na cena do crime

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Page 1: Na cena do Crime
Page 2: Na cena do Crime

"., Ca$o aberto..u' a mulher jovem apareceu

morta no seu apartamentó.Embora se trate apenas

de um exercício de treinopara fúturoscrimlilallstas,

o cenário contém todosos Ingr~dient~ de um

caso real de assassinato:sangue no .cC!rpoe no vestido

da vítima, arma do crime, 'c

pegadas•.~Porem,as coisas nem sempre

são o que parecem,

Os criminalistaspossuem a tecnologiamais moderna parainspeccionar o localdos acontecimentos.A recolha de provasé crucial paraapanhar o culpado.

São os primeiros a chegarà cena do crime, vêem oque os outros não vêem,apanham os maus, domi-

nam os raios laser e ultravioleta,usam uniformes apelativos e têmà sua disposição a tecnologia maisvanguardista. Estas faculdades,dignas dos melhores super-heróisde ficção, transformaram os cien-tistas forenses ou criminalistasnos profissionais da moda. Sériestelevisivas como CSI também con-tribuíram para aumentar a admi-ração popular.

Essencialmente, a função deum forense consiste na aplicaçãoda ciência ao contexto legal ou,como define Rafael Moreno, daAcademia Mexicana de CiênciasPenais, em praticar "a ciência dopequeno pormenor". O seu tra-balho começa, como não poderiadeixar de ser, no local dos factos.

Uma das primeiras lições que ocriminalista aprende é que assuas investigações têm que. vercom pessoas e com objectos, eque o contacto entre ambos, co-mo sugeriu pela primeira vez em1910 o médico francês e pai dacriminologia Edmond Locard,deixa sempre uma pista em formade objecto, impressão, marca, re-síduo biológico ou cheiro que sepode rastrear. Na gíria forense,essas recolhas recebem o nomede "vestígios". Quando se provaque um vestígio está intimamen-te relacionado com o facto quese investiga, ascende à categoriade indício. Uma vez integrado noprocesso penal, e só então, o indí-cio converte-se em prova.

• Rastrear e classificarPara que nenhum vestígio se al-

tere, se contamine ou se perca, acena do crime deve conservar-seintacta até que a equipa forensetermine o seu trabalho. Uma vezisolada a zona, os investigadores

• começam um exame rigoroso dolocal, a inspecção técnica ocular,que segue um protocolo estrito.Na primeira fase, documenta-seo local através de fotografias, ví-deos, esboços, planos e anotaçõesescritas que reflictam o aspectodo local tal como foi encontrado.Apolícia científica de alguns paísescomeça até a digitalizar em alta re-solução os cenários, para os traba-

lhar depois num ambiente virtual,como se verá mais à frente.

Para não deixar escapar ne-nhum detalhe, os agentes percor-rem a área isolada em espiral, porquadrículas ou de forma linear, co-mo quando se sulcam os camposcom o arado. Finalmente, os ves-tígios localizados são sinalizadoscom a sua numeração correlativae um testemunho métrico, e foto-grafados.

Concluído o rastreio, cada ves-tígio é cuidadosamente recolhido,embalado, etiquetado e enviadopara o laboratório, para um exa-me em profundidade. Os cabelos eas fibras, os fluidos corporais quecontêm material genético e os lí-quidos voláteis, mais frágeis, têmprioridade. E fundamental que osrecipientes onde são transporta-dos estejam perfeitamente identifi-cados com dados como a data, ahora, a vítima, a localização doindício, o tipo, o número, o nomeda pessoa que o recolhe e o casojudicial a que pertencem. É tam-bém imprescindível que todos osprofissionais que intervieram oucolaboraram na recolha dos indí-cios fiquem registados, para o ca-so de surgir algum problema decontaminação cruzada.

• Um pó quase mágicoQuando se trata de encontrar

irripressões digitais, a tarefa com-plica-se. Estas marcas podemestar visíveis na cena do delito seo autor dos factos impregnou osdedos com algum produto colo-rido ou manipulou uma substân-cia mole. Porém, o que é maisfrequente é aparecerem comoimpressões latentes, quer dizer,invisíveis para os olhos humanos.Para trazê-las à luz, a polícia apli-ca sobre a superfície dos objectosum químico reagente, em pó oupulverizado, que é fabricado comfórmulas diferentes, embora amaioria contenha resina de tre-

..mentina, óxido férrico negro eum pigmento obtido da fuligem.

Dado que, na maioria dos ca-sos, seria materialmente imposs~-vel impregnar toda a cena do cn- ...•

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me com o produto.,a procura deimpressões digitais começa nospossíveis pontos de entrada do au-tor dos factos e amplia-se à áreamais próxima do lugar onde odelito foi cometido, nos objectosque o criminoso poderá ter toca-do à sua passagem (interruptores,armas, portas, volantes, cofres, ga-vetas) e nos que poderá ter aban-donado, como pontas de cigarro,pastilhas elásticas ou maços detabaco vazios.

• A NASA oferece o laserPara poder levar a cabo eficaz-

mente as suas pesquisas, o investi-gador policial viaja acompanhadopor uma maleta dotada de ferra-mentas tão diversas como alica-tes, pinças, tesouras de latoeiro,espátulas, chaves, limas, pá, cin-zel, estilete, máscara, luvas delátex, lupa, atomizador, seringaspara amostras líquidas, sacos,frascos e moldes para pegadas.São também imprescindíveis osjogos de pós, escovas e reagen-tes para vestígios. Na maleta,também não pode faltar uma luzazul e um par de lentes laranja,nem o ultravioleta para examinartecidos e peças de roupa em bus-ca de restos de saliva, de sangueou de sémen. Outros elementosbásicos mas indispensáveis são afita adesiva, o papel, o lápis e, 10-gicamente, a bússola, para situarcom precisão o local.

Recentemente, acrescentou-setecnologia espacial ao kit do crimi-nalista. Concretamente, a NASAéa artífice de um laser fotográfico,idealizado originalmente para de-

, ".,

.... -

,Palmo a palmoe Em linhasSistema de rastreio usa-do para examinar grandesespaçosabertos.Osagen-tes caminham lentamen-te ao lado unsdos outros,a um braço de distância,formando uma linha.

,e Em quadrículasEm exteriores, também éfrequente varrer o cená-rio de Leste para Oestee depois, sobre a mesmaárea processada, de Nor-te para Sill.e Por sectoresO cenário divide-se emvárias zonas e cada uma

A procurade indíciosnacena do crime devefa-

zer-se de forma conscen-ciosa e sistemática. Osespecialistas propõemvários padrões para quenão fique nem um boc;:ldl-nho por processar.

tectar danos sofridos pelo vaivémespacial, que, projectado numcenário, proporciona uma refe-rência do tamanho real dos objec-tos. "Facilita a medição rápida eprecisa de qualquer elemento apartir de uma fotografia da cenado crime", explica Kim BaIlard,engenheiro da agência espacial,que insiste na importância da fer-ramenta quando é preciso rever e

reavaliar o cenário no laboratório.A mesma finalidade cumpre

a topografia de alta definição(HDS, na sua sigla inglesa), umatecnologia que permite criar aimagem virtual precisa de qual-quer local. nata-se de um scannertridimensional capaz de lançarraios laser com uma grande fre-quência (entre 1000 e 2000 porsegundo), num campo circular,

Os objectos à volta reflectem osraios que, recolhidos pelo sensor,permitem ao programa identificaras coordenadas tridirnensionais earmazená-las numa fórmula mate-mática. Com esta informação, oinvestigador poderá reproduziruma imagem virtual do cenáriode um crime em qualquer outrolugar, mover-se no seu interior eexaminar novos pontos de vista

del,s é entregue a umagente, que a examlnameticulosamente.e Em espiral'Também se aplica a espa-ços abertos. É utilizadapor um Investigador sozi-nho, que desenha círcu-los concêntricos a partirdo exterior até ao centroda área a registar.e Ponteiros do relógioMétodo para espaços'fe-chados que implica doisagentes. Um deles percor-re â zona no sentido dosponteiros do relógio, Ins-peccionando a área apartir da sua cintura atéao tecto. O segundo fá-loem sentido contrário,exa-minando a metade Infe-rior da casa. Completadauma volta, Invertem ospapéis e repetem o pro-cesso. •

Depois de uma inspecçãolinear do terreno, a policiaencontrou o cadáver.Agora, os'forensesexaminam 05 restos.

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A importância de ter boa imagemAanálise de im-

pressêee digi-tais, cabelos, balasou textos escritosrelacionados comum delito é cada vezmais simples e efi-caz, graças a sofisti-cados programasque comparam asfotografias enviadaspara o· laboratóriocom as suas basesde dados.OsaVançosmatemáticos e a ca-

'pacidade crescentede' processamentod~ computadorespermitem identificarem questão de minu-tos a quem pertenceuma impressão digi-tal ou se duas balasprocedem de umamesma arma. As téc-nicas Informátlcas de

Execuçãodo retratodo suspeito através

de um programainformático. L1Il!sRrJd~

/

análise 'de imagensdigitais tornaram-seum aliado imprescln-díyeida polícia, e nãodeixam de evoluir.

Um dos avançosmais badalado é oRegisto e Estabiliza-ção de Imagens Ví-deo (VISAR), desen-volvido pelo físico so-lar David Hathawayepelo meteorologlstaPaul Meyer, ambosda NASA. Utilizandoa sua experiência e

as suas-equipas deanálise de vídeo porsatélite, criaram em2002 uma nova fer-ramenta informáticacapazde-lransformaras imagens escurase tremidas captadaspelos sistemas de'se-gurança e pelas câ-maras de vídeo doscarros-patrulha emfotogramas nítidos e.estáveis que podemrevelar pistas sobreos crimes. •

que pode ter omitido no 10c~I.Aplicada aautomóveis, a pontes,a aviões ou a edifícios, a mesmatecnologia permite criar modeloscomplexos em três dimensões queaté poderão ser utilizados peranteum júri, para "levar" virtualmenteos seus membros ao local dos fac-"ias. Desenhos e esquemas feitosà mão, garantem os especialistas,têm os dias contados.

Porém, ao contrário do quemostram séries televísivas popula-res, na vida real o estudo da çenado crime pode prolongar-se duran-te dias, semanas e até meses. Semir mais longe, a análise de ADN,que costuma levar três dias, é re-solvida em minutos na TV. Nãosão as únicas diferenças entre osCSI reais e os de ficção, "Tambémé errada a ideia de que 'a investiga-ção científica é infalível", ressaltaMax M. Houck, antropólogo fo-rense da Universidade da Virgí-nia Ocidental (Estados Unidos) eex-especialista da Trace EvidenceUnit, do FBI. E critica que "ajele-visão ensine ao.público quais sãoos procedimentos e provas foren-ses, mas não quando os aplicar".

• Sem pressa nem pausas

Tracy Rogers, antropóloga fo-rense da Universidade de Toronto(Canadá), acrescenta que, embo-

ra haja uma grande equipa impli-cada na investigação policial, aprofissão exige muitas horas detrabalho solitário. Para além dis-so, adverte, é necessário ser-se do-tado de uma paciência extraordi-nária e ser-se capaz de trabalharem condições difíceis e muitodiferentes do glamour televisivo,como expor-se às intempéries e aespaços fechados insalubres.

Para Tracy Rogers, o ditado"sem pressa, mas sem pausas" ésagrado. Isto porque há uma cer-teza clara: o que não se recolhena cena do crime não chega aolaboratório. Assim, um trabalhometiculoso marca a diferençaentre o êxito e o fracasso de umainvestigação criminal. Não é poracaso que, nos tribunais, as pro-vas recolhidas pelos cientistas fo-renses têm mais peso do que qual-quer.testemunho ocular. Significaisso que sobreavaliamos os indí-cios físicos?

• Testemunhas mudas

Há um século, o pioneiro Ed-, mond Locard respondia ao seuinquiridor do seguinte modo:"Não só as suas impressões digi-tais ou as suas pegadas, mas tam-bém ô seu cabelo, as fibras dasua roupa, o vidro q~ se parte,a marca que deixa a ferramenta,

um risco na pintura ou um rastode sangue são testemunhas mu-das contra um criminosos. Estasprovas nunca têm problemas dememória, e também não se mos-tram confusas pela excitação ou

pela tensão do momento. Nãopoderão enganar-se ou cometerperjúrio no tribunal. Só as falhashumanas ao procurá-las, estudá-las e entendê-las podem levarque sejam subavaliadas."