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NATUREZA DA CIÊNCIA NUMA PROPOSTA DE SEQÜÊNCIA DIDÁTICA: EXPLORANDO OS PENSAMENTOS DE ARISTÓTELES E GALILEU SOBRE O MOVIMENTO RELATIVO Alessandro Frederico da Silveira a [[email protected]] Ana Raquel Pereira de Ataíde a [[email protected]] Ana Paula Bispo da Silva a [ [email protected]] Morgana Lígia de Farias Freire a [[email protected]] a Departamento de Física - Universidade Estadual da Paraíba Resumo: Ao longo dos últimos anos, a pesquisa em ensino de ciências, e mais especificamente em ensino de Física, tem evidenciado a importância do papel desempenhado pela história e filosofia da ciência (HFC) no ensino e aprendizagem das ciências, bem como da sua utilização como contribuinte para a compreensão de sua natureza. Conscientes da necessidade de uma reflexão crítica que os estudantes precisam desenvolver sobre a ciência, em particular acerca de sua natureza, apresentamos uma proposta de uma seqüência didática , a fim de proporcionar uma melhoria em seus conhecimentos e a compreensão da ciência como construção humana. Pretendemos fazer através desta proposta de seqüência didática um paralelo entre as possíveis representações trazidas pelos alunos “recém-ingressos” no curso de Licenciatura Plena em Física da Universidade Estadual da Paraíba sobre movimento relativo e as idéias defendidas por Aristóteles e Galileu sobre este assunto. Realizamos algumas atividades práticas com a utilização de oficinas e estudos de textos retirados do livro de Galileu, “Diálogos sobre os dois máximos sistemas do mundo” e artigos publicados em periódicos nacionais de História e Ensino de Ciências. A seqüência didática empregada permitiu explorar os parâmetros sobre a NDC através do episódio histórico sobre movimento relativo, contribuindo para o enriquecimento do assunto. De um modo geral, os alunos mostraram-se satisfeitos com a abordagem histórica utilizada para tratar do conteúdo estudado. Desta forma, consideramos que o uso da história apresentou um aspecto positivo, pois foi possível a desmistificação da física por parte do aluno, que passou a encará-la como algo em constante transformação. I NTRODUÇÃO O processo ensino-aprendizagem de Física, no Brasil, tem sido reconhecido em diversos estudos como deficiente, tanto no que se refere à formação docente como discente (FOUREZ, 2003; VAZ, 2002). Este ensino encontra-se traduzido apenas na débil aprendizagem dos conceitos físicos e do instrumental matemático, sem ter a preocupação com as relações existentes entre eles e de como a história e a filosofia da ciência poderia contribuir para uma compreensão da estruturação destes conceitos físicos. Ensinar Física, em todos os níveis, tem sido uma tarefa difícil. Os alunos parecem aprender muito cedo a desenvolverem uma atitude negativa em relação a ela, estudando-a mais por uma imposição curricular do que por satisfação pessoal. Em geral, o ensino de Física ainda se caracteriza pelo excesso de atenção dada a exercícios repetitivos, problemas resolvidos mecanicamente, pela

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NATUREZA DA CIÊNCIA NUMA PROPOSTA DE SEQÜÊNCIA DIDÁTICA: EXPLORANDO OS PENSAMENTOS DE ARISTÓTELES E GALILEU SOBRE O MOVIMENTO RELATIVO

Alessandro Frederico da Silveira a [[email protected]]

Ana Raquel Pereira de Ataídea [[email protected]]

Ana Paula Bispo da Silvaa [[email protected]]

Morgana Lígia de Farias Freirea[[email protected]]

a Departamento de Física - Universidade Estadual da Paraíba

Resumo:

Ao longo dos últimos anos, a pesquisa em ensino de ciências , e mais especificamente em ensino de Física, tem evidenciado a importância do papel desempenhado pela história e filosofia da ciência (HFC) no ensino e aprendizagem das ciências, bem como da sua utilização como contribuinte para a compreensão de sua natureza. Conscientes da necessidade de uma reflexão crítica que os estudantes precisam desenvolver sobre a ciência, em particular acerca de sua natureza, apresentamos uma proposta de uma seqüência didática , a fim de proporcionar uma melhoria em seus conhecimentos e a compreensão da ciência como construção humana. Pretendemos fazer através desta proposta de seqüência didática um paralelo entre as possíveis representações trazidas pelos alunos “recém-ingressos” no curso de Licenciatura Plena em Física da Universidade Estadual da Paraíba sobre movimento relativo e as idéias defendidas por Aristóteles e Galileu sobre este assunto. Realizamos algumas atividades práticas com a utilização de oficinas e estudos de textos retirados do livro de Galileu, “Diálogos sobre os dois máximos sistemas do mundo” e artigos publicados em periódicos nacionais de História e Ensino de Ciências. A seqüência didática empregada permitiu explorar os parâmetros sobre a NDC através do episódio histórico sobre movimento relativo, contribuindo para o enriquecimento do assunto. De um modo geral, os alunos mostraram-se satisfeitos com a abordagem histórica utilizada para tratar do conteúdo estudado. Desta forma, consideramos que o uso da história apresentou um aspecto positivo, pois foi possível a desmistificação da física por parte do aluno, que passou a encará-la como algo em constante transformação.

INTRODUÇÃO

O processo ensino-aprendizagem de Física, no Brasil, tem sido reconhecido em diversos estudos como deficiente, tanto no que se refere à formação docente como discente (FOUREZ, 2003; VAZ, 2002). Este ensino encontra -se traduzido apenas na débil aprendizagem dos conceitos físicos e do instrumental matemático, sem ter a preocupação com as relações existentes entre eles e de como a história e a filosofia da ciência poderia contribuir para uma compreensão da estruturação destes conceitos físicos.

Ensinar Física, em todos os níveis, tem sido uma tarefa difícil. Os alunos parecem aprender muito cedo a desenvolverem uma atitude negativa em relação a ela, estudando-a mais por uma imposição curricular do que por satisfação pessoal. Em geral, o ensino de Física ainda se caracter iza pelo excesso de atenção dada a exercícios repetitivos, problemas resolvidos mecanicamente, pela

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utilização de uma sucessão de “fórmulas”, muitas vezes decoradas de forma literal e arbitrária, em detrimento de uma aná lise mais profunda, visando à compreensão dos fenômenos e conceitos físicos envolvidos. Esta questão amplamente discutida em diversos estudos fortalece e necessidade de refletir esta problemática na tentativa de buscar soluções que venham se traduzir em novas possibilidades de estratégias para o ensino de Física (MOREIRA, 2000)

Ao longo dos últimos anos, a pesquisa em ensino de ciências, e mais especificamente em Física, tem evidenciado a importância do papel desempenhado pela história e filosofia da ciência (HFC) no ensino e aprendizagem das ciências, bem como da sua utilização como contribuinte para a compreensão de sua natureza, tanto por parte dos estudantes como dos professores. Como fator que revela este cenário existe um número grande de artigos publicados em revistas especializadas da área que reservam espaços específicos para essa temática (MATTHEWS, 1995; BRASIL, 2002; GIL-PEREZ&CARVALHO, 1995; BATISTA, 2004; SEROGLOU&KOUMARAS, 2001; TEIXEIRA, EL-HANI, FREIRE JR., 2001, DUARTE, 2004).

O uso da história e da filosofia no ensino de ciências tem sido recomendado como uma forma de humanizá-las, como uma tentativa de aproximação com os interesses dos alunos. Isto pode oportunizar um entendimento mais integral da ciência e a formação de um aluno mais crítico e menos preso a concepções que limitam a sua visão de ciência. Além disso, poderia tornar as aulas mais interessantes, instigantes e dinâmicas, dando oportunidade ao estudante de entrar em contato com o processo de transformação pelo qual passou o conhecimento científico. (Piaget e Garcia , 1982,). Pesquisas também vêm sendo feitas analisando as diferentes formas de levar a história para a sala de aula e suas implicações na aprendizagem (ver, por exemplo, CASTRO, 2004; PEDUZZI, 2001; SILVA, 2006; TEIXEIRA&FREIRE JR., 1999; VANUCCHI, 1996, entre outras ).

Para Matthews, a educação científica é enriquecida, além de mais fiel ao seu conteúdo, se aspectos da relação interessante e complexa entre Ciência e Filosofia puderem ser levados à sala de aula. (MATTHEWS,1995). Esclarece ainda que não se pretenda de modo algum que a inclusão desses tópicos nas disciplinas de ciências provoque a substituição de seu conteúdo por HFS (História, Filosofia e Sociologia da Ciência), mas que se deve buscar um equilíbrio entre estes.

Ao tratarmos da formação de professores as contribuições mais relevantes da HFC são as possibilidades de maior compreensão da natureza da ciência por parte dos professores, uma vez que pesquisas realizadas com professores indicam que esses apresentam concepções “inadequadas” ou “deformadas” de ciência, (ABD-EL-KHALICK E LEDERMAN, 2000 e PÉREZ et al, 2001), as quais acabam sendo passadas para os estudantes. Portanto, se pretendemos formar professores capazes de discutir não só a Ciência, mas também sobre ela, e, consequentemente, se almejamos um aluno consciente do mundo em que vive e apto a compreendê-lo, é necessário que outras abordagens sejam realizadas tanto na formação de professores quanto em sala de aula (MOURA e SILVA, 2007). O estudo da Natureza da Ciência (NDC) pode facilitar es sa mudança.

A NDC é um conjunto de conhecimentos sobre a ciência que tratam de seus métodos, objetivos, limitações, influência etc, sendo sua inclusão no ensino de ciências uma das metas atuais da educação (MATTHEWS, 1995; BRASIL, 2002). Apesar de não ser possível encontrar um consenso sobre a natureza da ciência entre os diversos ramos da ciência, alguns parâmetros podem ser tomados como referência para a sua compreensão. Estes parâmetros servem, e serviram, como base para a elaboração de projetos pedagógicos e reelaboração de currículos em ensino de ciências internacionalmente, que visavam suprir as deficiências da educação em ciências.

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Alguns desses parâmetros estão muito claros em Pumfrey (1999, p. 61) e serviram para a elaboração deste trabalho. São e les:

• Uma observação relevante não é possível sem uma expectativa pré-existente;

• Teorias científicas não podem ser provadas

• Conhecimento científico não é estático e convergente, mas mutável e em aberto;

• Discordâncias são sempre possíveis.

Uma abordagem histórica e a utilização de episódios históricos no ensino podem viabilizar a discussão de aspectos de NDC em sala de aula, uma vez que oferecem um panorama mais amplo dos fatos históricos e da construção da ciência. E com esta discussão no curso formador de professores pode-se vislumbrar a possibilidade de ocasionar mudanças nas concepções de NDC dos futuros professores e despertar para um novo recurso que pode ser utilizado em sala de aula (no caso a HFC), o qual poderá contribuir tanto na imagem de ciência dos estudantes como para o processo ensino aprendizagem.

Neste sentido, apresentamos neste trabalho, uma seqüência didática onde trabalhamos um conteúdo específico da Física, o movimento relativo, através de textos que têm como base as visões de mundo de Aristóteles e Galileu. Através deles discutiremos não só essas visões, mas também a natureza da ciência, contribuindo desta forma para despertar nos futuros professores, estudantes de licenciatura em física, a idéia de que a construção do conhecimento cientifico não se dá de forma linear.

A ESCOLHA DO EPISÓDIO HISTÓRICO: POR QUE O MOVIMENTO RELATIVO?

O episódio histórico envolvendo o movimento relativo foi escolhido pelo fato de proporcionar a compreensão tanto de um conceito que os alunos apresentam dificuldade, que é referencial em movimento, quanto de concepções de mundo envolvidas nas idéias de Aristóteles e Galileu.

A compreensão do referencial em movimento é importante não apenas para as transformações de Galileu, como também para outras partes da física em que esse modelo é utilizado na análise do movimento1.

Quanto à concepção de mundo, a análise deste episódio permite explorar as hipóteses da física aristotélica e as mudanças na física, decorrentes da adoção do sistema copernicano. Além disso, os textos utilizados permitem, a partir do estudo histórico, explorar aspectos relevantes para a compreensão da natureza da ciência, como será observado a seguir.

DES ENVOLVENDO A SEQÜÊNCIA DIDÁTICA :

Com o intuito de desenvolver este estudo elaboramos algumas atividades que foram estruturadas a partir de um planejamento pedagógico entre os professores ministrantes do curso para quatro encontros, de 2 h/aula cada, totalizando uma carga horária de 8 horas. Como nossa pretensão 1 Como, por exemplo a análise de efeito Doppler.

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era criar uma seqüência didática que conduzisse o aluno a uma reflexão acerca da natureza da ciência, nos apoiamos nas idéias defendidas por Aristóteles e Galileu, fazendo um paralelo com as representações trazidas pelos alunos sobre o assunto. O curso foi ministrado para uma turma de 16 alunos, ingressantes no primeiro semestre de 2008 no curso de Licenciatura em Física da Universidade Estadual da Paraíba.

Descrevendo os encontros:

Primeiro encontro:

Para iniciarmos o nosso trabalho, entregamos aos alunos um Pré-teste (anexo 1), com o objetivo de investigar as concepções trazidas pelos mesmos acerca de movimento relativo e da natureza da ciência. Consideramos esta atividade como valiosa, ao entendermos que os conhecimentos trazidos pelos alunos, suas idéias e conceitos são de grande importância, para que haja uma aprendizagem significativa, e quando não reconhecidos poderão tornar-se obstáculos , que de acordo com Staub (2005), podem bloquear o processo de construção de um novo conhecimento.

Ainda neste encontro, após a aplicação da sondagem ant eriormente descrita, dividimos a turma em grupos com quatro alunos cada, o que nos permitiu trabalharmos dois textos acerca das idéias de Aristóteles e Galileu sobre movimento, com as quatro equipes constituídas. Dois dos grupos (grupos A e B) receberam o texto: Física Aristotélica: por que não considerá-la no ensino da mecânica? 2 Enquanto que os outros dois grupos (grupos C e D) receberam o texto: Galileo e o Principio da Relatividade 3. Esses textos foram escolhidos por tratarem do episódio histórico que escolhemos como objeto de estudo. Foi proposto então aos alunos, que lessem os textos, identificando o que seria relevante no que concerne às idéias de Aristóteles (grupos A e B) e Galileu (grupos C e D), acerca de como os movimentos acontecem, e que trouxessem para o próximo encontro, a(s) resposta(s), para o questionamento: Qual a visão de mundo e de movimento para Aristóteles (grupos A e B) ou Galileu (grupos C e D)?

Segundo encontro :

No segundo dia iniciamos nossas atividades com a proposta de que os grupos deveriam apresentar oralmente as respostas dadas aos questionamentos antes realizados. Neste sentido, a fim de dinamizar a participação dos alunos e viabilizar a apresentação dos grupos, realizamos uma oficina pedagógica, em que os grupos receberam folhas de papel madeira e pincéis atômicos, para confeccionarem os cartazes que deveriam utilizar na apresentação. Depois de todos aprontarem seus cartazes, iniciamos a apresentação dos grupos. A seqüência de apresentação foi: primeiro os grupos A e B, que trataram do pensamento aristotélico sobre movimento fizeram sua apresentação e em seguida os grupos C e D, apresentaram as idéias de Galileu sobre o movimento.

Após os debates, apresentamos aos alunos um estudo sobre a Natureza da Ciência, especificamente de que a ciência é resultado de uma construção humana, baseando-se em autores como (CHALMERS, 1994; HENNING,1998, STAUB, 2005, NASCIMENTO, 2004; PUMFREY, 1991), finalizando as atividades neste segundo dia de aula.

2 Artigo de autoria de Luiz O. Q. Peduzzi, publicado no Caderno Catarinense de Ensino de Física, v.13, n1: p. 48-63, abr. 1996. 3 Artigo de autoria de Roberto de Andrade Martins publicado nos Cadernos de Historia e Filosofia da Ciê ncia, n. 9, p. 69 -86, 1986.

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Terceiro encontro :

Neste dia, desenvolvemos uma segunda oficina com o grupo de alunos, apoiados num recorte de texto extraído do livro de Galileu (anexo 2), “Diálogo sobre os dois maiores sistemas de mundo” (GALILEU, 2001, p. 249-251) que reproduz o diálogo entre os personagens Simplício, Salviati e Sagredo,. Iniciamos com uma proposta de criarem uma dramatização daquele diálogo, assim convidamos três alunos para interpretarem os personagens, os quais tiveram um tempo de 30 minutos para estudarem a encenação. Neste momento, o restante da turma permaneceu em sala estudando o texto supracitado, até a dramaturgia ser iniciada em sala de aula.

Após a apresentação, propomos uma atividade, que era identificar quais dos personagens eram seguidores das idéias apresentadas por Aristóteles e Galileu, apresentando e justificando com base nos textos trabalhados nos dias anteriores os argumentos que o levaram àquela escolha. Com esta atividade foi gerado um grande debate em sala de aula pois os alunos passaram também a verificar as controvérsias entre os personagens acerca do movimento relativo. Em seguida pedimos que todos os alunos nos apresentassem, individualmente, suas idéias acerca do que fora discutido em sala de aula, especificamente um paralelo acerca de suas idéias e dos pensamentos aristotélicos e galileanos sobre movimento.

Quarto encontro:

Para este último dia de curso, desenvolvemos duas atividades. Inicialmente abordamos o movimento relativo numa perspectiva do formalismo matemático, apoiados em autores como (HALLIDAY, 1996, e NUSSENZVEIG, 2002). Onde o intuito foi mostrar a relação que existe entre o assunto tratado no curso e a matemática. Nesta atividade fizemos exposição de conteúdo com uso de recursos multimídia. Para finalizarmos o nosso trabalho aplicamos uma atividade que chamamos de pós-teste , no qual procuramos resgatar conceitos que haviam sido trabalhados nas aulas anteriores, bem como avaliarmos o nível de compreensão dos alunos acerca da compreensão da ciência como uma construção humana (anexo 3).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A seqüência didática empregada permitiu explorar os parâmetros sobre a NDC através do episódio histórico sobre movimento relativo, contribuindo para o enriquecimento do assunto. No tocante ao parâmetro que considera as diversas teorias que podem existir para explicar o mesmo fenômeno, a discussão da física aristotélica foi fundamental para que os alunos entendessem que algumas de suas concepções prévias não são absurdas. As idéias da física aristotélica muitas vezes se assemelham às concepções prévias destes alunos e foram a base da explicação para o movimento durante muito tempo.

A comparação entre as idéias adotadas por Aristóteles e Galileu permitiu que os alunos tivessem os pressupostos de cada uma delas, mostrando que uma teoria científica deve ser analisada sempre dentro de um contexto, seja pela visão de mundo (ptolomaico ou copernicano) ou pelo método utilizado para demonstrá-la (a priori ou experimentalmente). Este fato ficou muito claro na atividade desenvolvida no segundo dia, quando, conforme as discussões acerca dos artigos foram progredindo, os dois grupos perceberam a importância das idéias de Aristóteles e Galileu para o movimento e consequentemente para a construção do conhecimento científico, gerando um debate em sala de aula.

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O estudo e a encenação do diá logo entre os personagens galileanos permitiram explorar o caráter mutante do conhecimento científico e a presença das discordâncias entre os partidários de diferentes teorias, características reconhecidamente presentes na ciência.

De um modo geral, os alunos mostraram-se satisfeitos com a abordagem histórica utilizada para tratar do conteúdo estudado. Desta forma, consideramos que o uso da história apresentou um aspecto positivo, pois foi possível a desmistificação da física por parte do aluno, que passou a encará-la como algo em constante transformação. Conforme Staub (2005), com a história são apresentadas evidências que mostram que as teorias científicas não são “definitivas e irrevogáveis”, atendendo-se as habilidades desejáveis para os estudantes de física de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BATISTA, I. L. O ensino de teorias físicas mediante uma estrutura histórico-filosófica. Ciência&Educação , Bauru, v. 10, n. 3, p. 461-476, 2004.

BRASIL – Ministério da Educação – MEC, Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Semtec. PCN + Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 2002.

CASTRO, R. S. Uma e outras histórias. In: CARVALHO, Ana Maria Pessoa de (org.). Ensino de ciências: unindo a pesquisa e a prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004, 154. p. 101-117.

CHALMERS, A. F. O que é ciência, afinal? Tradução: Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993. 226p.

DUARTE, M. C. A história da ciência na formação dos professores portugueses: implicações para a formação de professores de ciências. Ciência&Educação , Bauru,v. 10, n. 3, p. 317-331, 2004.

FOUREZ,G. Crise no Ensino de Ciências?. Revista Investigações em Ensino de Ciências; v. 8, n.2, p. 109-123, 2003.

GALILEU, G. Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano . Tradução Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Discurso Editorial, 2001. 882 p.

GIL-PÉREZ, D. et al. Para uma imagem não defor mada do trabalho científico. Ciência & Educação , v. 7, n. 2, p. 125-153, 2001.

GIL-PÉREZ, D.; CARVALH O, A. M. P .. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1995.

HALLIDAY, D.; RESNICK, R. & WALKER, J., Fundamentos de Física – Mecânica – 4ª e 6ª Edições - Vol. 1, LTC, 1996.

HENNING, G. J., Metodologia do Ensino de Ciências, 3ª ed. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.

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MARTINS, R. A. Galileo e o Principio da Relatividade. Cadernos de Historia e Filosofia da Ciência, n. 9, p. 69-86, 1986.

MATTHEWS, M. R. História, filosofia e ensino de ciências: a tendência atual de reaproximação. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, v. 12, n. 3, p. 164-214, 1995

MOREIRA, M. A., Ensino de Física no Brasil: retrospectivas e perspectivas. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 22, n. 1, p. 91-99, 2000

MOURA B.A.; SILVA C. C.; A Óptica Newtoniana No Século XVIII: O Que Podemos Aprender com esse Episódio? In: VI Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências , 2007, F lorianópolis. Atas CD-ROM.

NASCIMENTO, V. B., A natureza do conhecimento científico e o ensino de ciências.(In) Unindo a pesquisa e a prática. SP. Pioneira Thomson Learning, Cap. 3, pp: 35-57, 2004.

NUSSENZVEIG, H. M., Curso de Física Básica,Volume 1, 4ª ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2002.

PEDUZZI, L.O.Q., Física Aristotélica: por que não considerá-la no ensino da mecânica? Caderno Catarinense de Ensino de Física, v.13, n1: p. 48-63, 1996.

PEDUZZI, Luiz O. Q. Sobre a utilização didática da História da Ciência. In: PIETROCOLA, Mauricio (org.). Ensino de física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa concepção integradora. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2001.235. p. 151-170..

PIAGET, J & GARCIA, R. Psicogénesis e Historia de la Ciencia. México: Siglo XXI., 1982

PUMFREY, S. History of science in the National Science Curriculum: a critical review of resources and their aims. The British Journal for the History of Science , v. 24, n. 1, 61-78, 1991.

SEROGLOU, F.; KOUMARAS, P .. The contribution of the history of physics in physics education: a review. Science&Education, v. 10, p. 153-172, 2001.

SILVA, C. C. (org.). Estudos de história e filosofia das ciências: subsídios para aplicação no ensino. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2006. 381 p.

STAUB, A. C. M. Contribuições da Epistemologia histórica de Bachelard no Estudo da Evolução dos Conceitos de Óptica, Dissertação de Mestrado.Universidade Federal de Santa Catarina, 2005.

TEIXEIRA, E. S.; EL-HANI, C. Ñ.; FREIRE JR., O. Concepções de estudantes de física sobre a natureza da ciência e sua transformação por uma abordagem contextual do ensino de ciências. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências , v. 1, n. 3, p. 111-123, 2001.

TEIXEIRA, E. S.; FREIRE JR., O. A ciência galileana: uma ilustre desconhecida. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 16, n. 1, p. 35-42, 1999.

VANNUCCHI, A. I. História e filosofia da ciência: da teoria para a sala de aula. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação da USP, São Paulo, 1996.

VAZ, A. M. et al. Professores, Pesquisadores e os Problemas da Escola. In: Encontro de Pesquisa em Ensino e Física, VII, 2002, Águas de Lindóia. Atas. CD-ROM.

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ANEXO 1 – PRÉ–TESTE

1) Um garoto encontra-se num centro de um skate, que se move com velocidade constante, sob

uma rampa horizontal, e sem atrito e lança duas bolas de gude horizontalmente e num mesmo instante, porém em sentidos opostos. Com base nesta situação e desprezando a resistência do ar, responda:

I - Qual das proposições abaixo melhor descreve a distância das bolas de gude em relação ao skate? a) A bola que foi lançada no sentido do movimento encontra-se mais distante do skate do que a

outra. b) A bola que foi lançada no sentido do movimento encontra-se mais próxima do skate do que

a outra. c) A bola que foi lançada no sentido contrário do movimento encontra-se mais próxima do

skate do que a outra. d) Ambas encontram-se distanciadas igualmente em reação ao skate e) A distância entre as bolas e o skate é nula II - Dos fatores abaixo apresentados marque o(s) que influencia(m) na relação de posição nos movimentos das bolas de gude: ( ) posição inicial da bola ( ) posição inicial do skate ( ) velocidade inicial da bola ( ) velocidade inicial do skate ( ) aceleração da gravidade ( ) tempo do trajeto 2) Na sua opinião: a) O que é necessário para elaborar princípios ou leis científicas?

b) Para elaborar princípios relacionados à situação descrita anteriormente seria necessário à

realização de um experimento concreto? Justifique

c) Tendo apenas como base conhecimentos teóricos, estes princípios podem ser estabelecidos? Justifique

d) Quando dois cientistas observam a mesma situação eles devem chegar necessariamente às

mesmas conclusões? Justifique

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ANEXO 2 – TEXTO DO LIVRO

Diálogo extraído da obra: Diálogo entre os dois máximos sistemas do mundo Salviati: Começando pelos tiros com grande elevação, feitos com a mesma peça, pólvora e bala, um para o oriente e outro para o ocidente, quando a revolução diurna fosse do globo terrestre, deveria resultar muito mais longo que o outro para levante? Simplicio: Sou levado a assim crer, porque no tiro para levante a bala, enquanto está fora da peça de artilharia, a qual, levada pela terra, também corre velozmente para o mesmo lado, onde a queda da bala no solo se afasta da peça. Ao contrário, no tiro para o ocidente, antes que a bala atinja o solo, a peça afasta-se muito para levante, onde o espaço entre a bala e a peça, ou seja, o tiro aparecerá ser mais longo que o outro quando tenha sido o curso da artilharia, ou seja, da terra, nos tempos em que ambas as balas estiverem no ar. Salviati: Eu desejaria que encontrássemos algum modo de fazer uma experiência correspondente ao movimento desses projéteis, como aquela do navio correspondia ao movimento dos corpos que caem do alto para baixo, e vou pensando na maneira de fazê -lo. Sagredo: Acredito que uma prova bastante adequada seria tomar uma carroça descoberta e montar nela uma grande besta com lanças a meia elevação, para que o tiro fosse o maior de todos e, enquanto os cavalos corressem, atirar uma vez em direção ao lado para onde se corre, e depois outra vez para o lado contrário, fazendo marcar exatamente, tanto num como no outro tiro, onde se encontra a carroça naquele exato momento de tempo em que a lança se finca na aterra; porque assim se poderá ver exatamente quanto um tiro resulta maior que o outro. Simplicio: Parece-me que tal experiência seja bastante adequada; e não tenho dúvida que o tiro, ou seja, que o espaço entre a flecha e onde se encontra a carroça no momento em que a flecha se finca na terra, será muito menor, quando se atira na direção do curso da carroça, que quando se atira ao contrário. Suponhamos, por exemplo, que o tiro seja ele mesmo de trezentas braças e o curso da carroça, no tempo em que a lança está no ar, de cem braças: portanto, atirando-se na direção do curso, das trezentas braças do tiro a carroça percorre cem, pelo que na batida da lança na terra, o espaço entre ela e a carroça será de apenas duzentas braças; mas, ao contrário, no outro tiro, correndo a carroça na direção contrária à da lança, quando esta estiver percorrido as suas trezentas braças e a carroça as suas outras cem na direção contrária, a distância percorrida encontrar -se-á ser de quatrocentas braças. Salviati: Existiria algum modo de fazer com que esses tiros resultassem iguais? Simplício: Não conheço outro modo que o de fazer que a carroça fique parada. Salviati: Isso se sabe: mas eu pergunto, fazendo correr a carroça a toda velocidade. Simplício: Quem não tensionasse o arco ao atirar segundo o curso, e depois não o afrouxasse para atirar contra o curso. Salviati: Eis, portanto, que sempre existe algum remédio. Mas quanto seria necessário tensioná-lo a amis, e quanto depois afrouxa-lo? Simplício: No nosso exemplo, onde supusemos que o arco atirasse trezentas braças, seria necessário, para o tiro em direção ao curso, aumentar-lhe a tensão para que atirasse quatrocentas braças, e para o outro diminuir-lhe tanto a tensão que não pudesse atirar mais que duzentas, porque

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desse modo um e outro tiro resultariam de trezentas braças com relação à carroça, a qual, com o seu curso de cem braças, que ela subtrairia ao tiro de quatrocentas e acrescentaria àquele de duzentas, reduziria ambos a trezentas braças. Salviati: mas que efeito faz na flecha a maior ou menor tensão do arco? Simplício: O arco tenso lança-se com maior velocidade e o menos tenso com menor; e a própria flecha vai tanto mais longe num caso que no outro, com quanto maior velocidade a flecha sai da chanfradura num caso e no outro. Salviati: De modo que, para fazer que a flecha lançada tanto para uma como para outra direção se afaste igualmente da carroça que corre, é necessário que se no primeiro tiro do exemplo proposto ela parta, por exemplo, com quatro graus de velocidade, no outro tiro ela parta com dois somente. Mas se se usa o mesmo arco, do mesmo recebe sempre três graus. Simplício:Assim é; e por isso, atirando com o mesmo arco, durante a corrida da carroça, os tiros não podem ser iguais Salviati: Esqueci-me de perguntar com que velocidade se supõe, nesta experiência particular, que corra a carroça. Simplício : Deve-se supor que a velocidade da carroça é de um grau, em comparação com aquela do arco, que é de três. Salviati: Sim, sim... assim a conta fica exata. Mas dizei-me: quando a carroça corre, não se movem também com a mesma velocidade todas as coisas que estão nela? Simplíco: Sem dúvida.

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ANEXO 3 – PÓS-TESTE

1) Um caminhão move -se horizontalmente numa estrada retilínea com velocidade constante e acoplado neste tem-se um canhão com duas saídas de projéteis, uma direcionada no mesmo sentido do movimento do caminhão e outra em sentido oposto a este movimento. Considerando que ambas saídas apresentam um mesmo ângulo de lançamento e são lançados simultaneamente dois projéteis do canhão. Descreva:

a) o que acontece com a posição do projétil em relação ao caminhão, no momento em que ele atinge o solo, para os dois casos. b) que fatores influenciam na relação de posição nestes movimentos (projétil 1 e projétil2) 2) Na sua opinião: e) O que é necessário para elaborar princípios ou leis científicas?

f) Para elaborar princípios relacionados à situação descrita anteriormente seria necessário à

realização de um experimento concreto? Justifique

g) Tendo apenas como base conhecimentos teóricos, estes princípios podem ser estabelecidos? Justifique

h) Quando dois cientistas observam a mesma situação eles devem chegar necessariamente às

mesmas conclusões? Justifique