na hora de regular e preparar o pulverizador é necessário ... · da aplicado e a quantidade de...

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Setembro / Outubro 2002 24 Máquinas www.cultivar.inf.br O controle químico de pragas e doenças é hoje o principal meio utilizado para a manutenção da fitossanidade das culturas, sendo a pulveriza- ção, a principal forma de aplicação dos dife- rentes agrotóxicos. Esta operação, no entan- to, que pode ser responsável por 30 a 60% do custo de produção, é pouco entendida e con- siderada por técnicos e operadores dentro do sistema de produção, levando geralmente a ex- pressivas perdas de produto, tempo e dinhei- ro. Conhecer a pulverização começa por com- preender que fatores ligados à praga, ao pro- duto, à máquina, ao momento da aplicação e ao ambiente interagem na operação, propor- cionando seu sucesso ou insucesso. Um des- tes fatores que for desconsiderado, ou consi- derado erroneamente, poderá ser o responsá- vel direto pela ineficiência do controle. Dessa forma, vamos aqui tentar entender como as interações entre alguns destes fatores, princi- palmente praga, produto e máquina, podem estar interferindo na eficácia da pulverização. INTERAÇÃO PRAGA X PRODUTO A correta aplicação de agrotóxicos come- ça pela identificação da praga (inseto, doença ou planta daninha) que se deseja controlar e pelo conhecimento de aspectos básicos da sua biologia. Este é considerado o alvo biológico a ser atingido. Assim, aspectos como local de ocorrência da praga na cultura, hábitos de reprodução, mobilida- de etc., devem ser estudados. A interação entre o alvo biológico e a capacidade de redistribuição na planta do agrotóxico a ser utili- zado definem o alvo químico, que é o local onde se deve colocar o produto químico para que este exerça adequadamente sua fun- ção de controle da praga. Consideremos como exemplo o controle da mosca-branca (Be- misia sp) na cultura do feijoeiro (Phaseolus vulgaris). Dados da biologia desta praga mostram que ela se localiza na página inferior das folhas da cultura. Nas fases de ovo, e posteriormente de ninfa, é imóvel, entretanto, quando adul- tas, permanecem na página inferior das fo- lhas durante o dia, alçando vôo nos períodos mais frescos do dia. Para o controle desta pra- ga com agrotóxicos de baixa redistribuição, ou seja, que exerçam sua ação apenas no local em Pulverizadores manutenção Pulverizadores Na hora de regular e preparar o pulverizador é necessário saber qual é o alvo a ser atingido e onde ele se encontra Regulagem Regulagem Regulagem Regulagem Regulagem errada errada errada errada errada Exemplos de filtros malhas (a) 100, (b) 50 e (c) 30 Fig. 01 Regulagem Regulagem Regulagem Regulagem Regulagem errada errada errada errada errada Cultivar

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Page 1: Na hora de regular e preparar o pulverizador é necessário ... · da aplicado e a quantidade de produto a ser colocada no tanque do pulverizador. Não raro, ... A vazão especificada

Setembro / Outubro 200224

Máquinaswww.cultivar.inf.br

Ocontrole químico de pragas edoenças é hoje o principal meioutilizado para a manutenção da

fitossanidade das culturas, sendo a pulveriza-ção, a principal forma de aplicação dos dife-rentes agrotóxicos. Esta operação, no entan-to, que pode ser responsável por 30 a 60% docusto de produção, é pouco entendida e con-siderada por técnicos e operadores dentro dosistema de produção, levando geralmente a ex-pressivas perdas de produto, tempo e dinhei-ro.

Conhecer a pulverização começa por com-preender que fatores ligados à praga, ao pro-duto, à máquina, ao momento da aplicação eao ambiente interagem na operação, propor-cionando seu sucesso ou insucesso. Um des-tes fatores que for desconsiderado, ou consi-derado erroneamente, poderá ser o responsá-vel direto pela ineficiência do controle. Dessaforma, vamos aqui tentar entender como asinterações entre alguns destes fatores, princi-palmente praga, produto e máquina, podemestar interferindo na eficácia da pulverização.

INTERAÇÃO PRAGA X PRODUTO

A correta aplicação de agrotóxicos come-ça pela identificação da praga (inseto, doençaou planta daninha) que se deseja controlar epelo conhecimento de aspectos básicos da suabiologia. Este é considerado o alvo biológico aser atingido. Assim, aspectos como local deocorrência da praga na cultura,hábitos de reprodução, mobilida-de etc., devem ser estudados. Ainteração entre o alvo biológico ea capacidade de redistribuição naplanta do agrotóxico a ser utili-zado definem o alvo químico, queé o local onde se deve colocar oproduto químico para que esteexerça adequadamente sua fun-ção de controle da praga.

Consideremos como exemploo controle da mosca-branca (Be-misia sp) na cultura do feijoeiro(Phaseolus vulgaris). Dados dabiologia desta praga mostram que

ela se localiza na página inferior das folhas dacultura. Nas fases de ovo, e posteriormentede ninfa, é imóvel, entretanto, quando adul-tas, permanecem na página inferior das fo-lhas durante o dia, alçando vôo nos períodosmais frescos do dia. Para o controle desta pra-ga com agrotóxicos de baixa redistribuição, ouseja, que exerçam sua ação apenas no local em

PulverizadoresmanutençãoPulverizadores

Na hora de regulare preparar opulverizador énecessário saberqual é o alvo a seratingido e onde elese encontra

RegulagemRegulagemRegulagemRegulagemRegulagemerradaerradaerradaerradaerrada

Exemplos de filtros malhas (a) 100, (b) 50 e (c) 30

Fig. 01

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“Conhecer a pulverização começa por compreender que fatores ligados à praga,ao produto, à máquina, ao momento da aplicação e ao ambiente interagem na operação”

Indicação da rotação do motor queproporciona 540 rpm na TDP

Fig. 02

que foram aplicados, o alvo químico a ser con-siderado deverá ser necessariamente a páginainferior das folhas, pois é lá que se encontra oalvo biológico. Todo produto atingindo a pá-gina superior das folhas, ou mesmo a haste eos ramos, pode ser considerado como perda.Neste caso, se durante a avaliação da pulveri-zação for observado que a cobertura na pági-na inferior é deficiente para o controle, duasalternativas podem ser analisadas.

A primeira alternativa seria a troca do pro-duto por outro com melhor redistribuição,como produtos com ação translaminar ou sis-têmica por exemplo. Dessa forma, o alvo quí-mico passaria a ser tanto a parte superior quan-to a inferior das folhas, pois as áreas não atin-gidas seriam cobertas através do deslocamen-to do produto. A segunda seria a adequaçãodo pulverizador à operação, através do redire-cionamento das pontas de pulverização, oumesmo da utilização de barras com assistên-cia de ar, com o objetivo de melhorar a cober-tura na página inferior das folhas. Uma ter-ceira alternativa, viável apenas para pequenasáreas, seria concentrar as pulverizações à noi-te, ou nos períodos mais frescos do dia, mo-

mentos estes em que a probabilidade de seatingir os adultos fora de seu abrigo aumenta,melhorando a eficácia da pulverização.

Qualquer que seja a solução encontradadeve-se ter em mente que o produto que con-trola qualquer praga é aquele que chega noalvo e não o aplicado. Dessa forma, o objetivoda pulverização deve ser colocar o produto noalvo químico, definido em função da praga edo produto empregado, em uma quantidadee distribuição adequadas, com a menor perdapossível. O volume de água utilizado, normal-mente expresso por L/ha ou L/planta, é ape-nas o preço que se paga para colocar o produ-to adequadamente no alvo, devendo portantoser conseqüência do processo de regulagem dopulverizador e nunca sua finalidade.

INTERAÇÃO MÁQUINA X PRODUTOQualquer pulverizador, quando mal regu-

lado, pode ter sua Capacidade de Campo Ope-racional (horas necessárias para pulverizar 1ha) reduzida em função do agrotóxico utiliza-do, bem como interferir negativamente sobrea eficiência do mesmo. Entenda-se por regu-lagem o processo de adequação do pulveriza-

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Rotação inadequada no motor podecomprometer a eficácia da operação

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“Na agitação hidráulica, a interferência se dá pelaredução do volume de calda retornando ao tanque”

dor à operação que irá realizar. Neste momentosão definidos, por exemplo, a malha dos fil-tros, o tipo, direcionamento e espaçamento daspontas a serem empregadas, a velocidade de

trabalho, a cobertura sobre o alvo químico se-lecionado etc. Após a regulagem, é realizada acalibração, onde se determina o volume de cal-da aplicado e a quantidade de produto a sercolocada no tanque do pulverizador. Não raro,a regulagem é simplesmente ignorada no pro-cesso de pulverização, realizando-se apenas acalibração.

O primeiro passo no processo de regula-gem deve ser verificar a adequação dos filtrosdo pulverizador (Figura 1) à formulação do(s)agrotóxico(s). Formulações pó-molhável (PM)ou suspensão concentrada (SC), por possuí-rem partículas sólidas em suspensão na calda,podem apresentar problemas quando o pul-verizador for equipado com filtros malha 80(80 aberturas em 1 polegada linear) ou supe-rior. Apesar de as formulações estarem se de-senvolvendo muito, o que tem permitido quealguns pós permaneçam em suspensão por até24 horas, pode ocorrer que o diâmetro das par-tículas de pó seja superior ao da abertura depeneiras muito finas. Isso faz com que umagrande quantidade de produto pare no filtro,formando uma pasta sobre o mesmo que obloqueia com frequência, obrigando o opera-dor a realizar limpezas constantes, reduzindoo período útil de trabalho e elevando o riscode contaminação do aplicador.

Além disso, quando uma parte considerá-vel do filtro está entupida, a ação de sucção dabomba faz pressão sobre a parede do mesmo,provocando torções e o rompimento da pe-neira, criando espaços para a passagem da cal-

da e reduzindo sua vida útil. Por outro lado,como a quantidade do agrotóxico retida pelofiltro pode ser significativa, pode-se estar apli-cando subdoses do produto e limitando sua

eficácia. Para evitar este problema, quando dautilização de formulações PM e/ou SC, pe-neiras malha 50 devem ser colocadas em to-das as posições de filtragem (bomba, linha ebicos). Pontas que exijam peneiras malha 80ou superior também não devem ser utilizadascom estas formulações.

Outro fator a ser observado, e que temgrande influência sobre a eficácia da pulveri-zação, é a rotação do trator, por interferir dire-tamente na rotação da tomada de potência(TDP), normalmente responsável pelo acio-namento dos pulverizadores. A grande maio-ria dos pulverizadores no Brasil está dimensi-onado para trabalhar a 540 rpm, portanto,uma operação importante na fase de regula-gem é identificar qual a rotação no motor queproporciona 540 rpm na TDP e selecioná-lacomo rotação de trabalho. Quando necessá-rio, a velocidade de deslocamento mais ade-quada às condições da operação deve ser ava-liada apenas em função da alteração de mar-chas.

A rotação do motor necessária para 540rpm na TDP está normalmente especificadano próprio trator, no painel ou nos adesivos eplacas metálicas onde se encontra a relação demarchas (Figura 2). Caso uma rotação inferi-or à especificada seja selecionada, interferên-cias negativas sobre o funcionamento da bom-ba e do sistema de agitação poderão ser obser-vadas. Na bomba, a baixa rotação interfere navazão e na sua vida útil.

A vazão especificada na bomba, de 80, 100

ou 150 L/min, por exemplo, refere-se à vazãoa 540 rpm e será proporcionalmente reduzidacom a rotação. Desta forma, o trabalho a bai-xas rotações pode fazer com que se tenha queinvestir em bombas de maior capacidade, commaior custo inicial e consumo de potência dotrator, para suprir uma deficiência de vazãoque poderia ser alcançada pelo trabalho emcondições adequadas. Além disso, como a lu-brificação da bomba é realizada por respingosde óleo proporcionados pelo impacto de par-tes mecânicas móveis sobre o óleo no cárter,uma redução na rotação de trabalho, por re-duzir a velocidade do impacto, pode prejudi-car a lubrificação e, conseqüentemente, a vidaútil da bomba.

No sistema de agitação, a baixa rotaçãointerfere tanto na agitação mecânica quantona hidráulica. Reduzindo-se a rotação, o nú-mero de revoluções da hélice do agitador me-cânico é reduzida proporcionalmente, redu-zindo a eficiência da agitação. Na agitação hi-dráulica, a interferência se dá pela redução dovolume de calda retornando ao tanque. Am-bas as reduções podem interferir diretamentena eficácia dos agrotóxicos utilizados, princi-palmente em função da sua formulação. For-mulações PM ou SC, por possuírem partícu-las sólidas em suspensão, tendem a se deposi-tar no fundo do pulverizador em condiçõesde agitação ineficiente. Formulações concen-trado emulsionável (CE), cujo princípio ativoé um líquido não solúvel em água (óleo porexemplo), tendem a migrar para a superfícienestas mesmas condições. Isso faz com que,no início da aplicação, a concentração de pro-duto seja superior (PM ou SC) ou inferior(CE) ao final, ocasionando uma má distribui-ção mesmo quando a dose por área (kg ou L/ha) está adequada.

Em pulverizadores com tanque de altacapacidade, em condições onde o ponto deaplicação está longe do ponto de preparo, aagitação no abastecimento é efetuada combaixas rotações, e o deslocamento é realizadocom baixas rotações e/ou com a TDP desliga-da, esta segregação do produto no tanque tam-bém poderá acontecer. O sintoma mais típicodeste fenômeno é, na aplicação de produtosPM com cores acentuadas como formulaçõescúpricas e de mancozeb, observar-se áreas co-loridas cuja intensidade vai diminuindo nosentido de deslocamento do pulverizador. Pararesolver este problema, basta deixar o tratorparado por pelo menos 1 minuto com o agita-dor ligado, na rotação de trabalho, imediata-mente antes do início da pulverização.

O problema da segregação de produtos nacalda de pulverização é particularmente sen-tido na horticultura e fruticultura, quando dautilização de pulverizadores semi-estacioná-rios. Nestes pulverizadores, o trator perma-nece parado na borda da área enquanto os ope-radores, arrastando compridas mangueiras,

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Hamilton Humberto Ramos,IAC

O problema da segregação de produtos na calda depulverização é sentido na horticultura e fruticultura

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fazem a pulverização da cultura. Nesta situa-ção, além de se utilizar comumente formula-ções PM, o trator trabalha de 700 a 1000 rpm,com o intuito de se economizar combustíveldurante a aplicação, e o regulador de pressãosempre na posição de máxima pressão. Tal ati-tude, além de demonstrar um completo des-conhecimento das curvas de consumo, por seacreditar que menores rotações correspondema menores consumos de combustível, resultaem situações bastante críticas tanto para o agi-tador mecânico (baixa rotação) quanto para ohidráulico (mínimo retorno), ocasionandosérios problemas de distribuição do agrotóxi-co na área tratada.

Tais problemas, não raro, resultam na ne-cessidade de pulverizações complementares,onerando o custo de produção. Entretanto,a manutenção do trator na rotação adequa-da (540 rpm na TDP) e, quando necessário,a incorporação de válvulas e alívio ao siste-ma, constituem-se em soluções simples, viá-veis e de baixo custo.

Pelo exposto, entender o processo de pul-verização e buscar equacionar adequadamen-te as diferentes variáveis envolvidas pode re-sultar em enormes benefícios ao produtor,através da melhoria da eficácia dos agrotóxi-cos e da redução no custo de produção, ao

aplicador, através da redução na exposiçãoocupacional, e ao ambiente, através da redu-ção das perdas e da contaminação.

Trabalhos realizados pelo Centro Avan-çado de Pesquisa Tecnológica do Agrone-gócio de Engenharia e Automação (CAP-TA – Engenharia e Automação), do Insti-tuto Agronômico (IAC), no Estado de SãoPaulo, com diferentes tamanhos de propri-edades, equipamentos e culturas, têm mos-trado que reduções de 20 a 70% no volu-me de calda aplicado é possível, apenas tra-balhando-se adequadamente a regulagem

dos equipamentos. Tais reduções têm sig-nificado, em média, economia suficientepara adquirir um pulverizador novo, a cada1 a 1,5 anos. Estes resultados demonstramque, através de soluções simples, avaliadasdurante a regulagem do equipamento, umaeconomia significativa pode ser alcançada,além de se contribuir para o desenvolvi-mento de uma agricultura sustentável e umuso mais racional dos agrotóxicos.