nascimento, jozafá. a imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006
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JOZAFÁ BATISTA DO NASCIMENTO
A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006
Monografia apresentada ao Centro de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal do
Acre para a obtenção do título de Bacharel em
Ciências Sociais com Habilitação em Sociologia
Área de Concentração: Sociologia
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eurenice Oliveira de Lima
Rio Branco
2012
2
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por
qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa,
desde que citada a fonte.
CATALOGAÇÃO DA PUBLICAÇÃO
3
Nome: NASCIMENTO, Jozafá Batista do
Título: A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a
2006
Monografia apresentada à Universidade Federal do
Acre para a obtenção do título de bacharel em
Ciências Sociais com habilitação em Sociologia
Aprovado em:_________/__________/____________________
Banca Examinadora
Prof.ª Dr.ª Eurenice Oliveira de Lima
Instituição: ____________________________________________________
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Prof. Dr. Nilson Euclides da Silva
Instituição: ____________________________________________________
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Prof.ª Msc. Letícia Helena Mamed
Instituição: ____________________________________________________
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
4
Agradeço à minha orientadora, Eurenice Oliveira
de Lima, por não ter me permitido desistir. Ao
Museu da Borracha e ao CDIH/UFAC, por
gentilmente disponibilizarem seus acervos - sem os
quais esta pesquisa encontraria severas
dificuldades. E à Universidade Federal do Acre
(UFAC), onde aprendi o compromisso do
conhecimento com a transformação social.
5
Dedico este trabalho à minha mãe, Maria Lourdes
Batista, ex-seringueira, mulher guerreira que me
criou e me preparou para o mundo. Parafraseando
Julio Cesar, em sua vitória sobre Farnaces II -
Veni, vidi, vici! (Vim, vi, venci!) -, eu proclamo: Vim,
vi... e estou na luta!
6
RESUMO
NASCIMENTO, J. B. A imprensa acreana na batalha por hegemonia:
estratégias de 1969 a 2006. 2012. 210 f. Monografia (Bacharelado) – Curso
de Ciências Sociais, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2012.
O presente trabalho analisa o caráter ideológico da imparcialidade jornalística
como ferramenta de produção de consensos dos grupos que controlam os
jornais na disputa por hegemonia ao longo da história. Analisa a cobertura
jornalística dos quatro diários do Acre - A Gazeta do Acre/A Gazeta, O Rio
Branco, A Tribuna e Página 20 - no período de 1969 a 2006, com ênfase nas
campanhas eleitorais, delineando as estratégias adotadas para valorizar
grupos políticos e seus respectivos candidatos.
Palavras-chave: Jornalismo. Ideologia. Hegemonia.
7
ABSTRACT
NASCIMENTO, J. B. The press acreana in the battle for hegemony: strategies
from 1969 to 2006. 2012. 210 f. Monografia (Bacharelado) – Curso de Ciências
Sociais, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2012.
This paper examines the ideological character of journalistic impartiality as
production tool consensus by groups that control the newspapers in contention for
hegemony throughout history. Studies media coverage of the four daily of Acre – A
Gazeta do Acre/A Gazeta, O Rio Branco, A Tribuna e Página 20 - in the period from
1969 to 2006, with emphasis on electoral campaigns, outlining the strategies
adopted to enhance political groups and their respective candidates.
Keywords: Journalism. Ideology. Hegemony
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................... 009
1 IMPRENSA E IDEOLOGIA .................................................................... 014
1.1 O INSTRUMENTAL TEÓRICO GRAMSCIANO .................................. 023
2 CRONOLOGIA DA COMUNICAÇÃO .................................................... 026
2.1 A IMPRENSA BRASILEIRA ................................................................ 040
3 A IMPRENSA ACREANA ....................................................................... 050
3.1 DIVERSIDADE EDITORIAL E LUTA POLÍTICA .................................. 059
3.1.1 O Rio Branco: arauto conservador ................................................ 060
3.1.2 A Gazeta: o PMDB vai à luta ............................................ 109
3.1.3 A Tribuna: quem dá mais?.............................................. 134
3.1.4 Página 20: o galinho bom de briga .................................................142
3.2 UNIFORMIDADE EDITORIAL NO GOVERNO JORGE VIANA .............145
3.2.1 Jornalismo homogêneo.................................................................. 147
CONCLUSÃO ........................................................................................... 176
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 180
APÊNDICE ............................................................................................... 188
ANEXOS ................................................................................................... 190
9
INTRODUÇÃO
No século XXI, a produção de notícias continua obedecendo ao critério
da factualidade. Em um capitalismo em crise estrutural (MESZÁROS, 2002),
com diferentes protestos em vários pontos do globo, jornais, revistas e outros
meios de comunicação interpretam, porém, os fatos segundo a sua
orientação editorial. Apesar de todos alegarem fidedignidade ao evento
narrado, o resultado é uma diversidade de narrativas contraditórias.
Exemplo deste paradoxo – diferentes conclusões com o mesmo
método, a narração simples – é o tratamento concedido pelos jornais à
chamada Primavera árabe1. Enquanto a expectativa por transformações
políticas, verdadeiro motivo das revoltas, ocupou número reduzido de
especialistas em publicações de menor circulação, os meios de comunicação
de maior alcance frisavam a quebra da ordem social: saques, violência física
e semelhantes.
A diversidade de narrativas jornalísticas, saudada pelos próprios
jornalistas como sintoma da liberdade de imprensa em relação ao poder
estatal, merece exame mais detido. Na verdade, a cada etapa de
transformação dos meios de transmitir ideias corresponde um avanço do
poder político dos proprietários privados. Para construir consensos e legitimar
a sua posição no mundo do trabalho, esta classe desenvolveu várias
estratégias de convencimento.
Compreendida a imprensa industrial como parte dessas estratégias, o
mapeamento dos discursos dos jornais ao longo da história fornece pistas
1 Os protestos no mundo árabe em 2010-2012, também conhecidos como a Primavera Árabe, são uma onda
revolucionária de manifestações e protestos que vêm ocorrendo no Oriente Médio e no Norte da África desde 18
de dezembro de 2010. Até a data, tem havido revoltas na Tunísia e no Egito, uma guerra civil na Líbia; grandes
protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Síria, Omã e Iémen e protestos menores no Kuwait,
Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental. Os protestos têm compartilhado
técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios,
bem como o uso das mídias sociais, como facebook, twitter e youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a
população e a comunidade internacional em face de tentativas de repressão e censura na internet por partes dos
Estados. PRIMAVERA ÁRABE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012.
10
importantes para entender o processo de obtenção de legitimidade – em
linguagem gramsciana, da batalha por hegemonia – do projeto de poder da
classe dominante. Este trabalho analisa os jornais acreanos nesse contexto.
O Rio Branco, A Gazeta do Acre/A Gazeta, A Tribuna e Página 20 foram
escolhidos porque têm circulação regular e diária e mantiveram-se em
funcionamento nas mais diversas condições sociais, ao contrário de uma
série de publicações menores, com lapsos de periodicidade ou extintas.2
A escolha do período de pesquisa deu-se pela riqueza das mudanças
editoriais, contribuindo para compreender de que forma os jornais de Rio
Branco agem como propagandistas de grupos políticos: nas campanhas
eleitorais o que se descortina é o confronto editorial, com cada jornal
atacando o candidato a que se opõe e o jornal que lhe dá suporte. Este,
esmerando-se na formulação de imagens positivas do seu candidato, ao
mesmo tempo tenta inocentá-lo das acusações dos rivais.
Todo este processo realiza-se por meio de linguagem informativa,
atribuindo os interesses do jornal o caráter de interesse geral, público. Desta
forma, as ácidas e por vezes brutais polêmicas estariam apenas divulgando
fatos de forma isenta ou neutra. Com esse disfarce, a propaganda eleitoral
costura o consenso entre as classes e por meio dele garante a manutenção
de hegemonia3.
Para compreender o papel da imprensa em todos esses eventos,
impõe-se contextualizar jornalismo e processo político. Por isso, o presente
trabalho desdobra-se nos seguintes objetivos específicos:
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Primavera_%C3%81rabe&oldid=32300675>. Acesso
em: 23 set. 2012. 2 De acordo com o acervo disponível no Museu da Borracha, em Rio Branco, de 1969 a 1999 circularam em Rio
Branco os periódicos A Folha, A Semana, A Carta, Correio da Tarde, Correio do Acre, Folha dos Nauas, Jornal
do Acre, O Acre, o Estado do Acre, O Aquiri, O Rebate, O Liberal, Renovação, Ultima Hora, A Notícia, A
Semana, O Eco, Parabéns Cruzeiro do Sul, Correio do Oeste, Folha Infantil, Folha Cultural, Frente e Verso,
Hora do Povo, Letras em Marcha, Jornal Documento, Jornal da Saúde, O Comunista, O Norte, O Gafanhoto, O
Estudante, O Imparcial, O Espírito da Coisa, Sentinela, Xapuri Informativo, 3 de Março e vários outros. Todos
com circulação esporádica e irregular, com enormes lacunas entre cada edição. Catalogar todos esses jornais
conta com a dificuldade adicional dos acervos públicos disponíveis hoje não terem todos os exemplares, e os que
se dispõem não se encontram digitalizados. 3 Utiliza-se aqui, e ao longo de todo o trabalho, a concepção teórica de hegemonia no sentido que lhe dá Antonio
Gramsci, segundo GRUPPI (1980): “A hegemonia é capacidade de direção, de conquistar alianças, capacidade
de fornecer uma base social ao Estado”.
11
1. Analisar o surgimento da imprensa diária como um subproduto das
disputas pelo comando político da sociedade na era industrial,
utilizando para tanto dados dos principais jornais do mundo, do
Brasil e do Acre, comparando transformações editoriais do
jornalismo e mudanças políticas.
2. Medir a ênfase dada por cada jornal aos grupos em disputa política
para definir a quais grupos determinado veículo defende ou se
opõe.
3. Demonstrar como a propaganda se insere socialmente disfarçada
de informação objetiva utilizando-se do conceito positivista de
neutralidade do discurso informativo e como esta operação é
coerente com o estágio de ascenso burguês.
Para identificar as relações entre os processos de ascenso e
consolidação da classe dominante e as mudanças editoriais, o trabalho segue
uma orientação cronológica. As principais mudanças jornalísticas são
expostas no contexto da vida social geral na Europa, nos Estados Unidos e
no Brasil. O objetivo é definir de que forma a imprensa atua como agente de
disputa por consensos em diferentes épocas.
Também por meio do movimento das classes busca-se analisar os
motivos que fazem os jornais lutar por liberdade, justiça, verdade e outros. A
ideia de isenção da notícia, derivada da filosofia positivista e que visa,
inicialmente, firmar os jornais como agentes legítimos da comunicação social,
é tomada como parte deste processo. Busca-se compreender como a defesa
de consenso social por meio de conceitos universais é parte da ofensiva de
uma classe contra outra, através da ideologia.
Visando compreender os contornos da luta de classes da qual a
imprensa participa, buscou-se entender a produção jornalística como parte do
processo de produção de consensos necessários à manutenção da ordem
social. Trabalhou-se ainda com os conceitos de imprensa regulada e
liberdade noticiosa (GENRO FILHO, 1987) e de indústria submetida às leis
gerais de mercado (MARCONDES FILHO, 1989), entre outros.
A pesquisa de campo consistiu na realização de entrevistas com os
proprietários dos quatro jornais, objetivando coletar impressões sobre a
12
relação entre a atividade jornalística e os contratos com o Estado, além de
dados gerais sobre a origem, infra-estrutura e funcionamento das empresas.
Os entrevistados foram: Antonio Stelio de Castro (A Tribuna e Página 204),
Narciso Mendes de Assis (O Rio Branco) e Silvio Martinello (A Gazeta). Dada
uma certa posição desconfiada dos entrevistados, não foram realizados
questionários. Assim, as perguntas variaram segundo cada entrevistado5.
A pesquisa documental consistiu no levantamento fotográfico da capa
(primeira página) de cada jornal, utilizando-se o acervo do Museu da
Borracha e do Centro de Documentação e Informação Histórica (CDIH) da
UFAC. Dado o considerável interregno (37 anos) e de serem quatro os diários
pesquisados, optou-se por uma amostragem. Analisou-se entre duas e cinco
capas de cada jornal entre os meses de setembro, outubro e novembro dos
anos de 1982, 1984, 1985, 1986, 1988, 1990, 1992, 1994, 1996 e 1998.
De 1999 a 2006, a metodologia de amostragem foi modificada para
duas edições por mês, de cada jornal6, visando compreender melhor os
detalhes do processo de uniformização dos quatro jornais para dar apoio aos
governos e prefeituras da FPA. Observou-se, nesse período, que a
uniformização editorial, que persiste até a presente data, é um subproduto do
controle, pela FPA, dos principais espaços institucionais da política formal.7
Dado o grande volume de dados coletados, e visando maior
organização para a melhor compreensão possível, a distribuição espacial do
trabalho seguiu uma divisão em capítulos.
O primeiro capítulo realiza uma discussão teórica sobre os princípios
de neutralidade e imparcialidade do discurso jornalístico-noticioso como
derivativo da interpretação positivista da realidade, no qual o ato de conhecer
4 Dado o aspecto singular deste veículo para a produção de imagens simbólicas positivas do Partido dos
Trabalhadores em seu ascenso ao poder a partir de 1993, e a relevância desse processo para compreender as
transformações editoriais até então, entrevistou-se também o seu primeiro editor-chefe, o jornalista Sebastião
Vítor de Lima. Todas as entrevistas estão disponíveis no apêndice deste trabalho. 5 Foi necessário fazê-lo devido à realização das entrevistas em datas diferentes. Dada a posição estratégica dos
entrevistados para o presente trabalho, preferiu-se abrir o conteúdo das entrevistas a correr qualquer risco de ter
algumas perguntas vetadas por “impertinência”. 6 Algumas edições não estavam disponíveis nos bancos de dados do Museu da Borracha e do CDIH/UFAC,
constituindo perda irreparável de material de análise esta e outras pesquisas. 7 A questão, extremamente relevante, dos dissensos antigos e recentes na estrutura institucional partidária e de
Estado montada pela FPA, além da base dos movimentos sociais, e as implicações deste fenômeno para o que
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advém de despir-se de prenoções por parte do sujeito cognoscente. Em
seguida, aponta-se a filosofia positivista como expressão teórica
materialmente necessária às classes dominantes na Europa e nos EUA.
Apropriando-se dessas reflexões do primeiro, o segundo capítulo
empreende uma cronologia sobre a evolução da imprensa no mundo e no
Brasil, contextualizando as mudanças editoriais no contexto imediato das
disputas políticas. Observa, ainda, por que o desenvolvimento industrial da
imprensa só foi possível no ambiente propício do capitalismo.
No terceiro capítulo, articulada à reflexão desenvolvida nos anteriores,
apresenta-se os resultados da pesquisa sobre os jornais acreanos. Analisa-se
cada jornal em dois momentos: o da diversidade de posturas editoriais,
correspondendo às conflagrações dos grupos políticos que buscavam o
controle do governo do Estado e da prefeitura de Rio Branco; e o da
uniformidade editorial, que corresponde ao gradual controle da disputa
política pela Frente Popular do Acre (FPA).
Na fase de diversificação editorial e disputa política, busca-se delinear
as várias fases do processo em cada jornal até 2004, quando a FPA vence as
eleições municipais na capital e retira o MDA do cenário político. A partir de
2004, com a FPA no comando da prefeitura de Rio Branco e do governo do
Estado, os jornais começam a aderir à mesma linha editorial.
O Apêndice deste trabalho traz a transcrição das entrevistas com os
dons dos jornais. Nos Anexos há um CD com fotografias de todas as edições
pesquisadas e alguns documentos usados no levantamento de dados.
As conclusões apresentadas na presente monografia devem ser vistas
como anotações provisórias de um esforço de pesquisa limitado. Tanto o
jornalismo quanto os grupos políticos em disputa citados, com suas
dinâmicas e alterações, impõem problematizações conceituais, contínuas
redefinições teóricas, novos temas e linhas de análise. A consciência desta
limitação impõe a necessidade de novos estudos para capturar mais
claramente a dinâmica do objeto de pesquisa.
pode ser lido como hegemonia em declínio, não será tematizada no presente trabalho por ter efeito nulo, até o
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1 IMPRENSA E IDEOLOGIA
Os homens fazem a sua própria história, mas não a
fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.
– Karl Marx.
Este capítulo analisa o conceito de isenção da notícia jornalística como
estratégia de convencimento e controle social compatível com determinada
fase do modo de produção capitalista. Para tanto, faz ligeira incursão sobre o
processo de cognição humana segundo as escolas positivista e marxista, o
conteúdo ideológico da idéia de isenção e as implicações para a imprensa.
A bibliografia sobre os fundamentos teórico-epistemológicos do
jornalismo é escassa. Uma análise sobre a rápida adesão da imprensa
brasileira ao modelo informativo norte-americano pondera que:
Nos Estados Unidos, depois da I Guerra, consolida-se a perspectiva funcionalista no estudo da comunicação social, alicerçada em estudos de natureza empirista que se utilizam de modelos formais e matemáticos. Essa corrente, que pretende atribuir-se uma aura de imparcialidade e objetividade, passa a hegemonizar os estudos nesse campo nos Estados Unidos e também na América Latina. O desenvolvimento dos meios de comunicação e do próprio jornalismo são analisados como processos independentes em relação ao desenvolvimento global das forças produtivas e da luta de classes, ou seja, apartados do movimento histórico em seu conjunto. Ao contrário, os meios de comunicação são tomados apenas como "função orgânica" da sociedade capitalista contemporânea, entendida esta como paradigma do progresso e da normalidade. (GENRO FILHO, 1987, p. 33)
Outra obra recente, dedicada ao mesmo tema, confirma a inexistência
de uma reflexão teórica mais aprofundada sobre o jornalismo e seus
métodos:
Passados 20 anos desde o lançamento desta obra seminal, ainda é comum docentes ensinarem as técnicas jornalísticas como se elas se bastassem, sem a necessidade de uma explicação epistemológica capaz de sustentar certas regras. Assim como é
presente instante, sobre os quatro jornais em análise.
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comum achar que, por trás da prática jornalística de qualidade, não é preciso haver teoria. (TEIXEIRA, 2007, p. 21)
De fato, a bibliografia acadêmica em comunicação social consultada
para este trabalho busca fundamentar-se em conceitos microssociológicos8
como representações culturais, trocas simbólicas e um instrumental
conceitual derivado das ciências da linguagem. A escassez de tradição crítica
sobre as forças sociais que incidem sobre o fazer jornalístico causou o
interessante efeito de se considerar a imprensa como causa de si mesma,
fenômeno confirmado por estudos recentes. Artigo científico sobre a profissão
jornalística no Brasil, por exemplo, reivindica o “amadurecimento
epistemológico” como ponto de partida para a legitimidade científica dos
estudos sobre a imprensa.
Inserido num processo de mundialização da cultura, em que a internacionalização da ciência tem papel de vanguarda, é pouco provável que o problema da construção do consenso necessário ao amadurecimento epistemológico do campo [jornalístico] encontre soluções localizadas, quaisquer que elas sejam, para a questão ainda não solucionada da unicidade e diversidade da área da Comunicação. (MEDITSCH, 2010, p. 99).
Numa análise sobre os manuais especializados em pesquisa na área
de jornalismo, observa-se o descompasso entre os numerosos estudos
empíricos sobre os fenômenos comunicativos humanos e a falta de
metodologias que permitam identificar as forças e processos que os
produzem:
Ao compararmos a diversidade de conceitos, referências bibliográficas, categorias de análise e metodologias incluídos em cada um destes manuais verificamos que ainda que o grau de complexidade atingido pelo Jornalismo como disciplina científica ao longo destes últimos 50 anos tenha aumentado, em muitos casos as metodologias empregadas são similares aos modelos concebidos no século passado. (MACHADO, 2010, p. 21).
8 Segundo Gurvitch (apud PEREIRA et al., 2007, p. 2) “A microssociologia constitui-se de simples elementos
que compõem a realidade social e são constituídos pelas múltiplas maneiras de estar ligado pelo todo e no todo,
ou manifestações da sociabilidade que, em diferentes graus da actualidade e virtualidade, se combatem e
combinam em todo o grupo, classe e sociedade geral”.
16
O mesmo autor também estima a extensão dos danos provocados aos
estudos sobre comunicação social que se apoiam em dados imediatos e
diretos, sem análise crítica das forças sociais a que estes se ligam:
Nada pode ter provocado consequências mais desastrosas para a compreensão da prática jornalística, em particular nos estudos brasileiros, do que a aceitação pacífica dos pressupostos teóricos contidos nos conceitos de rotinas produtivas e de valores de notícias. Nos dois casos, em vez de utilizar a realidade para colocar à prova os conceitos, em geral o pesquisador ajustava a realidade aos limites destes conceitos, constituindo um círculo vicioso em que quanto mais se pesquisava, menos se sabia sobre o objeto estudado. (p. 22).
A teoria sobre jornalismo como processo ausente do conflito social,
sem contextualização com os interesses sociais em jogo que agem sobre a
imprensa, sinaliza a sua filiação ao positivismo. A concepção de neutralidade
do ato noticioso, por exemplo, tem fundamento na pretensão de tentar
apreender fatos sociais como “coisas”.9 Da mesma forma, se o cientista social
é instado a analisar fenômenos sociais de forma distanciada, evitando
contaminar a ciência com a sua subjetividade, o jornalista moderno deve
esforçar-se para reportar os fatos sem contaminá-los com a sua opinião.
Diferente do jornalismo, a tradição crítica epistemológica está
consolidada na sociologia. A crítica à pretensão de neutralidade almejada
pelo positivismo é farta especialmente na concepção materialista.
O filósofo Michael Löwy nota que a pretensão de neutralidade equivale
ao feito do Barão de Münchhausen, que, atolado sozinho em um pântano,
escapou puxando-se pelos cabelos. A anedota ilustra a inviabilidade de uma
ciência social sem valores: indivíduos que se pretendem neutros devem
lembrar-se que são forjados em conflitos sociais que incidem sobre a
atividade intelectual. O autor enumera os fundamentos teórico-
epistemológicos do positivismo:
1. A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis
invariáveis, independentes da vontade e ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural.
9 É esta exatamente a perspectiva teórica de Émile Durkheim: “É preciso, portanto, considerar os fenômenos
sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como
coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós.” (DURKHEIM, 1999, p. 28).
17
2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada pela natureza (o que classificaremos como “naturalismo positivista”) e ser estudada pelos mesmos métodos, démarches e processos empregados pelas ciências da natureza.
3. As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente todas as prenoções e preconceitos. (LÖWY, 2000, p. 17).
A concepção materialista considera que há na tessitura social, ao
longo da história, relações sociais que condicionam a apreensão da realidade
pelos homens, incluindo os pesquisadores. O que garante a objetividade do
conhecer não é o distanciamento estratégico do sujeito cognoscente: é,
inversamente, compreender essas relações e posicionar-se sobre elas.
Para Karl Marx, dado o fato de que os homens em sua existência
produzem coisas de que necessitam e também lhes dão sentidos ou
significados espirituais (simbólicos), a análise científica terá maior sucesso na
medida em que apreende as condições em que são produzidas as idéias e
seus sentidos na vida social. De fato, o autor deixa claro que
(...) na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. (MARX, 1982, p. 530).
Ao mapear a estrutura produtiva da sociabilidade burguesa, Marx
localizou as forças materiais que a cria e mantém. Essas forças estão
reunidas sob a forma de classes sociais antagônicas, que ocupam posições
diferentes no mundo do trabalho e têm interesses antagônicos sobre o mundo
produtivo. A divergência das posições materiais entre classes dominantes e
dominadas é que cria diferentes percepções sobre o mundo.
No entanto, ainda segundo Marx, as relações de produção são
constituídas pela propriedade econômica das forças produtivas. No
18
capitalismo, a mais fundamental dessas relações é a propriedade que a
burguesia tem dos meios de produção, enquanto o proletariado possui
apenas a sua força de trabalho. Este ponto de tensão, que não pode ser
eliminado sem um colapso das relações de produção fundadas na
propriedade privada, é equilibrado pela classe dominante com a sua
universalização, isto é, com a propaganda dos seus interesses particulares
como se fossem de toda a sociedade. A idéia que a sociedade possui valores
universais que precisam ser defendidos contra infiltrações decadentes é uma
estratégia para manter a própria luta de classes.
Este e outros mecanismos que favorecem a naturalização dos
interesses da classe dominante, estabelecendo-os como eternos, universais e
necessários para o bem-estar da comunidade humana, visam conquistar os
trabalhadores para uma subalternidade solidária. Marx chama essas
estratégias de “ideologia”:
As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal [ideell] das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as ideias do seu domínio. Os indivíduos que constituem a classe dominante também têm, entre outras coisas, consciência, e daí que pensem; na medida, portanto, em que dominam como classe e determinam todo o conteúdo de uma época histórica, é evidente que o fazem em toda a sua extensão, e portanto, entre outras coisas, dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época. Numa altura, por exemplo, e num país em que o poder real, a aristocracia e a burguesia lutam entre si pelo domínio, em que portanto o domínio está dividido, revela-se ideia dominante a doutrina da divisão dos poderes, que é agora declarada uma "lei eterna". (MARX, 2002, p. 78).
Adiante, de forma mais esquemática, complementa:
Ora, se na concepção do curso da história desligarmos as ideias da classe dominante da classe dominante, se lhes atribuirmos
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uma existência autónoma, se nos ficarmos por que numa época dominaram estas e aquelas ideias, sem nos preocuparmos com as condições da produção e com os produtores destas ideias, se, portanto, deixarmos de fora os indivíduos e as condições do mundo que estão na base das ideias, então poderemos dizer, por exemplo, que durante o tempo em que dominou a aristocracia dominaram os conceitos honra, lealdade, etc., durante o domínio da burguesia dominaram os conceitos liberdade, igualdade, etc. Em média, é isto que a própria classe dominante imagina. Esta concepção da história, que a todos os historiadores é comum, em especial a partir do século XVIII, há-de necessariamente dar com o fenómeno de que dominam ideias cada vez mais abstractas, isto é ideias que assumem cada vez mais a forma da universalidade. É que cada nova classe que se coloca no lugar de outra que dominou antes dela, é obrigada, apenas para realizar o seu propósito, a apresentar o seu interesse como o interesse comunitário de todos os membros da sociedade, ou seja, na expressão ideal [ideell]: a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais e universalmente válidas. (Idem, p. 148).
Trata-se de adaptação dos valores de uma classe como se fossem
válidos para toda a sociedade:
A consciência, prossegue o texto de A Ideologia Alemã, estará indissoluvelmente ligada às condições materiais de produção da existência, das formas de intercâmbio e de cooperação, e as idéias nascem da atividade material. Isto não significa, porém, que os homens representem nessas idéias a realidade de suas condições materiais, mas, ao contrário, representam o modo como essa realidade lhes aparece na experiência imediata. Por esse motivo, as idéias tendem a ser uma representação invertida do processo real, colocando como origem ou como causa aquilo que é efeito ou conseqüência, e vice-versa. (CHAUÍ, 1995, p. 63)
A inversão entre causa e efeito tem efeitos sobre vários outros
aspectos da vida social, como o trabalho, por exemplo. A sociedade se
encarrega de naturalizar práticas que são forjadas para atender o interesse
de grupos que controlam ideologicamente a própria vida social:
Também as relações sociais são representadas imediatamente pelas idéias de maneira invertida. Com efeito, à medida que uma forma determinada da divisão social do trabalho se estabiliza, se fixa e se repete, cada indivíduo passa a ter uma atividade determinada e exclusiva que lhe é atribuída pelo conjunto das relações sociais, pelo estágio das forças produtivas e, evidentemente, pela forma da propriedade. Cada um não pode escapar da atividade que lhe é socialmente imposta. A partir desse momento, todo o conjunto das relações sociais aparece nas idéias como se fossem coisas em si, existentes por si mesmas e não como conseqüência das ações humanas. Pelo contrário, as ações humanas são representadas como decorrentes da sociedade, que é vista como
20
existindo por si mesma e dominando os homens. Se a Natureza, pelas idéias religiosas, se “humaniza” ao ser divinizada, em contrapartida a Sociedade se “naturaliza”, isto é, aparece como um dado natural, necessário e eterno, e não como resultado da praxis humana. (Idem, p. 66).
A visão de mundo da classe dos trabalhadores permite visualizar
objetivamente a realidade, o que não se dá, porém, por superioridade moral
do oprimido10
. É que o proletariado, subtraído da propriedade dos meios de
produção necessários à sua subsistência física, compreende porque sofre o
processo de exploração, e, consequentemente, necessita transformar esta
realidade desfavorável. Logo, em vez de justificar a exploração por meio de
estratégias ideológicas, o proletariado possui, pela sua condição material, o
germe da liberdade humana.
Esse princípio tem também implicações para o trabalho científico que
pretenda capturar objetivamente o movimento da vida social:
A realidade social, como toda a realidade, é infinita. Toda ciência implica uma escolha, e nas ciências históricas essa escolha não é um produto do acaso, mas está em relação orgânica com uma certa perspectiva global. As visões do mundo das classes sociais condicionam, pois, não somente a última etapa da pesquisa científica social, a interpretação dos fatos, a formulação das teorias, mas a escolha mesma do objeto de estudo, a definição do que é essencial e do que é acessório, as questões que colocamos à realidade, numa palavra, a problemática da pesquisa. (LÖWY, 1978, p. 15).
Considerar, portanto, que a notícia do jornal é transposição direta da
realidade não garante a objetividade do conhecimento. Serve, ao contrário,
para ocultar que toda notícia é a leitura da realidade por alguem, e que é
impossível, graças às especificidades do aparato cognitivo humano, transmitir
a realidade tal como ocorreu sem alguém para reportá-la. A concepção
materialista permite afirmar ainda que todo processo de formulação de
notícias submete os fatos à visão de mundo de quem produz essas notícias.
A perspectiva de classe incide diretamente sobre o jornalismo. Por sua vez, a
10
O trabalhador como “oprimido” é uma figura alienígena ao pensamento marxiano. Marx não via na relação
entre proletário e burguês a condição de opressão, que pressupõe coerção física ou psicológica, e sim de
exploração da força de trabalho visando a produção de mais-valia. A questão, todavia, é reconhecidamente
polêmica, se levado em consideração o aspecto brutal do capitalismo nos países de passado colonial. Por isto, tal
questão não será tratada no presente trabalho, ficando apenas a presente nota para reflexão e/ou possíveis
desdobramentos teóricos.
21
crença na isenção da notícia, na universalidade do seu interesse social, é o
que impede que este fenômeno seja claro.
Diante do caráter ideológico da ideia de isenção jornalística, como
mensurar cientificamente a questão de que os jornais, além de não apreender
objetivamente o real, o interpretam? Essa questão pode ser resolvida
analisando o jornalismo no contexto das disputas políticas, esforço
especialmente difícil no caso amazônico. Trata-se de tese nova: a de que os
jornais, ao empenhar-se na defesa de defender valores civilizatórios, nos
quais a isenção da notícia é a garantia da busca pelo bem comum, estariam
manobrando pela construção de hegemonia para um grupo social.
No entanto, a força desse tipo de jornalismo, o da busca impessoal
pelo bem comum, é um complemento eficaz para as disputas oligárquicas na
região. As lutas entre diversas facções políticas, representando interesses
conflitantes dentro da classe dominante, engendram grupos políticos atuantes
com máquinas de propaganda voltadas ao convencimento social,
fundamentalmente nos períodos eleitorais.
Compreendidas as batalhas travadas pelas oligarquias provinciais
contra o Império, e, posteriormente, a República, registrar a atividade
jornalística nesses períodos é compreender os meandros da disputa por
hegemonia.
Trata-se, no entanto, de tarefa árdua.
Um estudo recente11
sobre o jornalismo acreano, localiza-se as várias
mudanças estéticas da imprensa, mas conclui-se que trata-se de
transformações dos discursos de poder12
, abstraindo as próprias relações de
poder para concentrar-se em questões lingüísticas, ou, quando muito, no
tráfico de influencia entre imprensa e instituições estatais. Trabalho
monográfico13
sobre o jornalismo acreano entre 1994 e 1998 também aponta
o controle da informação pelo Estado opressor ao mesmo tempo em que
admite uma relação de “mercado das notícias”, isto é, de troca de produção
11
BONIFÁCIO, 2007. 12
Diz a autora, na introdução: “Através das tramas do emaranhado de redes do poder midiático é possível
entrever os movimentos de resgate da memória e o estabelecimento de alguns traços das várias identidades
sociais que circulam na sociedade acreana” (BONIFÁCIO, 2007, p. 14) 13
PAIVA, 2000.
22
de imagens positivas por dinheiro. A venda ocorreria na forma de repasses
mensais a pretexto de pagamento pela divulgação dos atos de governo. Ao
não reconhecerem o jornalismo como estratégia de convencimento da classe
dominante, os estudos batem-se pela mesma liberdade de imprensa
reivindicada pelos donos dos meios de comunicação.
Mais criterioso, outro trabalho14
percebe que “a hegemonia de
determinada classe social depende prioritariamente do controle da ideologia
e, não apenas, do domínio político ou econômico.” Apesar disso, o estudo,
cronologia exaustiva dos jornais acreanos desde a ocupação boliviana,
também enfatiza os percalços entre imprensa e poder institucional.
Nelson Werneck Sodré, porém, ao enumerar15
as transformações
editoriais da imprensa brasileira, localiza o jornalismo diário como estratégia
de propaganda. Para ele os Estados Unidos utilizaram-se do jornalismo entre
os países sul-americanos na batalha pela hegemonia durante a guerra fria: a
exportação do american way of life, diz o autor, causou as mais importantes
mudanças de estilo, circulação e linguagem dos jornais.16
Em que pese a inexistência de imprensa diária em 21 dos 22
municípios do Acre, a análise sobre o jornalismo acreano não resta
prejudicada: na capital acreana subsistem até a presente data os quatro
diários em análise. Convém, assim, utilizar um instrumental teórico adequado
para viabilizar a obtenção de resultados.
14
ASSMAR, 2007. 15
SODRÉ, 1999. 16
“A imprensa fora uma das grandes vítimas da ditadura estadonovista. Tudo isso, entretanto, pertencia à época
do nazismo ascensional, quando Salazar, Mussolini, Hitler, Franco, Tojo eram senhores do mundo, financiados
pelo imperialismo apavorado com a consolidação do poder soviético em vasta extensão da Europa e da Ásia, a
antiga Rússia. Depois da Guerra, em que soviéticos, franceses, ingleses, americanos, brasileiros haviam
combatido juntos o inimigo comum, isso parecia impossível. A bomba de Hiroshima, a terrível repressão na
Grécia, entretanto, anunciavam divergências insanáveis. Churchill, no discurso de Fulton, liquidou a unidade
antinazista e abriu a “guerra-fria”. No âmbito desta, a luta pelo controle da opinião teria destacado relevo.
(SODRÉ, 1999, p. 396).
23
1.1 O INSTRUMENTAL TEÓRICO GRAMSCIANO
Ao se comparar a categoria marxiana “ideologia” com a “hegemonia”
de Gramsci, há uma clara filiação da segunda à primeira.
Uma das contribuições mais interessantes de Gramsci é a sua reflexão sobre os mecanismos pelos quais uma classe pode exercer a dominação sobre as outras, estabelecendo a sua hegemonia não somente pela coerção, como também mediante o consenso, transformando a sua ideologia de grupo num conjunto de verdades que se supõem válidas para todos e que as classes subalternas aceitaram. (FONTANA, 1998, p. 238.)
Gramsci (apud COUTINHO, 2007) analisa a imprensa como a parte
mais dinâmica da superestrutura ideológica das classes dominantes.
Caracteriza-a como “a organização material voltada para manter, defender e
desenvolver a frente teórica ou ideológica”, um suporte ideológico do grupo
hegemônico:
Como se sabe, Gramsci dedicou grande atenção ao modo como a estrutura ideológica de uma classe dominante se organiza, assinalando: A imprensa é a parte mais dinâmica desta estrutura ideológica, mas não a única: tudo o que influi ou pode influir sobre a opinião pública, direta ou indiretamente, faz parte dessa estrutura. Dela fazem parte: as bibliotecas, as escolas, os círculos e os clubes de variado tipo, até a arquitetura, a disposição e o nome das ruas. (COUTINHO; TEIXEIRA, 2003, p. 243).
Em panfleto publicado em 1916, intitulado Os jornais e os operários,
Gramsci dedica especial atenção ao tema. Insiste que os operários devem
recusar os jornais burgueses, mantidos por capitais privados, que privilegiam
as verdades interessantes para partidos e políticos burgueses:
O jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. [...] E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. (GRAMSCI, 2005).
24
O texto critica o trabalhador que lê os jornais burgueses, ajudando a
mantê-los, “aumentando a sua potência”, esquecendo que esses veículos
“apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe
burguesa e a política burguesa com prejuízo da política e da classe operária”.
Em obra dedicada a realizar um estudo sistemático da atividade
intelectual na Europa, o mesmo autor avisa:
O tipo de jornalismo estudado nestas notas é o que poderia ser chamado de “integral” (num sentido que, no curso das próprias notas, adquirirá significado cada vez mais claros), isto é, o jornalismo que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, consequentemente, em certo sentido, criar seu público e ampliar progressivamente sua área. (GRAMSCI, 1982, p. 161).
A ocupação com a atividade jornalística guarda coerência com o
conjunto do corpo teórico gramsciano. A imprensa é parte dos aparelhos
privados de hegemonia da sociedade civil, assim como a religião e os centros
de produção de cultura e de ensino.
Para compreender melhor a implicação do corpo teórico gramsciano
para o objeto desta análise, convém empreender um recuo. Na teoria
gramsciana há dois níveis superestruturais que compõem - nas sociedades
ocidentais17
- o Estado Ampliado: a sociedade civil, que reúne o conjunto dos
aparelhos privados de hegemonia; e a sociedade política, o Estado no sentido
estrito, os organismos do aparelho burocrático-militar da política institucional.
Na sociedade civil é onde se dá a batalha ideológica, ou, em termos
gramscianos, hegemônica. É nela onde se espraiam as estratégias de busca
por consensos, engendrando a legitimidade via aparelhos privados de
hegemonia.
17
Gramsci diferencia as sociedades ocidentais das orientais conforme a organização de suas estruturas de Estado.
Enquanto no Ocidente ocorre uma estrutura de Estado ampliado, no Oriente há uma estrutura de Estado restrito
que tem por base a manutenção e a reprodução da dominação a partir tão somente do poder coercitivo. Esta não
é, entretanto, uma divisão geográfica, mas conceitos históricos de conteúdo sócio-econômico que representam
tipos de sociedade e os papéis desempenhados pela sociedade civil e pela sociedade política na organização e
reprodução das estruturas sociais.
25
Esta atividade faz com que Gramsci perceba a imprensa como agente
partidário18
, cumprindo a função de “meio para organizar e difundir
determinados tipos de cultura"19
, articulados de forma orgânica com um
determinado agrupamento social “mais ou menos homogêneo, de um certo
tipo e, particularmente, com uma certa orientação geral”20
.
Ao definir os jornais como aparelhos privados de hegemonia, Gramsci
vai na contramão das concepções liberais que entendem a imprensa como
quarto poder, cuja responsabilidade seria vigiar os governantes, brindando a
“opinião pública” com a transmissão isenta de fatos e garantindo a liberdade
de expressão na medida em que o faz sem intervenções estatais.
É ao primeiro marco categorial que filia-se o presente estudo. Quando
possível, preferiu-se transcrever os próprios textos dos jornais para evidenciar
as questões mais claramente. Também buscou-se acrescentar às notícias
informações contextuais que ajudassem a compreender o meio social em que
se deram os fatos, além dos interesses que sobre eles incidiam.
Além desse duplo panorama, composto pelas transformações da
imprensa no conjunto das transformações da história, esse empreendimento
requer uma cronologia comparada entre o movimento das classes sociais,
seus interesses em cada momento e as transformações em curso nos jornais
que incidiam sobre linguagens, infra-estrutura, modo de produção,
relacionamento com o poder e grupos sociais, entre outros. É o que,
resumidamente, se faz a seguir.
18
Esta visão pode ser encontrada, de forma menos elaborada, no texto onde Karl Marx analisa a imprensa inglesa
mostrando as diferenciações entre a imprensa ligada ao Partido Tory e a imprensa ligada ao Partido Whig. Conf.
MARX, Karl. A opinião dos jornais e a opinião do povo (1861). In. Liberdade de Imprensa. Porto Alegre,
LP&M, 2006. 19
GRAMSCI, 1982, p. 32. 20
Idem.
26
2 CRONOLOGIA DA COMUNICAÇÃO
Todo mundo quer saber o nome do fazendeiro que bolinou, como diz o Antonio Klemer, com uma menininha de apenas dois anos de idade. O nome dele? Nem sob tortura. – Coluna da Rubedna Braga, 15.09.2005. Jornal O Rio
Branco21
Este capítulo realiza uma cronologia da imprensa europeia, dos
Estados Unidos e do Brasil. O objetivo é mostrar que as mudanças editoriais
estão ligadas a disputas entre setores da classe dominante pelo controle da
sociedade e que a liberdade de imprensa é o discurso legitimador de um
projeto de modernidade, permitindo o ascenso desta classe nos diversos
países. Busca-se evidenciar que a ideia de neutralidade da notícia possibilitou
ao jornal dirigir-se a todos, estimulando o consensualismo burguês e
viabilizando a disseminação da visão de mundo dominante como se fosse de
toda a sociedade.
O próprio jornalismo diário produzido por empresa especializada é uma
necessidade da vida burguesa. A condução da política por interesses de
grupos proprietários contribuiu para produzir as condições pelas quais a
imprensa tornou-se um aparelho privado de hegemonia.
Por muitas razões, fáceis de referir e de demonstrar, a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade capitalista. O controle dos meios de difusão de idéias e de informações – que se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do desenvolvimento capitalista em que aquele está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações. Ao lado dessas diferenças, e correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação reguladora da atividade da imprensa. Mas há, ainda, um traço ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento da imprensa e o desenvolvimento da sociedade capitalista, aquele acompanhando a este numa ligação dialética e não simplesmente mecânica. A ligação dialética é facilmente perceptível pela constatação da influência que a difusão impressa exerce sobre o comportamento das massas e dos indivíduos. O traço consiste na tendência à unidade e à uniformidade. Em que pese tudo o que
21
Solicita-se ao leitor eventualmente horrorizado pela presente e brutal epígrafe que se conceda alguma vênia
para que se possa expor a dimensão da licença que a imprensa dá a si mesma em seu trabalho de mistificação.
Não há, como se percebe, limites morais nesta empreitada.
27
depende de barreiras nacionais, de barreiras lingüísticas, de barreiras culturais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da sociedade capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação – tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valores éticos e culturais, como pela padronização do comportamento. As inovações técnicas, em busca da mais ampla divulgação, acompanham e influem na tendência à uniformidade (SODRÉ, 1999, p. 1).
O primeiro22
jornal diário do mundo, o londrino Daily Courant, criado
em 1702 por iniciativa da Coroa britânica, confirma esse postulado. Divulgava
boletins sobre a saúde da realeza, editais e eventos reais e não se ocupava
do cotidiano popular. O regime político, baseado no poder privado do
monarca, desconhecia a “opinião pública”. Havia, no lugar, a palavra
soberana do rei.
A correlação entre conteúdo jornalístico e condições políticas pode ser
realizada em qualquer época.
De todos os objetos da pesquisa histórica, o jornal é, talvez, o que mantém as mais estreitas relações com o estado político, a situação econômica, a organização social e o nível cultural do país e da época dos quais constitui o reflexo. (ALBERT & TERROU, 1990, p. 31)
Formas sociais pré-burguesas elaboraram sistemas de comunicação
que também desempenhavam papéis organizadores entre as classes. A
principal característica da imprensa na atualidade, a de circular imagens da
classe dominante, está disponível também nas formas societais anteriores.
Bem antes da invenção do linotipo por Johannes Guttenberg (1390-
1468), por exemplo, haviam na Grécia os aedos23
, artistas que uniam música
e narrativas, sendo Homero um deles. Entre os celtas a mesma atividade era
realizada pelos bardos24
. Os judeus tinham os escribas25
, encarregados de
compilar livros considerados sagrados pela tradição religiosa. Além destes,
relatos como os de Homero, Heródoto, Marco Pólo e outros mantém com a
imprensa a característica de serem sistemas organizados de comunicação.
22
CHAPARRO, 2007. 23
TORRANO, 2006. 24
LOPES & BOSI, 1997, p. 253. 25
FEDELI, 1994.
28
Friedrich Engels, ao analisar a comunicação articulada como um dos
atributos fundamentais da espécie humana, revela que a organização cada
vez mais complexa dos primeiros grupos humanos na pré-história exigiu a
linguagem para estruturar o mundo do trabalho.
Em face de cada novo progresso, o domínio sobre a natureza, que tivera início com o desenvolvimento da mão, com o trabalho, ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas propriedades até então desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao mostrar assim as vantagens dessa atividade conjunta para cada indivíduo, tinha que contribuir forçosamente para agrupar ainda mais os membros da sociedade. Em resumo, os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe pouco desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente, mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a pronunciar um som articulado após outro. (ENGELS, 2004).
Este processo não parou a partir da separação entre macacos e
hominídeos. A sociabilidade humana complexificou e ampliou as
determinações que incidiam sobre a linguagem, tornando-a sistemas de
signos e símbolos culturais próprios de cada época:
O desenvolvimento do cérebro e dos sentidos a seu serviço, a crescente clareza de consciência, a capacidade de abstração e de discernimento cada vez maiores, reagiram por sua vez sobre o trabalho e a palavra, estimulando mais e mais o seu desenvolvimento. Quando o homem se separa definitivamente do macaco esse desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes povos e as diferentes épocas, interrompido mesmo às vezes por retrocessos de caráter local ou temporário, mas avançando em seu conjunto a grandes passos, consideravelmente impulsionado e, por sua vez, orientado em um determinado sentido por um novo elemento que
surge com o aparecimento do homem acabado: a sociedade. (idem).
No Paleolítico, a sofisticação das técnicas de caça seria o tema das
primeiras formas de comunicação gráfica que se tem notícia: a arte rupestre.
No interior de cavernas, os ancestrais do jornalista moderno registravam o
que de mais precioso o trabalho coletivo lhes fornecera: carne, uma fonte
alimentar de alto teor protéico que lhes garantia sobrevivência física e
29
apontava para a importância do trabalho coletivo na superação dos limites
impostos pela natureza.
O desenvolvimento desse domínio impôs sofisticações do aparato
comunicativo nas sociedades, processo que também não se deu de forma
linear. Com a invenção do papel pelos chineses26
, no século II a. C., criaram-
se as condições para um intenso intercâmbio da cultura humana. Isso não
ocorreu porque a divisão social do trabalho, na China de dinastias rivais, já
dissociara há muito a produção e a apropriação do trabalho. O mesmo se
dera no Egito, sob circunstâncias parecidas, com a invenção do papiro27
no
século IV a.C. Por isso, o ofício da escrita era restrito a atividades religiosas e
reais.
Em 1438, com a invenção do sistema de prensas móveis,
estabeleciam-se condições para a difusão do conhecimento. A bíblia em
latim, primeiro livro impresso pelo novo invento, sinalizava os que se
apropriariam do avanço tecnológico: o clero e as monarquias.
As guerras entre os reinos europeus, o endividamento das nobrezas e
a ascensão gradual das burguesias deram as condições para as primeiras
disputas pelo mando social. Nasciam os primeiros informativos, sob rígido
controle estatal, divulgando um único acontecimento por vez.
Já no final do século XV, os impressores passaram a editar, sob a forma de pequenos cadernos de 4, 8 ou 16 páginas, às vezes ilustrados com gravuras em madeira, folhas de notícias em que se relatava um acontecimento importante - batalha, exéquias principescas, festas, etc - ou se reproduzia o texto de algum avviso. Essas folhas, chamadas relationes em latim, occasionnels na França, zeitungen na Alemanha e gazzetas ou corantas na Itália, eram vendidas em livrarias ou por ambulantes nas grandes cidades. (ALBERT & TERROU, 1990, p. 5).
Em 1529, no favorável contexto de uniformização política da França,
com incentivos da monarquia que se beneficiava do patrocínio dado ao
conflito entre classes rivais – nobres e burgueses – surge o pasquim, um
novo tipo de gazeta que inovava relatando vários fatos em vez de um. Eram
26
FREITAS, 2011. 27
HEITLINGER, 2007.
30
periódicos anônimos, independentes da iniciativa real e nascidos como meio
para obter apoio social:
O conflito entre as classes sociais foi condição fundamental do poder absoluto. O próprio rei instigou o conflito, procurando sobrepor-se a ele e dele tirar proveito. Protegeu a alta burguesia, deulhe monopólios comerciais e industriais, arrendou-lhe impostos, garantiu-lhe ascensão social, apoiando-a contra clero e nobreza. Reciprocamente, concedeu privilégios ao alto clero e domesticou a nobreza, atraindo-a a seus palácios por meio de cargos e pensões. Também protegeu as corporações dos artesãos contra os grandes capitalistas, assegurando-lhes os direitos, ao mesmo tempo em que defendeu artesãos e capitalistas contra os assalariados. Garantiu aos camponeses direitos de posse e propriedade adquiridos pelo costume. O poder real, em suma, descansava sobre o conflito generalizado que tendia a equilibrar as forças sociais, especialmente o conflito entre as duas classes mais poderosas, nobreza e burguesia. (ARRUDA & PILETTI, 1996, p. 34)
Neste ambiente conflagrado, no qual o desenvolvimento do comércio
coincidia com a mão do controle real em busca do equilíbrio nacional, as
contradições entre as classes, agudizadas, manifestaram-se nas páginas dos
pasquins inicialmente com relatos de eventos tidos como sobrenaturais,
crimes, catástrofes e outros acontecimentos extraordinários. Não
representaram, nesta fase inicial, problema para as forças em disputa.
Depois28
nasceram os libelos, cujo conteúdo consistia em ácidas polêmicas
religiosas e políticas.
Receosas com a crescente receptividade dos libelos, que
perigosamente davam ao nascente jornalismo uma posição estratégica na
transmissão de idéias, várias cortes lançaram mão de legislações
sistematicamente repressivas. A excessiva centralização dos estudos sociais
sobre essas legislações tendem, porém, a desviar o foco dos eventos reais,
dos interesses em disputa:
Não é o exame da legislação a respeito da imprensa, assim, que nos permite acompanhar o seu desenvolvimento, mesmo sob o aspecto da liberdade de expressão, mas o exame da realidade: a legislação, objetivo constante das preocupações conservadoras, foi posta de lado, desobedecida, algumas vezes, outras serviu a desmandos que não previa, tudo conforme o desenvolvimento dos acontecimentos políticos, conforme a correlação das forças em
28
ALBERT & TERROU, 1990, p. 5.
31
disputa. Esse ambiente agitado, e de cujo desenvolvimento, em regra, só a agitação nos tem sido transmitida pela historiografia oficial, esquecida de seus motivos, deu lugar a um tipo de imprensa, o pasquim, de características específicas. (SODRÉ, 1999, p.84).
A primeira legislação contra os libelos foi criada na Alemanha em 1524,
seguida pela França em 1537 e a Inglaterra em 1538.29
A regulamentação
estatal mostra que o jornalismo informativo não floresceria entre as
monarquias: a informação estava submetida a forças que não eram as de
mercado.
Nos primeiros anos do século XVII surgem os semanários: em 1609
em Estrasburgo e Wolfenbutel, em 1610 na Basiléia, 1615 em Frankfurt, 1617
em Berlim, 1618 em Hamburgo, 1619 em Sttutgart e Praga, 1620 em Colonia
e Amsterdam, 1622 em Londres, 1631 em Paris, 1636 em Florença, 1640 em
Roma, 1661 em Madri e em 1703 em São Petersburgo.30
Na Inglaterra, onde o processo caminhava mais rápido, surgiu o
primeiro jornal diário: a 11 de maio de 1702 veio a primeira edição do Daily
Courant, também primeiro com a concepção da notícia isenta de valores31
. A
inovação surgiu depois que o Parlamento inglês, diante da restauração da
monarquia, criou reformas para expandir a economia mercantilista. Criara-se
o ambiente no qual o convencimento via livre expressão livre é uma
necessidade social. O protagonismo inglês foi benéfico para o
desenvolvimento da atividade jornalística:
O princípio da liberdade de imprensa, antecipado na Inglaterra, vai ser encontrado, então, tanto na Revolução Francesa quanto no pensamento de Jefferson, que correspondia aos anseios da Revolução Americana, sintonizando com a pressão burguesa para transferir a imprensa à iniciativa privada, o que significava, evidentemente, a sua entrega ao capitalismo em ascensão. Nos países em que essa ascensão ocupava-se agora muito mais no plano político, pois estava já consolidada no plano econômico, a liberdade de imprensa encontrava barreiras nos remanescentes feudais, adrede mantidos, por vezes, pela própria burguesia, como escudos contra o avanço, embora ainda lento, do proletariado e do campesinato – a Inglaterra e a França, particularmente – o problema permaneceu longamente no palco. Foi a ausência, nos Estados Unidos, de passado feudal, que permitiu ali a solução rápida de tal problema,
29
Idem, p. 11-20. 30
ALBERT & TERROU, 1990, p. 7. 31
CHAPARRO, 2003.
32
colocada a liberdade de imprensa – isto é, o seu controle pela burguesia – como postulado essencial e pacífico, abrindo-se ao seu desenvolvimento, então as mais amplas perspectivas. Assim, enquanto na Inglaterra a stamp tax só desapareceu em 1855, e, na França, a liberdade de imprensa permaneceu relativa até 1881 – nos Estados Unidos surgiu ampla, praticamente, com a independência. (SODRÉ, 1999, p. 2)
Na França, onde a resistência ao avanço das reformas burguesas
produzira a monarquia absolutista, os jornais que circularam até 1788
desenvolveram tendências literárias para circular na Corte: visavam chegar à
nobreza, influente sobre a censura estatal. Os principais representantes
franceses dessa época foram o Journal de Paris (surgido em 1777) e o
Journal Général de France (em 1778).
O Journal des Savants inaugurou um tipo de imprensa de oposição ao sistema, com a crítica aos filósofos das Luzes, que defendiam o absolutismo esclarecido. Acabou abandonando a crítica literária devido às perseguições e à censura. Jornais literários surgiram na França, mas utilizando uma fórmula subserviente, sem contrariar a ordem constituída. O de maior sucesso no final do século XVII foi o Nouvelles de La Republique des Lettres, dirigido por Bayle, que, de tão acomodado, recebeu cartas de felicitação da Academia Francesa e da Societé Royale, instituições fiscalizadoras dos padrões estéticos. (ARNT, 2002, p. 21).
Nos Estados Unidos sob controle inglês os jornais tinham baixa
periodicidade e curta duração. The Public Occurrences, publicado em Boston
em 25 de outubro de 1690, teve somente um número32
. The Boston News
Letter, de 1704, teve dois33
. Na Filadélfia, em 1728, Benjamim Franklin lançou
a Pennsylvania Gazette34
, que circulou por duas semanas. Com a revolução
de 1776 o número de folhas saltou para 43 em 178235
: Libertas do grilhão
monarquista, as forças burguesas rapidamente formularam os marcos da
liberdade civil, e, com ela, da liberdade de imprensa. A primeira foi garantida
em 1776 com a Declaração de Independência dos Estados Unidos36
. A
32
DUYCKINCK, 1856, p. 27. 33
Idem. 34
Idem, p. 28. 35
ALBERT & TERROU, 1990, p. 47. 36
UNITED STATES OF THE AMERICA. The declaration of independence. Philadelphia: The United States
Congress, 1776. “The Decl“We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are
endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty, and the pursuit of
Happiness. That to secure these rights, Governments are instituted among Men, deriving their just powers from
33
segunda seria contemplada 15 anos depois, com a 1ª Emenda à
Constituição37
.
Na França, a legislação sobre a liberdade de imprensa surgiu dois
anos após a revolução de 1789, mas a luta pelo direito de informar livremente
se manteve, inclusive nas fases de consolidação do novo modelo. De acordo
com P. Albert e F. Terrou, entre 1792 e 1799 o governo revolucionário
instituiu uma severa censura estatal aos impressos. Era o período de crise da
Revolução Francesa, caracterizada pela perda da identificação entre os
interesses dos novos grupos dirigentes e o proletariado francês38
.
Diferente dos EUA, a classe dominante francesa não elaborou as
reformas para colocar os mercados no centro da vida social. Abertos os
flancos de batalha, a Restauração instalou-se:
Com o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, um decreto de 17 de janeiro de 1800 permitiu a subsistência de apenas 13 jornais, restabelecendo o antigo sistema de autorização prévia. O imperador impôs severo controle à imprensa, mas também tornou um jornal o porta-voz do seu governo: o Moniteur. Jornais provinciais só podiam publicar temas políticos extraídos do Moniteur. A partir de 1810 só era permitida uma folha por departamento. Em 1807 ainda havia 170 jornais provinciais. Em 1811 restavam apenas quatro jornais em Paris, todos confiscados pelo governo. Após a Batalha de Waterloo, o retorno dos Bourbons (1814-1815) trouxe uma liberdade relativa para a imprensa noticiosa, que, no entanto, só seria conquistada definitivamente 56 anos depois, a partir de 1881.
ALBERT & TERROU, 1990, p. 36.
Inovações tecnológicas ampliaram o poder da imprensa. É o caso do
telégrafo, em 1844, surgido precisamente quando o capitalismo se
the consent of the governed”. (“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os
homens foram criados iguais, que foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes
estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que, a fim de assegurar esses direitos, são instituídos governos
entre os homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados”). Disponível em:
<http://www.icitizenforum.com/declaration-independence> Acesso em: 20 ago. 2011. 37
UNITED STATES OF THE AMERICA. The United States Constitution. Washington: The United States
Congress, 1791. “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free
exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to
assemble, and to petition the Government for a redress of grievances”. (“O Congresso não legislará no sentido de
estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de
imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de
seus agravos”). Disponível em: <http://www.usconstitution.net/xconst_Am1.html> Acesso em 20 ago 2011. 38
ALBERT & TERROU afirmam que de 1789 a 1800 foram publicados mais de 1.500 títulos novos, duas vezes
mais do que nos últimos 100 anos. A censura ocorreu de 1792 a 1799, quando a imprensa passou a ser vista
como ameaça à sobrevivência do regime.
34
desenvolvia mais rápido, exigindo a transmissão de volumes maiores de
informações. O telégrafo atendeu e melhorou essa demanda: o volume de
informações passou a ser contabilizado em minutos, exigindo relatos
jornalísticos mais curtos e objetivos. Impunha-se a padronização da escrita
informativa: nascia a estética do jornalismo moderno:
Seria possível designar a “objetividade jornalística” por “paradigma do telégrafo”, a primeira rede global em que o jornalismo se integrou. O novo invento libertou a informação dos constrangimentos da geografia, autonomizando-a em relação aos transportes. Além disso, solicitou novas formas de linguagem, ajudando a configurar as formas de expressão jornalística difundidas pelas agências noticiosas, elas próprias fundadas sob o impulso dessa nova tecnologia, e adotadas pelos jornais da “fase industrial da imprensa”. Entre outras modificações nas “relações sociais mediadas pela linguagem” - com relevo para a correspondência comercial ou privada -, o telégrafo contribuiu para a transição do jornalismo partidário para o jornalismo comercial e noticioso, conduzindo ao aparecimento das notícias “objetivas”, ou seja, de “notícias que pudessem ser usadas por jornais de qualquer tendência política”. Neste sentido, as origens da objetividade podem ser encontradas na necessidade de encurtar a linguagem, resultante da transmissão telegráfica. Abreviar o número de palavras significava poupar dinheiro. (MESQUITA, 2005, p. 29).
Jornais exclusivamente informativos, com linguagem calculada
telegraficamente, emergiram nas mais diversas sociedades.
Enquanto isso, no Japão, onde o poder imperial impunha restrições à
liberdade de imprensa, o primeiro jornal diário - o Yokohama Mainichi
Shimbun39
- surgiria tardiamente, em 1870. Era no Ocidente onde se davam
os eventos cruciais para o jornalismo moderno.
Na primeira década do século XX, a consolidação da hegemonia
burguesa conduziria o capital concorrencial ao monopolista, retomando um
velho fenômeno histórico: o imperialismo. A fase superior do capitalismo40
,
marcada pela cartelização da economia e ofensiva contra a classe
trabalhadora, tinha como complemento os “anos dourados”41
da imprensa
39
BURKS, 1964, p. 61. 40
A expressão é do teórico marxista Vladimir I. Lenin, autor de um dos melhores e mais completos estudos sobre
esta transição do capitalismo. Cf. LENIN, Vladimir I. Imperialismo: etapa superior do capitalismo. São Paulo:
Centauro, 2002. 41
É esta a expressão usada, para se referir ao período, pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entidade
patronal brasileira. Cf. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS. Jornais: breve história. Brasília, 2005.
35
mundial. Agências mundiais de notícias e publicidade42
eram responsáveis
pela coleta e abastecimento de informações para jornais de várias partes do
mundo – incluindo, via cabos telegráficos submarinos quilométricos, dos
países periféricos43
.
A classe trabalhadora reage. Surge o jornalismo militante, avesso ao
dogma da objetividade (que denuncia como armadilha ideológica das classes
dominantes), porém de fabricação artesanal e circulação manual. Mesmo
assim, investe, furiosamente, contra a manipulação noticiosa44
. Os primeiros
jornais proletários enfatizavam abertamente o caráter classista de todo e
qualquer impresso político. Nascia a propaganda revolucionária na imprensa.
O jornalismo, apropriado pelas idéias socialistas, comunistas e anarquistas,
novamente tornava-se palco da batalha por hegemonia entre classes sociais
rivais.45
Coerente com essa trajetória, na primeira década do século XX, nos
primeiros ensaios da Revolução Russa, surgiria o maior e mais influente
jornal revolucionário: o Pravda (do russo, A Verdade)46
, que subsiste até hoje.
Com o século XX nasceu também o rádio47
, nova forma de
comunicação cuja agilidade na transmissão de notícias foi rapidamente
incorporada48
pelas redes de impressos. Cadeias de impressos e rádios
transnacionais dominaram o mercado de informações, criando os primeiros
conglomerados midiáticos da história. Concentradas em poucas mãos, tais
corporações davam aos proprietários posições estratégicas em relação a
governos e conglomerados interessados na exportação do american way of
life para o resto do mundo49
.
Disponível em: <www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/historianomundo/historiadojornal.pdf> Acesso em 20
ago. 2011. 42
SODRÉ, 1999, p. 4. 43
Idem, p. 389. 44
BORGES, 2006. 45
A epopéia do jornalismo proletário e a importância da propaganda e agitação impressas para as revoluções
socialistas do século XX exigiria um trabalho monográfico específico, e, se exaustiva, em vários tomos. Por força
do recorte temático exigido de monografias científicas, também esse tema será integralmente omitido, ficando
apenas o registro e a dica para pesquisadores potencialmente interessados. 46
A primeira edição do Pravda circulou em 1912. Hoje, além da versão impressa, há uma homepage do jornal na
internet com noticiário atualizado diariamente em inglês, russo, português e italiano. Cf. PRAVDA. Disponível
em: <http://www.pravda.ru/> Acesso em 20 ago. 2011. 47
CAMPOS, 2007. 48
SODRÉ, 1999, p. 415. 49
Um exemplo claro do papel importante dessa “fase de ouro” do jornalismo ocidental é a sua ligação direta, via
patrocínio generoso, do Departamento de Defesa norte-americano durante o chamado macarthismo (ou,
36
Nesta fase, enquanto mercados e governos davam forma à fase
imperialista do capitalismo, intensificando os conflitos de classe nas bases
produtivas ao mesmo tempo em que, no Velho Mundo, consolidava-se a
Revolução Russa, as agências de jornalismo ocupavam-se do fluxo de idéias
da metrópole para a periferia capitalista:
É fácil avaliar a terrível força da engrenagem que se compõe de agências de notícias, agências de publicidade e cadeias de jornais e revistas, sua influência política, sua capacidade de modificar a opinião, de criar e manter mitos ou de destruir esperanças e combater aspirações. Quando se verifica que essa gigantesca engrenagem é simples parafuso de engrenagem maior, a que pertence, do capitalismo monopolista, ainda mais fácil é estimar o seu alcance e poder. Sem considerar esses dados, que a fria realidade apresenta, é impossível, entretanto, discutir problemas como o da liberdade de imprensa, aspecto parcial do problema da liberdade de pensamento. E quando são inseridas no quadro as novas técnicas de mobilização da opinião, como a televisão e o rádio, também submetidas, em muitos países, à iniciativa privada e associadas, inclusive, à imprensa, e também submetidas a organizações em cadeia, verifica-se quanto aquele problema fundamental se apresenta complexo e depende do regime predominante. (SODRÉ, 1999, p. 6).
O ritmo frenético da transmissão de notícias, a necessidade de
consolidação da ideologia imperialista, que pressuponha vender imagens
convincentes do progresso prometido pela nova ordem mundial impõe o
nascimento de mais uma tecnologia de informação: a televisão. Com ela, a
partir da primeira metade do século XX, a propaganda vira entretenimento.
Nos anos 50 as agências transnacionais de publicidade e notícia dos
Estados Unidos criam os manuais de redação e estilo50
, uniformizando o
texto jornalístico51
. Os manuais, que ajudam a consolidar a ideia de
macartismo), campanha anticomunista desencadeada nos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial. Sobre
o financiamento dos jornais neste e em outros períodos de “caça aos comunistas” nos EUA e em outros países,
cf. SAUNDERS, Frances S. Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura. Rio de Janeiro:
Record, 2005. Uma análise dessas mesmas relações a partir de documentos oficiais do Departamento de Defesa
norte-americano pode ser encontrada também em SCHREKER, Ellen. The age of McCarthysm: a brief history
with documents. New York: Bedford/St. Martin’s, 2002. 50
Os manuais consistem basicamente de cartilhas normativas para a escrita, contendo regras de acentuação,
pontuação, ortografia, uso de maiúsculas e minúsculas, pesos e medidas etc. 51
LUSTOSA (1996:72) esclarece: “O modelo da técnica da escrita, exigida pelos manuais de redação, que
surgem a partir de 1950, representou também a introdução do lide, que no Brasil poderia ser abertura, como
ocorre com os espanhóis, que o chamam de entrada. Os redatores e repórteres de rádio usam no Brasil a
expressão cabeça e não lide. A técnica da notícia possibilitou a apropriação da opinião, com exclusividade, pelos
donos do veículo. O repórter passou a produzir textos padronizados, a partir de um modelo de formulação que
não permitia a manifestação de comentários pessoais. Estabelecida a propriedade de opinião, surgiram as
37
neutralidade do jornalista ao transmitir os fatos, paradigma reinante desde o
invento do telégrafo, surgem durante a Guerra Fria entre EUA e União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ambos os países disputavam
áreas de influência no mundo, inclusive no Brasil52
. Desta forma, a
uniformização visava impedir a manifestação de ideias políticas subversivas.
Na história do jornalismo, os avanços do setor comunicativo
proporcionados por inventos como telégrafo, rádio e televisão não foram
apenas saltos tecnológicos resultantes da curiosidade humana. Todos são
francamente coerentes com o seu momento político, que os demanda, e, em
alguns casos, os cria – caso dos manuais.
As agências de notícias, ao anexarem os canais de televisão, criaram
os oligopólios de comunicação que persistem hoje53
. A partir da segunda
metade do século XX, estruturas comunicativas e de publicidade exportaram
produtos e valores de consumo para as periferias empobrecidas do
capitalismo54
, influenciaram no derrube de governos eleitos55
e na legitimação
de ditadores56
, massificaram o american way of life57
e louvaram todas as
ofensivas neoliberais58
que beneficiavam a ampliação dos mercados.
Nos últimos anos do século XX, com a indústria comunicativa no topo
dos circuitos mundiais de capital, surge a informática, e, com ela, a internet.
Blogs, Orkut, facebook, twitter e outras redes de interação permitem a
qualquer indivíduo interagir com outros na produção de idéias, inclusive
noticiosas. Era o nascimento da “sociedade em rede”59
.
Os oligopólios de comunicação acusaram o golpe. Patrocinados por
eles, estudos sobre a suposta insegurança e o caos da rede mundial de
computadores proliferaram-se na própria internet. Pela primeira vez, a
“páginas de opinião”, com o editorial – espaço reservado à defesa das causas e interesses do veículo – e os textos
de articulistas e colunistas, que podiam manifestar seus próprios pontos de vista.” 52
BONIFÁCIO, 2007, p. 29. A autora não menciona os interesses do Pentágono e a guerra de informações entre
EUA e URSS, mas registra, neste mesmo período, a bovina recepção dos manuais pela imprensa comercial
brasileira, incluindo a acreana. 53
Idem, p. 70-73. 54
SODRÉ, 1990, p. 24-28. 55
SODRÉ, 1999, p. 434-449. 56
MARCONDES FILHO, 1989, p. 137-139. 57
GONÇALVES, 2003. 58
BRITO, 2007.
38
imprensa via-se na incômoda situação de disputar com outros meios a
credibilidade60
na qual nascera e se desenvolvera.
Nas Ciências Sociais, os estudos sobre a indústria da informação
contemporânea e seus impactos são numerosos. Escassa é a abordagem
sobre a instrumentalização dessa indústria. Atualmente cada vez mais
estudos apontam para os impactos globais da informação democrática.
Milton Santos, ao classificar as formas de intervenção humana no
intercâmbio com a natureza61
, estabelece três fases: 1) a do meio natural,
caracterizada pela simbiose entre técnicas de trabalho e dádivas da natureza;
2) a do meio técnico, em que se observa a emergência do espaço
mecanizado, aumento exponencial da divisão internacional do trabalho e
adensamento da substituição dos objetos naturais e culturais por objetos
técnicos; e 3) a do meio técnico-científico-informacional, iniciada com o fim da
segunda guerra mundial e que consiste numa profunda interação entre
ciência e técnica que se dá por meio de um mercado mundializado e ênfase
na informação como conhecimento técnico e especializado a serviço dos
mecanismos de mercado.
O conhecimento exerceria assim - e fortemente - seu papel de recurso, participando do clássico processo pelo qual, no sistema capitalista, os detentores de recursos competem vantajosamente com os que deles não dispõem. (SANTOS, 2008, p. 242).
Em análise62
centrada na profusão das tecnologias interativas a partir
dos anos 80, Manuel Castells afirma que atualmente vive-se um capitalismo
59
A expressão é do sociólogo espanhol Manuel Castells. Cf. CASTELLS, Manuel. A era da informação: a
sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2007. v. 1. 60
Embora seja uma constante nas propagandas que os meios de comunicação fazem de si mesmos visando
recuperar leitores, ouvintes e telespectadores, o argumento de que a internet seria mero “caos informativo” é
duvidoso. Pesquisas recentes aumentam justamente o oposto: a credibilidade da internet está crescendo e a dos
impressos, por exemplo, caindo. Cf. FORTI, Pamela. Cresce credibilidade da internet como fonte de notícia,
indica pesquisa. Portal Imprensa, 2011. Disponível em:
<http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2011/04/01/imprensa41289.shtml> Acesso em: 23 ago.
2011 61
Embora passe ao largo da questão da imprensa como agente de consolidação dos mercados na citada fase
técnico-científico-informacional, o autor dá instrumentos importantes para análises sobre os segmentos dos
jornais especializados em tecnologia, como cadernos de economia rural, informática, finanças e outros. Dadas
tais especificidades, que superam os esforços do presente trabalho, o tema não será aqui desenvolvido. 62
CASTELLS, 2007.
IDEM, v. 2, O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2007, 532 p.
39
informacional ou capitalismo cognitivo, tais seriam a magnitude e importância
das mudanças para o próprio capitalismo. Segundo o autor, as tecnologias de
informação, processamento e comunicação ocuparam o centro da dinâmica
social ao permitir novas formas de empoderamento intelectual.
Para Castells, o deslocamento da comunicação do papel de suporte
ideológico do capitalismo para o próprio meio pelo qual o modo de produção
de mercadorias se estrutura, sinaliza o estabelecimento de um novo
paradigma de organização política: a sociedade em rede.
Sem dúvida, informação e conhecimentos sempre foram elementos cruciais no crescimento da economia, e a evolução da tecnologia determinou em grande parte a capacidade produtiva da sociedade e os padrões de vida, bem como formas sociais de organização econômica. (...) A emergência de um novo paradigma tecnológico organizado em torno de novas tecnologias da informação, mais flexíveis e poderosas, possibilita que a própria informação se torne o produto do processo produtivo. (CASTELLS, 2007, p. 87).
A teoria da informação como técnica especializada agregada à última
fase do modo de produção de mercadorias, explorada por Milton Santos, e do
surgimento das sociedades em rede enquanto mecanismos reguladores da
interação informativa, em Castells, ressaltam aspectos específicos das muitas
mediações entre meios de comunicação e capitalismo.
Exploração adensada sobre o tema empreende o sociólogo Octavio
Ianni, para quem a televisão, no capitalismo tardio, tornou-se o novo
príncipe63
. Em vez da concepção gramsciana da imprensa como parte dos
aparelhos privados de hegemonia, cuja atividade elabora e reproduz
ideologias visando a disputa pela consciência social, Ianni acrescenta que a
comunicação de massa ocupa uma posição privilegiada na produção de
consensos. A política, a economia, as questões sociais gerais, estariam agora
submetidos a uma indústria de ressignificação simbólica realizada pela mídia
televisiva.
São muitos os caminhos, assim como as redes, que conduzem à política eletrônica, à democracia eletrônica, à tirania
IDEM, v. 3, Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra, 2007, 497 p. 63
IANNI, 1999.
40
eletrônica ou ao príncipe eletrônico. Há poderosos e predominantes interesses corporativos impondo-se mais ou menos decisivamente às instituições “clássicas” da política, compreendendo partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, correntes de opinião pública e governos, em seus poderes legislativo, executivo e judiciário. No âmbito da “democracia eletrônica”, dissolvem-se as fronteiras entre o público e o privado, o mercado e a cultura, o cidadão e o consumidor, o povo e a multidão. Aí o programa televisivo de debate e a informação política tende a organizar-se nos moldes do programa de entretenimento. Aos poucos, o político, o partido, a opinião pública, o debate sobre problemas da realidade nacional e mundial, as possibilidades de opções dos eleitores e a controvérsia sobre planos alternativos de governo, tudo isso tende a basear-se nas linguagens, recursos técnicos, teatralidade e encenação, desenvolvidos pelos programas de entretenimento. (IANNI, 1999, p. 261).
A concepção da mídia como príncipe eletrônico ocupa a posição
teórica inversa àquela que considera as técnicas e meios comunicativos
ações informativas isentas, neutras64
, permitindo ainda vislumbre mais
satisfatório das estratégias adotadas na disputa por consensos.
Cabe à investigação científica, porém, sistematizar os processos de
constituição da imprensa em relação aos jogos de poder com as
especificidades próprias de cada região. No Brasil esse fenômeno é
particularmente revelador quando se permite contextualizá-lo com o
desenvolvimento desigual e dependente do capitalismo, o pendor golpista da
sua classe dominante e o metabolismo político do país.
2.1 A IMPRENSA BRASILEIRA
O jornalismo no Brasil iniciou-se tardiamente, em comparação com os
países europeus.
A imprensa surgiu no Brasil com muito atraso em relação à Europa e aos Estados Unidos. Quando começaram a ser publicados jornais em nosso país já circulavam vários periódicos em Paris, alguns dos quais, ainda em 1806, contavam com uma tiragem diária de cerca de 50 mil exemplares. (LUSTOSA, 1996, p. 39).
64
Expressões cada vez mais comuns dessa percepção ocorrem entre estudiosos contemporâneos de Tecnologia
da Informação (TI), Gestão de Negócios e em setores predominantes da Economia. São, como profetizou
Marcuse, os representantes atuais dos velhos tecnocratas. Para uma discussão adicional sobre os critérios de
neutralidade e objetividade também reivindicados na área da tecnologia, cf. MARCUSE, Herbert. A ideologia
da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
41
Dois impressos, A Gazeta do Rio de Janeiro e o Correio Braziliense
começaram a circular a partir de 1808, embora sob censura prévia da Coroa
portuguesa. Era o desenvolvimento do poder de consenso social submetido à
normatização jurídica absolutista.
Da mesma forma que os impressos franceses sob o jugo do poder
absolutista, A Gazeta resumia-se à transmissão de comunicados e boletins
reais, entre outras efemérides. O Correio Braziliense tinha posição dúbia: ora
censurava a Corte joanina – que fugira para o Brasil, temendo o avanço das
tropas napoleônicas – e era perseguido, ora a apoiava e era tolerado.
O controle que causou o atraso da imprensa brasileira obedecia,
porém, a forças coerentes com aquela etapa do desenvolvimento político.
Os holandeses, dominando a área mais rica da colônia, no século XVII, introduziram no Brasil alguns elementos característicos da atividade portuguesa, de que foram pioneiros. Não a imprensa, porém. Apesar de terem dado singular desenvolvimento, na área metropolitana, na proporção do avanço da sua burguesia, não se empenharam em trazer ao seu novo domínio americano a arte tipográfica. É curioso o fato, porque mostra como as condições da colônia constituíam obstáculo mais poderoso ao advento da imprensa do que os impedimentos oficiais que caracterizaram a atitude portuguesa. Claro que estes, na sua vigilância permanente, concorreram também para o retardo com que conhecemos a imprensa. Mas a razão essencial estava nas condições coloniais adversas: o escravismo dominante era infenso à cultura e à nova técnica de sua difusão. A etapa econômica e social atravessada pela colônia não gerava as exigências necessárias à instalação da imprensa. Quando surgiram as iniciativas isoladas, no século XVIII, o papel das autoridades coloniais foi importante. Elas não decorreram, assim, de uma imposição social, mas de esforços isolados. Nem estes, entretanto, permitiu a metrópole que surgissem, liquidando-os no nascedouro. (SODRÉ, 1999, p. 16-7).
Comparada com a europeia, a censura jornalística tinha também
especificidades. Uma delas era a capacidade de barganhar com o poder,
buscando um ambiente amistoso. As negociações entre Hipólito da Costa,
proprietário do Correio Braziliense, e subordinados da Corte portuguesa,
eram constantes.
De qualquer forma, duas coisas parecem certas: uma é que a perseguição ao Correio Braziliense sofreu altos e baixos, não sendo a mesma ao longo do tempo e em todos os lugares; outra é que foram repetidos os entendimentos das autoridades com Hipólito da Costa, mesmo de pessoas acreditadas por D. João para esse fim. As
42
perseguições, segundo alguns, não partiram do príncipe, mas de subordinados seus, inclusive ministros. (idem, p. 27).
Nesse clima que alternava amenidades e perseguições, a concepção
de neutralidade da notícia permaneceria distante do jornalismo brasileiro até
bem entrado o século XX – viria, sim, já sob o ímpeto homogeneizante,
portanto, das agências transnacionais.
No Brasil colônia o jornalista era conhecido como defensor de valores
morais e religiosos, e o jornal era o meio de propagá-los65
. A caricatura do
erudito grave, indiferente aos embates políticos no chão da história, resultava
da falta de condições sociais que exigissem a disputa da opinião pública.
Assim, os jornais recorriam à moral e aos valores como fonte de autoridade66
.
No entanto, o sistema de monopólio67
imposto pela Coroa portuguesa
contrariava vários setores da economia. A contradição entre situação política
e a ruidosa ascensão burguesa na Europa forçou o jornalismo a trilhar o velho
caminho da luta pela liberdade. A propaganda moral, portanto, é
recorrentemente acrescida de admoestações diversas a Sua Majestade,
Imperador Dom João VI. Neste sentido, proprietários de terras e pequenos
comerciantes se unem até que, em 1808, o imperador derruba o sistema de
monopólio68
. Os jornais comemoram. Era a primeira de muitas vitórias de
uma longa trajetória ascensional.
Em 1821, o retorno da Corte a Portugal ameaça trazer de volta o
monopólio. A ameaça de retrocesso volta a unir as parcelas da classe
dominante, novamente com protagonismo da imprensa.
(...) o problema que une as classes, internamente, volta a ser colocado, quando do retorno da Corte a Portugal, com a ameaça de regresso ao regime de monopólio. De Lisboa, onde havia surgido pouco antes o avanço do constitucionalismo portuense – com um avanço correspondente e transitório na colônia – surge agora aquela ameaça de regresso a uma situação que não poderia ser suportada pela classe dominante brasileira: a conquista anterior, que parecera
65
LUSTOSA, 1996, p. 68. 66
“No Brasil Colônia, a operação de gráficas era terminantemente proibida. A entrada de livros no país era feita
clandestinamente e a sua posse considerada um crime. A imprensa só apareceria no país por iniciativa oficial.”
(LUSTOSA, 1996, p. 39). 67
FAORO, 2001, p. 259, explica que o sistema de monopólio consistia na exclusividade lusa sobre os produtos
coloniais. 68
ALMEIDA, 2001, p. 94.
43
simples dádiva, fica em perigo, e o perigo une. Para unir, é preciso mobilizar. Para mobilizar, é preciso despertar a opinião. Para despertar a opinião, é preciso imprensa. Ela tem, então, a sua primeira fase autêntica, entre nós, quando os episódios vividos entre o retorno da Corte joanina a Portugal e a mudança de atitude do príncipe regente D. Pedro marca a evolução dos acontecimentos. (SODRÉ, 1999, p. 45).
Criado o Império brasileiro, a imprensa assumiria papel central na
defesa dos grupos que engendraram a independência. As publicações
multiplicaram-se, embora não houvesse ainda jornais diários69
- eram
periódicos, contendo poucas páginas e muitos anúncios publicitários. São
exemplos dessa época: a Aurora Fluminense (1827-1839), que criticava D.
Pedro I e em seguida apoiou as regências; O Repúblico; Nova Luz Brasileira,
que discutia e exigia a reforma agrária; Tiphis Pernambucano, do lendário
Frei Caneca; Revérbero Constitucional Fluminense; o Observador
Constitucional; Carapuceiro; Gazeta do Brasil; Diário Fluminense e outros.
A corte de D. Pedro I seguiu o exemplo francês: fortaleceu a imprensa
oficialesca70
. Não funcionou. Em 1824, o império recém-formado lançaria
mão do artifício reconhecidamente eficaz contra a agitação política: eliminar a
liberdade de imprensa71
. Veio então a imprensa anônima72
, ampliando o seu
alcance, uma vez que driblava as medidas restritivas governamentais e
atiçava os leitores para as mudanças políticas em curso na Europa e nos
EUA.
A partir de 1827, com a criação da Academia de Direito do Largo de
São Francisco, em São Paulo73
, o processo ganha novas dimensões. A
intenção do império - formar quadros para a administração pública –
fomentaria atividade diversa: a proliferação de jovens intelectuais, críticos do
Império, que expressavam suas idéias nos pasquins: jornais de quatro folhas,
monotemáticos, anônimos, de linguagem áspera e virulenta.74
O cerco se fecha. Em 1831, Dom Pedro I renuncia. O regime, porém,
permanece no período regencial. Vitoriosos, os pasquins multiplicam-se e o
69
ibidem, p. 106. 70
ib., p. 49-50. 71
ib., p. 61. 72
ib., p. 83-112. 73
Primeira instituição de ensino superior do país.
44
conflito político se acentua. As classes dominantes se dividem. O latifúndio,
ancorado na agenda agroexportadora, passa a defender o governo central
que dialoga e atende a seus interesses. Nas províncias, os crescentes grupos
comerciais urbanos mantêm a agenda por autonomia. A Constituição de 1824
ampliara o controle sobre as províncias, criando generalizado mal-estar
político que levam a conflitos insurreicionais.
Proliferam-se também os pasquins anônimos. É neles que, até meados
de 1840, grupos comerciais disputam o apoio popular para a sua agenda de
abertura econômica e política. O império responde com o Golpe da
Maioridade, no qual o jornalismo áulico, ligado ao poder, ganha força, e, com
ele, o poder do latifúndio escravagista.
Somente a partir da década de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai
e a proibição do tráfico de escravos, recomeçam na imprensa as discussões
sobre os efeitos nocivos do latifúndio para o que se pretendia serem
interesses nacionais. Assim, de 1870 a 1872, surgem mais de 20 publicações
no país75
. É uma imprensa literária, de ideais republicanos. O avanço da
classe média e da vida urbana em geral possibilitara as mudanças.
A luta contra a escravidão e pelo advento da república, bandeiras
assumidas pelas províncias como passo necessário para a liberdade dos
mercados, se fazia presente nos jornais. A imprensa se torna abolicionista e
republicana, abandonando o pasquim. Criam-se sistemas de assinaturas,
vendas em bancas e outros avanços, sinalizando os primórdios do jornalismo
industrial. As agências de notícias internacionais começam, via telégrafo, a
abastecer os jornais locais. A relevância da imprensa para a conquista da
república seria ampliada nas décadas seguintes. Mesmo assim, o paradigma
da notícia neutra ou isenta continuava distante. Os textos permaneciam
doutrinários, no calor das disputas políticas entre grupos rivais da classe
dominante.
(...) a imprensa estava também consolidada, a de caráter artesanal subsistia no interior, pelos velhos processos e servindo às lutas locais, geralmente virulentas; nas capitais já não havia lugar
74
LUSTOSA, 1996, p. 40. 75
ib., p. 212.
45
para esse tipo de imprensa, nelas o jornal ingressara, efetiva e definitivamente, na fase industrial, era agora empresa, grande ou pequena, mas com estrutura comercial inequívoca. Vendia-se informação como se vendia outra qualquer mercadoria. E a sociedade urbana necessitava de informação para tudo, desde o trabalho até a diversão. Certo, sempre apareciam, e logo desapareciam, jornais que se dispensavam dos grandes compromissos daqueles que haviam atingido o mínimo de estabilidade empresarial. Eram exceções, porém, e a transitoriedade inexorável que os marcava assinalava bem esse traço. Apagavam-se com a circunstância que os motivara. A imprensa, no início do século, havia conquistado o seu lugar, definido a sua função, provocado a divisão do trabalho em seu setor específico, atraído capitais. Significava muito, por si mesma, e refletia, mal ou bem, as alterações que, iniciadas nos dois últimos decênios do século XIX, estavam mais ou menos definidas nos primeiros anos do século XX. (SODRÉ, 1999, p. 275).
Na primeira república eram altos os investimentos necessários para
manter um jornal, ajudando a firmar o caráter especializado, empresarial, da
imprensa. O número de jornais cai. Os sobreviventes seguiram a receita
áulica, costurando acordos com os mais diferentes governos.
Campos Sales, que preside o país justamente na passagem de um século a outro, e que busca estruturar politicamente as forças pré-capitalistas, embora com processos empíricos, os únicos que conhece – daí a “política dos governadores”, de um lado, e a orientação financeira de Murtinho, por outro lado, mas estreitamente ligadas – não tem nenhum escrúpulo em comprar a opinião da imprensa e de confessar nuamente essa conduta. Ela lhe parece honesta, justa e necessária. Essa compra da opinião da imprensa pelo governo torna-se rotina. (SODRÉ, 1999, p. 277).
Nas regiões mais distantes do controle governamental, porém, as elites
locais ressoam em seus jornais descontentamentos com taxas, políticas
alfandegárias e outras ações estatais. Investimentos em maquinários novos
dariam nova face, ampliando o jornal como veículo de transmissão de idéias
nas classes médias. Nas metrópoles o jornalismo desenvolvia-se, por sua
vez, beneficiado por acordos com o poder:
Assim, tranqüilamente, os “eminentes amigos”, os probos srs. Washington Luís e Getúlio Vargas, reputavam natural subsidiar com dinheiro dos cofres públicos os jornais que apoiavam o governo. Isso chegara a ser norma consuetudinária, tão rotineira que não despertava o menor arrepio em homens de probidade pessoal indiscutida como esses dois chefes de Estado. (SODRÉ, 1999, p. 367).
46
O golpe de 1930 muda o quadro. Considerando a atividade jornalística
perigosa, Vargas cria em 1931 o Departamento Oficial de Propaganda (DOP),
renomeado oito anos depois para Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP). O órgão concedia licenças para a importação de papel para os órgãos
de imprensa, negando-as, reiteradamente, para os impressos que o governo
reputava como perigosos.
Uma vez que os preços dos insumos inviabilizavam o recurso aos
velhos pasquins, criava-se, sob a força irresistível da necessidade, a
imposição de um jornalismo sem críticas diretas, amistoso com o poder – um
jornalismo isento. Desembarcava no Brasil, com mais de 300 anos de atraso,
o paradigma informativo mais apropriado para disputas por consensos.
Já havia, porém, informação jornalística de orientação isenta. Vinham
pelas agências telegráficas norte-americanas. Por motivos diferentes, a
imprensa nacional e a estrangeira encontraram a mesma estética noticiosa: a
que permitia vender a mesma notícia ao máximo possível de pessoas,
evitando que posicionamentos doutrinários atrapalhassem os negócios.
Outras mudanças atingiram o modo de fazer negócios com a
informação e a divisão do trabalho interno das empresas jornalísticas:
A técnica da notícia possibilitou a apropriação da opinião, com exclusividade, pelos donos do veículo. O repórter passou a produzir textos padronizados, a partir de um modelo de formulação que não permitia a manifestação de comentários pessoais. Estabelecida a propriedade de opinião, surgiram as “páginas de opinião”, com o editorial – espaço reservado à defesa das causas e interesses do veículo – e os textos de articulistas e colunistas, que podiam manifestar seus próprios pontos de vista. Os jornais passaram a esclarecer no expediente que não se responsabilizavam pelas opiniões emitidas nas matérias assinadas. O modelo técnico e a exigência de imparcialidade, impessoalidade e isenção permitem aos donos dos veículos de comunicação de massa celebrar alianças econômicas e políticas, facilitando a exclusão dos quadros da empresa de todos os jornalistas que produziam qualquer texto capaz de evidenciar posição contrária àquelas defendidas por seus proprietários. Durante este período, os donos dos jornais advertiam severamente os jornalistas que insistiam em defender suas opiniões com a seguinte observação: se você quer escrever o que pensa, compre um jornal. Para o público, apregoava-se o mito da imparcialidade e objetividade do texto jornalístico, que busca encobrir os verdadeiros interesses das empresas e suas alianças econômicas e político-ideológicas. (LUSTOSA, 1996, p. 71-2).
47
A censura oficial só seria interrompida com a Constituição de 1946. Em
1953 viria a Lei de Imprensa. Também nos anos 50 viriam os manuais de
redação das agências estrangeiras, que invadiram os jornais e eliminaram os
vestígios literários da imprensa brasileira. A encantadora linguagem visual da
televisão, a submissão do capital nacional aos interesses do imperialismo
norte-americano e a ideologia nacional-desenvolvimentista dos anos JK
contribuíram para que o jornalismo entrasse em uma nova fase, ampliando o
seu poder de convencimento. Ao mesmo tempo operou-se profunda
concentração dos veículos de informação, nascendo as cadeias nacionais de
comunicação, compostas por redes de rádio, televisão e impressos, seguindo
o exemplo inglês e norte-americano.76
A partir de 1964 a televisão consolida-se como o principal e mais
completo meio de comunicação do país. Surge nos impressos a linguagem
visual, adotada para compensar a aridez de críticas ao Estado, então sob
golpe militar. Surgem os cadernos editoriais, com seções dedicadas ao
público feminino, esportes, entretenimento e outros.
A superficialidade editorial e o silêncio sobre a ditadura ensejam um
ambiente propício para o desenvolvimento da chamada imprensa
alternativa77
. Composta por publicações artesanais, de circulação e
periodicidade irregulares, a imprensa alternativa consistia basicamente de
crítica política. Esses jornais
Denunciavam a complacência da grande imprensa para com a ditadura militar, os jornais alternativos denunciavam sistematicamente as torturas e violações dos direitos humanos e faziam a crítica ao modelo econômico. Inclusive nos anos de seu aparente sucesso, durante o milagre econômico, de 1968 a 1973, destoando, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande imprensa, gerando todo um discurso alternativo. Opunham-se por princípio ao discurso oficial. (KUCINSKI, 1991, p. 13).
Três periódicos alternativos marcaram a imprensa brasileira: Opinião,
Movimento e Em Tempo. Opinião baseava-se na excelência visual e na
76
Segundo SODRÉ (1999), a principal cadeia nacional eram os Diários Associados, do empresário Assis
Chateaubriand. Havia outros, porém, de alcance regional ou local.
48
caricatura. Publicava textos da intelectualidade brasileira, inclusive os que
haviam sido afastados das universidades após o golpe. Foi o principal e mais
importante jornal da imprensa alternativa na década de 70. Movimento tinha
uma estética mais próxima do popular, através de textos curtos, leves, com
dinâmica ágil e enérgica. Foi sistematicamente podado pelos órgãos de
censura ditatorial.
Em Tempo foi o que menos sofreu com a censura prévia, surgindo no
fim do governo Geisel (1974-1979). Tinha folhas grandes para permitir
manchetes longas. Foi concebido para fazer frente aos jornais da grande
imprensa, mas tornou-se panfleto político-partidário:
Em outubro de 1979, Em Tempo vira tablóide. Já era um jornal essencialmente partidário, mas ainda sobreviviam no seu interior vozes independentes, sem ligação orgânica com a Democracia Socialista (DS). Entre elas a de Marco Aurélio Garcia e Eder Sader que, como a DS, estavam articulados ao processo de criação do Partido dos Trabalhadores, conhecidos como o grupo dos autonomistas, por defenderem a autonomia operária em relação ao partido. (...) Assim terminou a linhagem dos jornais de frentes jornalísticas. Em Tempo há havia se transformado em um jornal de partido. (KUCINSKI, 1991, p. 372).
Finda a ditadura, com a longa distensão democrática coincidindo com
a desintegração da URSS, mudanças estruturais na imprensa brasileira
acompanharam o aprofundamento do capitalismo. Em 1985 promulgava-se o
Consenso de Washington, forçando os países periféricos a comprometer-se
com mudanças políticas e econômicas visando aprofundar o avanço do
neoliberalismo. Na imprensa, sintonizada com a nova ordem, dava-se a
revolução informática e uma série de mudanças na profissão jornalística que,
a pretexto de sua modernização, desencadearam uma profunda
reestruturação produtiva.78
77
As expressões “imprensa alternativa” e “imprensa nanica” são usadas por Bernardo Kucinski para designar o
jornalismo proletário, de orientação socialista, surgido durante a ditadura militar. Cf. KUCINSKI, Bernardo.
Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Scritta Editorial, 1991. 78
Além do já citado jornalista freelancer (repórter sem vínculo empregatício, pago por produção), surgem nessa
época a fusão de atribuições que pertenciam a setores diferentes, o enxugamento do contingente por empresa, a
automação e várias outras mudanças que mergulharam o setor numa severa crise.
49
Impressos destinavam-se a segmentos populacionais com instrução
escolar elevada - na década de 80 eram altos os índices de analfabetismo.
Por isso a televisão, especialmente pela dramaturgia, firmava-se como meio
de comunicação preferido nos estratos de renda menor.
Na crise neoliberal dos anos 90 os impressos criam novas estéticas
para atrair novos leitores. Era o resultado do surgimento da internet.
Infográficos, painéis, títulos chamativos e coloridos são chamados à guerra
contra a rede mundial de computadores.
No início dos anos 2000, impressos ganham versões eletrônicas na
rede e vários mudam-se integralmente para o novo espaço, cortando os
custos com impressão e circulação. Os conglomerados de mídia tentam
assimilar a internet como um tentáculo a mais, emprestando aos seus sites
noticiosos a credibilidade conquistada durante décadas de informação isenta.
A internet permanece, porém. Textos noticiosos, das mais variadas
vertentes e orientações políticas, podem ser nela encontrados ao lado de
fóruns, enciclopédias, entretenimento e outros recursos. A partir de 2010
surgem em vários países projetos legislativos de regulamentação do
conteúdo da web, a pretexto de combate a crimes virtuais. A idéia, que no
Brasil encontra-se paralisada no Congresso Nacional, encontra forte oposição
de vários especialistas da própria comunicação social – incluindo jornalistas.
Esses movimentos de produção de notícias repercutem
diferenciadamente em todo o país, mas também assumem contornos locais,
como acontece no Acre.
50
3 A IMPRENSA ACREANA
Nos pequenos e médios municípios brasileiros, os jornais são totalmente dependentes da elite local dominante e da máquina do Estado, e mais afastados da ética do jornalismo liberal. Um exemplo notável é Rio Branco, capital do Acre, que possui quatro jornais diários, que não somam 8.000 exemplares de circulação. Nenhum tem viabilidade econômica, todos vivem dos favores públicos, cada um representando um chefe político local. – Bernardo Kucinski.
O presente capítulo analisa o resultado da pesquisa sobre os jornais A
Gazeta do Acre / A Gazeta, O Rio Branco, A Tribuna e Página 20, no contexto
geral do desenvolvimento da imprensa acreana, entre 1969 e 2006.
Apresenta-se inicialmente um breve mapeamento com o objetivo de
estabelecer ligação entre os interesses sociais em marcha por legitimação e
reconhecimento, tendo os jornais como tecnologias de divulgação e
consolidação de uma visão de mundo.
Nesse sentido, o jornalismo é a expressão de processos históricos que
registra e dá propagação. Entender o jornalismo acreano, mesmo no curto
recorte temporal adotado, impõe compreender o desenvolvimento da
imprensa amazônica e o embate das oligarquias locais com o governo
central.
O primeiro jornal produzido na Amazônia foi A Gazeta do Pará,
organizado e publicado em Lisboa, em janeiro de 1821 – apenas 13 anos
depois da primeira edição do Correio Braziliense e do Diário do Rio de
Janeiro. Já em 1822, porém, surgiria o primeiro jornal independentista da
região: O Paraense.
O jornal surgiu no calor da Revolução Liberal de 1820, que assegurou cidadania aos portugueses da Europa e da América do Sul. Na primeira página da edição inaugural, o periódico publica o decreto sobre a liberdade de imprensa prevista na constituição de Portugal. E a luta pela liberdade e a independência do Brasil marca a linha editorial do jornal, principalmente após o cônego João Batista Gonçalves Campos ter assumido a sua direção. O jornalista responsável foi perseguido e preso várias vezes. O jornal deixou de circular em fevereiro de 1823, em sua 70ª edição, seis meses antes da então província do Pará aderir à independência do Brasil, que ocorrera um ano antes. (FERREIRA, 2005).
51
O primeiro jornal do Amazonas, o Província do Amazonas, circula em
1850, seguido pelo Cinco de Setembro em 1851. Em 15 de novembro de
1895 é fundado no Amapá O Pinsonia. O nome foi homenagem ao navegador
espanhol Vincente Yanés Pinzón, que registrou a foz do rio Amazonas em
1500.
No início do século 20, à medida que a frente da borracha avança em busca de novos seringais nativos, a imprensa também segue as pegadas dessa penetração. É o caso do jornal "Correio do Acre", que surge em Xapuri. O "Alto Purus", em Sena Madureira (AC), registra a chegada do primeiro automóvel da Comissão de Defesa da Borracha, em 6 de julho de 1913. O jornal da primeira capital do Território do Acre (uma corruptela de Aquiry, como os índios Apurinã chamavam um de seus rios) publica freqüentes anúncios sobre a chegada de navios ingleses que abasteciam as casas comerciais de Sena Madureira: "Vinhos especiaes do Porto, charutos Trujillo, champanhe e presuntos franceses". Era o sonho de consumo da chamada "Sociedade do Látex", controlada pelos coronéis de barranco. Porto fica no norte de Portugal e a região é famosa pela produção de deliciosos vinhos de mesa. (idem).
Em artigo publicado no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
do Acre (Sinjac), a jornalista Tatiana Campos afirma que o primeiro jornal a
circular no Acre chamava-se El Acre, redigido em espanhol e editado pelo
governo boliviano79
. El Acre80
circulou de 1901 a 1902 em Puerto Alonso
(atual Porto Acre). A especificidade do conflito político na região exigia ampla
circulação de idéias, centrada no combate à política tributária do governo
central sobre a próspera economia local e à nomeação direta de governantes.
A abertura democrática, que permitiria a esses empresários eleger os
candidatos mais comprometidos com seus interesses, era outra demanda
constante nos jornais.
79
“O primeiro jornal que circulou em solo acreano, feito por brasileiros, foi impresso em Thaumaturgo de
Azevedo, na Foz do Amônia, chamada agora de Marechal Thaumaturgo. Hoje não é impresso nenhum jornal na
cidade, mas o primogênito da imprensa acreana foi impresso lá, em 1904. Este, porém, não foi o primeiro jornal
a circular no Estado. Em 1901 - período em que o Estado vive os chamados ‘Anos bolivianos no Acre’ - o “El
Acre” é lançado pelos bolivianos com a intenção de consolidar a dominação boliviana no território.” (CAMPOS,
2009). 80
José Chalub Leite, em artigo veiculado na edição 1 de A Tribuna, a 15 de março de 1993, acrescenta que El
Acre era “destinado a trombetear os atos das forças de ocupação do chamado país vizinho”. Curiosa observação,
dado o fato de que a região, pelos tratados internacionais da época, pertencia de fato à Bolívia.
52
A luta por autonomia política e desoneração tributária –
fundamentalmente, para colocar esses interesses como se fossem de todas
as classes, isto é, da sociedade acreana – leva à criação de três jornais em
1912, em Sena Madureira. Quatro anos depois, Cruzeiro do Sul tinha dois
impressos, e, em 1917, nascia em Xapuri o Correio do Acre.
A criação de tantos jornais em uma região distante e de difícil acesso,
onde o transporte de produtos e insumos para a confecção e impressão
dependia exclusivamente de transporte fluvial, evidencia o enorme poder da
economia do látex na época, além de demonstrar empiricamente o papel da
imprensa enquanto aparelho privado de hegemonia81
, se levado em
consideração o contexto mais amplo da disputa política e econômica.
O caráter doutrinário dessa fase do jornalismo acreano não permitia o
desenvolvimento da isenção como estratégia de convencimento. A luta por
consensos se fazia abertamente, uma vez que os proprietários dos jornais
eram, também, proprietários da maior parte dos demais setores econômicos.
A luta no Acre era contra o governo central, em busca de reformas
liberalizantes.
Por isso os primeiros jornais acreanos eram intensamente doutrinários,
com linguagem abertamente política. A combatividade evidenciava o poder
dos grupos econômicos dominantes na região:
81
ASSMAR (2007) faz um trabalho minucioso de catalogação desse fenômeno. Segundo ela, em 1929, no
governo Hugo Carneiro, surgiria outro jornal denominado O Acre, de caráter oficioso e que servia
fundamentalmente à divulgação dos atos do poder público, especificamente Executivo e Judiciário. No governo
Wanderley Dantas a publicação foi transformada no Diário Oficial do Estado, existente ainda hoje. Observa
ainda que o município de Xapuri conheceu a imprensa em 1907, com dois jornais: O Acreano e outra versão de
O Acre. Cinco anos antes circulara no Rio de Janeiro uma quarta versão de O Acre, de apoio à ditadura
florianista. Lançado pelo Partido Construtor Acreano (PCA), situacionista, O Alto Acre começa a circular em
1913, em Xapuri. No ambiente favorável da Velha República, com o Acre vivendo o primeiro ciclo da borracha,
os periódicos multiplicam-se no interior. Em Sena Madureira surgem A Gazeta do Purus (1902), O Estado do
Acre (1902), O Alto Purus (1908), Brasil Acreano (1909). Em Tarauacá: O Município (1910), O Departamento
(1915) e A Reforma (1918). Em Xapuri: O Correio do Acre (1910), O Oeste (1949) e O Guarani (1980). Em
Cruzeiro do Sul: O Cruzeiro do Sul (1906), O Rebate (1921) e O Juruá (1953), dentre outros. Em Rio Branco, a
mesma pujança, com os títulos chegando a casa das centenas: Cidade Empresa, O Bandeirante, Jornal do Povo,
Correio do Acre, O Imparcial, Correio do Oeste, A Vanguarda, O Servidor, Folha do Acre, A Folha, Tribuna do
Povo, A Gazeta, O Normalista, A Bola, Folha Oficial, O Jornal (primeiro off-set do Acre), O Estado, O Estado
do Acre, Jornal do Povo, Correio Estudantil, Hora do Acre, Hora do Povo, entre outros, foram todos criados
entre a Velha República e o Estado Novo.
53
Produzidos semi-artesanalmente, os jornais riobranquenses, desde seu surgimento, eram essencialmente opinativos, com pequena tiragem, circulavam entre grupos restritos, devido à falta de recursos financeiros para sua manutenção. Afora isto, a própria característica da sociedade riobranquense, fundamentalmente voltada para o extrativismo da borracha, revela que a mídia na região, desde os primórdios, atuava como produtora por excelência de imagens e símbolos destinados à manutenção de pequenos grupos no poder. (BONIFÁCIO, 2007, p. 25).
Da mesma forma que os primeiros jornais do Brasil colônia, a figura do
jornalista como intelectual moralizador também se disseminou. A publicação
de opiniões era, portanto, a essência do fazer jornalístico, método que
permaneceu ao longo da primeira metade do século XX. Em 1929 as oficinas
tipográficas usadas para os atos oficiais do governo do Território passaram a
imprimir também impressos particulares.
Na década de 30 iniciou-se na imprensa um crescente louvor aos
combatentes da Guerra Acreana, tidos como heróis da pátria e da liberdade.
Maria Iracilda, interpretando o fenômeno, afirma que trata-se de estratégia
para fixar na região diversos grupos étnicos atraídos pela promessa de
enriquecimento fácil:
Um outro aspecto a ser analisado neste período inicial da imprensa rio-branquense é a grandiloquente estrutura de marketing, destinada a promover o distanciamento do sujeito de sua origem e condição histórica, uma vez que os imigrantes, em sua maioria, nordestinos e sírio-libaneses, eram personagens que aqui chegavam trazendo consigo uma experiência própria do seu lugar de origem, os grupos dominantes, utilizando-se deste recurso, tinham como objetivo unificar o imaginário social, fazendo com que grupos heterogêneos compartilhassem os mesmos ideais. Assim, a produção jornalística do início do século XX, buscava, através da mitificação dos heróis e da região, fixar a força de trabalho no território, defendendo os interesses do capital monopolista internacional, da exportação e apropriação de matérias-primas. (idem, p. 27).
A criação de símbolos míticos para exaltar a “alma acreana” apareceria
em outros momentos. No contexto do início do século XX, porém, este
significado era marcado por diferentes interpretações. As diferenças de
significados correspondiam ainda a dissensos entre as classes dominantes,
fundamentalmente de ordem político-eleitoral.
54
Em Sena Madureira, por exemplo, havia duas correntes políticas que se degladiavam. A oposição tinha no jornal ‘O Jornal’ seu órgão de apoio e contava com a simpatia da Loja Maçônica Fraternidade e Trabalho. E a situação, pertencente ao Partido Republicano do Alto Purus, formado fundamentalmente pelos grandes seringalistas, tinham suas idéias divulgadas pela ‘Gazeta do Purus’ (...). A luta entre as duas facções pelas páginas dos jornais era sem tréguas, aproveitando os contendores para combater, semanalmente, qualquer deslize do grupo oposto. Não se poupava a honra pessoal, as famílias, os erros gramaticais, a vida profissional, atingindo um nível tão violento que não sabemos a que atribuir o fato de não terem degenerado em rixas sangrentas. (LOUREIRO, 1995, p. 135).
Com o golpe de 1930 os jornais acreanos entram na mira do aparato
repressor varguista. Uma década mais tarde, durante a II Guerra Mundial,
surge o Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta).
O órgão federal necessitava de uma frente ideológica atuante: a propaganda
para fixar nordestinos expondo a selva acreana, produtora da borracha
necessária aos aliados, como um paraíso.82
O intenso desenvolvimento da imprensa acreana nesse período
permitiu que os jornais aderissem, ainda nos anos 50, à moda da concepção
de neutralidade da notícia.
Ainda na década de 1950 os jornais riobranquenses já começavam a introduzir estas novas técnicas de redação, principalmente o lead. Durante algum tempo o novo e o velho dividiram o mesmo espaço nos jornais da capital acreana, o estilo opinativo, com textos longos e combativos, ia aos poucos dando lugar ao informativo, marcado pelas notas objetivas e curtas. (BONIFÁCIO, 2007, p. 30).
O objetivo era buscar uma linguagem que permitisse a transmissão de
ideias sem afetar o fluxo dos cofres públicos, sua fonte de renda. Em 1948,
com a chegada ao Estado de novas máquinas movidas a eletricidade,
pertencentes ao governo territorial, os jornais aumentariam a tiragem e
melhorariam o seu produto esteticamente. Isso se daria principalmente pela
adoção dos manuais de redação e estilo, alinhando-se desta forma com as
últimas tendências do jornalismo nas maiores cidades brasileiras.
82
A migração de nordestinos castigados pela seca para o Acre durante a guerra tinha como objetivo a produção
de borracha para abastecer os canhões dos Aliados na Europa. A borracha, insumo essencial para a artilharia
55
Embora ainda na década de 1950 os jornais riobranquenses já apresentassem um princípio de transformação do caráter opinativo para o informativo, esse processo só se consolidaria no período da Ditadura Militar, quando a vigilância da censura tornou necessária a criação de novas estratégias de noticiar e veicular os fatos. O ideal dos manuais normativos da década de 1950 ganhava força com a padronização dos textos, caracterizando o discurso jornalístico pelo latente apagamento da autoria na redação das notícias; o silêncio e a neutralidade passavam a ser sinônimos de bom jornalismo. Essas transformações marcariam de forma incisiva os padrões da imprensa dessa época, influenciando ainda hoje o fazer jornalístico. (BONIFÁCIO, 2007, p. 30)
De fato, somente em 1969, fase de endurecimento83
da Ditadura
Militar, surgiria o primeiro diário da imprensa acreana: O Rio Branco,
vinculado aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Em seu silêncio84
sobre os impactos da política de integração nacional empreendida pelos
militares, com seus conflitos agrários com extrativistas e indígenas, o jornal
manteve-se fiel à sua perspectiva de classe e abriu o espaço para a imprensa
alternativa.
O Rio Branco utilizava estética noticiosa dupla. Exagerada e servil na
menção às autoridades do regime golpista, telegráfica e meticulosamente
desadjetivada para o restante dos textos, especialmente sobre política.
No vácuo deste silêncio obsequioso para com o poder nasceria a
imprensa alternativa acreana. Seu maior principal representante foi o jornal
mensal Varadouro, cuja primeira edição sairia em 1977. Seu precursor foi o
boletim diocesano Nós Irmãos, editado ao longo de 1971, sob a
responsabilidade da Prelazia do Acre e Purus, da Igreja Católica.
móvel e pneumáticos em geral, era até então produzida nos seringais de cultivo da Malásia. Com a ocupação
deste país pelo Japão, aliado dos nazistas, a única alternativa passou a ser o Acre. 83
No contexto da disputa internacional por áreas de influência entre URSS e EUA, após a ameaçadora vitória da
Revolução Cubana (1959), as experiências nazifascistas na América Latina endureceram seus métodos. Em
dezembro de 1968 a Ditadura decreta o Ato Institucional Nº 5, dissolvendo o Legislativo, proibindo o habeas-
corpus, criminalizando o direito à revolução popular e ampliando o controle sobre os jornais. O Rio Branco
nasceria 4 meses depois. A capa da primeira edição convocava o povo ao aeroporto para receber uma comissão
do governo golpista, então em visita ao Estado para inaugurar obras. 84
“As informações sobre os conflitos de terra e a violência dos fazendeiros eram melhor registradas pela
imprensa do Sul do país, especialmente os periódicos Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo, cuja circulação
regular de poucos exemplares em Rio Branco só aconteceu em 1978. Os meios de comunicação locais, até o ano
de 1976, pouca atenção deram ao problema, evitando divulgar os conflitos, a ação de pistoleiros e jagunços
contra os seringueiros, as denúncias da existência de relações de escravidão nas fazendas; e quando noticiavam
acabavam distorcendo os fatos. Instalou-se uma verdadeira conspiração do silêncio, mais pela colaboração servil
do que pela censura ou repressão”. (COSTA SOBRINHO, 2001, p. 13-4).
56
Varadouro teve como fundadores Élson Martins da Silveira, Silvio
Martinello, Antonio Marmo, Terry Vale de Aquino, Arquilau de Castro Melo,
Suede Chaves, Alberto Furtado, Abrahim Farhat e colaboradores ocasionais.
Com 16 páginas e formato tabloide, era mantido por anúncios comerciais,
tinha circulação irregular e durou até 1981, quando circulou a última edição –
a de número 24.85
Digno é de nota que, assim como O Rio Branco, Varadouro evitava a
doutrinação política. Exceto nos editoriais ou comunicados do editor, os
textos mostravam-se claramente sintonizados com o novo paradigma
informativo, apostando na narrativa isenta como ingrediente necessário à
conquista da opinião popular. A perspectiva de classe de Varadouro surgia na
escolha dos personagens e suas histórias: enquanto O Rio Branco e outras
publicações posteriores enfatizavam cerimônias e iniciativas das classes
dominantes, Varadouro buscava expor a dura realidade do conflito de classes
no Acre.86
Élson Martins da Silveira e Silvio Martinello continuam em atividade
jornalística ainda hoje. O primeiro escreve artigos periódicos para o jornal
Página 2087
. Martinello é o proprietário do jornal A Gazeta, nome com que foi
rebatizada a Gazeta do Acre em 20 de setembro de 1988.
Angélica Paiva, em seu trabalho monográfico, aponta Martinello como
um dos empresários da comunicação beneficiados pela ligação histórica entre
governo e imprensa no Acre, “atuando de forma peculiar no apoio ou
oposição aos governos de acordo com conveniências financeiras”.88
A Gazeta foi o segundo jornal diário acreano, começando a circular em
31 de março de 197389
como Gazeta do Acre, também de apoio à ditadura90
.
85
SOBRINHO, 2001, p. 161. 86
Não é objetivo deste trabalho desenvolver qualquer análise sobre o jornalismo alternativo acreano. A título de
mero registro, porém, vale ressaltar que Varadouro, em que pese a sua importância editorial ao trazer os conflitos
de classe a lume, limitava-se a denunciar os efeitos nocivos da política de integração nacional desenvolvida pelos
militares e a exigir do Estado a mediação dos conflitos por meio da aplicação das leis. Trata-se da defesa,
portanto, do chamado Estado Democrático de Direito – algo também incomum na imprensa alternativa. Não
havia, finalmente, qualquer perspectiva de rompimento com a ordem social capitalista. 87
Cronologicamente o quarto e último jornal diário criado em Rio Branco, um dos veículos estudados para este
trabalho. A primeira edição circulou como semanário, em 5 de março de 1995. 88
PAIVA, 2000, p. 41. 89
Nesta data, o golpe militar completava 9 anos. 90
A manchete de capa da primeira edição da Gazeta do Acre: “A Revolução garante: o povo não está só”.
57
Na distensão “lenta, segura e gradual”91
, porém, haveria lugar para situação e
oposição ao regime, e, por isso mesmo, para os jornais. Assim começam a
ressurgir nos jornais, timidamente a princípio, temas como império das leis,
alternância de poder e imprensa livre.
Recomeçara a luta pela liberdade, capturada rapidamente pelos
grupos beneficiados pela ditadura. A disputa por consensos sociais,
paulatinamente liberta dos grilhões da ditadura, seria travada finalmente no
campo da representação política.
O PMDB, por seu desempenho como oposição consentida no período
de exceção, logra eleger, já em 1982, o primeiro governador após o golpe:
Nabor Teles da Rocha Junior. Para Marcos Inácio Fernandes, porém, o fim
do regime evidenciou uma cisão na classe dominante acreana92
: além do
PMDB, outro grupo, beneficiado pela burocracia do velho regime de exceção,
somou-se a representantes de setores econômicos priorizados na agenda
nacional-desenvolvimentista e alinhou-se ao Partido Democrático Social
(PDS).
Os efeitos sobre o jornalismo são imediatos. O Rio Branco, já sob
propriedade do empreiteiro Narciso Mendes de Assis93
, investe na
propaganda dos candidatos do PDS e contra os do PMDB. A Gazeta, de
Silvio Martinello, empreende o inverso94
. A batalha entre esses dois grupos
pelos destinos do Acre torna-se visceral na imprensa.
Na metade dos anos 80 inicia-se a adequação do Brasil ao furacão
neoliberalizante do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele permanece
quando, em 1992, surge A Tribuna, resultado de uma sociedade entre dois
ex-jornalistas, Antonio Stelio de Castro e Eli Assem de Carvalho. O jornal tem
circulação semanal, 16 páginas e um caderno de classificados. A estratégia
editorial era ousada: A Tribuna, que oferecia o compromisso de informar o
91
Expressão usada no governo Geisel para indicar o processo pelo qual deveria se dar o retorno à democracia
representativa. 92
FERNANDES, 1999, p. 62-3. 93
ASSIS, Narciso Mendes de. Nascimento e sobrevivência do jornal O Rio Branco. Rio Branco, 4 set. 2008.
Registro da versão do proprietário do Complexo Jornalístico O Rio Branco sobre o nascimento, estrutura e
relações com o poder no Acre. Entrevista concedida a Jozafá Batista do Nascimento. 94
RODRIGUES, 2008, p. 52.
58
povo sem alinhar-se95
a qualquer agremiação partidária, publicava textos
favoráveis a todos os governos96
, cerrando fileiras unicamente contra uma
agremiação partidária em franco crescimento institucional desde os anos 80,
a Frente Popular do Acre (FPA)97
.
Em 1992, em meio a uma crise generalizada na economia e na
política, o engenheiro florestal Jorge Viana vence a disputa à prefeitura de
Rio Branco. No fim desse mesmo ano, A Tribuna torna-se diário98
. A chegada
de um partido progressista ao poder em Rio Branco, independentemente das
análises que o atribuem a um “milagre”99
, guarda profundas relações com o
restante da história acreana, incluindo a pressão exercida contra os
movimentos sociais desde a Ditadura Militar. Assassinatos de líderes
sindicais, estupros de mulheres e filhas de seringueiros por jagunços,
formação de milícias na zona urbana de Rio Branco, denúncias de desvio de
dinheiro público e outros crimes somavam-se ao brutal achatamento do poder
de compra do funcionalismo - processo por sua vez derivado do alinhamento
neoliberal que o país atravessava.
Somou-se a isso um trágico evento que colocaria o Acre nas
manchetes jornalísticas de todo o mundo: o assassinato de Chico Mendes,
em 1988, quatro anos antes da ECO Rio 92100
. Rebaixado post-mortem de
líder sindical a ecologista, Chico foi o amálgama utilizado para unir vários
grupos da sociedade acreana que clamavam por honestidade na política.
Esse amálgama fortaleceria a FPA, conduzindo Jorge Viana ao governo em
1998.
Não sem o auxílio de, pelo menos, um jornal: três anos antes o
jornalista Antonio Stelio de Castro, que ajudara a fundar A Tribuna e
trabalhara também n’A Gazeta, lança o jornal Página 20 em inédito formato
95
“Um jornal que não se dobra” era o seu lema, mantido ainda hoje. 96
LIMA, 2008, p. 39. 97
Idem, p. 42. 98
Idem, p. 47. 99
A graciosa hipótese de intervenção divina na história do ascenso da Frente Popular do Acre (FPA) é advogada
por FERNANDES, 1999. “O PT se constituiu uma referência positiva e obrigatória e numa alternativa concreta
de poder político local. Não deixa de ser um “milagre” ter acontecido tudo isso nas circunstâncias do Acre e num
espaço temporal tão curto”, p. 144. 100
O evento é considerado na literatura especializada um divisor de águas entre o ambientalismo militante e a
elaboração de políticas institucionais de conservação dos recursos naturais.
59
tablóide101
. Mantido e produzido por intelectuais petistas, o veículo
empreende combate feroz ao então governador Orleir Cameli (PFL). Jorge
Viana assume o governo em janeiro de 1999.
Para melhor compreender os processos que envolvem política e
jornalismo no Acre, adotou-se neste capítulo uma divisão cronológica dividida
em duas fases. A primeira inicia-se na fase de endurecimento da ditadura
militar e vai até a diversidade editorial como expressão das batalhas
eleitorais. A segunda inicia-se com a eleição de Jorge Viana para o governo
do Estado, em 1999, que inicia uma paulatina uniformização editorial do
discurso político dos jornais.
Por isso, na fase de diversificação das disputas eleitorais, os discursos
dos quatro jornais – por ordem cronológica: O Rio Branco, Gazeta do Acre / A
Gazeta, A Tribuna e Página 20 – serão estudados separadamente até 1998,
visando localizar as suas especificidades na luta política.
A partir de 1999, com a chegada da FPA ao governo do Estado por
meio do primeiro mandato de Jorge Viana, os jornais são analisados em
conjunto. O objetivo é definir as razões e significados da paulatina
uniformização editorial que seguiu a chegada dessa coalizão ao poder.
3.1 DIVERSIDADE EDITORIAL E LUTA POLÍTICA
O período de pesquisa identificou diversos fenômenos sociais
relevantes. Um deles é a relação entre a diversidade de jornais e a disputa
política.
O período de ditadura militar, que suspende as garantias do processo
político tradicional, é uma exceção. Porém, foi sob o regime militar que surgiu
o jornalismo diário no Acre, assumidamente comprometido com a
propaganda das ações institucionais do Estado de exceção. O Rio Branco, a
partir de 1969, e Gazeta do Acre, em 1973, atuavam como veículos de
101
CASTRO, Antonio Stelio de. Nascimento e sobrevivência dos jornais A Tribuna e Página 20. Rio Branco, 20
mai. 2008. Registro da versão do ex-proprietário dos jornais A Tribuna e Página 20 sobre o nascimento,
estrutura e relações com o poder no Acre. Entrevista concedida a Jozafá Batista do Nascimento.
60
propaganda do governo, veiculando ainda notícias sobre esportes, crimes,
cultura geral e outras.
Na redemocratização, Gazeta do Acre é adquirida pelo jornalista Silvio
Martinello. A propaganda política permanece, agora em favor do PMDB,
dissimulada como jornalismo isento. Em outras, especialmente durante as
campanhas eleitorais, adota-se linguagem direta em defesa dos candidatos
do PMDB e contra os do PDS.
Idêntico fenômeno ocorre com O Rio Branco, que, fiel à sua orientação
durante a ditadura, mantém o apoio ao PDS na redemocratização. A
linguagem doutrinária é a mesma adotada por Gazeta do Acre. Os dois
veículos disputariam sozinhos a intenção do eleitorado acreano até 1993,
quando surge A Tribuna em um contexto de multiplicação de siglas
partidárias, alimentada pelos descontentamentos com a política tradicional.
Em 1995 vem o Página 20.
A realização do presente trabalho impôs relacionar jornalismo e
disputas políticas no Acre. Principal fonte de receita dos jornais, o Estado é a
sua ambição máxima. Controlá-lo implica o controle da legislação da própria
atividade jornalística. Sob a democracia representativa, porém, controle
pressupõe consenso, que exige convencimento e que demanda propaganda.
Os jornais entram em cena, portanto, cindidos, uma vez que também são
diversos os grupos da classe dominante que buscam o mesmo objetivo.
Catalogar o desenvolvimento da propaganda política nos jornais,
portanto, é o meio para compreender a disputa entre esses grupos, suas
estratégias de convencimento, a forma como os jornais se beneficiam e até
mesmo, se a leitura for atenta, as razões prováveis das divergências entre os
grupos políticos, levando os jornais a se atacarem. Desenhar esse mapa é o
que se pretende a seguir, utilizando as capas dos jornais como instrumentos:
61
3.1.1 O Rio Branco: arauto conservador
Duas das cinco fotografias que estamparam a capa da primeira edição
do jornal O Rio Branco são icônicas do caráter conservador da sua linha
editorial. A primeira, no canto superior, retrata um sorridente Francisco Assis
Chateaubriand Bandeira de Melo, fundador da rede Diários Associados,
conglomerado de mídias a que o diário acreano nasceu integrado. A
homenagem era fúnebre: aliado de todos os escalões do poder desde a era
Vargas102
, “Chatô”, como era conhecido, morrera no ano anterior.
A segunda, no canto inferior direito, homenageava a personalidade
sisuda, fotografada de perfil, do governador Jorge Kalume, aboletado no
Palácio Rio Branco por decreto do regime de exceção desde setembro de
1966. Sob a imagem do interventor havia uma legenda, em negrito, intitulada
“Nossa homenagem”, informando aos leitores o seguinte:
Dinâmico homem de pensamento e ação, a quem O Rio Branco presta sua homenagem pelos inestimáveis serviços prestados à causa que fez do “Velho Capitão” aquele gigante intimorato na defesa do bem comum, o Governador do Estado do Acre foi outorgado com a Comenda de Honra ao Mérito “Jornalista Assis Chateaubriand”. Velho amigo dos Diários Associados, o chefe do Governo acreano sempre foi aquele colaborador decidido ao esforço que promovemos de tornar o Brasil uma Nação forte e o povo feliz. (NOSSA
homenagem. O Rio Branco, Rio Branco, 20 abr. 1969)
A primeira edição do primeiro diário rio-branquense teve o traço
ostensivo que a imprensa acreana manteria e desenvolveria nas décadas
seguintes: a adulação ao poder. Naquele momento, porém, de fechamento
das condições políticas, o capital comercial em busca da realização de lucros
102
Ao comentar a política de financiamento das empresas de comunicação brasileiras a partir dos anos 50,
SODRÉ (1999: 402-03) lembra que: “As empresas jornalísticas usavam três caminhos para conseguir recursos: a
tomada a particulares (caminho largamente palmilhado por Assis Chateaubriand para constituir o seu império
jornalístico); a tomada a cofres públicos, em empréstimos de concessão e privilégio; e a recebida pela
publicidade. Das três, esta era a pior, conquanto “legal”, isenta de constituir-se em alvo de campanhas
pretensamente moralistas, visto como não infringia e nem mesmo arranhava qualquer lei. Isso não retira,
entretanto, o seu traço essencial, quanto ao processo de desenvolvimento da imprensa burguesa em nosso país.
Contra esse traço essencial, contra o conteúdo do problema, não se levantava nenhuma voz. A campanha, por
outro lado, dava a entender, o que servia ainda mais para ludibriar a opinião, que a empresa jornalística devia,
por sua natureza, permanecer distante do crédito, e ainda do crédito oficial, e principalmente deste, o que
constituía injustificada discriminação. O que se podia, e se devia criticar, apurar e punir, não eram os
62
não só alinhara-se aos golpistas de 64 como tomara para si o tema do
desenvolvimentismo nacional pela integração da Amazônia aos corredores
nacionais de exportação de mercadorias. Era a sintonia de dois ambiciosos
projetos: de um lado a política de ocupação dos vazios demográficos da
Amazônia, com severas consequências na explosão da violência no campo e
destruição de etnias e modos de vida; de outro, a suicida vocação do
capitalismo para integrar-se às redes transnacionais de circulação de
mercadorias objetivando o máximo de realização dos lucros. Esta conjuntura
favorável redundaria, ao longo das décadas seguintes, e mesmo advinda a
redemocratização do país, no apoio irrestrito da imprensa acreana a qualquer
plano desenvolvimentista – eis a segunda característica dos jornais desta
unidade federativa, em todas as épocas.
Essas linhas-mestras não se alterariam a partir de 22 de julho de 1988,
quando, no contexto da abertura política e da severa crise econômica em que
mergulharia o país, O Rio Branco mudaria de mãos. O novo dono era Narciso
Mendes de Assis, deputado federal constituinte pelo PDS de 1983 a 1987 e
de 1988 a 1991 – e também deputado estadual de 1982 a 1986. Entre todos
os mandatos no Legislativo, Mendes obteve do governo federal a
concessão103
de um canal de televisão, a TV Rio Branco. O primeiro
conglomerado de mídia do Acre nasceria em meio à polêmica. Altino
Machado, em artigo sobre a trajetória de Mendes, comentando a meteórica
ascensão do empresário na política, põe em xeque o enriquecimento do
mesmo:
Tenho assistido pela televisão, precisamente na TV Rio Branco, as “lições” de ética e moralidade que vêm sendo apregoadas diariamente
empréstimos, em si mesmos, mas a forma de obtê-los, os processos utilizados para isso, e as condições
privilegiadas que os cercavam”. 103
“Segundo o disposto na Lei 4.117/62 e no Regulamento dos Serviços, ‘é atribuição do presidente da
República a outorga da concessão ou autorização para os serviços de televisão e de serviços de radiodifusão
sonora regional e nacional’ e, do Contel (Conselho Nacional de Telecomunicações, substituído pelo Ministério
das Comunicações), ‘a outorga da permissão para a execução do serviço de radiodifusão sonora local, assim
como dos serviços público restrito, limitado, de radioamador e especial’ (cf. § 5° do art. 33 e § 1° do art. 34 da
Lei citada c/c art. 6° do mencionado Regulamento). Assim, as outorgas para a execução dos serviços de
radiodifusão de sons e imagens (TV) e as de radiodifusão sonora em ondas curtas (OC); em ondas tropicais (OT)
e ondas médias (de âmbito nacional - OM-N, assim consideradas as que operam com potência acima de 10 kW) e
as de (âmbito regional - OM-R com potência entre 1 e 10 kW, inclusive) são conferidas via concessão pelo
Presidente da República”. (RÁDIO e TV, 2008).
63
por notórios políticos cujo enriquecimento até hoje não está suficientemente explicado, a exemplo do empresário Narciso Mendes, de passado nada recomendável. Narciso Mendes, que chegou ao Acre na década de 70 como simples gerente da construtora potiguar Cicol, na década seguinte elegeu-se deputado e transformou-se rapidamente em magnata das comunicações. Hoje é proprietário da TV Rio Branco e do jornal O Rio Branco. (MACHADO, 2005).
Mais específica, a revista Veja detalhou a origem do Complexo de
Comunicação O Rio Branco em matéria sobre a compra de votos de vários
deputados para a aprovação de uma emenda à Constituição que garantiria ao
então presidente, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), disputar a reeleição
no ano seguinte. Segundo a revista, parte desta negociação foi gravada por
Narciso Mendes e fornecida ao jornal Folha de São Paulo, que publicara
longa matéria sobre o caso. A publicação enfatiza o seguinte:
Amigo do ex-prefeito Paulo Maluf e inimigo do governador Orleir Cameli, Narciso Mendes, de 50 anos, é a eminência parda da política acreana. Defensor da pena de morte, o ex-deputado da constituinte joga pesado. Há cinco anos, deu entrevista dizendo que só é possível fazer política sendo “corrupto ou corruptor”. Confessou ser as duas coisas. Em 1988, votou pelo mandato de cinco anos para Sarney e ganhou uma emissora de televisão, que retransmite o SBT no Acre. Tem o mais tradicional jornal do Estado, O Rio Branco. É dono de duas empreiteiras, mas não possui um único trator. “Ele ganha contratos e depois pega máquinas alugadas”, diz Orleir Cameli, que lhe deu contratos – a construção de um hospital e de uma estrada. Em 1994, candidato a Senador na chapa de Cameli, colocou seus veículos de comunicação a favor do atual governador. Perdeu a eleição para o Senado mas no primeiro ano do governo do Acre fez e desfez. Brigou com Cameli porque, segundo o governador, “ele é guloso demais”. Nascido no Rio Grande do Norte, é casado com uma bela paraense, a deputada Célia Mendes do PFL-AC, cujos votos controla no cabresto. Narciso sofreu uma devassa da Receita Federal, e deve hoje a incrível soma de 25 milhões de reais em impostos atrasados e multas. (PETRY & FILHO, 1997, p. 24).
No recorte específico que interessa à presente pesquisa, alterações
editoriais importantes marcaram O Rio Branco após a sua aquisição por
Mendes. Na editoria de política é mesmo possível dividir a linha editorial em
antes e depois da aquisição.
Antes, sob a orientação dos Diários Associados, O Rio Branco fazia
campanha aberta em favor dos políticos pedessistas. Como exemplo, a 13 de
novembro de 1982, em campanha eleitoral, o jornal estampara em matéria de
64
capa a manchete Povo quer Nabor no governo, afirmação atribuída a “fontes
consultadas pela equipe política desse diário”. Nabor, candidato
peemedebista ao governo do Estado, vencera com 36.369 votos contra os
33.879 do segundo colocado, o pedessista Jorge Kalume104
.
Operação idêntica ocorreria em 1985, nas eleições para prefeitos e
vereadores. A manchete de capa de 30 de outubro, referindo-se ao candidato
do PMDB à prefeitura de Rio Branco, afirmava que Aragão vence em toda
pesquisa. Venceria também a eleição propriamente dita, com margem de
votos ainda mais larga que a do pleito anterior: 23.957 votos contra os 15.353
de Luiz Pereira, do PDS105
.
Outro exemplo é a edição de 12 de novembro de 1986, nos dias finais
da campanha para eleger o novo governo do Estado, O Rio Branco trazia
como manchete uma declaração do presidente da República, o peemedebista
José Sarney: Sarney destaca eleições como lição de democracia. A 19 de
novembro, quatro dias após o pleito e ainda no transcurso da contagem dos
votos,106
o jornal comemora: Flaviano cada vez mais perto do poder. A foto do
peemedebista107
ocupava pouco menos de metade da capa.
Adquirido o matutino em julho de 1988, a linha editorial é
imediatamente alterada visando os interesses do grupo político de Narciso
Mendes: o PDS.
A 17 de novembro de 1988, quando eram ainda apurados os
resultados das primeiras urnas, o título faz uma mesura ao candidato
pedessista: Kalume dispara rumo à Prefeitura. Era uma profecia precoce:
naquele momento apenas 58 das 206 urnas haviam sido apuradas. Mais:
Kalume liderava com 7.135 votos, contra 4.514 de Ariosto Pires Miguéis do
104
FERNANDES, 1999, p.160. O mesmo autor revela que os demais candidatos derrotados nesse pleito foram:
Nilson Moura Leite Mourão (PT), com 4.637 votos; e Natalino da Silveira Brito (PTB), com 3.151 votos. 105
Idem. Os demais candidatos tiveram o seguinte desempenho: Arlindo Cunha (PFL), 3.370 votos; Raimundo
Cardoso (PT), 1.610 votos; Pedro Vicente (PCB), 340 votos. 106
O sistema de votação, por meio de cédulas de papel depositadas em urnas, levava vários dias para ser apurado
e confirmado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). 107
Flaviano Melo foi nomeado por Nabor Junior prefeito biônico de Rio Branco para um mandato entre 1983 e
1986, mas não assumiu o cargo. CARNEIRO (2008) esclarece: “Apesar nas eleições diretas para o governo,
ainda vigorava o Decreto Federal que tornava os municípios do Acre “áreas de interesse da segurança nacional”
(revogada somente em 1985), portanto, o correto era que Nabor Júnior nomeasse os novos prefeitos. O
presidente Figueiredo vetou a exoneração dos antigos prefeitos que eram do PDS. Esse fato causou um transtorno
65
PMDB – apenas 2.611 votos de diferença. A “disparada” anunciada pelo
jornal fora, em vista dos números, profética. Kalume venceria de fato, mas
com 26.832 votos contra 18.017 de Miguéis.108
A 18 de novembro, O Rio Branco comemora: Eleição quebra
hegemonia do PMDB, foi o título principal desta edição. De fato a conjuntura
mudara: era a primeira eleição de um político do PDS para um cargo
majoritário no Estado desde a redemocratização do país.
A virada do segmento mais conservador na política acreana cobraria
sua fatura: a 22 de dezembro de 1988 era assassinado em casa, no
município de Xapuri, a 188 quilômetros de Rio Branco, o líder sindical
Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes. Dois anos depois, a Justiça
condenaria o fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho, Darcy Alves Ferreira,
a 19 anos de prisão pelo assassinato. Darly, apontado como o mandante,
jamais confessou o crime, dizendo-se inocente.109
A execução do sindicalista, um dos líderes do movimento de
trabalhadores rurais do Acre, então presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Xapuri, causou impacto internacional, mas não
permite, se analisada isoladamente, compreensão adequada sobre o choque
das forças que se confrontavam naquele momento.
Para compreendê-las, a imprensa tem papel fundamental. A primeira
matéria sobre o crime, veiculada por O Rio Branco a 23 de dezembro de
1988, com exclusividade, afirma que a reportagem chegou a Xapuri apenas
uma hora e meia após o assassinato, em que pese a cidade localizar-se a
188 quilômetros da sede do noticioso. Como, ainda na versão do jornal, Chico
foi morto por volta das 18h30, consequentemente o automóvel da equipe –
um Gol, carro popular – venceu o trajeto desenvolvendo velocidade média de
125 quilômetros por hora, à noite, numa estrada em más condições e em
período chuvoso na Amazônia.
muito grande no Governo de Nabor. Somente em 30 de março de 1985 foi autorizado a demissão dos
PSDebistas. Em abril do mesmo ano, Nabor nomeia os novos prefeitos.” 108
FERNANDES, 1999, p. 164. O número de candidatos derrotados aumentara neste pleito. Além de Miguéis,
são eles: Alércio Dias (PFL), com 6.941 votos; Nilson Mourão (PT), com 3.379 votos; Mário Maia (PDT), com
1.076 votos; e Luís Marques (PCdoB), com 549 votos. 109
TURAZI, 2003.
66
De fato, o texto de O Rio Branco, publicado na capa do próprio dia 23,
não se resume a descrever o que parece evidencia um desafio às leis da
mecânica universal - acrescentando o conserto de um pneu furado na viagem
de ida:
Informada logo após o assassinato, nossa equipe de reportagem se deslocou para Xapuri. O Editor-chefe, César Fialho, o repórter Adonias Matos e o fotógrafo Luís dos Santos seguiram num automóvel Gol. Em uma hora e meia estavam naquela cidade. Na viagem de ida, apenas um pneu furado. Levantadas as informações, partiram de retorno por volta das 22 horas, com destino a Rio Branco.
(EM BUSCA da notícia de primeira mão. O Rio Branco, p. 1, Rio Branco, 23 dez. 1988).
As informações desencontradas levantaram várias suspeitas sobre o
conhecimento prévio da diretoria de O Rio Branco sobre o assassinato. A
mais recente delas deu-se no jornal Página 20, que voltou a abordar a velha
suspeita nos seguintes termos:
Velho conhecido O mundo dá muitas voltas, principalmente em se tratando de coisas ruins. Não é que o lobista Júlio Fróes, apontado pela revista Veja como pivô do escândalo de corrupção no Ministério da Agricultura, é um velho conhecido do Acre!
Furo Aqui, o lobista, que foi pego em flagrante fotográfico entrando com uma mala de propina para ser distribuída no ministério, foi o mesmo que, como editor de um jornal local, conseguiu em apenas uma hora e meia ultrapassar os 188 km de lamaçais da BR-317, entre Rio Branco e Xapuri, para dar “furo jornalístico” do assassinato de Chico Mendes.
Surpresa Conhecido no Acre como Júlio César Fialho (o sobrenome Fróes não era usado no estado), o lobista surpreendeu o Brasil e o mundo em conseguir ir e voltar pelos lamaçais da BR-317 na noite do dia 22 de dezembro de 1988, data em que Chico Mendes foi assassinado.
Conta outra Ninguém acreditou no relato do lobista, que logo depois, em 1992, foi preso em Fortaleza traficando cocaína.
Cúmplice Na época do assassinato de Chico Mendes, seu espantoso relato jornalístico lhe rendeu a suspeita de ser cúmplice do assassinato do sindicalista tal a relação próxima que ele, como editor do jornal, mantinha com figuras da UDR, entidade acusada de tramar o assassinato do líder sindical acreano.
Feito
67
A epopéia fantasiosa descrita por Júlio César Fialho mereceu comentários na série de reportagens que o jornalista Zuenir Ventura, do Jornal do Brasil, escreveu em abril de 1989 com o título “O Acre de Chico Mendes”, onde considerou o relato de Júlio não um furo jornalístico, mas um feito automobilístico inédito no mundo.
Adversidades “Pilotado pelo editor Júlio César Fialho e tendo ainda a bordo o repórter Adonias Matos e o fotógrafo Luís dos Santos, o carro enfrentou adversidades inimagináveis, mas nenhuma delas suficiente para diminuir o ímpeto daqueles ícaros”, escreveu Zuenir Ventura.
Gol voador Para Zuenir, “numa estrada em que poucas, pouquíssimas marcas de carro se aventuram - é pista para D-20, F-1000, jipe Engesa, de preferência a óleo Diesel -, o Gol dos jornalistas voara”.
110
A publicação das notas citadas causaram imediata conseqüência.
Narciso Mendes, ao tomar conhecimento das notas do Página 20, publicou o
seguinte
Já estive com o Elson Dantas, dono do Página 20, para esclarecimento. Para minha surpresa, o Elson disse que as notas foram redigidas, em Brasília, por Romerito Aquino, que foi quem indicou o César Fialho para dividir com ele a editoria do meu jornal. Sempre cometem a imbecilidade de envolver meu nome e o meu jornal na morte de Chico Mendes. Eu era deputado federal e vivia mais em Brasília. O jornal foi avisado do assassinato pelo então vereador Júlio Barbosa e pelo bispo Moacyr Grechi. Foram eles que telefonaram avisando. Quem atendeu o telefonema do bispo foi a funcionária Aldina e isso foi presenciado pela repórter Charlene Carvalho, que atualmente é uma das assessoras do senador Jorge Viana. A partir disso, disseram que eu estava envolvido. Talvez passaram a dizer isso mais para atingir o João Branco, que era meu sócio no jornal e dirigente da UDR no Acre. Meu nome entrou nessa história e quase não sai. No dia do assassinato eu estava em Belém. Nem na instrução do inquérito meu nome foi citado e sendo assim jamais fui ouvido.
111
A participação acionária em O Rio Branco de João Branco, presidente
estadual da União Democrática Ruralista (UDR), entidade de classe formada
por latifundiários, envolvida em denúncias de acobertamento a trabalho
escravo e assassinatos no campo desde o início dos anos 80, pode ser a
chave para compreender as conexões ocultas sobre a morte do líder
110
PORONGA. Página 20, Rio Branco, 18 ago. 2011. Disponível em: <
http://pagina20.uol.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=23996&Itemid=5> Acesso em 23
ago. 2011. 111
MACHADO, Altino. Júlio César Fróes Fialho. Rio Branco, 18 ago. 2011. Disponível em: <
http://altino.blogspot.com/2011/08/julio-cesar-froes-fialho.html> Acesso em: 23 nov. 2011.
68
seringueiro. Dado, novamente, o recorte específico do presente trabalho
sobre o jornalismo acreano, fica o registro da questão112
. Resta prosseguir
identificando as conexões entre o jornalismo e a disputa política no Acre.
Efetuada a virada do PDS no âmbito da prefeitura da capital, com a
recondução do “gigante intimorato” ao poder, restava uma última e portentosa
empresa: reconquistar o governo do Estado em 3 de outubro de 1990. Os
ventos da história pareciam soprar favoravelmente e O Rio Branco içou as
velas: teria início uma das mais viscerais ofensivas editoriais da história
acreana, com o próprio Mendes, então deputado federal, disputando uma
vaga ao Senado pelo PFL.
A artilharia pesada entra rápido em ação, ainda a 26 de setembro.
Diante de pesquisas de intenção de votos desfavoráveis à candidatura de
Mendes o jornal reage com um texto visceral logo na primeira página. Com o
título Ibate é uma quadrilha de mentirosos e farsantes, a mensagem ocupa
quase metade da capa desta edição com os seguintes dizeres:
Desde que chegou ao Acre em 1983 para assumir a Prefeitura de Rio Branco, iniciando sua carreira política pela via da bionicidade, e logo mais tarde elegendo-se governador do Estado, montado no calote e nas mentiras do Plano Cruzado, o maior estelionato de que se tem notícia em toda a história do Brasil, o sr. Flaviano Melo trouxe para o nosso Estado um “instituto de pesquisas” para avaliar o desempenho do que lhe convém e para mostrar o resultado que lhe interessa. Este Ibate, que fez publicar uma pesquisa dando a Flaviano Melo o primeiro lugar para o Senado, é o mesmo que nas eleições de 1988, para prefeito de Rio Branco, dizia que Ariosto ganhava de Jorge Kalume com uma larga vantagem de votos. Abertas as urnas, Kalume não só ganhou de forma espetacular, como também venceu em 248 das 250 urnas de Rio Branco, numa verdadeira lavagem. Hoje, este mesmo “instituto” tenta confundir a opinião pública do Acre e divulga uma “pesquisa” em que aponta Flaviano Melo na frente, quando seria desnecessário pesquisa neste sentido, já que é público e notório o nojo que este homem desperta na população acreana. Inaceitável é uma empresa que tem o dever de vender verdade e só publica mentira. E é o que este Ibate está fazendo, a menos que os pesquisadores tenham sido aqueles que se locuptaram (sic) com os recursos da Conta SOS-Acre, dos tratores que desapareceram, dos recursos dilapidados do Banacre, companhias de viagens em jatinho
112
A título de informação complementar, em 2003 o Comitê Chico Mendes, ONG formada por familiares e
amigos do sindicalista, com sede em Xapuri, apresentou formalmente ao Governo do Estado do Acre uma
solicitação de reabertura do inquérito policial que investigou o assassinato. O documento, mencionado pelo
jornal Página 20 a 3 de abril de 2003, no texto Polícia reabre caso Chico Mendes, solicita a coleta dos
depoimentos da equipe de reportagem de O Rio Branco na época dos fatos. Sobre as suspeitas de participação de
João Branco no assassinato, cf. VENTURA, Zuenir. Chico Mendes: crime e castigo. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2008.
69
fretado, beneficiários das concorrências fraudulentas e outros escândalos administrativos perpetrados pelo sr. Flaviano Melo e seus comparsas. O povo, não. Pois o povo do Acre é que está querendo dar o troco ao mais velhaco de todos os governadores que este Estado já conheceu. Vários outros Institutos já passaram por aqui, inclusive o Ibope, conhecido mundialmente pela precisão e honestidade de seus trabalhadores. E, em nenhum caso, o sr. Flaviano Melo chegou sequer ao segundo lugar. É claro que a grande dose de desespero do sr. Flaviano Melo o leva a praticar atos dessa natureza, inclusive o mandato de senador que ele tenta inutilmente conseguir lhe daria aquilo que verdadeiramente procura: a imunidade. Mas é exatamente isto que o povo do Acre não quer. O povo do Acre quer que o sr. Flaviano Melo não transforme em impunidade, na realidade sua grande ilusão. O Ibate, este institutozinho de “pesquisas” mais uma vez será desmoralizado, pois o mentiroso e o coxo são fáceis de serem pegos. E quando o mentiroso é coxo, mais fácil ainda. Como da mesma forma ficará desmoralizado o jornaleco de propriedade do sr. Flaviano Melo, montado às custas do dinheiro público estadual, quando ele era governador. Este mesmo jornaleco que já “cassou” a candidatura do deputado federal Narciso Mendes várias vezes ao Senado da República. Ente (sic) o Ibate e o jornaleco do sr. Flaviano Melo existe uma clara semelhança: ambos são da mesma quadrilha de mentirosos e
farsantes. (IBATE é uma quadrilha de mentirosos e farsantes. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.569, 26 set. 1990).
Dois dias depois e a seis para o pleito, o jornal conclama os leitores
para um evento artístico com uma cantora country de renome nacional: “Sula
Miranda hoje à noite no Showmício de Narciso”, diz o título na capa,
acompanhado dos seguintes dizeres:
Narciso Mendes, ao longo de toda a carreata e do Showmício da cantora Sula Miranda, fará importantes pronunciamentos e, para tanto, convida toda a população de Rio Branco para participar deste grande acontecimento. Compareça e leve suas bandeiras e seu apoio
à candidatura de Narciso Mendes rumo ao Senado. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.571, 28 set. 1990).
A mesma edição traz, também na capa, texto intitulado “Vereador
desmente Flaviano”, onde se lê:
O vereador Silas de Abreu, do PMDB do município de Senador Guiomard, desmentiu categoricamente informações dadas ontem na primeira página do jornal “A Gazeta”, de propriedade de Flaviano Melo, segundo as quais o citado vereador teria dado seu apoio à candidatura de Narciso Mendes a senador em troca de tijolos, telhas e outros materiais para a construção de sua residência.
70
Silas de Abreu disse que o jornal do sr. Flaviano Melo mentiu, “pois o meu apoio hipotecado à candidatura de Narciso Mendes foi dado espontaneamente, já que ele sempre foi um político que ajudou o nosso município, nos momentos mais difíceis, através inclusive de cessão de maquinários para consertar as nossas estradas vicinais, que foram completamente abandonadas durante o governo do sr. Flaviano Melo. (idem).
A saraivada de acusações intensifica-se. O Rio Branco despe-se do
pretenso aspecto de meio imparcial de divulgação de notícias, deixando
entrever, desavisadamente, sua verdadeira atividade. É neste esforço que a
29 de setembro, cinco dias antes das eleições, manifesto de capa intitulado
Quem é o mentiroso é publicado com o seguinte teor:
O jornal “A Gazeta”, de propriedade do sr. Flaviano Melo, e que foi montado às custas do dinheiro público estadual, quando ele era governador do Acre, sempre disse que o deputado federal Narciso Mendes, candidato a Senador, comprou as pesquisas feitas neste Estado, na presente campanha eleitoral, pelo Ibope, uma empresa de conceito a níveis nacional e internacional. O jornal “A Gazeta” nunca havia se dignado a publicar em suas páginas uma só pesquisa realizada pelo Ibope. Mas bastou que o sr. Flaviano Melo melhorasse um pouquinho de nada na pontuação dos números do Ibope, para que o seu jornal divulgasse a última pesquisa promovida pelo Ibope. Não há maior incoerência. Enquanto isso, o sr Flaviano Melo, desde o tempo em que começou sua carreira política como prefeito biônico de Rio Branco, e depois eleito governador do Estado, graças ao maior estelionato já visto neste país, que se chamou Plano Cruzado; trouxe sempre a tiracolo um institutozinho de “pesquisa” que atende pelo nome de Ibate, que de maneira indigna e mentirosa faz o jogo sujo político do sr Flaviano Melo. A sociedade acreana conhece este institutozinho de longo tempo. Principalmente no ano de 1988, quando o tal de Ibate assegurava que Ariosto ganharia disparadamente de Jorge Kalume para prefeito de Rio Branco. E o resultado as (sic) urnas foi exatamente o contrário. Jorge Kalume deu uma verdadeira lavagem de voto em Ariosto. E mais ainda: o tal de Ibate, naquele ano de 1988, divulgou “pesquisas” segundo as quais o PMDB faria todos os prefeitos do interior. Errou de novo. E errou feio. Muito feio. No atual pleito eleitoral, sempre a mando do sr Flaviano Melo, o tal de Ibate, no jornal “A Gazeta”, anunciou “pesquisas” as mais mentirosas e farsantes possíveis, tentando com isso – inutilmente – induzir o nosso eleitorado. O jornal O RIO BRANCO sempre divulgou todas as pesquisas sérias e de credibilidade do Ibope. O jornal “A Gazeta” preferiu a divulgação das “pesquisas” do tal do institutozinho Ibate.
Concluindo: quem é o mentiroso das pesquisas? (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.572, 29 set. 1990).
Diante do que está em jogo, não há trégua. A edição de 30 de
setembro prossegue, anunciando em manchete principal que Narciso, o
71
Senador, recebe a maior consagração do povo. Comemorando o que avalia
ter sido o sucesso de uma carreata realizada no dia anterior, a capa traz duas
fotografias do evento, com os créditos de Francisco Chagas, mostrando uma
grande concentração, respectivamente, de pessoas e automóveis. Cada
imagem é acompanhada de uma frase. A primeira diz: “Uma multidão
incalculável, entusiasta, comprovou a vitória de Narciso para Senador. Foi
uma apoteose popular”. A outra: “A carreata da candidatura de Narciso ao
Senado foi a maior realizada em Rio Branco”. O texto de capa dedicado ao
evento não poupa adjetivos: “Foi a maior consagração popular já tributada a
um homem público em toda a história política do Acre. Assim os
observadores políticos do Estado definiram o Showmício promovido na noite
da última sexta-feira, em frente à Prefeitura, em prol da candidatura do
deputado federal Narciso Mendes ao Senado da República”.
A edição de 2 de outubro, véspera da eleição, expõe as vísceras da
disputa. Com o título Ibate é mentiroso, falso, sem caráter e desmoralizado, o
leitor encontra um exemplar de panfleto político:
Flaviano Melo, o mais canalha dos governadores do Acre, em todos os tempos, continua desrespeitando a sociedade deste estado, através da “fabricação” de “pesquisas” sujas, mentirosas, inverídicas e farsantes. Usando para isto um famigerado e desavergonhado institutozinho que atende pelo nome de Ibate, que na edição de hoje do jornaleco “A Gazeta”, que foi montado às custas do dinheiro dos impostos pagos pelo povo aos cofres do estado, quando o Flaviano Melo era governador – ou desgovernador do Acre -, mostra mais uma “pesquisa” para o Senado da República. Com resultados tão imorais, como imorais são Flaviano Melo, o jornaleco “A Gazeta” e o próprio tal de Ibate. Este mesmo institutozinho que no ano de 1988, nas eleições de prefeito, disse que Ariosto ganharia disparado de Jorge Kalume. E no dia da eleição, Kalume deu uma verdadeira lavagem. Achando pouco, o tal do Ibate afirmou que o PMDB faria todos os prefeitos do interior. Entrou bem pelo cano, pois errou tudo de novo. Numa prova de sua desmoralizada e criminosa ação, tentando com esse tipo de jogo imundo induzir a opinião pública deste estado com “pesquisas” pagas por Flaviano Melo, o maior corrupto da vida pública do Acre. Eles sabem que Narciso Mendes já é o senador eleito pela vontade da grande maioria dos acreanos. Até porque Narciso Mendes é um homem sério, dinâmico, com relevantes serviços prestados a este estado, na iniciativa privada, onde as empresas de que participa oferecem mais de 1.200 empregos diretos. Flaviano Melo, ao contrário, é um sujeito que comandou toda a roubalheira que tomou de assalto o Palácio Rio Branco e que agora tenta esconder sua inevitável derrota através de uma “pesquisa” irresponsável, safada, canalha e sem a menor
72
credibilidade junto à opinião pública do nosso estado. ((O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.574, 02 out. 1990).
O pleito de 1990 traria, porém, novidade. O Partido dos Trabalhadores
(PT), articulado por meio da Frente Popular do Acre (PT, PCdoB, PCB, PDT)
levara à disputa um personagem até então desconhecido na política acreana:
Jorge Ney Viana Macedo das Neves, filho de um líder tradicional do velho
PDS, Wildy Viana.
A FPA apresentou como candidato ao governo “uma cara jovem, moderna e nativa”. Tratava-se do engenheiro florestal Jorge Viana, recém-formado pela UnB, e que havia ocupado a direção de estudos e pesquisa da Fundação de Tecnologia do Acre - FUNTAC. Jorge havia coordenado, em 1986, a campanha de Hélio Pimenta ao governo, pelo PT, bem como as candidaturas de Chico Mendes, a estadual, e Marina, a federal, naquele pleito. Ele conseguiu, em 1990, além de aglutinar as forças de esquerda, congregar um vasto número de pessoas com especialização tecno-profissional que, além de elaborarem um Plano de Governo, passaram para a sociedade uma imagem de competência (saber especializado). (FERNANDES, 1999, p. 129).
Apesar de todo o esforço, o recado das urnas para Narciso seria
negativo. Ele perderia a vaga no Senado exatamente para Flaviano Melo. Já
a grande virada aguardada pelo PDS sofreria uma ameaça: o formidável
desempenho de Jorge Viana contra Edmundo Pinto de Almeida Neto, o
candidato pedessista. Contabilizados os votos a 3 de outubro de 1990,
descobre-se: haveria segundo turno para o governo do Estado. A vantagem
de Pinto sobre Viana fora de apenas 360 votos.113
A 10 de outubro, O Rio Branco anuncia que o PMDB, mortal inimigo do
PDS em todos os pleitos e hipotético interessado em barrar o ascenso
pedessista, apoiaria Edmundo Pinto contra Jorge Viana. A 1º de novembro o
próprio matutino daria informação inversa, ao comentar, em matéria de capa
intitulada Edmundo recebe novos apoios ao seu nome, que a cúpula daquela
113
FERNANDES, 1999, p. 160. A votação nominal no primeiro turno ficou assim distribuída: Jorge Viana
(FPA), com 34.868 votos, e Edmundo Pinto (PDS), com 35.228 votos, classificados para o segundo turno.
Derrotados: Osmir Lima (PMDB), com 27.252 votos, Rubem Branquinho (PTB/PDC/PTR/PRN), com 23.669
votos, e Réssine Jarude (PSDB), com 2.006 votos.
73
sigla “se mantém neutra neste segundo turno da disputa para o governo do
Estado”.
O intervalo de 4 de outubro a 25 de novembro de 1990 é por isso
mesmo exemplar para a compreensão do jornalismo. Neste caso, no contexto
imediato da disputa pelo comando político do Estado, os jornais despem-se
espontaneamente do dogma da neutralidade discursiva para funcionarem
como armas ideológicas, atacando o adversário ou defendendo o aliado
político com notável voracidade.
É nesse espírito que o jornal publica, a 28 de outubro, numa atitude
inédita, uma carta de Edmundo Pinto intitulada “Aos servidores públicos”. A
mensagem ocupa um quarto de toda a capa para conclamar o funcionalismo
público para “uma Revolução ética e moral nos procedimentos políticos e
administrativos”.
A 1º de novembro seria a vez do PFL, que lançara Rubem Branquinho
no primeiro turno, declarar apoio a Pinto. O anúncio, tentativa clara de
transferência de votos, é registrado em forma de documento oficial assinado
pelo Diretório Regional e publicado com destaque na capa. Acima dele,
matéria jornalística dá conta que “Edmundo recebe novos apoios ao seu
nome”. Não há, por sua vez, qualquer menção ao estágio da campanha ou
mesmo aos virtuais apoios recebidos pelo candidato da FPA.
O silêncio sobre a campanha de Jorge Viana só seria rompido a 25 de
novembro, dia do pleito, quando o jornal publicaria fotografias dos dois
candidatos e perguntava: “Governador: Edmundo ou Jorge?”. Era a forma
encontrada para compensar a absoluta parcialidade com que o tema fora
tratado nas semanas anteriores, inclusive com algumas insinuações
interessantes. A mais exemplar delas surgiu na capa de 10 de novembro,
numa matéria sobre a interrupção de um comício no município de Feijó, a 344
quilômetros de Rio Branco, após um curto-circuito na rede elétrica. O texto,
publicado na capa, deu ao incidente o título Edmundo Pinto sofre sabotagem
em Feijó, e, no corpo do texto, após muitas informações sobre a agenda do
candidato, shows artísticos e outras atrações, surgiam os seguintes dizeres:
74
Durante o comício realizado anteontem em Feijó, um “balk-out” (sic) proposital interrompeu o ato por várias horas. Segundo assessores do candidato, um adversário atirou um fio sobre a rede de alta tensão. Edmundo acusou Jorge de estar realizando uma campanha “milionária, com dólares das entidades ambientalistas internacionais”. Segundo ele “os ecologistas estéricos (sic) nunca experimentaram
uma picada de piúm e não sabem o que é uma pirapitinga”. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.605, 10 nov. 1990).
Em 18 de novembro, ao anunciar o único debate entre os candidatos
no segundo turno, O Rio Branco publica matéria com o título “Debate dirá
quem é quem, diz Edmundo”. Sem ouvir o que teria a dizer o candidato da
FPA, o texto informa aos seus leitores que:
O candidato Edmundo Pinto disse, ontem, que o debate será o termômetro para que a população possa avaliar quem é quem nesta eleição. “Hoje o povo acreano poderá julgar com seus próprios olhos, uma proposta de governo que deseja mudar o Acre para melhor e, outra que, com seu radicalismo esquerdista ultrapassado, lançará o Estado numa aventura louca, onde todos serão prejudicados”, afirmou
o candidato do PDS. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.611, 18 nov. 1990).
A 24 de novembro, véspera do decisivo embate, O Rio Branco
estampa com destaque uma fotografia do candidato pedessista abraçado ao
então presidente da República, Fernando Collor de Mello. Abaixo da imagem
os seguintes dizeres: “Presidente Fernando Collor e Edmundo Pinto: um
abraço pelo futuro do Acre”. O título principal desta edição é um exercício de
vidência em três palavras: “Edmundo ganha amanhã”.
No grande dia, a capa traz uma reportagem intitulada em primeira
pessoa: Acordos espúrios não turvarão minha vitória. A declaração é de
Edmundo Pinto e o texto é uma crítica visceral à adesão tardia do então
governador Flaviano Melo à candidatura de Jorge Viana. Pinto critica a
aliança e parte para o ataque nos seguintes termos:
Flaviano apenas tornou pública uma tendência que já se registrava nas empresas de comunicação nas quais ele tem forte ascendência. Só que considero difícil ele explicar para seu eleitorado como pode apoiar um candidato que tem se pautado em atacar seu governo, denunciar a corrupção de sua administração e o está processando e
contestando a legitimidade de sua vitória. (O RIO BRANCO. Rio
75
Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.612, 25 nov. 1990)
O fogo cerrado funciona tão bem que, abertas as urnas, constata-se
que até mesmo o número de votos nulos e brancos caíra em comparação
com o primeiro turno, respectivamente, de 9,23% e 12,66% para 5,28% e
1,11%. A vitória era do PDS: Edmundo Pinto de Almeida Neto conseguira
71.876 votos e Jorge Viana, 59.741. A diferença de apenas 8,63% daria à
FPA fôlego e esperanças para o próximo pleito, dois anos depois.
Mas outros fatores, alheios à vontade dos candidatos, interfeririam no
processo sucessório. Fatores que fariam com que o retorno do PDS ao
comando da política acreana fosse interrompido trágica e abruptamente. O
começo do fim precipitar-se-ia a pouco mais de um ano e meio da apertada
vitória: na madrugada de 17 de maio de 1992, no apartamento 704 do
luxuoso hotel cinco estrelas Della Volpe Garden, em São Paulo (SP),
Edmundo Pinto era assassinado com dois tiros de pistola. O inquérito policial
e o correspondente processo criminal realizados naquele Estado deram ao
evento o mesmo tratamento do caso Chico Mendes: homicídio comum.
O intervalo entre março de 1991, quando Pinto tomara posse do
governo, até a campanha eleitoral do ano seguinte, seria um dos mais
conturbados da história acreana após a redemocratização. Além do crescente
desgaste do presidente da República, Fernando Collor de Mello, envolvido
em denúncias de formação de quadrilha que o levariam ao impeachment,
aquele era ano de eleições para as câmaras de vereadores e prefeituras. Os
ânimos, portanto, estavam anormalmente exaltados antes mesmo de Pinto
marcar, no começo do ano, depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito
do FGTS114
, aberta pelo Congresso Nacional para investigar indícios de
desvios na aplicação dessa verba. Duas obras do Acre estavam na mira da
114
Criado em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é destinado a proteger o trabalhador
demitido sem justa causa, formado por depósitos descontados mensalmente dos salários dos trabalhadores com
contratos formais de trabalho. Cada depósito corresponde a 8% dos salários brutos de cada funcionário. Parte
desse recurso é usada pelo governo federal para financiar programas de habitação popular, saneamento básico e
infra-estrutura urbana. O que a CPI investigava era a destinação desses recursos a obras superfaturadas em troca
da divisão do valor liberado a mais entre membros do próprio governo federal, empreiteiras e políticos locais. A
investigação descobriria as irregularidades, que seriam apelidadas pela imprensa de “Esquema PC Farias” e
ajudariam na aprovação do impeachment do presidente Collor.
76
CPI: uma Estação de Tratamento de Água (ETA) e o Canal da Maternidade,
ambas a serem construídas pela empreiteira Norberto Odebrecht, que
vencera uma licitação pública no valor de U$ 110 milhões. Pinto deporia a 19
de maio, dois dias após o assassinato. A 27 do mesmo mês explodem as
denúncias de corrupção no governo Collor, expostas na revista semanal
VEJA pelo irmão do presidente, Pedro Collor de Mello.
No Acre, a suspeita de que o assassinato do governador teria sido
encomendado por interesses contrários ao depoimento surgiria também na
imprensa - e também em forma de denúncia, feita pelos três detidos como
autores do crime: Gilson José dos Santos, Edilson Alves do Carmo e Jomildo
Barbosa. A edição de 1º de agosto de 1992 de O Rio Branco levanta a
questão: “Edilson afirma que Odebrecht mandou matar Edmundo Pinto”.
Abaixo, um pequeno texto em três colunas acrescenta, bombasticamente:
Em depoimento prestado ontem pela manhã à juíza da 13ª Vara Criminal, Maria Cristina Cotrofi, Edilson Alves Camargo, um dos três envolvidos diretamente no assassinato do governador Edmundo Pinto, disse ter sido convidado por Gilson José dos Santos para matar o governador a mando da Construtora Norberto Odebrecht e iria receber US$ 80 mil, cerca de Cr$ 400 milhões. Revelou ainda que o ex-chefe da Casa Civil, empresário Luiz Carlos Pietschmann, e o ajudante de ordens de Edmundo, capitão-PM Marcos Wismann facilitaram a ação dos criminosos. Edilson afirmou ter recebido a chave mestra do sétimo andar do Della Volpe Garden Hotel, uma semana antes do crime. Edmundo foi encontrado morto no apartamento 704, na madrugada do dia 17 de maio, dois dias antes de prestar depoimento à CPI do FGTS, instalada para apurar denúncias de superfaturamento de 40 por cento nas obras da Estação de Tratamento de Água e Canal da Maternidade, cuja “concorrência pública” foi vencida pela Odebrecht. O delegado Nelson Guimarães, responsável pela instauração do
inquérito, continua afirmando ter sido latrocínio. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.116, 01 ago. 1992)
A denúncia de que o assassinato do governador acreano foi
encomendado por uma das maiores multinacionais brasileiras em conluio
com membros do primeiro escalão do próprio governo, feita pelos próprios
executores do crime, não teve grande repercussão. Ao contrário, agosto foi o
mês dos caras-pintadas invadirem Brasília com protestos contra o governo
federal, que mergulhara o país em duas crises severas: a econômica, com
77
uma inflação de 1.200% ao ano, e a política, com a confirmação, pelo
Congresso Nacional, das denúncias de Pedro Collor à revista Veja.
No Acre, o ex-chefe do gabinete civil de Edmundo Pinto dá entrevista a
O Rio Branco na edição de 11 de agosto. Era uma tentativa de reduzir ou
remediar o assombroso impacto das revelações do começo do mês. A
matéria secundária, intitulada Pietschmann nega ter traído Pinto, remenda
que:
O ex-chefe do Gabinete Civil, empresário Luiz Carlos Pietschmann, e o ex-ajudante de ordens do governador Edmundo Pinto, assassinado dia 17 de maio em São Paulo, serão interrogados pela Justiça através de carta precatória, mas como testemunha de acusação e não como envolvidos no crime. Pietschmann e Wisman se encontravam hospedados no sétimo andar do Della Volpe Garden Hotel, local onde Edmundo Pinto foi assassinado com dois tiros. O capitão será ouvido hoje, em Rio Branco, pelo juiz da 1ª Vara Criminal, Arquilau de Castro Melo. Luiz Carlos encontra-se em Brasília, de onde telefonou ontem para a redação de O RIO BRANCO se dizendo não ter recebido nenhum documento da Justiça. “Muitas pessoas pensam que eu estou querendo fugir. Jamais farei isso, pois não devo nada a ninguém, nem à Justiça. Eu era amigo do Edmundo e com ele no governo minha vida era bem diferente. Sempre acreditei em sua vitória, mesmo nos momentos mais difíceis. Por isso, não tinha nenhum motivo para tramar sua morte. Estou em Brasília porque minha mulher está grávida e doente, mas faço questão de prestar meu depoimento em Rio Branco, vou confirmar o
que falei à polícia paulista no dia da tragédia”, afirma Pietschmann. (O
RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.123, 11 ago. 1992)
As referências ao crime, a partir de então, seriam cada vez mais
dispersas, vagas e pouco esclarecedoras. Não há mais referência aos detidos
em São Paulo. A edição de 19 de agosto é lapidar nesse sentido: em nova
matéria secundária intitulada Juiz ouve Pietschmann, mas capitão só fala hoje
afirma-se que “o depoimento teve duração de 10 horas e foi assistido pela
promotora Salete Maia; dois defensores públicos – Raimunda Vieira da Costa
e Flávio Augusto Siqueira e a viúva do governador, dona Fátima Almeida”. O
parágrafo final acrescenta que “Luiz Carlos foi ouvido através de carta
precatória e o documento será remetido hoje à Justiça paulista”.
A pressa fazia sentido: avizinhava-se o pleito de outubro. Era
necessário partir para o que realmente importava - no julgamento da
imprensa local. Por isso, a mesma edição do dia 19, comentando a estréia da
78
propaganda eleitoral gratuita dois dias antes, anunciava que Só o PMDB não
escapou da mesmice no horário do TRE. Era a primeira alfinetada no velho
inimigo.
Quatro dias depois, o título de O Rio Branco é Jorge Viana mantém a
liderança. Um subtítulo emenda, no entanto, que Pesquisa da Unydata revela
que Bestene está em 2º, seguido de Mauri. Era o candidato do PDS. A
pesquisa, segundo o texto subseqüente, fora encomendada “pela Rede
Gazeta de Comunicações e Complexo Rio Branco de Comunicação. Foram
ouvidos 414 eleitores”. Assim o tema eleitoral, estrategicamente, engolfara as
pertinentes e cada vez mais incômodas questões sobre o assassinato do ex-
governador.
Auxiliaria neste processo de dissuasão dos impertinentes a crise do
governo Collor, relevando coalizões até então pouco claras. A 26 de agosto
de 1992, com o título “Romildo disse que não vê ligação de Collor com PC”, O
Rio Branco, em matéria principal de capa, demonstra o apoio incondicional de
Romildo Magalhães, sucessor de Edmundo Pinto, ao presidente115
. O texto
registra:
O governador Romildo Magalhães classificou as manifestações promovidas contra o presidente Collor como atos de origens politiqueiras e radicais. Para ele, o relatório divulgado segunda-feira pela Comissão Parlamentar de Inquérito está recheado de altos e baixos. “O presidente Collor foi eleito com os votos de mais de 35 milhões de brasileiros e não será meia dúzia de radicais e esquerdistas que irá conseguir desestabilizar o governo federal”, aposta. Romildo revela que não identificou nenhum tipo de relação suspeita entre Collor e o empresário PC Farias. Também garantiu que a bancada federal do PDS está solidária ao chefe da nação, posicionando-se contra o
impeachment. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.136, 26 ago. 1992
Abstraída a reveladora intolerância do governador a manifestações de
“radicais e esquerdistas”, o apoio ao presidente em crise não era mero
rapapé entre chefes do Executivo. Collor elegera-se presidente pelo Partido
115
Fernando Collor de Mello enfrentaria, dentro de exatos 33 dias, o primeiro processo de impeachment da
história da democracia representativa brasileira.
79
da Reconstrução Nacional (PRN), que integrava a coligação116
liderada pelo
PDS na disputa pela prefeitura de Rio Branco. O PDS, partido de Magalhães,
tinha desde sempre o apoio de O Rio Branco e naquela eleição o candidato
era José Bestene, então deputado estadual. Nesse contexto, justifica-se o
esforço para mostrar Bestene em boa colocação nas pesquisas de intenção
de voto.
As condições suspeitas do assassinato do governador e o
aprofundamento do processo que levaria à deposição do presidente da
República seriam somados a uma série de irregularidades do curto governo
Edmundo Pinto. Irregularidades expostas pelo próprio Magalhães. Em tais
condições, de aparente enfraquecimento estrutural da democracia
representativa, os setores mais retrógrados das forças políticas tradicionais
não tardaram a prescrever uma sua velha receita: o retorno da ditadura
militar. A bandeira é erguida, sem meias palavras, pelo deputado estadual
pedessista Chico Sombra, em discurso no plenário da Assembléia Legislativa
do Estado do Acre (Aleac). Com o título Sombra opta pela volta dos militares,
O Rio Branco de 28 de agosto diz que:
“Se o presidente Fernando Collor for obrigado a sair do Palácio do Planalto, o ideal é que os militares assumam o Poder e o comando dos destinos da nação”. Esta é a opinião do deputado Chico Sombra (PDS). Ele disse que ao longo da sua história a República foi palco de ações danosas praticadas por ladrões, corruptos, vereadores, deputados e senadores demagogos e outros que cometeram crimes de lesa-pátria e escaparam impunemente. “Tenho assistido uma revanche contra o presidente. É bagunça nas ruas e safadeza. É por isso que eu defendo que o Exército coloque nas ruas os tanques, canhões, metralhadora e o que for necessário para acabar com essa
bagunça”, disse. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.138, 28 ago. 1992)
Na mesma edição, matéria de capa abordando a crise no governo
Collor traz como título “Somente Bestene faz restrição ao impeachment”. A
tentativa de mostrar o candidato como racional, equilibrado, um bom
administrador, e, por tudo isso, o melhor candidato à prefeitura de Rio Branco
é exposta, quase subliminarmente, nos seguintes termos:
116
FERNANDES, 1999, p. 160. Além do PDS de Magalhães e do PRN de Collor, integravam essa frente, ainda,
o Partido Social Cristão (PSC) e o Partido da Mobilização Nacional (PMN).
80
Em tempos de campanhas, quando as palavras podem valer votos, os candidatos a prefeito de Rio Branco dão suas opiniões sobre o possível impedimento do presidente Collor. Alguns mais enfáticos, como Edivaldo Guedes, do PDT, afirma que Collor já deveria estar preso. Jorge Viana, candidato da Frente Popular do Acre explica que este é um momento histórico para a nação e que é hora de passar o país a limpo. Mauri Sérgio, deputado federal e candidato pelo PMDB promete cassar Collor através de seu voto a favor do impedimento. José Bestene, mais cauteloso, diz que se deve tomar todo cuidado para que não se cometam injustiças, sendo a favor da legalidade da CPI. (idem)
A corrupção herdada do governo Pinto, para O Rio Branco, havia sido
produzida no governo anterior117
. Já na edição de 11 de agosto o jornal
anunciara que o governo Magalhães abrira sindicância para apurar a
extensão do que seria um rombo nas contas da Secretaria da Saúde. A
matéria, principal manchete do dia, intitulava-se Romildo diz que rombo na
Saúde é maior do que o da Eletroacre. Um texto em negrito, também na
capa, destacava:
O governador Romildo Magalhães determinou ontem ao novo secretário de Saúde, Labib Murad, a abertura da sindicância para apurar o rombo naquela pasta, que na sua opinião é maior do que o constatado na Eletroacre. A missão do assessor foi formulada exatamente na solenidade em que empossou os três novos secretários – além de Murad, foram nomeados os parlamentares Helder Paiva para a pasta de Apoio Parlamentar e Marlene Magalhães para a de Interiorização, que algum tempo ficaram vagas com as saídas de Chico Sombra e Álvaro Romero. Romildo voltou a dizer que espera colocar na cadeia aqueles que dilapidaram os cofres públicos, numa referência aos envolvidos nos escândalos da conta Flávio Nogueira, Eletroacre e da Saúde. (ibid.).
Os ânimos, portanto, já estavam devidamente aquecidos. A costumeira
ebulição durante a campanha eleitoral acreana encontrara, em 1992,
ingredientes novos: além do assassinato do governador, o crescente
desgaste do governo Collor, um movimento nacional de limpeza ética das
instituições nacionais e denúncias de irregularidades em todas as esferas de
poder.
Há, porém, que se proteger o patrimônio adquirido. É o que faz O Rio
Branco, na capa de 3 de setembro, em defesa do então prefeito pedessista,
81
Jorge Kalume. O título, Kalume rebate crítica dos adversários, é assim
rematado:
O prefeito Jorge Kalume não vai mais ficar calado enquanto seus adversários políticos lançam críticas contra sua administração. Kalume decidiu responder à altura para demonstrar que “a teoria não é igual à prática”. Segundo ele, quando assumiu a Prefeitura de Rio Branco a situação parecia incurável. “Até hoje continuo pagando contas deixadas pelos ex-prefeitos Adalberto Aragão e Flaviano Melo”, revelou, referindo-se principalmente ao débito com a Previdência e o não recolhimento do FGTS dos servidores municipais. Kalume assegura que seu sucessor irá receber uma Prefeitura equipada em dia. O prefeito acha que, em decorrência disso, as
críticas à sua gestão tornam-se de certa forma infundadas. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.143, 03 set. 1992)
A matéria principal da mesma edição é uma curiosa “exposição de
motivos” do governador, Romildo Magalhães, sobre o seu apoio a Fernando
Collor e contra o processo de impeachment, já em discussão no Congresso.
Para o governador, o Acre, por ser um Estado pobre e, portanto, dependente
de repasses federais, não poderia ousar postar-se contra o mais alto chefe da
nação118
. E como para O Rio Branco, esta falácia de autoridade soava côo
argumento válido, e, em texto destacado em negrito, ecoava:
O governador Romildo Magalhães reafirmou que o Acre, como o estado mais pobre da Federação, não pode ficar contra o presidente da Nação. Ele justificou sua posição desfavorável ao impeachment de Collor alegando que mais de 90% dos recursos estaduais são oriundos do Poder Central. Após ter ultrapassado a marca de 100 dias de governo, Romildo continua segurando a bandeira da moralização da coisa pública. Se para ele a permanência de Collor no Planalto é movida pela oposição, com a finalidade de tirar proveito nas eleições de 3 de outubro, no Acre os envolvidos no escândalo da conta Flávio Nogueira deveriam estar no presídio. Isso ainda não aconteceu porque o sistema carcerário do Estado não conta com celas especiais. “Não posso aceitar que ladrão de galinha seja preso, enquanto os que roubaram quase Cr$ 3 trilhões do Estado estejam tomando uísque importado”, revelou. (idem).
117
A administração estadual anterior, como se viu, fora do PMDB. 118
Trata-se evidentemente de argumento do mais puro servilismo, que demonstra de maneira clara o oportunismo
sem rodeios do então chefe do Poder Executivo Estadual em um tema tão grave para a nação. Na parte que nos
interessa, - o comportamento editorial de - O Rio Branco, omitindo-se diante da questão, limitando-se a
reproduzir o discurso oficial e enviesado do governador, evidencia novamente o papel desse jornal como porta-
voz de interesses estratégicos de uma parcela da política e da economia acreana: aquela que dependia da
manutenção dos acordos e alianças com o Planalto.
82
No mesmo espírito, matéria de capa a 15 de setembro, “Romildo
renova apoio a Collor, acrescenta:
O governador Romildo Magalhães viajou ontem para uma estada de 48 horas em Brasília, onde manterá entendimento com vários ministros de Estado para agilizar os 780 projetos do Acre em andamento na esfera federal, além de encontrar-se com o presidente Fernando Collor hoje, às 17 horas, no Palácio do Planalto. Romildo Magalhães voltará a sustentar sua solidariedade ao presidente da República, com o apoio da bancada do PDS na Câmara na Câmara
Federal para derrubar o Impeachment. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.151, 15 set. 1992).
Na mesma edição ressurge sem aviso prévio o fantasma do
governador assassinado. Novos e interessantes eventos coadunam-se com a
versão dada pelos assassinos, acrescem novos e interessantes detalhes e
evidenciam que a versão de latrocínio, concluída pela polícia paulista, era
providencial demais para os interesses milionários em jogo. Intitulada Trento
reafirma denúncias de suborno à CPI das Obras, a principal chamada de
capa, abordando uma CPI aberta na Aleac, esforça-se para não fazer
conexões entre o assassinato do governador, a corrupção no governo
estadual e a cobrança de propina em troca da liberação de verbas em
Brasília. Nos seguintes termos:
A Comissão Parlamentar de Inquérito das Obras Públicas, ouviu na tarde de ontem, em sessão “secreta”, o depoimento do seringalista Jácomo Trento, autor de denúncias na Polícia Federal contra o processo de licitação do Canal da Maternidade e o rateio de 30% das verbas destinadas à obra. Segundo a versão de Trento, além do envolvimento direto do empresário Paulo César Farias – o PC, do ex-ministro Antonio Rogério Magri, também foram denunciados o ex-presidente da Comissão de Licitação do governo estadual, advogado Edson Mahana, o ex-secretário de saúde, Arnaldo Barbosa, o ex-chefe do Gabinete Civil, Luiz Carlos Pietchsmann e foi citado o nome do ex-governador Edmundo Pinto. Jácomo Trento disse que iria confirmar todo o teor do seu depoimento prestado à Polícia Federal e aos dois membros da Procuradoria Geral da República, que desenvolvem investigações complementares aos trabalhos concluídos pela CPI do FGTS e da CPI das Obras da Assembléia Legislativa do Acre. (idem).
A sugestão, oculta no texto, de que o governo federal, por meio do
esquema PC Farias, condicionara a liberação dos U$ 110 milhões para as
83
obras do Canal da Maternidade ao rateio de 30%119
entre empresários e
políticos não teria, novamente, impacto na política local. Faltava ao jornalismo
de O Rio Branco a disposição para realizar as conexões entre os condenados
pelo crime e os novos indícios trazidos em investigação oficial na “Casa do
Povo”. O tema recairia, assim, por misterioso lapso jornalístico, na vala
comum do esquecimento.
Importava, por outro lado, a campanha eleitoral.
A 18 de setembro, analisando nova pesquisa que dava a dianteira ao
candidato da FPA, matéria intitulada Viana não perde a liderança tem como
subtítulo Pesquisa da Unydata mantém candidato em 1º lugar, seguido de
Bestene. O texto comenta que Viana estava “estável em relação à última
pesquisa”, ao passo que Bestene “subiu 5 pontos percentuais”. Segundo a
Unydata, que novamente entrevistara 400 pessoas “em 45 bairros das zonas
central e periférica da capital acreana”, Viana estava na dianteira com 38,75%
das intenções de voto, seguido de José Bestene com 21%, Mauri Sérgio
(candidato do PMDB), com 18,5% e finalmente Edvaldo Guedes, do PTB,
com 2,75%. Votos brancos e indecisos somariam 19%.
Nessas condições somente uma aliança entre peemedebistas e
pedessistas poderia alterar o resultado que já se delineava. Mas nem os
candidatos, nem O Rio Branco, o cogitariam oficialmente. Importava vencer,
mas importava também que a vitória laureasse o candidato que representava
os interesses políticos do jornal. A saída era valorizar cada vez mais a
candidatura de Bestene. Neste espírito, a 20 de setembro, faltando duas
semanas para o pleito, a manchete é uma nova pesquisa eleitoral, desta vez
realizada pelo Instituto Acreano de Estudos e Pesquisas (Inaep). O título,
Pelo Inaep, Bestene está perto de Viana, precede as seguintes ponderações:
A diferença entre o candidato da Frente Popular à Prefeitura de Rio Branco, Jorge Viana, e o deputado José Bestene, do PDS, é de apenas 9%, segundo pesquisa realizada pelo Inaep – Instituto Acreano de Estudos e Pesquisas, no período de 5 a 10 deste mês. Os números apontam Jorge Viana na frente com 33% das intenções de votos; José Bestene, do PDS, em 2º com 24%; o deputado Mauri Sérgio, do PMDB, aparece em 3º com 16%; o economista Edvaldo Guedes, do PTB, é o último com apenas 3% de aceitação.
119
Perfazendo, portanto, um montante de U$ 33 milhões, cerca de R$ 56 milhões em valores atuais.
84
Os números coletados mostram ainda que 17% não sabem em quem votar; 4% anulariam o voto e 3º (sic) estariam dispostos a anular o voto
120. A pesquisa foi feita em 88 bairros de Rio Branco de norte a
sul, leste a oeste, obedecendo normas do TRE – Tribunal Regional Eleitoral. Não foi revelado o número de pessoas entrevistadas. A
pesquisa foi coordenada pelo professor José Mastrângelo. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.156, 20 set. 1992)
Idêntico fôlego tem a edição de 24 de setembro, com nova pesquisa
eleitoral realizada pelo prestigiado Instituto Brasileiro de Opiniões e
Estatísticas (Ibope). O título é sutilmente panfletário: Ibope confirma ascensão
de Bestene. O subtítulo disfarça: Mas Jorge continua liderando na pesquisa
espontânea e estimulada. No texto, explica-se que o candidato da FPA teria,
na pesquisa espontânea, 32% das intenções de voto, seguido de Bestene
com 23%, Mauri Sérgio com 13% e Edvaldo Guedes com 2%. A margem de
indecisos aumentara para 9% e 21% disseram que não sabiam em quem
votar.
A mesma edição trouxera outra pesquisa, sobre o desempenho de
Romildo Magalhães. Segundo o Ibope, o governador tinha 81% de aprovação
popular. A preocupação com a imagem do governador tinha razão estrutural.
Cinco dias depois a Câmara dos Deputados aprovaria, por 441 votos a favor,
38 contra, uma abstenção e 23 ausências, a abertura do processo de
impeachment do presidente Collor. O presidente é afastado temporariamente
do cargo.
A edição anterior ao dia do pleito traz uma dura crítica ao
comportamento dos eleitores considerados “pedintes, mendigos ou ainda,
‘pidões’”. Sob o título “Eleitores reforçam pedidos”, o texto culpa o povo pelas
suas próprias necessidades materiais (causadas pela própria instabilidade
política e financeira do país), e, de arrasto, pelos crimes de abuso do poder
econômico cometidos pelos candidatos a um cargo público. A inversão de
perspectiva, que evidencia a posição de classe do jornal, é exposta nos
seguintes termos:
120
Segundo o infográfico que ilustrava a capa desta edição, 4% dos votos seriam nulos e 3%, em branco.
85
Ano político pode não resolver de vez os problemas sociais do país, mas pelo menos ajuda bastante. Os eleitores pedintes, mendigos ou, ainda, “pidões”, aproveitam esta época para infernizar a vida de cada candidato. Tem eleitor que sai de uma campanha política com a casa construída. E não duvidem, todos os móveis adquiridos com os relevantes serviços prestados pelos candidatos. É a política de assistencialismo que ainda impera no Brasil provinciano. Os pedidos vão desde um vidro de remédio para uma simples dor de cabeça, a
um caríssimo vestido de noiva no valor de Cr$ 8 milhões. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.166, 02 out. 1992)
Logo abaixo, em outro texto intitulado Célia diz motivo do seu voto, a
deputada federal Célia Mendes, mulher de Narciso Mendes, dono do jornal,
tenta justificar sem sucesso o motivo de ter votado contra o impeachment,
apesar dos trabalhos conclusivos da CPI que funcionara desde maio. O votou
se deu porque ela “foi impedida de ver o relatório da CPI do PC Farias”,
afirma o texto.
Mas o esforço descomunal para manter o ritmo de reconquista do PDS
na política acreana encontrara um adversário formidável: o próprio
enfraquecimento institucional do arco de alianças que este integrava,
respondido à altura por manifestações explosivas nas principais cidades
brasileiras e transmitidas pela própria imprensa. A história era irônica:
também a 2 de outubro, enquanto Célia Mendes tentava justificar o voto
contrário ao clamor das ruas e O Rio Branco destilava ódio de classe contra
os pobres, o presidente Collor era substituído pelo vice, Itamar Franco,
também do PRN.
Sob esta conjuntura deram-se as eleições municipais daquele ano.
Abertas as urnas, confirmou-se o desejo de transformação do país: a vitória,
inédita na história do Acre para cargos do Executivo, era da FPA. O novo
prefeito de Rio Branco era o engenheiro florestal Jorge Ney Viana Macedo
Neves, do Partido dos Trabalhadores (PT), que obtivera 28.203 votos contra
26.033 de Mauri Sérgio - contrariando todas as pesquisas de intenção de
votos publicadas por O Rio Branco, o PMDB ficara em segundo lugar121
.
121
Ibidem. A votação dos demais candidatos foi a seguinte, em ordem decrescente: José Bestene
(PDS/PSC/PMN/PRN): 18.468 votos; Edivaldo Guedes (PTB): 3.597 votos. O percentual de votos em branco e
nulos pouco oscilara em relação ao último pleito, ficando, respectivamente, em 6,41% e 5,58%.
86
Finalmente, 1992 entrava para a história com uma quantidade inédita
de fatos simultaneamente graves na política acreana e nacional. Enquanto as
condições misteriosas do assassinato de Edmundo Pinto cairiam no
esquecimento exatamente como no assassinato de Chico Mendes, os vivos
tratavam de dar sequencia às questões em aberto. Em Brasília, a 29 de
dezembro, o presidente afastado Fernando Collor renunciaria minutos antes
de ser condenado pelo Senado por crime de responsabilidade. Seus direitos
políticos seriam suspensos por oito anos.122
No Acre, a tarefa imediata era construir novas alianças, buscar novos
nomes para tentar contornar a vitória da FPA. Urgia recompor as forças
conservadoras esfaceladas no terremoto collorido. Assim, a campanha
eleitoral de 1994, que elegeria o novo presidente da República,
governadores, senadores, deputados federais e estaduais, pedia uma
ofensiva bem mais poderosa – consciente disso, Narciso Mendes sairia de
novo candidato ao Senado e Célia Mendes disputaria uma vaga na Câmara
Federal.
O PDS fez uma drástica reforma interna. Identificada com o que havia
de mais atrasado, autoritário e corrupto na história do país, a sigla, sob o
comando do então prefeito de São Paulo, Paulo Salim Maluf, fundiu-se ao
Partido Democrata Cristão (PDC) e transformou-se no Partido Progressista
Renovador (PPR) a 4 de abril de 1993.
Ajustando-se aos movimentos nacionais de limpeza ética nas
instituições, resultantes do processo de impeachment, e aproveitando para
arrebanhar votos em Cruzeiro do Sul - segundo maior colégio eleitoral do
Estado –, o PPR lançaria o empresário e então prefeito daquele município,
Orleir Messias Cameli, candidato ao governo do Estado. O vice era o médico
Labib Murad, também do PPR.
Os outros candidatos eram: pela FPA, Sebastião Viana das Neves
(PT), irmão do prefeito eleito em 92, Jorge Viana; pelo PMDB o então
senador Flaviano Melo, que licenciou-se do cargo para a disputa; e pelo
122
Não era, porém, o fim da carreira política do “caçador de marajás” deposto. Inocentado por falta de provas,
Collor seria eleito, em 2006, senador da República pelo Estado de Alagoas.
87
Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), um desconhecido na
política: o pecuarista Duarte José do Couto Neto.
Por todas essas razões, a corrida eleitoral de 1994 começaria bem
mais cedo que as anteriores. O Rio Branco passara a publicar na capa um
quadro com as principais atividades dos quatro candidatos durante o dia.
Denominado Sucessão, o quadro trazia, no topo de cada edição, as ações de
Orleir Cameli seguidas das dos demais candidatos. Ainda em 30 de junho, a
mais de três meses do pleito, o jornal estampa o público-alvo da ofensiva: os
jovens. A imagem de duas moças sorridentes era acompanhada da legenda:
“Os jovens querem um candidato que tenha seriedade”. Intitulado “Jovens
querem um candidato ético”, o texto também de capa esclarecia que:
A juventude acreana ainda não sabe em quem vai votar no pleito de três de outubro, mas tem consciência do poder de seu voto e na necessidade de ética na política brasileira. Eles não sabem sequer a cor da cédula eleitoral, mas preferem pensar no momento, em analisar o plano de ação de cada candidato. Não criticam, mas também não favorecem a ninguém. A fidelidade na política é uma das
prioridades e sonho do salvador da pátria ficou para trás. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.628, 30 jun. 1994).
A rejeição à figura do “salvador da pátria”, personagem que Collor
encarnara com a promessa do “caçador de marajás”, desagradava o
eleitorado após o traumático processo de deposição presidencial. O Rio
Branco, que captara a mudança, investiria pesado na aparente seriedade e
compromisso do empresário de sucesso, responsável e gestor competente.
Ao mesmo tempo, na sua melhor tradição, investia pesado contra os
adversários. Com Narciso no páreo, a munição contra o candidato
peemedebista ao Senado, Aluízio Bezerra, seria farta e inclemente. Nesse
sentido a capa de 7 de agosto, comentando debate televisivo realizado no dia
anterior, traz matéria Aluízio é desmoralizado na TV, contendo os dizeres:
O senador Aluísio Bezerra, candidato à reeleição pelo PMDB, foi o grande prejudicado num debate que reuniu os sete candidatos ao Senado, realizado ontem, no estúdio da retransmissora local da TV Bandeirantes. Ele foi desmoralizado pelo ex-senador Jorge Kalume, um dos candidatos do PPR, que exibiu um documento cuja existência Aluísio Bezerra havia dito que não existia. No documento, o senador
88
pedia ao Governo Federal que bloqueasse verbas para a Prefeitura de Cruzeiro do Sul, quando Orleir Cameli era prefeito. O Senador Nabor Junior e o candidato Narciso Mendes foram os grandes
destaques do debate123
(O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.660, 07 ago. 1994).
A batalha acirra-se no próprio mês de agosto. A edição do dia 12 não
se contém na simples publicação do quadro “Sucessão” e publica matéria, de
capa, sobre boatos surgidos contra Orleir Cameli. Com a manchete Orleir
desmente as notícias tendenciosas, o jornal faz uma defesa em terceira
pessoa:
Mesmo longe da capital, Orleir Cameli indignou-se ao tomar conhecimento de boato divulgado ontem pela imprensa, atribuindo-lhe a intenção de transferir a capital do Acre para Cruzeiro do Sul. Orleir, que está sendo alvo de consideráveis manifestações de apoio organizadas pelas comunidades do interior, condena esse tipo de jornalismo e garante que, como homem sério e honrado, jamais autorizou quem quer que fosse a dizer semelhante mentira. O vice de Orleir, o médico Labib Murad, também ficou revoltado.
Ouvido pela reportagem de O Rio Branco classificou a notícia como
“tremendo disparate”. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.664, 12 ago. 1994).
Outro desmentido na mesma edição tinha como protagonista Célia
Mendes. Intitulava-se Sem fundamentos boatos sobre Célia:
Foi com surpresa e até com indignação que a deputada federal Célia Mendes, que se encontra visitando sofridas comunidades do interior do Juruá, recebeu a notícia dando conta de um suposto acordo político com Orleir Cameli, visando sua nomeação para a chefia do gabinete civil, a partir de janeiro de 95. Trata-se de um boato sem qualquer fundamento. Deve ser atribuído aos grupos políticos que vêem com inquietação o crescimento da candidatura de Célia à reeleição. A deputada confirmou, pelo telefone, que seu projeto político ainda exige novo mandato no Congresso, onde atua em defesa dos interesses do povo acreano. (idem).
Dois dias depois, novo desmentido sobre o mesmo assunto. No texto
Orleir tem apoio total de Akel Fares, o jornal estampa uma foto do sorridente
candidato com uma legenda ousada: Orleir é comparado a Vargas. A matéria
subseqüente não fica a dever:
123
Explica-se a aparente simpatia de Mendes pelo arqui-rival político: havia, naquele ano, duas vagas para o
Senado da República.
89
José Akel Fares, presidente regional do PTB, mostrou-se indignado com a veiculação de notícia tendenciosa segundo a qual Orleir Cameli iria transferir a capital do Acre para Cruzeiro do Sul, tão logo assumisse o governo. Fares comparou Orleir com Vargas, sublinhando que o episódio equivale a dizer que o fundador do PTB faria de Porto Alegre a capital do Brasil, ao assumir a Presidência da
República. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.666, 14 ago. 1994).
A mesma edição traz um convite do dono do jornal aos eleitores. O
título: Narciso pede em comício análise do passado.
A 18 de agosto uma fotografia imponente de Célia Mendes abre a
edição. Ao lado direito da imagem, com o título Carisma de Célia empolga,
um panfleto em linguagem jornalística, impresso em fundo cor-de-rosa,
informa:
A deputada Célia Mendes (PPR), candidata à reeleição, foi o grande destaque de uma reunião realizada ontem, no Instituto Santa Terezinha, em Cruzeiro do Sul, com estudantes e religiosos. Depois de relatar suas atividades no Congresso Nacional como integrante da CPI do Menor e do Adolescente, Célia Mendes disse que, ao conquistar seu segundo mandato de deputada federal, vai dedicar-se
ainda mais à causa dos adolescentes e das mulheres. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.669, 18 ago. 1994).
Como de costume, a linguagem de O Rio Branco vai se tornando cada
vez mais panfletária na medida em que se aproxima o dia das eleições.
Agosto voava, era necessário ao candidato do PPR mostrar força,
dinamismo, capacidade de arregimentar multidões. Experiente no mister, o
jornal põe a serviço de seu candidato toda a sua experiência. A 20 de agosto,
abordando o retorno de Cameli a Rio Branco após um rápido giro pelo interior
do Estado, o tom do servilismo se faz mais intenso. A manchete é “Capital
pára na volta de Orleir”, o subtítulo “Carreata mostra explosão de entusiasmo”
e o texto de capa, em tom emotivo, o seguinte:
Não há memória, em Rio Branco, de uma carreata tão impressionante. Milhares de pessoas acorreram ao aeroporto da capital, para promoverem uma festa gigantesca, bonita, extremamente significativa, como testemunho de inequívoco apoio a Orleir Cameli. O candidato da coligação PRP-PP, foi levado em ombros anônimos da multidão desde o saguão do aeroporto até o
90
caminhão que o transportou pelas ruas da cidade. Mais de 700 veículos – segundo dados da Polícia Rodoviária – participaram da
carreata. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.671, 20 ago. 1994).
Desaparecera o quadro “Sucessão” e quaisquer menções aos demais
candidatos. Daquele dia em diante a batalha de propaganda ganharia novos
contornos.
A partir de 24 de agosto, um banner plantado no rodapé informava
quantos dias faltavam para as eleições, acrescido dos seguintes dizeres em
maiúsculas: Para senador vote Narciso Mendes. Logo acima, ao lado de uma
imagem de Cameli, um texto negava a possibilidade de conflitos entre
governo e prefeitura de Rio Branco, caso Cameli fosse eleito. A matéria,
nominada Orleir garante parceria com PMRB, é lapidar:
O candidato a governador pela coligação PRP-PP, Orleir Cameli, empolgou os moradores do Bairro Nova Esperança, segunda-feira à noite, onde realizou um movimentado comício. Bastante aplaudido, Orleir garantiu aquela comunidade que, tão logo assuma o governo, chamará o prefeito de Rio Branco, Jorge Viana, para que Estado e município façam as obras de saneamento e pavimentação que o
bairro necessita com urgência. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.674, 24 ago. 1994).
A única referência da capa aos demais candidatos era um debate
anunciado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre (Sinteac)
para o mês de setembro.
Dois dias depois, com o título Manobra contra um candidato é ato de
desespero, matéria de capa sai em aberta defesa de Cameli, expondo,
novamente, a posição de classe ao abordar um movimento de ocupação
fundiária na zona urbana e o papel panfletário do jornal naquela campanha. O
texto:
A tentativa de invasão de um terreno na BR-364, próximo ao bairro Santa Inês, de propriedade da Empresa Marmud Cameli & Cia Ltda, está sendo usada como forma de desviar a discussão política da campanha eleitoral, com adversários de Orleir Cameli tentando responsabilizá-lo por um problema, no caso do déficit habitacional, que compete exclusivamente ao Estado resolver. Essa não é a primeira vez que setores ligados a um outro candidato a governador tentam criar fatos para embaraçar Orleir. Primeiro lançaram boatos sobre a demissão de funcionários, o que não pegou,
91
até porque é o vice de Flaviano Melo, o deputado Ilson Ribeiro, quem, na verdade foi responsável pela demissão de centenas de servidores da Assembléia Legislativa. Depois, boataram que havia uma proposta para mudar a capital do Acre; mas de tão ridícula, a manobra caiu no
vazio. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.676, 26 ago. 1994).
A mesma edição evidencia uma certa tensão entre antigas e novas
lideranças do PPR. Cameli denuncia abertamente a malversação de verbas
para a educação. O Rio Branco, fiel escudeiro, o segue. Romildo Magalhães
somara-se, agora, ao arco de adversários. O texto Orleir indignado com o
sucateamento da educação abre-se com a fala direta, em primeira pessoa, do
candidato cruzeirense:
“Para tirar o Acre da humilhante penúltima posição na classificação da qualidade do ensino no Brasil, basta aplicar os 25º (sic) do orçamento destinado por lei à educação. Não é necessária nenhuma fórmula mágica, é só aplicar o dinheiro disponível com honestidade e decência, o que não tem sido feito”. As declarações do candidato da coligação PRP-PP, Orleir Cameli, foram feitas em resposta à estudante Jorgeane Gomes, aluna do magistério do Instituto de Educação Lourenço Filho, durante debate que realizou com professores, funcionários e alunos. (idem).
Era a batalha eleitoral. Nenhum candidato ao governo, além de Orleir,
tinha garantia de aparecer na capa do jornal. O que começara como um
ensaio mal dissimulado de democracia informativa, abordando os estágios da
campanha de todos os candidatos no quadro “Sucessão”, transmutara-se na
velha tradição panfletária deste veículo. O percurso editorial demonstrava
claramente que a linguagem, a visceralidade, a combatividade do jornal
aumentavam na medida em que se aproximavam as eleições.
É nesse espírito que, a 27 de agosto, uma das manchetes de capa é
um superlativo ousado: “Comício gigantesco para Orleir esta noite em Plácido
de Castro”.124
Texto curto, postado abaixo, acrescenta que o presidente da
Câmara de Vereadores do município “garante a presença de mais de cinco
mil pessoas”. Ao lado, a sorridente fotografia de Orleir Cameli.
124
Localizada a 100 quilômetros de Rio Branco, a cidade de Plácido de Castro tinha em 2010, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17.203 habitantes.
92
A mesma edição trazia um ataque visceral ao adversário de Narciso, o
candidato Aluísio Bezerra. Com o título “Calote” em maiúsculas, escrito em
um fundo negro, uma alfinetada típica de campanha eleitoral:
O senador Aluísio Bezerra está sendo acusado de mais uma mutreta. Desta vez ele teria comprado, através de um testa de ferro uma emissora de rádio e, até agora, o antigo dono espera ver a cor do dinheiro. Três parcelas do contrato já estariam vencidas e nenhuma paga. O antigo dono ameaça entrar na justiça para reaver o patrimônio. Aluísio teria utilizado um fiador que já esta de cabelo em
pé temendo ter que arcar com o prejuízo. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.677, 27 ago. 1994)
Com o fim de agosto a campanha ganha ritmo intenso. O Rio Branco
acompanha, dá cores, redimensiona textos, fotos e títulos em busca de votos
para Orleir e Narciso. A edição de 30 de agosto é o exemplo mais claro desse
desempenho. Com o título Tiro pela culatra e o subtítulo Documentos de
Nabor atestam honestidade de Orleir, desfaz-se a furtiva aproximação com o
rival peemedebista. O texto, impresso em negrito, informa que:
O episódio protagonizado pelo senador do PMDB, Nabor Junior, acusando o empresário Orleir Cameli, candidato a governador pelo PPR, de sonegar impostos, teve um desfecho inesperado. Ocorreu que no debate entre os candidatos ao Senado, veiculado sábado pela TV União, e no horário eleitoral de domingo, Nabor exibiu um calhamaço de papel afirmando tratar-se de provas de sonegação pela empresa Marmud Cameli, pertencente à família de Orleir. Para desmentir o senador, Orleir não precisou mais do que fazer mostrar na TV o que estava escrito nos papéis de Nabor. As denúncias vazias do senador Nabor Junior contra Orleir Cameli, acabaram por trazer à tona mais um caso de tentativa de extorsão política do então ex-governador Flaviano Melo. Lamentando que documentos de uso do fisco estadual estejam sendo usados com fins políticos, o fiscal de renda Luiz Gonzaga deu entrevista ontem, em emissoras locais de TV, afirmando que os papéis usados pelo senador Nabor Junior, ao contrário de apresentar provas de sonegação de impostos, são na
verdade um atestado de indoneidade (sic) fiscal da empresa. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.679, 30 ago. 1994)
A mesma edição expunha o racha na base do PPR entre o grupo de
Magalhães e Cameli ao explicar que o governador liberara os assessores
para “apoiar os candidatos que acharem (sic) mais viável”. Com o título
Assessores do governador são liberados para votar, o texto afirma:
93
Secretários de Estado, diretores de empresas e ocupantes de cargos de confiança estiveram ontem reunidos no auditório da Secretaria de Ação Social atendendo determinação do governador Romildo Magalhães, que teve de viajar às pressas a Brasília, deixando sua esposa, Antônia Magalhães, e o secretário de Administração, José Simplício, como representantes. Segundo Simplício, o governador deixou todos livres para apoiar os candidatos que acharem mais viável. (idem).
Era nesse ritmo, de divórcio com o atual governo – cujos
representantes receberam críticas do próprio Cameli na propaganda eleitoral
–, em meio a uma ofensiva contra os candidatos do PMDB com um discurso
moralizador e de renovação da máquina pública, que a campanha se
desenvolveria até as eleições.
Diferente do pleito anterior, a estratégia planejada nos comitês de
campanha e executada pelo panfleto que se tornara O Rio Branco,
funcionaria parcialmente. Exceto para Narciso Mendes, que não seria eleito
apesar de obter 55.995 votos125
, o PPR daria ao seu candidato a mais alta
votação proporcional da história acreana: 79.331 votos. Não era, porém,
suficiente. A contabilidade das urnas mostraria que Flaviano Melo, candidato
pelo PMDB, obteria 46.280 votos e Tião Viana (FPA), 41.830. Haveria
segundo turno. A data, marcada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), foi 15
de novembro.
No plano nacional, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) vencia Luís
Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno, com 34.250.217 contra
17.112.255 votos, respectivamente.
Na campanha para o segundo turno acreano, Magalhães, envolvido
em várias denúncias de corrupção, enfrentaria uma votação pelo pedido de
impeachment na Aleac.126
O pedido foi apresentado pela presidente do
Sinteac, Naluh Gouveia, comandando um movimento organizado por vários
125
Os senadores eleitos foram Marina Silva (PT), com 64.436 votos, e Nabor Junior (PMDB), com 60.355.
Entrementes, Narciso e O Rio Branco conseguiu elegeram Célia Mendes (Auricélia Freitas de Assis) deputada
federal com 10.894 votos. 126
Apresentado formalmente a 27 de outubro, foi o primeiro pedido de impeachment de um governador da
história brasileira. Diferente do que ocorreu com Collor, o movimento não conseguiu todas as assinaturas
necessárias e teve que se contentar com manifestações nas ruas.
94
setores da sociedade acreana. Dois anos depois, Naluh seria eleita vereadora
pelo PT.
A vitória de FHC, ostentando um discurso de controle da inflação e
inserção do país na “modernização das instituições”, acrescida do desgaste
do governo estadual sob descontentamento crescente do funcionalismo
público, além da campanha costumeiramente explícita nas páginas de O Rio
Branco daria a Cameli uma vitória esmagadora: 91.997 votos contra 79.436
de Flaviano Melo. O PPR conseguira, enfim, manter-se no controle da
principal fonte financiadora de O Rio Branco.
Mas a missão não acabara. Restava reconquistar a prefeitura da
capital, perdida por Jorge Kalume, em 92, para uma FPA que se fortalecia a
cada pleito e que ameaçava, com algum esforço do prefeito Jorge Viana,
eleger o sucessor.
É nesse contexto que o PPR de Narciso e Cameli, seguindo uma
estratégia que funcionara no pleito anterior, seria renomeado em 1995:
surgiria o Partido Progressista Brasileiro (PPB), anexando, ainda, o Partido
Progressista (PP).
Apoiado pelo PFL, o candidato pepebista era um sobrinho do ex-
governador Romildo Magalhães, Carlos Aírton Magalhães Santana de Souza,
que se licenciara do cargo de deputado federal para concorrer ao pleito. Os
outros candidatos eram Mauri Sérgio (PMDB), Sérgio Petecão (PMN),
Damião Araújo (PSDB), Moisés Rocha (PTB), José Matos (PTdoB), além de -
resultado do primeiro “racha” na base de partidos da FPA - Marcos Afonso
pelo PT e Sergio Rocha Taboada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Novamente, O Rio Branco iniciaria cedo a campanha. Sem qualquer
alusão à agenda de qualquer um dos sete outros candidatos, a imagem de
Carlos Aírton como o mais capacitado para suceder Viana já aparecia em
agosto, na edição do dia 4, com o título “Carlos Aírton faz arrastão no Santa
Inês” e a seguinte apologia:
O candidato do PPB à Prefeitura de Rio Branco, Carlos Airton, abriu oficialmente sua campanha sexta-feira, durante um arrastão no bairro Santa Inês. Acompanhado de vários candidatos a vereador, Carlos Airton comprimentou (sic) moradores e garantiu que se eleito vai começar seu trabalho naquela comunidade. O candidato do PPB
95
disse ainda aos moradores que seu trabalho já é reconhecido e merece ser lembrado nas urnas, principalmente no que diz respeito a
infra-estrutura. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.250, 04 ago. 1996)
No mesmo espírito, a edição de 14 de agosto traz avaliação do
candidato sobre a própria campanha, novamente omitindo menções aos
demais. O texto, Carlos Aírton diz que campanha cresceu, só evidencia o
papel estratégico do veículo de Mendes durante as campanhas eleitorais:
O candidato da Coligação PPB-PFL à Prefeitura de Rio Branco, deputado federal Carlos Aírton, acredita que, em apenas uma semana de programa no rádio e na televisão sua candidatura conseguiu crescer muito, principalmente na periferia, onde está concentrada a população carente e que precisa de ajuda por parte do poder público. Segundo Carlos Aírton, os outros candidatos ainda não preocuparam-se em apresentar propostas capazes de resgatar a cidadania e de oferecer melhores condições de vida ao povo rio-branquense. O candidato do PPB diz ainda que não irá fazer uma administração para atender os interesses das elites, mas sim aos das classes menos
favorecidas. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.256, 14 ago. 1996)
A mesma edição traz ainda pistas preciosas sobre a noção pouco
nobre de O Rio Branco sobre a democracia representativa. Em texto intitulado
Candidatos querem voltar no próximo ano, o jornal demonstra estreita
adequação ao raciocínio, largamente vigente nas classes dominantes
brasileiras, de que uma campanha eleitoral não passa de um comércio, uma
troca de favores, entre pessoas de classes diferentes. Assumindo um tom
completamente passivo sobre o que na época já era considerado crime
eleitoral – a compra de votos – o diário interroga:
Quem deverá voltar para a Câmara de Vereadores da capital, após as eleições deste ano? É uma pergunta que muitas pessoas fazem, sem no entanto ter um diagnóstico de como vem se desenrolando a campanha eleitoral de 96. É uma eleição difícil, onde os atuais vereadores que tentam a reeleição trabalhando duro para não perderem suas vagas para os novatos que a cada dia invadem os seus redutos. Um dos grandes problemas dos atuais vereadores é falta de dinheiro. Mesmo alguns deles tendo grandes estruturas, não vêm conseguindo atender a todos os pedidos. (idem).
A edição de 28 de agosto traria nova e desalentadora pesquisa de
intenção de voto. Carlos Aírton, apesar do mandato de deputado federal e de
96
toda a “estrutura de campanha”, ficava em terceiro lugar, com apenas 4% dos
votos. Realizada pelo Ibope e publicada no Jornal Nacional, a pesquisa dava
37% para o candidato do PMDB, Mauri Sérgio, e 35% para Marcos Afonso,
do PT. Petecão (PMN) e Sérgio Taboada ficavam com 2% e 1%,
respectivamente.
A disposição do eleitorado era tema secundário naquela edição. O
assunto de capa, impresso em caracteres maiores e destacados, evidenciava
a continuidade das disputas intestinas no então PPB. O título, Secretaria de
Educação vira comitê, e o subtítulo, Projeto de Alércio Dias compromete
Educação no Acre, denunciavam os primeiros ensaios para a eleição de
Orleir Cameli, dois anos depois. A linguagem enumera, entre outras coisas,
tráfico de influência e uso da máquina pública para obtenção de vantagem
eleitoral e é particularmente relevante por tratar-se de consideração entre
aliados:
A Secretaria de Educação do Estado se transformou num verdadeiro “curral” eleitoral que pleiteia, de maneira clara, a sucessão de Orleir em 1998. Todas as ações realizadas por aquela secretaria têm como pano de fundo a hipotética candidatura de Alércio Dias ao governo nas próximas eleições. O compromisso com o ensino público foi deixado de lado em favor daquilo que favorece o projeto político do secretário, como troca de favores por voto e atendimento meramente político de candidatos. É fácil encontrar a maioria dos pretensos candidatos hoje, no prédio da Secretaria de Educação, que mais parece um comitê. A bateria de critérios adotada pelo próprio Alércio Dias dá preferência aos candidatos. A ordem é atender bem. Tudo dentro de um ritual reconhecimento político. Depois da calorosa recepção, os “compradores” de apoio recebem suas “ajudas”, cujas origens ninguém sabe, apesar de
comentários apontarem o destinatário. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.268, 28 ago. 1996)
O texto não deixa claro como o jornal verificou os detalhes que
denuncia – se, por exemplo, ouviu algum político ressentido ao ver negado o
seu pedido de propina.
A partir desta edição, com Carlos Aírton mal colocado nas pesquisas e
a ferida exposta no PPB, o costumeiro panfletarismo de O Rio Branco
começa a desaparecer. Ineditamente, até as eleições o tom jornalístico
97
incluiria matérias positivas sobre o governo Cameli, sobre crimes, atividades
culturais e até a divulgação sobre a agenda de outros demais candidatos.
Exemplo salutar desse comportamento é a capa de 29 de setembro, a
quatro dias do pleito decisivo, em não haveria segundo turno. Além da
costumeira elegia ao governador, no texto Orleir tem 43,3% de aceitação na
capital, aborda-se a campanha de Mauri (texto PMDB faz passeata amanhã)
e de Marcos Afonso (Micareta do 13 hoje). Eram os dois candidatos com as
melhores posições nas pesquisas. Além de omitir a campanha dos demais, o
matutino sequer mencionava Carlos Aírton.
A edição de 3 de outubro é a mais abatida de todos os tempos. O texto
principal é sobre um roubo supostamente cometido por um policial militar no
município de Plácido de Castro, a 100 quilômetros de Rio Branco. Evitava-se
o tema eleitoral. A única menção direta aos candidatos era o texto Oito
disputam a prefeitura de Rio Branco. Indiretamente, o mal-estar no PPB fez-
se demonstrar no texto Banacre desmente denúncia, onde se lia:
A Frente Popular entrou ontem com representação na Justiça Eleitoral para investigar a denúncia de abuso do poder econômico praticado pelo Governo do Estado. O prefeito Jorge Viana admitiu que a denúncia se apóia nas insinuações feitas pelo candidato pelo candidato do PPB a prefeito, Carlos Aírton, e na posição do Sindicato dos Bancários que acusam o Banacre de ter injetado R$ 1,2 milhão
para a campanha de Mauri Sérgio. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.296, 03 out. 1996).
O jornal não explica os motivos que teriam levado o candidato a
prefeito pelo PPB a denunciar a gestão do próprio tio, financiando – com
dinheiro público, uma vez que trata-se de banco estatal – a campanha do
principal adversário do seu próprio partido. Esta é questão em aberto e que
foge do atual esforço monográfico.
O clima pesado de corrupção não influenciaria o resultado do pleito.
Mauri Sérgio seria eleito o novo prefeito de Rio Branco, com 45.113 votos,
Em segundo ficara Marcos Afonso, com 41.503. Em terceiro lugar, com
apenas 5.500 votos, Carlos Aírton. O PMDB, portanto, sucedia Jorge Viana e
deixava O Rio Branco com uma única e crucial missão: vencer o pleito de
1998, colocando no governo do Estado um candidato da base de partidos
98
que compunham o governo Cameli e manter em dia o generoso repasse da
publicidade oficial do Estado.
Nesse espírito, Narciso lançaria Célia ao Senado e a si mesmo para a
Câmara Federal, invertendo com a esposa os cargos da infrutífera chapa
dobrada de 1994. Carlos Aírton, derrotado para a prefeitura da capital,
disputaria a reeleição e Alércio Dias, denunciado por usar o cargo de
secretário de Estado de Educação para negociar vantagens e apoios para a
sucessão de Cameli, seria, finalmente, o candidato a governador pelo PPB
numa coligação com o PFL.
Havia outros três candidatos em 1998: Duarte José do Couto, que
perdera concorrendo para o mesmo cargo e no mesmo partido – o Prona –
em 1994; Chicão Brígido, vice de Mauri Sérgio, que afastara-se para
concorrer ao governo pelo PMDB; e finalmente, Jorge Viana, pela FPA.
As eleições transcorreriam em meio a várias denúncias de corrupção
no governo Cameli, que por muito pouco não fizeram o governador perder o
mandato em um novo pedido de impeachment apresentado pela então
deputada estadual Naluh Gouveia. Repetindo o ato que promovera no final do
governo Magalhães, a parlamentar mobilizou os partidos de oposição e só
não conseguiu derrubar Cameli pela mesma razão que a imobilizou em 1993:
falta de assinaturas suficientes dos parlamentares para a inédita tarefa.
Atento ao ambiente efervescente, O Rio Branco travava as batalhas
que podia: passando ao largo das polêmicas, omitindo-se sobre questões
mais embaraçosas, participando quando a notícia parecia poderosa o
suficiente para influenciar eleitores, mudar estratégias concorrentes.
Muito era o que se disputava em 98: o PMDB, afundado numa crise de
credibilidade na gestão de Mauri Sérgio, tinha a desvantagem de apresentar
como candidato o vice do prefeito. Duarte José, desconhecido, não tinha
carisma nem estrutura de campanha, e, por fim, Jorge Viana tinha cada vez
mais aceitação popular na medida em que se acentuavam as denúncias
contra o governo Cameli – do qual Narciso, Célia e o candidato do PPB,
Alércio Dias, faziam parte.
99
Para o Senado da República Célia batia-se com Flaviano Melo, o velho
rival do PPB, e com um novato: o médico Tião Viana, irmão de Jorge Viana,
pelo PT. Naquele ano, porém, o trio disputaria apenas uma vaga.
Havia, sim, que arreganhar as fauces e partir para a briga. E assim fez
o jornal, com toda a vasta experiência que obtivera desde as eleições de 82.
A 16 de setembro, com o título “Célia Mendes quer continuar defendendo os
direitos dos trabalhadores”, o casal de empresários anunciava uma
perspectiva interessante em relação à classe que explorava:
A candidata ao Senado pela Frente Liberal Progressista (PPB/PFL), deputada federal Célia Mendes, afirma que deseja continuar seu trabalho, em Brasília, na defesa dos interesses dos trabalhadores brasileiros e, em particular, dos acreanos. “Por isso preciso do apoio e de mais um voto de confiança da população do meu Estado para continuar realizando o trabalho que iniciei há quase oito anos”, afirma. Na verdade, Célia Mendes tem sido, nos dois mandatos, como deputada federal, uma defensora intransigente dos interesses dos trabalhadores. Com independência parlamentar necessária, que sempre foi a marca de sua representatividade, ela votou contra o
governo em diversas ocasiões. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.863, 16 set. 1998)
A tentativa de aproximação com “os trabalhadores”, terminologia que
naquele momento cabia mais na campanha do Partido dos Trabalhadores,
tem uma explicação mais simples em outra matéria da mesma edição. O
texto, Professores fazem protesto na prefeitura, diz o seguinte:
Cento e cinqüenta professores estiveram ontem, por mais de três horas, em frente à Prefeitura Municipal de Rio Branco, realizando uma manifestação para sensibilizar o prefeito Mauri Sérgio e fazê-lo implantar, em Rio Branco, o Plano de Carreiras, Cargos e Salários – PCCS. Foi entregue, no gabinete do prefeito, um abaixo-assinado contendo cerca de 3 mil assinaturas de pais de alunos. Atualmente existem cerca de 900 professores esperando pela implantação do PCCS. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Acre – Sinteac, Cláudio Ezequiel, estabeleceu um prazo até o dia 30 para o prefeito se decidir. Caso o problema não seja solucionado haverá uma nova reunião da categoria e consequentemente novos rumos para os protestos. (idem).
A tibieza do prefeito Mauri Sérgio, em ano eleitoral, ajuda a explicar a
tentativa de “vender” Célia Mendes como uma candidata próxima da classe
trabalhadora. A estratégia, na verdade, era entrar no vácuo do PMDB e
100
capitalizar eleitoralmente a insatisfação dos servidores públicos do município
com o maior colégio eleitoral do Acre: Rio Branco.
Mas não é a ofensiva do casal Mendes sobre os movimentos sociais a
principal revelação do dia. A capa trazia o primeiro de uma série de editoriais
intitulados Flávio Nogueira127
, organizados por algarismos romanos. Aquela
edição trazia o número I. Tratava-se de ataque frontal contra Flaviano Melo,
que, apesar de ser o principal adversário de Célia, sofria apenas com o
elevado senso de dever moral daquele diário, na opinião do próprio:
Disparadamente, o maior crime administrativo da nossa história política, a conta fantasma Flávio Nogueira, será assunto de uma série de matérias e de reportagens que este jornal passará a publicar. Não se trata de fazer oposição ao senador Flaviano Melo e por atravessarmos uma campanha política onde ele busca sua reeleição. Voltaremos a este assunto pela importância que ele merece e para que, desavisadamente, ninguém se engane na hora de escolher o futuro senador do Acre. De princípio, este jornal arca com todas as responsabilidades pelas matérias que publicará, avisando, de antemão, que o que for escrito será extraído do inquérito feito pela Polícia Federal. Como chegou a dizer que processará quem falar neste assunto, o senador Flaviano Melo já pode ir convocando os seus advogados pois, pelo menos, uns dez artigos serão publicados sobre a Flávio Nogueira. Ao tomar esta iniciativa de voltar a debater este assunto, aparentemente esquecido, este jornal, antes de assumir uma posição política, cumpre o sagrado dever de informar aos seus leitores as desastrosas consequências produzidas pela conta fantasma Flávio Nogueira. No campo ético e moral o prejuízo foi irreparável, pois a Flávio Nogueira se constituiu numa verdadeira escola de desvios de recursos públicos, onde até hoje são visíveis ações nelas aprendidas. Do ponto de vista do equilíbrio financeiro do tesouro acreano, basta que se diga que a falência do Banacre está, intimamente, ligada à Flávio Nogueira, posto que ela permitiu que os recursos do Governo do Acre saíssem do Banacre para nela serem depositados, fazendo com que o Banacre perdesse o cliente que sozinho representava 70% dos seus depósitos. (ibid.)
A 24 de setembro, faltando 10 dias para o embate que decidiria o
sucessor de Cameli, a matéria Candidatura de Célia continua crescendo
expõe as atividades da candidata pelo interior do Estado, apesar de não
mostrar uma só evidência do suposto crescimento:
127
Trata-se de um dos principais escândalos políticos e financeiros da história do Acre, ocorrido entre 1987 a
1990, quando Flaviano Melo era governador do Estado. Cf. ROCHA, Leonel. Com a mão na cumbuca: juiz
acusa prefeito de Rio Branco por desvio de verba. Isto É Brasil, Rio de Janeiro, n. 1.664, p. 23-5, 22 ago. 2001.
101
A candidatura da deputada federal Célia Mendes, da Frente Liberal Progressista (PPB/PFL) ao Senado da República, continua crescendo em todo o interior do Estado. Ontem, ela esteve no município de Manoel Urbano onde foi ovacionada pela população local. Hoje, Célia Mendes realiza comício e arrastão no município de Sena Madureira. Desde que iniciou sua campanha ao Senado da República, Célia Mendes tem realizado visitas por todo o interior do Estado. Nestas visitas, ela procura ouvir sempre os problemas da população e suas necessidades. Como parlamentar acreana em Brasília há quase oito anos, Célia Mendes tem trabalhado, e muito, em prol das populações
mais esquecidas do Estado. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.870, 24 set. 1998)
Na mesma data o editorial Flávio Nogueira - VIII acrescentava o
seguinte:
Só quem teve acesso ao inquérito policial nº 57.02/91-SR/DPF/AC elaborado pela Polícia Federal e assinado pelo delegado Ildor Reni Graebner pôde ter noção do que foi, verdadeiramente, a conta fantasma Flávio Nogueira. Pelo número de pessoas envolvidas, ficou evidenciado (sic) a formação de quadrilha e pelo volume de recursos roubados é inadmissível que ele se tenha dado às custas do tesouro de um Estado pobre como o Acre. Na folha nº 8 do referido inquérito, com absoluta exatidão, está expresso o volume de recursos que foram desviados como também o total de recursos literalmente roubados. Em moeda da época, atualizado até o dia 26/05/92 foram desviados Cr$ 2.493.739.551.601 (Dois trilhões, quatrocentos e noventa e três bilhões, setecentos e trinta e nova milhões, quinhentos e cinquenta e um mil e seiscentos e um cruzeiro) e de fato roubados Cr$ 2.888.669.213,00 (Dois bilhões, oitocentos e oitenta e oito milhões, seiscentos e sessenta e nove mil e duzentos e treze cruzeiros). Ao publicar esta matéria, como de praxe, dispomos para quem interessar, todo o inquérito feito pela Polícia Federal, condição sem a qual não assumiríamos a responsabilidade pela sua publicação e é por esta razão que também não tememos ameaças de qualquer processo que possa ser movido pelo Senador Flaviano Melo. No nível adequado para o caso, iremos continuar publicando matérias a respeito da conta Flávio Nogueira, sem nenhuma preocupação com ameaças e tampouco que isto seja baixaria, até porque não o é. Covardia seria omitir do povo acreano o conhecimento que temos a respeito desse crime. Que nos desculpe o Senador Flaviano Melo. Não fosse o seu governo a conta fantasma Flávio Nogueira não existiria. (idem).
A edição do dia seguinte evidenciava, na Flávio Nogueira - IX, certa
irritação com estratégico silêncio do candidato sobre as acusações:
Calado ou com evasivas o Senador Flaviano Melo não diminuirá sua responsabilidade com o escândalo da conta fantasma Flávio Nogueira. Nascida e operada nos porões do Palácio Rio Branco, quando ele foi governador do nosso Estado, a Flávio Nogueira não
102
pode cair no esquecimento nem tampouco deixar de ser assunto obrigatório do atual momento político. Apelar para um possível acordo de cavalheiros para retirar da pauta a conta Flávio Nogueira é algo impossível. Ninguém pode fazer acordo que beneficie quem teve participação direta e ativa com um escândalo de tamanhas proporções. Melhor seria para o senador Flaviano Melo que ele assumisse a responsabilidade que lhe cabe nesse caso e viesse a público apresentar suas justificativas pois do contrário, ele será o mais prejudicado por estas publicações. Aliás, este é um dos nossos objetivos. O silêncio não lhe favorecerá em nada. Já provamos que a conta Flávio Nogueira foi o maior escândalo de nossa História e que foi o núcleo central do Governo Flaviano Melo quem o operava. Já mostramos que era o próprio secretário da Fazenda do Governo Flaviano Melo quem, de próprio punho, assinava pelo fantasma Flávio Nogueira. O que dissemos até agora foi tirado de um inquérito administrativo feito pelo Banco do Brasil e outro policial, feito pela Polícia Federal. Ficar calado e continuar candidato será a pior opção que fará o Senador Flaviano Melo. Não adianta o silêncio, pois o povo não vota
em candidato suspeito. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.871, 25 set. 1998)
Na mesma data, finalmente, o diário acordava para a importância de
apoiar a candidatura de Alércio Dias. O texto Passeata do 25 confirma virada
de Alércio Dias se pretendia profético: o evento estava marcado para aquela
noite de 25 de setembro. O esforço para empolgar o “grande público” é tão
grande que a pequena matéria de capa, com apenas dois parágrafos, usa
uma declaração entre aspas sem apontar o autor:
Acontece, logo mais a partir das 19 horas, a grande passeata pela Frente Liberal Progressista, Alércio Dias. Segundo os organizadores do evento, será a grande passeata da virada de Alércio Dias rumo ao Palácio Rio Branco. “A grande passeata vai demonstrar o fortalecimento da candidatura de Alércio Dias e comprovar que ele já está no segundo turno para buscar a vitória final no dia 25 de outubro”. A grande concentração acontece no Estádio José de Melo e a passeata vai subir a Avenida Ceará até a Ufac, desce a Getúlio Vargas até a Epaminondas Jácome, sobe a Marechal Deodoro até a Quintino Bocaiúva e acaba em frente ao Terminal Urbano. (idem).
Outro frêmito de entusiasmo que já surgira em eleições anteriores e
praticamente era bordão do jornal abre a matéria ao lado, impressa em fundo
cor de rosa: Célia Mendes encanta eleitor em Acrelândia. O bordão: O
município de Acrelândia assistiu ontem, à noite, na praça central da cidade, a
103
uma das maiores manifestações populares de sua história. Era o último
comício da campanha pepebista em 1998.
A 26 de setembro o jornal encerra, com Flavio Nogueira - X, a série de
editoriais contra Melo. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) dera ao ex-
governador e então senador na disputa pela reeleição um Direito de
Resposta, publicado no canto inferior direito. Redigida em primeira pessoa e
assinada pelo candidato, a mensagem não confirmava nem negava as
denúncias. O que pretendia, e fez, foi tentar firmar a imagem de Flaviano
como profundo conhecedor das severas dificuldades vividas pelos acreanos
mais pobres. Tratava-se, pois, de peça de propaganda eleitoral – no jornal do
mais ferrenho adversário:
O Tribunal Regional Eleitoral me concedeu direito de resposta em virtude das agressões que constantemente o jornal “O Rio Branco” tem feito à minha pessoa, com objetivos notoriamente eleitoreiros. O direito de resposta foi concedido em função de que as acusações feitas em matérias publicadas em diversas edições do referido jornal, foram consideradas afirmações inverídicas, ofensivas à minha honra e dignidade. O jornal foi condenado por infrações cometidas contra a legislação Eleitoral. Desta forma, confirmou-se serem mentirosos os devaneios, frutos da imaginação deste tendencioso matutino. De minha parte, sempre preferi continuar o meu trabalho, em busca de ajuda para o nosso Estado e nossa gente, principalmente carreando recursos para que as prefeituras e o governo do Estado possam realizar obras que beneficiam a população. Entre estes benefícios, está a pavimentação das 364 e 317, cujos resultados já se fazem sentir. Na BR-317, o asfalto até Brasiléia já é uma realidade e a pavimentação do trecho até Assis Brasil foi incluído no programa Brasil em Ação II, do Governo Federal, conforme compromisso assumido pelo presidente Fernando Henrique e reafirmado por meu amigo e companheiro de partido, ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, recentemente, quando esteve no Acre. Na BR-364, o asfaltamento até Sena Madureira já está quase pronto e as obras avançam no trecho Tarauacá-Cruzeiro do Sul. Há pouco tempo, inclusive, percorri aquela estrada, até o projeto Santa Luzia, onde parceleiros do Incra já estão com o asfalto na porta, podendo levar sua produção para vender na cidade. É o progresso chegando naquela região, assim como em outros locais onde o asfalto está chegando. É isso o que eu quero para o meu Estado. É por isso que eu trabalho. Não importa se o prefeito ou governador é ou não do meu partido. O importante é ver a obra, o benefício, a prosperidade chegando para nossa gente. É como devem agir todos aqueles que realmente se preocupam com o Acre. É como sempre vou continuar agindo, inclusive em respeito aos leitores, em memória do meu pai, Raimundo Melo, e em honra da minha mãe, Laudi – infelizmente a pessoa que mais tem sofrido com toda essa situação.
104
Por tais motivos e por nada existir em qualquer tribunal contra minha
pessoa, considero o assunto encerrado. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.872, 26 set. 1998).
Na mesma capa, a Flávio Nogueira - X adotava tom ressentido para
anunciar o fim do “debate”:
Ao longo das 10 últimas edições deste jornal, trouxemos a público detalhes do que foi e quanto prejuízo causou a conta fantasma Flávio Nogueira. Democraticamente e sem que seja preciso a nenhum dos acusados recorrer à Justiça por ter direito de resposta. Este jornal dá de pronto franquia os mesmos espaços para as respectivas explicações. A quem interessar. Em tempo: tudo que publicamos foram informações trazidas de dois inquéritos, um deles da Polícia Federal, o que nos permitirá transcrevê-lo na íntegra se isto for necessário. Crime praticado contra Instituição Bancária é crime com fartas provas. Que se defenda quem se sentir atingido. (idem).
Era o menor editorial da série. Abaixo dele, porém, uma Nota da
redação assinada por A diretoria, rebate o Direito de resposta judicial e tenta
remendar o que fora dito:
O senador Flaviano Melo, em “direito de resposta” publicado ao lado, não respondeu ao objeto da denúncia feita por este jornal que é a conta Flávio Nogueira. O senador se escondeu atrás de adjetivos de seu pseudo trabalho em Brasília. Flaviano Melo deveria sim, como sugeriu este jornal, responder as denúncias sobre seu envolvimento no monstruoso esquema da conta Flávio Nogueira e, se possível, tentar provar para a população que nada teve a ver como (sic) o roubo feito pelo esquema Flávio Nogueira. Ao contrário do que citou em seu “direito de resposta”, o senador Flaviano Melo foi quem liderou o pedido de embargo das obras das BRs, pois era oposicionista ao atual governo, fato mais que notório à toda população do Acre. hoje, ilicitamente, afirma ser carreador de recursos para a conclusão das obras, quando, na realidade, todos os recursos foram trazidos pela bancada do Estado e não apenas por Flaviano Melo. Este jornal mantém seu desafio ao senador Flaviano Melo de que ele prove não ter envolvimento com o roubo da conta Flavio Nogueira. Ao senador vai um recado: não se esconda mais atrás de seu fictício trabalho em Brasília e seu “poder” de trazer verbas para o Estado. O povo não é besta. (ibid.)
Entre protestos, desafios, manifestos e gritos de ordem acabava
abrupta e dramaticamente, a oito dias das eleições, o fogo da principal arma
de O Rio Branco. A energia seria concentrada na campanha de Alércio, que,
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avisada pelas pesquisas de intenções de voto da liderança de Jorge Viana,
passou a afirmar declaradamente que pretendia levar a disputa ao segundo
turno. É o que se subentende do texto Passeata do 25 reúne 15 mil no centro
da cidade, dando conta de um novo evento eleitoral em Rio Branco. Além de
Alércio Dias participaram Narciso e Célia Mendes, que “esbanjaram simpatia
sem qualquer preconceito ou indiferença contra a população”, além de
candidatos à Câmara Federal e à Aleac.
Duas matérias, opostas em conteúdo e unidas elo contexto eleitoral,
chamam a atenção na edição de 27 de setembro: Esquerda faz campanha
mais ‘rica’ desta eleição e Manifestação em Sena mostra vitória de Célia e
confirma segundo turno. Era a tática beligerante de expor o inimigo e valorizar
os aliados. Sobre a primeira, o jornal garantia o seguinte:
A esquerda, de um modo geral, e o Partido dos Trabalhadores, em particular, fazem a campanha política mais “rica” destas eleições, pelo menos no tocante a recursos financeiros de campanha. Este ano, alguns partidos de esquerda, sobretudo o PT, não podem reclamar sequer das antigas campanhas que eles mesmos definiam como “pé no chão”. Ao contrário, partidos tradicionais têm dificuldade até para
chegar à reta final da campanha eleitoral. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.873, 27 set. 1998)
Na segunda notícia, até a apresentação estética da notícia é diferente.
Com títulos maiores, em espaço destacado da capa, acompanhando uma
generosa fotografia com Célia em primeiro plano acenando para a multidão e
uma legenda com os dizeres Esbanjando felicidade, Célia Mendes saúde e
agradece à multidão pelo apoio à sua candidatura, o jornal afirma:
No aniversário de Sena Madureira, que completou 94 anos de fundação no último dia 25, quem acabou ganhando presente foram os candidatos da Coligação PPB/PFL, Alércio Dias (Governo) e Célia Mendes (Senado). O presente partiu da própria população, que compareceu em massa ao comício convocado pela Coligação: “O maior presente que um político pode receber é isso aqui, uma praça cheia de gente, para ouvir nossas propostas e para dizer, de público, que está com a gente, é um grande presente. Não há nada igual”, agradeceu Célia Mendes, emocionada. A organização do comício e a Polícia Militar não souberam avaliar o número de pessoas presentes. “Eu não vou arriscar a dizer quantas pessoas estão aqui, mas posso dizer que esta é uma das maiores manifestações políticas da história de Sena Madureira”, disse o deputado estadual e candidato à reeleição, José Vieira, do PFL.
106
“Eu nunca vi nada igual, mas há dois dias que chega gente na cidade, vindo dos seringais e dos altos rios da região, para este comício. Isso me diz que tem segundo turno”, acrescentou o deputado. (idem).
Outubro, reta final de campanha, chegava com uma novidade. Na
edição do dia 1º, um quadro com a fotografia de Célia contendo a frase
Porque (sic) Célia Mendes enumerava as principais ações do mandato da
então deputada federal licenciada. Postado na parte superior esquerda de
cada edição, o quadro permaneceria até o dia 4, embora o prazo para a
propaganda eleitoral tivesse acabado, naquele ano, no próprio dia 1º.
Acompanhada sempre da mesma fotografia, a exposição tentava pescar os
últimos indecisos.
A edição de 1º de outubro também mostrava novo ataque ao candidato
petista, que liderava as pesquisas de intenção de voto. O objetivo era expô-lo
como cruel e insensível. Para isso, uma tragédia que ocorrera no mesmo dia
de um comício em Feijó, a 344 quilômetros de Rio Branco, veio a calhar. O
texto, Tragédia em Feijó mostra frieza de Jorge Viana e do PT, tem os
seguintes dizeres:
Uma tragédia na terça-feira, à noite, com um menino morto e mais seis pessoas com queimaduras de terceiro grau revoltou a população de Feijó e, mais que qualquer outro fato político da campanha eleitoral que está se encerrando, expôs o caráter dos principais candidatos que disputam essas eleições. Enquanto os candidatos Célia Mendes e Alércio Dias, da coligação PPB/PFL, encerravam seu comício para socorrer as vítimas de um incêndio, o candidato do PT, Jorge Viana, também presente na cidade, continuou seu comício impassível e alheio ao sofrimento da família queimada, negando qualquer ajuda sob a alegação de que não faz “assistencialismo barato”. A frieza do PT e de seu candidato ao Governo diante da tragédia revoltou a
população de Feijó. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.876, 01 out. 1998).
A 3 de outubro, véspera do pleito, mantinha-se o quadro com a foto da
sorridente candidata a senadora. Era, porém, momento propício para uma
ofensiva direta aos adversários. Assim, nada menos que Narciso Mendes
concede uma entrevista ao seu próprio jornal, em página nobre. A chamada
de capa intitulava-se Narciso afirma: “A política acreana está cheia de chupa-
cabras no poder”. Pretendia, e era, declaração bombástica no contexto de
crise do governo Orleir e da prefeitura de Mauri Sérgio. O objetivo não
107
declarado, mal-disfarçado, era valorizar o passado do empresário e político
numa tentativa de obter votos, agora, para si mesmo. O texto, que margeia
uma foto de Mendes com uma legenda anunciando Narciso Mendes,
polêmico e atuante, disputa vaga para a Câmara Federal pelo PPB, assevera:
Fosse este o objetivo desta entrevista, seria fácil preencher boa parte dela só com os adjetivos atribuídos a Narciso Mendes de Assis, político e empresário que há 25 anos vive no Acre e se tornou um dos nomes mais conhecidos do Estado. Dele, gosta-se ou não – mas não se pode ignorá-lo. E ele próprio se encarrega de fazer com que isso não aconteça porque não é difícil nem raro encontrá-lo numa roda falando, em alto e bom som, o que muitas pessoas gostariam de manter escondido. Narciso Mendes é assim: sem papas na língua. E, com seu estilo atrevido, sem dúvida alguma, entrou para a história política do Acre
desde que, em 82, elegeu-se deputado estadual pelo extinto PDS. (O
RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.878, 03 out. 1998)
Não é, porém, o texto mais claro do papel estratégico do jornal da
véspera eleitoral. A capa, que não cita um só candidato de outra coligação,
traz o texto Júnior encerra campanha em Plácido de Castro. Nele há uma
tentativa singela de ajudar um candidato a deputado estadual correligionário
dos Mendes. Mas a matéria se destaca pelo salamaleque desmesurado a um
dos caciques do PDS – Jorge Kalume, o mesmo que, em sua primeira edição,
em 1969, o jornal apelidara de “velho capitão”.
O candidato a deputado estadual Luís Pereira Júnior encerrou sua campanha eleitoral pelo município de Plácido de Castro, na última quinta-feira à noite. Na oportunidade foi realizado um comício com a presença de vários candidatos a deputado federal pela coligação Frente Liberal Progressista, entre eles, o empresário Narciso Mendes e o ex-tudo Jorge Kalume. (idem).
O desejo de ver eleito o candidato pepebista ultrapassa os limites
amplos da política e resvala para a especulação sobrenatural. A busca pelos
votos dos últimos indecisos ganharia ares esotéricos com a matéria Alércio
vence no segundo turno, diz mãe-de-santo. Um sério e formal texto de capa
acrescenta:
A mãe-de-santo, Norma de Amorim Pinto, através de suas previsões, revelou ontem que Alércio Dias – da coligação PPB-PFL – será o
108
novo governador do Acre. Segundo ela, vai haver muito choro e decepção para os cabos eleitorais dos irmãos Jorge e Tião Viana, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT). Norma disse ainda que Alércio fará um bom governo e que com o tempo conseguirá ganhar a simpatia dos seus adversários. “No início ele também enfrentará algumas dificuldades com o seu secretariado, mas tudo isso será resolvido com rapidez e eficácia”, frisou. A mãe-de-santo informou ainda que o segundo turno já é realidade no Acre e que apesar do esquema eleitoral montado pelos adversários de Alércio, ele será o vencedor. (ibid.).
As urnas não endossariam as projeções da religiosa. O novo
governador seria Jorge Viana, eleito no primeiro turno com margem recorde
de votos: 112.889, 57,7% do total. Alércio Dias, apesar da propaganda aberta
até o dia das eleições, conseguira menos da metade: 51.453 votos (26,3%).
Em terceiro lugar, evidenciando a insatisfação popular com a administração
de Mauri Sérgio, Chicão Brígido obtivera 28.767 votos (14,7%).128
A vaga para o Senado também seria da FPA: Tião Viana (PT), com
103.559 votos, quase alcançara a marca do irmão. Célia Mendes conseguiria
35.233 votos, a pior classificação de todos os candidatos a esse cargo.
Narciso Mendes também não seria eleito: com 2.713 votos, ficaria na
suplência de João Tota (PPB), que alcançara 5.477 votos.
Consumara-se, ruidosamente, a derrota do projeto político cuja fração
de classe o casal Mendes e seu complexo de comunicação integravam.
Cabia analisar a conjuntura desfavorável, localizar erros, eliminar exageros.
Caprichosa, porém, a história exigiria mais.
No próximo embate eleitoral, em 2000, diante de uma FPA que
buscava consolidar a hegemonia política reconquistando a prefeitura da
capital acreana, tabus teriam que ser rompidos. O PPB e o PMDB
rapidamente adaptaram-se ao novo contexto, lançando-se inédita coligação:
o Movimento Democrático Acreano (MDA)129
para enfrentar a FPA.
A disputa pelo comando do Palácio Rio Branco e prefeitura de Rio
Branco, além de buscar segurança financeira para os jornais, garantiria que
rostos amigos se perpetuassem no poder. Por isso o preço a pagar, a aliança
128
Duarte José do Couto Neto (Prona) obtivera 2.536 votos (1,3%). 129
Criada como estratégia específica para as eleições de 2000, a coligação MDA era composta por PPB, PMDB
e PFL.
109
entre velhos inimigos de jornada, era considerado pequeno diante da FPA e
sua orientação política exótica.
3.1.2. A Gazeta: o PMDB vai à luta
Segundo jornal diário a funcionar no Estado, Gazeta do Acre começa a
circular nove anos depois de O Rio Branco. Era também de apoio entusiástico
ao regime militar, não se limitando apenas a omitir-se sobre o estado de
exceção. A edição número 1, em 31 de março de 1978, é o exemplo mais
claro desse comportamento. A principal matéria, impressa em caracteres
espaçosos na capa, era um recado bem dado: A Revolução garante: o povo
não está só. Pouco abaixo, em editorial intitulado Nosso compromisso, os
leitores eram informados que:
A Imprensa acreana, a partir de hoje, ganha mais um aliado com o surgimento de um novo jornal. Jornal que se propõe a assumir, adotar e ser fiel a uma linha criteriosa, autêntica e veraz no executar o fato, no analisar o acontecimento e no aplaudir ou criticar responsavelmente a conduta dos homens públicos quando investidos do ônus da gerência ou da execução dos negócios atinentes à coletividade e mesmo daqueles que no pleno exercício de uma
cidadania deveres têm com sua cidade, com seu Estado. (GAZETA
DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 1, 31 mar. 1978).
E poucas linhas depois, que:
Nossa voz se alteará acima das copas solenes e seculares da selva densa e inculta, na reafirmação da unidade nacional e do compromisso de arrancarmos juntos rasgando caminhos e abrindo estradas que nos conduzam ao desenvolvimento integral, meta de nossos precedentes e aspiração maior de nossa gente. (idem).
Segundo Silvio Martinello, o responsável pela estréia do jornal foi um
grupo empresarial rondoniense, responsável em Porto Velho pelo diário O
Guaporé. Os empreendedores, lembra, encontraram dificuldades:
Lá em Porto Velho o dono tinha O Guaporé e aqui tinha a Gazeta do Acre. E nós, a equipe do Varadouro, que ainda nós fazíamos Varadouro, fomos convidados para trabalhar na Gazeta do Acre. E nós começamos a trabalhar. Era uma linha muito livre de governo, de amarras do governo, coisa e tal. E na época também havia... são
110
coisas do Acre, né... havia o monopólio do comércio da carne, da venda da carne. E era um problema isso para a população, porque tinha que formar filas para comprar carne, o dono do monopólio aumentava o preço como ele queria, não tinha controle e A Gazeta entrou um pouco firme na denúncia desse monopólio. O dono desse monopólio, que se chamava Wilson Barbosa, e que está vivo ainda hoje, pegou um avião, nem esperou pelo Boeing, pegou um teco-teco e foi a Porto Velho onde comprou no cash o jornal. Inteiro. (MARTINELLO, 2009).
A aquisição de Gazeta do Acre, pouco mais de um ano depois da
estréia, pelo empresário cujo monopólio do comércio de carne combatera
duramente, não alterou significativamente a linha editorial pró-governista. Nas
eleições de 1982, por decisão do novo proprietário, o diretor Elson Martins da
Silveira e o editor-chefe, Silvio Martinello, foram temporariamente afastados.
A idéia era impedir que as convicções políticas da dupla – que ficaram claras
durante as atividades de Varadouro, cuja última edição circulara em
dezembro do ano anterior – interferissem numa aguardada vitória de Jorge
Kalume (PDS) na disputa pelo governo do Estado. O próprio MARTINELLO
lembra:
Em 1982 veio a redemocratização com a eleição do primeiro governador, que foi o Nabor. E o jornal, naturalmente, pois era um movimento de todo o país, tomou partido porque naquela época era o MDB, PMDB, como quiser, mas a gente achava importante a eleição dos governadores de oposição. Só que aí o dono do jornal nos afastou. Afastou a mim e o Elson, 45 dias antes da eleição, e chamou o Zé Leite para editar o jornal. Por que? Porque os dois candidatos eram o Nabor e o Kalume e dono do jornal era muito ligado ao Kalume e o Zé Leite também era ligado ao Kalume. (idem).
A derrota de Kalume serviria para iniciar uma série de transformações
que marcariam para sempre a história de Gazeta do Acre. Barbosa readmitiu
Martinello e Martins, que então escreviam para os semanários O Repiquete e
Folha do Acre. A sorte seria ainda mais generosa: em 1985 - ano de eleições
- Martinello herdaria, numa transação misteriosa, toda a estrutura de Gazeta
do Acre, exceto o prédio onde funcionava a redação. Ao lembrar os atos do
generoso mecenas, Silvio Martinello conta que:
Depois de um tempo o Wilson Barbosa chamou a gente de volta. E nós saímos da Folha do Acre por interferências muito políticas, pois o Mario Maia era ligado ao Nabor e nós tivemos conflitos com o próprio
111
Nabor. E sempre era uma questão de linha editorial mesmo, porque a gente nem mexia muito com dinheiro na época. Saímos da Folha do Acre e fomos fazer O Repiquete, um semanário. O Wilson, que estava com todo o equipamento dele parado, chamou a gente de volta e disse: “Olha, tá aqui tudo, mas não quero mais nada com isso. É de vocês. Apenas o prédio é meu, mas o resto vocês tocam. Se virem”. Então do Repiquete, que era semanário, passamos a fazer A Gazeta, um diário. E como o título era Gazeta do Acre, que era dele, e ficou com ele até hoje, a gente simplesmente passou a usar A Gazeta. (ibid.)
De fato, em setembro de 1985, quando o candidato do PMDB à
prefeitura de Rio Branco, Adalberto Aragão, liderava todas as pesquisas de
intenção de voto, Gazeta do Acre reiniciou a contagem das edições,
acrescentando ainda os dizeres “nova fase” no canto superior esquerdo da
capa. A edição de 24 de outubro trazia, em seu expediente, Elson Martins da
Silveira como diretor-geral, Silvio Martinello como editor-chefe, Mario Emilio
Malachias como chefe de redação e Roberto Vaz como editor do caderno de
esportes. O mesmo espaço anunciava como responsável pela publicação a
empresa Repiquete Serviços Editoriais Ltda, inscrita na Junta Comercial do
Acre com o CGC 05.378.153/0001-90. Repiquete era também o nome do
semanário em que Martins e Martinello trabalharam durante a suspensão,
dois anos antes.
A propriedade de Repiquete Serviços Editoriais, e, em conseqüência,
do semanário que lhe emprestara o nome e de Gazeta do Acre, seria tema de
viva polêmica a cada eleição. A tese era que o jornal teria sido criado em
sociedade com o prefeito biônico de Rio Branco, Flaviano Melo130
, para
auxiliar ideologicamente na escalada do PMDB aos cargos públicos.
Não obstantes as explicações que exaltam a vocação humanitária de
Barbosa, os motivos pelos quais a mesma empresa que publicava o
semanário passara a ser dona de Gazeta do Acre são envoltos em mistérios.
Em artigo publicado em 2007, o empresário e jornalista Roberto Vaz, sócio de
Martinello em Repiquete, afirma categoricamente que ambos (Martinello e
ele) e o então prefeito biônico de Rio Branco, Flaviano Melo, eram sócios em
130
Flaviano Flavio Baptista de Melo foi prefeito de Rio Branco entre 1983 e 1986, nomeado por Nabor Teles da
Rocha Junior, então governador, que vencera Kalume no pleito de 82.
112
Gazeta do Acre.131
A mesma afirmação fora brandida, sistematicamente, pelo
jornal O Rio Branco132
- e negada na mesma proporção por Martinello.
Entrementes, o comportamento editorial de Gazeta do Acre demonstra
que a ligação deste veículo com o PMDB é tão visceral quanto a do jornal de
Mendes com o PDS.
Na capa de 24 de outubro de 1985 há um exemplo salutar: a matéria
principal, Aragão tem que madrugar para atender eleitores, abre e ocupa a
parte superior direita da edição. No rodapé, espaço geralmente dedicado a
temas secundários, um texto reclama da sujeira provocada pela propaganda
eleitoral do PT: uma pintura no muro do cemitério São João Batista. O jornal
define a propaganda de “pichação”. Os dois textos, na mesma edição,
evidenciam que a informação política, também neste diário, não era apenas
meio de veiculação das candidaturas políticas. Era ainda arma ideológica
destinada a influenciar a vontade do eleitorado.
A leitura do texto sobre Aragão não deixa dúvidas:
Não é fácil a vida dos candidatos. Por ser considerado franco favorito, o candidato do PMDB a Prefeito da capital, deputado Adalberto Aragão, acorda todos os dias de madrugada para atender os eleitores que chegam de toda a parte com os mais variados pedidos. Num dia desses, quando o candidato chegava de uma reunião à sua casa, no bairro do Bosque, às 3 horas da madrugada, já encontrou filas de eleitores esperando-o. Os pedidos vão desde tijolo e o pedreiro, o dinheirinho para pagar a receita médica, até um caminhão, barco a motor e... passagem para a França. Na medida do possível, o candidato, pessoalmente, auxiliado por sua mulher, dona Célia
Aragão, e alguns cabos eleitorais, vão atendendo a todos. (GAZETA
DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 4, 24 out. 1985).
Na matéria sobre o PT, a capa traz uma fotografia da “pichação”: os
dizeres “CARDOSO Nº 13 PT”, em maiúsculas, pintados com tinta
hidrossolúvel. O texto acrescenta que:
Até o final da tarde de ontem o Partido dos Trabalhadores ainda não havia cumprido a determinação da juíza eleitoral Miracele de Souza Lopes Borges. Na segunda-feira, acatando queixa do administrador do cemitério São João Batista, Expedito Monteiro, ela despachou liminar para que o PT apagasse, no prazo máximo de 24 horas, as pichações feitas naquele muro.
131
VAZ, 2007. 132
Cf. subtítulo anterior.
113
Na ocasião, o administrador cientificou a juíza da 1ª Zona Eleitoral que o cemitério este ano recebeu três pinturas, sempre lambuzadas pelos partidos políticos. A última pintura foi feita no início da semana passada, tendo o PT aproveitado o seu final para veicular a candidatura do engenheiro agrônomo Raimundo Cardoso com pichações na frente e na lateral do cemitério. (idem).
A campanha transcorreria serenamente. A vitória de Aragão, candidato
do governo Nabor, na primeira eleição municipal após a ditadura, era tão
certa que na capa de 14 de novembro, a duas semanas do pleito, Gazeta do
Acre deixa escapar a preferência. Em matéria que tentava relacionar a
aceitação eleitoral de cada candidato com a quantidade de correspondências
que estes recebiam por semana, o jornal publica desenho com o maior
volume de missivas nos braços do sorridente peemedebista, o único,
ademais, representado com as mangas da camisa arregaçadas - símbolo
clássico do político “tocador de obras”.
Sagrado vitorioso do primeiro embate com Aragão eleito prefeito da
capital, Gazeta do Acre ganha respaldo para o segundo, que ocorreria no ano
seguinte. A corrida para suceder Nabor Junior seria mais acidentada. A 7 de
outubro de 1986, faltando mais de um mês para o pleito, o título de capa é
um grito de guerra: PMDB prevê vitória maciça em novembro. A ausência de
considerações dos demais candidatos sobre a previsão de um partido político
acerca das eleições de que participa, longe de ser objeto de preocupação,
não é considerada no texto em negrito, publicado na capa, com o seguinte
conteúdo:
O PMDB elegerá, nas próximas eleições no Estado, dois senadores, de cinco a seis deputados federais e de 15 a 16 estaduais. Esta é a avaliação dos candidatos e principais lideranças do partido sobre o quadro eleitoral acreano e que a Governadora Iolanda Fleming, na última sexta-feira, transmitiu ao Presidente José Sarney. O candidato a Governador, Flaviano Melo, disse ontem que isto é possível se for mantido o atual quadro eleitoral e a unidade partidária de todos os candidatos. O ex-governador Geraldo Mesquita, experimentado em política, prefere jogar mais baixo. Para ele, serão eleitos apenas cinco deputados federais, 14 deputados estaduais e a eleição dos dois senadores, depende da votação do primeiro. E exemplificou que dependerá, principalmente, da votação que obtiver o ex-governador Nabor Junior para o Senado. “Quem votará no Nabor será o eleitor que vota por estrito partidarismo. E daí vota no outro quadrinho, noutro candidato ao Senado”. Mesquita, porém, não quis dizer os nomes dos senadores que ele considera já eleitos.
114
Outros candidatos, como João Maia da Silva Filho, José Alberto Bardawil, também fazem o mesmo prognóstico. Dos candidatos a deputados estaduais, o único que não vê o mesmo quadro é Félix Pereira. E diz que é porque desconhece o andamento da campanha
em todo o Estado. (GAZETA DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 281, 7 out. 1986).
A mesma data traz declaração de Flaviano Melo sobre o principal
adversário: Flaviano afirma que PDS acabou no Juruá. O texto:
“A gente acabou com o PDS por lá”, disse ontem o candidato ao governo pelo PMDB, Flaviano Melo, após concluir sua visita de uma semana ao Vale do Juruá, onde participou de encontros com lideranças políticas, empresariais e desportistas, nos municípios de Tarauacá, Feijó, Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima. Ele se referia, principalmente, ao município de Feijó, onde todos os vereadores do PDS e do PFL, em sua visita à cidade, aderiram à sua candidatura e passaram para o PMDB. “Esta é a prova de que o nosso trabalho é sério”, acrescentou. Flaviano Melo disse também que, a cada visita que faz ao Vale do Juruá, sente o crescimento da aceitação de seu nome junto ao eleitorado. O candidato passará esta semana em Rio Branco, onde voltará a participar de visitas e comícios nos bairros. No início da próxima semana, viajará para o Vale do Acre – os municípios de Senador Guiomard, Xapuri, Plácido de Castro, Brasiléia e Assis Brasil, onde participará de novos encontros com lideranças políticas e comícios. (idem).
A corrida eleitoral se intensificava e Gazeta do Acre acentuava a
propaganda do candidato de sua preferência. Com O Rio Branco havia um
ponto em comum: não havia espaço na primeira página para outros
candidatos além daqueles apoiados pelo jornal. A 10 de outubro a ofensiva é
na zona rural: Flaviano elege agricultura como prioridade de seu governo,
seguido do texto:
O candidato do PMDB ao Governo do Estado, Flaviano Melo, disse aos parceleiros da gleba F do PAD Peixoto que, se eleito, dará prioridade à agricultura, por entender que este é o problema crucial do Estado e que gera seu subdesenvolvimento. Flaviano disse ainda que seu plano de Governo será discutido por todos os segmentos organizados da sociedade e que, no momento, essas discussões já foram iniciadas como debates quase freqüentes com entidades de classe, associações de moradores e outros setores. E lembrou que com o desenvolvimento da agricultura todos os outros problemas do Estado, como saúde, educação, transporte e segurança pública, “se resolverão por conseqüência”. “A meta é fazer com que o homem do campo permaneça no campo com mais crédito bancário, financiamento, saúde, educação para os filhos e transporte para escoar a produção. Assim, ele não viria para
115
as periferias e permaneceria no campo produzindo”, disse o candidato, lembrando que o Banacre – Banco do Estado, deverá ser
atrelado à Secretaria de Desenvolvimento Agrário. (GAZETA DO
ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 284, 10 out. 1986).
Nessas condições, os ânimos exaltados cobrariam sua fatura antes do
embate eleitoral. Na madrugada de 12 de outubro, faltando um mês e três
dias para as eleições, o semanário Folha do Acre sofreria um atentado a
bomba. Sem mortos ou feridos, o crime é imediatamente apresentado por
Gazeta do Acre como uma estratégia de Mário Maia133
para vencer as
eleições – a hipótese é, pois, de auto-atentado.
O candidato, por sua vez, atribui o episódio aos adversários políticos.
Resultado: o tema migra rapidamente da simples informação – adotada, por
exemplo, no texto intitulado Bomba caseira explode na Folha do Acre, a 14 de
outubro – para tons panfletários e sarcásticos nas edições seguintes. A 15 de
outubro, texto de capa intitulado Segurança investiga tudo. Até pessoal do
próprio senador, afirma-se que:
A Secretaria de Segurança, através da Polícia Técnica, que está encarregada de investigar a explosão a bomba, ocorrida na madrugada da última segunda-feira no jornal do senador Mário Maia, passou o dia de ontem levantando pistas e examinando todos os indícios e possibilidades, inclusive a de que o explosivo possa ter sido colocado por elementos do próprio grupo do senador com ou sem o seu consentimento. Em contato com a reportagem, o secretário de Segurança Pública, José Carlos Castelo Branco, afirmou que a polícia está trabalhando intensamente no caso e nos próximos dias a polícia poderá fornecer à imprensa uma “grande bomba”. Fontes do PMDB consideraram ridículas as insinuações e acusações dos diretores do jornal e do senador Mário Maia, argumentando que o partido não passaria este “atestado de burrice”. Afirmaram que a candidatura de Flaviano Melo cresce a cada dia, enquanto a do senador Mário Maia permanece estagnada e num “ato de desespero”, a polícia deveria desconfiar de tudo. As mesmas fontes lembraram que, além disso, a situação financeira do jornal do senador é grave; que a “Folha” está praticamente falida, deixando de circular várias vezes nas últimas semanas por falta de material gráfico, com salários atrasados e desentendimentos entre seus diretores e funcionários. Três jornalistas que o senador Mário Maia havia “importado” de Cuiabá pediram demissão na semana passada e voltaram para seu estado de origem. Além disso – acrescentaram – o senador não teve prejuízo algum, pois o jornal foi todo montado e financiado pelo Governo do Estado, quando ele
133
Senador pelo PMDB desde 1982, o médico Mário Maia lançara-se candidato ao governo do Estado em 1986
pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Era o proprietário da Folha do Acre.
116
pertencia ao PMDB e exigia que o Governo o sustentasse. (GAZETA
DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 288, 15 out. 1986).
A hipótese – aqui baseada em declarações de “fontes do PMDB” –
sobre a origem, funcionamento e dramático fim do semanário ganha novo
tom na página 2 da mesma edição. O editorial, parte da publicação que
representa a opinião do editor, aborda o tema com as seguintes palavras:
O senador Mário Maia parece ter descoberto o melhor bode expiatório para jogar a culpa pela explosão suspeita que danificou seu jornal. Em seu longo e lacrimejante pronunciamento pela TV, passou a maior parte do tempo atacando a imprensa em geral e alguns jornalistas que ele não nomeou claramente, em especial. Mais uma vez, o candidato do PDS se fez passar por vítima inocente de maquiavélicos jogos de poder. Outra vez o senador vestiu sua pele de cordeiro que, em nenhum momento, esconde seus dentes de lobo. Ao se referir aos prejuízos sofridos por sua empresa jornalística, ele remeteu os espectadores à sua versão sobre seu afastamento do PMDB e o famoso escândalo da CEME como se tudo não passasse de várias faces de uma mesma conspiração para afastá-lo do poder. Ora, esta história não engana mais ninguém e o senador deveria saber que os eleitores, não o julgam ingênuo a tal ponto. Os verdadeiros culpados do “atentado” à “Folha do Acre” devem ser procurados, como explica a boa lógica criminal, entre os que tivessem algo a lucrar com o fim do jornal. Entre estes, certamente, estaria o próprio senador e seus “sócios”, afogados em dívidas trabalhistas, em uma periodicidade irregular, na crônica falta de equipamentos e materiais de consumo e recém saídos (sic) de uma geve (sic) de gráficos e jornalistas. Sem contar com o desespero de uma derrota iminente que pode fazer cabeças doentias chegarem ao ato extremo de forjar um ato terrorista para culpar o inimigo. Há precedentes. Hitler fez isso na Alemanha e incendiou o Reinchstag (sic) para chegar ao poder. (idem).
A 16 de outubro o atentado continua dominando a temática do jornal.
Das sete matérias de capa, duas, as principais, ocupam-se de reforçar a
hipótese de auto-atentado aventada pelas “fontes do PMDB”. A maior delas é
um verdadeiro convite à desconfiança: Para a polícia quem pôs a bomba
conhecia bem o prédio do jornal. A outra: PMDB: “bomba é coisa da
Coligação”. O jornal acaba citando o que omitiria em condições normais: a
existência de uma coligação adversária.
A 17 de outubro a capa informa que Polícia ouve hoje diretor do jornal.
O texto traz novas revelações sobre o inquérito em andamento, faz novas
conexões e insinuações e acaba expondo interessantes desdobramentos:
117
O diretor da Folha do Acre, Emanuel Amaral, e o vigia Francisco Nunes de Oliveira, única testemunha no caso da explosão que danificou domingo de madrugada parte do parque gráfico do jornal, depõem hoje de manhã na delegacia do Segundo Distrito Policial. O delegado Umberto Ramirez, responsável pelas investigações sobre o caso, quer respostas para perguntas sobre o motivo de o vigia do jornal estar afastado da única entrada do prédio, no andar superior, no momento em que houve a explosão e ainda sobre a razão de não ter sequer tentado deter o homem que afirmou ter visto se afastar correndo do jornal no momento da explosão. Para o delegado Umberto Ramirez, a explosão na “Folha do Acre” continua a ser um “caso misterioso”, mas afirmou ontem à tarde que tem motivos para acreditar que a explosão foi um “trabalho pago ou feito sob promessa de recompensa”. “O vigia, que seria a chave principal de todo o mistério, não conseguiu sequer atentar para as características físicas do homem que afirmou ter visto correndo após a explosão. Além disso, o vigia deveria estar vigiando o prédio em sua entrada. Deveria vigiar de baixo para cima e não de cima para baixo, porque pela parte de cima não entra ninguém”, disse Umberto Ramirez. O delegado acredita ainda que a pessoa que provocou a explosão “teve determinado tempo para fazer isso. Não vou dizer que foi alguém do próprio jornal, mas a pessoa que fez isso ou conhecia muito bem o prédio ou passou no mínimo uma hora lá dentro” preparando a explosão. Ele estranhou a existência de material inflamável pelo chão do local onde ocorreu a explosão, pois a perícia encontrou Tinner, material inflamável, próximo às máquinas. Mas as investigações feitas pelo delegado Umberto Ramirez divergem das conclusões a que chegaram os peritos criminais do Departamento de Polícia Técnica da Secretaria de Segurança do Estado. Segundo o diretor de Polícia Técnica, professor Dativo Silva de França, a explosão foi causada pela combustão de gases no ambiente fechado da oficina da “Folha do Acre”. Ele afirma que a pessoa que causou a explosão “jogou por um orifício na parede que fica de frente para a rodovia AC-01, um saco plástico cheio de gasolina e, de fora ainda, ateou fogo com uma tocha feita de papel”. Dativo França informou ainda que a polícia técnica encontrou pregada, por dentro, do saco que continha a gasolina uma régua transparente medindo 30 centímetros, mas lamentou que “nela não havia nenhuma marca que pudesse estabelecer sua origem, bem como também não foi encontrada nenhuma marca na própria sacola que pudesse auxiliar às investigações sobre sua procedência. O laudo pericial deverá ser entregue ao secretário de segurança, Castelo Branco, até a próxima segunda-feira, conforme informou o
diretor da Polícia Técnica. (GAZETA DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 290, 17 out. 1986).
Logo abaixo outra matéria informa que Nabor atribui bomba a pessoal
de Mário Maia. O governador licenciado, que gozava de forte prestígio
popular, disputava uma vaga ao Senado. Gazeta do Acre, seguindo a linha
servil diante perante a fala de seu tutor, reproduz uma associação caótica
entre o MR-8 (grupo de resistência armada à ditadura militar) e a coligação
118
PDS/PDT/PFL. Afirma que Nabor citou os dirigentes locais do MR-8134
, que
apóiam Mário Maia, como pessoas acostumadas a usar esta tática.
Era a tática de Nabor Junior a mesma dos generais golpistas de 64:
vender qualquer forma de resistência antifascista como “terrorismo”,
desmobilizando o apoio popular.
As demais matérias do dia, como de praxe, exaltavam a campanha do
PMDB e omitiam os demais candidatos. Os textos que citavam os atos do
governo do Estado, naquele momento conduzido pela governadora Iolanda
Lima (PMDB), e os comícios de Flaviano Melo, eram apresentados em
negrito, indicando o caráter panfletário do jornalismo travestido de informação
neutra. Melo ocupa ainda a única135
fotografia da primeira página – a foto é
de um comício em Brasiléia (cidade a 290 quilômetros de Rio Branco).
A capa de 18 de outubro é ainda mais sugestiva: Pesquisa aponta
Flaviano Melo com 62% e Mário Maia com 13% intitulava texto que se dizia
fundamentado em pesquisa realizada “por estudantes de História e Geografia
da Ufac, realizada em 28 bairros da capital, sob a coordenação do Professor
José Mastrângelo”. As urnas não confirmariam o prognóstico: em vez dos
49% de diferença previstos, haveria apenas 21,7%.
Importava, por isso mesmo, influenciar o eleitorado. Gazeta do Acre
bem o sabia, e, na mesma edição de 18 de outubro, partia para a ofensiva:
Senador, com medo e inseguro, pensa parar, era o desajeitado título de uma
matéria sobre um pedido de reforço na segurança dos candidatos,
apresentado por Mário Maia ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). O
candidato queria que as Forças Armadas e a Polícia Federal dessem
segurança ao pleito. A reação do jornal, em editorial publicado na capa, em
negrito, intitulado O choro dos desesperados, era de irritação desmesurada –
afirma-se por exemplo que a “única munição” da imprensa é “a verdade”,
acrescentando logo a seguir que não havia “dúvida possível” sobre o
candidato escolhido para suceder Nabor Junior e que Maia era, já, um
“candidato derrotado fazendo o choro dos derrotados”:
134
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). 135
A capa da edição em questão traz outra imagem, a de uma nota de 500 cruzados, recém-lançada pelo Banco
Central do Brasil. Trata-se, porém, de imagem reprográfica, não de fotografia.
119
O senador está com distúrbios mentais profundos. Só isto explica sua atitude descabida, alucinada e desesperada de requisitar tropas federais para fiscalizar a campanha política, no Estado, conforme requerimento que enviou ao TRE. Do mesmo modo, ao ver frustrada e desmascarada a sua tentativa de reverter o quadro político a seu favor, com a encenação do pretenso atentado a seu jornal, o senador está vendo fantasmas debaixo da cama e, e (sic) cada pessoa que se aproxima dele não é um eleitor, mas um perigoso terrorista a ameaçar sua vida. Nunca o Acre assistiu uma eleição tão tranqüila, tão desmotivada, tão pouco disputada. O favoritismo do candidato do PMDB relegou a disputa aos cargos meramente proporcionais e às apostas sobre quais deputados se elegerão. Para o Governo do Estado não há dúvida possível e resta ao candidato da oposição assumir o papel de bufão de uma comédia de erros que ele tenta montar aos trancos e barrancos. O ridículo se substancia nesta tentativa de envolver o TRE em sua megalomania, em sua síndrome neurótica de perseguição. Depois que o grande lançe (sic) da bomba falhou o senador está perdido, abandonado, a gritar impropérios e a investir contra moinhos na televisão. Não conseguindo qualquer indício para incriminar o jornal pela farsa montada em seu jornal, ele passa a querer imputar à imprensa, especialmente a esta GAZETA a responsabilidade pela sua bomba “caseira”. O senador, mesmo sendo dono de jornal desconhece que as únicas armas que a imprensa utiliza são os fatos, a sua única munição é a verdade, sua única artilharia é a palavra impressa. Não sendo mais possível esconder de seus correligionários a debacle de sua candidatura, o senador tenta vestir o manto da vítima. Não conseguirá. As evidências são gritantes. Ele é um candidato derrotado, fazendo o choro livre dos derrotados. Não merece crédito sequer para ser processado por seu destempero acusatório. Dos
loucos e dos desesperados só se pode ter pena. (GAZETA DO
ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 291, 18 out. 1986)
A edição de 22 de outubro arrefece o tom, sem, porém, abandonar o
posto. Com o texto Flaviano dispara na pesquisa da Difusora136
o jornal traz
texto com três parágrafos acompanhado de uma fotografia do candidato
abraçado por uma criança. A paternal imagem está posicionada,
estrategicamente, ao lado do texto Polícia divulga laudo sobre a bomba em
jornal, onde se lê que “a explosão” foi “praticada por alguém com intenções
criminosas e com uso de material explosivo”. Não há pistas, porém, da
autoria do crime.
A 24 de outubro era divulgada nova pesquisa de intenção de voto
dando a vitória a Flaviano Melo com 56,4% dos votos contra 25,3% de Mário
136
A Rádio Difusora Acreana é parte do complexo de comunicação do Governo do Estado do Acre, na época,
administrado pelo PMDB - partido de Flaviano Melo.
120
Maia. O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Hélio Pimenta, ficaria
com 0,4%. Ilustrando a matéria, que é a principal da primeira página, um
desenho representa um Flaviano Melo corpulento vencendo uma corrida com
os demais candidatos. Não era a única imagem do candidato na capa:
ilustrando texto sobre um evento realizado pelo governo do Estado para
homenagear os garis, uma fotografia de Melo discursando, com microfone na
mão, ao lado de várias crianças, repetia o apelo paternal da edição de dois
dias antes.
É também rodeado de menores de idade que Melo aparece na Gazeta
de 29 de outubro, em visita ao bairro Ivete Vargas. Ao lado direito da imagem,
texto informa que Flaviano faz um bom comício no Tangará. Mas é a matéria
principal, Mário Maia pede ‘arrego’ a Ruy Lino, que dá prova da posição
ideológica da imprensa naquele momento. O texto gira em torno de uma visita
de Mário Maia à casa de Ruy Lino, presidente do Diretório Regional do
PMDB, que fora presenciada por um repórter da Gazeta do Acre. Ladeado
por uma fotografia de Maia saindo da residência do peemedebista, o texto faz
diversas insinuações e deixa claro que a autoria da teoria do “arrego”,
afirmada no título, é de lideranças do PMDB - e que o jornal, coerentemente,
não contesta nem problematiza nada:
O candidato a governador pela coligação PDS/PFL/PDT, Mário Maia procurou segunda-feira à tarde o presidente regional do PMDB, Ruy Lino, em sua residência, na Rua Marechal Deodoro, mas não o encontrando porque estava no município de Feijó, passando cerca de 1 hora e 20 minutos trancado num quarto, conversando com o candidato a deputado federal, José Alberto Bardawil. A chegada de Mário Maia à casa de Ruy Lino, foi notada por um repórter da Gazeta do Acre, que no instante em que ele estacionava o Pampa azul, placa AD-9119, acompanhado do editor do jornal “Folha do Acre”, de sua propriedade, passava de carro em frente ao local. Querendo saber o motivo da visita de um candidato a governador pela oposição à casa de um candidato a senador e um a deputado federal, do PMDB, o repórter perguntou a José Alberto Bardawil se se tratava de algum acordo. A resposta foi evasiva e Bardawil limitou-se a perguntar se a notícia seria publicada. Disse que se tratava apenas de uma visita de Mário Maia, “não a mim, mas ao Ruy Lino. Mas ele não está aqui”. Ante a insistência do repórter, que perguntava se Mário Maia teria, então, algum assunto para tratar com ele, Bardawil disse: “Comigo nada de especial”. Poucos minutos após a saída do repórter da residência de Ruy Lino, José Bardawil procurou a direção-geral da Gazeta, a quem pediu “orientação” à sua candidatura, dizendo temer ter sido envolvido em
121
“uma trama política armada por Mário Maia com objetivo de comprometer minha candidatura diante da direção do PMDB”. No comício que fez à noite no Tangará, o candidato a governador pelo PMDB, Flaviano Melo, informado sobre o fato, disse em palanque que “o candidato da Coligação esteve procurando hoje à tarde candidatos do nosso partido, para pedir arrego, já que está consciente de sua derrota no dia 15 de novembro”. Ontem à tarde, após desembarcar de um táxi aéreo, vindo de Feijó, o presidente do PMDB, Ruy Lino, demonstrou surpresa com a visita de Mário Maia à sua casa e esquivou-se de falar sobre o assunto, dizendo apenas que, primeiro, “procuraria, primeiro, saber mais de detalhes”. Em “off” confidenciou ao repórter que o senador Mário Maia
estaria querendo voltar ao PMDB. (GAZETA DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 298, 29 out. 1986).
A preocupação de José Alberto Bardawil com o que seria publicado
depois do flagrante evidencia, sozinha, o poder do jornal naquele momento
de disputa.
A 7 de novembro, faltando apenas uma semana para o pleito, nova
fotografia de Melo em comício, novamente ladeado por crianças, acenando
para a multidão ao mesmo tempo em que segura um microfone, é o grande
destaque da capa. Acima, um título em caracteres espaçosos informava que
Flaviano quer vencer com 30 mil votos e um texto, impresso em negrito,
fornecia a agenda de comícios para os dias seguintes.
A 12 de novembro, das sete matérias que ilustram a edição, cinco
eram sobre política, e, destas, duas tinham o tom verdadeiro do
panfletarismo: PMDB fecha campanha com passeata e comício e Primo de
Mário Maia vota em Flaviano Melo. Outras duas criticam a coligação
adversária, nominando um velho adversário: Narciso ataca repórter com
socos e coices e Cabo de Narciso tenta matar outro em boteco. A única
matéria da área de política que escapa ao maniqueísmo editorial, Até
soldados vão reprimir boca de urna, anuncia que as Forças Armadas e a
Polícia Federal entrariam na fiscalização para “assegurar a tranqüilidade das
eleições”. Na mesma edição, fotografia do candidato novamente acenando
para a platéia, novamente ao microfone e novamente ladeado por crianças,
repetia uma velha e funcional estratégia.
Eleito Flaviano Melo para o governo, restava à Gazeta do Acre
assegurar a manutenção do PMDB no poder. Tratava-se de construir uma
boa imagem do sucessor de Adalberto Aragão, cujo mandato expiraria em
122
1987. A escolha recairia sobre Ariosto Pires Miguéis, que enfrentaria nas
urnas ninguém menos que Jorge Kalume – este contando, ademais, com a
máquina de propaganda de O Rio Branco, sob o comando de Narciso
Mendes a partir de 1988. Caberia agir com cuidado e estudada ousadia. A
Gazeta do Acre cumpriria este papel, mas, no embate, Kalume venceria.
A 3 de setembro de 1988 o embate começa com a publicação de uma
fotografia de Ariosto, Flaviano e o então prefeito, Adalberto Aragão, com a
legenda Aragão, Flaviano e Ariosto estão unidos no mesmo palanque,
fortalecendo o PMDB. Sorridentes, os peemedebistas são retratados numa
caminhada em frente a uma faixa com os dizeres PMDB: unidos para vencer.
A mensagem implícita – que seria explicitada ao longo da campanha - era
que a manutenção do mesmo partido em todas as esferas do Executivo (o
presidente da República era José Sarney, também do PMDB) facilitaria o
aporte de verbas em Brasília e a sintonia na realização de obras.
No melhor estilo panfletário, Gazeta do Acre publica texto dando conta
que Aragão almoça com Flaviano e entra na campanha. O leitor é informado
que “com o Governador Flaviano Melo, o prefeito Adalberto Aragão e as
demais lideranças do partido – deputados e senadores – que já estão livres
de seus compromissos com a Constituinte, o PMDB vai com toda a força para
a campanha”. Logo abaixo outro texto sobre o mesmo assunto observa que
Ariosto diz que PMDB está pronto para deslanchar.
A 15 de setembro de 1988 o jornal publica texto baseado numa
pesquisa de intenção de voto que dava ao candidato do PDS, já naquela
data, a preferência do eleitorado. Kalume tinha 40,1%, enquanto Ariosto, em
segundo, ficava com 14,7%. Ao invés, porém, de expor esses dados para a
interpretação do leitor, o título do texto inverte a ordem: Ariosto sobe nas
pesquisas. A estratégia era mostrar que, apesar dos dados desfavoráveis, o
candidato peemedebista estava em franca ascensão.
Três dias depois o jornal publicaria nova pesquisa dando conta que o
peemedebista subira 8,6 pontos percentuais, e o pedessista, 5,4. A surpresa
seria Mário Maia, que, disputando pelo PDT, passara de 6,3% para 11,8%.
Os outros candidatos eram Alércio Dias (PFL), com 9,2%, Nilson Mourão (PT)
123
com 2%, e Luís Marques (PCdoB) com 2,6%. No texto Ariosto sobe mais.
Kalume despenca”, Gazeta do Acre comemora:
A pesquisa do IBATE – Rede Manchete realizada nos dias 15, 16 e 17 deste mês confirma a ascensão de Ariosto e a queda acentuada de Jorge Kalume na capital. Kalume anda lidera, com seus 34,7%, mas
tem em seus calcanhares Ariosto, com 23,3%. (GAZETA DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 836, 18 set. 1988).
Ao mesmo tempo em que eram instrumentos de convencimento
ideológico dos grupos políticos que defendiam e dos quais, também,
dependiam, O Rio Branco e Gazeta do Acre constituíam-se como referência
do jornalismo acreano. Foram os anos 80 pródigos em publicações, algumas
de circulação tão irregular não se encontram nos arquivos públicos atuais,
exceto em listas de referência. Outras, embora igualmente efêmeras,
tentaram disputar por algumas edições a batalha ideológica com O Rio
Branco e A Gazeta. Tratava-se de luta inglória: cada vez mais alinhados com
o paradigma do jornalismo funcionalista, que lhes permitia informar a todos
sem assumir, abertamente, o caráter partidário dos textos, os dois diários
alinhavam-se aos jornais do Sudeste brasileiro.
O jornalista Antonio Alves (apud PORTELA, 2008), que escreveu em
algumas dessas publicações episódicas, resume desta forma a epopéia entre
os dois jornais ao longo dos anos 80 e parte dos anos 90:
O domínio das empresas se constituiu. De um lado, o império “narcisista” da Gazeta e, do outro, o império “narcisista” do Rio Branco. Tanto TV, quanto rádio e jornal requisitavam cada vez mais profissionais desqualificados que fossem capazes apenas de seguir a ordem do chefe e latir para adversários políticos, feito “cachorrinhos de guarda”. Não precisava escrever bem, nem precisa ter idéias próprias, era proibido, bastava apenas escrever o que o chefe mandava, escrever a favor do governo “que nós apoiamos” ou contra o governo “que nós combatemos”. Enfim, essa visão puramente politiqueira, comercial da imprensa, predominou e toda uma geração de repórteres e apresentadores, jornalistas, locutores, se formou, trabalhou, atuou dentro disso aí. (PORTELA, 2008).
Em 20 de setembro de 1988, com Flaviano Melo no segundo ano de
mandato e em plena corrida eleitoral para as eleições municipais que
124
ocorreriam em novembro, Gazeta do Acre foi renomeada para A Gazeta. Aos
leitores, uma nota na capa da edição esclarecia:
A partir de hoje, Repiquete Serviços Editoriais Ltda, passa a usar como título deste jornal, de sua propriedade, somente A Gazeta, conforme inscrição feita na Junta Comercial do Acre, no Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Rio Branco e no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), do Ministério da Indústria e Comércio. O título Gazeta do Acre está sendo devolvido a pedido do seu proprietário, Wilson Barbosa, a quem agradecemos a cessão durante
esses anos. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 838, 20 set. 1988).
Mudava-se o nome, não a estratégia de combate. Na mesma edição,
texto de capa intitulado Ariosto anuncia novo pólo hortigranjeiro, o jornal tenta
captar os votos da zona rural. Mas há alterações sutis: os demais candidatos
saem da obscuridade e são citados na capa, em matérias sobre a
propaganda eleitoral gratuita. Outro texto anuncia que o PFL faria o seu
primeiro comício em Rio Branco no próprio dia 20.
O tom é outro a 30 de setembro. O jornal traz dois exemplos salutares
das situações embaraçosas criadas durante a campanha eleitoral, que
ajudam a entender a magnitude dos interesses em jogo. O primeiro exemplo
é também a manchete de capa: PDS ataca casa de candidato a vereador do
PMDB, onde se lê:
Os pedessistas Edvaldo Guedes, candidato a vereador, e Romildo Magalhães, deputado estadual, não gostaram do ovo podre que receberam de uma pessoa que assistia ao comício do PDS na Cohab-Bosque na quarta-feira à noite e decidiram descontar tudo no candidato a vereador pelo PMDB José Café, que mora exatamente em frente ao palanque armado pelos pedessistas para os discursos. Os dois políticos do PDS incitaram a população a depredar a residência de José Café, onde se encontravam apenas a esposa e os filhos do candidato, que se trancaram num quarto com medo do vandalismo pedessista. Além das pedras, foram jogadas bombas contra a residência de José Café. O saldo foram (sic) várias vidraças quebradas, a parede externa toda marcada pelas pancadas das pedras e objetos próximos às janelas destruídos. Até algumas telhas foram quebradas pelas pedras e tijolos inteiros jogados contra o teto da casa. A ação foi terrorista: quase cem pessoas atacaram a casa e seus moradores indefesos, induzidas pelos dois políticos do PDS. José Café, que não ficou em casa no horário do comício justamente para não ouvir provocações pedessistas, deverá recorrer à Justiça para exigir o pagamento dos prejuízos e provas das acusações
125
anunciadas por Edvaldo Magalhães e Edvaldo Guedes no palanque
contra ele. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 848, 30 set. 1988).
Sem esclarecer como “o PDS” atacou a residência, o texto só é menos
claro sobre as reais intenções do jornal - ridicularizar a agremiação adversária
e promover o seu próprio grupo político - do que a segunda matéria, Juiz
eleitoral manda apreender fitas do PMDB. O texto de capa detalha uma
decisão judicial que proibira a veiculação de um programa por ter sido
gravado na TV Aldeia, emissora estatal de propriedade do Governo do
Estado do Acre. Ao tentar justificar a prática, deixa-se escapar que
O jornalista Elson Martins reafirmou que não estava informado sobre a transgressão. Segundo ele faltou uma assessoria jurídica para a TV Aldeia, que não sabia dos riscos que estava correndo. Da parte do comitê de propaganda do PMDB a explicação para a utilização da televisão do governo foi de que a Fundação Cultural, que detém o controle da emissora, tinha alugado o estúdio. (idem).
O jornal também não entra em detalhes, potencialmente embaraçosos,
sobre o “aluguel” do estúdio de uma emissora pública de televisão para fazer
a propaganda do candidato do governo do Estado à prefeitura de Rio Branco.
Não há, ainda, menção às quantias envolvidas nem se afirma que o dinheiro
obtido na transação retornou aos cofres públicos.
Entre meias explicações e atos falhos, A Gazeta amargaria a sua
primeira derrota eleitoral em 1988. Kalume, eleito com 38,38% dos votos
válidos, abriria mais de oito mil votos de diferença em relação ao candidato
apoiado pela máquina propagandística estatal.
Tratava-se de buscar, a partir de então, a continuidade do PMDB na
administração do governo do Estado. A preocupação em fazer o sucessor de
Flaviano Melo aprofundava-se na mesma medida em que surgiam os
escândalos que marcaram aquela gestão e A Gazeta muda de estratégia.
Nas duas próximas eleições seguintes, a que reconduziria o PDS ao
poder pelas mãos de Edmundo Pinto em 1990, e nas eleições para prefeito
de Rio Branco em 1992, quando Jorge Viana venceria por menos de 2 mil
votos o candidato peemedebista, o jornalismo de A Gazeta não participaria
ativamente da campanha como fizera até então. Desprovidos da importante
126
frente ideológica, os peemedebistas teriam sérios problemas de desempenho
nas urnas. Em 1990 o candidato do PMDB, Osmir Lima, ficaria em terceiro
lugar na disputa sucessória, obtendo somente 17,3% dos votos válidos. Dois
anos depois, embora fortalecido pela onda de moralização que varria o país,
diante da crise do governo Collor e da série de escândalos que sucederam-se
após o assassinato de Edmundo Pinto, Mauri Sérgio perderia a prefeitura da
capital para Jorge Viana, com dois mil votos de diferença.
Nesse intervalo de quatro anos as mudanças de A Gazeta são
diversas. A diagramação em preto e branco cede lugar para linhas e fundos
cor-de-rosa, com linhas modernas e caracteres novos. Não são, porém, as
transformações exclusivamente visuais. O diário ocupava-se, agora, de
divulgar mais assiduamente os atos do governo, seguindo a tendência dos
seus primórdios, quando apoiava os atos da ditadura militar.
Havia razões outras para essa mudança de postura, aparentemente
caótica tendo em vista a importância dos processos eleitorais citados. A
principal delas seria sugerida na capa de 14 de novembro de 1990, quando,
já bem adiantada a campanha eleitoral, vários líderes do PMDB declararam
apoio ao candidato pedessista ao governo do Estado, Edmundo Pinto. A
Gazeta trata do tema discretamente, ilustrando, na capa, matéria intitulada
Edmundo recebe apoio do deputado Ariosto. O texto, também na capa,
acrescenta que:
Edmundo Pinto, candidato ao governo pelo PDS recebeu ontem o apoio da deputada federal do PMDB, Adelaide Neri e do deputado estadual Ariosto Miguéis. “O Dia do 13 trouxe muita sorte para mim”, dizia, eufórico, o candidato quando anunciava a adesão dos dois deputados do PMDB acreano. Disse, ainda, que os apoios à sua candidatura “se dão de forma voluntária”. O deputado Ariosto Miguéis afirmou, durante entrevista coletiva, que a competência e o trabalho sério realizado por Edmundo Pinto na Assembléia Legislativa e na reconstrução do seu próprio partido me fazem admirá-lo apesar dele não pertencer ao PMDB, por isso acredito que ele irá tirar nosso Estado do atraso. “Acabando com o sofrimento do nosso povo”. O deputado Ariosto Miguéis protestou contra pessoas do seu próprio partido que, segundo ele, teriam traído o PMDB. “Apóio Edmundo contrariando a cúpula do meu partido porque está defendendo a teoria da terra arrasada, ou seja, o PT fará um péssimo governo e o PMDB poderá retomar o governo em 1994”. O candidato do PDS, Edmundo Pinto, lembrou que a adesão de Ariosto reforça a sua candidatura, “mas a nós não importa se a direção do PMDB apóia outro candidato”.
127
(A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 838, 20 set. 1988).
A exposição clara de um racha na base peemedebista permite
compreender o posicionamento editorial de A Gazeta em relação aos demais
candidatos na disputa pela sucessão de Flaviano Melo. A estratégia era
manter-se na neutralidade na medida do possível, uma vez que direção e
parlamentares da sigla encontravam-se em aberto dissenso.137
A mesma estratégia se mantém nas eleições de 1992, para a
prefeitura de Rio Branco. Enquanto o candidato peemedebista praticamente
não surge na capa, A Gazeta continua divulgando as ações do governo Pinto.
Após o assassinato, mantém-se o ritmo e muda-se o personagem: Romildo
Magalhães assume o comando do Estado e passa a ser o novo diligente
administrador. É assim que, na capa de 23 de setembro, enquanto o editorial
Farra de sangue exige providências do governo do Estado para resolver o
aumento da criminalidade, Magalhães, microfone à boca, surge em texto
intitulado Povo confia em Romildo:
O Governador Romildo Magalhães, segundo pesquisa do Ibope, tem 81% da confiança dos acreanos. A pesquisa foi realizada entre os dias 5 e 8 deste mês, e deixam Romildo à frente de muitos governadores como os de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Exatamente 9% da população, consideram a administração Romildo Magalhães ótima, 31% consideram boa e 41% consideram regular. O governador considerou os números uma responsabilidade a mais, que o fará buscar com maior intensidade o desenvolvimento do Estado, trabalhando cada vez mais em favor da população mais carente,
honrando, assim, esta confiança depositada. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 2.123, 23 set. 1992).
O mesmo tom encontra-se três dias depois, na matéria Governador vai
ao interior e entrega obras. O texto acrescenta que “por onde passou, o
governador arrancou aplausos da população” e que “acompanhado do
empresário Narciso Mendes, do chefe do gabinete civil, Emílio Assmar, de
políticos, o governador conseguiu inverter o quadro eleitoral em favor do PDS
em diversos municípios”. Evidencia-se, desta forma, a razão oculta da
entrega de obras durante a campanha eleitoral.
128
Tudo mudaria nas eleições de 1994, porém. Flaviano, que afastara-se
do Senado para disputar o governo do Estado, tentava retomar a força da
sigla em um contexto amplamente desfavorável: a prefeitura nas mãos do
Partido dos Trabalhadores (PT), com a eleição de Jorge Viana em 1992, e o
governo do Estado governado nos braços de um desgastado Romildo
Magalhães que tentava concluir o mandato em meio a protestos do
funcionalismo público. O tirocínio eleitoral de Melo percebeu que chegara a
hora de investir no retorno aos cargos majoritários da política acreana.
A Gazeta volta à velha forma. Já na edição de 14 de setembro, matéria
curta, de rodapé, informa que Estudantes do Cerb estão com Flaviano. O
texto acrescenta:
Flaviano Melo foi sabatinado por um grupo de estudantes, na segunda-feira, no Sborba, respondendo a diversas perguntas, e no final do encontro recebeu o apoio dos jovens, que fazem parte da fanfarra da escola. Os estudantes comentaram que Flaviano fala com muita segurança e que tem propostas sérias e viáveis para a juventude e para a educação. “Isso era o que estávamos querendo ouvir dos candidatos”, salientou Jean Lopes, coordenador da fanfarra do Cerb e ex-presidente da Federação Acreana de Futebol de Salão. Esta semana Flaviano também recebeu apoio de moradores de vários bairros de Rio Branco. O candidato tem certeza que está no segundo turno e pede à população que não dê ouvido às críticas dos
adversários, mas às propostas de cada candidato. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 2.703, 14 set. 1994).
Importava também atacar o candidato azarão lançado pelo PPR, Orleir
Cameli. Assim, o texto principal da primeira página era o ataque ao
adversário, ao invés da defesa ao aliado, como ocorrera em campanhas
passadas. A interessante mudança de tática trazia texto intitulado Orleir não
tem isenção, seguida do subtítulo Ofício da Sudam desmente Orleir Cameli;
ele não tem isenção do Imposto de Renda. O texto, visceral, dizia o seguinte:
O candidato do PPR ao governo do Acre, Orleir Cameli, mentiu para a população quando afirmou, no seu programa eleitoral, no rádio e na TV, que sua firma Marmud Cameli, acusada de sonegar quase US$ 1 milhão de ICMS aos cofres do Estado, no período de 1987 a 91, porque gozava de incentivos fiscais da Sudam (Superintendência de
137
Faz-se mister notar que Flaviano Melo, apontado como sócio-proprietário de A Gazeta, elegera-se senador da
República em 1990, cargo em que se manteria até 1999.
129
Desenvolvimento da Amazônia). A versão de Orleir, que tinha por objetivo minimizar as denúncias contra a sua empresa, não passou de um grande blefe. É que, em momento algum a Marmud Cameli ganhou isenção da Sudam. A confirmação é do chefe de gabinete da Sudam, Madson Antonio Brandão da Costa, que é taxativo em afirmar: “Após consulta feita ao Departamento de Administração deste órgão foi-nos respondido que nada deu entrada até a presente data, para análise naquele Departamento, de projeto da Marmud Cameli & Cia Ltda, de Cruzeiro do Sul, laminados de borracha”. Com a afirmação de Madson fica comprovado, portanto, que Orleir faltou com a verdade. (idem)
Editorial de capa, em fundo amarelo e com título “Caiu a máscara”
acrescentava e exortava que:
Os documentos estão aí. Irrespondíveis. Primeiro, ficou provado e comprovado que o candidato do PPR, Orleir Cameli, sonegou quase US$ 1 milhão em impostos. Mas o mais grave viria depois. O candidato foi às televisões, rádios e jornais dizer que sua empresa, como beneficiária de incentivos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), estava isenta do Imposto de Renda. Mentiu. Em ofício enviado ontem, o Chefe do Gabinete da SUDAM, Madson Antonio Brandão da Costa afirma que a empresa do candidato do PPR nem projeto tem naquele órgão. E agora? Como empresário relapso e até mesmo em dificuldades, ele poderia encobrir seu erro, tergiversar. Como candidato ao governo de um Estado, não. Um candidato a governador ou a qualquer outro cargo público não pode mentir. Porque sonegar imposto e prevaricar é crime duplo. Dessa discussão toda travada nos últimos dias, a verdade acabou prevalecendo sobre a mentira. Cabe, agora, à sociedade e, de modo particular, aos eleitores deste Estado dar o seu veredito. Aquilo que se previa aconteceu: caiu a máscara. (ibid.)
Cometera-se um grave erro, porém. O documento enviado pela Sudam
referia-se a outra empresa, “Manoud Canelle”. O equívoco fez o candidato do
PPR tirar rápido proveito da situação: a 30 de setembro, faltando apenas três
dias para a decisão sobre o futuro governador do Acre, A Gazeta força-se a
publicar na capa um Direito de Resposta em fundo preto, intitulado Orleir tem
isenção, sim!, com o subtítulo Adversários falsificam firma para caluniar
favorito na eleição de governador. Texto relacionado, ocupando um terço da
capa do dia, expõe o seguinte desmentido:
Orleir Cameli, (sic) foi caluniado na primeira página desta Gazeta, edição do dia 14 passado, em matéria que afirma que a suposta empresa Manoud Canelle, “de propriedade de Orleir”, não tinha isenção fiscal. Acontece que Orleir nada tem a ver com a tal Manoud Canelle, firma que parece inventada para confundir as pessoas,
130
fazendo-a passar pela Mamud Cameli & Cia Ltda, empresa idônea e de grande importância para a economia acreana, da qual Orleir é sócio, juntamente com seu pai e seus irmãos. Na matéria, A Gazeta publicou fac-símile de um documento da Sudam, só que “a prova” referia-se a tal Manoud Canelle e não a Marmud Cameli. Mas a farsa grotesca foi desmascarada. A Sudam confirmou que a Marmude Cameli obteve isenção de Imposto de Renda por 10 anos a partir de 31 de dezembro de 1984. Este benefício é concedido desde 1976 a empresas que investem na Amazônia, absorvendo a mão-de-obra da região. Atualmente a empresa de Orleir emprega mais de 1.200
acreanos. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 2.717, 30 set. 1994).
O mal entendido não abateria o ânimo de A Gazeta. A mesma edição
traz, no topo da primeira página, pesquisa de opinião pública mostrando que
Flaviano Melo liderava a disputa eleitoral na “grande Rio Branco”, obtendo
29,8% dos votos válidos. Cameli, segundo a publicação, estava em terceiro
lugar, com 27,6% das intenções de voto. Em segundo estava Tião Viana,
tecnicamente empatado com Orleir ao alcançar 27,8% dos entrevistados. O
levantamento fora realizado pelo Instituto Acreano de Estudos e Pesquisas
(Inaep). Era a sequencia de uma longa trajetória de promoção, sempre na
primeira página, da candidatura de Melo combinada ao silêncio sobre a
situação dos demais candidatos.
A mesma linha seria mantida na campanha eleitoral para o segundo
turno, com A Gazeta promovendo Melo e O Rio Branco na luta por Cameli. A
vitória, com mais de 12 mil votos de diferença, seria do segundo,
evidenciando que apesar do prestígio do peemedebista na política acreana,
os eleitores, no contexto da crise Collor e sob desgaste profundo do próprio
governo de Flaviano Melo, procuravam formas de promover mudanças no
quadro político.
Os esforços, no entanto, foram em vão. A situação era completamente
diferente da hegemonia conquistada pelo PMDB de 1982 a 1987, quando o
partido obteve, gradativamente, o comando da prefeitura de Rio Branco, do
governo do Estado e da presidência da República. Para reconquistar o poder
demandava-se mudanças estratégicas importantes durante a campanha,
mudanças que A Gazeta acompanharia e promoveria. Assim, com o governo
do Estado nas mãos do PPR e a prefeitura conduzida pelo PT, o PMDB
131
segue, com sucesso, a fórmula que elegera Viana e Cameli: dar um novo
nome para a disputa.
A escolha recaiu sobre Mauri Sérgio, ex-deputado federal, que soube
aproveitar o momento de reforma institucional para emplacar um discurso
moralizante envolvendo até mesmo a sua vida pessoal. Por isso, uma das
manchetes de A Gazeta em 11 de setembro de 1996 é Maurí: “Baixarias eu
entrego a Deus”. Ilustrando um texto curto e pegajoso, fotografia com o rosto
do candidato tinha uma legenda logo abaixo, informando: Mauri Sérgio: “Sou
vítima de baixarias dos adversários”. O texto em si afirmava o seguinte:
O candidato a prefeito de Rio Branco pelo PMDB, deputado federal Mauri Sérgio, disse ontem à GAZETA que recebeu centenas de manifestações de solidariedade e apreço por onde passou nos bairros, de pessoas que condenaram os ataques que vem sofrendo. Mauri pediu ao PT, a quem debita o festival de baixarias procurando atingir a sua moral, que não faça política com raiva, que eleve o nível da campanha, e poupem sua mulher, sua mãe, seus filhos, que são
os que mais sofrem com acusações à sua honra. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 3.293, 11 set. 1996).
Sem esclarecer quais eram os citados ataques à honra do candidato, o
jornal omitia-se, ainda, de abordar o andamento das demais candidaturas na
mesma capa. Uma tentativa de fuga desse velho hábito encontra-se na
edição de 22 de setembro: com o título Caçada ao voto, em maiúsculas, o
diário traz duas fotografias ilustrando as atividades de Mauri Sérgio e do
candidato petista, Marcos Afonso. Apesar de terem o mesmo tamanho e
diagramação, ambas são bastante diferentes. A imagem de Mauri Sérgio,
tirada durante uma passeata, mostra o candidato de braços erguidos ao lado
do candidato a vice, em meio a uma verdadeira multidão. A imagem que
ilustra a atividade petista mostra uma carreata onde o candidato é o único
que acena diretamente para a câmera, em meio a uma forte neblina matinal.
Não há qualquer menção aos outros seis candidatos.
A 29 de setembro, com o título Reta final, A Gazeta repete a dose:
omite todos os candidatos e publica mais duas fotografias. Sob ambas as
fotos, um texto em negrito tem os seguintes dizeres:
132
A campanha pela Prefeitura de Rio Branco está chegando ao fim. Os candidatos Mauri Sérgio (PMDB) e Marcos Afonso (PT) intensificam, a partir de hoje, o corpo a corpo junto ao eleitorado. São passeatas, comícios e uma série de outras atividades para atrair os votos dos indecisos. O comício de Mauri (foto à esq.) reúne multidão na Estação Experimental. Enquanto isso, partidários fazem passeatas pelas ruas
do centro de Rio Branco. Tudo em nome da democracia. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 3.309, 29 set. 1996).
Também em nome da democracia, A Gazeta não informava na
legenda a qual manifestação se referia a atividade dos militantes do PT.
Nessas condições, Mauri Sérgio seria eleito com 46,8% dos votos válidos
contra 43% de Marcos Afonso.
Reconquistada a prefeitura de Rio Branco para o PMDB, restava à
Gazeta realizar boa publicidade das ações do município, e, chegada a
campanha, investir nas eleições de 1998. Mas isso não aconteceria. Repete-
se, então, o fenômeno que se dera de 1992 a 1994: as alusões ao pleito são
poucas e até omissas, não há citação à agenda dos candidatos nas capas,
nem editoriais, revelações bombásticas e documentos com desmentidos
posteriores. Muito embora o PMDB tivesse lançado candidato - o vice de
Mauri Sérgio, Chicão Brígido - o jornal omitira-se do velho posto.
A chave para a compreensão desse comportamento encontra-se na
capa de 1º de outubro de 1998, a três dias do pleito decisivo. Nela, o senador
Flaviano Melo surge em bela fotografia a cores, ao lado do então governador
Orleir Cameli. A legenda da imagem tocava um dos mais antigos sonhos dos
acreanos: a pavimentação da BR-317 entre Rio Branco e Brasiléia, objeto de
insônia de grupos ambientalistas e motivo da alta popularidade de Cameli,
apesar das escandalosas denúncias de corrupção. É que, sobre a imagem,
texto intitulado Flaviano anuncia mais R$ 2,5 milhões para 317 evidencia a
união dos dois políticos em nome do desenvolvimento do Estado. Ao lado,
texto curto anunciava o seguinte:
O Ministério dos Transportes liberou mais R$ 2,5 milhões para a pavimentação da BR-317. A informação foi passada à GAZETA pelo senador Flaviano Melo (PMDB) que recebeu a informação do ministro dos Transportes Elizeu Padilha. Segundo Flaviano, todo o serviço executado e medido até agora foi pago pelo DNER. A demora nos repasses, de acordo com o senador do PMDB, se deu em função da
133
crise mundial que vem prejudicando o Brasil. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 3.850, 1 out. 1998).
A 2 de outubro, antevéspera do pleito, texto cuidadoso sobre um
evento eleitoral traz nova fotografia de Flaviano Melo, em primeiro plano,
durante passeata realizada “pelas principais ruas da cidade”, conforme texto
em anexo. A imagem traz legenda com os dizeres A passeata de ontem
reuniu a militância, lideranças e amigos do PMDB. No lado esquerdo, texto
intitulado Passeata leva milhares às ruas, acrescenta-se que:
O PMDB encerrou ontem, na capital (sic) sua campanha eleitoral de 98, com uma grande e alegre passeata pelas principais ruas da cidade. O entusiasmo dos militantes contagiou milhares de pessoas que acompanharam das janelas das casas, calçadas, lojas e repartições públicas o grande ato de demonstração de força do
PMDB. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 3.851, 2 out. 1998).
Abertas as urnas viria a surpresa: Jorge Viana, ex-prefeito de Rio
Branco, vencera com 57,7% dos votos válidos.
O novo governador aproveitaria a boa popularidade para tentar eleger,
logo em 2000, o prefeito de Rio Branco por sua coligação. Encontraria uma
dificuldade: Flaviano Melo, derrotado em 1998 da tentativa de reeleição para
o Senado, sairia em 2000 candidato a prefeito de Rio Branco. Nesse pleito, A
Gazeta teria novamente papel fundamental.
O contexto histórico exigiria, portanto, a superação de antigas
rivalidades em um novo arco de alianças que garantisse a reconquista da
prefeitura de Rio Branco: o MDA.
3.1.3 A Tribuna: quem dá mais?
Na segunda quinzena de março de 1993, logo após a posse de Viana
e da vice Regina Lino e com o governo Magalhães imerso em denúncias de
corrupção, surge como quinzenário o que viria a ser o terceiro diário138
do
Acre: A Tribuna. O empreendimento é resultado de uma sociedade entre Eli
138
A Tribuna se tornaria diário a partir da edição 168, a 13 de agosto de 1996.
134
Assem de Carvalho - ex-funcionário do Serviço de Divulgação do Estado do
Acre (Serda) que se tornou próspero empresário do setor gráfico nos anos
90, misteriosamente ao mesmo tempo da extinção do próprio Serda - e o
jornalista Antonio Stelio de Castro.
Segundo o jornalista Altino Machado, há, na origem deste matutino,
mais questões ocultas do que admitem os seus sócios fundadores. O jornal
seria resultado, diz ele, de um processo de dilapidação da máquina pública,
especialmente no setor gráfico. Além disso, o capital usado para fundá-lo
seria oriundo do governo do Estado, na gestão Edmundo Pinto:
O Serda foi extinto pelo então governador Edmundo Pinto como um acerto de contas, decorrente de gastos durante a campanha eleitoral, com dois sócios informais dele – os empresários do setor grátifo (sic) Ely Assem de Carvalho, ex-funcionário do próprio Serda, e Luis Carlos Pietschman, que virou chefe do Gabinete Civil do Acre. (...) A partir da efêmera gestão de Edmundo Pinto, o Diário Oficial do Acre passou a ser impresso na gráfica de Ely Assem de Carvalho e assim continua até hoje. Os demais serviços passaram a ser dirigidos para a gráfica de Pietschmman, que estava no mesmo hotel onde o então governador foi assinado (sic) em São Paulo, em maio de 92. Como é de praxe para a maioria dos governadores acreanos, Edmundo Pinto se tornou dono de um jornal, A Tribuna, fundado por Ely Assem de Carvalho, mas jamais apareceu no contrato social da empresa. Ambos compraram com dinheiro público, claro, uma máquina com capacidade para imprimir 70 mil jornais por hora, embora A Tribuna circule, em média, com 300 exemplares. (MACHADO, 2008).
A estreita vinculação entre Estado, disputa política e o jornalismo de A
Tribuna evidencia-se também editorialmente: as manchetes da primeira
edição anteciparam o que seria a marca do veículo: a fidelidade a qualquer
grupo político no poder. Não havia, ao contrário do que ocorrera com O Rio
Branco e A Gazeta, vinculação fixa a um grupo partidário.
Esse estilo editorial possui elementos importantes para a pesquisa
bibliográfica sobre a produção jornalística no Acre. Ainda na edição 1, ao
denunciar o superfaturamento das obras de duplicação da via Custódio
Freire, em Rio Branco, acrescenta-se na legenda da fotografia de capa que “a
duplicação da Custódio Freire está sendo investigada pelo Governo do
Estado”. Curiosa revelação, considerando-se que a obra fora realizada no
próprio governo Pinto/Romildo.
135
Como manchete secundária, o quinzenário estampara uma fotografia
de Jorge Viana ao lado da vice-prefeita, Regina Lino, ao lado dos seguintes
dizeres:
Uma grande dor de cabeça começa a surgir para o prefeito Jorge Viana e sua vice, Regina Lino – o casal vinte da política acreana. É que dezenas de funcionários da prefeitura que estão sendo e foram demitidos, iniciaram uma tremenda campanha contra os dois. Os demitidos alegam que ambos estão traindo uma promessa de campanha, quando afirmaram que não iriam demitir. “Traidores”,
“autoritários” e “enganadores” são os termos usados por eles. (A
TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 1, mar. 1993).
Na quinta página, o anúncio do paradigma editorial a que o veículo
supostamente se filiara:
Jornal A Tribuna. Um jornal que não se dobra. Um quinzenário que mostra os dois lados da notícia. A tribuna de denúncias da população. A imparcialidade em primeiro lugar. (idem).
Na edição 5, que circula na primeira quinzena de maio de 1993, A
Tribuna resolve fazer coro com O Rio Branco no tema mais explosivo e
misterioso da época: o assassinato do governador Edmundo Pinto e as
supostas conexões com interesses empresariais envolvidos no desvio de
vários milhões do FGTS.
Para o semanário não há dúvida a respeito: Odebrecht tramou e pagou
pela morte de Edmundo é o título principal de capa, impresso em fundo
vermelho, com a foto dos três réus do caso e os dizeres Caso Edmundo –
exclusivo. A extensa matéria, resultado de um trabalho de investigação
jornalística, ocupa quatro das 16 páginas do jornal, então em formato
tablóide139
. A tese central é que a morte do governador fora queima de
arquivo para impedir a divulgação de nomes durante o depoimento na CPI do
FGTS. A edição traz ainda entrevista com um dos condenados pelo
assassinato, afirmando que recebera dinheiro para matar o governador.
139
Na edição número 118, de 9 a 15 de outubro de 1995, A Tribuna adota o formato standard, maior e mais
estreito.
136
Na mesma edição inicia-se o flerte com o poder. Fotografia do
governador Romildo Magalhães ilustra o editorial de capa Virada e tem o
seguinte conteúdo:
Um alerta: pouca gente está percebendo o grande significado das obras que o governador Romildo Magalhães deu o ponta pé (sic) inicial no começo deste mês que ele chama de “o ano da virada”. Para exemplificar basta lembrar que no governo Flaviano Melo, foram executados asfaltamento de 52 quilômetros de ramais. Isso marcou pela administração que saiu com um elevado índice de aceitação popular. Agora o governador Romildo Magalhães começa a implantar, com recursos próprios na ordem de Cr$ 200 bilhões, que irá asfaltar mais de 200 quilômetros de ramais, o que irá beneficiar milhares de produtores rurais que, enfim, poderão escoar a sua produção. Isso sem dúvida é um marco na história política do Acre, já que nenhum governante outrora ousou tamanha façanha. Esse mérito, ninguém tira do governador Romildo Magalhães. Está aí, portanto, esclarecida para toda a população do Estado, o significado social desta obra que é extremamente positiva, justamente porque vai de encontro não só às necessidades dos colonos e produtores espalhados pelos projetos de assentamentos e outras localidades, como também vai de encontro à vocação agrícolas (sic) do Acre. No caderno especial de um ano de governo, que publicamos como encarte nesta edição especial de A Tribuna, não poderíamos de (sic) esclarecer tal fato, já que, o Acre e os acreanos, não poderiam
esperar pelas benesses de outrem. (A TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 5, mai. 1993).
Apesar da trajetória editorial aparentemente confirmar as afirmações
de Machado sobre a origem de A Tribuna, o uso de recursos do tesouro
estadual na transação nunca foi objeto de investigação oficial.
A sociedade inicial entre Carvalho e Castro rompe-se em 1994. Em
trabalho monográfico, Tatiana Sá de Lima, refletindo sobre a relação entre os
políticos e o então semanário, observa que
Uma dessas perseguições foi quando em 1994, o então presidente da extinta Sanacre (Companhia de Saneamento do Estado do Acre), Carlos Airton Magalhães, enfurecido com uma matéria que estava sendo elaborada pelo editor-chefe Antonio Stelio, sobre corrupções dentro da empresa, foi até a sede do jornal junto com outros “capangas” e levou todas as edições do jornal e equipamentos da gráfica. Assem ainda sofreu agressões verbais, físicas e ameaças de morte. Toda a equipe do A Tribuna ficou sem trabalhar durante três dias. Após o acontecido a sociedade entre Assem e Stelio foi desfeita e o jornalista Mário Emilio assumiu a editoria do jornal. Também em 1994 o jornal fechou durante dois meses, por motivos financeiros. (LIMA, 2008).
137
Carlos Airton Magalhães Santana de Souza, citado pela pesquisadora,
era sobrinho do então governador, Romildo Magalhães, e encontrava-se na
disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados para as eleições de 1994. A
tentativa de evitar um escândalo jornalístico com o órgão que ele
administrava tinha, portanto, razões mais profundas que a mera propensão à
violência. Apesar de brutal, a iniciativa funcionou perfeitamente: Airton seria
eleito deputado federal pelo PPR.
A venalidade com que A Tribuna postava-se em relação aos diferentes
partidos e agremiações da política acreana possibilitou uma preocupação
maior com a imparcialidade da notícia. No entanto, os textos relacionados aos
atos do governo ocupam a maior parte das edições. Os que citam os
candidatos são, ainda, cuidadosamente omissos em relação às candidaturas
oposicionistas. Com isso o jornal evitava o desgaste com o poder e
melhorava a sua imagem. Nas referências às candidaturas apoiadas pelo
prefeito ou governador em exercício o diário cumpria, no entanto, seu papel
tanto quanto os demais: estabelecer o candidato como a opção mais
adequada e ética para o voto de confiança dos eleitores.
Exemplo salutar desse comportamento é a edição de 23 a 30 de
agosto de 1994, diante da escolha do PPR sobre o prefeito de Cruzeiro do
Sul, Orleir Cameli, para a sucessão de Romildo Magalhães. Matéria intitulada
Orleir muda Cruzeiro, ilustrada por bela fotografia colorida do sorridente pré-
candidato, o jornal informa que:
O prefeito de Cruzeiro do Sul, Orleir Cameli, vem dando um exemplo de administração, já obtendo quase a unanimidade na aprovação popular. A ação da Prefeitura naquele município impressiona não só os moradores da cidade, como também os visitantes. Durante o recente encontro de prefeitos, autoridades e convidados de todo o Estado puderam observar o mutirão permanente de obras em execução, o que levou o ex-prefeito de Macapá, João Capiberibe, a considerar a administração Orleir Cameli como única em todo o País.
(A TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 15, ago. 1994).
Outro exemplo é a edição da segunda quinzena de junho de 1993, cuja
manchete principal elogia as ações do então governador Romildo Magalhães.
Em três linhas, longo título informa que Romildo marca o 31º aniversário da
138
emancipação política acreana com inauguração de 153 obras. Texto logo
abaixo emenda que:
O Acre entra no caminho da maturidade ao completar seus 31 anos de emancipação política. Tudo aconteceu graças ao senador José Guiomard dos Santos, autor do projeto que transformou o então Território do Acre em Estado, no dia 15 de junho de 1962. O presidente João Goulart assinou o decreto e o professor José Augusto foi eleito o primeiro governador constitucional do Estado do Acre. O atual governador, Romildo Magalhães preparou uma grande programação especial para comemorar a data. Deputados, populares, historiadores opinas (sic) nesta edição especial de A TRIBUNA sobre o significado desta data. Para o leitor, damos de presente esta edição que se constitui num verdadeiro documentário histórico, preenchendo
lacunas antes irreparáveis. (A TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 7, jun. 1993)
A mesma edição traz texto sobre as ações da deputada federal Célia
Mendes, intitulado Célia Mendes anuncia verbas:
A deputada Célia Mendes (PPR) teve audiência com o ministro da Justiça Maurício Correia, com quem conseguiu recursos na ordem de Cr$ 284 bilhões para ampliação da penitenciária de Rio Branco, que ganhará um pavilhão de segurança máxima e um pavilhão agrícola. (idem).
Em editorial de capa, em tom grave, solene, texto convida o povo a se
punir pelo quadro de desigualdade social e crise política em que se
encontrava:
Ao momento em que se comemora os seus 31 anos de emancipação política com a passagem para Estado em 15 de junho de 1962, necessário se faz registrar que foram 12 governadores que nos comandaram neste período. De José Augusto a Romildo Magalhães, milhares de idéias foram discutidas e, ao que parece, nenhuma delas pois a população acreana (sic) em melhores condições de vida. Por isto, devemos aproveitar esta data para realizar uma profunda reflexão e avaliação politicamente (sic) toda a nossa situação. Claro que muitos dos governantes tiveram boas intenções procurando oferecer uma vida digna à população. Houve também os relapsos e oportunistas que contribuíram demasiadamente para esta caótica situação. Que o povo reflita, pois, seriamente no passado, para não reclamar no futuro. Esta deve ser a nossa lição. (ibid.)
Na edição que cobre o período de 28 de junho a 7 de julho de 1994, A
Tribuna traz como título principal Orleir lidera para o governo. O texto expõe
pesquisa de opinião realizada “em 12 municípios do Estado” pelo próprio
139
jornal com apoio de uma empresa denominada Unydata. Logo abaixo, novo
texto informa que Eleitor aprova a administração de Romildo – era 54,4% de
aprovação contra 32,1% de desaprovação. Há mais sobre o governo
Magalhães, que, naquele momento, encontrava-se em severa crise e de
laços rompidos com o PPR, que apoiara Cameli. Ao abordar um reajuste
salarial concedido pelo Estado ao funcionalismo público, o jornal faz uma
comparação curiosa: Reajuste de 45% do Estado supera o da prefeitura. Em
editorial do lado direito, elogia-se o aumento, tomado como um préstimo, um
mimo do Estado aos servidores:
Em um período de incertezas quanto ao futuro do país, convulsionado por um novo plano econômico, pela proximidade das eleições e pela crise econômica e social, o governo do Estado dá um exemplo de trabalho, de compromisso e de que sabe com precisão definir suas prioridades. O reajuste de 45% - com a perspectiva de outros aumentos até maiores nos próximos meses -, às vésperas da URV, comprova que o acordo entre o governo e os sindicatos era pra valer, o que os próprios sindicalistas no fundo não acreditavam. Da mesma forma, a mudança de estratégia política e administrativa, priorizando áreas sensíveis às reivindicações populares, demonstra a vontade de acertar do governador e de sua equipe. Seja ao definir segurança e saúde como metas principais este ano, seja em abrir o palácio ao povo, em audiências livres de burocracia e protocolo, o governador Romildo Magalhães deixa impressa a sua marca pessoal – a de administrar segundo um projeto popular e dinâmico, centrado em uma perspectiva de comando sensível às influências dos cidadãos organizados. Com isso, o governo ganha pontos e se firma no conceito dos acreanos. O reajuste salarial, junto com a virada do governo, sentida em todos os setores, é um importante fator político que vai pesar na avaliação final dessa
administração. (A TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 42, mar. 1994)
Em 1996, quando acirra-se a disputa pela prefeitura de Rio Branco,
texto de capa na edição de 6 a 12 de maio intitula-se Mauri dispara na frente.
Trata-se da explanação de uma pesquisa eleitoral, novamente realizada “com
exclusividade” a pedido do semanário pelo Instituto Brasileiro de Opinião
Pública (Ibope). Segundo a pesquisa, o candidato peemedebista já contava
com 44% das intenções de voto, contra 19% de Marcos Afonso (PT) e 11%
de Sérgio Taboada (PC do B).
O jornal ocupa-se prioritariamente em divulgar as ações do governo do
Estado do que propriamente com o futuro da prefeitura da capital. Há, porém,
140
realização de propaganda negativa em desfavor da prefeitura de Rio Branco,
ocupada por Jorge Viana. Desde 1995, tenta-se passar a ideia de que a
gestão petista fora um fracasso.
Na edição de 20 a 25 de fevereiro de 1995, por exemplo, a manchete
principal Prefeitura não paga obra e a Justiça decreta intervenção tenta
demonstrar que a prefeitura estaria na mira da Justiça por atrasar a
construção de uma escola – a leitura atenta do texto demonstra, porém, que
o decreto de intervenção não ocorrera, nem ocorreria mais tarde. A prefeitura
havia contestado o superfaturamento dos preços da obra, levando o
Ministério Público Estadual (MPE) a questionar o motivo do atraso. Na
mesma edição, do lado esquerdo da suposta irresponsabilidade
administrativa petista, a fotografia opulenta do governador Orleir Cameli com
o Palácio Rio Branco ao fundo emoldura o título Orleir vai aos EUA dia 6 de
março. O governador, segundo o jornal, viajaria para “se reunir com entidades
internacionais e bancos financiadores em busca de recursos para obras de
infra-estrutura no Estado”.
Outro exemplo é a manchete principal de 6 a 12 de novembro também
de 1995, intitulada “Embargo não pára Orleir: Nem a ordem da Justiça
conseguiu parar as máquinas e homens que trabalham na reforma e
ampliação do pronto Socorro do Hospital de Base”. Logo abaixo, outra
matéria, ilustrada com a imagem de um assustado Jorge Viana, tem por título
“Acredata bloqueia Jorge: empresa suspende serviços à Prefeitura por falta
de pagamento”.
É em plena campanha eleitoral, no segundo semestre também de
1996, que A Tribuna torna-se o terceiro jornal diário do Acre. Mantém, no
entanto, a característica venalidade: todas as cores partidárias consolidadas
no poder merecem espaço e destaque. Não há, nesse sentido, adesão
editorial a um grupo político específico, exceto os apoiados por quem
estivesse no poder.
Essa estratégia se manteria na disputa pela sucessão de Cameli. A
edição de 3 de outubro, dia das eleições, traz chamada lapidar no topo da
primeira página: Orleir foi governador que mais valorizou setor educacional. O
texto tenta colocar em evidência o secretário de Estado de Educação do
141
governo Orleir, Alércio Dias, burlando assim a nova legislação eleitoral140
que
proibia a publicidade de candidatos durante a campanha.
Com a vitória de Jorge Viana em 1998, porém, o jornal abandonaria
Orleir e Alércio, investindo a partir de então no que entendia ser o “modo
petista de administrar”. Nem mesmo o tênue equilíbrio conquistado pelo
PMDB a partir da vitória de Flaviano Melo no pleito municipal seguinte, em
2000, demoveria o jornal da sua posição: as políticas do governo do Estado e
da prefeitura de Rio Branco, inclusive a propaganda eleitoral – a partir de
então, mais sutil por conta da nova legislação – frequentariam as páginas
desse jornal com a mesma frequência.
Por conta dessa característica, A Tribuna é um veículo salutar para
compreender os tipos de interesses em jogo que subjazem as disputas
eleitorais, embora as integrem. Trata-se da sobrevivência dos jornais como
agentes de fomento da opinião pública, sob todas as condições. É com esse
poder, que os diferentes governos instrumentalizam, que os jornais disputam
o consenso em favor de reformas políticas necessárias para o
aprofundamento do modelo político e econômico mais condizente com os
interesses das classes dominantes, que também integram. É também assim
que ganham legitimidade social como meios de comunicação, melhorando o
seu produto na exata medida em que ampliam o seu negócio.
O jornalismo comprometido com as fontes financiadoras também
permitia ao jornal A Tribuna passar ao largo das intrigas doutrinárias,
garantindo assim a sua sobrevida em tempos de crise.
3.1.4. Página 20: o galinho bom de briga141
140
Lei Federal 8.504, o novo Código Eleitoral entrara em vigor no ano de 1997. 141
A expressão “Galinho bom de briga” e o desenho de um galo usando luvas de boxe foram criados pelo
humorista acreano Francisco Braga, a pedido de Antonio Stelio de Castro, primeiro dono do Página 20. A
expressão e a caricatura apareciam na primeira página e foram extintas em 2001, com a aquisição do jornal pelo
grupo empresarial E. D. Dantas Filho. Em matéria comemorativa sobre os seus 10 anos, o jornal relembra: “Para
simbolizar a principal característica do jornal, Francisco Braga teve a ideia do slogan ‘Galinho bom de briga’ -
segundo ele, por ser um periódico cujo tamanho era menor que os outros (assim como o próprio diretor, Antonio
Stélio), por brigar com os poderosos do Estado e outros jornais. ‘Quem acorda cedo, fala alto e manda no
terreiro? É o galo’, justifica o chargista.” BARROZO, Marcela. A identidade 20. Página 20, Rio Branco, 3 mar.
2005.
142
Com a primeira edição circulando a 5 de março de 1995 como
semanário, Página 20 é o quarto e mais novo jornal acreano. Seu surgimento
se dá em meio a várias denúncias de corrupção contra o governo Orleir
Cameli, levantadas pelo próprio jornal. A FPA, que perdera a eleição para
Cameli no ano anterior, mantém no Página 20 diversos colaboradores que
seriam importantes administradores do futuro governo petista142
.
Além de tornar pública a corrupção no governo Cameli, o jornal
populariza e viabiliza as candidaturas da FPA para o pleito municipal
seguinte, o de 1996, visando especialmente a prefeitura de Rio Branco. A
mesma tática é repetida em 1998, na eleição que deu ao PT o governo do
Estado.
Trata-se, portanto, de estratégia inversa àquela adotada por A Tribuna.
Tal como A Gazeta e O Rio Branco, o Página 20 tinha projeto político
delineado, que defendia por meio da exposição de notícias. Por isso, o
Galinho desfere o primeiro ataque à gestão Cameli logo na primeira edição,
com o título Deputado acusa Orleir de devastar a Amazônia e proteger
assassinos de Chico Mendes. O parlamentar em questão era Vagner Sales,
primo de Cameli.
A corrida para promover as candidaturas da FPA, em Rio Branco e no
interior do Acre, inicia-se em 1996 bem antes da campanha eleitoral oficial.
Interessava ao PT eleger o sucessor de Viana na prefeitura de Rio Branco, o
que exigia enfrentar, no campo da propaganda informativa, os jornais
opositores: A Gazeta, A Tribuna e O Rio Branco.
A 22 de agosto de 1996, com texto intitulado Mauri trai os professores,
o jornal começa o bombardeio ao candidato peemedebista, principal rival do
PT. Na manchete de capa, uma fotografia de Mauri, de dedo em riste e olhar
assustado, ocupa mais de metade de toda a capa. A estratégia editorial,
ousada, enchia os olhos com textos bem escritos e imagens amplas.
No mesmo passo, o jornal busca também imagens positivas da gestão
municipal petista. É o caso da edição de 3 a 9 de dezembro de 1995, que
142
Tião Maia, Marcos Vicentti, Leonildo Rosas, Rachel Moreira, Lamlid Nobre e outros jornalistas da primeira
equipe do Página 20 se tornariam assessores de imprensa de vários órgãos estatais, a partir de 1999. Além deles,
143
traz, sob a imagem de Jorge Viana, o título Jorge Viana traz mais de R$ 1
milhão de Brasília em convênios.
A linha editorial duramente crítica ao governo denuncia diversas
irregularidades administrativas, mesmo antes de 1998. A edição de 19 a 25
de novembro de 1995 tem como manchete principal, por exemplo, Governo
faz festival com verba secreta, denunciando uso particular de dinheiro público.
A mesma capa traz ainda Pesquisa avalia Orleir e Jorge, comparando a
gestão de ambos e colocando o petista com ampla margem de simpatia
popular.
A edição de 21 a 27 de maio de 1995 traz nova denúncia: Picaretagem
invade licitações públicas do Estado, denunciando superfaturamento,
falsificação de documentos e outras irregularidades cometidas na gestão
Cameli. No segundo semestre de 1996, Página 20 torna-se jornal diário,
mantendo o formato tabloide.
A grande batalha de 1998 se dá também nas páginas do “Galinho”. A
edição de 12 de setembro traz matéria de duas páginas intitulada A força do
Juruá: empresários de Cruzeiro do Sul fecham o comércio e fazem ato de
apoio a Jorge e Tião Viana. A edição de 27 de setembro traz entrevista com o
candidato a deputado federal Marcos Afonso, que declara: Sou candidato a
deputado federal para honrar o nome do Acre em Brasília.
Afonso tinha sido derrotado antes: na disputa com o peemedebista
Mauri Sérgio pela prefeitura de Rio Branco.
A 29 de setembro de 1998, fotografia de capa inteira, artifício editorial
raro no jornalismo, mostra Jorge e Tião Viana em pé na carroceria de um
automóvel, em carreata, fazendo gestos de vitória. O título é superlativo,
lembrando os áureos tempos do jornal O Rio Branco, quando se alinhava ao
projeto político da Ditadura Militar: Jorge e Tião fazem a maior carreata da
história do Acre. No subtítulo, esclarece-se que “mais de 2.600 carros
participaram do trajeto, que foi de Rio Branco ao Quinari”.
quadros do PT e do PCdoB faziam colaborações ocasionais para o jornal, como: Nilson Mourão, Aníbal Diniz,
Toinho Alves, Altino Machado, Marcos Afonso e outros.
144
A 2 de outubro, véspera do pleito, matéria ataca o candidato do PFL:
Calote eleitoral: publicitário processa Alércio Dias por uso indevido de
logomarca.
A construção do consenso em favor do PT pelo Página 20 favoreceu-
se dos silêncios episódicos de O Rio Branco e A Gazeta, nomeadamente nas
eleições de 1994 e 1998, restando apenas A Tribuna que limitava-se a
divulgar os atos do governo e à propaganda negativa da prefeitura petista.
Os rompimentos internos já mencionados no PMDB e no PPB/PPR,
que suspenderam ou enfraqueceram o trabalho ideológico dos jornais, deram
margem para maior penetrabilidade do Página 20, auxiliando a sua
constituição como veículo de comunicação de prestígio e melhorando, ao
mesmo tempo, a imagem social da FPA.
Eleito em 1998, Jorge Viana seria o novo governador do Acre. O
Página 20 buscaria a partir de então construir consensos em torno do
candidato a prefeito de Rio Branco pela FPA em 2000, Raimundo Angelim.
Nesse trabalho, a FPA enfrentaria a poderosa coalizão do MDA, exigindo um
intenso trabalho de investigação e denúncia, concentrados agora sobre a
gestão Mauri Sérgio.
Sob o governo Jorge Viana, portanto, o Página 20 ampliaria a equipe
de redação e investiria em inovações editoriais.
3.2 UNIFORMIDADE EDITORIAL NO GOVERNO JORGE VIANA
Além da diversificação editorial segundo os interesses dos grupos
políticos em disputa pelo poder, outro fenômeno importante detectado pela
pesquisa foi a uniformização da imprensa após a chegada de Jorge Viana ao
governo. O fenômeno consiste no apoio dos quatro jornais ao projeto de
poder da FPA, traduzindo-se em textos amistosos sobre as suas realizações.
Detectou-se três etapas neste processo, com diferentes graus de
resistência por parte dos jornais: a partir de 1999, com a chegada da FPA ao
governo; a partir de 2003, com o primeiro mandato de Luís Inácio Lula da
Silva no governo federal; e a partir de 2005, com a eleição de Raimundo
Angelim para a prefeitura de Rio Branco.
145
Vencidas essas três etapas, que consolidaram o PT no cenário político
local e nacional, os jornais passaram a reproduzir as mesmas notícias sobre
o governo do Estado. Até 2004, os jornais A Gazeta e O Rio Branco
resistiram, na esperança de eleger os representantes dos seus respectivos
grupos políticos e minar o poder petista. Enquanto isso, A Tribuna e Página
20 mantiveram-se alinhados com a FPA, especialmente a partir da vitória de
Lula.
Outro fenômeno detectado foi que a maior parte das notícias positivas
em relação ao governo era produzida pelo próprio governo, por meio da
Secretaria de Estado de Comunicação Social (Secom). As matérias,
originalmente dirigidas aos órgãos oficiais de comunicação, eram copiadas
integralmente pelos jornais, que em alguns casos adulteravam a sua autoria
ou acrescentavam parágrafos para disfarçar a origem do texto.143
Não há indícios de que exista, da parte do Estado, qualquer tentativa
de impedir a transcrição desses textos por jornais privados. Trata-se de
questão potencialmente polêmica, uma vez que fere o código deontológico144
da profissão devido a relação comercial entre jornais e governo145
.
A transcrição dos press-releases estatais não é problema também para
os donos dos jornais.
143
Esta prática, que não é específica da imprensa acreana, tem causado controvérsias e debates, especialmente
em fóruns e blogs da internet. 144
Em estudo sobre a publicação de textos enviados por assessorias de empresas e de órgãos públicos nos jornais
pernambucanos, cita-se: “Quase semanalmente, Jornal do Commercio e Diario de Pernambuco trazem
encartados, sem diferenciação tipográfica ou mesmo de estilo editorial, publicações pagas por instituições
públicas e privadas, geralmente um resumo – em forma de reportagens – do que determinada empresa realizou
num determinado período de tempo. Prefeituras e estatais são campeãs desse novo tipo de ‘serviço jornalístico’,
que, não custa ressaltar, muitas vezes não vem identificado como material de cunho publicitário, e não poucas
vezes é escrito, fotografado e editado pelos mesmos profissionais que fazem parte do corpo de jornalistas
contratados desse veículo. Ou seja, os jornalistas que escrevem esses textos ‘encomendados’ são os mesmos que
trabalham para levar ao público informações conseguidas através do trabalho diário de apuração. Cornu (1998)
afirma que o ‘informe publicitário’ não tem qualquer relação com a deontologia do jornalismo, sendo apenas
mais uma forma de fazer publicidade.” SANTANA, Adriana Maria de Andrade. CTRL+C CTRL+V: O
Release nos Jornais Pernambucanos. 2005. 188p. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Faculdade de
Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005. 145
Em cumprimento ao Art. 37 da Constituição Federal, que exige dos agentes públicos ampla publicidade dos
seus atos, os órgãos públicos recorrem aos jornais para publicar campanhas publicitárias e prestações de contas
de atos administrativos. A lei, porém, não se refere aos jornais comerciais especificamente, limitando-se a exigir
a publicação dos atos administrativos. Com base nisso, os diversos poderes possuem jornais próprios, os diários
oficiais, destinados unicamente a este fim. A publicidade nos jornais, paga com recursos do Estado, permanece.
146
Aconteceu sim, nós recebíamos material [noticioso]. Só que o Página
20 em relação ao governo, quando ele assumiu, tinha uma coerência.
Os outros não, os outros mudaram. Todos os que eram contra o PT
passaram a ficar a favor. Nós, não. Nós lutamos para colocar o grupo
no poder e lutamos para sustentar. Então durante o governo eu isento
o Página 20 de qualquer crítica de subserviência porque ele estava
numa coerência, ele vinha lutando, dava sustentação ao grupo e
conseqüentemente daria também sustentação no governo. Então ele
dava esse apoio porque existia uma coerência. Já os outros, não,
sempre foram contra a esquerda e se tornaram depois a favor.
CASTRO, 2009.
Para este trabalho, no entanto, não se trata de mera pirataria
intelectual ou de intervenção indevida do Estado na pauta jornalística. A
defesa de interesses privados - dos proprietários privados - no espaço público
é o que deu ao jornalismo a possibilidade de desenvolver-se como meio
legítimo de comunicação social ao longo da história. Esta característica é
uma das estratégias dos jornais para atuar, na análise gramsciana, como
agentes privados de hegemonia.
Pela mesma razão, os proprietários dos jornais não veem problema em
propagar textos institucionais do Estado como notícias. Na visão deles, trata-
se de material informativo de interesse público que o Estado deve permitir a
divulgação e reprodução para que se permita a fiscalização do próprio Estado
pelos cidadãos146
. Está presente, nessa visão, a concepção orgânica da
sociedade – a noção de interesse público que disfarça o interesse privado da
classe a que pertencem esses proprietários e seus jornais. A noção de
jornalismo como ideologia só aparece quando é desvendada esta
mistificação.147
146
Nas entrevistas acostadas ao apêndice do presente trabalho, percebe-se que a esse discurso soma-se a
exigência, ainda em nome da liberdade de imprensa, que o Estado não interfira na produção de conteúdos,
exigindo diretamente a publicação de textos institucionais como condição para a contrapartida nos contratos de
publicidade. Este argumento tem o dom de deslocar, caprichosamente, o centro decisório da liberdade de
imprensa para o arbítrio do próprio Estado, abrindo o caminho, ademais, para classificar os mais diferentes
governos como republicanos ou totalitários – classificação realizada, claro, pela própria imprensa – na medida
em que respectivamente atendem ou deixam de atender . 147
Na seção VII do Livro III de O Capital, intitulada Os Rendimentos e Suas Fontes, Karl Marx usa a expressão
“mistificação” para designar os processos por meio dos quais as categorias se apresentam aos agentes no
processo de produção de modo a esconder os seus nexos essenciais. É este o sentido da expressão também aqui.
147
3.2.1 Jornalismo homogêneo
A uniformização do jornalismo acreano a partir de 1999 foi um
processo a que os quatro jornais analisados se filiaram lentamente.
A partir do primeiro dia do primeiro mandato de Jorge Viana, O Rio
Branco, A Gazeta, A Tribuna e Página 20 iniciaram a transmissão de imagens
favoráveis ao governo. Eram as comemorações pela posse, com as
expectativas sobre a nova gestão e a divulgação dos primeiros atos
institucionais. Todos os jornais passaram a divulgar, nesta fase, textos e
imagens sobre as medidas moralizadoras da equipe de Jorge Viana.
Iniciada a corrida para as eleições municipais do ano seguinte,
pipocaram também as divergências.
A FPA, que lançara o economista e professor universitário Raimundo
Angelim para a prefeitura de Rio Branco, enfrentaria pela primeira vez PPB e
PMDB na mesma chapa, acrescidos do PFL.
Era o MDA, que lançara mão do seu representante mais proeminente:
Flaviano Melo, ex-governador e ex-senador da República pelo PMDB, para
disputar a prefeitura de Rio Branco. Era trabalho urgente: em 1998, divididos,
os partidos lançaram Alércio Dias, pelo PPB, e Francisco Brígido pelo PMDB.
Os jornais se posicionam rapidamente.
Em A Tribuna, as velhas críticas ao novo grupo político deram lugar
aos textos sobre as ousadas ações de governo com títulos grandes e
coloridos. As matérias chegavam a adotar tons comemorativos. Nos primeiros
meses de 1999, o anúncio do secretariado, os desafios da nova gestão e
fotografias em destaque são apresentados junto de notícias sobre
desemprego, violência e outros. Mantinha-se, também aí, a característica
adesão do jornal a qualquer grupo no poder.148
Esta característica permitiria que A Tribuna guardasse aparente
coerência durante o processo de homogeneização editorial que se
148
A divulgação dos atos da prefeitura comandada por Mauri Sérgio (PMDB), com textos produzidos pela
Assessoria de Imprensa do Executivo Municipal, também era realizada por A Tribuna nesse período. O mesmo
era seguido pelos demais jornais.
148
aproximava. O processo, que entre 1999 e 2006 encontrou resistência
principalmente em O Rio Branco e A Gazeta, foi assimilado também sem
reservas também pelo Página 20.
Forjado na luta editorial os grupos políticos tradicionais, chegando a ter
como redatores alguns nomes do novo governo, o Página 20 manteve a
mesma postura a partir de 1999. Nele, a posse de Jorge Viana foi saudada
como a redenção política do Acre, ao mesmo tempo em que se empreendiam
duras críticas às ações da prefeitura de Rio Branco. A partir de 2005, com a
posse de Raimundo Angelim, o aspecto crítico desaparece completamente e
o jornal torna-se propagandeador das ações de Estado juntamente com
textos gerais sobre cotidiano, cultura, economia e outros assuntos.
Ainda em 1999, O Rio Branco passa a publicar textos com denúncias
contra o governo petista. A edição de 24 de março de 1999, por exemplo, traz
denúncia do deputado estadual Wagner Sales (PMDB): Campanha do PT foi
financiada pelo narcotráfico. Texto de capa, logo abaixo, complementa:
“Se a maioria dos comerciantes empresários da região de Cruzeiro do
Sul é traficante, a campanha de Jorge Viana foi bancada pelo
narcotráfico”. Com essa frase bombástica, o deputado Wagner Sales
(PMDB) rechaçou as insinuações que a deputada Naluh Gouveia fez
na tribuna da assembleia ontem, sobre a escalada do tráfico de
drogas na região. O deputado disparou a resposta em aparte à reação
do deputado César Messias (PPB), primo do ex-governador Orleir
Cameli, que reagiu violentamente aos ataques de Naluh, que afirma
que as autoridades competentes e o governo não estão tomando as
devidas providencias para conter o tráfico na região. (O RIO
BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n.
6.011, 24 mar. 1999).
No mês seguinte, em chamada de matéria de capa que avalia os
primeiros 100 dias de mandato de Viana, O Rio Branco adota tom mordaz:
Há cem dias, o governador Jorge Viana assumia o comando do
Estado do Acre prometendo gerar 40 mil empregos, acabar com a
corrupção, a violência e, ainda, adotar uma série de medidas que
149
iriam melhorar a vida da população. Os cem dias já se passaram e
Viana vem esbarrando em muitas dificuldades para cumprir a
promessa, no entanto, maioria das pessoas que foram entrevistadas
pelo jornal O Rio Branco, no período de 25 de março a 9 de abril,
continuam acreditando que muita coisa vai mudar para melhor nos
próximos quatro anos. Os deputados de oposição, como é o caso de
Wagner Sales, do PMDB, tecem duras críticas ao governo e dizem
que a vida só melhorou para quem faz parte da equipe de Jorge
Viana. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O
Rio Branco, n. 6.025, 11 abr. 1999).
Em A Gazeta, 1999 é ano de profundas mudanças. O jornal realiza
uma ampla reforma, que vai desde a modernização dos textos, tornados mais
curtos e objetivos, até a aglutinação de cargos nas redações, tudo em
consonância, segundo texto de capa publicado a 6 de janeiro, com a mais
recente tendência norte-americana. Segundo o jornal, a mudança em curso
Traz para o Acre o conceito de vanguarda de um jornalismo
polivalente, que vem sendo aplicado, com êxito, há pouco mais de
dois anos, nos Estados Unidos, e foi implantado, sete meses atrás, no
Brasil, pelo Jornal de Brasília. Esse conceito implicou na extinção de
todas as editorias e cargos de chefia na redação. Transforma o corpo
editorial numa equipe homogênea, apta a atuar, indistintamente, em
áreas tão diversas como sejam a política, meio ambiente, economia,
polícia, esportes, cidade. Uma valorização que contempla as
aspirações profissionais dos jornalistas e permite uma visão pluralista
do tratamento da notícia. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete
Serviços Editoriais, n. 3.924, 6 jan. 1999).
A inovação, estratégia para o corte de custos com a força de trabalho,
deve ser lida no contexto das mudanças provocadas pelo advento da internet,
transformando cada indivíduo em um jornalista potencial e retirando leitores
dos impressos. Na prática, o jornalismo polivalente significava a
reestruturação produtiva da empresa, repercutindo sobre a precarização da
profissão jornalística em todo o mundo. No Acre, com a mudança de governo
e o futuro financeiro incerto, A Gazeta tratou de se precaver incorporando
150
tecnologias e mudando a forma de gestão que enxugaram o quadro de
trabalhadores, viabilizando a produção a baixo custo.
Em relação ao governo da FPA, precaução era também a palavra de
ordem. A 12 de janeiro, o veículo publica que Jorge conduz pacto histórico. O
texto, assinado pelo repórter Altino Machado, cita o “megaesforço necessário
para recuperar as ruínas do Estado, resultantes da gestão do ex-governador
Orleir Cameli (PFL). O governador Jorge Viana (PT) realizou a proeza de
convencê-los do pacto”.
Esse clima de amenidades com a nova gestão da FPA seria mantido
por todo o ano de 1999, com ligeiras interrupções. A principal delas deu-se
em setembro, quando, no contexto das investigações que a CPI do
Narcotráfico realizava no Estado, A Gazeta publica extenso editorial de capa,
em duas colunas, intitulado Na encruzilhada. No texto, uma severa
admoestação:
De outra parte, enganam-se também aqueles que imaginam
pertencer a uma casta de vestais e que, portanto, julgam não ter nada
a ver com esta triste e dolorosa realidade. Por isso, se dão apenas ao
direito de acusar, de condenar, sem se impor o dever de fazer uma
autocrítica rigorosa e sincera sobre seus atos. Porque agora estão no
poder, acham que podem aproveitar-se da ocasião para humilhar e
destruir seus adversários políticos, cometendo os mesmos vícios dos
políticos tradicionais. Impressionante como alguns dos novos políticos
pegaram tão depressa o cacoete dos velhos políticos. Até no
linguajar.
Cuidado! A mesma mídia que hoje bafeja pode amanhã jogar uma
saraivada de pedras. E pelo que se está vendo, já começam a surgir
algumas situações incômodas, como a do empresário que foi
colocado na lista negra do narcotráfico, mas que num passado bem
recente teria financiado campanhas eleitorais. Ou do ex-governante,
que é pintado com as cores do diabo, mas se abrir a boca ou o baú
pode comprometer os que hoje se constituem seus principais algozes.
(A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 4.142, 30
set. 1999).
151
Era um aviso claro do incômodo que despertaram as investigações da
força-tarefa do Congresso Nacional sobre o narcotráfico no Acre. O aviso não
se repetiria, porém, e o clima de amenidades entre o velho porta-voz do
PMDB e a nova gestão petista permaneceria intacto até iniciada a corrida
pela sucessão de Mauri Sérgio na prefeitura de Rio Branco – nomeadamente,
a partir de 2000.
Devido a essas peculiaridades, os processos mais visíveis da
uniformização editorial, após décadas de disputa pelo poder para os grupos
partidários do Acre, estão mais claros em A Gazeta e em O Rio Branco.
A análise atenta das capas de A Gazeta nos governos Jorge Viana
(1999/2002 e 2003/2006) evidencia quatro grandes mudanças na sua linha
editorial: a) adesão imediata ao novo governo (ao longo de 1999); b)
realinhamento ao MDA e oposição à FPA (2000/2002); c) reaproximação
lenta à FPA (2002/2004); d) ausência de oposição (2004-2006).
A 22 de outubro de 1999, quase um mês depois do bombástico
editorial Na encruzilhada, A Gazeta publica outro, intitulado O domador de
tigres. Impresso sugestivamente em fundo verde, na capa, o editorial ocupa a
primeira coluna à esquerda. Trata-se de um conto sobre um domador que
tentou tornar vegetariano um tigre que criara desde filhote. Segundo o texto, o
domador perdeu o braço quando a fera, adulta, rejeitou os legumes e atacou
o dono. E conclui da seguinte forma:
Esta fábula tem tudo a ver com uma situação esdrúxula que ocorre
hoje neste Estado. Empresas e mais empresas, que conseguiram se
envolver em, praticamente, todas as grandes falcatruas, locupletando-
se com o dinheiro público – vide a lista dos devedores do antigo
Banco do Estado – continuam fazendo negócios com a administração
pública em todas as instâncias: municipal, estadual, federal.
Participam de licitações, assinam contratos, ganham tomadas de
preços, como se nada tivesse acontecido.
A impressão que dá – e o que preocupa é que não é só impressão – é
a de que governantes e administradores públicos continuam
acreditando que tigres, gatos, onças e outros felinos vão contrariar
seus instintos, deixando de ser carnívoros para se tornarem
vegetarianos. Como o domador “maneta”.
152
Era a segunda advertência em menos de 30 dias. Algo subterrâneo, não
declarado, estremecia as relações entre governo e A Gazeta fazendo o jornal
incomodar-se com os contratos do governo com outras empresas, que acusava de
corrupção. Ao não citar nomes, ao não afirmar se houve ou não processo legal para
apurar e punir as fraudes das quais parece se indignar, o jornal evidencia, mais uma
vez, que sabia mais do que expunha em suas páginas aos leitores.
O mal-estar, porém, não impediria que matérias citando positivamente as
ações do governo continuassem em evidência na primeira página: a 29 de janeiro
de 2000, texto com chamada de capa informando sobre o lançamento de um prêmio
de jornalismo pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Acre (Sinjac)
e patrocinado pelo Governo do Estado. Na capa de A Gazeta aparece o governador,
como sempre sorridente, cumprimentando os jornalistas.149
A partir de março de 2000 começam a ganhar destaque na capa matérias
sobre as realizações e obras da prefeitura de Rio Branco: era ano de eleições
municipais, então comandada pelo PMDB. Nessa fase, as matérias generosas
sobre o governo da FPA começam a escassear. O jornal começa a apresentar
denúncias contra o Executivo estadual. Exemplo salutar desse comportamento é a
capa de 16 de março, onde, sob matéria intitulada Detran vira novo alvo de
deputados, chamada de capa informa o seguinte:
O Departamento de Trânsito é o mais novo alvo da Assembléia
Legislativa. Ontem, vários deputados da oposição fizeram críticas ao
órgão. O deputado João Correia, PMDB, propôs uma sindicância no
Detran e também a revisão da autonomia financeira da instituição.
Pouco abaixo, texto ilustrado por uma significativa imagem de homens
trabalhando na pavimentação de um trecho do centro de Rio Branco dá conta que
Prefeitura asfalta ruas do centro.
149
Desde a sua primeira edição, em 2000, até a presente data, o prêmio de jornalismo José Chalub Leite,
realizado anualmente, paga prêmios em dinheiro para jornalistas de rádio, televisão e impressos que inscrevem
suas matérias e são avaliados por uma banca escolhida pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre
(SINJAC). O evento ocorre em dezembro, em alusão ao aniversário do jornalista José Chalub Leite, que
trabalhou em diversos jornais de Rio Branco. O governo do Estado é o principal patrocinador do evento.
153
Nesse ritmo, entre destaques sobre crimes, eventos esportivos e de lazer, o
jornal se manteria até 13 de julho, quando o jornal publica editorial de capa
contestando a fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e a nova legislação
eleitoral. Com linguagem estudadamente prudente, o jornal afirma que há um “zelo
excessivo de alguns promotores eleitorais”, acrescentando que
Inopinadamente, começaram a multiplicar representações contra
candidatos e contra veículos de comunicação, propondo multas
pesadas, exorbitantes, por atos ou supostas infrações à legislação
que, a rigor, não têm tido nenhuma influência maléfica contra esta ou
aquela candidatura.
A impressão que dá – e o pior é que não é só impressão – é a de que
querem transformar a legislação eleitoral, que é rigorosa, reconheça-
se, numa lei de censura, tão violenta quanto a dos velhos tempos da
ditadura. Conseguem enxergar propaganda ilegal em uma simples
notícia de jornal, em uma entrevista ou em um artigo, devidamente,
delimitado na página de opinião.
(...)
Espera-se que os senhores juízes eleitorais tenham mais
discernimento ao julgar essas ações, não se deixando levar por este
zelo excessivo ou farisáico (sic) na aplicação da lei. Uma campanha
eleitoral não é uma temporada de caça às bruxas, com ações
policialescas e repressivas. É um tempo propício para o debate de
idéias, de propostas de governo, que devem fluir de forma limpa,
tranquila. Excessos são a corrupção, a compra de votos, o mau uso
do dinheiro público. Contra isso, sim, os “fiscais da lei”, os zelotes,
deveriam se mostrar mais atentos e rigorosos.
Finalizando o texto, o matutino dá breve aviso sobre uma providência que
interferiria na produção editorial futura:
Diante dessa fúria em cercear, censurar e agravar a imprensa, na
interpretação da legislação eleitoral, A GAZETA deixar (sic) de
publicar, na página 4, como vem fazendo todos os dias, as matérias
dos três candidatos a prefeito de Rio Branco. O espaço ficará em
branco até que se tenha um entendimento mais democrático da
legislação.
154
A irritação voltaria no dia 27, em matéria intitulada Cresce indignação da
grande imprensa com a censura eleitoral no Acre. A chamada de capa tenta expor
as opiniões divergentes, no Judiciário, no Ministério Público, na própria imprensa e o
TRE, sobre a mudança no marco jurídico:
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral, desembargador Arquilau
de Castro Melo, disse ontem não existir nada que proíba a imprensa
de trabalhar na cobertura da campanha eleitoral. Segundo ele, tudo
depende da interpretação que a Justiça fará sobre cada caso que
será denunciado sobre as propagandas irregulares. Em São Paulo,
durante encontro de jornais da ANJ, realizado na última terça-feira,
ficou confirmado o repúdio à censura eleitoral no Acre. A repercussão
na mídia nacional ainda é grande. A decisão do juiz Longuini em punir
a imprensa no Acre causou indignação à grande imprensa de todo o
país.
A mesma edição traz uma carta, impressa em fundo azul e caracteres
brancos – as cores da campanha peemedebista – assinada pelo candidato do
PMDB à prefeitura, Flaviano Melo. Intitulado As lições do nosso Bispo, o documento,
enviado pelo bispo da Diocese de Rio Branco, Joaquín Fernández Pertínez, é
verdadeira declaração de fé e solidariedade cristãs:
Como cristão católico e como homem público, recebi com alegria e
confiança a Carta Pastoral de Don Joaquín Pertiñez, dirigida a todas
as comunidades da Diocese de Rio Branco. Suas palavras
orientadoras carregam a sabedoria dos verdadeiros pastores do
Evangelho e, preservando a Igreja como templo da salvação, reserva
a preocupação que todos devemos ter com o bem-estar comum para
o exercício livre, democrático e civilizado da cidadania. A Carta
Pastoral de Don Joaquín e seus “Dez Mandamentos” para eleitores e
candidatos é um roteiro indispensável a todos que desejam a política
como instrumento do bem para a paz e o progresso da nossa
comunidade.
Don Joaquín oferece aos católicos, à (sic) todos os cristãos e às
pessoas de boa vontade, conselhos que nos ajudam a encontrar com
155
segurança o exercício da cidadania e da política respeitando os
princípios sagrados da religião.
Lutar por uma arma pacífica e solidária, cultuar a verdade e não
prometer o impossível, buscar o bem-estar de todos e combater os
privilégios, respeitar a maioria e agir democraticamente, trabalhar em
favor da vida e combater a miséria e a fome, zelar pela ética e pela
honestidade; são essas, entre outras, as lições que tão sabiamente
nosso bispo dirige a todos nós, candidatos e eleitores.
Com fé em Deus, vamos fazer dessa jornada o exercício dos valores
pregados por nosso Bispo, para que possamos “exercer a ciência e a
arte de promover o bem comum”.
A batalha se explica pelo endurecimento do novo Código Eleitoral, a Lei
9.504/97. A disputa pelo direito de influenciar no voto do eleitor esbarrava, agora,
em detalhes jurídicos que exigiam, entre outras providências, que textos sobre os
candidatos fossem apresentados com os dizeres “informe publicitário”, tentando
vetar assim a prática, de velha data no jornalismo acreano, de enfatizar as ações
dos aliados e omitir as dos opositores para influenciar no voto do eleitor.
A queda-de-braço com o Judiciário ganha contornos dramáticos em 8 de
agosto, quando, faltando menos de dois meses para o pleito, A Gazeta circula com
uma tarja preta no canto superior esquerdo da edição e três palavras assombrosas
na manchete principal: A censura voltou. Abaixo, em três colunas, texto assinado
pela editora assistente, Lilian Orfanó, informa que o TRE julgara improcedentes os
recursos apresentados pela TV Rio Branco, jornal A Gazeta, A Tribuna e Página 20,
que haviam sido multados pela Justiça em primeiro grau. No último parágrafo,
comentando o julgamento, o texto desvenda a razão do resultado no TRE:
Segundo os juízes relatores Pedro Ranzi e Cezarinete Angelim, a
imprensa e os candidatos estariam usando a liberdade de expressão
pregada pela Constituição Federal para promover propaganda
eleitoral irregular.
Apesar do ataque à liberdade de expressão, o jornal já se adequara ao novo
marco jurídico. No canto inferior esquerdo, devidamente circundado por uma tarja
156
onde se lia, acrescido do “informe publicitário” exigido por lei, figurava notícia sobre
um comício da FPA no bairro 6 de Agosto.
A partir da vitória de Flaviano Melo para a prefeitura de Rio Branco em
outubro de 2000150
, A Gazeta passa a adotar um novo comportamento: enfatiza as
ações da prefeitura de Rio Branco e aponta várias denúncias contra o governo do
Estado. A guinada representa um retorno de A Gazeta ao seu habitat político natural
– o PMDB – e pode ser tomada como resultado direto da vitória peemedebista: a
mudança editorial ocorre antes mesmo da diplomação dos eleitos. Tanta pressa
também é explicável: o mandato de Jorge Viana no governo terminaria em 2002. O
do novo prefeito, só em 2004.
É nesse espírito que, a 2 de novembro de 2000, menos de um mês após a
eleição de Melo, o jornal já investe contra Viana: PMN desmonta manobra do
Governo e Sérgio “Petecão” sai enfraquecido para disputar reeleição na Assembléia
é a matéria principal da editoria de política, seguida de outra: Nabor desafia senador
do PT.
O mesmo tom encontra-se na edição de 22 de novembro, quando um longo
editorial de capa mostra que a mudança editorial era pra valer. Intitulado A próxima
vítima, o texto faz a defesa do diretor da Polícia Federal no Estado, Glorivan
Bernardes, acusado de corrupção. E acrescenta:
Onde estão os fatos, onde estão as provas de que o superintendente
exorbitou ou prevaricou em suas funções, para “assessores do
Governo” jogarem, irresponsavelmente, na mídia nacional, que ele
tornou-se um policial “suspeito”, para apurar o que vem ocorrendo
atualmente no Acre?
Que “ameaças” são essas se os “ameaçados” vão fazer compras nos
supermercados da cidade, de bermudas, à vontade, ou freqüentam
forrobodós em clubes?
Não há provas, não há fatos. Há a torpe difamação, que tem sido,
aliás, o sucesso real deste Governo: sua capacidade de difamar,
chamando os que não rezam pelo seu breviário de “ladrões”, de
“quadrilhas” e, agora, a categoria mais nova, a dos “suspeitos”.
150
O peemedebista venceu Raimundo Angelim por 3.451 votos de diferença, no primeiro turno.
157
No final do texto, o ataque é direto:
Se o Governo local está em apuros com seus adversários políticos,
que dê o seu jeito. Se foi derrotado nas eleições municipais, mesmo
com uma campanha cara e perdulária, problema dele. Se fez planos
para ficar 20 anos no poder e se sente ameaçado pelas urnas em
apenas dois, que se entenda com a sociedade que frustrou em suas
esperanças.
Se o Governo não consegue cumprir com suas promessas de
campanha, que reconheça a sua incompetência.
O que não se pode mais aceitar neste Estado é a empulhação, a
retaliação, a perseguição mesquinha, essa papagaiada na mídia
nacional, valendo-se inclusive da boa fé do presidente da República.
A mesma edição traz matéria intitulada Governo tenta impor lei do MP. A
matéria, porém, esclarece que trata-se de um projeto de lei concedendo autonomia
administrativa ao Ministério Público do Estado. O projeto, enviado pelo Executivo, foi
retirado de pauta pelo deputado estadual João Correia, do PMDB.
Em dezembro A Gazeta intensifica o novo estilo: Adair Longuini diz que
governador não conhece a Constituição é o título de matéria que aborda uma greve
realizada pelos juízes acreanos. Longuini era o “juiz da propaganda”, que, segundo
o diário, insidiosamente teria atropelado o direito de livre expressão dos jornais há
menos de quatro meses. Na mesma edição há denúncias contra as obras
inacabadas do Parque da Maternidade e a demora no atendimento a uma criança
internada há 19 dias na Fundação Hospital do Acre (Fundhacre). Contrastando, as
matérias relacionadas à prefeitura de Rio Branco são verdadeiras peças
publicitárias: Prefeitura promove mostra escolar e Shopping dos Catraieiros é novo
centro de consumo são as manchetes.
Na capa de 13 de dezembro, abaixo da matéria intitulada Sindicatos
protestam contra Governo, abordando uma manifestação conjunta do funcionalismo
público estadual em busca da correção do Plano Bresser, outra matéria intitula-se
Flaviano confirma secretariado municipal.
Por conta da mudança provocada no pós-eleição, 2001 começaria quente. A
edição de 3 de janeiro trazia imagem da fotografia com a entrega da faixa de
158
prefeito para Flaviano Melo por Mauri Sérgio em uma bela solenidade que A Gazeta
homenageou com o texto Flaviano assume com propostas criativas. A manchete
principal contrasta: Saúde estadual está um caos. O subtítulo: Parte dos postos da
capital funciona com número reduzido de médicos e população não consegue ser
atendida em condições no Pronto Socorro. Acima, nova matéria sobre o Executivo
estadual: Governo veta emenda que beneficiava a população.
Na edição de 13 de fevereiro de 2001, novo contraste: Flaviano apresenta
nova logomarca da Prefeitura Municipal de Rio Branco. No rodapé: Matrículas sob
suspeita na rede estadual. O mesmo a 13 de março: Flaviano discute com FIEAC
problemas da indústria no Estado e Agentes de saúde perdem emprego. A 18 de
março: Corrosão ameaça ponte metálica e governo não toma providências e Pró-
bairro chega à Estação Experimental (ilustrada com uma grande foto do novo
prefeito abraçado a uma idosa, com a seguinte legenda: Por toda parte Flaviano
Melo é alvo de manifestações de carinho, pelo trabalho que está a realizar, visando
a recuperação da cidade.
Mas é a 21 de março que surge uma nova pista sobre a ofensiva editorial do
diário: uma nota da ANJ é publicada na capa, em papel timbrado, com os seguintes
termos:
A ANJ – Associação Nacional dos Jornais manifesta sua preocupação
com a utilização de recursos públicos para, sem critérios técnicos e
transparência e por meio de corte da publicidade governamental,
punir veículos de imprensa independentes, que noticiam fatos que
desagradam governantes, e criticam os atos e ou políticas de
ocupantes de cargos públicos. A falta de critérios, em alguns Estados
e municípios, se pratica na suspensão da veiculação de anúncios das
administrações diretas e indiretas. Tais práticas são formas de tentar
asfixiar o órgão de imprensa e constituem um atentado à liberdade de
imprensa.
Só a transparência da gestão governamental na aplicação das verbas
de publicidade permitirá a verificação da razoável proporcionalidade
da distribuição dessas verbas entre os órgãos de imprensa de
qualificação assemelhada. De outra parte, a substituição dos critérios
técnicos e administrativos razoáveis por mero arbítrio, incentivará o
abuso de poder, a retaliação política e a crítica redução da
159
independência da imprensa, com a violação do direito do cidadão ser
informado.
A Associação Nacional de Jornais vem a público para enfatizar a
obrigação de os administradores públicos adotarem exclusivamente
critérios técnicos e transparentes na aplicação da verba de
publicidade legal e institucional, aceitos e praticados pelo mercado, e
alertar sobre a necessidade de obediência às disposições legais
vigentes.
O governo Viana, sob ataque, cortara o repasse para A Gazeta, fonte de
renda estratégica para a sobrevivência da empresa. A confirmação da suspensão,
sinalizada nos embates ferrenhos que o jornal travara sobre a falta de
“transparência” na distribuição da verba publicitária, seria confirmada em 20 de abril.
Nesta data, o diário – em novo e longo editorial de capa – afirma que “decidiu, há
três meses, não manter qualquer relacionamento comercial com ele [o governo
estadual]”. O pagamento fora interrompido no começo do ano, precisamente quando
a campanha anti-governo, iniciada no penúltimo mês do ano anterior, estava no
ápice.
O manifesto publicado a 20 de abril aproxima-se dos libelos típicos do
jornalismo provinciano da Velha República. Com o título Explicação necessária,
argumenta-se:
Admite-se a inquietação do governo com recentes acontecimentos
políticos que lhe são desfavoráveis. Admite-se também que seja
grande a frustração do mesmo governo, ao perceber que não
consegue o controle absoluto dos meios de comunicação locais. Não
se admite, porém, que encontre, na leviandade, via de escape para o
desespero que não consegue disfarçar.
(...)
É preciso agora informar o leitor que não têm sido poucas as ofertas
em dinheiro para silenciar críticas aos atos da administração pública
estadual. Todas têm sido recusadas. Este matutino se dispõe
somente a vender espaço para a inserção de propaganda do
Executivo, nos limites previstos em Lei.
160
O texto também refutava antiga acusação: a de que Flaviano Melo era seu
sócio-proprietário. A linguagem é indignada:
A GAZETA desafia publicamente e desde já, o governo do Estado, o
senhor Aníbal Diniz e o senhor Edvaldo Magalhães a provarem
perante a comunidade acreana essa pretensa ligação societária entre
este matutino e o senhor Flaviano Melo. Como lhes é impossível fazê-
lo, não há como não dizer que usam de mentira descarada para
agressão gratuita que lhes identifica a feição politiqueira.
Sentindo-se assim gravemente atingida em sua honra, A GAZETA
antecipa publicamente a decisão de entrar com outra representação
contra o governo, exigindo reparação dos danos morais sofridos, com
a suspeição levantada de ser a empresa propriedade de um político.
Isso poderia – se fosse verdade – lhe restringir a independência
editorial que persegue com afinco.
Ao lado das novas declarações, deixando claros os motivos da mudança de
posicionamento político do jornal, fotografia de corpo inteiro do prefeito de Rio
Branco, acusado de ser sócio do jornal, intitulava-se “Querem atrapalhar nossa
administração”, diz Flaviano Melo. A manchete de primeira página da mesma data
era novo ataque ao Estado: Governo deixa no abandono Praça dos Catraieiros.
A 24 de abril de 2001 viria o ápice do mal-estar entre Estado e A Gazeta.
Intitulado “Carta aberta ao governador”, um documento assinado por Martinello e
datado com o próprio dia da publicação ocupava toda a capa. Ilustrado por duas
fotografias, uma do missivista e outra de Jorge Viana, afirmava que o governo do
Estado patrocinara o sobrevôo de um helicóptero sobre a casa de Martinello para
elaborar matéria sobre a luxuosa residência do empresário. Novamente, acusa o
governo de cercear a liberdade de expressão e controlar o conteúdo do que era
noticiado nos jornais.
Novo editorial de capa, menor e mais conciso, abordando a violência urbana,
sai a 18 de maio. Intitulado O grito silencioso, exigia providências do Estado, a quem
acusava de “insensibilidade e incapacidade em cumprir com uma de suas mais
elementares obrigações: garantir a segurança pública a quem paga impostos e
trabalha”. Ao lado, nova fotografia do prefeito Flaviano Melo visitando um canteiro
161
de obras ilustrava a matéria “19 mil moradores são beneficiados pelo Pró-Bairro em
Rio Branco”. Nesse ritmo o jornal antecipava a campanha sucessória de 2002.
Até lá haveria detalhes curiosos. A capa de 7 de junho é emblemática:
enquanto a manchete principal era “Virou piada: governistas vão ‘investigar’
denúncias contra o governo”, outro texto na mesma capa garante que “Povo tem vez
e voz com Flaviano”. O mesmo ocorre a 13 de julho, com três matérias principais:
“Governo enfrenta novos protestos”, abordando a manifestação pública realizada
pelos comerciantes retirados da Praça dos Catraieiros; “Sem segurança pública,
bandidos fazem a festa”; e, sobre a prefeitura, “Capital vira um grande canteiro de
obras” – com a costumeira fotografia do prefeito Flaviano Melo.
A 24 de agosto de 2001, uma surpresa: “O dia em que Flaviano chorou”, título
de um texto no topo da primeira página, tenta dar vida a uma nova fotografia de
Melo, abraçado a uma criança e supostamente choroso. A matéria, emotiva, afirma:
Não foi de ódio, não foi de desespero, não foi por medo. Sempre
impassível durante uma longa e bem sucedida carreira política, tanto
nos bons como nos maus momentos, indiferente às críticas maldosas
dos adversários que o querem destruir, mas jamais desatento às
sugestões que lhe são feitas pelo povo com o qual se mistura
cotidianamente, Flaviano Melo, o prefeito de Rio Branco, não pôde,
não soube ou não quis conter as lágrimas de emoção, de alegre
comunhão com o entusiasmo da comunidade, regozijada – e muito –
com o excelente trabalho que vem sendo feito para recuperar e
embelezar a cidade. Flaviano chorou! Nem nos momentos mais
difíceis da sua vida pessoal alguém, até hoje, testemunhara tal
atitude. Flaviano chorou, abraçado a uma das muitas crianças que,
junto com centenas de adultos, lhe expressaram imensa gratidão pela
recuperação da Praça Amélia Araripe, no bairro do Bosque. A imagem
dispensa mais comentários. Singela, dá uma lição de grandeza.
A mesma edição trazia, no canto inferior esquerdo, a seguinte chamada de
capa: “Governador e assessores podem ser chamados para depor em CPIs”.
A edição de 25 de janeiro de 2002 já traz os primeiros sinais da expectativa
do jornal sobre o pleito que se avizinhava, na matéria “Bocalom pode mesmo ser
candidato ao governo pelo PSDB”. Mas é em março, numa série de reportagem, que
162
o jornal ataca o centro da política de “desenvolvimento sustentável” adotada pelo
governo. Uma série de reportagens, baseada em documentos do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), financiador do programa, faz diversas
denúncias de irregularidades.
Publicadas entre 19 e 22 de março, as matérias dizem que o governo
ofereceu ao BID quatro florestas como garantia de implantação do seu Plano de
Desenvolvimento Sustentável (PDS), provocando uma investigação formal no
Ministério Público do Estado do Acre. Tudo repercutido com amplo espaço e
chamadas generosas de capa por A Gazeta.
Também em março surge o primeiro texto sobre Alércio Dias, candidato
derrotado do MDA ao governo do Estado em 1998. A matéria, publicada no dia 17, é
uma declaração direta do ex-secretário de Educação do governo Cameli: “Alércio:
“PSDB de Serra usa métodos de Jorge”.
Em abril de 2002, Flaviano licencia-se do cargo de prefeito para disputar o
governo do Estado pelo MDA. A partir daí, com a posse de Isnard Leite, as matérias
exaltando o trabalho à prefeitura deixam de ganhar destaque na capa. A ênfase
continuaria nas denúncias contra o governo e declarações de membros da coligação
adversária. A propaganda do município, no entanto, ainda era publicada
regularmente. A 29 de junho, por exemplo, enquanto a manchete de capa é uma
denúncia poderosa, “Governo acena com R$ 1 mi para convencer tucanos a deixar
o MDA”, no canto esquerdo, de forma discreta, lê-se “Prefeitura leva saúde
preventiva à zona rural”.
A 11 de julho, matéria informa que “Flaviano começa campanha com visitas”.
Na capa, novamente, nenhuma menção aos demais candidatos. O imbróglio com o
TRE também fora, aparentemente, superado. E é sobre irregularidades perante a
Lei 9.504/97 que trata a edição de 16 de julho: “Propaganda ilegal pode impugnar
candidatura de Jorge Viana”.
A partir de 8 de agosto, o jornal intensifica a estratégia de veicular denúncias
contra o governo à promoção dos comícios e demais atos da candidatura Flaviano
Melo. Nesta edição, por exemplo, enquanto a manchete de capa é “TSE manda
cobrir de preto símbolo do ‘governo da floresta’”, a principal fotografia da edição
mostra Melo caminhando ao lado de uma criança em meio a uma multidão no bairro
6 de Agosto. O candidato aproveitara uma data festiva: as comemorações em torno
163
da Revolução Acreana exatamente no dia 6 de agosto, data em que foi realizado
também o comício. O título da matéria de A Gazeta, porém, não esclarece o
providencial entrecruzamento de eventos: “Comunidade do 6 de Agosto faz festa
popular para Flaviano”, é o título do texto.
A 13 de setembro, o jornal traz duas fotografias da campanha de Melo na
capa e nenhuma, nem mesmo um texto, sobre os outros quatro candidatos. Viana é
citado apenas em uma matéria que sinaliza o quão longe poderia chegar a
estratégia eleitoral naquele ano: “Filha de Edmundo sofre discriminação em Goiânia”
é o título do texto ilustrado por uma foto que, em segundo plano, traz a imagem de
um quadro do ex-governador assassinado e em primeiro mostra a adolescente com
aparência zangada. Ao lado, acrescenta-se:
Nuana de Almeida Pinto, filha do falecido governador Edmundo Pinto,
foi mais uma vítima da discriminação que os acreanos, sobretudo os
estudantes, estão sofrendo em outros Estados por conta das
declarações do governador Jorge Viana, na mídia nacional, dando a
entender que quem manda no Acre são o “crime organizado” e o
“narcotráfico”.
Um dos familiares do governador Edmundo Pinto contou ontem que,
ao fazer a matrícula num cursinho para o Vestibular, em Goiânia,
Nuana foi abordada pelo coordenador do curso, que foi logo dizendo:
“que terrinha essa tua, hein, dominada por bandidos e
narcotraficantes!”.
Revoltada e chorando, Nuana explicou que o assassinato do seu pai
não foi no Acre e, sim, em São Paulo, e que nada teve a ver com
esses problemas que o atual governador está expondo na mídia
nacional, de forma desonesta, para se promover e encobrir suas
irregularidades.
Nesse ritmo o jornal se manteria. A 22 de setembro, a manchete principal
“Testemunha apresenta amanhã ao MP novas provas sobre compra do apartamento
de Viana” contrastava com matéria de rodapé garantindo que “De Assis Brasil a
Acrelândia, aumenta o entusiasmo popular pela candidatura de Flaviano Melo”.
Em outubro, descuido editorial sugere a que serviam matérias sobre a
“escalada da violência urbana: “Governo perde o controle da violência”, impresso
164
em vermelho, tinha como subtítulo “Quatro assassinatos, 8 assaltos e 11 tentativas
de homicídio em 48 horas”, tentando assim mostrar como ineficaz as políticas de
repressão ao crime defendidas pelo diário. No rodapé, com o título “Eleições 2002”
em maiúsculas, via-se duas manchetes sobre a mesma chamada: “Comício de
Flaviano reúne 15 mil em Cruzeiro” e “No domingo, Noite da Paz lota Clube
Juventus”. Era a reta final da campanha.
A visceralidade editorial, deixando clara a opção de A Gazeta e evidenciando
o seu papel como representante de um grupo político, ganha contornos dramáticos
a 3 de outubro, faltando 72 horas para o pleito decisivo. A edição traz matéria
central de duas páginas denunciando uma rede de espionagem supostamente
montada pelo governo do Estado. É veiculada com estardalhaço: “Exclusivo! A face
oculta da perseguição política do governo Viana” e é acompanhada, novamente, por
longo editorial de capa, onde se lê, ao final, “Hoje, eles fazem escuta telefônica,
campana, espionagem. E amanhã?”.
Logo abaixo, reprodução de panfleto de propaganda com as cores e símbolos
da campanha do MDA anuncia “Grande Passeata da Paz e da Vitória” e conclama
um ato público nos seguintes termos:
O MDA convida toda a população para participar nesta quinta-
feira da grande Passeata da Paz e da Vitória. Vista sua camisa azul
ou branca e venha se juntar a esse movimento por um Acre com mais
Democracia e Paz. Vamos caminhar com Flaviano.
Sem assinatura, o convite termina com: “Governador: Flaviano. Vice: Wagner
Sales”. O jornal assumia a função de comitê eleitoral do MDA. A edição traz também
notícia do comitê original: “MDA sem recurso improvisa material de campanha”.
Outra notícia, sobre debate televisivo realizado no dia anterior, garante que
“Flaviano vence debate na TV”.
A 4 de outubro, antevéspera do pleito, A Gazeta escancara com todas as
letras que “Jorge Viana é o dono do Página 20 e da TV 5. Apesar de trazer um
direito de resposta intitulado “Bens do governador foram adquiridos por meio de
financiamento e consórcio”, o jornal continua investindo pesado no embate em prol
do seu candidato. Além da manchete principal sobre a rejeição da prestação de
165
contas do governo Viana, no ano 2001, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), a
mesma edição traz os textos “Juiz, que defende governador, bloqueia contas”, e
“Passeata da despedida azula Rio Branco”. Duas fotografias, ambas sobre
atividades de campanha do MDA, ilustram a capa.
Em 2002, derrotado Flaviano Melo e o MDA, com a reeleição de Jorge Viana
logo no primeiro turno (em 6 de outubro) e a de Luis Inácio Lula da Silva no segundo
(em 27 de outubro), as denúncias contra o governo estadual começam a
desaparecer dos jornais. A conjuntura política tornara-se desfavorável para ataques.
Por isso, as ações da prefeitura de Rio Branco, comandada pelo MDA, ganham a
mesma ênfase que as ações do Estado.
Começa uma terceira fase para A Gazeta, que divulga as ações do governo e
da prefeitura de Rio Branco ao lado de textos sobre generalidades cotidianas. A
edição de 27 de novembro traz na capa a chamada “Controle do câncer: Saúde
estadual ganha aparelho de última geração para garantir exames gratuitos à classe
de baixa renda” e “Criado sistema inédito de proteção das florestas’ - ambas
comentando políticas estaduais.
A 4 de dezembro de 2002, quando a manchete principal é “Trabalhadores da
BR-317 entram em reserva e estupram 8 índias”, texto secundário informa que
“Reforma secundária vai ampliar reforma do Estado”.
A posição editorial é conciliatória. A 30 de janeiro, A Gazeta publica
“Entendimento e cooperação: Jorge e Isnard acertam os ponteiros”. As duas capas
de fevereiro mostram que o jornal recomeçara a publicar textos positivos sobre os
atos do governo do Estado, incluindo posses de novos secretários e o esquema de
segurança pública para o carnaval. A fase das denúncias calorosas ficara
definitivamente ultrapassada.
A 5 de maio o jornal publica “Juízes entram com representação criminal
contra o governador” e “No Acre, o maior índice de analfabetismo do país”. No dia 8
o ritmo é parecido: “Delegados denunciam: Acre não tem política de segurança” é a
manchete principal. Em 5 de junho, as manchetes “Juízes entram com
representação criminal contra o governador” e “No Acre, o maior índice de
analfabetismo do país” mostram resistências pontuais do jornal à nova fase.
Essas denúncias, porém, eram esporádicas. Não havia o ritmo candente da
campanha eleitoral. Nesta fase, A Gazeta investe pesadamente em notícias sobre
166
crimes, que ganham destaque e fotografias generosas na primeira página. Matérias
sobre as ações da prefeitura também ocupam a primeira capa, mas sem destaque.
O diário tentava reencontrar o fio da meada.
A partir de janeiro de 2004, ano de sucessão municipal, sem Flaviano Melo151
no páreo, A Gazeta reaproxima-se da FPA. A ênfase nas notícias sobre crimes
desaparece como haviam desaparecido as denúncias contra o governo. A promoção
dos atos da prefeitura é reduzida significativamente enquanto as notícias favoráveis
ao governo, com Jorge Viana na capa, ganham destaque.
É assim que, a 31 de janeiro, notícia no topo da primeira página anuncia:
“Habitação: Governo entrega novo subsídio”, ilustrada com uma foto do governador
reeleito. O mesmo se repete a 1º de abril, com Jorge Viana à frente da bandeira do
Acre em uma matéria que acentuava o empenho do Estado no combate à violência:
“Governo cobra rigor em investigações policiais”.
A 9 de agosto, já em plena campanha eleitoral, o jornal acentua que
“Indústria de produtos florestais garante emprego e renda no Acre”. As denúncias da
campanha eleitoral passada, sobre as contrapartidas exigidas pelo BID, sequer se
mencionavam. Outro assunto que não se mencionava era o candidato do MDA à
prefeitura de Rio Branco, Marcio Bittar. Pela primeira vez desde que fora fundada,
em 1978, A Gazeta não entrava na disputa política.
Em outubro de 2004, Raimundo Angelim, do PT, vence Marcio Bittar,
consolidando o comando institucional da FPA. A vitória serve para selar o novo de A
Gazeta com os novos comandantes políticos.
Tantas mudanças, porém, atraem olhares desconfiados. Questionamentos
sobre as relações entre o governo da FPA e a mídia começam a surgir no Ministério
Público Estadual (MPE), que instaura um procedimento preliminar para investigar a
verba destinada aos jornais pelo governo do Estado. Flagrada, A Gazeta antecipa a
defesa, e, 20 de novembro de 2005, em editorial intitulado “Nada a esconder”,
publica na capa uma ruidosa declaração de inocência:
Diante dos últimos acontecimentos, envolvendo de forma
inconveniente os veículos de comunicação, esta GAZETA e a Rádio
GAZETA FM 93 têm a esclarecer o que segue:
151
O peemedebista só voltaria à disputa política em 2006, ao ser eleito deputado federal.
167
1) As relações entre os veículos de comunicação e o Governo do
Estado, através de sua Secretaria de Comunicação, são pautadas
pelo profissionalismo, de acordo com os princípios éticos e da
legalidade. Ao que consta, por determinação do governador do
Estado, o secretário de Comunicação já tomou as medidas
recomendadas pelo Ministério Público Estadual, através da
Coordenadoria do Patrimônio Público.
2) Como os doutos membros do Ministério Público poderão aferir,
através dos demonstrativos que solicitaram aos órgãos de
comunicação, é preciso, contudo, esclarecer que os valores pagos
pelo atual Governo, referentes à veiculação dos seus atos
institucionais e mídia, estão muito abaixo da tabela dos mercados
nacional e regionais. Nenhum órgão de comunicação, pois, está se
locupletando com verbas oficiais. Ao contrário, seus diretores e
jornalistas trabalham com extremas dificuldades, porém, com amor à
profissão e com a consciência limpa do dever cumprido;
3) A rigor, nem em leis de mercado pode-se falar. Primeiro, porque os
valores estão congelados há vários anos. Segundo, porque os
repasses feitos em governos passados e mesmo em prefeituras eram
duas ou mais vezes superiores aos atuais. A verdade é que o atual
Governo paga mal pelo que veicula, abaixo de qualquer referência
mercadológica. Espera-se que os digníssimos membros do Ministério
Público façam as devidas pesquisas, a fim de que prevaleçam o bom
senso e a Justiça;
4) Sem nada a esconder ou a temer e sempre abertos a quaisquer
outros esclarecimentos, só não podemos aceitar que o Ministério
Público ou outras instituições sérias e independentes se deixem
pautar por interesses eleitoreiros ou revanchistas. Até mesmo
candidaturas individuais já postas de alguns políticos e partidos.
Como não aceitamos e repelimos quaisquer tentativas de
envolvimento em esquemas de corrupção registrados em outros
Estados. Quem gosta de lamaçais que se lambuze neles;
5) Os veículos de comunicação deste Estado e seus jornalistas, os
desatrelados de partidos políticos e candidaturas, têm consciência de
seu papel social. Ao contrário do que alguns segmentos pretendem
fazer crer, bom jornalismo é acima de tudo respeito à pluralidade de
idéias, aos direitos individuais e coletivos, capacidade de análise, de
isenção e distanciamento crítico dos fatos. Liberdade de expressão
não pode ser confundida com xingamentos de botequim ou
sangramentos. Isso não é jornalismo. É ressentimento, ódio. Por isso
168
mesmo, temos questões mais sérias com que nos ocupar, como as
graves consequencias que a degradação ambiental está atingindo de
forma impiedosa nos últimos meses a população deste Estado.
A partir daquela data, editorialmente A Gazeta não teria mais nada, de
fato, a esconder: a eleição de Raimundo Angelim consolidou a FPA no plano
político e homogeneizou a propaganda, disfarçada de noticiário, nesse jornal.
Com Lula na presidência, Jorge Viana reeleito e Angelim na prefeitura, A
Gazeta omite-se da luta política.
Nas capas pesquisadas durante a campanha eleitoral de 2006, por
exemplo, não há sequer menção à candidatura de Flaviano Melo à Câmara
Federal. Também não há menção ao racha do MDA, que naquele ano
disputaria a sucessão de Jorge Viana com dois candidatos: Marcio Bittar pelo
PMDB, apoiado por PDT e PPS, e Tião Bocalom, pelo PSDB, PFL e PTB.
Ambos perderiam para o candidato da FPA, Binho Marques, eleito em
primeiro turno com 53% dos votos.
Esta é a fase de consolidação de A Gazeta como veículo de
informações de obras do governo do Estado, da prefeitura de Rio Branco e
do governo federal.
Processo bastante parecido ocorreu com o jornal O Rio Branco. A
análise das capas entre 1999 e 2006 evidencia que foram também quatro as
fases principais de mudanças na sua linha editorial: a) adesão imediata ao
novo governo (em janeiro de 1999); b) crítica sistemática (fevereiro de
1999/2002); c) crescentes lapsos na oposição (2003/2004); d) uniformização
(2005/2006).
Após uma rápida saudação ao governo eleito da FPA, O Rio Branco
inicia fase intensa de críticas. As capas entre fevereiro de 1999 a outubro de
2002 investem em textos-manifestos, impressos em negrito, com forte apelo
emocional, seguindo a sua tradição. O editorial “O rei está nu”, publicado em
novembro de 2001, ataca diretamente Jorge Viana.
No strip-tease moral estrelado pelo governo Jorge Viana, a
derradeira peça que faltava ser arrancada de sua vestimenta
aconteceu, ato contínuo, à divulgação da escabrosa fita que continha
169
a criminosa e imoral gravação entre Dudé e Santana. Crime eleitoral,
crime contra o patrimônio público, crime contra a lei de licitações,
prevaricação e formação de quadrilha (é o feitiço se voltando contra o
feiticeiro) e tantos outros, por certo tirarão da impunidade a verdadeira
quadrilha que continua solta, pois não dá mais para se suportar tanto
descaso. Indignada, a sociedade acreana exige providencias.
Moralmente, a situação ainda é bem pior. Num jogo de cumplicidade,
omissão e co-autoria, já não se pode mais desvincular o festival de
escândalos com os porões da Casa Rosada. Enfim, o rei está nu. O
escândalo Boca-de-lobo, de tão mal esclarecido, o caso do cimento,
pessimamente conduzido, o caso Acrevemlinda, criminosamente
acobertado e mais recentemente a fita Santana/Dudé, um exemplo
típico de corrupção escancarada, eliminaram os últimos resquícios de
moralidade que se poderia supor existir no governo estadual.
Lamentavelmente, mortos os valores morais de uma
sociedade, nada mais resta, senão ao historiador, compor um
réquiem melancólico sobre seus despojos, e como responsável por
essa tragédia moral, o governo Jorge Viana será lembrado ao longo
da história do Acre, desprovido de qualquer saudade. Com nojo,
certamente, isto porque, ao desonesto e ao perseguidor, o nojo é
perfeitamente aplicável. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de
Comunicação O Rio Branco, n. 6.752, 8 nov. 2001)
A eleição de Flaviano Melo, no ano anterior, dera uma sobrevida à
linha editorial da mesma forma que ocorrera com A Gazeta. A estratégia
editorial era a mesma do jornal de Martinello: investir na propagação de
imagens positivas da prefeitura de Rio Branco ao lado de denúncias em
destaque contra o governo. Há uma particularidade: Narciso Mendes lançara-
se candidato a deputado federal pelo PPB para as eleições de 2002.
Além dos editoriais de capa e denúncias contra o governo, O Rio
Branco publica entrevistas com o próprio Mendes. A 28 de fevereiro de 2002,
por exemplo, a capa é ilustrada por uma fotografia do candidato, que declara:
Jorge Viana é responsável por tensão política no Acre. Logo abaixo, outro
texto dava destaque a uma ação da prefeitura de Rio Branco: Municipalização
amplia serviços na saúde.
170
A 20 de março, nova denúncia contra o governo intitula-se Incra
denuncia: Jorge Viana também ofereceu reserva do Chandless ao BID.
Segundo o jornal, a reserva florestal tinha sido oferecida ao banco norte-
americano como garantia de pagamento de um empréstimo de U$ 70,2
milhões. O texto, que traz uma fotografia do governador cabisbaixo na capa,
é acompanhado de outro, logo abaixo, louvando a ousadia empreendedora
da prefeitura comandada por Flaviano Melo: IPTU: primeiro sorteio de
prêmios acontecerá em abril.
O afastamento de Flaviano Melo da prefeitura de Rio Branco para
concorrer ao governo do Estado, cedendo o lugar ao vice Isnard Leite, não
reduz o ritmo do jornal. A 23 de abril, nova entrevista com Narciso, também
ilustrada com foto. O título é chamativo: Narciso denuncia proposta
“indecente” de Jorge Viana para Flaviano Melo – governador ofereceu o
Senado a Nabor e o Governo a Flaviano, em 2006. Na mesma edição:
Prefeitura reconstrói mercado do 6 de Agosto.
A 4 de maio, mais um candente editorial ocupa quase um terço da
capa. O texto acusa abertamente o governo do Estado de censura e
perseguição, por meio de processos judiciais que classifica como “tortura
psicológica”.
A liberdade de imprensa no Brasil é uma miragem e muitos
jornalistas pagaram e continuam pagando caro por acreditar nela. No
Acre, em que pese não termos chegado ao extremo de assassinarem
jornalistas, as práticas usuais desencadeadas pelo atual governo
contra a imprensa não encontram paralelo na história recente. Quem
lê os jornais “A Gazeta” e “O Rio Branco” não fazem a menor ideia da
tortura psicológica a que são submetidos os seus profissionais –
notadamente do último -, mantidos sob o peso esmagador do tacão
da ditadura dos processos que chegam diariamente. Alguns
jornalistas passam mais tempo em audiências na Justiça do que no
próprio local de trabalho.
Por lei, nossa imprensa é livre para publicar o que quiser, mas
na prática é a lei do poder, dos coronéis, dos tiranetes que se
colocam acima do Bem e do Mal, não admitem questionamentos e
usam de todos os artifícios possíveis e imagináveis para que você,
171
leitor, não tenha direito à informação imparcial. (O RIO BRANCO. Rio
Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 6.989, 4 mai.
2002)
A 24 de maio, a manchete principal é Crime eleitoral: governo da
floresta troca licenças de desmate por votos. Abaixo, novo texto informa que
Isnard Leite visita obras no Segundo Distrito. Essa dicotomia frenética se
manteria inalterada até as eleições. Em setembro o jornal intensifica a
batalha: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informado que o candidato não
se desincompatibilizara da diretoria da TV e do jornal O Rio Branco como
determina a lei 9.504/97, inicia julgamento do caso. O empresário reage no
jornal, a 13 de setembro, com a notícia Perseguição implacável: Narciso
Mendes é vítima de mais um atentado de Jorge Viana à democracia –
Governistas agem nos bastidores para cassar registro de candidatura do
empresário. O texto de primeira página é contundente:
“Só há uma fórmula para eu perder a eleição no Acre: ou me
eliminando ou cassando a minha candidatura.” Foi assim que o
empresário Narciso Mendes reagiu ao ser informado que o Tribunal
Superior Eleitoral iniciou ontem à noite o julgamento de um recurso
que apela pela impugnação do registro de sua candidatura, provocada
desde o Acre pelo governador Jorge Viana, do PT. Esse julgamento,
no entanto, só deve terminar hoje e ainda há recurso no Supremo
Tribunal Federal. O empresário está tendo o seu registro questionado
por um motivo prosaico: ser dono deste jornal O RIO BRANCO E DA
TV RIO BRANCO. A apelação pela impugnação da candidatura de
Narciso Mendes foi, talvez, o último plano do governador acreano, que
vislumbra como única saída para se reeleger derrotando Narciso, nem
que seja pelo tapetão. Teria esbravejado, dia desses, entre
assessores que, “ou acaba com Narciso ou perde a eleição”, segundo
uma fonte com trânsito livre nos corredores da administração
estadual. A confirmação da trama vem do interior, onde cabos
eleitorais da Frente Popular estão sendo obrigados a dizer, há pelo
menos duas semanas, que não adianta votar em Narciso, afirmando
que ele teria a candidatura cassada. (O RIO BRANCO. Rio Branco:
Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 7.097, 13 set. 2002)
172
O combate ficara mais intenso: a sobrevivência política de Mendes
estava na berlinda. Até as eleições, portanto, o combate intensifica-se.
Matérias sobre crimes viram epidemias de violência descontrolada. Textos
sobre saneamento básico e mau atendimento nos setores públicos tentam
evidenciar o abandono do Acre. O jornal omite a divulgação dos atos de
campanha da FPA, exalta os “grandes eventos” do MDA e parte em busca de
aliados: a 22 de setembro, entrevista o ex-proprietário do Página 20, Antonio
Stelio de Castro. O texto: Jornalista tira a máscara de Jorge Viana: JORGE
VIANA MENTE COMPULSIVAMENTE. Stelio mudara de lado depois de
vender o Página 20. 152
Esse ritmo encerra-se, novamente, com as eleições de 2002 e a
derrota de Narciso Mendes, que, eleito deputado federal, tem o registro de
sua candidatura cassada pelo TSE. O empresário, como prometido, recorre
ao STF.
A linha editorial sofre um revés. Ainda em outubro, após o pleito, o
jornal já não se ocupa com assuntos políticos, excetuando a divulgação de
praxe das obras da prefeitura de Rio Branco. Não há mais denúncias contra o
governo do Estado. A ênfase recai sobre a violência urbana, com notícias de
crimes hediondos ocupando as capas diariamente.
A edição de 18 de dezembro de 2002 evidencia a clara consciência do
empresário sobre a importância do jornal. Com o título Narciso Mendes
esclarece boatos sobre seu mandato e apresenta provas de que nunca
gerenciou a TV Rio Branco, o jornal tenta influenciar o julgamento do STF e
reaver o registro da candidatura. O recurso, porém, seria negado.
O episódio marca uma mudança de rumos no jornalismo de O Rio
Branco. Tal como ocorrera em A Gazeta, O Rio Branco investe em mudanças
estilísticas em janeiro de 2003. A principal delas: a inclusão de textos
positivos sobre o governo do Estado nas edições. As denúncias e editoriais
de capa dão lugar a fotografias amplas e manchetes exaltando as realizações
do reeleito Jorge Viana e do governo federal. Este ritmo, também seguindo o
152
Cf. entrevista com Antonio Stelio de Castro, no Apêndice deste trabalho.
173
exemplo de A Gazeta, intensifica-se expondo a parceria entre a prefeitura de
Rio Branco e o governo do Estado. Isnard Leite e Jorge Viana firmam parceria
é o título da edição de 30 de janeiro de 2003.
Mas é em 20 de abril, com atraso de três meses em relação ao jornal
de Martinello, que O Rio Branco anuncia as suas reformas estruturais. Com
Lula na presidência e Jorge Viana reeleito, o jornal decidiu alterar seu formato
editorial, adotando “medidas modernizadoras” para ganhar leitores. Um
editorial de capa sem título, nesta data, explica o seguinte:
No dia em que comemora 34 anos de sua fundação, o jornal
O Rio Branco traz aos seus leitores, parceiros e anunciantes, e à
sociedade acreana, algumas mudanças em seu formato, que deverão
ser aplicadas e melhoradas nas próximas edições. Mesmo tímidas,
essas mudanças primam pela qualidade e pela modernização do mais
tradicional veículo de comunicação impresso do Acre. por tratar-se de
edição comemorativa, as mudanças de ORB de hoje não
representam o que se pretende para o seu dia a dia. Nas próximas
edições, traremos, junto com o novo layout, melhor distribuição de
páginas, matérias e assuntos. Novas colunas, com mais informações
aos nossos leitores, também comporão esta nova fase de ORB.
As mudanças, que vêm acontecendo gradativamente,
também se aplicarão no contato com leitores, anunciantes, parceiros
e a sociedade em geral. Endereços eletrônicos para todos os setores
do Jornal estão sendo criados para facilitar o acesso, a crítica e o
repasse de informações.
Nos próximos dias, essas mudanças também constarão em
nossa edição eletrônica na rede mundial de computadores, a Internet,
no endereço: www.oriobranco.com.br.
Na busca incessante por um jornalismo de qualidade, pelo
bem-servir à sociedade acreana, informando, formando opinião e
denunciando a corrupção, a má aplicação dos recursos públicos e as
mazelas que afligem àqueles que mais necessitam de apoio – nossos
excluídos – é que todos os setores de ORB se empenham em
apresentar um Jornal mais moderno e dinâmico.
A direção e a diretoria-geral de ORB reafirmam o seu
compromisso com a imparcialidade, com o bem-informar, com a
liberdade de imprensa e de expressão, na busca de uma sociedade
mais justa, mais igualitária.
174
A independência, com o não-atrelamento à nenhuma forma
de poder, é a nossa principal ferramenta. (O RIO BRANCO. Rio
Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 7.673, 20 abr.
2003)
A 8 de maio de 2003, uma alfinetada: Governo arruma a cidade para
receber o presidente. Era também ligeira divergência, possibilitada em larga
escala pelos recursos da prefeitura de Rio Branco com publicidade.
O novo tom do jornal aparece claramente na capa de 7 de setembro,
em matéria sobre o desenvolvimento sustentável, furiosamente combatido por
O Rio Branco. O texto, intitulado Desenvolvimento sustentável em questão,
traz chamada de capa:
O desenvolvimento sustentável, adotado pelo Governo do
Acre, o “Governo da Floresta”, há quatro anos e oito meses, como
política principal, está na pauta de debates. Sem apresentar ainda
resultados satisfatórios, o modelo é questionado por quem esperava
mais. Seus operadores dizem, porém, que o projeto não pode ser
desenvolvido a curto e médio prazo. (O RIO BRANCO. Rio Branco:
Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 7.785, 7 set. 2003)
Era o tom conciliatório, ameno, que caracteriza a fase de transição que
o jornal passava para homogeneizar-se editorialmente com A Gazeta. A partir
de setembro, também, matérias sobre crimes ganham destaque menor e as
ações do governo do Estado começam a ter maior destaque. Em 24 de
dezembro de 2003, O Rio Branco anuncia que Angelim será o candidato do
PT à prefeitura de Rio Branco em 2004. A edição não traz informações sobre
as candidaturas rivais.
A partir de 2004, as convenções partidárias confirmam que Flaviano
Melo não disputaria a prefeitura de Rio Branco. O afastamento é um balde de
água fria na esperança do MDA de reaver o poder na capital e força ainda
mais O Rio Branco ao alinhamento com a FPA. O efeito disso na linha
editorial é direto: ao longo de 2004 não há uma só denúncia contra o governo
do Estado.
175
Eleito Raimundo Angelim o novo prefeito de Rio Branco, inaugura-se a
última fase de O Rio Branco: o alinhamento com a FPA. Os press-releases,
enviados pelas assessorias de imprensa do governo do Estado e da
prefeitura de Rio Branco exaltavam os atos do município e do Estado,
mudando a linha editorial outrora combativa. Assim como A Gazeta, o jornal
não tentaria entrar na disputa pelo governo do Estado em 2006, mesmo com
Jorge Viana legalmente impedido de disputar o terceiro mandato.
Ajudou nesse processo, também igualmente como em A Gazeta, a
implosão do MDA. No caso de O Rio Branco, há uma particularidade: o
partido de Mendes, o velho ARENA, que mudara o nome várias vezes153
,
passando a Partido Progressista (PP) em 2003, era aliado da FPA nas
eleições de 2006. Era a pá de cal que sepultaria, temporariamente, a
possibilidade de uma reação. O Rio Branco se ajustaria, no entanto, à nova
ordem.
Isto não significa, todavia, que todos os jornais reproduzem os mesmos
textos em todas as edições. Os press-releases não são as únicas fontes do
noticiário diário acreano. São também diferentes as equipes de repórteres
dos quatro jornais. Mas no essencial, nas questões relacionadas à política e
os principais acontecimentos do Estado e da prefeitura de Rio Branco, os
textos são os mesmos. Nesses assuntos, os quatro jornais usam inclusive as
mesmas fotografias para ilustrar os eventos de maior importância.
Assim se deu o processo de uniformização editorial dos jornais
acreanos: O Rio Branco e A Gazeta juntavam-se a A Tribuna e Página 20 na
transmissão dos comunicados distribuídos pela Assessoria de Imprensa do
Estado do Acre. O mesmo ocorreria com a prefeitura de Rio Branco. A partir
de 2006, os quatro publicariam os mesmos textos, ensejando pesadas
críticas entre os leitores mais perspicazes.154
153
As mudanças: Aliança Renovadora Nacional - ARENA (1965/1979), Partido Democrático Social – PDS
(1980/1993), Partido Progressista Reformador – PPR (1993/1995), Partido Progressista Brasileiro – PPB
(1995/2003) e Partido Progressista (PP), em 2003. 154
A maior parte dessas críticas ocorre ainda hoje na internet, onde há um número cada vez maior de agências de
notícias virtuais, blogs informativos, fóruns e outras inovações permitidas pelo aperfeiçoamento da rede.
176
CONCLUSÃO
De acordo com a argumentação desenvolvida, ao longo do processo
histórico de construção da sociedade burguesa e do modo de produção
capitalista o jornal assumiu a posição estratégica de transmissor da ideologia
da classe dominante, usando a concepção de notícia isenta, objetiva e
neutra. Com isso, passa ao largo das contradições de classe e estabelece o
“interesse público” como o único agente legítimo para o progresso social. Ao
interpretar esse interesse, a imprensa estabelece as suas próprias ambições
como sociais, bem como da classe que representa, a classe dominante.
A exposição de notícias supostamente de interesse de todas as
classes sociais é a forma encontrada para orientar a ação dos indivíduos
segundo os interesses que detêm o controle material da sociedade. O
objetivo é fazer com que os indivíduos façam escolhas cujas conseqüências
estão além de seu controle e interesses, notadamente no período eleitoral,
quando os candidatos de preferência de cada jornal são expostos como a
panacéia para problemas ligados à existência das próprias classes sociais e a
luta entre elas.
Como aparelho privado de hegemonia, a imprensa, estruturada em
empresas que concentram cada vez mais formas de mídia na medida em que
se aprofundam as relações capitalistas, produzem a hegemonia ideológica
necessária ao controle ideológico da classe trabalhadora.
No Brasil, as condições específicas de desenvolvimento do capitalismo
levaram diferentes governos a investirem no patrocínio de órgãos de
imprensa, mantendo seus custos em troca da produção de boas imagens.
Nos órgãos de imprensa que denunciavam e combatiam essa e outras
práticas de controle do jornalismo pelo poder político institucional, buscava-se
o livre desenvolvimento dos mercados e o ascenso das suas forças. É o caso
da imprensa das províncias brasileiras durante o Segundo Reinado,
defensoras do republicanismo como regime político por verem nele a
177
possibilidade de desenvolverem-se suas atividades com a menor interferência
possível do governo central.
Este fenômeno social explica porque as oligarquias seringalistas do
começo do século XX investiram pesadamente na atividade jornalística. Ao
surgir no chão da história a chamada “questão do Acre”, uma profusão de
jornais acompanha o desenvolvimento das relações capitalistas na região.
Produzidos como forma de combate à política alfandegária do governo na
Velha República, defendem reformas condizentes com a sua necessidade de
acumulação, usando linguagem doutrinária e apologética contra o governo.
Diversos elementos históricos, como os processos de ocupação da
Amazônia por meio de iniciativas do Estado brasileiro, nomeadamente nos
anos 40, ajudam a relacionar a comunicação social e as conveniências
políticas. Aprofundando esse relacionamento, é sob o ímpeto do golpe militar
que surge no Acre o primeiro jornal diário, O Rio Branco, que utiliza o
paradigma da notícia neutra para produzir consensos sobre a ordem
desenvolvimentista que se instalara na região. Findo o regime, permanece o
jornalismo funcionalista, então sob o ímpeto da uniformização da linguagem
da imprensa brasileira na redemocratização do país.
No contexto mais amplo da ofensiva neoliberal promovida pelo
Consenso de Washington, que pressupõe o desmonte da máquina pública
para o avanço das reformas do Estado, a corrupção invade os diversos
órgãos públicos do Acre. Surgem daí os jornais A Gazeta, A Tribuna e Página
20, que adotam posições editoriais diferenciadas na medida em que se
alteram as forças políticas no embate pela condução do Estado. O uso de
uma linguagem universalista é o mecanismo pelo qual se fazem efetivar os
valores de uma classe social por todas as classes.
Conclui-se também que os jornais reagiram de forma a barrar a
ascensão da Frente Popular do Acre (FPA), embora as forças políticas
tradicionais do Acre, que eles representavam ideologicamente, estivessem
enfraquecidas pela corrupção em vários níveis do poder político. A batalha
pela condução da vontade do eleitor manifestou-se claramente,
demonstrando o papel ideológico da notícia dita neutra e dos jornais como
instrumentos de suas classes e facções de classe.
178
Confirmando esse papel, durante o período de consolidação da FPA
no governo do Estado e na prefeitura de Rio Branco, os jornais passaram
paulatinamente a divulgar imagens favoráveis do novo grupo político.
Vale considerar, por fim, que consiste em simplismo reducionista
considerar que a atividade jornalística determina o funcionamento geral do
processo político. A luta de classes, e, nela, as disputas pelo consenso social,
incluem outros aparelhos privados de hegemonia155
tão eficazes quanto a
imprensa informativa. A análise, aqui exposta, específica sobre a imprensa,
deve-se à necessidade de um recorte teórico claro, e, em segundo lugar, à
relevância propriamente dita do jornalismo na disputa pelo comando social,
especialmente no caso do Acre. Isto não significa, no entanto, considerar a
imprensa o agente determinante da luta.
A questão do jornal ser, ao mesmo tempo, aparelho ideológico a
serviço dos interesses da classe dominante e meio de comunicação social,
merece consideração mais detida pelos efeitos paradoxais que pode causar.
Um deles é a omissão científica. A questão crucial dos interesses dominantes
serem conciliacionistas, isto é, de buscarem universalizar-se como valores
humanos, coletivos, universais e atemporais, costuma ser sobejamente
ignorada nos estudos sobre a democratização da própria imprensa. Parte da
bibliografia consultada, inclusive de pesquisadores experientes, mostrou-se
pródiga nesta prática, o que sinaliza o enorme lastro social da ideologia
dominante na atualidade. Cabe, portanto, à pesquisa mostrar que embora a
luta por democracia, liberdade de expressão, leis republicanas e soberania –
dentre muitas outras - sejam contrapontos necessários à perda de direitos
sociais causados, por sua vez, pelo avanço do capitalismo em sua fase
imperialista, todas essas ideias podem ser facilmente apropriadas pelo status
quo na medida em que representam valores universais que pressupõem a
união156
entre as classes – o que, em grande parte, explica a guinada das
esquerdas em direção aos “pactos sociais” no começo do século XXI.
155
Gramsci (1982) considera, além da imprensa, a escola e a igreja como os “aparelhos privados de hegemonia”. 156
É evidente que trata-se de questão bem mais espinhosa do que se propõe neste modesto esforço monográfico.
Cabe ressaltar, a título de exemplos, que o próprio conceito gramsciano de hegemonia pressupõe a capacidade de
unir diferentes classes sociais em torno de projetos de interesse mútuo. Exemplos disso podem ser encontrados
na formação da I Internacional, com grupos trabalhistas, progressistas, social-democratas, comunistas e outros.
179
Sendo a união entre as classes o principal efeito das pesquisas que
denunciam o controle do Estado sobre a imprensa, e que reivindicam, em
coro com os proprietários dos jornais, a necessidade de liberdade para que
se possa livremente representar os grupos rivais da classe dominante, a
ciência se dá ao papel de conciliador na luta de classes, mistificando a
realidade e ajudando a manter vigorosa a ideologia dominante. Esta
conclusão é aplicável a grande parte da bibliografia sobre a imprensa na
atualidade, incluindo a acadêmica.
Isso não anula a necessidade crucial de meios de comunicação que
possam alcançar a realidade objetiva. Pelo contrário, é a partir dessa
constatação que se pode desenhar lineamentos para outra imprensa: a
materialidade visceral do conflito social em andamento é ao mesmo tempo o
ponto de partida da reflexão acadêmica sobre a imprensa e a fonte de
matérias-primas de notícias. Exige-se, portanto, o que se pode chamar de
jornalismo radical: um jornalismo com perspectiva de classe social e avesso a
qualquer forma de colaboracionismo burguês, exceto nos casos estratégicos
impostos pela tarefa de construção de hegemonia.
Da mesma forma, não é adequado reivindicar para a imprensa de
lugares diferentes os mesmos marcos analíticos. A imprensa acreana, por
exemplo, segue fielmente os passos do desenvolvimento capitalista na
região: financeiramente dependente do Estado, utiliza-se da imparcialidade
para circular notícias agradáveis aos governos ao mesmo tempo em que não
adota as reformas estilísticas e editoriais presentes em outros lugares –
embora não deixe de exigir maior abertura para reformas capitalistas no
contexto de um projeto de modernização do Estado e da sociedade em geral.
Por sua vez, na imprensa em outros Estados brasileiros ou nos Estados
Unidos encontram-se outras características - lobby midiático de monopólios
internacionais, apoio a políticas beligerantes para obter parceiros comerciais
Outro bom exemplo é a formulação de Lênin sobre o desenvolvimento do capitalismo em condições sociais
adversas ao socialismo, visando a modernização do capitalismo para a sua transição revolucionária ao
socialismo. Trata-se, de novo, de questão espinhosa: a imprensa, representante de grupos políticos dominantes,
ocuparia que papel nesse contexto?
180
com anúncios milionários etc.157
Analisar a imprensa de locais diferentes sob
o mesmo critério é tentar encaixar o objeto pesquisado a uma teoria, em vez
de utilizar a teoria para captar o movimento do objeto em cada manifestação
social – especialmente se, nesse esforço, adota-se o conceito de imprensa
burguesa livre como sintoma de saúde social.
A questão da imprensa acreana censurada, noticiada várias vezes
pelos próprios jornais a partir da ascensão da FPA, também merece especial
consideração a partir do que foi exposto ao longo do trabalho. Entre 1969 e
1998, enquanto PDS e PMDB se alternavam na máquina pública, os jornais
Gazeta do Acre/A Gazeta e O Rio Branco também se alternavam nos papéis
de acusadores e defensores de projetos político-partidários. O discurso da
censura, portanto, não aparecia por falta de tempo: com eleições a cada dois
anos, os grupos e seus respectivos jornais tratavam de lutar para conquistar o
governo do Estado e a prefeitura da capital. Além disso, espaços importantes
da política foram diversas vezes pelos dois partidos ao mesmo tempo:
Senado, Câmara Federal, prefeituras de cidades do interior e outros.
Somente a partir de 1999, com a posse de Jorge Viana, com especial
vitalidade entre a sua reeleição em 2002 até as eleições municipais de 2004,
com a prefeitura de Rio Branco até então ocupada pelo PMDB/PDS (MDA),
que a censura tornou-se discurso corrente nas matérias jornalísticas e,
consequentemente, na vida social geral. A partir da vitória de Angelim em
2004 as denúncias de censura foram varridas da imprensa.
Teriam os jornais, com essas denúncias, tentado influenciar o
resultado das eleições de 2004? De outro lado, teria o governo da FPA
impedido ou exigido a divulgação de textos ou a edição de imagens?
Qualquer que seja a resposta, deve-se observar que os quatro jornais eram e
ainda são clientes do Estado e dele dependem financeiramente, conforme
atestam seus proprietários. Deve-se observar, ainda, que nas condições
específicas do Acre o trabalho dos jornais gira em torno da valorização de
atos dos representantes do poder, visando capitalizá-los eleitoralmente e
157
A bibliografia sobre o papel mistificador da imprensa norte-americana é vasta, sendo tema inclusive da
indústria cinematográfica alternativa recente. A esse respeito, cf. os documentários “Orwell rolls in his grave”
(Robert Kane Pappas, 2003) e “Todos os homens do quase presidente” (Fábio Alencar, 2011).
181
obter, ao mesmo tempo, o olhar favorável do cliente poderoso. Quando isso
não ocorreu – quando, por exemplo, o representante do poder pertencia a
agremiação política adversária – o jornal produzia notícias negativas.
Colocam-se, finalmente, perguntas para pesquisas futuras: até que
ponto um grupo político qualquer sobreviveria sem o controle da imprensa no
Acre? De forma mais detalhada: um determinado grupo político, tido como o
braço partidário de uma contra-hegemonia social, que não aderisse à
indústria de versões jornalísticas, não seria duramente atacado até deixar de
existir politicamente? Que tipo de acordos sociais seria necessário construir
para fazer avançar uma agenda social minimamente comprometida com os
interesses da classe trabalhadora? Diante disso, o PT – e a FPA – podem ser
enquadrados nesses critérios?
Soluções simplistas – reduzir despesas com a imprensa, por exemplo
– não elucidam a questão. Trata-se de questão social pungente e profunda,
que requer novas análises. Neste caso, a linha mais coerente deve ser a que
melhor lida com temas complexos. A questão, nesse caso, passaria a ser: até
que ponto esse atual estado de coisas, vigente desde 2004, tem implicações
realmente positivas para o fim da luta de classes?
182
REFERÊNCIAS
A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, 1988-1999.
ALBERT, P.; TERROU, F. História da imprensa. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
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191
APÊNDICE A – Entrevistas com proprietários e prepostos dos jornais.
Entrevista com Sebastião Vítor de Lima, editor-chefe do Página 20
Você começou quando no Página 20?
Em 1996, em meados, maio, por aí. No jornalismo comecei antes, não nas redações
porque eu fui assessor de imprensa do Sesc durante quase 4 anos. Eu atuei sempre
muito próximo da imprensa, fazia sempre um textinho... atuei muito no movimento
político, tive uma atuação política forte...
Em que partido?
PCdoB.
Você é filiado ao PCdoB?
Não, eu fui filiado ao PCdoB.
Mas você era comunista?
Comunista do tipo mesmo tarefeiro, que vai pra rua fazer manifestação, que vai para
o piquete fechar empresa, eu era desse tipo, sim. Lógico que eu amadureci muito,
mas eu era assim. Então com a imprensa eu tinha um contato bem forte e também
com o movimento estudantil, fiz jornalzinho de escola, de grêmio estudantil. Acho
que diretamente com a imprensa, do Sesc pra cá, tem quase 20 anos.
Quando você chegou aqui o Página 20 tinha começado?
192
Sim, acabava de ser fundado. Ele foi fundado em março de 1995 e eu entrei um ano
depois. O Página 20 ainda era semanário. Eu participei de umas duas edições do
semanário, que em seguida passou a ser diário.
E como foi a iniciativa de criar o Página 20, de quem veio a idéia?
O Stelio, que foi o fundador, conta muito a história de fundação do Página 20. Ele
trabalhava na Tribuna, tinha amizade com o Elson Dantas, e os dois se juntaram e
criaram o Página 20. E a idéia era fazer um jornal diferenciado. Uma linha política
agressiva, que denunciasse os desmandos políticos e a corrupção porque naquele
período o Acre era um antro de corrupção mesmo, de violência, de tudo que é ruim.
Todo mundo sabe que o Acre era manchete dos jornais nacionais, só incluíam o
Acre para falar mal. Tragédia, corrupção, aquilo tudo de ruim. E o Página 20 quando
surgiu, nesse primeiro ano, entrou já batendo forte com uma linha editorial bem
crítica, denunciando os desmandos políticos que aconteciam no Estado.
Como o jornal pensava em trabalhar a estratégia de renda?
Essa parte eu nunca tive muito contato. Nessa parte eu não sou administrador, não
gosto nem de estar perto. Tanto que chegam aqui as pessoas pedindo orçamento e
eu passo direto para o setor responsável. Para dizer a verdade eu não sei quanto
custa um rodapé, uma publicidade de duas colunas, um anunciozinho pequeno, não
sei quantos assinantes nós temos, não sei. A minha preocupação aqui é somente
uma: é o jornal, a edição, o que vai sair no dia. É isso o que me preocupa.
O Página 20 hoje é acusado de fazer uma linha editorial pró-governo, muito
governista...
É como eu falei, nós tivemos uma linha editorial muito forte, muito crítica. O que nós
visávamos? Nós visávamos uma mudança na política acreana. Nós visávamos a
mudança na defesa do meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, visávamos
um governo que fosse diferenciado, um governo que colocasse o Acre na linha do
193
desenvolvimento, levando em consideração também o homem que habita essa
região da Amazônia. Nesse sentido nós apoiamos e muito, desde o início, a Frente
Popular, porque víamos nas propostas da FPA uma certa afinidade com o que a
gente pensava para o Acre.
Houve uma convergência de interesses...
Exato. E nós os apoiamos desde o início. E continuamos acreditando nessa política
da FPA, por isso estamos apoiando a FPA e o governo do Estado hoje porque seria
equivocado se nós tivéssemos apoiado durante tanto tempo e agora que eles
chegam ao governo a vai gente fazer oposição. Essa proposição não é correta.
Seria irresponsabilidade nossa se de uma hora para outra passássemos a bater.
Mas não seria possível fazer apenas jornalismo?
Como seria isso? Como seria esse “jornalismo”?
Por meio da imparcialidade, da notícia isenta etc.
Mas isso não existe. Esse discurso da imparcialidade vem do positivismo. Ninguém
consegue ser imparcial em nada. Se você acredita que vai ser imparcial no
jornalismo teria que pensar no seguinte: primeiro que ao sair para fazer a matéria
você já está escolhendo as suas fontes. Na escolha de fontes já estará sendo
parcial. Por que aquela fonte e não outra? Além disso, não há como desprezar toda
uma bagagem política e cultural que você tem. Então não existe esta de
imparcialidade, não existe jornalismo imparcial. Primeiro porque defendemos uma
linha editorial, defendemos um tipo de política. Então o que vamos passar nos
nossos textos? A nossa linha editorial. Nós visamos construir leitores, formar leitores
com base na nossa linha de pensamento que é a nossa linha editorial.
Isso não é um passo à frente do jornalismo?
194
Não. Todo jornalismo é assim, todo jornal, seja ele qual for, tem a sua linha editorial
e quando ele forma leitores, forma com base na sua linha editorial. Não é aqui no
Acre, nem em Nova Iorque, é onde for.
Certo, mas existe o discurso da imparcialidade. A maioria dos jornais
acreanos coloca no frontispício, na capa, algum dizer sobre jornalismo
imparcial ou algo do gênero...
Isso é hipocrisia, não há imparcialidade. Claro, não se pode confundir parcialidade
com apologia, com canalhice, com picaretagem. Porque nós temos a nossa linha de
pensamento, nossa linha política. Agora, fazer jornalismo com picaretagem, com
dolo, com maldade, com virulência, aí é diferente. Nesse caso você não é jornalista,
é um pau-mandado, uma pena-paga, como diz muita gente por aí. Mas esse tipo de
jornalismo escreve com base nos interesses de quem paga melhor. Com base em
interesses escusos, deve-se deixar bem claro isso.
O Página 20 recebe dinheiro do governo?
Todos os jornais recebem do governo. Todos os meios de comunicação recebem,
até porque não há uma dessas empresas que possa sobreviver sem o repasse do
governo. Primeiro porque o empresário acreano não tem a cultura do anúncio. O
empresário acha que pode atingir um público bem maior colocando um microfone e
um alto-falante no seu estabelecimento, com um cara berrando o dia inteiro no
ouvido dos clientes, ao invés de colocar uma notinha no jornal, uma inserção na TV
ou no rádio. Mas o Acre está se desenvolvendo agora, nunca teve grande
concorrência. No momento em que começar a surgir a concorrência aí sim, a briga
pelo mercado consumidor vai ser grande e o empresário vai ter que desenvolver a
visão de que realmente precisará anunciar. Quando isso ocorrer, provavelmente os
jornais, a imprensa, os meios de comunicação, poderão se manter normalmente
sem a necessidade do governo. Agora veja bem, o governo é também o maior
anunciante e ao mesmo tempo produz muito em termos de notícia, editais e
195
documentos afins, cuja publicação a lei exige. Cada governo precisa ter um plano de
mídia...
E na verdade existe toda uma verba específica no orçamento para essas
publicações...
Sim, porque a lei exige isso. Então nós lucramos... lucramos, não. Nós temos... é o
que financia o jornal? É, praticamente eu diria que 80% da renda dos jornais
acreanos, com exceção talvez da TV Acre, conseguiria sobreviver sem esses
recursos. Dos impressos nenhum sobreviveria.
Quer dizer que se o governo cortasse o repasse hoje todos os jornais
impressos de Rio Branco iriam à falência?
Se não tivesse repasse de nenhuma prefeitura, de nenhum outro órgão público, se
eles fossem se manter apenas com recursos de publicidade e assinatura, não
sobreviveriam de forma alguma.
O Antonio Stelio, um dos sócios fundadores do Página 20, depois que saiu
daqui passou a fazer denúncias de superfaturamento no valor repassado aos
jornais. O que você acha disso?
O Stelio fez essas denúncias, o Ministério Público Estadual investigou, o Tribunal de
Contas do Estado investigou, se não me engano o Ministério Público Federal
também investigou, mas não há uma comprovação. Além disso, os jornais acreanos
cobram bem abaixo da tabela nacional. Você imagina se um jornal local fosse
cobrar meia página do governo utilizando os preços da tabela nacional, se cobrasse
o mesmo valor cobrado pela Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e outros...
Mas esses preços não são definidos, pelo menos em parte, pelo fato de existir
mais leitores de jornais impressos no sul-sudeste do que aqui? Os custos com
impressão, por exemplo, são bem maiores para as empresas de lá.
196
Sim, mas essa tabela é nacional. É aprovada pela ANJ. Creio que a variação deve
ser pequena, mas provavelmente deve ter alguma coisa com relação ao número de
leitores também. Até porque, imagine só, o governo de SP ou RJ é obrigado a fazer
a sua publicação, como todos os outros. Aí você tem por um lado a Folha com 100
mil leitores, suponhamos, e por outro um jornalzinho de bairro com, sei lá, 5 mil
eleitores. Você acha que se houvesse esta diferenciação segundo o número de
leitores, onde o governo de lá escolheria para publicar o seu edital, no que cobra
mais por ter mais leitores ou no jornal de bairro mais barato porque tem menos? A
lei só manda publicar, mas não diz onde. Então imagine como fica... E na verdade,
se você for levar em consideração isso, nós temos vantagens competitivas em
relação aos grandes jornais, porque os nossos preços estão bem abaixo dos preços
deles. Se levar em consideração apenas o preço do centímetro quadrado ou da
polegada quadrada o governo deveria, na verdade, nos pagar bem mais do que
paga hoje.
Agora, voltando a uma questão anterior, para você o fato do jornal ter uma
linha editorial numa determinada direção que ao mesmo tempo sintoniza-se
com um governo específico, não acaba criando um certo comprometimento do
interesse público? Isso não faz com que ele deixe de ser de interesse público
para ser de interesse do Estado, isto é, do poder?
Eu acho que não. Primeiro que nós não trabalhamos somente com a linha política. E
veja bem, você já percebeu que nós somos o jornal mais premiado do Acre por meio
do prêmio José Chalub Leite de Jornalismo. Nós trabalhamos as matérias políticas,
com certeza, mas também trabalhamos matérias especiais que buscam essa
questão de interesse pelo desenvolvimento sustentável, pela defesa da Amazônia,
pela defesa do meio ambiente, pela defesa do homem. E essas matérias, se você
prestar atenção, o nosso jornal é o que mais publica esse tipo de matéria. Pode
fazer uma pesquisa em qualquer outro jornal local nos últimos 13 anos, que é o
tempo de fundação que o Página 20 tem, não há um jornal nesse período que
publicou esse tipo de matéria do que o Página 20. Isso é interesse público, e muito.
197
A gente traz a informação lá do interior, como por exemplo no ano retrasado,
quando a Renata Brasileiro trouxe uma matéria lá do Parque Chandless. Nunca uma
equipe de jornalismo tinha chegado até lá, no finalzinho, onde tinha um professor,
um barquinho em que ele ia transportar os estudantes ä escola. Outra foi a Marcela
Barrozo e o Marcos Vicentti, que subiram o Igarapé São Francisco, falaram do
descaso que se tem com o rio. Quer dizer, isso são matérias de interesse. E são
matérias que criticam a posição tanto do governo quanto da prefeitura, como é o
caso do tratamento que se dá ao igarapé São Francisco.
E quando há um choque entre interesses do Estado e o interesse da linha
editorial, como fica?
Isso acontece de vez em quando. Algumas matérias desagradam, mas a gente
enfrenta. O governo tem os seus interesses, mas nós também publicamos matérias
que não agradam ao governo, ao Ministério Público, à prefeitura, à Justiça Federal...
isso acontece. Nós estamos numa profissão que não se pode buscar agradar todo
mundo totalmente. Quando isso acontece, é claro, temos um tratamento respeitoso
com todos. Com o governo, com particulares que não têm ligação alguma com o
governo, de vez em quando acontece. Nós enfrentamos, nós temos esta
responsabilidade. Tanto que eu sou o editor que está há muito tempo no Página 20.
Já faz cinco anos que eu estou aqui no cargo. Já tive vários confrontos, e se
houvesse esse problema, se o governo interferisse, eu já tinha saído há muito
tempo, já teria pedido demissão. E outra coisa, eu me sinto muito à vontade no
cargo porque eu tenho uma militância política de longa data, tenho conhecimento,
não sou nenhum paraquedista que chegou aqui e ocupou um cargo, eu conheço a
política, apoiei muito a Frente Popular como militante e como jornalista também. Por
isso me sinto muito bem também para criticar, apontar os erros, achar o momento
correto de dizer. Conheço todos os militantes do PT, do PCdoB, bebi muito com
alguns. Brigamos, confraternizamos, discutimos politicamente na época do
movimento estudantil e hoje somos amigos. Não há problema algum.
198
Então, em resumo, você acha que esta ligação entre governo e imprensa não
atrapalha a liberdade de imprensa, como apontam alguns jornalistas
dissidentes como o Altino Machado, por exemplo...
Eu acho interessante o Altino, leio as críticas dele. Recentemente ele fez uma crítica
à Renata Brasileiro porque, segundo ele, ela teria ignorado o fato dele ter sido o
primeiro a divulgar umas fotos. O problema é que ele não foi o primeiro a divulgar. O
primeiro a divulgar foi um blog chamado A Flora, de uma tal Mariana. Ela publicou
cerca de duas semanas antes do Altino. Mas como ela publicou as fotos sem
autorização, o fotógrafo viu, reclamou e ela retirou as fotos do blog. Todo mundo
viu, e até aquele momento as fotos não eram públicas porque as informações
estavam sendo organizadas. Mas ela tirou as fotos e logo depois as fotos foram
para o site da Funai. Isso, bem antes de sair no blog do Altino. Eu vi as fotos nessa
fase, e até pensei em fazer uma matéria, mas alguém me disse: “Não, estão
produzindo um material especial e vamos publicar”. Era o pessoal do governo, que
tinha acompanhado o vôo e pretendiam publicar. Então eu resolvi esperar esse
material especial porque aí a gente daria com maior qualidade. Ou seja, as pessoas
que estiveram lá iriam fazer o material. Em segundo lugar, a Renata não é obrigada
a usá-lo como fonte. De forma alguma, não é obrigada a usá-lo como fonte. Por que
deveria citá-lo, se a informação não era exclusiva dele? A informação tinha sido
publicada em diversos sites que não citavam sequer o Altino. Ela pegou as fontes de
outra forma. Não tinha obrigação de citá-lo mesmo! Agora, veja bem. Eu acho que
para ser jornalista você tem que reunir algumas qualidades. Não basta apenas
escrever bem. Tem que ter ética, moral, responsabilidade acima de tudo. Por isso
foi antiético, foi imoral, a forma como ele tratou a Renata no site dele. Foi uma
postura vergonhosa.
Ela o processou?
Não, esse tipo de coisa a gente ignora. Por diversas vezes o Altino também publicou
notinhas... casos em que ele cita o Página 20, mas não procura nos ouvir, ignorando
aquele postulado do jornalismo de ouvir o outro lado. Ele é um tipo que gosta de
199
criar polêmica. Primeiro que é muito fácil você se dizer independente e ter alguém
por trás lhe bancando. E não tem publicidade alguma no blog, então é um cara
complicado. Veja, liberdade impõe responsabilidade. É uma balança. Você tem
liberdade, mas a responsabilidade está do outro lado da balança. Tem que ser
responsável em tudo o que se faz.
Quem é o dono do Página 20?
O Elson Dias Dantas Filho.
O Stelio disse que o dono era o Tião Viana...
É, o Ministério Público investigou isso aí também, mas não ficou comprovado nada.
E na verdade, não vejo problema nenhum de um político ser dono de uma empresa
de comunicação. É o caso da Gazeta, por exemplo. Todo mundo sabe quem é o
dono da Gazeta, como ela foi comprada...
Como funciona a infra-estrutura da redação, no tocante à produção de
matérias?
Aqui cada repórter produz três matérias por dia. Como são quatro repórteres, são 12
matérias todos os dias.
E o governo manda quantas?
Cinco, seis, às vezes menos que isso. Temos releases de prefeituras, de
assessorias parlamentares, diversos releases, material nacional que temos das
agências, então são muitas fontes. E às vezes o repórter produz mais, às vezes
produz só uma.
200
Entrevista com Antonio Stelio de Castro, ex-proprietário dos jornais Página 20
e A Tribuna
Como você entrou na imprensa?
Eu atuo no Acre desde 1988. Atuava antes em Ribeirão Preto, interior de SP. No
Acre trabalhei na assessoria de imprensa do então governador Flaviano Melo,
depois entrei para um jornal chamado Hora do Povo, que existia aqui e era editado
pelo Suede Chaves. Depois fui para o jornal O Rio Branco, onde criei uma coluna
muito lida chamada Tambores & Tamborins e que depois compraram o meu passe,
levando eu e tudo lá para A Gazeta, incluindo a coluna com o mesmo nome,
Tambores & Tamborins. Fiz essa coluna lá durante quatro anos. E depois desses 4
anos da Gazeta eu saí para fundar o jornal A Tribuna, com o Eli Assem de Carvalho,
50% cada um. E depois eu vendi a minha parte para o Eli e depois de algum tempo
montei o Página 20. E o Página 20 foi um período já quando o Jorge Viana era
prefeito e era o jornal que dava sustentação a ele. Mas foi aí que começou todo o
jornal de combatividade, do engajamento político que a gente tinha em relação à
esquerda.
Antes disso você tinha alguma ligação com política partidária?
Nenhuma ligação, até porque eu estava há 11 anos fora do Acre. Embora eu seja
acreano, morei 11 anos fora do Estado. Em Ribeirão trabalhei em jornal, mas
quando eu cheguei aqui o único laço que eu tinha realmente com a política era da
minha família que era tradicionalmente do PMDB. Eu sou sobrinho do Adalberto
Sena, do José Augusto que foi governador, da Maria Lúcia que foi deputada, do
João José que foi vereador, então a minha família tem um vínculo muito estreito
com o PMDB. Isso no entanto não representava por parte dos filhos um seguimento
dessa linha. Tanto que eu, como fui fundador nacional do PT em Ribeirão Preto,
quando cheguei aqui, embora não fosse filiado, tinha um laço estreito com o PT e a
minha irmã Rosângela Castro era filiada ao PCdoB e ainda é até hoje. O meu irmão
201
Glauco Castro era ligado ao PMDB e já o resto dos meus irmãos não tinham vínculo
algum com partidos.
Por que surgiu essa sua idéia de engajar-se com a esquerda?
Por causa da questão ética. Eu já não tinha mais um engajamento de militância
partidária, quando eu voltei. Minha militância partidária foi realmente em Ribeirão
Preto, no PT, mas quando eu voltei para o Acre eu já não militava, mas restou em
mim a questão da luta pela ética na política, na ética na própria vida, na
administração pública etc. Então a minha preocupação era exclusivamente esta.
Como a gente sabia que aqui no Acre os governos eram desbragadamente
corruptos, eu realmente me engajei nessa luta porque a esquerda tinha um discurso
ético. O próprio PT passou 25 anos com um discurso ético extraordinário. Nós
éramos sinônimos de crítica ferrenha em relação à corrupção. Então defendendo
essa bandeira eu achei que através da imprensa, do jornalismo, a gente podia dar
uma contribuição política para o Estado do Acre. E nessa trajetória a nossa idéia
casou-se completamente porque o discurso partidário era o mesmo. Tanto que
quando eu não fiquei na Gazeta, nem no Rio Branco e a minha parte na Tribuna foi
vendida para o Eli Assem, eu acreditava que realmente a gente poderia ter um
órgão de comunicação que pudesse levantar essa bandeira da questão ética. E
assim nós fizemos com o Página 20.
Seu objetivo não era empresarial, era criar uma estrutura de comunicação que
desse suporte ao PT no campo político, é isso?
Não, não ao PT propriamente dito, porque eu sempre reconheci que havia políticos
inclusive da direita que eram éticos, que não eram corruptos, que não se vendiam
porque a honestidade não é um privilégio da esquerda. É um privilégio do ser
humano, daquele que faz essa opção de vida. Por isso tinha pessoas que não
tinham essa mácula que a gente também apoiava, embora eles fossem de outros
partidos. Mas o PT encampava a esquerda no Brasil e no Acre. Então essa aliança
se deu de uma forma natural, tanto que nós abrimos espaço para esses políticos
202
que a gente reputava ético. Não abria espaço só para o pessoal do PT. Mas o mais
interessante que surgiu nessa época foi realmente o confronto direto nosso com o
poder estabelecido, com a direita, com o governo, com os vários governos que se
sucederam. Nós partimos para o confronto direto e denunciamos, e marcamos, e
fizemos história recente no Acre justamente por causa desse compromisso. Você
não pode hoje falar da história político-administrativa do Estado do Acre sem citar o
papel que o Página 20 desempenhou.
O Galinho Bom de Briga...
O Galinho Bom de Briga desempenhou um papel de cobrança e que rompeu
corajosamente uma barreira na imprensa do Acre e serviu inclusive para denunciar
a subserviência dos outros órgãos de comunicação.
Quer dizer então que enquanto o Página 20 denunciava os outros
acobertavam?
Acobertavam, porque eles também se locupletavam com o dinheiro público. Não só
com as gordas verbas de publicidade, mas também com outros paparicos que o
governo dava para esses órgãos de imprensa, como, por exemplo, quando foi se
votar a Lei de Extinção do Fundo Previdenciário, que tinha lá milhões guardados
que o governo iria colocar a mão nesse dinheiro e que o governo botou a mão nesse
dinheiro e esse dinheiro evaporou, os órgãos de comunicação também pegaram
uma ponta também nisso. Você tinha lá 8 milhões, deram 100 mil para cada um e o
resto na época era do governo Cameli. Sumiu tudo.
E o Página 20?
O Página 20 batia de frente com o governo Cameli.
O Orleir nunca chegou pra conversar com vocês, nunca buscou a conciliação?
203
Da nossa parte, não.
E da parte dele?
Sim, várias vezes. Eu lembro que o governador Orleir Cameli botou o ex-deputado
Alércio Dias para fazer um contato conosco. Esse contato foi feito, nós aceitamos
inclusive a proposta do governo Orleir naquela época com o compromisso que nós
tentaríamos ouvir o lado deles e fazer imprensa de vergonha, objetiva. Fizemos até
um contrato de R$ 22 mil, embora os outros ganhassem R$ 50 mil, R$ 60 mil.
Fizemos esse contrato que só durou um mês porque no segundo mês ele cortou
porque nós continuamos batendo. A gente continuou denunciando. Mas na verdade
foi uma equipe vitoriosa, porque foi uma escola para muitos jornalistas porque nós
efetivamente fazíamos reportagens investigativas, fazíamos um jornalismo corajoso
naquela época. Nesse sentido a gente terminou se sobressaindo. Nós abrimos um
espaço para a esquerda, abrimos um espaço para o PT, abrimos um espaço para o
Jorge Viana, a ponto que todo mundo dizia: “O Jorge Viana tem muito o que
agradecer ao Página 20”.
Qual era a fonte de renda do Página 20?
Nós tivemos um crescimento paulatino. Começamos devagar, porque o Página 20
começou semanário e eu resolvi que ele passaria a ser diário. Então fomos
crescendo, crescendo, crescendo, e ficamos como o segundo jornal mais vendido.
Naquela época A Gazeta vinha em primeiro e nós ficamos em segundo e
mantivemos esse patamar. Também crescemos em assinantes porque instalamos o
telemarketing que nos ajudou bastante. De modo que, apesar de sermos o caçula
da imprensa acreana, éramos o segundo colocado. Também foi o primeiro jornal do
Acre na internet e o segundo a ser informatizado, porque o primeiro foi A Tribuna
que eu informatizei. Eu informatizei o primeiro e o segundo jornal acreano. Eu que
coordenei tudo, fui em São Paulo comprar os equipamentos, paguei curso para os
funcionários. Em ambos. No Página 20 foi até mais tranqüilo, porque eu tinha a
experiência da Tribuna.
204
Tudo isso com a receita de assinaturas e vendas em bancas?
Por causa dessa estratégia, mas naquela época já tínhamos alguns colaboradores
do PT. O Jorge Viana dava uma contribuição financeira, até o Nilson Mourão, que é
pão-duro, dava uma contribuição financeira. Maria Antonia dava contribuição
financeira, Naluh dava contribuição financeira. E era com isso que a gente ia
tocando.
Então havia uma militância orgânica entre o PT e o Página 20?
Não era orgânica porque não era contumaz. Não tinha uma regularidade. Tanto que
começamos a rodar o jornal lá no Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA), e
só paramos de rodar lá porque ficou uma dívida enorme que nós não pudemos
pagar. Na época do governador Orleir Cameli rodamos mais de um ano lá no jornal
A Tribuna, com o Eli Assem rodando pra nós.
Como foi a apropriação do Página 20 pelo PT?
Na verdade essa apropriação não se deu de uma forma legal, efetiva, porque eles
não eram donos de direito. Mas eram donos de fato, porque, naqueles dois anos
que o Jorge ficou sem a prefeitura, o Aníbal Diniz, que tinha sido assessor de
comunicação dele, veio para o jornal. Então eles vieram e tinham uma influência
direta na linha editorial. Eu lembro que sentávamos com o Jorge Viana,
planejávamos pautas, fazíamos matérias. Enquanto ele era prefeito nós tínhamos
um contrato com a prefeitura. Era pequeno, mas tínhamos e ajudava a manter
também o jornal. Era um contrato comercial como qualquer outro. Era o maior
contrato que tínhamos, era a nossa maior fonte de receita, mas nessa época eles
não influenciavam tanto. Quando nós tínhamos um contrato com a prefeitura o
processo de hegemonia petista dentro do Página 20 ainda não tinha acontecido.
Mas, e isso parece até um paradoxo, foi justamente quando eles deixaram a
prefeitura e não tinham mais o contrato, eles mais necessitavam porque eles não
205
tinham mais o poder. Estavam fora do poder durante dois anos, todos apagados e
sem espaço nos outros jornais. Então eles vieram todos, correram para o Página 20.
E nesse período de dois anos aí sim foi que mais se acentuou a hegemonia do PT
dentro do Página 20.
E você, como os tinha como aliados, manteve isso.
Eu era cúmplice de tudo isso. Eu fazia com prazer porque acreditava que esse
trabalho poderia ter alguma conseqüência ética. E teve, porque nós terminamos
ganhando com setenta e pouco por cento. Lançaram até um candidato laranja que
era o Alércio Dias, que foi candidato a governador disputando com o Jorge Viana.
Por que laranja?
Porque ele saiu só pra perder mesmo, ele sabia que não dava mais. O único que
ameaçava o Jorge Viana era o Orleir Cameli, se ele fosse para a reeleição. Mas ele
não quis.
Houve algum acordo entre Orleir e Jorge Viana?
Eu só fiquei sabendo disso depois, mas durante a campanha teve um encontro
entre o Jorge Viana e o Orleir. E a prova disso é que durante a campanha o governo
Orleir fez um contrato pequeno com o Página 20 a pedido do Jorge Viana. Isso
naquela campanha de 1998.
Mas isso é estranho porque como você mesmo disse os petistas estavam há
dois anos afastados do poder, contando apenas com a oposição jornalística
que desempenhavam dentro do Página 20. Nesse cenário o Orleir poderia fazer
o sucessor tranqüilamente, não necessitaria de acordos com o PT, não acha?
Não, porque todas as pesquisas apontavam o Jorge Viana na cabeça. Ele ficou com
medo de arriscar. Então, o que fez o Jorge Viana? Deu um ultimato nele. Chegou
206
nele com uma pesquisa na mão e disse: “Olhe, você fique de fora e além disso
ajude o Página 20”. Disse isso e disse também que não o perseguiria depois. E
cumpriu a palavra. Além de não perseguir, aliou-se a ele. Mas aí quando assumiu
em 1999 passou-se um ano e meio a dois anos a gente ainda acreditava que
poderíamos fazer uma revolução ética na administração. Mas eu percebi, um ano
depois, que era apenas o outro lado da mesma moeda na questão ética. Porque a
gente começou a perceber que o modus operandi era o mesmo do governo da
direita. O trato com o dinheiro público, a questão das licitações dirigidas, o
apadrinhamento, o surgimento de “novos ricos”, tudo isso eu comecei a perceber um
ano e meio depois. No início de 2000.
Você pode citar algumas dessas práticas?
A primeira coisa que me deixou com a pulga atrás da orelha foi logo em janeiro,
quando o Jorge Viana assumiu. Quinze dias depois, duas semanas depois, ele
mandava o pessoal dele nos jornais para pegar a capa e saber o que ia sair no dia
seguinte. O Rio Branco mandava, A Gazeta mandava, todo mundo mandava. Aí
quando chegavam no Página 20, não lembro se era o Dudé que fazia isso ou outra
pessoa, eu respondi: “Eu não mando!”. E fomos o único jornal que se recusou a
mandar a capa. Mas a partir dali eu já percebi tudo.
Mas o processo de compra do jornal, como ocorreu?
Primeiro começou a censura. O primeiro ato de decepção minha não foi tanto com a
questão da corrupção em si, porque era muito cedo para se perceber. Mas foi com o
comportamento de censura. Ali com o Jorge Viana começou o fim da imprensa no
Acre. O fim da imprensa no Acre! O Jorge Viana e o PT, nesses oito anos, são os
responsáveis pelo fracasso, por essa situação atual, essa ignomínia na imprensa
acreana. Se hoje não existe imprensa no Acre, foi o PT que destruiu. E esse
processo se iniciou no primeiro mês do governo do PT em 1999, quando o Jorge
Viana assumiu, ao exigir que os órgãos de comunicação enviassem com
antecedência, na noite anterior, o que iria sair na publicação do dia seguinte. Os
207
outros jornais, como cordeirinhos, fizeram esse tipo de jogo. Eu me neguei a isso e
nós não fizemos isso. Porque nós até apoiamos o governo ideologicamente e
publicávamos, participávamos, fazíamos tudo o que era possível para dar apoio a
esse novo projeto. No entanto, a prática autoritária e centralista deles foi se
revelando aos poucos. Nós percebemos isso e daí eu comecei a perceber também
que ele já estava se aliando com os outros órgãos de comunicação que eles
combatiam, que ele já estava se dando bem com Orleir Cameli.
Então essa sua descoberta sobre o acordo com o Orleir Cameli foi posterior?
Sim, foi a posteriori. Eu percebi que ele estava se dando bem com o governo porque
o próprio Aníbal Diniz na época veio me pedir para não bater no Orleir. Antes me
pedia para bater, depois que assumiu me pedia pra não bater porque tinham
interesse, já vislumbravam as eleições municipais que tinham pela frente e
contavam com o apoio do Orleir Cameli. Aí eu comecei a perceber gente ganhando
dinheiro, comprando carro, já tinha os pasteiros, que todos nós combatíamos antes,
se dando bem no governo, o próprio governador intercedendo e dando grandes
obras para Orleir Cameli, para grandes empresários que sabíamos que se
locupletavam nos governos anteriores. Surgiu o caso boca-de-lobo na Secretaria de
Educação, o caso do cimento em Tarauacá e começaram a surgir esses casos
todos. E a censura forte em relação à imprensa, uma coisa horrível. Jornalistas
eram perseguidos, demitidos. E foi então que eu me decepcionei e resolvi vender o
jornal.
Para o Jorge Viana?
O jornal foi comprado, eu acredito, com dinheiro público. Porque ele foi intermediado
por um empresário que é testa-de-ferro e financiador da campanha do senador Tião
Viana. Era o Pedro Neves, que era gerente da Takeda, que montou uma empresa
de cimento com o Tião e hoje é o dono da TV 5. E que é um dos alicerces
financeiros do senador Tião Viana. O Pedro negociou, me pagou, o dinheiro veio
208
através dele e ele colocou o jornal em nome de outra empresa e não no da empresa
que consta no contrato.
Uma empresa laranja?
Isso. Então, na minha consciência o Página 20 foi comprado pelo grupo do senador
Tião Viana.
Então o Página 20 não pertence na prática ao empresário Elson Dantas?
Eles podem até dar de lambuja esse jornal para o Elson, mas vão dar só o título
porque eles controlam tudo financeiramente ali, a tal ponto dele não ter sede
própria, não ter nada. Nem sede eles têm, é alugado. Onde funciona a gráfica é do
Severiano. E no alugado é daquela imobiliária do Jurilande.
Você acusa o governo de controlar a linha editorial dos jornais. Como
funciona isso na prática?
Principalmente na questão financeira, mas há outros meios. Eles, por exemplo,
pressionaram A Gazeta com a questão financeira, por meio da política e com
processos. Com O Rio Branco foi ali uma coisa ferranha, pisando no pescoço
mesmo. O Eli Assem eles controlam por meio de verbas, de Diário Oficial e de
ameaças com os processos dele, aqueles que ele foi condenado a 30 anos de
cadeia. E eles jogam bruto. Jogam bruto a tal ponto de grampear telefones. O
controle se deu na marra e foi uma coisa tão forte e sistemática que o governo
acabou por domesticar os donos dos jornais. A imprensa no Acre ficou domesticada
no segundo ano do governo Jorge Viana. Totalmente servil. Você podia pegar um
jornais e ler todos na época do Jorge Viana.
E hoje não é assim?
209
O Binho não tem essa preocupação. O Binho não fica mandando colocar matéria,
mandando tirar matéria, criticando isso, criticando aquilo. O problema é que eles já
estão viciados. O Jorge Viana colocou um vício no DNA dos jornais acreanos.
Lembro que numa certa época vinham matérias prontas direto da Secretaria de
Imprensa do Governo do Estado. Isso aconteceu na sua época também?
Aconteceu sim, nós recebíamos material. Só que o Página 20 em relação ao
governo, quando ele assumiu, tinha uma coerência. Os outros não, os outros
mudaram. Todos os que eram contra o PT passaram a ficar a favor. Nós, não. Nós
lutamos para colocar o grupo no poder e lutamos para sustentar. Então durante o
governo eu isento o Página 20 de qualquer crítica de subserviência porque ele
estava numa coerência, ele vinha lutando, dava sustentação ao grupo e
conseqüentemente daria também sustentação no governo. Então ele dava esse
apoio porque existia uma coerência. Já os outros, não, sempre foram contra a
esquerda e se tornaram depois a favor.
Você chegou a ser ameaçado ou perseguido por suas declarações depois de
romper com o governo?
Eu paguei muito caro, não só por ter me tornado o segundo jornalista mais
processado do Brasil, segundo a própria Federação Nacional dos Jornalistas
(Fenaj). O primeiro é o Hélio Fernandes, da Tribuna da Imprensa, e o segundo sou
eu.
Quantos processos?
São 117 processos.
E quantos desses são do PT e do Jorge Viana?
210
Isso é engraçado, porque antes os meus processos eram todos do pessoal da
direita. Hoje são todos do pessoal da esquerda. Então eu tenho processo dos dois
lados. Eu ganhei processos defendendo o Jorge Viana e ganhei processos do
próprio Jorge Viana. Teve isso e teve também as agressões. A primeira foi lá no hall
da Assembléia Legislativa, quando nós denunciamos os pasteiros.
Pasteiros são empresários que fazem esquemas e dirigem licitações? Você
soube de algum caso específico de fraude em licitações?
Exatamente. Havia empresas que vendiam, por exemplo, 2 mil, 3 mil carteiras
escolares e só entregavam 200, além de ser superfaturadas. E tinha aqueles
pasteiros que vendiam da agulha ao avião, embora não tivessem nada. Era tudo
esquema de superfaturamento, no rachachá com algumas autoridades.
O Eli Assem era um desses?
É. Todos. Era um grupo grande, muito grande. Então essa denúncia mexeu com
muita gente dos esquemas, da máfia, e daí resultou que eu fui agredido literalmente
mesmo, quebrei dente e tudo. Foi o irmão do Elson Santiago, que era deputado. O
pessoal do Santiago, da família Santiago. Depois eu fui na Polícia Federal, teve toda
uma conseqüência. E a segunda agressão foi até mais grave, com o Roberto Filho,
que invadiu a redação do jornal com um revólver na mão. Me agrediu e tudo. Mas
eu não me intimidei, denunciei ele e tudo. Agora, a pior de todas mesmo foi a
ameaça de morte. Eu sempre falo isso, devo a minha vida ao Amaraldo Pascoal,
porque isso foi no dia em que um pistoleiro foi lá para a frente do Página 20 me
tocaiar para me matar. Ele passou todo lá e não me matou, eu escapei. Três meses
depois é que eu fui saber da história. Naquele dia o Amaraldo Pascoal, que era
vereador, tinha passado um dia inteiro comigo, foi almoçar comigo, voltou, ficou lá
pelo jornal, saiu à noite comigo e fomos na Água na Boca tomar um chope e ele viu
um motoqueiro lá na esquina. Ele se levantou e foi lá onde estava o motoqueiro e
perguntou: “O que você está fazendo aqui?”. E o motoqueiro: “Eu vim pra fazer o
Stelio, porque me mandaram pra ele não passar de hoje”. E o Amaraldo encarou ele
211
e disse: “Vá pra quem lhe mandou e diga que com ele ninguém mexe, porque ele
está comigo”. Aí o cara deu meia volta na moto e vai embora. Meses depois o
Amaraldo foi inclusive preso e quando eu fiquei sabendo disso ele já estava preso.
Por isso eu sempre mandava livros pra ele, meu irmão sempre ia visitá-lo, embora
eu nunca tenha ido. Mas em agradecimento a isso, eu enviava livros. Esse foi o
caso mais grave de todos os processos, agressões e tudo o que eu já sofri até hoje.
Como funciona o superfaturamento da verba de mídia?
Funciona da seguinte maneira: eles fazem um orçamento, por exemplo, de 2
milhões, 3 milhões de reais anuais. Então dão uma cota para cada órgão de
comunicação, mas desse montante já separam 20% para as agências.
O que são agências?
De propaganda. Na época do Orleir era a Asa, hoje é a Companhia de Selva. Bem,
eles tiram 20% de 2 milhões, por exemplo. São R$ 400 mil. Desses 20% eles dão
R$ 50 mil para a agência e o resto é esquema de distribuição. Nas cotas de
distribuição para os jornais eles dão, por exemplo, R$ 80 mil para A Gazeta, mas
não chega a ser R$ 80 mil, lá chega somente R$ 60 mil. No caminho come-se R$ 20
mil. É a roubalheira que os espertos, os espertalhões da área chamam de
“capação”. Vão capando. Capa de um, capa de outro, é assim que acontece na
verba de mídia ainda hoje. Capam tanto dos 20% da agência quanto das cotas para
os jornais. Nisso eles pagam a mídia e tiram dinheiro para reserva de campanha
eleitoral, fundos de campanha eleitoral, tiram dinheiro para pagar deputados, para
dar para secretário, para vários esquemas. De modo que a corrupção continuou no
governo Jorge Viana, não mudou nada.
Qual é o percentual de dependência das empresas em relação ao dinheiro do
governo?
212
Para alguns jornais é 100%. Pra outros é 90%. Por exemplo, para A Gazeta
representa 90%, porque A Gazeta criou uma estrutura mínima. Hoje ela caiu muito,
perdeu a credibilidade, mas quando ela tinha muita credibilidade tinha muitos
comerciais e propagandas. Eu lembro que numa época só os classificados da
Gazeta rendiam R$ 17 mil. Tinha anúncios de empresas particulares, autarquias,
governo federal, governo estadual e governo municipal. Mas o governo estadual
representava 90% da receita, isso em uma empresa que já tinha alguma aceitação e
nome na iniciativa privada, por exemplo. Agora nos demais jornais, que não tinham
essa aceitação, era 100% de dependência.
Se o governo decidisse romper, então haveria uma quebradeira generalizada?
Sim, mas isso se acentuou mais no governo do PT. No governo Orleir os órgãos de
imprensa conseguiam independentemente do governo do Estado, até porque ele
não se mexia para isso, as publicidades federais através dos parlamentares.
Conseguiam também negociar com as prefeituras. Com o PT, não. O PT centralizou
tudo, governo federal, estadual e municipal e fechou tudo. Amarrou a receita dos
órgãos todos. Para você ver como o PT foi tão criminoso em relação à liberdade de
imprensa no Acre que quando o Página 20 estava na oposição nós rodamos
durante um ano na gráfica do Eli Assem e o Orleir nunca questionou isso. Quando o
PT assumiu, pra gente rodar jornal eles fecharam todas as gráficas pra nós.
Nenhuma poderia rodar os nossos jornais.
As gráficas eram advertidas pra não rodar os jornais de oposição?
Isso, a ordem era não rodar os jornais que nós estávamos começando a fazer, a
Folha do Acre, Segunda Feira, jornais de oposição. Eu lembro que uma vez fomos
rodar o Segunda Feira lá na Gráfica do Leônidas e eles foram lá e deram uma multa
de R$ 200 mil no Leônidas. Então eles perseguem. É a famosa perseguição. Eles
perseguem grampeando telefone, botando fiscalização em cima, ameaçando, tudo
isso. Foi uma coisa criminosa em relação à imprensa do Acre. Conseguiram acabar
com a imprensa do Acre, que tem uma história muito bonita. Esse Folha do Acre,
213
por exemplo, começou a circular em 1940. Depois o Mário Maia ressuscitou ele na
década de 70 e eu o ressuscitei hoje. Tem várias histórias bonitas de jornais no
Juruá, em Sena Madureira, em vários lugares do Acre. Toda a história recente do
combate à ditadura que a imprensa acreana combateu foi jogada na lata do lixo.
Pelo que você está dizendo, muitas dessas pessoas que lutaram contra a
ditadura quando chegaram ao poder não só reproduziram as práticas de que
elas próprias foram vítimas como também as tornaram mais eficazes, no
sentido de controlar a imprensa. É isso?
Isso mesmo. Aqui no Acre, pelo fato da gente ter vivido pelas entranhas desse
processo, assistimos uma coisa que ninguém acreditaria. Ninguém acreditaria que o
PT controlaria a imprensa com mão de ferro, destruiria inimigos, perseguiria
adversários, destruiria mesmo. Então foi uma coisa muito gritante, muito absurda, e
você percebe que eles fizeram cortaram na própria carne nesse esforço de
perseguição a inimigos e dissidentes.
Por que o Ministério Público não investiga essas denúncias?
Porque uma das primeiras providências do PT foi dominar todas as instituições.
Hoje a Assembléia Legislativa, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público não têm
autonomia. Todos eles ficaram servis. Se você pegar a composição do Tribunal de
Justiça hoje apenas um desembargador não diz amém. No Ministério Público, é
99%, 100%, a serviço do governo. Aliás, o Ministério Público do Acre virou
advogado de defesa do governo, extrapolando o papel da própria Procuradoria.
Você diz isso porque o Edmar Monteiro é irmão do Antonio Monteiro?
Também, mas porque eles quando você diz coisa contra o governo o Ministério
Público te processa.
Aconteceu isso contigo?
214
Várias vezes. Eu tenho pelo menos uns oito processos de iniciativa do MPE me
acusando de ferir a honra do governador. Processos que foram abertos sem que o
órgão tenha sido provocado. Eles dizem que têm uma brecha na lei que torna
possível abrir processo sem ter sido provocado. Sei lá, sou leigo nessa área, mas o
importante é ver a eficiência do Ministério Público, o zelo que o Ministério Público
tem em defender o governo do PT e os governadores do PT. É um zelo
extraordinário que eles não têm com a camada mais humilde da população que
carece, por exemplo, de ser defendida nos seus direitos. E tem Assembléia
Legislativa, Tribunal de Justiça, os tentáculos de controle do PT são tão grandes
que chegam até nos órgãos privados como o Sebrae, por exemplo. Eles nomeiam
quem eles querem em várias instituições. Eles dominam a Ufac, o movimento
estudantil, tudo. É esse controle absoluto, totalitário, que revela um caráter fascista
do grupo que tomou o poder no Acre há 10 anos atrás.
215
Entrevista com Silvio Martinello, proprietário do jornal Gazeta do Acre/A
Gazeta
Como foi a origem da Gazeta, como ela começou?
Bom, aí tem toda uma história. Aqui no final da década de 70... 78, 79, por aí, havia
um só jornal diário. Era O Rio Branco, ligado um pouco aos Diários Associados,
embora já pertencesse aos Tourinhos, de Porto Velho, um grupo empresarial.
Depois veio também um grupo empresarial de Rondônia, do jornal O Guaporé, criar
A Gazeta aqui no Acre. Chamava-se Gazeta do Acre. O dono era outro empresário,
também dono desse jornal O Guaporé. Ficaram então dois jornais. Ele trouxe um
editor de Porto Velho e mais algumas pessoas para tocar o jornal. Na época o
governo era o Mesquita e ele teve muitas dificuldades de implantar o jornal e tocar o
jornal porque O Rio Branco, de certo modo, sempre foi muito ligado a governos e
eles não tiveram como entrar na repartição da publicidade do governo. Então ele,
por uns tempos, acho que por um ano, tocou esse jornal com o pessoal de Porto
Velho, seguindo uma linha mais ou menos independente de governo, e foi quando
nós entramos, o pessoal que ainda fazia o Varadouro. Era eu, o Elson Martins, o
Suede Chaves, o Arquilau e mais alguns. Nós todos chegamos a trabalhar nesse
jornal A Gazeta do Acre lá de Porto Velho. Era uma linha muito livre...
Mas era um jornal de Porto Velho que circulava também no Acre, como era
isso?
Não, lá em Porto Velho o dono tinha O Guaporé e aqui tinha a Gazeta do Acre. E
nós, a equipe do Varadouro, que ainda nós fazíamos O Varadouro, fomos
convidados para trabalhar na Gazeta do Acre. E nós começamos a trabalhar. Era
uma linha muito livre de governo, de amarras do governo, coisa e tal. E na época
também havia... são coisas do Acre, né... havia o monopólio do comércio da carne,
da venda da carne. E era um problema isso para a população, porque tinha que
formar filas para comprar carne, o dono do monopólio aumentava o preço como ele
queria, não tinha controle e A Gazeta entrou um pouco firme na denúncia desse
216
monopólio. O dono desse monopólio, que se chamava Wilson Barbosa, e que está
vivo ainda hoje, pegou um avião, nem esperou pelo Boeing, pegou um teco-teco e
foi a Porto Velho onde comprou no cash o jornal. Inteiro. E naturalmente nós que
fazíamos O Varadouro e A Gazeta saímos do jornal. Bom, não tinha condições...
Mas essa compra do jornal não incluiu O Varadouro também?
Não. Isso aconteceu de novo depois com A Gazeta. Então, continuando, ficou
apenas o Suede porque eu, o Elson, o Arquilau, o Alberto também, tínhamos outras
receitas. Eu, por exemplo, era correspondente do Jornal do Brasil. O Elson era do
Estadão, o Arquilau parece que vendia remédios, era representante, coisa assim.
Então nós saímos e deixamos o Suede que só dependia daquilo pra sobreviver.
Mesmo assim no dia seguinte nós voltamos lá. Eu era editor do jornal, o Elson era
diretor. Chegamos lá e encontramos um advogado e a gente já tinha sido de certo
modo marcado pela posição do Varadouro no embate contra a entrada da
agropecuária e encontramos um advogado que também era fazendeiro, de
chapelão, com as botas em cima da minha mesa. Aí eu olhei aquilo, não conhecia o
cara, peguei as minhas coisas e me retirei. O Elson também, mas o Suede ficou.
Eles tentaram fazer o jornal um dia, conseguiram. No outro dia não conseguiram, no
terceiro dia também não. Não dava, não tinha gente naquela época. Foi quando
então o dono do jornal, que era o Wilson, chamou a gente de volta. Ele chegou e
disse: “Olhem, eu comprei o jornal, não vou negar, mas eu gostaria que vocês
voltassem a trabalhar no jornal”. Nós perguntamos: “Em que condições?” E ele:
“Não, vocês estão livres, façam o que bem entenderem”. Mas aí colocamos o
problema da carne, e ele: “Sem problema, desde que me ouçam”. E a partir dali se
estabeleceu até uma certa convivência, tanto quanto possível, entre a gente e o
dono. E é interessante que ele deixou o jornal completamente livre, à vontade, pra
gente fazer uma linha independente até mesmo do governo, porque dependia dele,
ele bancava o jornal. E fizemos até uma boa Gazeta do Acre na época, eu lembro.
Não tínhamos nenhuma relação com o governo, nenhum compromisso com o
governo. Terminou o Mesquita, depois veio o Joaquim Macedo, fizemos uma
oposição bastante forte porque eram os dois últimos governos da Ditadura, que em
84 estava fechando. Fizemos uma boa oposição aproveitando a liberdade de
217
expressão. Em 1982 veio a redemocratização com a eleição do primeiro
governador, que foi o Nabor. E o jornal, naturalmente, pois era um movimento de
todo o país, tomou partido porque naquela época era o MDB, PMDB, como quiser,
mas a gente achava importante a eleição dos governadores de oposição. Só que aí
o dono do jornal nos afastou. Afastou a mim e o Elson, 45 dias antes da eleição, e
chamou o Zé Leite para editar o jornal. Por que? Porque os dois candidatos eram o
Nabor e o Kalume e dono do jornal era muito ligado ao Kalume e o Zé Leite também
era ligado ao Kalume.
Eram do PDS?
Sim, mas acho que naquela época ainda era Arena, a velha Arena. Mas ele antes
de nos afastar nos chamou e disse: “Olhem, no dia 16, independentemente do
resultado, vocês voltam”. E deu férias pra mim e para o Elson. Eu imagino que no
cálculo dele o Kalume ganharia, mas não ganhou...
Ele usava então o jornal para fazer campanha pela eleição do candidato de sua
preferência?
Sim, isso mesmo. Voltamos depois das eleições, mas uma semana depois parece
que ele ficou muito contrariado porque era muito envolvido com a política na época.
Chegamos lá um dia para trabalhar pela manhã e o portão estava no cadeado. Não
tinha mais jornal. A partir daí, com a eleição do Nabor, se fez um outro projeto com
o senador Mario Maia para fazermos a Folha do Acre. Então o mesmo grupo que
fazia A Gazeta fez um projeto para fazer esse jornal. E era sempre a mesma turma
que veio do Varadouro, fez a Gazeta do Acre, depois fez o Repiquete e daí nasceu
A Gazeta. Era o mesmo grupo, porque, depois de um tempo o Wilson Barbosa
chamou a gente de volta. E nós saímos da Folha do Acre por interferências muito
políticas, pois o Mario Maia era ligado ao Nabor e nós tivemos conflitos com o
próprio Nabor. E sempre era uma questão de linha editorial mesmo, porque a gente
nem mexia muito com dinheiro na época. Saímos da Folha do Acre e fomos fazer O
Repiquete, um semanário. O Wilson, que estava com todo o equipamento dele
218
parado, chamou a gente de volta e disse: “Olha, tá aqui tudo, mas não quero mais
nada com isso. É de vocês. Apenas o prédio é meu, mas o resto vocês tocam. Se
virem”. Então do Repiquete, que era semanário, passamos a fazer A Gazeta diário.
E como o título era Gazeta do Acre, que era dele, e ficou com ele até hoje, a gente
simplesmente passou a usar A Gazeta.
Dois jornalistas acreanos já escreveram que o Flaviano é o verdadeiro dono da
Gazeta...
Não, o Flaviano sequer consta no contrato social da Gazeta. A ligação que a gente
teve com o Flaviano foi que, quando ele era prefeito, ele realmente apoiou o
nascedouro do Repiquete semanário. Mas a partir disso não teve mais apoio...
Apoiou como?
Na própria prefeitura... não sei, era o Elson que dirigia na época a parte
administrativa... mas não tinha ligação. O que as pessoas confundem um pouco é
que o Flaviano tem realmente um primo que faz parte do contrato social da Gazeta,
mas o Flaviano não tem qualquer participação. Tanto que os donos da Gazeta eram
eu, Elson, Marcos Afonso e Roberto Vaz. E eles foram saindo. O Elson foi para o
Amapá. O Roberto Vaz ficou comigo até há poucos anos, mas vendeu a parte dele
e saiu para montar a TV 5. O Marcos Afonso foi para a política, chegou a ser
candidato a prefeito e foi assim.
Então pelo que você está dizendo, enquanto existir dependência dos jornais
somente em relação à iniciativa privada, então há certa liberdade...
Aí é que está, vamos sempre cair naquele ponto. Qual é a minha opinião? Minha
opinião, e eu acho que ela é correta, e ela vai de certo modo bater mais ou menos
com o que você está pesquisando, é que você consegue uma certa liberdade de
imprensa, mais ou menos ou até quase de uma forma... não digo absoluta, pois
sempre tem alguns entraves... mas pra mim o princípio é muito claro, tanto que eu
219
coloco nessa entrevista e o Elson não concorda muito comigo, mas eu sou dessa
opinião e estou mais com 35 anos de profissão... E eu vejo isso, passei por grandes,
médios e pequenos jornais: a tua independência vai depender também da tua
independência econômica, financeira. Não tem como você fugir disso. O jornal, ou
qualquer veículo de comunicação, tem tanto ou mais independência quanto tiver
também sua liberdade financeira. Isso não significa também que se você, mesmo
não tendo participação no bolo financeiro do governo não possa fazer um jornal
bom, um jornal pelo menos razoável, mas o governo, qualquer governo, vai te
cobrar. De direita ou de esquerda, vai cobrar. Eu, na minha experiência aqui no
Acre, fui menos cobrado em governos de centro, vamos dizer, do que fui cobrado
em governos do próprio PT, eu não escondo isso. Pra mim isso é muito claro.
Que tipo de dependência o jornal tem em relação ao governo?
Então, até para que essas coisas fiquem claras, e é bom que se registre. Como é
que essas coisas funcionam? Funcionam da seguinte forma: o governo anualmente
coloca no orçamento uma verba publicitária. Ele vai gastar, vamos supor, 7 milhões
com mídia. Então o que ele faz? Legalmente ele tem que fazer uma licitação com
agências de publicidade. A agência que ganhar essa licitação vai pegar esse
dinheiro e vai repassar para a mídia. Vai contratar o serviço das diversas mídias.
Televisão, rádio, jornal etc. É assim que funciona. Aliás, é uma forma até correta.
Agora o problema daqui é que há vários anos uma única agência ganha essa
licitação. É a Companhia de Selva.
A mesma agência responsável pelas campanhas políticas do PT?
Exatamente, e aí entra também a questão política. Quer dizer, eles foram trazidos
pelo Orleir Cameli, que era adversário do atual grupo que está no poder, e hoje eles
continuam no poder. Então, retomando, eles distribuem isso, ou melhor, eles
contratam os serviços dos jornais, dizem: “Olha, eu quero uma página, quero meia
página”... Até aí tudo bem, é assim que funciona em qualquer lugar. Agora, quando
o governo diz, pergunta lá na Companhia de Selva: “Quanto tal jornal... vocês estão
220
repartindo?”. “Ah, é tanto!”. Aí sim o governo vem te cobrar por esse repasse, por
esse serviço que você está prestando. E vem te cobrar como? Vem te cobrar
politicamente, vem te cobrar um certo alinhamento ao governo, vem te cobrar, por
exemplo, que você não divulgue determinadas matérias, e aí meu caro, depende de
cada dono, de cada editor de jornal. Eu, graças a Deus na Gazeta, não dependo... e
aí entra também outra questão: como o governo é o principal anunciante do jornal, e
os jornais aqui não têm uma retaguarda financeira própria, as indústrias, os
empresários não te dão isso, você acaba realmente caindo nas mãos do governo. E
aí, como você vai fazer? Vai largar de mão esse repasse, esses serviços do
governo? Empresarialmente seria até uma burrice, se você pensar só
empresarialmente. O problema é que você, uma empresa de comunicação, não é só
empresa. Ela tem um compromisso com a informação.
E social, não?
Social também. Aí é que está, você também não vai vender a tua alma, não vai
vender também a tua opinião... não pode também se omitir socialmente. Ou então
fecha o jornal, fecha o rádio, fecha a televisão. Eu acho que é possível hoje, mesmo
você mantendo uma relação com o governo ou qualquer governo, você fazer até um
certo bom jornalismo. Por que? Qual é a especialidade que hoje se coloca nessa
discussão sobre as concorrências de mídias? Coloca-se que o jornal é um veículo
que deveria aprofundar as questões sociais. E eu acho que é possível fazer isso.
Nessas condições que você citou?
Sim, por exemplo se eu me colocar em campo para fazer uma matéria não tenho
nenhum empecilho. Pode ser que outros jornais tenham, o governo pode chegar lá e
cobre, mas pra mim eles nunca cobraram isso. Esse governo, esse atual, quer pelo
menos que se ouça também a parte dele. O governo anterior cobrava mais e é por
isso que eu digo: a responsabilidade nessa questão toda não é só do dono do
jornal. Claro, é dele, em primeiro lugar, mas também é dos governos. É preciso ver
o posicionamento dos governos que se dizem de esquerda, que se dizem
221
progressistas, que se dizem transformadores, mas que exercem um poder de
coerção, de censura e tudo o mais.
E de que forma você lida com isso, de que forma isso aparece no noticiário da
Gazeta?
Olha... nós... A Gazeta... bem... eu também não sei se eles também têm a visão de
que A Gazeta não depende basicamente desses repasses. Mas ela não depende.
Nesses anos eu tenho conseguido fazer esses contatos lá fora, então eu tenho
agências lá fora que trabalham com A Gazeta e nós temos um aporte de publicidade
nacional que nos permite também uma certa liberdade de dizer: “Olha, o governo
veio até aqui, mas a partir daqui eu também não vou vender a minha alma, né!”. Eu
tenho condições... e também a Gazeta já teve tempos que brigou com governos e
brigou de forma violenta, não sei se você lembra.
Na época da famosa carta?
Na época da carta. Eu passei praticamente quase os oito anos do governo Jorge
Viana sem receber um tostão do governo.
Por isso mandaram fotografar a tua casa?
Isso mesmo. Foi real aquilo. O engraçado é que o próprio jornalista que fez aquilo
outro dia estava se gabando no blog dele. Eu jamais iria... Então veja bem, quando
você diz: “Você consegue fazer? Eu digo: “Sim, é possível fazer”. Por exemplo, esse
caso do Hildebrando. Ninguém avaliou direito que quem praticamente fez todo o
trabalho de montar esse dossiê foi A Gazeta com o Luís Francisco. A gente
trabalhava de uma forma até um pouco clandestina, mas conseguimos fazer. Se
não fosse a mídia ele não teria feito aquilo tudo sozinho. E foi uma grande coisa
para o Estado. Foi um grande serviço.
222
Você acha que é possível A Gazeta, de forma independente e crítica, abordar
de forma crítica questões da vida política do Acre?
Acho possível, é perfeitamente possível desde que se tenha um bom jornalista ou
bons jornalistas que pesquisem, vão a fundo e consigam, realmente, tocar o dedo
na ferida, onde está o problema da florestania, onde está o ufanismo etc. É
perfeitamente possível. Agora, é preciso trabalhar isso de uma forma séria. Não
apenas com agressão, mas mostrando jornalisticamente. Há poucos dias eu vi
aquelas matérias sobre os guardas da Sucam. Gente, aquilo é um crime. Está aí no
nariz de todo mundo. Eu fui em cima, não a título de nada, fui como jornalista. Eu
entendo a angústia tua e de alguns jornalistas com mais sensibilidade social, com
liberdade, que é fundamental, mas está havendo também uma carência muito
grande de bons repórteres. Bons repórteres, aquele que vai a campo, que não tem
medo de ir lá, de visitar a casa de um velhinho. Quando eu cheguei na casa dele,
numa quarta-feira, o velho tinha amputado uma perna. Quando chegou no hospital,
eu visitei ele de novo e descobri que já tinham cortado outra parte da perna. No
sábado ele já tinha morrido. Então essas coisas estão acontecendo, mas não me
impediram... e o governo ficou quieto. Eu acho que é uma falha do governo, mas
graças a Deus houve uma certa mobilização.
Você acha que não cobrir essas coisas é uma falha profissional do jornalista,
é isso?
Eu acho que sim, eu acho que sim. Com certeza, é sim...
Mas historicamente, até por experiência própria, eu poderia citar matérias que
eu fiz e que nunca foram publicadas. Para que as pessoas ficassem sabendo
eu tive que enviá-las por e-mail para outros canais. Isso não contradiz o que
você afirma?
Bem, mas há também uma diferença na estrutura... por exemplo... na propriedade
do jornal. Você que estudou marxismo, eu também estudei...
223
Você é marxista?
Sim, eu sou marxista. Vamos ver, quem são os donos dos meios de produção? São
aqueles que dão as cartas. Então vamos pegar os donos aqui dos jornais, quem são
eles? Um é político, essencialmente político; disse que não se meteria na política,
mas já está se metendo. O outro é empresário até o osso; daquela linha mesmo do
Assis Chateaubriand. Não estou criticando, mas ele de repente alugou tudo para o
governo. É como se eu tivesse... veja, aqui eu fiz um prediozinho bonito com muito
sacrifício... foi feito pela Ivete, que é diretora-administrativa do jornal. Quero alugar?
Então de repente, tiro todo o pessoal daqui, coloco em um canto qualquer e vou
ganhar dinheiro com o prédio. Ah, não é assim, sabe?
Isto seria algo como uma ética corporativa dos negócios no jornalismo?
Tem que ter isso, tem que ter. Agora, eu reconheço, e é como você disse: qual é o
limite? Depende muito do trabalho do jornalista e depende também, é claro, do
patrão. Dos dois.
Para evitar isso você não acha que o ideal não seria a criação de agências de
informação controladas pela sociedade, já que você como marxista, sabe que
o poder privado tem uma dependência específica do capital que o sustenta? O
que você acha de experiências de um jornalismo com controle social, uma vez
que casos de “desvio de finalidade” no jornalismo ocorrem em Estados mais
desenvolvidos e também no exterior, inclusive nos países mais
desenvolvidos?
Sim, mas você veja: cada dono de jornal, cada grupo empresarial tem a sua linha.
Você pega a Veja, por exemplo, é uma linha... uma linha...
Fascista?
224
Até fascista! E me deu uma pena que a Veja tenha entrado nisso, porque ela já foi
uma grande revista. A Veja produziu, por exemplo, Realidade, da qual eu participei
em São Paulo na época, e hoje me dá pena. A gente fica triste. Eu escrevi para a
Realidade, Movimento, Opinião e outros. E tive matérias censuradas no Opinião.
Nessa época, qual era a tua linha dentro do marxismo?
Como eu era de seminário, era muito ligado aos dominicanos em São Paulo, minha
linha talvez seguisse a do trabalho das Comunidades Eclesiais de Base. Aliás, eu
acho que o Varadouro se deu bem por isso, porque nem eu nem o Elson seguíamos
alguma linha. Nem trotskista, nem stalinista, nós éramos jornalistas, mas com uma
leitura da realidade marxista, eu até mais que o Elson.
Usavam o materialismo histórico nas matérias?
Sim. Nós pensávamos: como é possível o avanço da agropecuária? Então eu fui
entendendo e a gente foi fazendo a leitura a partir disso.
Você alega que há uma dependência dos jornais em relação ao governo, mas
fontes do governo afirmam o contrário. Resumidamente, eles alegam que
como os jornais têm uma ligação histórica com grupos políticos de direita que
sempre estiveram no poder, eles, de forma estratégica, devem manter a
imprensa dentro de uma certa “linha editorial”, vamos dizer assim, que é para
não interromper o processo de transformação socioeconômica que a esquerda
começou agora...
(risos)
Você acha esse raciocínio cínico?
Eu acho cínico, sim. Mas de qualquer modo seria interessante que você
conversasse com os nossos jornalistas. Eu às vezes passo duas, três semanas sem
225
ter nenhuma relação com o governo, quer dizer, sem ter contato direto com o
governo. Eu não faço questão, não gosto. Minha teoria é essa: governo deve
governar bem, jornal deve fazer bem o seu trabalho. E fim de papo. De vez em
quando o assessor lá do homem liga e diz: “Silvio, guarda um espaço pra isso!”.
Mas de vez e quando, e ele nem faz mais isso, ele faz com a editora ou com alguém
que cuida aqui embaixo.
O que você acha de um jornalismo que aplicasse o materialismo histórico para
ler o desenvolvimento sustentável como um processo de filosofia econômica,
ou de filosofia da propaganda, da mesma forma que foi a pecuária extensiva,
como um processo de reformulação da hegemonia das classes dominantes do
Acre?
Eu acho, e não tenho medo de colocar assim, que há um perigo nisso. Veja, eu fui
um dos fundadores do PT, a minha ficha era a 14, inclusive rasgaram depois e
sumiram com a minha ficha, embora eu também tivesse que me afastar para fazer
essa divisão entre jornalismo e partido, mas... o que eu acho que está acontecendo
é a reprodução de uma nova estrutura de poder usando, como sempre, uma base
econômica. O que está acontecendo no Acre é que se está formando uma nova
elite. Varreu-se aquela elite do coronel de barranco e de não sei mais o que e está
se formando de novo uma nova determinante. E aí é onde eu acho que os jornais,
os jornalistas, deveriam ter senso crítico para colocar isso nos jornais. Uma das
coisas que me irritou profundamente no governo Lula, no qual eu tinha esperanças,
não sei se eu fui ingênuo... foi essa ostentação. Eu esperava que o cara fosse
realmente... claro, a liturgia do cargo exige certos comportamentos, mas pelo menos
mais rigor com a coisa pública... e o que a gente viu foram escândalos cada vez
maiores. Eu esperava mais austeridade, até pela realidade do povo brasileiro. Mais
seriedade nas coisas também. E aqui também, mas aqui o que está se formando é
uma nova elite...
Às expensas do Estado? Uma burguesia estatal?
226
Aí é que está... mas eu acho que hoje é possível se fazer jornalismo mesmo com
essa dependência, mesmo assim os jornalistas poderiam fazer um trabalho melhor,
às vezes de investigação e às vezes de análise.
Você não acha que existe um modo de produção do jornalismo hoje que
engessa essa idéia? Hoje as redações têm horários fixos, três matérias por dia
no mínimo etc.
É verdade. Profissionalizou um pouco e amarra esse tipo de ação. Na minha época
eu dormia na estrada. Na época em que eu fui cobrir o caso Chico Mendes, e até
antes disso, eu dormi na estrada várias vezes. O carro quebrava, tinha que dormir.
Eu era um repórter. Hoje se fala muito em jornalista e não se fala tanto no repórter.
O que é um repórter? É o cara que vai a campo, vai para a mata, vai para a rua,
enfim. É a pessoa que pesquisa. Acho que é isso que está faltando, que é o que o
Varadouro fazia. Eu também vim de uma linha do Jornal do Brasil que valorizava
muito isso. O antigo JB, não o atual. Depois que o Chico morreu o JB me mandava
ir para a estrada para caçar o Darli. Eu entrava no mato com a Polícia Federal pra
ver se achava ele. Nem tinha como achar numa imensidão daquelas... mas a minha
persistência me recompensou, porque eu fui o primeiro a entrevistá-lo. Quando ele
se entregou, quando chegou na Penal, eu estava lá.
Talvez as condições impróprias forçassem os repórteres a ousar? Hoje,
paradoxalmente, nós temos maior facilidade. Temos celulares, internet etc...
Eu acho que está faltando justamente isso aos jornais, e a culpa não é do governo,
a culpa às vezes é do próprio jornal que se estruturou assim ou do próprio jornalista.
Eu nunca impedi um jornalista que chegasse aqui e dissesse: “Silvio, eu vou fazer
uma grande matéria sobre tal assunto”. Eu digo: “Vai, meu filho!”. Entende?
227
Entrevista com Narciso Mendes de Assis, proprietário do jornal O Rio Branco.
Há quanto tempo você está na imprensa e como começou?
A minha participação como sócio do jornal e TV Rio Branco deu-se de forma
acidental. Não houve projeto, não houve intenção, não houve proposta. E de
repente eu consigo juntamente com elementos da minha família adquirir o jornal O
Rio Branco, e em função de estarmos envolvidos com o jornal O Rio Branco
aconteceu que eu registrei a associação e consegui a TV. Não havia um
planejamento para que isso acontecesse.
Mas em relação ao impresso especificamente, quando tudo começou?
O jornal tem 38 anos, mas isso aconteceu em 1986, 1987, por aí assim. Acho que o
jornal O Rio Branco em nossas mãos há uns 20 anos.
E sempre teve essa ligação tão forte com política?
Não, não é isso. Primeiro que isso é um equívoco, houve um equívoco do ponto de
vista do serviço de informação. Foi um equívoco.
Como assim?
Porque jornal não é pra ser nem de oposição nem de situação. O compromisso do
jornal é com a notícia, não é?
Você acha então que é possível um jornalismo imparcial, independente?
O ideal seria que isso acontecesse.
É o ideal, mas é possível?
228
É por isso que existe um ditado, que eu miro-me nele, que diz “quando o ideal não é
possível, o possível passa a ser o ideal”. Não é?
Então o que é o possível?
O que foi possível... Mas eu não fiz nem o possível, porque eu acho que teve um
momento que o jornal se politizou demais. Mas quando eu digo a política, não é a
Política... porque o jornal tem que ser político, agora não tem que ser é político-
partidário. O jornal não podia tomar partido, defender interesses claramente de um
partido e claramente contra outro partido. Eu acho que foi um erro isso.
Então é uma mea culpa que você faz?
Não é mea culpa! Porque eu diria o seguinte, existem três tipos de jornalismo. O
verdadeiro, que é o veículo estar a serviço da informação, da notícia; o outro onde o
veículo está claramente a favor do governo, e que é o pior de todos, esse jornalismo
não serve a causa nenhuma; e tem o jornalismo de oposição que pelo menos sobra
dele a capacidade crítica, de revelar coisas. E eu não me refiro ao governo A ou ao
governo B. Qualquer jornal que estiver rendido à vontade do governo, seja ele de
qualquer partido, esse jornal é melhor fechar as portas e botar uma fábrica de sabão
no lugar dele.
Isso acontecia aqui na época do governador Jorge Viana?
Eu não diria... olhe, eu gostaria muito de... como eu hoje me considero fora do
processo político-partidário e quero cada vez... eu preciso reafirmar essa posição...
tem muita gente que acha que eu vou recrudescer e voltar à política partidária. Não.
Eu não me arrependo do que fiz, mas não me proponho a fazer novamente o que
fiz.
229
Eu gostaria que você aproveitasse a entrevista para fazer um registro histórico
das tuas posições.
Eu sou movido a paixões. Eu, particularmente, sou movido a paixões. Eu me
coloquei francamente de oposição ao governo Jorge Viana.
O seu jornalismo foi pessoalmente orientado nessa direção?
Foi. Mas hoje eu me convenço que a oposição que eu pretendi fazer revelou-se
mais decepcionante do que o próprio governo que eu pretendi criticar. Porque no
Acre a cultura de oposição não existe. Aqui qualquer oposicionista não resiste a
uma cantada de 30 dinheiros. Não existe.
Por que isso? É uma questão financeira ou um traço cultural?
É questão financeira, falta de civismo, falta de caráter, falta de tudo.
Você está dizendo que não é possível fazer um jornalismo independente?
Não. Vamos lá: pra você fazer um jornalismo independente, você, uma empresa
jornalística, pois isso aqui é empresa, sujeita a pagar salário de funcionário, pagar
luz, telefone, obrigações sociais, despesas de toda natureza... A maior estrutura de
comunicação do Acre que mascara ainda é a nossa, por incrível que pareça. Porque
aqui nós temos jornal e TV ao mesmo tempo. E a gente pra fazer uma linha crítica
ao governo aqui, você de cara é excluído da condição de cliente do governo. E eu
não estou me referindo ao governo Binho, nem ao governo Jorge, nem ao governo
Orleir. Qualquer um deles. Eu quero falar de forma muito mais genérica do que
focada num só governo. E também não é só aqui no Acre, não. Porque você lê o
livro “Memória das Trevas”, o editor do jornal Diário da Bahia conta as diabruras, o
inferno que ele viveu para manter um jornal fazendo naquela época uma linha crítica
ao governo Antonio Carlos Magalhães. Mas a mesma coisa talvez ocorra com o
governador da Paraíba, com o governador do Pará etc.
230
São todos Estados com um passado coronelista muito forte.
É. Logo, nosso país ainda é culturalmente atrasado, politicamente pobre, nós
estamos tangendo uma democracia ainda muito capenga...
Mas você não acha que por isso mesmo a imprensa desses locais não seria
uma conseqüência dessa situação, e não a causa?
Não, porque eu acho que a imprensa ainda, apesar dos pesares, está um pouco à
frente.
Mas você acabou de dizer que não é possível fazer um jornalismo
independente.
Sim! Exatamente, mas de vez em quando você vai observar que, aqui e acolá... num
monte de pedras não nascem flores? Hoje nós temos, por exemplo, eu acho que as
revistas, a Veja, por exemplo. A Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo, além
de serem honrosas exceções, são também os mais importantes meios de
comunicação do Brasil. Agora nos Estados periféricos, nos Estados pequenos, fazer
um jornalismo independente só se você abdicar dos interesses empresariais da
empresa que financia esses veículos.
Você não acha que uma coisa é uma empresa fazer contrato com o poder
público, como qualquer outro para fins de criar receita, e outra coisa é que por
causa desse contrato o governo interfira na linha editorial da empresa?
Acontece que isso aí, é isso o que eu estou dizendo, você está focando a situação
que devia ser. Seria bom. Por exemplo, eu faço particularmente um elogio a esse
governador atual, o governador Binho. O governador, eu tomei conhecimento, não
estava presente, que na primeira visita que ele fez ao Sindicato dos Jornalistas
expressou-se da seguinte forma: “É claro que eu não gosto quando um jornalista faz
231
uma crítica improcedente, às vezes ávida, às vezes grosseira, contra a minha
pessoa. Não vou gostar. Mas nem por isso vou processar o jornalista que assim
proceder”. Eu acho que é muito covarde a atitude de um governante quando um
jornalista mesmo que desavisadamente, intencionalmente ou não-intencionalmente,
faz uma crítica ao governo e a resposta deste é pegar o aparato jurídico do Estado e
processar o cara por calúnia, injúria e difamação. Aí aquele jornalista passa a ter
que responder a 30, 40 audiências.
Isso aconteceu contigo?
Aconteceu comigo e acontece no Brasil inteiro!
O Jorge Viana te processou?
Não... olha, o caso meu com o Jorge Viana eu gostaria de não entrar nos detalhes
porque eu também me julgo um provocador. Um provocador como Deus me fez. Fui
provocado também. Provocativo! Eu era provocativo.
Mas e a resposta dele, foi ditatorial?
Não, a resposta dele... a cada ação corresponde uma reação...
Mas a resposta dele não foi mais exagerada?
Não sei, eu não sei!
Você mesmo falou, acabou de dizer, utilizar a máquina pública para perseguir
jornalista...
Mas é aquela história: antes disso, quero dizer isso pra você, eu também fui muito
duro. Porque às vezes quando você se coloca politicamente... a denúncia política...
232
se eu lhe digo hoje: “Jozafá, você é um ladrão. Eu, Narciso, estou chamando o
cidadão Jozafá de ladrão”...
“O ônus da prova cabe a quem acusa”...
Sim, “o ônus da prova cabe a quem acusa”, mas se você é detentor do poder
público, se você é um secretário de Estado, se você é um governador, se você é um
prefeito, esse princípio não prevalece. Porque você como servidor público eu posso
lhe dizer “Você é desonesto!”, e você é que tem que me provar que você é honesto.
Você acha então que se inverte?
Se inverte e a nossa legislação protege esse tipo de denúncia naquilo que é
chamado de “exceção da verdade”. Em latim é “exceptio veritatis”. Vamos supor o
seguinte: eu tomo conhecimento que o Deracre contratou pra fazer o asfaltamento
daqui ao Bujari ao preço de R$ 3 milhões o quilômetro. É verdade, eu tenho
informações. O fiscal que mediu. Aí eu denuncio o diretor do Deracre por isso,
digamos assim. Só que na hora que ele me processar, se por acaso processar, eu
alego “exceção da verdade” e peço que ele me entregue as provas que estão em
poder dele. Porque as provas da desonestidade não estão nas minhas mãos, tá
entendendo? Por que? Porque hoje quando a gente vê o prefeito numa função, o
secretário de Estado, o governador, a gente tem a impressão que aquelas pessoas
estão acima da gente, quando na verdade aquelas pessoas são servidores nossos.
Então dentro da lógica democrática eles são nossos servidores. Então eles é que
têm que prestar contas a mim e não eu a eles. E essa cultura política criada no
Brasil, a gente até pra falar com o diretor da Semsur, é possível que você vá lá 10
vezes e ele não te atenda, como se ele estivesse lá não para te servir, mas para ser
servido pela sociedade.
Mas isso não acontecia nos governos anteriores?
233
Acontecia. Não vamos... São poucos, são raros os governantes que permitem que a
imprensa cumpra o seu verdadeiro papel. Mas ela vai cumprir e no Brasil nós já
poderíamos citar centenas e centenas de casos onde se não fosse a presença da
imprensa esses fatos jamais teriam acontecido. Por exemplo, o impeachment do
Collor, esses escândalos do governo Lula. Você vê, ninguém tem no Acre o que eu
tenho. Ninguém tem, porque eu sou um estudioso zeloso e vou lhe mostrar. Aqui eu
tenho 10 livros todos contando bandalheiras do governo Lula. Todos escritos por
jornalistas, jornalistas famosos: Leonardo Attuch, professor Cândido Mendes, Lúcia
Hippolito, Augusto Nunes, Luiz Maklouf Carvalho... isso tudo, esses livros todos são
fruto da imprensa que pra mim é a que eu mais gosto, que é a imprensa
investigativa. Aquela que faz o papel de policial no sentido de buscar a informação.
Você vê que praticamente se estabelece quando se está numa CPI hoje no Brasil
que os integrantes da CPI se movem por vezes com 90% das informações trazidas
pela imprensa. Jornalista que viu a hora que... o Daniel Dantas [guardando os
livros]... não teve praticamente trabalho, o trabalho foi feito pela imprensa.
O Altino Machado escreveu que essa prática da investigação nos jornais aqui
do Acre foi assimilada em alguns jornais como ferramenta para extorquir o
poder público e obter dinheiro. O que você acha disso?
Eu acho que é absolutamente verdadeira. Mas me coloco como exceção disso.
Nenhum governador terá o direito, e eu o chamaria de canalha...
Mas o Altino disse isso de você!
Como?
O Altino disse isso de você.
Não, o Altino tem umas posições eu até me preocupo... eu tenho tido boas palestras
com ele... mas a gente tem que saber o momento que ele disse, porque tem hora
que ele... que ele...
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... que ele está a serviço de alguém?
Não, tem hora que ele parece que sai do prumo. Embora eu ache ele um rapaz
inteligente. Não sei. Agora eu nunca li o Altino dizer que eu vendi dificuldade pra
encontrar fragilidade, não. Até porque seria um contra-senso, não? Eu tomo por
verdadeiro o que você disse, mas quero lhe dizer o seguinte: eu não sei se você
observou que aqui no Acre... eu gostaria muito... eu gostaria muito que... eu sou
uma pessoa que não sou indiferente a ninguém. Eu não sei se você está entre os
que gostam de mim ou me odeiam. E isso me dá um prazer muito grande, porque
eu não queria é ser tratado como “Narciso, nem fede, nem cheira”. Eu quero feder
ou cheirar para as pessoas. Entende?
Entendo que você é um homem movido a paixões, como você mesmo se
definiu...
Acontece que quando eu preciso me manifestar, eu me manifesto religiosamente
duas vezes por semana escrevendo um artigo no jornal O Rio Branco no domingo e
na terça. Mas eu gostaria muito que essas pessoas, esses jornalistas metidos a
sabidos, a inteligentes, que tivessem coragem de me convidar. Podem até trazer
apontamentos da minha vida inteira que eu não preciso levar nada na mão e eu o
escalaria em cinco minutos. Eu já fiz isso e não foi em duas nem três oportunidades.
Sabe por que? Porque eu guardo coerência na minha vida. Eu não vivo de paparicar
governo, não vivo de paparicar autoridades. Quando me destino politicamente, e aí
eu sigo Maquiavel absolutamente, na sua inteireza, me coloco a favor de uns e
contra outros, porque assim ensina o verdadeiro príncipe, não é? Agora sei que tem
gente que contesta, isso aquilo outro. O que eu posso fazer? O fuxico é livre.
Você acha então que essas coisas que escrevem sobre você...
É pouco, é muito pouco.
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Mas ainda escrevem muito sobre você.
Mas é muito pouco. Pra 20 anos de vida pública não é nada. Não é nada. É um
pingo d'água num oceano de coisas que eu já escrevi sobre todo mundo.
Mas você discorda, obviamente...
De que?
Das coisas que dizem, que você extorquia governos, que entrava nos
gabinetes dando pontapés nas portas...
Não, não... você quer que eu ligue para o Altino Machado aqui na sua frente pra ver
como ele não me confirma que escreveu isso?
Pode ligar...
Eu vou ligar aqui pra ele. Vou ligar aqui pra ele pra ver se ele está aqui. Espere aí. É
que eu guardo um telefone aqui, vou ligar.... Bem, ele não tá atendendo... mas
vamos lá, pode perguntar. Pode perguntar que se você tiver um baú de perguntas
eu tenho um baú de respostas. Eu tenho respostas para todas elas, eu não faço
como determinados casos em que fazem o papel de avestruzes: enfiam a cabeça
no buraco e deixam o rabo de fora, viu?
Nesse caso, há algumas denúncias de jornalistas acreanos à ANJ sobre
censura no Acre aos jornais na época do governo Jorge Viana. Eu queria
saber é: você sofreu esta censura nos mandatos do Jorge Viana?
Censura, não. Censura primeiro que eu não dei nem esse cabimento. Porque
censurar é você chegar e tá editando um jornal e chegar o assessor do cara e dizer
“Isso sai, isso não sai”. Eu não dei esse cabimento.
236
Quer dizer que o jornal O Rio Branco era livre durante o governo Jorge Viana?
Não, não. Não era livre porque, como eu já coloquei de principio, o jornal O Rio
Branco tomou uma posição de oposição. Isso já impedia a censura. Agora, aqui já
teve jornal que o próprio Hildebrando Pascoal censurava. Ele ligava para o diretor do
jornal e dizia: “Olhe, você não faça isso!” Eu tenho os telefones gravados desses
caras. E esses sujeitos querem ter o conceito de dignidade maior que o meu, que
não têm, claro que não têm nunca, não é?
Você está falando de quem?
Eu tô falando do Silvio Martinello e do jornal A Gazeta, na época do Esquadrão da
Morte. O Acre tem que fazer justiça ao jornal O Rio Branco, porque o doutor Gercino
o fez. Porque na realidade aquela luta contra o Esquadrão foi uma obra iniciada aqui
pelo doutor Gercino. E no dia que ele foi embora aqui do Acre, já aposentado, para
Brasília, ele esteve aqui na minha sala para agradecer que na época em que o
Hildebrando Pascoal vivia solto e com poderes absolutos o único jornal que
repercutia o trabalho que ele fazia era o nosso, porque os outros ficavam todos de
bico calado. Com medo. E eu não tinha medo. Na única vez que o Hildebrando
Pascoal chegou aqui, naquela época, gritando e esperneando, eu disse a ele: “Aqui
dentro você vai falar baixinho, porque quem fala grosso aqui dentro sou eu!”. Falei,
naquela época. Hoje não. Hoje todo mundo, até os foquinhas, metem o pau no
Hildebrando. Ele tá preso lá, mofando na cadeia. O leão tá na jaula. Agora, desse
comportamento eu nunca abdiquei dele. Nunca abdiquei, como também hoje eu
respeito o governo Binho, mas não tenho medo do governo Binho.
Saem notícias do governo Binho no seu jornal?
Eu acho que, do ponto de vista democrático mesmo, o governo Binho já é um
exemplo, se não pronto e acabado, a ser seguido... como o prefeito Angelim
também.
237
Mas ele continua pagando os jornais, continua mantendo aquela política de
bancar a folha de pagamento dos jornais e exigir algo em troca?
O daqui não. Esse aqui não. E hoje eu digo que o jornal O Rio Branco é cliente do
governo dele e ele não põe cabresto aqui. Se põe cabresto nos outros é porque os
outros têm focinho. Eu não tenho. Esse é que é o problema, os outros têm focinho e
eu não tenho. Eu não deixo botar cabresto. Não tem cabresto, tem respeito. Há um
relacionamento de respeito.
Então por que essa mudança recente na linha editorial do jornal impresso?
Porque eu como dono do jornal e por ser um político inspirava os profissionais,
embora nunca nenhum deles tenha sido obrigado a isso, a fazer o gosto do patrão,
digamos assim. Hoje como eu não sou mais da oposição e não sou mais do
governo, não tenho por que estar tenazmente fazendo uma política de oposição.
Agora, por exemplo, se o governo Binho cometeu um erro, um ato administrativo
passivo de uma crítica, o jornal vai fazer a crítica.
Suponhamos que Jorge Viana voltasse ao governo e continuasse com a
política dele tanto na área de comunicação social quanto na forma de
administrar, você voltaria a fazer aquelas críticas?
Não voltaria, porque eu não voltaria mais para a política. Eu hoje me considero um
homem que, sem nenhum arrependimento do que fiz, não me proporia a coisas que
me envolvessem politicamente com o passado. Não tenho. Eu não tenho por que. E
mais do que isso, hoje eu tenho filhos aqui já integrados à sociedade acreana, que
várias pessoas têm incentivado a entrar na política e eu digo: “Meu filho, depois de
30 anos eu me decepcionei, então eu não devo aconselhar você a percorrer o
mesmo caminho que você pode dentro de 30 anos estar se arrependendo disso”.
Aqui eu vi companheiros meus, que diziam que faziam oposição ao governo,
quando chegava a época das eleições e dos acordos políticos, deputados que
representavam as forças políticas de oposição, o presidente da Assembléia dava 10
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passagens de avião de ida e volta para Cruzeiro do Sul, para Manaus e não sei pra
onde mais, então o cara já voltava todo governista.
O Calixto me disse que você tem um material que ele lhe encaminhou...
Não! Olhe, o Calixto... o Calixto... se eu pudesse dizer que se essas oposições do
Acre, essas oposições que estão aí sendo representadas por Sérgio Petecão... se
ele tivesse vergonha na cara não saía com candidatura. Como é que o Sérgio
Petecão passou oito anos como presidente da Assembléia Legislativa porque a
Frente Popular assim o quis, um cidadão de capacidade política medíocre, de
inteligência mínima, da eleição para cá virou representante das oposições? Já
imaginou que ridículo é isso? O Calixto, não. O Calixto foi da base governista, mas
quando ele saiu da base governista e veio para a oposição a cada dia reafirma o
seu espírito oposicionista. Você vê que ele, como alguém sabendo que não tem
uma história de origem, precisa estar se reafirmando. O Calixto era pra ser o
candidato a prefeito das oposições.
E o material que ele diz que lhe encaminhou?
Mas eu estou lhe respondendo. Uma vez o Calixto pediu que eu lhe devolvesse uma
série de documentos que eu tinha. Eu não tenho que devolver, porque esses
documentos são meus. Se alguém me pedir emprestado eu vou avaliar a
conveniência de emprestar, mas devolver o que é meu? Ninguém pode pedir a
devolução do que é meu. Toda a história, documentos, anotações, trabalhos
investigativos que eu fiz, isso parece que eu até já incinerei. Incinerei. Sabe por
que? Porque não valeu a pena. Eu juntei muita coisa, a carta que o Silvio Martinello
fez para o Jorge Viana, quer documento mais bonito que aquele? Hein?
Mas e aqueles calhamaços de documentos que você apresentava na TV,
denunciando supostas falcatruas no governo Jorge Viana?
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Sim, mas isso hoje tem o Tribunal de Contas pra cuidar. Tudo isso. Eu tenho dito
para as pessoas que têm me procurado, e eu sou um sujeito que eu gosto muito de
bater papo aqui, como você está fazendo comigo, mas a verdade é que não há mais
motivo para eu estar conversando esses assuntos.
Então esses documentos a que o Calixto se referiu não há mais nenhum?
Não, não. Não sei. Eu vou me dar ao trabalho pra ver se tem mais algum por aí,
mas... antigamente eu tinha aqui umas 50 pastas de coisas...
Por que você não escreve um livro um dia sobre tudo isso? Daqui a uns 30
anos, talvez...
Daqui a 30 anos eu estar mais nem vivo pra escrever nada. Se eu tenho 62 anos
hoje, com 30 vou estar com 92. E eu não quero viver até os 92 anos. Se eu viver
mais 15 anos me dou por satisfeito. Agora, quero dizer o seguinte: eu me elegi
deputado estadual em 1982 aqui no Acre. De lá pra cá já houve 17 eleições e eu
participei de todas. Só pra você ter uma idéia, dessa época em que eu me elegi
deputado estadual não existe mais ninguém. Todos os atuais políticos, os atuais
três senadores, o atual governador, os atuais deputados federais, nenhum deles
sequer faziam política. Mas eu já fazia política antes. Eu vivi ativamente a política do
Acre. Eu sou testemunha de muitas bandalheiras, inclusive de correligionários
meus. Tive o dissabor de na hora em que fui votar como cidadão votar em um
canalha do meu partido e deixar de votar com uma pessoa boa de outro partido em
cumprimento à cláusula de fidelidade partidária. Vivi tudo isso.
Então o governo Jorge Viana foi só mais uma fase?
Não, é decepcionante fazer política no Brasil. No Acre mais ainda. Na semana
passada eu passava em Brasília e sempre que vou lá visito alguns sebos e livrarias.
E encontrei um livro, um dicionário. E uma das coisas que mais me chamou a
atenção foi que após a Revolução Americana nós tivemos em 1789, há 240 anos
240
atrás, a eleição de George Washington como primeiro presidente dos Estados
Unidos. Quatro anos depois ele se reelege. Aí a cada quatro anos, durante 240
anos, sem atrasar um dia ou antecipar um dia, realiza-se uma eleição nos Estados
Unidos. Com a mesma legislação eleitoral, com os mesmos dois partidos políticos,
os Democratas e os Republicanos. E aqui você vai entrar numa eleição, ainda hoje
não se sabe as regras da eleição que vai ter daqui a 60 dias. Tem determinadas
perguntas que se fizermos à Justiça Eleitoral eles não sabem responder. Porque é
uma democracia de conveniências. Se o poder dominante interessa que se institua
a fidelidade partidária, institui. Se amanhã não é, então melhor é que se quebre a
fidelidade partidária. É bom o bipartidarismo? Então deixa dois partidos. É bom ter
50 partidos, como existem hoje? Então deixam os 50 partidos. Isso pode não trazer
preocupação na cabeça de um ignorante, porque o ignorante nunca tem dúvida de
nada, mas na minha cabeça é muito ruim. Por isso eu não vou mais me meter com
política. Política que você tem que concorrer com o cara que tem coragem de fazer
uma lista de eleitores? Tem 60 eleitores, qual é o preço do voto? 50 reais. Dou R$ 3
mil, então me dá o número do seu título que eu vou conferir se o seu voto caiu na
urna pra mim... não entro mais nisso. Usando a linguagem dos jovens de hoje: eu
não tenho mais saco pra isso. Não tenho.
Isso aconteceu no seu partido ou você está falando só de partidos de
oposição?
Isso é suprapartidário, é de todos os partidos. É uma prática comum. É tanto que
nós chegamos a um ponto em que a nossa Assembléia Legislativa do Acre, e
quanto prazer eu teria se alguns dos deputados tivessem coragem de me chamar
pra ir discutir na frente deles sobre compra de votos, pra eu ter o prazer de apontar,
olhando na cara de 12 deles: “Vocês só estão aqui porque compraram votos”. Eu
conheço 12 ali que se não fosse a compra de votos não estariam ali.
Da base do governo ou da oposição?
241
Da base do contra. O N. Lima não é contra o governo? O N. Lima é um comprador
de votos. E comprava votos ao estilo Sérgio Pet... Hildebrando Pascoal: o eleitor na
frente dele, um revólver de um lado e a metralhadora de outro. E ele não é da base
do governo. Eu gostaria muito de dizer isso porque, como ele é valente, pessoas
valentes eu gosto muito de provocar. Eu queria dizer isso na frente dele. Eu já disse
no jornal, mas ele nunca reagiu. Ele faz de conta que não leu ou debocha.
Nesse caso, por que você não faz um debate na sua TV sobre compra de
votos?
Olha... eu, por exemplo, tô chegando aqui no jornal agora e eu não interfiro na linha
editorial do jornal O Rio Branco e no texto lá da Redação. É cretino e mentiroso o
jornalista que disser que eu interfiro no trabalho que eles estão fazendo, mas de vez
em quando eu dou um pitacozinho. Dou um pitaco sobre determinadas coisas.
Quando eu vejo um jornalista, cinco, seis dias, um político, um deputadozinho
desses de marca roscofe, cinco seis dias na página do jornal aí eu pergunto: “O que
você está pensando, nós estamos em paz!” Aí eu chamo o cara aqui, a mesma
coisa: “Me mostre os valores desse rapaz que você está exaltando tanto aí na
coluna. Se você quiser continuar aí falando bem dele continue, porque eu vou fazer
um artigo falando mal dele. Eu! Você está dando a sua opinião, eu vou dar a minha
a respeito dele”. A partir de amanhã eu vou querer até oito dias antes das eleições
que no rodapé desse jornal seja escrita uma frase sobre o voto ético. Eu estou
dando sugestões de algumas frases e pedindo que eles inventem outras: “Não
venda o seu voto, e mais, denuncie quem tentar comprar”; “seu voto não tem preço,
tem valor”. Quer dizer, essa pregação nós estamos fazendo. Mas parece que eu
estou falando no deserto. Estou gritando e a voz se dispersa no deserto e não tem
eco. No deserto a voz não tem eco. Porque aqui quando foi na eleição passada
compraram voto o cara do PT, do PMDB, do PCdoB, do PP, do PPB, do meu
partido, do partido adversário... Então é como se tivesse um complô, uma
banalização. Simone de Beauvoir, a velha Simone de Beauvoir, a grande paixão de
Jean-Paul Sartre, disse que o mais escandaloso dos escândalos é aquele que nós
nos acostumamos com ele. O mais escandaloso dos escândalos não é aquele que
você diz: “Ai!”, e aí todo mundo apavora. É aquele que quando você conta ninguém
242
mais... Hoje no Brasil quem é que se preocupa com “o deputado roubou”? Ninguém,
não causa mais nem impacto porque o próprio presidente da República diz que lá no
Congresso tem 300 picaretas. E não há uma reação!
O que você acha que aconteceria se essa declaração fosse do presidente dos
EUA sobre o Congresso de lá?
Não, nos EUA não aconteceria isso. Mas vamos lá...
Se você fosse eleito governador do Acre, qual seria a sua política para os
jornais?
Primeiro, por incrível que pareça eu entrei para a política do Acre e nunca passou
pela minha cabeça ser candidato a prefeito de Rio Branco ou a governador do
Estado. O meu grande sonho era ser senador da República. Era meu sonho que
não se transformou em pesadelo, mas eu deixei de sonhar porque, quando eu
cheguei na Câmara dos Deputados e verifiquei a minha inutilidade lá dentro, o
quanto eu era inútil, o quanto eu era inexpressivo e que inútil e inexpressivo são
99% dos elementos da Câmara dos Deputados, pois a Câmara dos Deputados é
controlada por um grupinho. Ali é quem dita pauta, quem diz o que vai ser votado, é
quem delibera sobre tudo e o baixo clero assim chamado fica só obedecendo
ordens. Aí quando eu terminei o meu primeiro mandato de deputado federal eu
pensei: “Vixe Maria, tô no meio do caminho. É um momento terrivelmente ruim
para... aí eu disse... lá no Senado eu posso aparecer. Eu vou estudar, vou me
especializar como deputado e posso aparecer”. Como a Marina Silva apareceu, por
exemplo, manobrando o tema que é a paixão da vida dela que é a ecologia, embora
eu discorde muito dos pensamentos dela, mas acho bonito a forma como ela faz a
defesa dos pontos de vista dela. Mas como eu não consegui ser senador, o Sibá
Machado chegou a ser, eu não consegui, aí já se viu qual o resultado. Mas eu
desisti. Se eu fosse governador eu agiria como Abelard Ferverson, ex-presidente
dos Estados Unidos, o mais democrático de todos eles, que disse o seguinte: “A
imprensa pode ser boa ou má; mas se não tiver liberdade ela é sempre má”.
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E como você daria liberdade para uma imprensa cuja folha de pagamento
depende diretamente do governo?
Isso aí é uma questão doméstica. Porque esse jornal aqui viveu por anos...
...e não recebe dinheiro do governo até hoje...
Não, hoje o jornal O Rio Branco é cliente do governo!
Desde quando?
Desde quando houve os distúrb... desde que houve a minha saída do... do... do
embate político. Eu não culpo tão-somente o governo, eu divido as
responsabilidades. Eu provocava, eu era provocador!
Mas esse contrato começou só agora no governo Binho?
Não, começou ainda no governo Jorge Viana, por incrível que pareça.
Então foi a partir do instante em que o jornal parou de denunciar...
Não, não, não! O interessante é que não. Sabe por que? A formiga sabe a folha que
corta. Quando ele chegava para o Silvio Martinello e que botava aquela... o Silvio
Martinello tem preço, eu não tenho preço, eu tenho valor. Eu sou diferente. Valor é
uma coisa, preço é outra. Valor... “não, o Narciso eu não ponho cabresto no
Narciso, eu não vou mandar em Narciso, então eu vou ter que respeitar Narciso, se
eu respeitar Narciso vou ser respeitado por ele”. É o campo do valor. O preço é
assim: “Vem cá, se eu pagar 50 mil por mês você diz que eu sou bonito?”. O outro
responde: “Não!”. “E se eu pagar 30 mil?”. “É feio!”. “E se eu pagar 70 mil?”. “É mais
bonito ainda!”. Entende? É como aquela história da mulher que você chega e diz:
“Minha filha, você por 100 dólares faz amor comigo?”. Ela diz: “Faço! Faço, é claro!”.
244
“E por 20 reais?” E ela: “Você pensa que eu sou prostituta?”. E você: “Bem,
prostituta você já mostrou que é na resposta anterior; agora só estamos discutindo o
preço”. Entende?
Isso quer dizer que, independentemente do valor que uma empresa de
comunicação recebe, há um ato de prostituição em relação ao governo?
Mas isso é feito fundamentalmente a partir do dono mesmo. É pela empresa
mesmo. É empresa.
Mas O Rio Branco, segundo você, escapa dessa contabilidade prostituída?
Não, agora temos que separar o joio do trigo. Desde o início eu estou dizendo o
seguinte: eu não tenho razões, motivos para dizer que o jornal O Rio Branco foi
perseguido pelo Jorge Viana. Eu talvez dissesse que o Narciso Mendes tenha sido.
Politicamente, o Narciso Mendes. Eu não posso me esquecer que o meu mandato
que eu obtive em 2002 foi seqüestrado politicamente. Eu fui eleito e o meu mandato
foi seqüestrado politicamente. Mas eu não posso dizer que o jornal O Rio Branco foi
perseguido. Agora, o posicionamento atual do jornal se deve ao fato de que o jornal
hoje, quando passadas as eleições, o artigo que eu escrevi no domingo seguinte
dizia que o jornal O Rio Branco deixou de ser o jornal da oposição, pois era assim
que ele era tratado, mas que não seria o jornal do governo. E continua não sendo o
jornal nem da oposição nem do governo.
O que você quer dizer quando diz que o seu mandato foi seqüestrado?
Porque foi um seqüestro. Foi uma denúncia mentirosa feita por um procurador
irresponsável a serviço de causas inconfessáveis.
A serviço do Jorge Viana?
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Não sei, não sei. Eu sei que a denúncia foi que eu era gerente da TV Rio Branco e
eu nunca fui. Eu sou o proprietário. E essa denúncia se torna muito mais
vergonhosa quando 90% das televisões brasileiras são de políticos, de comandados
e nem por isso eles perderam os mandatos. Certo? Agora, o natural de uma
denúncia numa disputa política é que um adversário denuncie o outro. No meu caso
aconteceu um detalhe interessante: a denúncia contra mim foi feita pelo Ministério
Público Eleitoral.
Sem ser provocado?
Para defender o Sérgio Petecão da acusação que eu fiz dele de comprador de votos
a resposta que eu obtive foi que a minha provocação não foi suficiente para a
denúncia. Mas no meu caso nem foi preciso isso, ele mesmo se auto-provocou. Mas
é bem simples, o que acontece é que eu não tenho vocação para mártir nem para
herói. Eu quero ser a pessoa que eu sempre fui, com os erros que eu tenho, os
defeitos que eu tenho e as virtudes que eu tenho.
Na sua experiência nesses anos como empresário no setor jornalístico
acreano. Se o governo do Estado resolvesse cortar todos os contratos com as
empresas de comunicação do Estado, elas sobreviveriam?
Poucas sobreviveriam. Porque a única que fez esse teste foi a minha.
Durou quanto tempo essa experiência?
O jornal O Rio Branco é tinhoso nesse particular. Porque quando eu me elegi em
1982 deputado estadual pela Arena, que deu sustentação à ditadura, mas que eu
assumi, até porque quando eu assumi a revolução estava nos seus estertores e por
isso se ela matou, esfolou eu não fui cúmplice de ninguém. Quando eu assumi o
Nabor Júnior também assumiu o governo do Estado, depois veio Flaviano Melo. O
mesmo tratamento que eu recebi do governo Jorge Viana, porque o jornal assumiu
uma posição de oposição, recebeu também do governo do PMDB porque naquela
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época nós éramos também oposição. Por isso eu digo a você que esse tratamento
“governo e jornal O Rio Branco” se dava muito mais em função do meu
posicionamento político pessoal. Aí havia contaminação, é isso. Só isso.
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ANEXO A – Documentos e matérias jornalísticas.
248
ANEXO B – CD com as fotografias das capas pesquisadas.