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 Natureza & Conservação Revista Brasileira de Conservação da Natureza The Brazilian Journal of Nature Conservation Abril, 2009 - vol. 7 - nº1 - Apil, 2009 - vol. 7 - n.1 ISSN 1679-0073  F  U  L  L   E  N  G  L  I  S  H  V  E  R  S  I  O  N   I  N  C  L  U  D  E  D

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ISSN 1679-0073

Natureza & ConservaoRevista Brasileira de Conservao da Natureza The Brazilian Journal of Nature ConservationAbril, 2009 - vol. 7 - n1 - Apil, 2009 - vol. 7 - n.1

H LIS D ENG CLUDE LL IN FU ON SI VER

ObjetivosEm sintonia com sua misso de conservao da natureza, a Fundao O Boticrio de Proteo Natureza publica Natureza & Conservao, que apresenta textos de carter cientfico, filosfico e tcnico, abordando temas relacionados biologia da conservao, manejo de reas naturais protegidas e tica ambiental, entre outros. Natureza & Conservao um peridico semestral bilnge (portugus e ingls) que tem por objetivo promover discusses, disseminar idias e apresentar resultados de pesquisas voltadas conservao da natureza com enfoques locais, regionais, nacionais e globais. No existem restries com relao aos potenciais autores a serem publicados em Natureza & Conservao; no entanto, os artigos devem estar diretamente relacionados com a conservao da natureza.

Envio de artigosTodas as contribuies, incluindo artigos, livros para resenha e informaes para a seo de notas devem ser enviados em meio digital Secretaria Executiva de Natureza & Conservao, preferencialmente em ingls e portugus, para natureza&[email protected], ou via correio para Rua Gonalves Dias, 225. Batel, Curitiba, Paran, 80240-340, Brasil. O Conselho Editorial se reserva o direito aceitar os artigos para a publicao, aps a reviso por especialistas que compem o Comit Editorial da Revista. A Fundao O Boticrio de Proteo Natureza detm os direitos do material publicado.

Direitos autoraisTodas as informaes e opinies expressas nos artigos publicados so de inteira responsabilidade de seus autores. Os artigos aceitos se tornam copyright da Revista ( 2009 Fundao O Boticrio de Proteo Natureza). A reproduo total ou parcial dos artigos s pode ser feita citada a fonte, no sendo permitido seu uso para fins comerciais, sem autorizao expressa da Fundao O Boticrio de Proteo Natureza.

Indexaes e base de dadosNatureza & Conservao est nos seguintes indexadores e bases de dados: ISI Periodica CABI International Latindex Qualis B2 na rea de Ecologia e Meio Ambiente da CAPES Qualis B na rea de Cincias Agrrias da CAPES Qualis B na rea Multidisciplinar da CAPES

Ponto de Vista

Point of View

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O mapa das UCs ser o mapa da incluso social? Jos Augusto Drummond Jos Luiz de Andrade Franco O valor da legislao ambiental brasileira na conservao da biodiversidade em reas suburbanas: um estudo de caso em Porto Alegre, Brasil Demtrio Luis Guadagnin Isabel Cristina Ferreira Gravato

124 Will the map of PAs be one of social inclusion? Jos Augusto Drummond Jos Luiz de Andrade Franco

133 Value of Brazilian environmental legislationto conserve biodiversity in suburban areas a case study in Porto Alegre, Brazil Demtrio Luis Guadagnin Isabel Cristina Ferreira Gravat

Artigos Tcnico-Cientficos

Technical Scientific Articles

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Aferio dos limites da Mata Atlntica na Serra do Cip, MG, Brasil, visando maior compreenso e proteo de um mosaico vegetacional fortemente ameaado Ktia Torres Ribeiro Jaqueline Serafim do Nascimento Joo Augusto Madeira Leonardo Cotta Ribeiro Representatividade de Ecossistemas no Sistema de Unidades de Conservao no Estado do Paran, Brasil Raquel Fila Vicente Andr Lus Laforga Vanzela Jos Marcelo D. Torezan Perfil de atores sociais como ferramenta para definio de unidade de conservao marinha: caso da Ilha dos Franceses, litoral sul do Esprito Santo, Brasil Hudson T. Pinheiro Arthur L. Ferreira, Rodrigo P. Molina Ligia M.C. Protti Sarah C. Zanardo Jean-Christophe Joyeux. PhD Jaime R. Doxsey Atropelamentos de mamferos silvestres na regio do municpio de Telmaco Borba, Paran, Brasil Tnia Zaleski Vlamir Rocha Srgio Ado Filipaki Emygdio Leite de Araujo Monteiro-Filho Efetividade de gesto das unidades de conservao de uso sustentvel do estado do Tocantins Frederico Bonatto Mariana Napolitano Ferreira Fernn Enrique Vergara Figueroa no pantanal do Mato Grosso do Sul Caroline Leuchtenberger Peter Crawshaw Guilherme Mouro Carlos Rodrigo Lehn

146 Survey of the boundaries of the Atlantic

Forest in the Serra do Cip, Minas Gerais, Brazil, aiming at a better understanding and protection of a strongly threatened vegetation mosaic Ktia Torres Ribeiro Jaqueline Serafim do Nascimento Joo Augusto Madeira Leonardo Cotta Ribeiro Areas System of the State of Paran, Brazil Raquel Fila Vicente Andr Lus Laforga Vanzela Jos Marcelo D. Torezan of marine protected areas: the case of the Ilha dos Franceses, southern coast of Esprito Santo, Brazil Hudson T. Pinheiro Arthur L. Ferreira, Rodrigo P. Molina Ligia M.C. Protti Sarah C. Zanardo Jean-Christophe Joyeux. PhD Jaime R. Doxsey Telmaco Borba, Paran, Brazil Tnia Zaleski Vlamir Rocha, Dr. Srgio Ado Filipaki Emygdio Leite de Araujo Monteiro-Filho

50

166 Ecosystem Representation in the Protected

67

181 Profile of social actors as a tool the definition

81

195 Run-over of wild mammals in the area of

208 Management effectiveness of protected areasof sustainable use in the state of Tocantins Frederico Bonatto Mariana Napolitano Ferreira Fernn Enrique Vergara Figueroa of Mato Grosso do Sul Caroline Leuchtenberger Peter Crawshaw Guilherme Mouro Carlos Rodrigo Lehn

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218 Courtship behavior by Jaguars in the Pantanal

105 Comportamento de corte em onas-pintadas

110 Agenda 111 Instrues Gerais para Autores

223 Datebook 224 General Guidelines toContribuitors

Sumrio / Contents

Editorial

Caro leitor O dcimo-terceiro nmero da Revista Natureza & Conservao chega a pblico quase que inteiramente dedicado a unidades de conservao. Sua leitura servir como reflexo para as conferncias, mesas-redondas, seminrios e debates que ocorrero durante o VI Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao e II Simpsio Internacional de Conservao da Natureza que ser realizado entre 20 a 24 de setembro de 2009, em Curitiba, PR. Diante de um cenrio de grandes mudanas, tanto climticas quanto polticas e econmicas, essencial analisar os principais fatores que impactaro diretamente na proteo da biodiversidade e discutir as melhores estratgias de conservao dos recursos naturais. Desta forma, com o tema Conservao das reas naturais num mundo em transformao, o evento citado anteriormente tem o desafio de inspirar e motivar queles que trabalham nas unidades, facilitar a troca de experincias e ser palco de discusses sobre os mais inovadores estudos em polticas, planejamento e gesto de reas protegidas no Brasil e em outros pases. Reserve sua agenda inscreva-se o quanto antes para ampliar seus conhecimentos com os maiores especialistas sobre a temtica que os organizadores tradicionalmente trazem ao evento. Os artigos apresentados a seguir estimularo sua curiosidade e a necessidade de aprofundamento.

Abre a revista o artigo de opinio de dois pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia, Jos Augusto Drummond e Jos Luiz de Andrade Franco, com o instigante ttulo O mapa das UCs ser o mapa da incluso social?. Nesse artigo, os autores analisam a real poltica de criao e gesto de unidades de conservao no Brasil, destacando a falta de conexo entre polticas dos diversos ministrios federais, a pouca ateno que as unidades de conservao brasileiras vem recebendo, a imensa presso social que sofrem e, consequentemente, a dificuldade em garantir a proteo da biodiversidade brasileira. Esta discusso traz questes cruciais para a sobrevivncia das unidades de conservao brasileiras. Segue-se a esse outro artigo de opinio, que analisa se a legislao brasileira ordinria, relativa a questes ambientais, est protegendo de fato a biodiversidade, usando como estudo de caso as reas verdes urbanas de Porto Alegre. Em O valor da legislao ambiental brasileira na conservao da biodiversidade em reas suburbanas: um estudo de caso em Porto Alegre, Brasil, Demtrio Luis Guadagnin e Isabel Cristina Ferreira Gravato avaliam o grau em que reas protegidas como reas de Preservao Permanente (APP) se ajustam a reas-chave para a conservao da biodiversidade nos subrbios de Porto Alegre, com base na estrutura e contexto espacial dos bitopos naturais e na distribuio de hbitats potenciais das espcies ameaadas. Lamentavelmente, concluem que as regras para utilizao de terras na legislao ambiental brasileira no foram explicitamente criadas para proteger reas-chave para a biodiversidade. Dentre os artigos tcnicos, Ktia Torres Ribeiro, Jaqueline Serafim do Nascimento, Joo Augusto Madeira e Leonardo Cotta Ribeiro trazem uma proposta de ampliao dos at ento considerados limites da Mata Atlntica brasileira, de modo a proteger um mosaico de vegetao que ocorre na Serra do Cip, em Minas Gerais. No artigo Aferio dos limites da Mata Atlntica na Serra do Cip, MG, Brasil, visando maior compreenso e proteo de um mosaico vegetacional fortemente ameaado so analisadas as caractersticas nicas da regio em estudo, famosa pela riqueza e endemismo dos seus campos rupestres. Com base

Editorial

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Natureza & Conservao - vol. 7 - n1 - Abril 2009 - pp. 6-7

Editorial

em testemunhos cientficos antigos e recentes, mapeamento em campo da distribuio das espcies arbreas indicadoras de Mata Atlntica, da contigidade das matas e posicionamento de frentes estacionrias, o bioma Mata Atlntica na regio foi re-delimitado em escala 1:100.000, propondo o acrscimo de quase 50 mil hectares a unidades de conservao como o Parque Nacional da Serra do Cip e a APA Morro da Pedreira. Discutindo a Representatividade de Ecossistemas no Sistema de Unidades de Conservao no Estado do Paran, Brasil, Raquel Fila Vicente, Andr Lus Laforga Vanzela e Jos Marcelo D. Torezan concluem que as diferentes formaes vegetacionais paranaenses no esto adequadamente representadas no Sistema Estadual de Unidades de Conservao do Paran, por meio de anlise de lacunas. O trabalho mostra que as formaes mais ameaadas, como o Cerrado, a Estepe, as Florestas Ombrfilas Mistas Montana e Aluvial e as Florestas Estacionais Semideciduais Montana e Aluvial, apresentam poucas reas protegidas e escassos remanescentes. No artigo Perfil de atores sociais como ferramenta para definio de unidade de conservao marinha: caso da Ilha dos Franceses, litoral sul do Esprito Santo, Brasil, Hudson T. Pinheiro, Arthur L. Ferreira, Rodrigo P. Molina, Ligia M.C. Protti, Sarah C. Zanardo, JeanChristophe Joyeux e Jaime R. Doxsey avaliam o que pensam e desejam as pessoas que moram ou utilizam para lazer ou economicamente a rea, destinada desde 2003 criao de um parque nacional marinho. Concluram que apesar da proposta de criao da unidade de conservao seja desconhecida de um modo geral, ela bem vista pela maioria dos entrevistados, devido preservao cnica e ecolgica do local, embora os mesmos entrevistados mostrem receio quanto a restries visitao e pesca. Os autores sugerem categorias e estratgias de implementao da unidade que melhor se enquadram realidade socioambiental local. Uma das questes que vem preocupando conservacionistas brasileiros e de todo o mundo, diz respeito perda de biodiversidade por atropelamentos em rodovias que cruzam ou cercam reas naturais. Foi essa questo que levou Tnia Zaleski, Vlamir Rocha, Srgio Ado

Filipaki e Emygdio Leite de Araujo MonteiroFilho a avaliar Atropelamentos de mamferos silvestres na regio do municpio de Telmaco Borba, Paran, Brasil. O trabalho aponta as pocas do ano de maior incidncia de acidentes com animais silvestres, as espcies mais afetadas e destacam como causa principal o excesso de velocidade dos veculos. Sugerem medidas que contribuiriam para a reduo dos nmeros encontrados, e que podem ser reproduzidas em outras regies. Assunto que tambm est na pauta de discusso dos conservacionistas abordado por Frederico Bonatto, Mariana Napolitano Ferreira e Fernn Enrique Vergara Figueroa no artigo Efetividade de gesto das unidades de conservao de uso sustentvel do estado do Tocantins. Os autores, com base em dezessete critrios, agrupados em seis grandes mbitos concluram que a efetividade de gesto das APAs do Tocantins variou entre 26 e 60%, sendo que a mdia da efetividade de todas as unidades foi de 40,69%. Um ponto bastante interessante apontado foi que as trs reas de Proteo Ambiental com melhores resultados esto situadas no entorno de unidades de conservao de proteo integral. Fechando esta edio, na nota tcnica Comportamento de corte em onas-pintadas no pantanal do Mato Grosso do Sul, Caroline Leuchtenberger, Peter Crawshaw, Guilherme Mouro e Carlos Rodrigo Lehn relatam o comportamento de corte observado entre um casal de onas-pintadas (Panthera onca) nas margens do Rio Vermelho, Pantanal, Mato Grosso do Sul, que ao contrrio da maioria das informaes sobre a reproduo dessa espcie, que so de animais em cativeiro ou de relatos de caadores, pode trazer contribuies importantes sobre o comportamento reprodutivo desta espcie na natureza. Enfim, esse nmero da Revista, recentemente qualificada como B2 pela rea de Ecologia da CAPES, , mais uma vez, um convite reflexo e discusso sobre como estamos ou no conservando a natureza. Boa leitura a todos! Leide TakahashiEditor-chefe

Editorial

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Natureza & Conservao - vol. 7 - n1 - Abril 2009 - pp. 6-7

Jos Augusto Drummond Jos Luiz de Andrade Franco

Ponto de vista

O mapa das UCs ser o mapa da incluso social?Jos Augusto Drummond, Ph. D.1 Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia

Jos Luiz de Andrade Franco, Dr2 Pesquisador Associado Adjunto do Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia (CDS-UnB)

A poltica brasileira de criao e gesto de UCs precisa alcanar efetividade muito maior e em muitas dimenses. Os avanos dos anos recentes no bastaram para neutralizar antigas e graves pendncias, nem para evitar a recorrncia dessas pendncias em novas UCs, nem para fazer com que elas cumpram a contento a sua funo primordial de proteger a biodiversidade. A tentao e mesmo a necessidade de criar novas UCs continuam a prevalecer sobre a igualmente necessria melhora da gesto das UCs existentes. Isso tem como virtude manter o mpeto de superar os notrios dficits de reas colocadas legalmente sob proteo e de fazer com que novas UCs cheguem antes das atividades que mais radicalmente alteram os ecossistemas, mas permite tambm que velhos problemas sobrevivam nas UCs antigas e se reproduzam nas UCs novas (Drummond et al, 2006; Arajo, 2007; Davenport e Rao, 2002).

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[email protected] [email protected]

Porm, esses problemas no retiram o valor e a importncia da misso fundamental das nossas UCs, nem significam que elas fracassaram. Ao contrrio, as nossas UCs ainda so, de longe, a forma mais antiga, mais disseminada, mais conhecida e mais eficaz de proteo de nossa biodiversidade. No que toca proteo da biodiversidade, as UCs so mais eficazes, no seu conjunto, do que quaisquer outras polticas conservacionistas tomadas isoladamente: as polticas punitivas ou de comando e controle de limitao do uso destrutivo dos recursos naturais, as polticas positivas de estmulo ao uso previdente dos recursos naturais, as polticas de recuperao de reas e recursos degradados, os programas de educao ambiental, o controle sobre o uso dos recursos em propriedades rurais privadas (APPs e RLs), o licenciamento ambiental rural, as iniciativas privadas de preservao etc. O estmulo continuidade de atividades extrativistas no seio de algumas categorias de UCs, apesar de sua elevada visibilidade e possvel relevncia socioeconmica, talvez tenha contribudo para a melhoria dos padres de bem-estar de certos grupos

Ponto de Vista

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Natureza & Conservao - vol. 7 - n1 - Abril 2009 - pp. 8-16

O mapa das UCs ser o mapa da incluso social?

sociais, mas isso teria se dado custa de subsdios de legitimidade poltica duvidosa e da ampliao das reas convertidas/desmatadas dentro dessas UCs. Ou seja, esses possveis avanos so sociais, e no de proteo da biodiversidade (Drummond et al, 2006; Cmara, 2004; Dourojeani e Pdua, 2001). Bem que as UCs precisariam de maior ajuda dessas polticas sociais correlatas, que tm os seus prprios dficits, comumente grandes e por vezes enormes. A relativa solido das UCs no campo das polticas de conservao abre os seus flancos para muitas crticas injustas e mesmo infundadas e para exigncias de que cumpram misses que no so suas. Mesmo assim, no adianta tapar os problemas das UCs com a peneira dos dficits dessas outras polticas. Permanece relevante, assim, a constatao de que a proteo oferecida pelas UCs biodiversidade ainda est longe de alcanar um grau satisfatrio (Drummond et al, 2006; Dourojeani e Pdua, 2001; Morsello, 2001). Vale mencionar tambm os esforos recentes para a conservao da biodiversidade em terras indgenas e terras de quilombolas. Embora bem intencionados e oportunos, tais esforos so ainda incipientes e o seu sucesso depende de vrios fatores ainda mal enquadrados ou mal compreendidos: melhor conhecimento sobre o estado da conservao da natureza nessas terras; melhor conhecimento sobre as atividades produtivas e os projetos de vida dos seus ocupantes; o estado de suas relaes com outros grupos da sociedade; e, tal como ocorre nas prprias UCs, a disposio de se fazer os investimentos pblicos adequados (Drummond et al, 2006; Diegues, 2000). Por tudo isso, entendemos que a poltica de proteo da biodiversidade com o emprego de UCs merece um foco especfico (e no genrico), uma ateno maior (e no menor) e uma execuo mais sistemtica (e no aleatria) do que os recebidos ao longo do conjunto de sua trajetria de 70 anos no Brasil. Por isso, consideramos equivocada a forte tendncia atual de mistur-la ou subordin-la a ou-

tras polticas pblicas de cunho social ou desenvolvimentista. Usamos estes termos com aspas de propsito, para evidenciar as nossas reservas, pois consideramos que a proteo da biodiversidade em si mesma tambm serve a importantes objetivos sociais e de desenvolvimento, de interesse local, nacional, continental e planetrio (Cmara, 2002; Magnanini, 2002; Terborgh e Schaik, 2002). Em termos institucionais, a Lei do SNUC contempla adequadamente a desejvel associao entre (1) a eficcia estritamente preservacionista ou naturalista das UCs e (2) os seus possveis efeitos positivos sobre o bemestar e o desenvolvimento das populaes que residem nelas ou nas suas imediaes. Isso est presente, entre outros pontos da lei: I na criao de sete categorias de UCs de uso sustentvel (que permitem atividades produtivas, inclusive de comunidades residentes ou vizinhas); I na previso de conselhos de gesto das UCs que incluam integrantes das comunidades locais; I na obrigatoriedade da adoo de planos de manejo redigidos em parte com inputs da populao local; e I na possibilidade de adotar formatos de gesto compartilhada ou de co-gesto. Esses quatro pontos da lei garantem um considervel grau de abertura das UCs aos interesses e s necessidades no estritamente preservacionistas. Por serem dispositivos ainda recentes e inovadores, merecem ateno especial, para que sejam implementadas com conhecimento adequado das variveis envolvidas e em associao com mecanismos eficazes de execuo (Drummond et al, 2006; Mercadante, 2001). Outro fator que neutraliza ou neutralizaria um vis excessivamente preservacionista emergiu em anos recentes, mesmo que timidamente, no mbito do governo federal.

Artigos Tcnico-Cientficos

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Jos Augusto Drummond Jos Luiz de Andrade Franco

Trata-se do conceito de transversalidade (infelizmente, j em desuso...) das polticas pblicas. Esta noo defende, acertadamente, que as variveis ambientais devem ser levadas em conta nas mais diferentes polticas governamentais (construo de infra-estrutura, expanso da agricultura e pecuria de grande porte, gesto de substncias de risco, minerao, gesto de recursos hdricos, zoneamento etc). Nesta perspectiva, os rgos gestores de UCs e das demais polticas ambientais no esto ou no deveriam estar sozinhos na intricada misso de ajustar a proteo da biodiversidade ao desenvolvimento socioeconmico. No entanto, infelizmente a verdade que os rgos ambientais continuam basicamente sozinhos, nas esferas governamentais, na misso de proteger a biodiversidade. Por isso mais pragmtico mesmo que muito difcil continuar o esforo de envolver os demais rgos setoriais e atores nessa misso do que apostar todas as fichas na possibilidade de que as UCs venham, por si ss, a ser plos, vetores ou executores de polticas sociais e desenvolvimentistas (Drummond et al, 2006; Arajo, 2007). Dentro da coalizo poltica atualmente no poder, no h, porm, margem para otimismo quanto consolidao de uma transversalidade hegemonicamente ambiental, pelo menos no mbito federal. O MMA tem sido ultimamente (desde 2003 at pelo menos meados de 2008) no apenas o ministrio mais fraco em termos gerais, mas o mais fraco que se poderia conceber para propor/impor a transversalidade aos demais ministrios e agentes pblicos federais. H vrias explicaes para essa fraqueza aguda. Primeiro, a coalizo no poder desde 2003 a mais francamente desenvolvimentista (desenvolvimento a qualquer custo) dos ltimos 50 anos, inspirandose nos modelos de JK e da ditadura militar. Retrocedemos inclusive hegemonia daquela viso que parecia definitivamente superada, prevalecente na dcada de 1970 a de que existe oposio entre proteo ao meio ambiente e desenvolvimento. Em segundo lugar, no apenas cada minist-

rio (e todos em conjunto) muito mais poderoso que o MMA, mas cada um tem a sua prpria pauta de transversalidade, buscando subordinar o MMA a ela e, ao mesmo tempo, lutando ativamente (com fcil sucesso, alis) contra a sua prpria subordinao pauta da transversalidade do anmico MMA. Mais importante do que isso, no entanto, que, na atual estrutura de poder, a Casa Civil da Presidncia da Repblica define a sua verso prpria da transversalidade, verso esta que, no fim das contas, a adotada no conjunto das aes governamentais. Nesta verso verdadeira, a preocupao ambiental fraqussima o que interessa mais, ou a nica coisa que interessa, manter ou ampliar a percentagem do crescimento anual do PIB. Em terceiro lugar, a gesto Marina Silva fez do MMA um ministrio particularmente vulnervel em sua fraqueza. O MMA foi jocosamente mas acertadamente chamado de ministrio no-governamental por integrantes mais lcidos de seus prprios quadros. Essa gesto preferiu dialogar consigo mesma, com as ONGs que a apiam desde sempre e com escasso pessoal de outros ministrios simptico s causas ambientais, a entrar na arena poltica propriamente dita e lidar com firmeza com os musculosos ministrios cujas aes mais agressivamente afetam o meio ambiente. Escolheu dar as mos queles que estavam no seu campo. Alm disso, o MMA tornou visvel a sua fraqueza ao adotar tticas tpicas de movimentos sociais (empates burocrticos, abraos simblicos ao prdio do MMA, e conferncias nacionais de meio ambiente cuja abrangncia excessiva s foi superada pela sua irrelevncia poltica). H que considerar ainda os efeitos neutralizadores sobre o preservacionismo puro do fato de que os usos produtivos de componentes da biodiversidade inclusive os que ocorrem fora de UCs tendem a obedecer cada vez mais ao princpio da CDB de repartio eqitativa dos benefcios gerados. Isso tambm poderia ajudar as UCs a assumir uma modesta parcela dos superdimensionados papis sociais ou desenvolvimentistas que

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O mapa das UCs ser o mapa da incluso social?

os ambientalistas atualmente no poder querem atribuir a elas (Wittemyer et al, 2008). Evidentemente, as UCs no devem ser indiferentes ao bem-estar e ao desenvolvimento das comunidades locais, sob o risco de estagnarem ou de se auto-anularem. No entanto, existem graves riscos embutidos na tendncia de inserir a poltica de criao e gesto de UCs num quadro maior e mais complexo de polticas sociais, desenvolvimentistas ou inclusivas. O risco maior e bvio diluir a poltica de criao e de gesto de UCs (que j conta com entraves mais do que suficientes e com recursos financeiros e humanos mais do que insuficientes) numa matriz de polticas que, apesar de necessrias e altamente desejveis, so complexas e caras e cuja efetivao tem sido notoriamente difcil em nosso pas (Drummond et al, 2006; Wittemyer et al, 2008). A ladeira do sucesso das polticas sociais ngreme. Esse sucesso difcil de alcanar e facilmente revertido. Temos na sociedade brasileira uma dvida social enorme, sem dvida, que s ser abatida, ao longo de muitas dcadas, por alguma combinao de atividades produtivas de mercado com polticas pblicas eficazes. To grande a dvida e to forte o mpeto saudvel de abat-la que esse mpeto, quando aplicado s UCs, bem capaz de aniquilar qualquer ganho em termos de proteo da biodiversidade e o que pior sem sequer diminuir significativamente o estoque da dvida e sem enfraquecer os processos que a perpetuam. Se promover o desenvolvimento ou reduzir a pobreza fossem coisas fceis de fazer, no haveria tanta pobreza no Brasil depois de sete ou oito dcadas em que todas as coalizes polticas que ocuparam o poder no nvel nacional inclusive as da ditadura militar se declararam explicitamente a favor do desenvolvimento e da eliminao da pobreza (Drummond et al, 2006; Terborgh e Schaik, 2002). preciso atentar para o fato adicional de que a relao dessas polticas de desenvolvimento, de reduo de pobreza e de incluso etc com a proteo da biodiversidade frequen-

temente fraca ou mesmo inexistente. O estado da sade, educao e segurana pblicas, por exemplo, pode variar de sofrvel a timo sem guardar qualquer relao direta ou estreita com a proteo da biodiversidade. Consideremos um exemplo hipottico e corriqueiro no campo da sade pblica ou do saneamento bsico. Se certo atribuir a uma reserva biolgica (categoria escolhida de propsito para essa ilustrao, pois se trata da mais preservacionista de nossas categorias de UCs) o papel social ou desenvolvimentista de proteger mananciais que fornecem gua de qualidade para o consumo humano em comunidades vizinhas ou mesmo distantes, de outro lado a mesma reserva tem pouco ou nada a fazer quanto coleta, ao tratamento e disposio do esgoto domstico. Ora, isso significa deixar a poltica de saneamento a meio caminho. A problemtica do esgoto exige procedimentos tcnicos, trabalhadores e tcnicos especializados, obras fsicas de grande porte, instalaes e equipamentos caros, de grande extenso e de relativa complexidade tecnolgica. Tudo isso foge inteiramente do mbito de uma reserva biolgica e de qualquer outro tipo de UC. No entanto, nenhuma poltica de saneamento bsico estar completa apenas com o fornecimento de gua de qualidade. Que adianta uma comunidade captar a montante a gua limpa oriunda da reserva e despejar gua poluda sobre outras comunidades a jusante? E mais: os funcionrios de uma UC tm obrigao de saber como preservar uma nascente, mas em princpio no sabero sequer operar uma estao de tratamento de esgoto pronta e em funcionamento, mesmo porque esta no a sua misso. misso de companhias, secretarias ou departamentos de saneamento. Um exemplo no-hipottico da fraca conexo entre UCs e certas polticas pblicas pode ser dado com uma referncia ao campo da educao pblica. Testemunhamos presses da comunidade local para que uma determinada reserva biolgica recebesse visitas eventuais de escolares locais. Tais visitas eram supostamente para fins de educao ambiental, mas a

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Jos Augusto Drummond Jos Luiz de Andrade Franco

finalidade real era realizar atividades de lazer de fim de ano jogos esportivos, gincanas, churrascos, banhos de rio etc. Visitas planejadas e proveitosas de escolares a UCs dependem de que as UCs estejam adequadamente equipadas para receb-los. No entanto, dependem acima de tudo de que as escolas estejam bem estruturadas professores fixos, motivados e bem pagos, aulas em horrio integral e regularmente ministradas, alunos matriculados em percentagens elevadas, pouca ou nenhuma evaso, merenda escolar regular, prdios e instalaes adequadas, existncia de bibliotecas, disponibilidade de meios seguros de transporte e assim por diante. De que adianta burlar as limitaes impostas visitao a uma reserva biolgica para permitir a visitao eventual de alunos matriculados em escolas pblicas precrias? De outro lado, uma reserva biolgica per se pouco ou nada tem a contribuir para as complexas providncias necessrias para melhorar a qualidade das escolas pblicas vizinhas. Em um pas cujas polticas pblicas de carter social ainda apresentam resultados em geral insatisfatrios, atribuir s UCs misses substitutivas ou mesmo estimuladoras dessas polticas levar mais provavelmente deteriorao das UCs do que melhoria dessas polticas. Sade, educao e segurana pblicas (para citar apenas trs) so polticas to ou mais complexas que a de UCs e muito mais relevantes desejada incluso social. O pior de tudo, como sugerido acima, que a deteriorao das UCs pode ocorrer sem que isso seja compensado por qualquer efeito positivo sobre as polticas sociais. Manter a singularidade das polticas de UCs, prestando ateno s suas possibilidades (quase sempre muito limitadas) de integrao com outras polticas nos parece mais aconselhvel do que colocar a priori ambiciosas misses sociais e desenvolvimentistas sobre os ombros combalidos das UCs e diluir a importncia da proteo da biodiversidade. Essas misses so mais bem atribudas a outras polticas pblicas educao, sade, previdncia, transporte, segurana, justia e aos rgos por elas responsveis , mesmo que as polticas

que concretizam essas misses estejam secularmente atrasadas e deficitrias e mesmo que os rgos responsveis estejam to combalidos quanto as UCs. Num quadro de entraves, dficits e omisses, os responsveis por essas polticas pblicas deficitrias aceitaro de bom grado que se atribuam responsabilidades sociais e desenvolvimentistas s UCs, na esperana de melhorar o desempenho dessas polticas ou at de diluir a sua prpria responsabilidade pelo dficit (Drummond et al, 2006; Milano, 2001; Dourojeani e Pdua, 2001). H outro ponto a considerar na nossa crtica a esse equivocado imperativo de atribuir uma misso social e desenvolvimentista s UCs. Ele se refere menos aos resultados duvidosos a serem alcanados por polticas pblicas sociais executadas via UCs e mais falta de universalidade da sua incidncia e dos seus efeitos. Se, por hiptese, a melhoria das polticas sociais e desenvolvimentistas de fato se atrelasse ao mapa de distribuio das UCs no territrio nacional, teramos um resultado esdrxulo: os modernos direitos sociais, que so, por definio, universais, ficariam restritos aos residentes de UCs e dos entornos de UCs. Assim, haveria alguns cidados beneficiados pelo fato de morarem junto a UCs e muitos outros cidados negligenciados ou excludos pelo fato de morarem longe delas. Quem aceitaria hoje em dia uma diviso similar que condicionasse, por exemplo, o direito de votar e ser votado residncia nas imediaes de uma UC? Isso to absurdo quanto exigir que UCs executem polticas pblicas que elevem o nvel de vida dos seus vizinhos, mas no o de outras pessoas (Drummond et al, 2006; Milano, 2001; Dourojeani e Pdua, 2001). Alm de improvvel e mesmo canhestra, essa diviso nos parece indesejvel e mesmo indefensvel, por vrios motivos, mesmo como uma hiptese remota. Mencionamos apenas dois desses motivos. Em primeiro lugar, no campo da tica, tendo em vista o quadro generalizado de carncias entre a populao brasileira, no se sustentam argumentos a fa-

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O mapa das UCs ser o mapa da incluso social?

vor de polticas pblicas seletivas, ainda mais se a seletividade tem base to frgil quanto o local de moradia ser perto ou longe de UCs. Operacionalmente, em segundo lugar, o carter remoto ou de difcil acesso de grande parte das UCs uma barreira (pr-existente s prprias UCs, alis) para a efetivao de polticas que, muitas vezes, so deficientes ou inoperantes mesmo nas reas mais acessveis, mais bem equipadas e mais populosas do pas (Drummond et al, 2006; Milano, 2002). De outro lado, preciso dar a mo palmatria do realismo poltico mais elementar. Considerando a escassez dos recursos e o jogo de presses legtimas pelo atendimento dos interesses diferenciados de uma grande populao nacional, dificilmente os residentes em torno de UCs, esparsos e historicamente mal organizados e mal representados, conseguiriam levar vantagem sobre os interesses das populaes de reas rurais estabilizadas e integradas ao mercado e de periferias urbanas e reas metropolitanas. Eles no tm densidade poltico-eleitoral nem capital social acumulado para concorrer com sucesso nesse jogo, e por isso mesmo so vtimas especiais de tantos dficits histricos. Ou seja, tanto na UCs quanto em outras polticas pblicas, melhor manter a definio dessas polticas como universais e conviver com e lutar para reverter os eventuais dficits na sua aplicao universal do que criar seletividades esdrxulas. Por tudo isso, no nos parece que o mapa das UCs vir a ser, a curto e mdio prazos, congruente com o de polticas sociais e desenvolvimentistas bem desenhadas e bem sucedidas. Na verdade, repetimos que, mesmo que isso pudesse acontecer, no seria desejvel. O desejvel que o mapa do bem-estar e do desenvolvimento seja congruente com o mapa social integral do pas, e no com o mapa das UCs ou o mapa da biodiversidade protegida. Assim, a nossa posio quanto continuidade da poltica de criao e de gesto de UCs no Brasil difere marcadamente das duas posies

que vm polarizando esse campo de discusso, pelo menos desde o incio da longa tramitao da Lei do SNUC no Congresso Nacional. Preservacionistas/conservacionistas, de um lado, e socioambientalistas, de outro, debatem entre si h quase 20 anos. O debate foi frutfero durante algum tempo. A mais clara expresso disso a prpria Lei do SNUC, que alcanou um equilbrio, mesmo que tenso, entre as duas posies, especialmente no que se refere definio dos dois grupos de UCs o de uso sustentvel e o de proteo integral. No entanto, parece ter se esgotado o rendimento desta polmica em termos de balizar melhorias da poltica de UCs. Todos os argumentos j foram colocados e repisados e parecem agora ter virado artigos de f. Com isso, perdem a sua capacidade de convencimento, de esclarecimento e de melhora da poltica de UCs e assumem um papel de perpetuao de cises e de empobrecimento das anlises e dos diagnsticos. Alm disso, houve aproximaes e convergncias raramente admitidas abertamente entre os dois lados. Muitos preservacionistas/conservacionistas, de um lado, desenvolveram ou ampliaram a sua sensibilidade quanto a questes sociais. Em certos casos, agora propem e viabilizam e at executam aes francamente sociais em conexo com a criao e a gesto de UCs (Drummond et al; Arajo, 2007). De outro lado, os socioambientalistas vo descobrindo vrios percalos na sua inclinao a subordinar a proteo da biodiversidade aos imperativos do bem-estar social, da participao e da politizao da questo ambiental. Aprendem, por exemplo, que a apropriao extrativista dos recursos naturais pelas populaes que eles pretendem defender com UCs de uso sustentvel raramente leva a padres durveis de bem-estar. Descobrem tambm que a chamada gesto participativa das UCs sofre com os riscos da cooptao ou da indiferena. Do-se conta ainda de que essa gesto tem que incluir, por definio, todos os setores sociais (inclusive empresas madeireiras e mineradoras, agricultores capitalizados, garim-

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peiros etc), para quem os apelos em prol da proteo da biodiversidade e mesmo dos modos de vida dos extrativistas so de difcil aceitao, quando no absurdos. Descobrem tambm que pode existir amplo consenso social (incluindo a populao mais pobre) a favor do uso imediatista, destrutivo e imprevidente dos recursos naturais e, consequentemente, da liquidao da biodiversidade (Milano, 2001; Milano, 2002; Magnanini, 2002). instrutivo, nesse sentido, que a ex-Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, expoente maior do socioambientalismo, depois de mais de cinco anos no cargo, tenha includo em sua tortuosa carta de demisso (de maio de 2008) o plano de reassumir o seu mandato no Senado Federal com a finalidade expressa de ajudar a reconstruir o apoio poltico questo ambiental. Ela no diz quem destruiu essa agenda, nem como essa destruio seria compatvel com o seu longo perodo no poder e com os sucessos que alega ter alcanado na sua gesto. Ela no admite a possibilidade de que os prprios socioambientalistas tenham sido os maiores responsveis por essa desconstruo, ao dilurem a questo propriamente ambiental (proteo da biodiversidade) no torvelinho dos numerosos e complexos problemas sociais. Como os socioambientalistas defendem o atrelamento das questes da proteo da biodiversidade ao imperativo do resgate da dvida social, e como virtualmente todos os indicadores sociais do pas vm melhorando sensivelmente desde 1995, os inimigos da poltica (scio) ambiental da ex-ministra, em vez de aplacarem o seu mpeto desenvolvimentistaa-qualquer-custo, insistem agora, ainda mais fortemente, nas virtudes do modelo vigente. Insistem em apontar as limitaes que a proteo da biodiversidade criaria para o desenvolvimento. sua moda, esses atores so tambm socioambientalistas primeiro e acima de tudo vem o social, muito depois vem o ambiental (Dourojeani e Pdua, 2001). De outro lado, as complexidades da execuo e do sucesso das polticas sociais e de desenvolvimento local so hoje muito mais bem entendidas do que h 15 ou 20 anos atrs. A po-

breza teimosa e no recua perante boas intenes e praticas participativas ocas. Isso enfraquece a viso otimista ou ingnua? de que as UCs tenham alguma importncia especial (ou sejam agentes ou vetores) na execuo de polticas sociais e do desenvolvimento local. Muito mais est em jogo do que a poltica de UCs. Desenvolvimento social, mitigao da pobreza, incluso etc dependem de escolas pblicas (inclusive as tcnicas), postos de sade e hospitais, campanhas curativas, preventivas e informativas de sade pblica, justia, documentao pessoal e de propriedade, habitao popular, saneamento, transporte, segurana pblica, previdncia social, direitos trabalhistas e sindicais, crdito bancrio e muito mais. Nem diretores ou funcionrios de UCs, nem conselhos de UCs, nem os ambientalistas de um ou outro campo sabem fazer nada disso, mesmo porque no cabe a eles fazer isso (Drummond et al, 2006; Milano, 2002). No mencionamos ainda outra constelao de fatores complexos e imprescindveis ao desenvolvimento e incluso. Ela pode ser resumida nos investimentos produtivos privados, ou nos estmulos s unidades produtivas instaladas e a instalar, nos estudos de mercado, na montagem de APLs, no treinamento de mo-de-obra, no apoio ao empreendedorismo e assim por diante. Sem produo continuada e empreendimentos produtivos slidos e interconectados, no existe possibilidade de nenhum tipo de desenvolvimento ou incluso duradouros. Por si ss, servios e polticas pblicas eficientes no criam desenvolvimento, incluso ou bem-estar. De novo, funcionrios de rgos ambientais e ambientalistas nada sabem nem tm obrigao de saber como estimular os negcios (Drummond et al, 2006; Arajo, 2007). Em suma, pensamos que, para melhor alcanar a efetividade das nossas UCs, o momento agora o de um retorno aos ou uma reenfatizao dos princpios da ecologia, da biologia e da biologia da conservao, da geologia, da biogeografia e da pesquisa, proteo e gesto da biodiversidade. Essas diretivas naturalistas podem e devem ser com-

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plementadas, em clave de transversalidade, por outras diretivas (desenvolvimentistas ou sociais) ligadas ao contexto social e histrico de cada unidade, mas dentro da compreenso de que essas outras diretivas quase invariavelmente escapam da competncia e da misso principal das UCs. preciso cobrar essas diretivas a quem de direito. As UCs no so o alvo certo de tais cobranas (Drummond et al, 2006; Milano, 2002; Fernandez, 2000; Wilson, 2002). Para esse retorno, importante manter um clima de dilogo entre as cincias da natureza e as cincias humanas, o s poder ocorrer se houver um esforo de compreenso mtua dos conceitos caractersticos dos dois campos. Isso no pode ser, porm, um exerccio restrito vida acadmica, o que j suficientemente difcil. Tem que se traduzir na autntica transversalidade do desenho e da execuo das polticas pblicas, algo que infelizmente no ocorrer enquanto a atual coalizo estiver no poder. Assim, ainda que possam contribuir para os melhores resultados de polticas sociais, para o desenvolvimento local e para a incluso social, as UCs precisam, antes, ter bases slidas naquilo que o cerne de sua identidade a proteo da biodiversidade (Drummond et al, 2006; Cmara, 2004; Milano, 2002; Fernandez, 2000; Wilson, 2002).

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O valor da legislao ambiental brasileira na conservao da biodiversidade em reas suburbanas: um estudo de caso em Porto Alegre, Brasil

O valor da legislao ambiental brasileira na conservao da biodiversidade em reas suburbanas: um estudo de caso em Porto Alegre, BrasilDemtrio Luis Guadagnin, Dr1 UNISINOS, Laboratrio de Ecologia e Conservao de Ecossistemas Aquticos.

Isabel Cristina Ferreira Gravato, MsC IPA, Curso de Cincias Biolgicas .

RESUMO. As regras para utilizao de terras na legislao ambiental brasileira no foram explicitamente criadas para proteger reas-chave para a biodiversidade. Neste trabalho, ns avaliamos o grau em que reas protegidas como reas de Preservao Permanente (APP) se ajustam a reas-chave para a conservao da biodiversidade nos subrbios de Porto Alegre, no Sul do Brasil. A anlise foi baseada na estrutura e contexto espacial dos bitopos naturais e na distribuio de hbitats potenciais de espcies ameaadas. reas urbanas cobrem 22% da rea estudada, enquanto APPs cobrem 25,8%. Da rea total, 21,5% e 28% foram, respectivamente, consideradas importantes para a biodiversidade, de acordo com as abordagens de filtro no refinado e filtro refinado. 40% das APPs coincidem com reas importantes para a biodiversidade, protegendo 27,5% delas. As margens de corpos de gua contriburam mais do que o esperado para a proteo de reas importantes. Concluiu-se que a legislao brasileira atual sobre o uso da terra no suficiente para proteger as reas-chave para a biodiversidade. Foram tambm discutidas abordagens complementares e os desafios para satisfazer as necessidades de conservao. Palavras-chave: planejamento de conservao, legislao ambiental, habitat, rea, isolamento, conectividade, efeito borda, paisagem urbana.

As paisagens urbanas, o extremo da variao da influncia humana na dinmica de ecossistemas (Forman & Gordon, 1986), se expandiram de forma dramtica recentemente, particu1

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larmente nos pases em desenvolvimento (Cohen, 2004). Nos ltimos 40 anos, a populao mundial aumentou em 65%, enquanto a populao urbana aumentou em 115% (Organizao das Naes Unidas, 2003). Durante o mesmo perodo, a populao brasi-

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leira aumentou em 82%, e sua frao urbana em 165% (IBGE, 2000). Um padro comum da expanso urbana mundial o crescimento de subrbios de baixa densidade habitacional, trazendo conseqncias socioambientais importantes (Zipperer et al., 2000). A conservao da biodiversidade em ambientes urbanos um desafio. reas verdes oferecem hbitats e recursos para a biodiversidade, mas o crescimento urbano tambm apresenta ameaas. Enquanto aumenta a complexidade das reas urbanas, incluindo novas combinaes de uma ampla e refinada mistura de bitopos (Yli-Pelkonen & Niemel, 2005; Zipperer et al., 2000; Wintle et al., 2005), os subrbios em crescimento os rearranjam em um padro desintegrado, perturbam as trajetrias sucessionais nas reas verdes remanescentes (Rebele, 1994; Trepl, 1995), e favorecem o domnio por espcies exticas (Yli-Pelkonen & Niemel, 2005). Enquanto os valores estticos e servios ecossistmicos das reas verdes so reconhecidos economicamente, afetando os valores de terras e propriedades (Tyrvinen, 1997; Breuste, 2004; Li, 2005), seu papel na proteo da biodiversidade raramente reconhecido ou levado em considerao no planejamento urbano (Battisti & Gippoliti, 2004). H uma gama considervel de conhecimento terico e emprico demonstrando que o valor dos bitopos para a conservao da biodiversidade pode ser deduzido pelo arranjo e atributos espaciais (ONeill et al., 1999; Dale et al., 2000; Metzger, 2001). reas grandes e bem conectadas, livres de ameaas externas em seus limites, favorecem a ocorrncia de espcies de interesse em conservar e uma rica biota. Adicionalmente, bitopos so unidades fceis de se planejar. Essas unidades representam a distribuio e estado de conservao da maioria dos componentes da biodiversidade (Rouget, 2003; Lfvenhaft, Runborg & SjogrenGulve, 2004) e so facilmente mapeados e expressos (Lfvenhaft et al. 2002). Esses princpios e diretrizes esto refletidos nas abordagens atuais para identificao de reas de interesse em conservao. Anlises em duplo nvel, como as propostas por Noss (1987) e Rouget

(2003), levam em considerao um filtro no refinado que avalia o estado de conservao de cada hbitat e bitopo, e um filtro fino que identifica as espcies e combinaes de interesse particular. No Brasil h uma falta de legislaes espacialmente explcitas para a proteo de reas importantes para a biodiversidade. Regras espacialmente explcitas podem ser encontradas apenas na legislao nacional para as unidades de conservao (Sistema Nacional de Unidades de Conservao, 2000) e na Resoluo 13/1990 do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Ambas as legislaes impem restries na utilizao de terras nas cercanias das unidades de conservao. A poltica ambiental brasileira tem um histrico de tender para a proteo de recursos aquticos (Cdigo das guas, 1934), florestas (Cdigo Florestal, 1965) e animais (Lei de Proteo Fauna, 1967). Sua influncia ainda est presente nas legislaes (Santos, 2004). De grande importncia, e que esto atualmente sendo debatidas, so as legislaes que regulam o planejamento e utilizao de terras e guas, baseadas nos conceitos de reas de Preservao Permanente (APPs) e reas de Reserva Legal (ARLs). As APPs so espacialmente explcitas e fixas, correspondendo a reas imprprias para a agricultura ou expanso imobiliria, tais como encostas de morros, margens de corpos de gua, e alguns hbitats especficos que so considerados importantes ou vulnerveis, tais como banhados, dunas, manguezais, e outros. ARLs, por outro lado, so pores de propriedades que devem ser reservadas ou usadas em baixa intensidade, e cuja localizao arbitrariamente decidida pelo proprietrio. A proteo da biodiversidade pode ser outro servio fornecido por essas legislaes-chave, mas sua eficincia ainda no foi avaliada. Neste estudo, identificamos reas sob proteo legal e reas que so importantes para a conservao da biodiversidade em um setor da cidade de Porto Alegre que est vivendo um crescimento rpido. Essas reas foram sobrepostas para avaliar em que extenso a aplicao da legislao ambiental inclui as reas mais importantes para a biodiversidade.

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MTODOS rea de estudo Analisamos uma seo de 5.280 ha da Macrozona 8 (FIGURA 1) do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA Porto Alegre, 1999; Menegat et al., 1998), chamado de cidade rural-urbana. Essa macrozona corresponde a 60% da rea municipal e caracterizada por um mosaico de reas residenciais, comerciais, rurais e naturais. Recentemente, a especulao imobiliria e presses para construo de residncias vem criando conflitos com o principal fator atrativo da macrozona a qualidade ambiental. Terrenos elevados, de at 300 metros de altura dominam a poro noroeste, enquanto plancies apresentando colinas baixas e isoladas predominam a su(b) (a)-51 11

deste. A rea de estudo importante local e regionalmente para a conservao est includa nas zonas principal e de amortecimento da Reserva de Biosfera da Mata Atlntica (Lino, 2002), e o PDDUA prev uma rea para Proteo do Ambiente Natural, se estendendo na direo SudesteNoroeste desta seo da cidade. Porto Alegre est localizada em uma zona de transio entre os biomas do cerrado e das florestas decduas (IBGE, 2004). A paisagem original era um mosaico contendo cinco grande tipos de hbitat (Brack, 1998) florestas msicas para midas seguindo um gradiente de altitude, principalmente em plancies e encostas voltadas para o sul; cerrados com palmeiras; arbustos e arbustos entre cerrados e florestas e em encostas voltadas para o norte; campos rupestres em colinas; e banhados.-51 09

ZN-30 06

N

ZT5 km

ZA

IZN ZT ZA

rea de Proteo Ambiental (PPDUA) Por Zona (RBMA) Zona de Transio (RBMA) Zona-Tampo (RBMA)-30 08

FIGURA 1: (a) Zoneamento ambiental de Porto Alegre, no Sul do Brasil, mostrando o local de estudo. As reas em cinza-escuro foram indicadas como de valor especial de conservao pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (PDDUA). As linhas circunscrevem as zonas da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica e Ecossistemas Associados (RBMA). (b) Setor de estudo, apresentando reas urbanas (preto), estradas principais (linhas grossas) e relevo (linhas finas).

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Mapeamento de base e anlises Todas as anlises so baseadas em mapas temticos de topografia, drenagem e cobertura da terra (bitopos), digitalizados ou atualizados a partir do banco de dados do Projeto Pr-Guaba (escala 1:50.000; Rio Grande do Sul, 1992) e imagens do satlite Quickbird adquiridas em 18 de maro de 2003. A interpretao das imagens foi feita visualmente na tela, ajudada pelas rotinas supervisionadas de classificao do aplicativo Idrisi 32 (Eastman, 1999). Vrias rotinas e mdulos do aplicativo Idrisi 32 foram empregados para derivar os mapas temticos (FIGURA 2).

Mapeamento de reas sob proteo legal Analisou-se a legislao ambiental, procurando diretrizes espacialmente explcitas do planejamento ambiental e conservao da biodiversidade (proteo de hbitats e espcies). Trs nveis legais foram levados em considerao: (1) Nacional Constituio Federal (promulgada em 5 de outubro de 1988), Cdigo Florestal (Lei 4.771/1965) e resolues 9/1996, 302/2002 e 303/2002 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente); (2) Estadual Cdigo Ambiental Estadual (Lei 11.520/2000); e (3) municipal Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (Lei 434/1999).

REA PROPORCIONAL (Grupo, rea)

LISTAS VERMELHAS E REQUIRIMENTOS DE HBITATS DE ESPCIES AMEAADAS

LEGISLAO AMBIENTAL

PROXIMIDADE (Custoda distncia, grupo, rea) MAPAS BSICOS: RELEVO, HIDROGRAFIA, RODOVIAS, BITOPOS (Vegetao e rea urbana) PERMEABILIDADE (Custoda distncia, localizao) VULNERABILIDADE AO EFEITO DE BORDA (Custoda distncia, calculador de imegem) NDICES DE ADEQUALIBILIDADE DE HBITATS PARA 13 ESPCIES (Vrias rotinas e mdulos)

NORMAS EXPLCITAS DE PROTEO DO ESPAO

IMPORTNCIA FILTRO NO REFINADO: QUALIDADE DO FRAGMENTO E CONTEXTO (Mdia dos quatro atributos)

IMPORTNCIA FILTRO REFINADO: HBITATS POTENCIAIS PARA ESPCIES SELECIONADAS (Valores mximos de sobreposio)

REAS LEGALMENTE PROTEGIDAS (Calculador de imegem)

SOBREPOSIO DA IMPORTNCIA DA BIODIVERSIDADE E DE PROTEO LEGAL (Calculador de imagem)

FIGURA 2: Rotinas utilizadas para mapeamento e sobreposio de reas sob proteo legal e reas importantes para a conservao da biodiversidade nos limites urbanos de Porto Alegre, Sul do Brasil.

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Mapeamento de reas importantes para a conservao da biodiversidade Adotamos uma estratgia em dois nveis um filtro menos refinado identificando as pores mais importantes de cada bitopo de acordo com atributos espaciais; e um filtro refinado avaliando a importncia dos pixels como hbitats para espcies de interesse especial de conservao. Ns definimos bitopo como uma poro de rea apresentando condies ambientais uniformes, pertencendo a um tipo de hbitat em particular. Todos os critrios foram padronizados para valores de zero (sem importncia), a 1 (importncia mxima) na rea. Levamos em considerao quatro atributos espaciais no filtro no refinado rea do bitopo, isolamento, conectividade e vulnerabilidade a impactos dos arredores. A rea proporcional foi calculada ponderando-se a rea absoluta de cada bitopo pela rea maior desse bitopo. Utilizamos uma medida de isolamento baseada na rea (Tishendorf et al., 2003) a quantidade mdia de hbitat disponvel dentro de quatro comprimentos a partir da borda de uma seo (50, 100, 150, e 200 metros). A conectividade foi definida como uma rea contgua de hbitats semi-naturais em redor de um bitopo (Whited et al., 2000), uma medida no contexto da matriz na qual um bitopo est embutido. A vulnerabilidade de um pixel de um bitopo semi-natural foi considerada uma funo logstica da distncia da borda de um bitopo urbano ou uma estrada, at um limite de 200 metros. Essa funo simula a expectativa que os efeitos de borda tm limites, abaixo e acima dos quais as reaes da comunidade biolgica so de variabilidade mnima (Ewers & Didham, 2006). A vulnerabilidade de um bitopo foi definida como a vulnerabilidade mdia de seus pixels. O mapa de filtro no refinado das reas importantes para a conservao da biodiversidade foi uma mdia dos valores de quatro atributos para cada bitopo, sendo a rea considerada duplamente mais importante do que os outros atributos. Todos os bitopos com valores maiores que ou igual a 0,5 foram considerados como de importncia primria para a conservao.

A anlise atravs de filtro refinado levou em considerao a extenso e qualidade do hbitat para espcies ameaadas de plantas e vertebrados (Decreto Estadual 42.099/2003; Marques et al., 2002). J que no existem pesquisas de campo na rea de estudos, compilamos uma lista de espcies raras, ameaadas de extino e endmicas que potencialmente ocorrem na rea de estudos, conferindo as listas oficiais de espcies ameaadas com as listas de espcies disponveis na regio de Porto Alegre (Brack, 1998; Porto Alegre, 2004). Utilizamos as informaes disponveis sobre exigncias e preferncias de hbitat dessas espcies (Brack, 1998; Marques, 2002; Fontana, 2003; Porto Alegre, 2004) e os mapas temticos para desenvolver ndices de adequao de hbitat (HSI) (Wintle et al., 2005). Espera-se que eles prevejam a distribuio espacial e qualidade dos hbitats para as espcies selecionadas. Ns classificamos os ndices de zero (imprprio) a 1 (o melhor hbitat disponvel na rea de estudo), em uma escala ordinal. Os modelos no foram validados em campo. Consideramos como hbitat de alta qualidade pixels com valores de HSI iguais a ou acima de 0,5. O mapa de filtro refinado de importncia para a conservao da biodiversidade foi obtido pela sobreposio dos mapas para cada espcie. Essa abordagem considera como sendo importantes todos os setores que correspondam ao melhor hbitat disponvel para pelo menos uma espcie classificada como de interesse especial, assegurando assim que todas elas estejam includas no mapeamento de filtro refinado. O mapa final das reas importantes para a conservao da biodiversidade foi obtido sobrepondo-se os mapas com filtro no refinado e refinado. Essa abordagem, ao contrrio daquelas que utilizam mdias, produz uma soluo nootimizada, mas garante que o mapa final contenha tanto as parcelas mais importantes de cada bitopo como os hbitats mais importantes para cada espcie importante. Os mapas das reas sob proteo legal e das reas importantes para a biodiversidade, de acordo com os filtros no refinados e refinados, foram sobrepostos para localizar e quan-

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tificar suas coincidncias e as lacunas na proteo de hbitats e espcies. RESULTADOS Foram identificados e mapeados oito tipos de bitopos (FIGURA 3) quatro hbitats naturais ou semi-naturais (florestas, cerrados, cobertura arbustiva e campos rupestres), e quatro dominados por seres humanos reflorestamentos com espcies exticas (Pinus spp ou Eucalyptus spp.), agricultura, reas urbanas e estradas. A matriz da paisagem composta de reas urbanas (1.214 ha, 23% da rea de estudo), florestas nativas (1.430 ha, 27% da rea) e reflorestamento com rvores exticas (913 ha, 17% da rea). Trs bairros densamente habitados (Glria/Cascata, Restinga e Lomba do Pinheiro) ocorrem na rea de estudo, com orientao noroeste-sudeste e so ligados por um eixo de uma estrada principal.

Subrbios menores esto espalhados pelo setor sul, intercalados com agricultura e cerrados. Nove porcento da rea so ocupados por agricultura (458 ha) e 10% por cerrados (542 ha), a maioria destes na forma de pequenos setores (mximo de 15 ha) na divisa com florestas, cerrados e reas urbanas. Grandes reas de remanescentes florestais nativos (mximo de 203 ha), cobrindo menos de 1% da rea de estudo (35,5 ha), esto concentradas em dois setores separados no nordeste e no sudeste. Pequenas pores de cerrado (mximo de 22 ha) esto dispersos por toda a rea, cobrindo 13% do territrio (688 ha). A anlise da legislao ambiental revelou a existncia de 16 artigos e trs outros argumentos legais governando a utilizao e zoneamento da terra (TABELA 1). Apenas um espacialmente explcito e estabelecido as reas de Preservao Permanente (APP), enquanto outros so arbitrariamente redigidos, como as re-

Floresta nativa Reflorestamento com exticas Agricultura Formaes rochosas Campos Cobertura arbustiva reas urbanas

FIGURA 3: Bitopos de um subrbio de Porto Alegre, Sul do Brasil, enfrentando um rpido crescimento, 2003

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gras para reclamao de posse, explorao de florestas ou recuperao de reas de reserva legal, que compulsria. As regras para a designao de APPs so reproduzidas em vrias decises Estaduais e Federais com pequenas diferenas. Na rea de estudo, 1.336 ha (26%) so APPs de acordo com a resoluo 303/2002 do CONAMA (FIGURA 5). Os topos de morros perfazem 66% (901 ha) das APPs, as margens de corpos de gua respondem por 30% e as encostas ngremes por 4%. Cerca de 28% da rea urbana localizam-se em APPs 75,5% em topos de colinas, 21,5% em margens de corpos de gua e 3% em encostas ngremes.

Um total de 1.115 ha (21,1% da rea estudo) foi mapeado como importante para a conservao da biodiversidade, de acordo com a anlise de filtro no refinado (TABELA 1; FIGURA 4). reas extensas de bitopos naturais, a sua maioria no setor central, perderam sua condio devido vulnerabilidade aos efeitos de borda resultantes da ocupao urbana desordenada. A rea de estudo inclui hbitats em potencial para 13 das 18 espcies que ocorrem em Porto Alegre e cercanias (dez de plantas vasculares, trs de aves e cinco de mamferos; TABELA 2).

TABELA 1. Comparao das reas protegidas pela legislao ambiental brasileira e reas importantes para a conservao da biodiversidade em um setor da borda urbana de Porto Alegre, Sul do Brasil, sob rpida expanso urbana. Os valores correspondem a hectares superpostos.Tipo de rea Total Total urbanizado Filtro no refinado Filtro refinado reas importantes para a biodiversidade

reas legalmente protegidas Encostas ngremes (45) Topos de Colinas Margens de corpos de gua reas no protegidas Total

1.366 54 901 411 3.914 5.280

339 10 256 73 875 1.214

291 16 193 82 824 1.115

406 25 164 226 1.083 1.489

550 29 296 226 1.449 1.999

TABELA 2. Resumo do hbitat disponvel (em hectares) para espcies ameaadas em um setor da borda urbana de Porto Alegre, Sul do BrasilEspcie Categoria* Hbitat Ideal Hbitat Bom Hbitat Mnimo

Aves Euphonia violacea Xanthopsar flavus Mamferos Alouatta guariba clamitans Herpailurus yaguarondi Leopardus tigrinus Oncifelis geoffroyi Plantas vasculares Butia capitata Apuleia leiocarpa Ocotea catharinensis Chionanthus filiformis Cattleya intermedia Picramnia parvifolia Urera nitida * VU = vulnervel; AM = ameaada.

VU VU VU VU VU VU EN VU VU EN VU VU VU

1.293 0 1.431 55 1.431 55 3 0 0 0 128 0 0

1.136 723 0 4.011 2.635 4.011 1.064 1.460 1.142 1.142 1.303 1.142 1.142

0 458 0 0 0 0 197 511 829 829 0 829 829

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A rea fornece um extenso hbitat potencial para Allouata fusca e Leopardus tigrinus, enquanto nenhum hbitat preferido est disponvel para cinco espcies de plantas (Apuleia leiocarpa, Ocotea catharinensis, Chionanthus filiformis, Picramnia parvifolia, Urera nitida) e uma espcie de ave (Xanthopsar flavus). No h hbitat, na rea de estudo, para Lontra longicaudis (VU) e Ephedra tweediana (AM). No h informao disponvel suficiente para se fazer um modelo para Clibanornis dendrocolaptoides (VU), Tillandsia aeranthos var. aemula (VU) e Tibouchina asperior (AM). A maioria das espcies prefere hbitats florestais. Oito espcies (Cattleya intermedia, Ocotea catharinensis, Chionanthus filiformis, Picramnia parvifolia, Urera nitida, Butia capitata, Oncifelis geoffroyi, Herpailurus yaguarondi) esto em reas associa-

das a hbitats ribeirinhos; trs outras (Butia capitata, Herpailurus yaguarondi, Oncifelis geoffroyi) preferem hbitats abertos. Um total de 1.489 ha (28% da rea de estudos) corresponde a hbitats potenciais de alta qualidade para pelo menos uma espcie com interesse de preservao (TABELA 1; FIGURA 4). A sobreposio dos mapas de filtros no refinado e refinado resultou em 1.999 ha (25,4% da rea de estudo) de reas importantes para a conservao da biodiversidade (TABELA 1; FIGURA 5). Desta rea, 550 ha so protegidos como APPs 27,5% das reas mapeadas como importante para a biodiversidade, ou 40% das reas mapeadas como APPs. Topos de morros contriburam menos do que o esperado para a conservao da biodiversidade (53% das reas

I Filtro refinado I Filtro no refinado I reas sobrepostas

FIGURA 4: reas importantes para a conservao da biodiversidade na borda urbana de Porto Alegre, Sul do Brasil, de acordo com as abordagens de filtros no refinado (cinza claro, total de 510 ha; 25% da rea de estudo) e refinado (cinza escuro, total de 884 ha; 44% da rea de estudo). reas sobrepostas (640 ha; 30% da rea de estudo) so mostradas em preto. O filtro no refinado baseado em atributos espaciais dos bitopos (rea, isolamento, conectividade e vulnerabilidade a impactos das redondezas). O filtro refinado baseia-se em distribuio prevista de hbitat em potencial para 13 espcies ameaadas de extino de plantas vasculares e vertebrados.

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I Legalmente protegida I Importante para aBiodiversidade

I reas sobrepostas

FIGURA 5. Equivalncia das reas protegidas pela legislao ambiental brasileira (1.336 ha; 26% da rea de estudo) e reas importantes para a conservao da biodiversidade (1.999ha; 38% da rea de estudo) em uma borda urbana de Porto Alegre, Sul do Brasil. As reas equivalentes somam 550 ha.

importantes protegidas), enquanto as margens de corpos de gua (41%) e encostas ngremes (5%) contriburam em um grau maior.

sagens dominadas por seres humanos, rurais ou urbanas, cuja cobertura original inclui um mosaico de hbitats. Documentos legais que se concentram em processos ecossistmicos e na proteo de florestas, como o caso da criao das APPs brasileiras (Santos, 2004), so comuns no mundo inteiro (Tjallingii, 2000; Sutherland, 2002; Battisti & Gippoliti, 2004). Entre as reas legalmente protegidas, as margens de corpos de gua foram particularmente importantes para a conservao da biodiversidade na rea estudada. Esses hbitats ribeirinhos fornecem boas oportunidades para a implementao de corredores de biodiversidade (Rouget et al., 2006), assim como reas verdes de alto valor social e para o ecossistema (Li,

DISCUSSO Este estudo mostra que as regras espacialmente explcitas na legislao ambiental brasileira a criao de reas de Preservao Permanente (APP), no so suficientes para a proteo de reas importantes para a conservao da biodiversidade nos subrbios de Porto Alegre. Na rea de estudo, como de conhecimento geral, a ocupao humana no aleatria, expandindo-se primariamente sobre as plancies baixas e produzindo um arranjo desintegrado de bitopos. Isso provavelmente se aplica todas as pai-

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2005). No entanto, sua proteo e recuperao so um desafio no Brasil, devido a presses de especuladores imobilirios para suavizar a legislao sobre APPs e reservas legais (Arajo, 2002), como as que vem provocando os debates atuais em torno de um novo documento legal (Lei 6.514), relativo aplicao da Lei dos Crimes Ambientais. A abordagem desse trabalho, ou seja, a identificao de reas importantes, o primeiro passo para um processo de estabelecimento de prioridades de conservao (Margules & Pressey, 2000). No se abordou a otimizao da superfcie necessria para a conservao da biodiversidade. Idealmente, os filtros refinados utilizam a distribuio real das populaes importantes, o que no foi possvel em nosso caso, devido falta de informaes, uma limitao provavelmente comum a muitos exerccios de planejamento no mundo inteiro (Tucker et al., 1997; Sanderson et al., 2002; Wintle et al., 2005). No entanto, o presente trabalho no tinha como finalidade o planejamento sistemtico, mas localizar todas as reas consideradas importantes para a biodiversidade e avaliar o quanto so representadas no Brasil pela legislao espacialmente explcita. Os mapas produzidos estabelecem um suporte para o planejamento urbano e para a negociao entre as demandas competidoras por reas verdes (Marzluff, 2002). As paisagens humanas e os cenrios de conservao da biodiversidade em reas urbanas se transformaro de acordo com a abordagem adotada. Abordagens ecossistmicas so freqentemente aplicadas em planejamentos urbanos. Elas normalmente do preferncia a reas protegidas que satisfaam as exigncias humanas, em funo da falta de espaos verdes e abertos, das fortes presses imobilirias e da ausncia de reconhecimento pblico com relao biodiversidade escondida das cidades (Marzluff, 2002; Miller & Hobbs, 2002; Breuste, 2004). Essas condies podem levar a um aumento na

fragmentao e complexidade espacial (Swenson & Franklin 2000; Robinson et al., 2005), como constatado na rea estudada. Alm disso, as reas verdes resultantes tendero a ser dominadas por espcies ruderais e exticas e jardins muito elaborados (Dale, 2000; YliPelkonen & Niemel, 2005). A abordagem de biodiversidade, por outro lado, requer a proteo de grandes e contguas reas de remanescentes florestais e mosaicos de hbitats selvagens (Sharpe et al., 1981; Zipperer et al., 2000). A integrao dessas abordagens conflitantes nas reas urbanas em expanso um desafio de planejamento que ainda no foi devidamente enfrentado (Lfvenhaft et al., 2004; Radeloff et al., 2005). A proteo legal de reas importantes para a biodiversidade no Brasil claramente requer instrumentos outros que no as APPs, especificamente criados e usados para essa finalidade. Oportunidades flexveis para complementar essa proteo so a criao apropriada de reas de Reserva Legal (ARLs) e a implementao de planos de zoneamento. Ambos no so espacialmente explcitos na legislao atual. Eles tambm podem contribuir para superar as limitaes da implementao de corredores de biodiversidade atravs apenas de hbitats ribeirinhos (Rouget et al., 2006). Atualmente, as ARLs so arbitrariamente localizadas, seguindo negociaes entre proprietrios de terras e autoridades. Planos de zoneamento so, tanto legal como politicamente, menos poderosos do que as APPs e as ARLs, e no h regras explcitas sobre como satisfazer as necessidades da biodiversidade em tais exerccios. O mundo est se tornando progressivamente urbano e os impactos associados a esse tipo de uso da terra esto aumentando (Li et al., 2005; Lfvenhaft et al., 2002; McGranahan. & Satterthwaite, 2003). A legislao brasileira atual tende mais proteo de processos ecossistmicos e apenas para alguns tipos de hbitats, particularmente de florestas. Portanto, ela no adequada para a conservao de amostras representativas de todos os hbitats e espcies importantes. Por outro lado, as estratgias

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atuais de identificao de reas prioritrias para a biodiversidade no levam em considerao os valores humanos e as exigncias por reas verdes. Para ir ao encontro da meta de conservao da biodiversidade neste contexto, necessrio compreender os padres e processos da expanso urbana e desenvolver abordagens sensatas e novas de legislao e planejamento.

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Agradecemos a Edward Benya, Eduardo Velez e Emerson Vieira, que gentilmente revisaram o manuscrito.

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Ktia Torres Ribeiro - Jaqueline Serafim do Nascimento - Joo Augusto Madeira - Leonardo Cotta Ribeiro

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Aferio dos limites da Mata Atlntica na Serra do Cip, MG, Brasil, visando maior compreenso e proteo de um mosaico vegetacional fortemente ameaadoKtia Torres Ribeiro1 ICMBio Jaqueline Serafim do Nascimento Conservao Internacional do Brasil Joo Augusto Madeira ICMBio Leonardo Cotta Ribeiro Instituto Guaicuy / SOS Rio das Velhas RESUMO. A Serra do Cip (Cadeira do Espinhao, MG) famosa pela riqueza e endemismo dos campos rupestres, complexo vegetacional sobre solos quartzosos, includos oficialmente no Bioma Cerrado. Forte contraste climtico imposto pelo macio montanhoso fitofisionomias de Cerrado predominam nas partes baixas a oeste, e as vertentes orientais sustentam fragmentos de Mata Atlntica, antes contnua em todo o vale do rio Doce, com embabas-brancas (Cecropia hololeuca), palmitos-juara (Euterpe edulis) e indais (Attalea oleifera). Mesmo sem espcies caractersticas do Cerrado, mapas oficiais consideram essas encostas como campos limpos ou sujos, erro devido, possivelmente, ao difcil discernimento em imagens de satlite de fisionomias abertas sobre solos arenosos, degradao das matas ou escala empregada na delimitao dos biomas. Com base em testemunhos cientficos antigos e recentes, mapeamento em campo da distribuio das espcies arbreas citadas acima, indicadoras de Mata Atlntica, de fcil visualizao, da contigidade das matas e posicionamento de frentes estacionrias, redelimitamos o bioma Mata Atlntica na regio em escala 1:100.000, com acrscimo de 49.856 ha (Parque Nacional da Serra do Cip: 8.067 ha; APA Morro da Pedreira, que o circunda: 41.789 ha), ainda sob forte presso de desmatamento, recomendando sua incluso nas aes e planejamentos dirigidos Mata Atlntica e subsidiando o zoneamento e gesto das duas UCs. Enxergar os campos rupestres, j considerados como fitocria autnoma, como inseridos entre dois biomas ricos e dinmicos auxilia, ainda, na compreenso da sua evoluo. Palavras-chave: Biogeografia, Campos Rupestres, Legislao Ambiental, Mata de Neblina, Sensoriamento remoto.

INTRODUO A classificao do mundo natural uma tarefa essencial e bsica para a construo do conhecimento, seja ele cientfico ou no. A defi-

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nio de categorias e a distribuio dos elementos nas categorias criadas uma atividade complexa e com forte componente de subjetividade, o que a torna sujeita a debates e discordncias recorrentes (Durkhein & Mauss, 1981). Tal considerao no nenhuma novidade, mas freqentemente as categorias e suas delimitaes so entendidas como verdades

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Aferio dos limites da Mata Atlntica na Serra do Cip, MG, Brasil, visando maior compreenso e proteo de um mosaico vegetacional fortemente ameaado

em si, e no como tentativas humanas de organizar sua compreenso do mundo natural, problema agravado quando estas classificaes precisam servir de base para leis. Mas os componentes do mundo natural no costumam respeitar fronteiras por ns criadas, de modo que as revises com base em novas informaes so sempre necessrias. No caso da Mata Atlntica, bioma extremamente diverso e dos mais ameaados do mundo (Myers et al., 2000), tema deste trabalho, afirma Cmara (2005) que se trata de um termo popular sem significado cientfico preciso. O nome faz aluso sua proximidade com o Oceano Atlntico, em toda a costa brasileira, mas no suficiente para contemplar toda a variedade de situaes encontradas. Para fins legais e conservacionistas, desde a dcada de 1980 so muitos os esforos em busca de consensos quanto delimitao da Mata Atlntica, processo este dificultado por sua caracterstica diversidade de composies e fisionomias, por sua devastao, que dificulta ou impede a reconstituio da continuidade florestal ou das fisionomias originais, e pelas presses polticas pela restrio da abrangncia da denominao. Em 1990, foi realizado um workshop com 40 especialistas que concordaram que a expresso mata atlntica deveria designar as florestas pluviais do litoral, as matas sulinas mistas com araucria e laurceas, as florestas estacionais decduas e semidecduas interioranas; e os ecossistemas associados (...) (Cmara, 2005). A definio ampla de Mata Atlntica foi incorporada legislao, e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) incluiu em 1993, atravs da Resoluo 010/93, todas as referidas formaes no Domnio da Mata Atlntica. Esta compreenso, que se apoiava em dados consistentes de flora e fauna, foi posteriormente corroborada de forma ainda mais slida pelo trabalho analtico de Oliveira-Filho & Fontes (2000) que, comparando no mbito de espcies, gneros e famlias a composio florstica de 125 levantamentos fitossociolgicos realizados na Amaznia, no domnio dos Cerrados e em to-

do o domnio acima referido da Mata Atlntica, confirmaram a afinidade florstica de todas as matas atlnticas montanas, interioranas, litorneas; do sul ao nordeste distanciadas das amostras de floresta amaznica e cerrado, fosse no conjunto de espcies, de gneros ou de famlias de plantas arbreas. No foram encontrados argumentos para deixar as matas estacionais fora dos limites do domnio da Mata Atlntica, uma vez que elas constituem um continuum na distribuio das espcies em direo ao interior do continente (Oliveira-Filho & Fontes, 2000). Em Minas Gerais, esta posio foi reiterada em 2005 no workshop Definio e delimitao dos domnios e subdomnios das paisagens naturais do estado de Minas Gerais (Oliveira-Filho et al., 2006). Apesar de aceitarem, de forma pragmtica, os limites propostos no mapa de biomas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica), os autores defenderam claramente que as disjunes florestais nos domnios do Cerrado e da Caatinga deveriam ser considerados como partes integrantes da Mata Atlntica devido afinidade florstica e estrutural e alta relevncia destas formaes disjuntas para a conservao da biodiversidade (Oliveira-Filho et al., 2006). Muitos pesquisadores concordam que pores expressivas da Mata Atlntica ficaram fora dos limites oficiais do bioma, como se depreende de Hirota (2005), quando diz que importante destacar os esforos da Fundao SOS Mata Atlntica e do INPE no sentido de mapear os remanescentes florestais das reas anteriormente no avaliadas, como as matas secas, especialmente os encraves e as florestas estacionais decduas e semidecduas, nos estados do Piau, Bahia e Minas Gerais. Como enfatiza Sutherland (2000), o conhecimento da abundncia e distribuio dos diferentes tipos de hbitat e seu grau de conservao, em diferentes escalas, uma das ferramentas essenciais de gesto e definio de prioridades. Tal tarefa exige defin