negociaÇÃo transcultural: conduzindo negociações...

6
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 l 67 NEGOCIAÇÃO TRANSCULTURAL: conduzindo negociações em mercados globais Leandro Cheloni de Oliveira 1 Marcos Eugênio Vale Leão 2 RESUMO: Esse artigo vai examinar vários aspectos de um campo crescente da negociação, que explora as complexidades de se negociar entre diversas fronteiras. As diferenças culturais, o jeito de o brasileiro negociar, uma discussão sobre o estilo norte-americano de negociação e os diferentes tipos de negociação existentes no mundo. As barreiras e as dificuldades encontradas por um profissional que negocia com diferentes culturas. Neste artigo há vários exemplos para ajudar na assimilação do texto e facilitar o entendimento do que foi mostrado. Contextualiza a globalização nesse novo cenário mundial, expõe os conceitos gerais e as diferentes visões de negociação, norte-americana, chinesa, alemã e espanhola. Explora as normas de negociação e como tornar as negociações bem-sucedidas, partindo-se do conflito até a cooperação; aborda a influência das questões culturais nas negociações de caráter global; estuda as classificações de estilos de negociação; apresenta as principais características e diferenças entre os negociadores espalhados por todo o mundo; discute as questões culturais de maneira mais aprofundada e sua influência nas negociações. Finalmente analisa os desafios fundamentais da negociação intercultural. PALAVRAS CHAVE: Negociação transcultural, globalização, intercultural. 1. INTRODUÇÃO Para ser bem-sucedido em cenários competitivos, é neces- sário saber negociar e fechar bons acordos. Atendendo a essas necessidades, o artigo vai mostrar como um negociador preci- sa se envolver em uma negociação. Este profissional equilibra com objetividade teoria, apoiada por pesquisa científica recen- te, e prática, fundamentada em casos reais de negociação, à luz de análises econômicas e observações sobre o comporta- mento humano. Com um foco prático e realista nas habilidades e nos estilos do bom negociador em mercados globais, o artigo apresenta os fundamentos da área, abordando os conceitos e o trabalho necessários para se obter uma negociação eficaz. Amplia o foco para as habilidades mais especializadas e aponta os ca- minhos para lidar com situações especiais, como negociações que envolvem várias partes, negociações transculturais e os di- versos dilemas que um negociador pode enfrentar. Valores, normas, conseqüências e desafios de uma nego- ciação são temas abordados no artigo. Aprender a negociar com culturas ocidentais e orientais. Adaptado à realidade brasileira, o artigo traz ainda como o negociador brasileiro negocia com culturas diferentes, mostran- do exemplos e qual o seu impacto. APRENDENDO SOBRE CULTURAS Primeiramente é importante definir cultura. De acordo com Lytle, Brett e Shappiro(1999) muitas pessoas concebem a cultura estritamente em termos geograficos; ela, no entanto, não perten- ce somente a nações e países. Pelo contrario, a cultura represen- ta a característica singular de um grupo social especifico: os valo- res e normas compartilhados por seus membros os diferenciam de outros grupos sociais. . Ela envolve instituições econômicas, sociais, políticas e religiosas. Ela influencia nos comportamen- tos e na relação de causa e efeito. Para ampliar nossa reflexão sobre cultura, podemos considerar possíveis diferenças culturais contidas nos grupos: hemisférios, continentes, países, estados, regiões, setores da economia, organizações, famílias. Mesmo em nossas próprias famílias, podemos analisar diferentes hábitos culturais; formas de se adaptar, vestir, alimentar, interagir, relacio- nar e agir. Sendo assim quando se fala de uma cultura de outro país a situação fica muito mais complexa. Ao refletir sobre cultura e diversidade, temos que evitar a tentação de pensar nisso como uma única dimensão (como país de origem). A cultura é um todo altamente complexo e é sempre melhor usar muitos critérios para se distinguir uma cul- tura de outra. A maioria das pessoas prefere ser considerada como um indivíduo singular, ainda que muitas vezes possam agrupar ra- pidamente pessoas de diferentes países, como se elas fossem todas iguais. A maioria das culturas é diferente hoje daquilo que era dez anos atrás. Estereótipos que existem hoje estarão desatualiza- dos amanha. Precisamos de uma estrutura dinâmica que nos permita aprender como as culturas mudam e se desenvolvem.

Upload: hatram

Post on 10-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: NEGOCIAÇÃO TRANSCULTURAL: conduzindo negociações …blog.newtonpaiva.br/pos/wp-content/uploads/2013/05/Pos-em-Revista... · negociações bem-sucedidas, partindo-se do conflito

PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 l 67

NEGOCIAÇÃO TRANSCULTURAL: conduzindo negociações em mercados globais

Leandro Cheloni de Oliveira1

Marcos Eugênio Vale Leão2

RESUMO: Esse artigo vai examinar vários aspectos de um campo crescente da negociação, que explora as complexidades de se negociar entre diversas

fronteiras. As diferenças culturais, o jeito de o brasileiro negociar, uma discussão sobre o estilo norte-americano de negociação e os diferentes tipos de

negociação existentes no mundo. As barreiras e as dificuldades encontradas por um profissional que negocia com diferentes culturas. Neste artigo há vários

exemplos para ajudar na assimilação do texto e facilitar o entendimento do que foi mostrado. Contextualiza a globalização nesse novo cenário mundial, expõe

os conceitos gerais e as diferentes visões de negociação, norte-americana, chinesa, alemã e espanhola. Explora as normas de negociação e como tornar as

negociações bem-sucedidas, partindo-se do conflito até a cooperação; aborda a influência das questões culturais nas negociações de caráter global; estuda as

classificações de estilos de negociação; apresenta as principais características e diferenças entre os negociadores espalhados por todo o mundo; discute as

questões culturais de maneira mais aprofundada e sua influência nas negociações. Finalmente analisa os desafios fundamentais da negociação intercultural.

PAlAVRAS ChAVE: Negociação transcultural, globalização, intercultural.

1. INTRODUÇÃO

Para ser bem-sucedido em cenários competitivos, é neces-

sário saber negociar e fechar bons acordos. Atendendo a essas

necessidades, o artigo vai mostrar como um negociador preci-

sa se envolver em uma negociação. Este profissional equilibra

com objetividade teoria, apoiada por pesquisa científica recen-

te, e prática, fundamentada em casos reais de negociação, à

luz de análises econômicas e observações sobre o comporta-

mento humano.

Com um foco prático e realista nas habilidades e nos estilos

do bom negociador em mercados globais, o artigo apresenta

os fundamentos da área, abordando os conceitos e o trabalho

necessários para se obter uma negociação eficaz. Amplia o

foco para as habilidades mais especializadas e aponta os ca-

minhos para lidar com situações especiais, como negociações

que envolvem várias partes, negociações transculturais e os di-

versos dilemas que um negociador pode enfrentar.

Valores, normas, conseqüências e desafios de uma nego-

ciação são temas abordados no artigo. Aprender a negociar

com culturas ocidentais e orientais.

Adaptado à realidade brasileira, o artigo traz ainda como o

negociador brasileiro negocia com culturas diferentes, mostran-

do exemplos e qual o seu impacto.

ApReNDeNDO sObRe cUlTURAs

Primeiramente é importante definir cultura. De acordo com

Lytle, Brett e Shappiro(1999) muitas pessoas concebem a cultura

estritamente em termos geograficos; ela, no entanto, não perten-

ce somente a nações e países. Pelo contrario, a cultura represen-

ta a característica singular de um grupo social especifico: os valo-

res e normas compartilhados por seus membros os diferenciam

de outros grupos sociais. . Ela envolve instituições econômicas,

sociais, políticas e religiosas. Ela influencia nos comportamen-

tos e na relação de causa e efeito. Para ampliar nossa reflexão

sobre cultura, podemos considerar possíveis diferenças culturais

contidas nos grupos: hemisférios, continentes, países, estados,

regiões, setores da economia, organizações, famílias. Mesmo

em nossas próprias famílias, podemos analisar diferentes hábitos

culturais; formas de se adaptar, vestir, alimentar, interagir, relacio-

nar e agir. Sendo assim quando se fala de uma cultura de outro

país a situação fica muito mais complexa.

Ao refletir sobre cultura e diversidade, temos que evitar a

tentação de pensar nisso como uma única dimensão (como

país de origem). A cultura é um todo altamente complexo e é

sempre melhor usar muitos critérios para se distinguir uma cul-

tura de outra.

A maioria das pessoas prefere ser considerada como um

indivíduo singular, ainda que muitas vezes possam agrupar ra-

pidamente pessoas de diferentes países, como se elas fossem

todas iguais.

A maioria das culturas é diferente hoje daquilo que era dez

anos atrás. Estereótipos que existem hoje estarão desatualiza-

dos amanha. Precisamos de uma estrutura dinâmica que nos

permita aprender como as culturas mudam e se desenvolvem.

Page 2: NEGOCIAÇÃO TRANSCULTURAL: conduzindo negociações …blog.newtonpaiva.br/pos/wp-content/uploads/2013/05/Pos-em-Revista... · negociações bem-sucedidas, partindo-se do conflito

68 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785

Agora um exemplo de negociação. “Após ter adquirido a em-

presa que fabricava a Koosh Ball, era meu trabalho garantir que

a lucratividade e as vendas aumentassem. Voamos para Hong

Kong para nos reunirmos com fornecedores importantes e verificar

se havia uma oportunidade de melhorar a precificação. Testamos

a integridade do preço do fornecedor atual com um segundo fa-

bricante e descobrimos que poderíamos conseguir as bolas com

redução de três centavos de dólar por unidade. Depois fomos a

um jantar suntuoso com o fabricante atual e toda a sua família para

descobrir se era possível baixar o seu preço. Estávamos sentados

numa sala, 16 pessoas à mesa, tentando conquistar três coisas.

Primeiro, queríamos ter um bom relacionamento. Principalmen-

te na China, a palavra de alguém realmente tem valor e a honra

destinada ao parceiro é tudo. Se tivéssemos chegado La e dito:

‘Consultamos um segundo fornecedor de seu produto e descobri-

mos que podemos obtê-lo por três centavos a menos´, ele teria se

levantado e ido embora, pois se sentiria envergonhado. Segundo,

queríamos deixá-lo saber que aumentaríamos os negócios e que

haveria uma oportunidade para ele fabricar mais produtos para

nós. Terceiro, tínhamos que solicitar a sua ajuda. Nunca dissemos

que ele precisava baixar seus preços, mas lhe perguntamos se

havia alguma coisa que ele poderia fazer para nos ajudar. Ele en-

tendeu o que queríamos dizer e voltou com um preço um centavo

abaixo do oferecido pela segunda fonte” (Inc, 1° ago. 2003ª, p.77).

Neste exemplo o negociador ocidental resistiu ao instinto

de discutir o preço do produto diretamente; em vez disso, ao

sinalizar sutilmente a questão, permitiu que a outra parte manti-

vesse a dignidade. Ele conseguiu fechar o negocio sem atacar

e exigir preço mais baixo ao seu fornecedor. Tudo isso através

de mudança de postura e entendimento de outra cultura. Em

uma negociação é necessário ter um amplo conhecimento do

seu negociador, sua cultura e forma de agir. E principalmente

ter paciência, saber lidar com os conflitos que são existentes

em todo tipo de negociação.

Outro tipo de negociação no qual o negociador não es-

teja preparado. O brasileiro, por exemplo, geralmente, não se

preocupa com culturas diferentes, pensa que esta negociando

com a mesma cultura, que as pessoas são as mesmas e que

a negociação é uma só. Você não precisa mudar, o tipo de se

negociar é o mesmo. Isso é um erro grave que pode levar a uma

perda considerável e sem negociação futura. O caso abaixo ex-

plica muito bem este fato.

Jayant J., que representava uma empresa de software da

Índia, esperava impacientemente por uma fabricante local em

São Paulo, Brasil, para fechar um acordo de negócio. Após es-

perar por quase uma hora e meia, ele se esforçou para receber

bem o relaxado brasileiro, que adentrou o lobby sem se des-

culpar e começou a conversa contando uma piada. O hábito

do brasileiro de se comunicar numa posição muito próxima do

interlocutor e o tocar freqüentemente fizeram que Jayant, um

defensor veemente da etiqueta, se sentisse muito desconfortá-

vel e irritado. No fechamento do acordo, a resposta do brasileiro

ao pedido de comprometimento, “se Deus quiser”, foi o golpe

de misericórdia para Jayant, que achou que o brasileiro estava

sendo vago. A reunião foi um fracasso retumbante e eles nunca

mais se encontraram (Economic Times, 8 nov. 1999).

2. VAlORes cUlTURAIs e NORmAs De NegOcIAÇÃO

Quando se trata de negociação, fala-se de vários indivídu-

os sentados numa mesa e conseqüentemente uma pluralidade

de representações e significações. Isso já denota por si só a

complexidade de um processo de negociação e a necessidade

de compreensão da importância do conhecimento da cultura

neste processo.

O domínio de técnicas avançadas de negociação interna-

cional apresenta o duplo benefício de maximizar o resultado no

presente e preservar expectativas de lucros crescentes no futu-

ro, através da criação de uma imagem organizacional positiva

junto ao exigente cenário global.

Segundo Brett (2001) as culturas podem diferir bastante de

diversas formas. Seguindo a classificação de Brett, existem três

dimensões: individualismo versus coletivismo, igualitarismo ver-

sus hierarquia e comunicação direta versus indireta.

2.1 O INDIVIDUAlIsmO VeRsUs cOleTIVIsmO

Refere-se à motivação humana básica ligada à preserva-

ção da própria pessoa versus a preservação do coletivo.

No individualismo a busca pela felicidade e a preocupa-

ção pessoal estão acima de tudo. Ela visa prioridade as metas

pessoais, mesmo quando elas conflitam com as de sua família,

grupo de trabalho ou país. A felicidade e a expressão individuais

são mais valorizadas do que as necessidades coletivas e de

grupos. Um exemplo dessa cultura é a cultura norte-americana.

Os alunos norte americanos, especificamente, aceitam melhor

as táticas de barganha competitiva e o blefe, o que levanta a

possibilidade de negociadores dos Estados Unidos serem con-

siderados menos éticos por seus pares internacionais.

Já no coletivismo a motivação dominante é a preocupação

para com o grupo. As pessoas de culturas coletivistas vêem

seus grupos de trabalho e organizações como partes funda-

mentais de suas vidas. Eles compartilham recursos com seus

Page 3: NEGOCIAÇÃO TRANSCULTURAL: conduzindo negociações …blog.newtonpaiva.br/pos/wp-content/uploads/2013/05/Pos-em-Revista... · negociações bem-sucedidas, partindo-se do conflito

PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 l 69

colegas de grupo. Diferente dos individualistas que se concen-

tram na influência e no controle, os coletivistas enfatizam a im-

portância do controle, preocupa-se mais em manter a harmonia

nos relacionamentos interpessoais com os membros internos

do grupo. Individualistas querem manter a imagem e se preo-

cupam com os resultados pessoais, os coletivistas preocupam

com os resultados dos outros. A cultura chinesa é um exemplo

de cultura coletivista. Uma análise de negociações nos Esta-

dos Unidos e em Hong Kong revela que os negociadores norte-

-americanos têm maior tendência a apoiar o interesse pessoal

e normas conjuntas para resolução de problemas, enquanto os

negociadores chineses de Hong Kong têm mais chances de

seguir a norma da igualdade (Tinsley e Pillutla, 1998).

O individualismo-coletivismo envolve uma gama de impli-

cações para conduzir uma negociação que são: redes sociais,

cooperação, favoritismo interno do grupo, preguiça social versus

empenho social, legado e predisposição versus situacionismo.

Abaixo podemos ver a tabela em relação a uma compara-

ção transnacional controlada de relacionamentos em redes no

Citibank.

Os relacionamentos de negócios dos norte-americanos são

caracterizados por uma orientação de mercado, ou seja, eles se

relacionam só se for lucrativo para eles. Eles formam laços sem

uma base prévia de amizade, prestando atenção somente à ins-

trumentalidade da ação. Os relacionamentos de negócios dos

chineses são marcados por uma orientação familiar, na qual os

empregados se sacrificam pelo bem estar da organização. Os

relacionamentos de negócios dos alemães se distinguem por

uma orientação legal e burocrática, categorias formais e regras.

As relações de negócios dos espanhóis são orientados por afi-

liação, como a sociabilidade e postura amistosa.

Na cooperação, segundo Mcleod(1991) as pessoas de tra-

dições culturais coletivistas apresentam comportamentos mais

cooperativos em interações com motivações mistas do que os

indivíduos oriundos de culturas individualistas. Por exemplo, os

negociadores japoneses são mais cooperativos do que os norte

americanos. Os norte americanos lembram mais facilmente de

situações em que eles influenciaram outras, por outro lado os

japoneses tem mais chance de lembrar de situações em que se

adaptaram aos outros(uma forma de cooperação). Uma analise

das matérias publicadas em jornais dos Estados Unidos e do

Japão envolvendo conflitos, revelarão que os americanos que

foram bem sucedidos relataram se sentir muito eficazes (uma

emoção tipicamente individualista) enquanto os japoneses que

se ajustaram relataram se sentir relacionados (uma emoção co-

letivista).

No favoritismo interno a caracterização é pela forte tendên-

cia de favorecer os membros do próprio grupo mais que quem

faz parte de outros grupos. Quando você realça as fronteiras do

grupo, você fica mais competitivo do que a cultura individualista.

Preguiça social versus empenho social – A preguiça social

é a tendência de trabalhar menos arduamente e contribuir com

menos esforço e recursos no contexto de grupo do que quando

se trabalha individualmente. Por exemplo, quando você traba-

lha em grupo. Algumas pessoas tendem a trabalhar menos, nos

casos dos alunos norte-americanos. Já os japoneses, através

de pesquisas perceberam que eles se empenham mais quan-

do trabalham em grupo, pela preocupação que eles têm com

Page 4: NEGOCIAÇÃO TRANSCULTURAL: conduzindo negociações …blog.newtonpaiva.br/pos/wp-content/uploads/2013/05/Pos-em-Revista... · negociações bem-sucedidas, partindo-se do conflito

70 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785

o bem-estar do grupo. A motivação e o desempenho dessas

pessoas aumentam.

No legado caracteriza a tendência de as pessoas dar mais

valor a coisas que possuem atualmente do que a outras que

elas não possuem, independente do valor do bem em si. As

culturas individualistas demonstram um forte efeito de legado,

enquanto as culturas coletivistas demonstram menos. Os cole-

tivistas valorizam mais um bem ou recurso que acreditam que

podem compartilhá-lo.

Predisposição versus situacionismo – A predisposição é

a tendência de se atribuir a causa do comportamento de uma

pessoa a seu caráter ou personalidade subjacente. Já o situa-

cionismo é a tendência de se atribuir a causa desse comporta-

mento a fatores e forças fora do controle de alguém.

Suponhamos que você esteja no meio de uma negociação

de alto risco e deixe uma mensagem urgente na caixa postal de

seu sócio. Ele não retorna sua ligação, mas você sabe que ele

esta na cidade, pois contatou sua secretária no escritório. O que

está causando esse comportamento no seu sócio? É possível

que ele seja irresponsável (predisposição), ou é possível que

ele não tenha recebido sua mensagem (situacionismo).

2.2 IgUAlITARIsmO VeRsUs hIeRARqUIA

São o meio pelo qual as pessoas influenciam outras e a

base de poder nos relacionamentos.

Nos relacionamentos igualitários de poder, todos são tra-

tados de forma igual. As culturas igualitárias delegam poder a

seus membros para que eles resolvam os conflitos por conta

própria. A MASA e as informações são fontes fundamentais de

poder. Ou seja, quem tem a melhor MASA que vai para as ne-

gociações.

Já nos relacionamentos hierárquicos de poder, a importân-

cia é dada ao status. As pessoas socialmente inferiores devem

ter deferência para com seus superiores que, em troca desse

privilegio, são obrigadas a cuidar das necessidades de seus

subordinados sociais. O conflito ameaça a estabilidade de uma

cultura hierárquica. A norma em uma cultura hierárquica é de

não desafiar membros de status alto, assim o conflito é me-

nos freqüente. Neste caso quem vai para as negociações é a

pessoa com o maior status na empresa. A MASA não é fator

predominante neste comportamento cultural.

2.3 cOmUNIcAÇões DIReTAs VeRsUs INDIReTAs

De acordo com Hall (1976) “A comunicação têm formas

distintas de comunicar a mesma mensagem. O compartilha-

mento direto versus indireto de informações representa uma

dimensão cultural relacionada à quantidade de informações

contidas numa mensagem explicita, em comparação com si-

nais contextuais explícitos”

Na comunicação direta as pessoas ficam à sua frente e

dizem na sua cara o que você fez de errado, favorecendo a

confrontação direta e discutindo problemas livremente. É muito

explicito, a informação é dada sem nuanças. É uma forma de

comunicação dos Estado Unidos.

Na comunicação indireta o normativo é fazer propostas.

Eles não fazem perguntas diretas. Por exemplo, os negociado-

res japoneses são menos inclinados a dizer não e se mantém

mais em silêncio do que os norte-americanos, quando confron-

tados com uma opinião desfavorável. Nesta comunicação os

negociadores mais talentosos.

Os negociadores de culturas diretas preferem comparti-

lhar diretamente as informações, fazendo perguntas e obten-

do retornos. Enquanto os negociadores das culturas indiretas

preferem compartilhar indiretamente as informações, contanto

historias na tentativa de influenciar seus oponentes e colhendo

informações de propostas.

3. cONseqüêNcIAs exIsTeNTes em

UmA NegOcIAÇÃO TRANscUlTURAl

O negociador “sabe”, por exemplo, que na medida em que

prosseguem as negociações, todos, independentemente das

origens culturais, querem ser respeitados e levados a sério. To-

dos têm seus objetivos e querem vencer. Quase todos estão

dispostos a fazer algumas concessões para alcançar acordos.

As realidades transcendem às culturas. Mas o negociador inte-

ligente também aceita as diferenças como parte do processo.

Entender o processo de negociação. Estar alerta para as

sutis diferenças. Ele “sabe” que um “alemão típico” tenderá a

considerar a oferta de muitas opções como um sinal de fraque-

za da outra parte. Ele “sabe” que um japonês “típico” coloca

muita ênfase no status da pessoa com quem está negociando.

Ele “sabe” que a amistosidade, a hospitalidade e a informali-

dade de um americano “típico” não têm nada a ver com sua

maneira de conduzir uma negociação.

Para uma boa negociação a organização tem que saber:

Escolher seu representante – por exemplo, no igualitarismo

é escolhido através da MASA da pessoa e no hierárquico atra-

vés do status.

Compreender a rede de relacionamentos – as negociações

freqüentemente requerem vários níveis de aprovação para che-

gar ao topo.

Preocupações com a imagem – este comportamento au-

Page 5: NEGOCIAÇÃO TRANSCULTURAL: conduzindo negociações …blog.newtonpaiva.br/pos/wp-content/uploads/2013/05/Pos-em-Revista... · negociações bem-sucedidas, partindo-se do conflito

PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 l 71

menta a auto-estima do negociador aos olhos de seus supe-

riores. A bajulação é uma forma bastante usada pelos chineses

para preservar a imagem.

A conduta de negociação – a visão ocidental é totalmente

diferente da oriental. A visão ocidental estipula que cada parte

manifeste seus próprios interesses e que haverá uma troca de

mão dupla. A oriental é como uma relação de pai para filho. O fi-

lho (vendedor) pede o máximo possível, pois sabe que não terá

uma segunda chance. O pai (comprador) toma sua decisão,

o filho aceita, pois sabe que uma discussão pode afetar o seu

relacionamento com o seu pai e também sabe que seu pai esta

fazendo o melhor para ele.

4. DesAfIOs fUNDAmeNTAIs DA NegOcIAÇÃO INTeRcUlTURAl

Os principais desafios que os negociadores encontram em

uma mesa de negociação quando a negociação é realizada em

culturas diferentes são:

Aumentar o tamanho do montante – entender as priorida-

des de seus oponentes e a oportunidade para explorar ques-

tões compatíveis. Isto gera valor.

Valores sagrados e tradeoffs envolvendo tabus – valores

sagrados são valores e crenças tão fundamentais que não es-

tão sujeitos ao debate nem a discussão. Tradeoffs envolvendo

tabus ocorrem quando se propõe que valores sagrados sejam

negociados ou trocados. Um exemplo é quando numa disputa

referente a uma construção de uma barragem que removeria

nações indígenas da terra de seus ancestrais, um adolescente

Yavapia disse: “A terra é nossa mãe. Não se vende a própria

mãe” (Espeland, 1994). Agora se os índios Yavapia trocassem

um acre de suas terras por um hospital ou uma nova escola, a

terra não seria verdadeiramente sagrada.

Marcação viesada do conflito – relacionamento de causa

e efeito, em que as ações de cada pessoa influencia nas das

outras. As pessoas são focadas em auto-satisfaçao e menos-

prezo de outrem.

Etnocentrismo – crenças positivas não confirmadas sobre

o grupo de uma pessoa em relação a outros grupos. Você sem-

pre vai enxergar o seu grupo melhor que o outro. Mesmo tendo

eles comportamentos semelhantes. Exemplo: “Nos somos le-

ais, eles agem como um clã, nos somos honrados e prontos a

defender nossos direitos, eles são hostis e arrogantes”.

Viés de afiliação – ocorre quando as pessoas avaliam as

ações de um individuo com base em suas afiliações e não com

base nos méritos de seu próprio comportamento. Por exemplo,

quando fãs de futebol assistem a uma partida, eles acreditam

que a equipe adversária comete mais infrações do que a equipe

pela qual torcem.

Percepções falhas de conciliação e coerção – um exemplo

é a segunda guerra mundial. Ao contrario do que queriam os

nazistas, o bombardeio não levou a rendição dos ingleses. Ele

teve o efeito oposto, fortalecendo, ao invés de enfraquecer, a

determinação inglesa de resistir a dominação germânica. Pou-

co depois de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra

Mundial, os americanos se juntaram aos ingleses para lançar

custosos bombardeios sobre a Alemanha. Esta situação aponta

para importantes diferenças nas percepções dos países sobre

o que será eficaz para motivar um inimigo e o que poderá con-

tribuir efetivamente para motivar a si mesmo e a seus aliados.

5. DIsTINÇões eNTRe O peRfIl DO NegOcIADOR

bRAsIleIRO e Os NegOcIADORes INTeRNAcIONAIs

O negociador brasileiro vê a si mesmo com características

positivas marcantes, como o interesse, a ousadia, a capaci-

dade de dialogar, de buscar alternativas. Entretanto, caracte-

rísticas que têm a ver com a improvisação, a informalidade, o

empirismo e a falta de planejamento, que culminam com o não

cumprimento dos acordos, são vistos como pontos negativos

dos negociadores brasileiros. Outro ponto negativo dos nego-

ciadores brasileiros é a falta de conhecimento dos costumes do

outro país com que está negociando.

Smolinsky (2004) aplicou cerca de trezentos questioná-

rios a executivos argentinos (ARG), brasileiros (BRA), chineses

(CHI), franceses (FRA), alemães (ALE), indianos (IND), japone-

ses (JAP), mexicanos (MEX), nigerianos (NIG), espanhóis (ESP),

ingleses (ING) e norte-americanos (EUA), solicitando que pon-

tuassem diversos fatores, baseados em suas próprias atitudes

durante uma negociação.

O resultado da pesquisa é mostrado na tabela abaixo. Os

números representam o percentual de entrevistados de cada

país, que responderam aquele tópico como sendo o primeiro

ou o segundo tópico mais importante.

Page 6: NEGOCIAÇÃO TRANSCULTURAL: conduzindo negociações …blog.newtonpaiva.br/pos/wp-content/uploads/2013/05/Pos-em-Revista... · negociações bem-sucedidas, partindo-se do conflito

72 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785

Uma rápida análise da tabela mostra que, mesmo sendo

ambos orientais, japoneses e chineses apresentam diferenças

quanto ao comportamento como, por exemplo, no fator “assu-

mir riscos”. O risco alto é importante para 18% dos executivos

japoneses, enquanto que para 82% dos executivos chineses é

um ponto bastante relevante.

Um aspecto que distingue o comportamento do brasileiro

em relação à maioria dos demais é o fator “atitudes”, o qual 22%

dos executivos brasileiros entendem ser muito importante, ao

passo que a média para os outros países é bem maior, quase o

dobro em países como China, Japão, Índia, Argentina e França.

Entretanto, a importância da meta culminar em um instrumento

formal, como o contrato, é bastante grande aos brasileiros, em

comparação com muitos outros.

cONsIDeRAÇões fINAIs

Nestas diferentes maneiras de negociação, os homens de

negócios devem estar sintonizados para onde se manifestam

as diferenças culturais e quais os seus efeitos no processo de

negociação. Quando a negociação funciona, os dois lados ga-

nham. Esta é a meta. Para que isso funcione no comércio inter-

nacional de hoje, o negociador bem sucedido é aquele que leva

em conta os fatores culturais.

Fundamentalmente, somos todos seres humanos, seja qual

for nosso contexto cultural e como seres humanos, temos certos

padrões em comum, aplicáveis independentemente do tom que

possam assumir as negociações. Por outro lado, naturalmente, há

diferenças culturais significativas que trazemos conosco à mesa de

negociação, e que afetam nossas atitudes e nossos procedimen-

tos. Em uma negociação ambos os lados devem ser considerados.

Contudo, para se obter sucesso em uma negociação trans-

cultural é necessário ter: empatia, sociabilidade, aceitação critica

de estereótipos, abertura a diferentes pontos de vista, interesse

na cultura anfitriã, orientação para tarefas e cultural, desejo de se

comunicar (usar a língua do país anfitrião sem medo de cometer

erros), tolerância com as diferenças existentes entre as pessoas,

senso de humor e habilidades na resolução de conflitos.

É notória a diferença cultural entre nações como, por exem-

plo, de países ocidentais para países orientais. A grande dife-

rença do estilo brasileiro frente a diversos estilos de negociação,

em países que têm relações comerciais com o Brasil. De manei-

ra geral, formou-se o entendimento que o sucesso da atuação

dos negociadores passa pelo conhecimento dos traços culturais

do outro país com o qual se está negociando.

Pelas pesquisas demonstradas, esse conhecimento é algo

que o negociador brasileiro deve buscar aprimorar cada vez

mais para se inserir com sucesso no quadro da competição in-

ternacional, procurando conhecer mais outras culturas e cum-

prindo seus prazos nos acordos.

REFERÊNCIASLEWICKI, Roy L., SAUNDERS, David M., JOHN, W. Minton. Fundamen-tos da negociação. São Paulo: Bookman, 2002.

THOMPSON, Leigh L. O negociador. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009.

Disponível em: <http://www2.ucg.br/flash/artigos/0403global.html>. Acesso em 09/09/2012, 21:00h.

Disponível em:<http://www.faers.com.br/Administracao/cms/?cat=18>. Acesso em 10/09/2012, 20:00h.

Disponível em: <http://www.institutomvc.com.br/costacurta/artla56_neg_difcult.ht/0403global.htm>. Acesso em 10/10/2012, 21:30h.

NOTAs1 Aluno do MBA de Marketing e Vendas do Centro Universitário Newton Paiva

2 Professor da disciplina de Negociação e Tomada de Decisão e coordenador do MBA em Marketing e Vendas do Centro Universitário Newton Paiva.