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Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão 89 Rev Port Nefrol Hipert 2004; 18 (2): 89-97 RESUMO A infecção com o vírus da imunodeficiência humana adquirida (VIH) associa-se a nume- rosas expressões de doença renal, entre elas a nefropatia IgA. Os autores descrevem um caso clínico e respectiva discussão a propósito de um doente com insuficiência renal de duração desco- nhecida, hematúria, exantema generalizado e febre. Palavras chave: exantema, hematuria, IgA, nefrite, proteinúria, sífilis, VIH SUMMARY IgA NEPHROPATHY AND HIV: A CLINICAL REPORT HIV infection is related to several expressions of renal disease, including IgA nephropathy. The authors describe the clinical presenta- tion and differential diagnosis of a patient who presented with renal insufficiency of unknown duration, haematuria, rash and fever. Key Words: haematuria, HIV, IgA, nephritis, pro- teinuria, rash, syphilis Nefropatia IgA e vírus da imunodeficiência humana adquirida: caso clínico Patrícia Carrilho Serviço de Nefrologia. Hospital de Santa Cruz. Carnaxide. Caso Clínico Recebido em: 30/05/2003 Aceite em:28/10/2003

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Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão 89

NEFROPATIA IgA E VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA ADQUIRIDA: CASO CLÍNICO

Rev Port Nefrol Hipert 2004; 18 (2): 89-97

RESUMO

A infecção com o vírus da imunodeficiênciahumana adquirida (VIH) associa-se a nume-rosas expressões de doença renal, entre elasa nefropatia IgA.

Os autores descrevem um caso clínico erespectiva discussão a propósito de um doentecom insuficiência renal de duração desco-nhecida, hematúria, exantema generalizado efebre.

Palavras chave: exantema, hematuria, IgA,nefrite, proteinúria, sífilis, VIH

SUMMARY

IgA NEPHROPATHY AND HIV: A CLINICALREPORT

HIV infection is related to several expressionsof renal disease, including IgA nephropathy.

The authors describe the clinical presenta-tion and differential diagnosis of a patient whopresented with renal insufficiency of unknownduration, haematuria, rash and fever.

Key Words: haematuria, HIV, IgA, nephritis, pro-teinuria, rash, syphilis

Nefropatia IgA e vírus da imunodeficiênciahumana adquirida: caso clínico

Patrícia CarrilhoServiço de Nefrologia. Hospital de Santa Cruz. Carnaxide.

Caso Clínico

Recebido em: 30/05/2003Aceite em:28/10/2003

Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão90

Patrícia Carrilho

INTRODUÇÃO

A associação de patologias do foro infec-cioso e nefrológico é comum e conhecida delonga data, tendo como elo a ocorrência defenónemos imunológicos, ainda não compreen-didos na sua totalidade.

É actualmente reconhecida a associação dainfecção a VIH a numerosas patologias renais1,constituindo já prática comum a determinaçãoda serologia VIH na marcha diagnóstica dosdoentes com patologia renal de novo.

A nefropatia IgA constitui a forma mais fre-quente de glomerulonefrite primária no mundo2,podendo associar-se à infecção VIH3.

A discussão deste caso clínico será escalo-nada de acordo com a disponibilidade de dadose dos exames complementares de diagnóstico,tal como é condicionada no dia-a-dia da práticaclínica.

Caso clínico

Trata-se de um doente do sexo masculino,raça branca, 36 anos de idade, desenhador me-cânico, residente em Lisboa. Tem comoantecedentes pessoais relevantes, episódio dehemorragia digestiva alta por úlcera duodenalaos 16 anos. Vacinação para o vírus da HepatiteB (VHB).

Aos 26 anos, em simultâneo com erupçãovesiculo-papulosa e febre, interpretadas comovaricela (sic), o doente refere ter notado alte-ração da cor da urina, “tipo coca-cola”.

Refere medições ocasionais de pressão ar-terial elevada. Realiza análises de rotina aos 35anos, que revelaram positividade para VDRL eeritrocitúria. Não foi efectuada avaliação labo-ratorial da função renal.

Nega ter tido lesões genitais, febre ou alte-rações cutâneas. Nega comportamento sexual

de risco. A sua companheira também realizouavaliação a VDRL, que terá sido negativa. Terásido realizada terapêutica a ambos com peni-cilina por via intra-muscular, uma vez por se-mana durante 3 semanas, em dose que des-conhece.

Três meses antes da admissão hospitalar, odoente refere novamente urina cor de coca-colaem simultâneo com síndrome gripal com aduração aproximada de uma semana.

Cerca de um mês antes do internamento,recorre a Serviço de Urgência Hospitalar (S.U.),por início de disúria , febre (não quantificada),cansaço fácil e urina cor de coca-cola, tendo-lhe sido diagnosticada infecção urinária. Foimedicado com nitrofurantoína, que cumpriu semnotar melhoria do quadro. Uma semana após aida ao S.U., refere aparecimento de exantemacutâneo maculo-papular generalizado nãopruriginoso.

Mantém queixas de febre (não caracte-rizada), urina cor de coca-cola e cansaço fácil.

Por esse motivo, recorre a consulta de Ne-frologia, sendo admitido para estudo eminternamento hospitalar.

Nega lesões genitais ou corrimento uretral,urina “com espuma”, noctúria, cólica, litíase,artralgias, edema, dispneia, ou qualquer outraqueixa. Nega comportamentos de risco sexual,exposição a drogas ilícitas, transfusões.

No exame objectivo (E.O.) há a destacar:PA= 160-90 mmHg, FC= 100/min, ritmo regu-

lar. Palidez ligeira de pele e mucosas. Rashcutâneo, constituído por máculo-pápulas de ±0,5 cm de diâmetro sobretudo no tronco e raízdos membros, não poupando palmas e plantasdas extremidades. Couro cabeludo e mucosaoral sem alterações; sem lesões genitais ouanais.

Ausência de edema, de adenopatias. Semio-logia cardíaca, pulmonar e abdominal, assimcomo restante E.O. sem alterações relevantes.

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NEFROPATIA IgA E VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA ADQUIRIDA: CASO CLÍNICO

Dos exames complementares disponíveis,há a salientar (Quadro I):

Anemia normocítica e normocrómica, leuco-pénia, hipergama e alfaglobulinémia policlonais,insuficiência renal moderada e hematúria deorigem renal.

Ecografia abdominal, renal, vesical e prostá-tica sem alterações relevantes.

Foram também realizados os seguintesexames complementares, cujo resultado aguar-dava:

Anticorpos anti-nucleares (ANA’s), anticorposanti-neutrófilo (ANCA’s), complemento C3, C4;anticorpos anti-cardiolipina, serologia para VHB,vírus da hepatite C (VHC), VIH 1 e 2, VDRL,biópsia renal e biópsia da pele.

Em resumo

Trata-se de um doente do sexo masculino,raça caucasiana, 36 anos. Início, há cerca de10 anos, de episódios sugestivos de hematúriamacroscópica recorrente em simultâneo cominfecções. Há um ano, detecção de VDRLpositivo, sem sintomatologia, tendo efectuadoterapêutica com penicilina. Febre e exantemamaculo-papular que atinge palmas e plantasdesde há 3 semanas. Insuficiência renal mode-rada de duração desconhecida, hematúria re-nal e proteinúria não nefrótica. HTA ligeira.Anemia; leucopénia; elevação da velocidade desedimentação (VS); hipergama e alfa globuli-némia policlonais.

QUADRO I

Hb=9,8 g/dL; VGM=90fl; MCHC=34,8 g/dL; Ht=28%

Siderémia=24 ug/dL (VR:59-158)

CTFF=212 ug/dL (VR=259-388)

Ferritina=325,6 ng/ml

Vitamina B 12 e ácido fólico dentro dos valores de referência

Reticulócitos=1,5%

Pesquisa de sangue oculto nas fezes x 3- negativo

Leucócitos=3 600/mm3 com 54%N e 35%Ly

Série plaquetária e tempos de coagulação dentro de valores de referência.

Proteínas séricas totais=8,6g/dL; Alb=3,5g/dL

IgG=2 500 mg/dL (VR=700-1500)

IgA=698 mg/dL (VR=70-400)

IgM=243 mg/dL (VR=30-250)

VS 1ª hora= 105

Proteína C Reactiva=10 mg/dL

Ureia=78 mg/dL

Creatinina=2,6 mg/dL

Urina II: 2 000 eritrócitos/mm3 dismórficos; proteínas = 25mg/dL (0,9g/24h),cilindros hialinogranulosos e eritrocitários

Urinocultura negativa

Resultados analíticos I

Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão92

Patrícia Carrilho

Discussão

O síndrome de glomerulonefrite é carac-terizado por hematúria, cilindros eritrocitários,proteinúria, hipertensão arterial e insuficiênciarenal4. A sua apresentação clínica pode variarentre hematúria e/ou proteinúria assintomáticas,insuficiência renal rapidamente progressiva,podendo apresentar-se também como nefritecrónica4. Neste caso a duração da insuficiênciarenal é desconhecida, pelo que dificilmentepoderemos “rotular” o quadro clínico.

Trata-se de um doente com exantema, febree insuficiência renal, que se poderão explicarpor uma única doença sistémica, no entantoteremos que contemplar a hipótese de se estarperante mais de uma entidade.

A ocorrência de episódios sugestivos dehematúria recorrente em simultâneo cominfecções, é muito sugestiva de nefropatia IgA5.

Também a favor, o contexto epidemiológico,sabendo-se que esta patologia constitui aglomerulonefrite primária mais frequente nomundo, que atinge sobretudo indivíduos do sexomasculino na 2ª e 3ª décadas de vida2. Apresença de insuficiência renal não afasta estediagnóstico, anteriormente considerado deevolução geralmente benigna, uma vez que hojese reconhece que até 40% dos casos podemevoluir para insuficiência renal crónica5.

Perante um exantema maculopapular quenão poupa palmas e plantas, as hipótesesdiagnósticas mais prováveis são as de reacçãoalérgica, sífilis ou rickettsiose6.

Neste doente a presença de febre, exantemacom as características já citadas e história depositividade para VDRL, são sugestivas de sífilissecundária. Só se poderá comprovar estahipótese com a avaliação laboratorial, que seaguarda (VDRL e FTA-ABS).

Outra hipótese diagnóstica seria a de seestar perante um caso de nefrite lúpica. A ocor-

rência de glomerulonefrite é uma complicaçãofrequente e importante do envolvimento renalpelo lúpus eritematoso sistémico (LES)7.Também a febre, leucopénia e a presença delesões cutâneas se explicariam no contexto deuma doença multissistémica como o LES.Eventualmente poderíamos estar perante umfalso VDRL no contexto de anticorpos anti-fosfolipídicos7. No entanto, o tempo detromboplastina não está prolongado, comoacontece na presença de anticoagulante lúpico.Neste doente, as lesões cutâneas são distintasdas habitualmente descritas no LES7 (lúpusdiscoide, eritema malar, alopécia, entre outras).

Neste contexto de síndrome de glomerul-onefrite e febre, também teríamos de considerara hipótese de glomerulonefrite pós-infecciosa.Temos como dados que afastam esta hipótese,o facto de a hematúria ser recorrente, simul-tânea com o início da febre e a ausência deretenção hídrica.

Desconhecemos a rapidez de instalação dainsuficiência renal, o que nos levou a considerartambém a possibilidade de estarmos peranteuma insuficiência renal rapidamente progressiva,com lesões de glomerulonefrite crescênticapauci-imune, isolada ou no contexto de vasculitesistémica. A favor temos a presença insuficiênciarenal, hematoproteinúria, febre e alteraçõescutâneas. No entanto, estas não são sugestivasde vasculite e não existem sinais sugestivos deenvolvimento de outros órgãos e sistemas.

O facto de se tratar de um indivíduo do sexomasculino, na 3ª década de vida, com hematúriarecorrente, proteinúria não nefrótica e insu-ficiência renal, leva-nos a considerar ainda odiagnóstico de síndrome de Alport. Temos comodados que tornam esta hipótese menos provávela ausência de história familiar, de défice auditivoe a necessidade de uma segunda entidade paraexplicar o restante quadro clínico (febre, exan-tema, VS elevada).

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NEFROPATIA IgA E VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA ADQUIRIDA: CASO CLÍNICO

Também a hipótese de se tratar de umanefropatia associada a sífilis terá de se con-siderar, uma vez que já se discutiu a probabi-lidade de se estar perante um quadro de sífilissecundária. A nefropatia mais frequentementeassociada a sífilis (embora rara) é a glomeru-lopatia membranosa, secundária a deposiçãode imunocomplexos, que se manifesta porsíndrome nefrótico8, ausente neste doente.

Se se confirmar o diagnóstico de sífilis, háque levar em conta a possibilidade da suaassociação a outras doenças de transmissãosexual, nomeadamente infecção a VIH, VHC ouVHB. O doente refere ter sido vacinado para ahepatite B, pelo que não consideraremos estainfecção provável.

O vírus VIH associa-se a diversas patologiasrenais (vide Quadro II). A glomerulosclerose fo-cal e segmentar colapsante, dita nefropatiaassociada a VIH, atinge sobretudo doentes deraça negra, manifesta-se por síndrome nefrótico(proteinúria frequentemente superior a 10g/24h),hematúria e insuficiência renal de instalação

rápida9, o que não é concordante com o casoclínico descrito.

Nos doentes de raça branca, são mais fre-quentes as glomerulopatias associadas adeposição de imunocomplexos10, nomeada-mente a nefropatia IgA, já discutida.

Apesar de se tratar de uma entidade menosfrequente, cerca de um terço das glomeru-lonefrites mesangioproliferativas manifestam-secomo síndrome de glomerulonefrite8. Poderãoestar associadas ao vírus da hepatite C, estandotambém descritos casos associados ao VIH,cuja serologia se aguarda neste doente.

Foram então conhecidos os resultados dosrestantes exames laboratoriais (Quadro III), querevelaram seropositividade para o VIH 1 e 2,VDRL e contagem linfocitária de 200 células/mm3.

A biópsia renal mostrou aspectos sugestivosde nefropatia IgA, com alterações tubuloin-tersticiais crónicas (Figs. 1, 2). A biópsia da pelefoi compatível com sífilis secundária (Fig. 3).

Os aspectos morfológicos e imunofluo-rescência são compatíveis com nefropatia IgAe nefrite tubulointersticial crónica.

O diagnóstico final é o de nefropatia IgA; SIDAa VIH 1 e 2 e sífilis secundária.

Glomerulosclerose focal colapsante

Insuficiência renal aguda - infecção, hipotensão,nefrotoxinas

Necrose tubular aguda associada a pentamidina,foscarnet, cidofovir, anfotericina B; obstrução intra-tubular associada a sulfadiazina, aciclovir, indinavir

Glomerulonefrite pós-infecciosa

Glomerulopatia membranosa (hepatite B e sífilis)

Glomerulonefrite mesangiocapilar (HCV,crioglobulinemia, HIV)

Nefrite tubulointersticial

Nefropatia IgA

Microangiopatia trombótica

QUADRO II

Nefropatias associadas a HIV

VDRL +; FTA-ABS+

Pesquisa de Treponema no líquido cefaloraquidiano→ negativa

HIV 1+ e HIV 2 + por ELISA e confirmado por Western Blot

Linfócitos CD4+= 200 células/µ L

30 000 cópias virais/mL

ANA’s , anti-ENA’s, RA test e ANCA’s negativos

C3 e C4 dentro dos valores de referência

AC Anticardiolipina negativo

HCV–, AgHbs –

TASO<200 UI/ml

Resultados analíticos II

QUADRO III

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Patrícia Carrilho

Figura 2: IFx400- depósitos mesangiais de IgA

Figura 1: PASx400- glomérulo com esclerose e proliferação mesangial

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NEFROPATIA IgA E VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA ADQUIRIDA: CASO CLÍNICO

O doente confirmou comportamento sexualde risco, quando reinterrogado e informado dodiagnóstico.

Cada vez mais se reconhece a associaçãoda infecção VIH a patologia renal, mediada namaioria dos casos por fenómenos imuno-lógicos. A incidência de doença renal na popu-lação com infecção a VIH tem sido crescente,talvez dada a maior sobrevida obtida com aactual terapêutica de alta eficácia antiretroviral10.

A glomerulosclerose focal e segmentarcolapsante é a lesão mais característica9, sendoa que tem maior incidência nos doentes de raçanegra10,11, por isso também chamada nefropatiaassociada a VIH (HIV-AN).

Sinfecções (oportunistas ou do próprio VIH)ou a toxicidade de fármacos. A realização debiópsia renal justifica-se em muitos casos,mesmo quando a apresentação clínica é muito

sugestiva de HIV-AN, em que 40% terão umdiagnóstico histológico diferente doesperado12,13.

Sabe-se que a associação de infecção a VIHe nefropatia IgA é mais frequente do que aesperada pela prevalência de ambas assituações.

Dados de autópsias em doentes infectadoscom o vírus VIH14, mostraram que a nefropatiaIgA pode afectar uma percentagem significativade doentes (7,7%), apesar da sua prevalênciaclínica ser reduzida. Talvez este facto se devaà relutância em realizar biópsia renal na pre-sença de alterações urinárias minor. Pensa-seque a IgA nesta patologia se dirija contra IgG eIgM, por sua vez dirigidos contra proteínas doVIH, em imunocomplexos que se depositam nomesângio15.

A presença de IgA1 polimérica e a detecção

Figura 3: HEx100-Infiltrado inflamatório mononuclear na junção derme-epiderme

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Patrícia Carrilho

de imunocomplexos constituídos por Ag p24 eAC anti-p24 no sangue e tecido renal apoiamesta hipótese12.

Este doente tem uma contagem reduzida deCD4 (200/¼L), o que faz pensar que se tratede uma fase já avançada de doença16, cujaduração não se pode obviamente inferir de umaforma linear, dada a variação de indivíduo paraindivíduo, provavelmente secundária adiferenças na resposta imunológica individual eà própria virulência do VIH.

Provavelmente, dada a referência ao primeiroepisódio de hematúria macroscópica ter sidohá 10 anos, a nefropatia IgA pode ser prévia àinfecção VIH. É possivel que neste doente setrate de uma associação de duas patologiasfrequentes e que não exista uma relação causalentre ambas.

O prognóstico do ponto de vista renal édesfavorável, na medida em que o doente temjá insuficiência renal e lesões histológicas defibrose intersticial17, dados que apontam parairreversibilidade das lesões actuais, prevendo-se progressão da insuficiência renal.

A terapêutica com inibidores da enzima deconversão da angiotensina II diminui a proteinúriae retarda a progressão da insuficiência renal,mesmo nos doentes que não têm hiperten-são18,19. Também tem sido utilizada comsucesso na nefropatia IgA associada a HIV20,21.A terapêutica com corticóides está, em geral,reservada para casos que cursam com síndro-me nefrótico, com manifestações clínicassemelhantes às habituais nas lesões míni-mas22,23. Contudo, foi sugerida a terapêuticacom corticosteróides na nefropatia IgA asso-ciada a HIV12. Dado risco de aumentar a imuno-depressão neste doente e a ausência deestudos controlados sobre o potencial benefíciodesta abordagem terapêutica, não a preconi-zamos.

Propusemos, neste caso, dada a sua habitual

boa tolerabilidade, terapêutica com ácidosgordos omega-3 (12g /dia de óleo de peixe),apesar da controvérsia quanto à sua utilidadena nefropatia IgA24,25.

Quanto ao tratamento da sífilis secundária,foi efectuada terapêutica com penicilinabenzatínica na dose de 2 400 000 U por via in-tra-muscular semanal, durante 4 semanas.

O início de antiretrovirais será crucial no querespeita à modificação do curso da infecçãoHIV26, sabendo-se que idealmente se deveria teriniciado esta terapêutica com contagens de CD4ainda superiores a 200/mm27.

AGRADECIMENTOS

Dr.ª Margarida Soveral Gonçalves pela revisão críticado manuscrito.

Correspondência:Drª. Patrícia CarrilhoServiço de Nefrologia do Hospital de Santa CruzAv. Reynaldo dos Santos, 2795 Carnaxide

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