde se achar o Senr. José Lopes Ribeiro fornecedor da 2a Divisão sob o Commando do Ex. mo Senr. Barão de Jacuhy exija do mesmo Senr. Fornecedor o pagamento do imposto de 500 reis por cabeça do gado morto para fornecimento da mesma Divisão d’esde o mez de junho ate o diaem que passou a mesma Divisão o Rio Ibichuhy e caso o referido fornecedor se oponha ao pagamento pode com a presente Portaria por ficar assim autorisado para isso chamal-a a Juiso e proceder a cobrança judicialmente requerendo em Juiso e fora delle as certidões e mais papeis precisos alem da cobrança do referido imposto, no caso de ser paga a Câmara M.a l sem que seja preciso os meios indiciaes fica também o mesmo Senr. Fiscal habilitado a passar a competente quitação. Uruguayana, 26 de Janeiro de 1866.307

Assim, como em tantos outros casos de cobrança posterior ao abate das cabeças de

gado que mantinham as guarnições que se encontravam em Uruguaiana durante e após a

guerra do Paraguai, percebe-se o decréscimo ocorrido tanto nos rebanhos quanto na

arrecadação de impostos da vila. Isso leva a crer que, daí em diante, o contrabando teria

passado a ser ainda mais consentido em alguns pontos.

3 0 6 CESAR, O contrabando no sul do Brasil, p.43-44. 3 0 7 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.93.

Comentário: “foi”

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Noutros casos, como o que se pode ver em seqüência, as mercadorias que eram

transportadas pelos navios e barcos que trafegavam pelo rio Uruguai entravam de forma ilegal

no porto de Uruguaiana. Isso dependia muito da fiscalização que estivesse regendo a

alfândega da vila, pois, assim como havia a consciência sobre a realização do contrabando, a

apreensão deste variava de acordo com a postura do inspetor da alfândega. Por vezes

observou -se que a atuação dos inspetores foi reprovada pela Câmara por ser muito enérgica e

violenta, ultrapassando os limites de direitos e necessidades dos cidadãos.

Câmara Municipal da Villa Uruguayana 18 de Maio de 1866. Ill.mo Senr.

Accuso a recepção d’officio que V.S.ª hoje me dirigio e em resposta tenho a dizer a V.S.ª que a salla do Illmo digo salla das sessões da Câmara Municipal esta occupada com os trabalhos do Illmo Senr. Juis de Direito e nem deve servir de deposito de mercadorias também poderão ser depositadas. D. G. V.S.ª Illm.º Senr. João Benicio da Villa Juis Municipal. Luis Manoel de Sousa. Vereador presidente. Salvo a entre linha, onde diz aprehendidas como contrabando. O Secretario Interino.

Câmara Municipal na Villa de Uruguayana 7 de Junho de 1866. = Illustrissimo Snr. = Tenho presente o off.º de V.S. datado de 2 do corr. no qual me participa que pelo meu off.º de 18 do corr. digo 18 do ppassado mez, em resposta ao seu da mesma data, ficou sabendo que as mercadorias por V.S. apprehendidas, naquelle dia, 18, em caza de João Tomas erão de contrabando, e por isso exige de mim agora informação circunstanciada sobre o modo pelo qual se effectuou esse contraba ndo visto que fui eu talvez a primeira autoridade que delle teve conhecimento. Admirando a perspicácia e atilamento com que V.S.ª foi achar no meu citado off.º revelações importantes só pela simples circunstancia de haver eu ali proferido a palavra contrabando referindo-me ás mercadorias que V.S.ª exigia ter apprehendido, devo declarar a V.S.ª em resposta a seu off.º de 2 do corr. que todo o conhecimento que tenho dos factos sobre os quaes me pede informação circunstanciadamente me veio do modo e apparato com que V.S.ª effectuou a deligencia da aprehensão em casa de Tomas, entrando ali sem as formalidades legaes, prendendo o dono da casa e conservando-o recluso e incommunicavel com uma das peças da mesma casa como verifiquei quanto lá fui movido pelo natural desejo de saber que grande acontecimento se havia dado naquella casa. Observando a maneira brusca e violenta ao procedimento de V.S.ª, que para mais apparato mandou postar a porta do Tomas uma guarda, como si se tratasse se capturar naquella casa alg. m grande criminoso, e tendo ouvido a alg. Empregado e marinheiros da alfândega, que tudo aquillo era devido ao ter havido uma denuncia de contrabando, não hesitou em qualificar de apprehenção de contrabando a que V.S.ª effectuou naquelle mesmo dia e sobre a qual officiou-me pedindo a salla das sessões da Cam.ª Municipal p.ª serem depositadas as mercadorias apprehendidas. Muito reconhecido seria eu a V.S.ª me quisesse indicar que outra cauza deveria ou poderia eu attribuir a apprehensão, senão a denuncia de contrabando. Pelo exposto ficará V.S.ª na intelligencia de que se erro houve da sua parte em suppor que se tratava de uma apprehensão de contrabando foi esse erro se visto tão som.e porque vi e ouvi na occasião em que V.S.ª praticava a deligencia da busca em caza de Tomas. Por conseqüência mais no caso está V.S.ª se me dar informações a respeito do que eu de dalas a V.S.ª. Julgo ter assim satisfeito á requisição de V.S.ª em seu citado off.º. [...] Illm.º Snr. Dr. João Benicio da V.ª Juis Municipal deste termo. Assignado, Luis Manoel de Souza, Vereador presidente.308

3 0 8 URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.96- 97.

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Durante a guerra, haviam ocasiões fortemente propícias ao desenvolvimento do

contrabando em uma fronteira atacada, desprotegida de qualquer fiscalização, tendo sobre si

somente os olhos e as armas dos inimigos e, especialmente, dos aliados que ali se

encontravam efetivando conchavos, enlaces momentâneos com o Império, e a fronteira. Como

diz Guilhermino César: “na guerra ou na paz, a lei da fronteira, como que inspirada no mito

de Ariel, planava acima do bem e do mal.”309

Os vice-consulados estabelecidos em algumas cidades estratégicas de toda a costa do

rio Uruguai também agiam permanentemente buscando tentar deter o avanço do contrabando.

Naquela época, os consulados tinham um importante papel nas questões que envolvessem

seus respectivos países nas localidades onde se encontravam.

Para entender melhor como se dava essa atuação, é preciso analisar o fato que ocorreu

em Restauración (Paso de los Libres), onde somente em 1867 se fundou um consulado

b rasileiro310. Daí em diante, esta vila perdeu todo o poder que detinha frente ao contrabando

internacional, o qual coadjuvava desde antes da fundação da sua vizinha Uruguaiana. Isso

aconteceu justamente porque o consulado começou a exigir maior fiscalização e

documentação dos navios, especialmente na reexportação de mercadorias que passavam em

trânsito por ali.

Por causa, sobretudo, da pouca ou precária fiscalização nas alfândegas de Itaqui e São

Borja, era muito comum que os produtos contrabandeados fossem maquiados ou misturados

no meio de cargas normais para entrarem sem problemas nessas vilas. Os produtos

contrabandeados diversas vezes eram carregamentos recolhidos durante a viagem entre o

porto de Uruguaiana e os outros dois portos da costa brasileira no rio Uruguai.

Para evitar maiores problemas, segundo Medrano, as companhias fluviais que agiam

no rio Uruguai, duas, inclusive instaladas em Uruguaiana, tinham para seus navios vários

despachos que designavam as mercadorias para os portos de São Tome ou La Cruz. Dessa

forma, no momento oportuno, os contrabandistas, após passarem pela fiscalização,

3 0 9 CESAR, O contrabando no sul do Brasil, p.59. 3 1 0 Verificar em MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852- 1889), p.185.

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desembarcavam as mercadorias no arroio Aguapehy à noite ou em horário previamente

marcado, deixando esses produtos em costas brasileiras.311

É de se notar que os contrabandistas tentavam de todas as maneiras possíveis enredar

em sua prática até mesmo os comerciantes mais honestos, que também sofriam com as tarifas

de importação e exportação cobradas nas alfândegas; logo, era preferível pagar um valor

muito mais baixo para os contrabandistas, que sempre conseguiam entregar a mercadoria onde

o cliente desejasse.

3 1 1 MEDRANO, op. cit., p.187.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de um projeto e de muitos interesses políticos e econômicos, o território que

hoje compreend e o Rio Grande do Sul começou a ser visto de maneira diferente pelos olhos

europeus, mais especificamente, ibéricos. Assim se iniciou uma leva de ocupações, avanços e

retrocessos no processo de fixação de divisas, que obedeciam apenas a uma geopolítica

desenvolvida por uma Coroa sedenta por terras e soberania na América do Sul. De outro lado,

havia a Coroa vizinha de além-mar, Portugal, que também buscava uma territorialidade que

fosse oportuna para suas ambições econômicas e políticas, principalmente as envolvidas com

a região do Prata.

Com a participação da Companhia de Jesus, vários acontecimentos foram sendo

desenvolvidos em toda a região sul do continente, mais especificamente, na região do Prata.

Um desses acontecimentos foi a economia, originada, a princípio, para o consumo próprio e,

posteriormente, chegando a fazer parte da grande rede de comércio da região platina, por onde

se faziam as exportações dos produtos produzidos pelos índios reduzidos.

Para tanto, as vias de acesso aos locais de comercialização e distribuição das

mercadorias foram também um dos acontecimentos que ficaram como legado às populações,

que mais tarde delas viriam a se beneficiar para o transporte de mercadorias importadas para o

contrabando. Este último, desenvolvido desde os tempos da ocupação jesuítica, foi alvo

muitas vezes de repressão e, em muitas outras, utilizado para o benefício de empresas e

pessoas que viam na lucratividade desse negócio o único recurso para permaneceram na

região.

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Torna-se importante ressaltar que a rede de comércio criada pelos jesuítas teve o

beneplácito de ambas as Coroas dominadoras da época nesta região americana, pois, ao invés

de coibir a prática comercial a partir das reduções, tentavam, a todo custo, participar também

desse negócio. Portugal e Espanha disputavam lado a lado a hegemonia na região em busca de

maiores riquezas, e um exemplo da incessante ganância real foi a fundação da Colônia do

Santíssimo Sacramento, em frente a Buenos Aires, justamente para vigiar e participar de todo

processo comercial desenvolvido pelo vizinho espanhol.

Durante as experiências comerciais desenvolvidas na América, muitos estrangeiros

também vieram ditar regras e se estabelecer com suas empresas, tentando controlar aquilo que

viam como uma “mina de ouro”. Sobretudo os ingleses, e também franceses, passaram a olhar

com outros olhos para o Prata, pois, apesar da dificuldade de se manterem numa região ainda

inóspita e de grandes diferenças, foram eles que auxiliaram no desenvolvimento social e

cultural de tod a a região.

Por uma questão geopolítica e de definição territorial, foi fundamental a fixação dos

limites entre os vizinhos do Prata. No entanto, urgia que se definissem as fronteiras para que

se alcançasse um maior grau de desenvolvimento regional, o que estava ligado diretamente às

questões estatais, pois a Coroa, no caso brasileiro, e as Repúblicas que se formaram na

Argentina e no Uruguai não se continham em tentar aumentar suas posses, abocanhando mais

uma parte de uma região fadada ao desenvolvimento econômico e social desde os primórdios

de sua ocupação.

Assim, uma nova fronteira foi se delineando, a qual possuía suas especificidades, de

forma que não se compreende qual era a língua oficial utilizada, qual a origem exata de sua

população, já que havia índios, europeus e negros misturados a uma leva de pessoas que veio

a se instalar numa região onde o indígena, antes, era o único personagem. Ali o jesuíta

espanhol não chegou a fixar suas raízes sacerdotais provavelmente em razão da forte

resistência dos índios minuanos e charruas, que não se deixavam catequizar.

Dessa forma, antes mesmo da anexação da Cisplatina, tentou-se chegar a uma

definição sobre os limites da região sul do Rio Grande do Sul. Porém, mesmo com o

alargamento das fronteiras e posterior anexação de todo o território ao sul do Quaraí, perdurou

Comentário: Isso está contraditório. Se eram do mesmo grupo social, porque era preciso que se delimitasse fronteiras entre eles???

Comentário: Isso da “bravura dos grupos pampeanos é um mito. Cuidado com ele.

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até 1851, e diríamos que até alguns anos mais tarde, a luta pela demarcação de um território,

que passou por duas esferas distintas: do confronto direto para as raias diplomáticas.

Os tratados fixados com a República Oriental e com a República Argentina foram

marcados por exaustivas negociações entre os países envolvidos, o que deixou como legado,

sem dúvida alguma, além da experiência diplomática, a demarcação de um território tão

disputado, de uma região que, desde o início, se tinha como um território livre, onde se

encontravam várias etnias e onde cada uma tentava garantir seus interesses políticos e

econômicos de forma lícita ou nem tanto.

A diplomacia brasileira foi um ponto de extrema importância na definição das

fronteiras, tanto no caso da Banda Oriental como no da Argentina, do que é exemplo a

questão de Palmas. Foi preferindo a resolução pacífica das situações que se punham frente à

definição do Estado que o Brasil mostrou a força que possuía no continente sul-americano

para negociar um melhor caminho em situações de impasse.

Somente nos anos finais da revolução que movimentou toda a província do Rio

Grande do Sul e o Império de 1835 a 1845 é que a fronteira abaixo do rio Ibicuí, antes divisor

de terras, recebeu uma povoação criada a partir da necessidade farroupilha de manter a sua

república viva, tendo como artéria principal o rio Uruguai e como vias vicinais as picadas

abertas pelos tropeiros e comerciantes. Esses faziam, primordialmente, o comércio entre os

países vizinhos, de onde viriam e com os quais iriam ser comercializadas as produções, as

manufaturas, o gado e tudo mais que fosse necessário para o desenvolvimento econômico de

um Estado republicano que não chegou a nascer, mas que deixou um grande legado político,

social e cultural para a província do Rio Grande do Sul.

Assim como foi anteriormente expressado, não se pretende a comprovação das

questões levantadas, mas tentou -se, a partir dessas interrogações, chegar à conclusão sobre

como se procedeu a ocupação dos espaços econômicos nessa região de fronteira, onde os

fatores étnicos, geopolíticos e socioeconômicos participavam de todo um processo gradativo

de consolidação de territórios.

As primeiras sesmarias doadas na região de Uruguaiana tiveram como destino

principal a produção de charque, de gado para abate e uma escassa produção agrícola. Com o

Comentário: “foi anteriormente expressado”

Comentário: Papel? Não é melhor “destinação”? Ou algo parecido?

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aparecimento do personagem estrangeiro, surgiram novas formas de comércio e novos traços

econômicos foram delineados no espaço local. Duas elites encontraram-se, então, a pecuarista

e a mercantil, ambas com características bem distintas, mas que conseguiram conviver em

harmonia dentro de um mesmo espaço econômico.

No rio Uruguai, de frente para a vizinha República Argentina, na parte sul da atual

cidade de Uruguaiana, encontra-se o Vau ou Passo de Santana, que também atraía atenção de

muitas pessoas que cruzavam a região desde os tempos em que existiam apenas alguns índios

povoando estes pampas. Através desse passo era possível fazer a travessia do rio Uruguai até

o outro lado sem maiores problemas, sendo possível, inclusive, atravessá-lo a pé ou de balsa,

o que era mais comum.

Provavelmente, foi por esse motivo que se montou próximo a este ponto uma guarda

que fiscalizava a presença dos estrangeiros que tentassem se estabelecer nas terras

pertencentes, ao menos alegadamente, à Coroa brasileira. Porém, esse posto avançado tinha

também o intuito de garantia econômica, pois deveria fiscalizar todo e qualquer tipo de

produto que viesse tanto do Uruguai quanto da Argentina, ou que tivesse como destino esses

países. Era muito comum numa região ainda inóspita o “leva-e-traz” de mercadorias

contrabandeadas, o que lesava os Estados, mas, em contrapartida, gerava grande lucratividade

para as pessoas envolvidas, as quais mais tarde se fixaram nesta região com suas grandes

empresas de comércio.

Uma povoação estabeleceu-se próximo ao Passo de Santana pela maior facilidade de

contato com as pessoas que atravessavam aquela região, ou, ainda, por ser formada por

insurretos vindos dos Estados vizinhos, serviria como uma alternativa para esses se

esconderem das perseguições em seus países de origem. Essa povoação não tinha definida

ainda sua identidade, se uruguaia, se brasileira, se argentina. Tampouco havia território

demarcado que pudesse barrar o livre trânsito de pessoas e mercadorias. Foi nesse contexto

que nasceu nos campos mais ao norte, através de vários levantamentos e estudos, a vila de

Uruguaiana, que tinha em seus aspectos nascentes a ideologia da Revolução Farroupilha, com

grande influência dos revolucionários, que participaram da efetiva elevação e rápido

crescimento desta povoação.

Comentário: Não é melhor “alegadamente”?

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Uruguaiana, como se viu, foi criada a partir de uma necessidade geopolítica e

econômica farroupilha. O interesse econômico falou mais alto em relação à sua localização

estratégica, por onde pasava todo o comércio pela via fluvial do rio Uruguai, que ligava o

Império do Brasil ao Uruguai e à Argentina. Mais tarde, vários tratados de comércio e

navegação, bem como para definição de fronteiras, foram efetivados a partir de uma política

de fronteira que tinha raízes na formação econômico-política desta região, e não tanto

histórica, como no caso de Palmas, região já com um histórico de ocupação portuguesa

disputada pelos argentinos.

Dessa forma, floresceu na fronteira oeste uma economia fruto de vários fatores,

diferentes dos do restante da divisa sulina com os países do Prata. Então apareceu como um

dos principais atores dessa economia o elemento estrangeiro, que trouxe para esta região uma

nova maneira de gerir os negócios, de estabelecer transações com outras partes do mundo,

coisa que até então, sem uma política de imigração em massa, não havia ocorrido na

província.

Portanto, foi fundamental a relação estabelecida entre a região, as opções que

Uruguaiana dava ao comércio e, conseqüentemente, à economia local e internacional, pois o

estrangeiro e os estancieiros, que criavam o gado principalmente para o fabrico do charque,

foram se inserindo numa “geoeconomia” na qual as condições naturais dos três países –

Brasil, Argentina e Uruguai – auxiliaram e permitiram que se desenvolvesse uma rede

comercial no entroncamento das três fronteiras.

Para que isso acontecesse, foi necessário e vísivel, através do longo processo de

assentamento da economia local, a participação da instituição que possuía amplos poderes e

que organizava a vila, a Câmara Municipal de Vereadores. A Câmara, às vezes, exercia o

papel de mediadora entre o elemento nativo (brasileiro) e o estrangeiro (francês, inglês,

americano...), pois foi possível constatar a presença de vários indivíduos que tinham, estreitos

laços com essa instituição. Assim, ao se investigar as atividades desenvolvidas pela Câmara,

pode-se dizer que o processo de urbanização de Uruguaiana, bem como o seu

desenvolvimento e defesa, sustentava-se naquilo que os vereadores admitissem.

É importante destacar essa condição em que a Câmara se encontrava porque a

economia local, em grande parte, foi alavancada por decisões e acordos que esta efetivava

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com os moradores da vila, em outros termos, com o governo provincial e o governo imperial,

levando o nome de Uruguaiana para outras regiões e ressaltando sua importância estratégica

para a província e o país. Assim é que argumentava sobre a necessidade de providências e

meios para o desenvolvimento de toda uma região interligada por vias fluviais ou terrestres,

por onde circulava boa parte da riqueza comercializada na província. Por vezes,

inclusive,Uruguaiana destacou-se em primeiro lugar no ranking dos municípios da província

em desenvolvimento econômico, o que os dados levantados através das pesquisas mostraram.

Com a fundação da vila e de seu porto, houve uma grande procura por parte dos

produtores e comerciantes de várias regiões da província por esse novo entreposto comercial

no rio Uruguai, comprovado por um certo número de documentos que demonstram a força

que possuía este porto em relação a outros do Rio Grande do Sul. A quantidade de

mercadorias comercializadas e transportadas através deste excedeu em muito à de outros

portos que ainda hoje se destacam dentro do cenário brasileiro, como o porto de Rio Grande,

que, na época, sofria com a dificuldade de navegação em sua barra.

Dessa forma, juntamente com os outros portos existentes em toda costa do rio Uruguai

até o Prata, Uruguaiana cresceu econômica, urbanística e politicamente, pois manteve desde

sua fundação contato direto com as mais diferentes nacionalidades e, conseqüentemente, de

interesses muito variados, que, em parte, implantaram nesta localidade a força do capital

comercial.

Os vários portos existentes em todo o leito principal do rio Uruguai formavam uma

grande teia que se complementava com as vias terrestres, atribuindo à fronteira um papel de

extrema importância dentro do estado. E nessa etapa de desenvolvimento da fronteira,

verifica-se a importância do fator econômico nas relações internacionais, que se davam

independentemente do controle estatal. Essa teia foi responsável pelo desenvolvimento social

de uma região localizada longe dos grandes centros urbanos controlados pelas elites políticas.

Nessa região, o que imperou foi a dominação econômica, a força motriz que movimentava

grandes contingentes humanos em busca de ganhos certos, mesmo que, a princípio, houvesse

muitas dificuldades, que diversas vezes impediam a fixação de centros urbanizados.

Foi pela necessidade de ocupação e posse de um espaço territorial determinado

politicamente pelos tratados e acordos, chegando às definições de limites na fronteira oeste,

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que nasceu Uruguaiana, uma cidade de fronteira, articulada e estruturada nas questões

econômicas, alicerçadas nas leis das instituições políticas locais (Câmara de Vereadores).

A formação do espaço econômico em Uruguaiana, no período de 1850 a 1870, foi

estruturada sob algumas condições: 1) a fronteira com o Estado uruguaio e com a Argentina,

os quais têm como limite os rios Quaraí e Uruguai, respectivamente, o que era de grande

importância para o tráfego de mercadorias que chegavam ou saíam de Uruguaiana, tanto de

forma legal como ilegal; 2) os pecuaristas que já estavam estabelecidos nessa região de

Uruguaiana, e possuíam o capital proveniente da comercialização do gado, tanto interna

quanto externamente; 3) os comerciantes locais, conhecedores dos trâmites de entrada e saída

de produtos da cidade, bem como das rotas de distribuição destes para o interior da província;

4) os comerciantes estrangeiros, que chegaram com a experiência de negociações que

efetuavam na região do Prata e o capital para os investimentos.

Com o comércio de mercadorias que circulavam amplamente em um intenso fluxo de

produtos, ampliaram-se os negócios dos comerciantes locais e despertou nos estrangeiros que

chegavam a Uruguaiana o interesse em fazer ali investimentos com retornos assegurados, pois

Uruguaiana era uma cidade de fronteira que se consolidava como uma zona de grande

concentração de mercadorias e transações comerciais.

O desenvolvimento da fronteira oeste estruturou-se nas cidades que margeavam o rio

Uruguai, pela sua facilidade de manter relações comerciais com o Prata, o que atraía os

investidores de outras partes do continente e facilitava os negócios dos comerciantes locais,

que importavam e exportavam seus produtos com maior facilidade. Esse fato foi determinante

para que a sociedade local, em especial as instituições como a Câmara de Vereadores,

valorizassem a ocupação econômica de Uruguaiana, aproveitando a condição favorável que a

fronteira lhes proporcionava.

A divisa de fronteira com a Argentina e com o Uruguai era de grande extensão, o que

dificultava a fiscalização de entrada e saída de produtos e colaborava com o crescimento do

comércio de Uruguaiana. Pela maior distância de outras cidades (Itaqui, São Borja, Alegrete e

Quaraí) e também pelas ligações terrestres, Uruguaiana era o primeiro porto para quem

procedia da região do Prata, e isso levava que se tornasse, gradativamente, uma zona de

concentração de mercadorias de diversos tipos e procedências. Inclusive na cidade argentina

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em frente a Uruguaiana, Restauración, construíram-se vários galpões para armazenamento de

mercadorias que chegavam da região do Prata, passando a participar dessa zona de

negociação de produtos na fronteira.

Portanto, o conceito de fronteira-zona deve ser entendido com base em dois

pressupostos: primeiro, que a fronteira tem suas limitações políticas e suas jurisdições

territoriais determinadas pelo estado; e segundo, a zona de comércio sofre e influencia

decisivamente a economia local e regional. Sendo assim, a economia local de Uruguaiana foi

decisiva em certos momentos no período estudado porque suas particularidades permitiram

sua inserção na economia global.

Entretanto, o contrabando também se desenvolveu proporcionalmente ao comércio

fácil, rápido e lucrativo com o Prata. Nesse caso, várias políticas tentaram desmantelar essa

rentosa relação estabelecida diversos membros de uma sociedade que sofria com as

dificuldades alfandegárias impostas pelo governo centralizado, as quais impediam muitas

vezes o desenvolvimento ainda maior de uma região fundamental para a receita fazendária da

província.

Não só os brasileiros se beneficiavam com esse comércio ilegal, mas também os

vizinhos argentinos e uruguaios, que tentavam acobertar um negócio que na verdade, era mais

lucrativo para eles que para os brasileiros. Os brasileiros eram compradores dos grandes

mercados europeus, de onde eram enviados os produtos que subiam o rio Uruguai até

determinados pontos, onde essa mercadoria era desembarcada e passava de um lado para

outro sem maiores problemas. Nasceu daí também uma classe diferente de comerciantes,

pessoas que exerciam suas atividades na calada da noite, às escondidas.

Na historiografia brasileira e gaúcha, já se ouviu muito de histórias e fatos

relacionados ao contrabando, ao desenvolvimento do comércio, à urbanização e organização

de um espaço tardiamente ocupado. No entanto, acredita-se que a relevância deste trabalho

está no fato de ter tentado desvendar, através da pesquisa de campo, de fontes primárias e de

vasta bibliografia, como ocorriam e se davam as relações comerciais nos anos iniciais da

formação de Uruguaiana, bem como o envolvimento regional implicado nesse processo.

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Acredita-se que, do ponto de vista econômico de uma região de fronteira que tinha

uma formação recente, mas que nasceu sob a insígnia da Revolução Farroupilha como um

ponto de escoamento, é que se alcançou as respostas aos questionamentos e hipóteses

levantadas. Chega-se ao fim do trabalho acreditando ter respondido a uma série de questões

sobre diversos fatores que produziram alterações significativas e foram marcos importantes na

história de Uruguaiana, na região da fronteira oeste e no Rio Grande do Sul.

Portanto, a economia local, em relação com outras localidades e países, gerou durante

algumas décadas uma grande quantidade de renda, proveniente de exportações, importações e

transações comerciais em geral, que se desenvolviam a partir de uma cidade povoada por

muitos estrangeiros, que ali se instalaram em busca de lucratividade, facilidade de comércio e

riquezas oferecidas pela região.

No entanto, ressalta-se o papel exercido nesse desenvolvimento pelo homem da

fronteira e o empenho que mostrou diversas vezes frente ao órgão máximo da cidade, a

Câmara Municipal de Vereadores, que buscava sempre resolver os problemas municipais

através de muita diplomacia, não recuando ante as crises que enfrentava e a concorrência que

surgia.

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