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JOHAN NORBECK DEBATE CARLOS ALBERTO TORRES Aprender AO LONGO DA VIDA Nº5 | NOVEMBRO 2005 | TRIMESTRAL ISSN 1645-9784 3,80 (IVA incluído) PENSAR NUMA ALTERNATIVA À ESCOLA FORMAL OS RUMOS DO ENSINO RECORRENTE PARA ONDE VAI? QUE PROBLEMAS ENFRENTA? AS BIBLIOTECAS AO SERVIÇO DAS COMUNIDADES EINSTEIN E NÓS A IMPORTÂNCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA EDUCAÇÃO DOS ADULTOS

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JOHAN NORBECK

DEBATE

CARLOS ALBERTO TORRES

AprenderAO LONGO DA VIDA

Nº5 | NOVEMBRO 2005 | TRIMESTRAL ISSN 1645-9784

€ 3,80 (IVA incluído)

PENSAR NUMA ALTERNATIVAÀ ESCOLA FORMAL

OS RUMOS DO ENSINORECORRENTEPARA ONDE VAI?QUE PROBLEMAS ENFRENTA?

AS BIBLIOTECASAO SERVIÇO

DAS COMUNIDADES

EINSTEIN E NÓS

A IMPORTÂNCIA DOSMOVIMENTOS SOCIAIS NA EDUCAÇÃO DOS ADULTOS

Page 2: Nº5 | NOVEMBRO 2005 | TRIMESTRAL · PDF fileCONTRA A APATIA, A ORGANIZAÇÃO É precisamente nos momentos mais difíceis para a Educação e Formação de Adultos, como aqueles que

CONTRA A APATIA, A ORGANIZAÇÃO

É precisamente nos momentos mais difíceis para a Educação e Formação deAdultos, como aqueles que vivemos de há uns três anos para cá, que se tornamais necessária, imprescindível mesmo, uma forte tomada de consciência por

parte de todos aqueles e aquelas que intervêm, a diferentes títulos, neste sector - nosentido de estruturar um movimento social visível e coeso, em defesa das actividadesem curso, das inovações ameaçadas, das organizações de base cívica e solidáriaconstantemente ignoradas ou menosprezadas.Tem sido dito e redito - na comunicação social, em estudos e relatórios, nos discursospolíticos - que a situação da população adulta portuguesa, em matéria de educação eformação, é característica de um país de 3º Mundo; um factor que não será alheio aofacto de, desde 2003, Portugal ter caído mais 4 lugares na classificação mundial dedesenvolvimento humano anualmente elaborada no âmbito das Nações Unidas. Trata-se de um “problema nacional”, cuja culpa não recairá exclusivamente no poder político,como também não dependerá só deste a sua resolução ou atenuação. Só umacolaboração constante e estruturada entre Estado (central e local) e Sociedade Civil,com base numa verdadeira parceria, abrirá o caminho à invenção e aplicação deformas adequadas e eficazes para enfrentar tal problema. Para isso, obviamente,precisamos de um poder político e de uma administração que assumam claramente umcompromisso com esta causa – o que nunca ocorreu na nossa História. Comonecessitamos, igualmente, que as organizações com interesses ou experiência nestesector compreendam enfim a importância, hoje mais vital do que nunca, decoordenarem o seu trabalho, com base em instrumentos de articulação e derepresentação à escala nacional, e conferindo, enfim, um efectivo peso institucional àsua valiosa e indispensável participação. Devem ser vistos como pequenos contributos nesta direcção o lançamento da nossaRevista, assim como a abertura de um site específico dedicado ao Direito de Aprender.Como será também um passo decisivo no mesmo sentido a preparação e a organizaçãodo Encontro Nacional de Educação e Formação de Adultos, a 12 de Dezembro, naFundação Gulbenkian, em Lisboa. O grau de adesão a este processo, que se espera vira culminar – em 2006 – na construção de uma Rede Nacional de Educação e Formaçãode Adultos, será o indicador da maturidade dos cidadãos portugueses e das suasorganizações em assumirem a sua quota parte de responsabilização, e também depoder, na consolidação das boas práticas correntes e na construção de um melhorfuturo para este domínio crucial de intervenção socioeducativa em Portugal.

Direcção

Einstein e nós 3

Entrevista com Johan Norbeck

Folk School:Uma Alternativa à Escola Formal 6

A educação de adultos na bacia

mediterrânica 14

Dossier

As bibliotecas

ao serviço das comunidades 17Em Oeiras uma biblioteca para todos 18Bibliotecas e Aprendizagem ao Longo daVida - Universidades Abertas 22CRC do CENCAL - Uma referência na área da cerâmica 26Onde as aprendizagens são exigentes 29A biblioteca que deambula 32Mediateca da CGD: 10 anos de existência 34

D-Learning 37

O método (Auto) biográfico 40

Os rumos do ensino recorrente 43

Entrevista com Carlos Alberto Torres

É preciso vincular estado, democracia e

educação aos movimentos sociais 50

Livros 55Net 57Notícias 58

F IC HA TÉCNIC A

APRENDER ao Longo da Vida publicação trimestral da Associação"O Direito de APRENDER", Apartado 30005, 1350-999 Lisboa · Telefone: 969 593 912site: http://www.direitodeaprender.com.pt . e-mail: [email protected]

Director: Alberto Melo | Director Adjunto: Rui Seguro | Coordenador editorial: Luis Leiria

Redacção: Ana Silveira, Cristina Portella, Daniela Silveira e Guiomar Belo Marques

Fotografia: Miguel Baltazar, Paulo Figueiredo | Ilustração: Luis Miguel Castro

Colaboraram neste número: Ana Luisa Viseu, António Bob, José António Calisto, Jorge Dias Deus, Madalena Santos,

Maria da Conceição Pinto Antunes e Peter Mayo

Edição gráfica: Atelier Gráficos à Lapa, Rua S. Domingos à Lapa, 6, 1200-835 LisboaImpressão: Arte&Pub Estúdio Gráfico, Rua Correia Teles 19D, 1350-092 LisboaDistribuição:VASP – DISTRIBUIDORA DE PUBLICAÇÕES, LDA - Media Logistics Park, Quinta do Grajal – Venda Seca, 2739-511 Agualva-Cacém

N.º reg. título: 124340 | NIF: 506687449 | ISSN 1645-9784 | Dep. Legal 211075/04 | Tiragem: 5000 exemplaresAs opiniões expressas nos textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos autores. A reprodução parcial ou total, carece de autorização prévia.

ÍNDICE EDITORIAL

PATROCÍNIO INSTITUCIONAL

2 APRENDER

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AO LONGO DA VIDA 3

Oano de 2005 foi declarado Ano Internacionalda Física pela Unesco e pelas Nações Unidas,tendo a proposta sido apoiada pelo governoportuguês desde o início. Não se comemoranem o nascimento nem a morte de Einstein,

mas sim os 100 anos do ano miraculoso de 1905 em que eledecisivamente contribuiu para as duas teorias que revoluciona-ram a Física: a Relatividade e a Mecânica Quântica. Se, em1905, a primeira revolução russa falhou, a revolução deEinstein, pelo contrário, teve êxito total.

Com a Relatividade, ele transformou a geometria do mun-do, as categorias básicas do espaço e do tempo, dando-lhe 4dimensões, e substituindo a vazia linearidade euclideana, pelacurvatura nascida das energias e das massas das coisas.Quando descobriu que energia é igual a massa vezes a veloci-dade da luz ao quadrado, abriu caminho para a maior fonte deenergia conhecida: a energia do sol, das centrais nucleares edas bombas atómicas.

Com a sua contribuição para a Mecânica Quântica, Einsteinajudou a criar o mundo das tecnologias que dominaram o século

EINSTEIN E NÓSTexto Jorge Dias de Deus* # Ilustração Luís Miguel Castro

FOI JÁ HÁ 100 ANOS QUE ALBERT EINSTEIN CONTRIBUIU DECISIVAMENTE PARA AS DUAS TEORIAS QUEREVOLUCIONARAM A FÍSICA: A RELATIVIDADE E A MECÂNICA QUÂNTICA. COMO PESSOA E COMO CIDADÃO,EINSTEIN ESTEVE MUITO PERTO DO QUE SE PEDE A TODO AQUELE QUE SEGUE PELOS CAMINHOS DAEDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA: FOI CONFIANTE E SOLIDÁRIO, FOI UM INDIVÍDUO E FOI UM CIDADÃO.

DESTAQUE

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4 APRENDER

XX, em particular no que res-peita aos lasers e sistemas

de controlo foto-eléctrico.Com a Mecânica Quân-tica instalou-se na Físicao princípio de incerteza,a que se seguiu o aban-dono de uma descriçãodeterminista e objecti-va dos processos físi-

cos, proposto por Bohr.Einstein sempre rejeitou

esse abandono, e manteveao longo dos anos um intenso

debate com Niels Bohr. Se éverdade que Einstein perdeu essa

luta, também é verdade que foi ele quemmais estimulou o aprofundar da compreensão do funcionamen-to da Mecânica Quântica, com consequências que ainda hojenão sabemos estimar (teletransporte, computação quântica, porexemplo).

Einstein era um judeu – alemão-suíço-americano – e, tal co-mo o filósofo Sócrates, podia muito bem considerar-se umcidadão do Mundo. Foi cientista, o mais reconhecido entre osseus pares, e o humano mais mediático entre as celebridadesdo seu tempo, do seu século, para ser mais preciso, batendopolíticos belicistas e pacifistas, papas das mais variadas reli-giões e de religião nenhuma, actores de cinema do drama e dacomédia, cantores da música ligeira e da música séria,jogadores de boxe e de futebol. Na competição mediática bateuChurchill, Gandhi, Marylin, James Dean, Charlot, Elvis e todosos outros que havia. Porquê? Ninguém sabe bem.

Quando morreu, em 1955, retiraram-lhe o cérebro na espe-rança de se descobrir a chave do seu sucesso. Ao que parece,sem êxito, já que ele nem sequer pesava mais do que qualqueroutro cérebro normal de um qualquer mortal. Também lheretiraram os olhos, e o profanador, que devia pensar vendê-los,até afirmava que “quando se olha para os seus olhos umapessoa está a olhar para as belezas e mistérios do mundo”.Claro que se tratava de uma mentira, já que os olhos só vêemo que lhes é dado ver – recorrendo a luz com intensidades ecomprimentos de onda apropriados – não sendo os olhoshumanos especialmente previlegiados: as águias vêem maislonge e os gatos vêem melhor de noite.

Cada um tem o património genético que tem, e isso dizrespeito também ao cérebro e aos olhos. Mas uma coisa é o

cérebro e os olhos, outra coisa é o que uma pessoa pensa e oque uma pessoa vê. E, além disso, há muitos outros orgãos eactividades que contam, basta pensar nas mãos, nas pernas,no sexo. Tanto quanto se sabe, Einstein tinha os orgãos todos,pelo que haveria muito para dissecar...

Porquê Einstein?

Com isto, o que queremos realmente dizer é que não é poraí que se chega lá. Em linguagem metafórica, não é dissecandoo corpo que chegamos à alma. É preciso dar uma volta sequisermos tentar perceber “porquê Einstein?”. É preciso olhardo lado do ambiente familiar, social e político em que Einsteinviveu, entender o mundo que o cercava, a sua época. Chegadosa este ponto alguém torcerá o nariz: mas então é a sociedadeque produz os Mozarts, os Leonardos, os Einsteins? Claro quenão, há o património genético que tudo condiciona, mas hátambém o velho problema filosófico da passagem dapossibilidade à existência mesmo, ou da passagem da potênciaao acto. Essa passagem tem sempre lugar em sociedade.

No caso de Einstein, o que é que contou? Nascer numafamília de judeus alemães, pequenos empresários ligados àindústria da electricidade, pode ter ajudado de várias maneiras.Por um lado, eram judeus não religiosos que prezavam opensamento livre, a discussão aberta e o papel transformadorda ciência. Por outro, deviam ter a noção de que nada estavagarantido quanto ao negócio e que mudar de vida era sempreuma possibilidade. Por fim, haveria a crença no triunfo da von-tade dos que lutam, mesmo sozinhos, pela sua sobrevivência.

É sabido que Einstein era, segundo os professores, umaluno rebelde – muitas vezes tal foi erradamente interpretadocomo se se tratasse de um mau aluno – só estudava o que lheinteressava, só acreditava no que ele próprio pensava, só faziao que lhe parecia melhor – embora segundo critérios nemsempre claros. E, normalmente, quando era preciso actuar, nãohesitava e actuava.

Havia nele a mistura de um liberalismo individualista comum anarquismo social, que o acompanhou sempre ao longo davida. Uma confiança enorme em si próprio e nas suas capaci-dades, em particular como cientista, aliada a uma repulsaquase visceral contra a arbitrariedade, a autoridade repressiva,a limitação da liberdade, o obscurantismo irracional, e a umaatitude quase instintiva de apoio aos desprotegidos, aos perse-guidos, aos refugiados. Era, em muito, um indivíduo, sim, mascom uma sentida consciência social.

Para nós, o que talvez interesse mais em Einstein não sejatanto a Relatividade ou a Mecânica Quântica, mas sim a sua

É SABIDO QUE EINSTEIN ERA, SEGUNDO OS PROFESSORES, UM ALUNO REBELDE – MUITAS VEZES TAL

FOI ERRADAMENTE INTERPRETADO COMO SE SE TRATASSE DE UM MAU ALUNO – SÓ ESTUDAVA O QUE LHE

INTERESSAVA, SÓ ACREDITAVA NO QUE ELE PRÓPRIO PENSAVA, SÓ FAZIA O QUE LHE PARECIA MELHOR –

EMBORA SEGUNDO CRITÉRIOS NEM SEMPRE CLAROS. E, NORMALMENTE, QUANDO ERA PRECISO ACTUAR,

NÃO HESITAVA E ACTUAVA.

DESTAQUE

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atitude perante a vida e a sociedade. Uma atitude que setraduzia pela busca sem medo do que não sabia, dodesconhecido – é o que cabe ao cientista enquanto profissional– e o reconhecimento da (quase) obrigação da intervençãosocial.

Mas isto não quer de modo algum dizer que Einstein fosseum “santo”. Para além de ter muitas paixões e muitas infide-lidades, o excesso de confiança nas suas descobertas científi-cas levavam-no a desprezar o trabalho científico dos que tinhamvindo antes dele, como, no caso da Relatividade, o de Lorentz eo de Poincaré. E o seu comprometimento social nem sempretinha uma consistência linear que merecesse a aprovação detoda a gente: embora não apreciasse o comunismo soviético,defendia sem hesitar a liberdade dos comunistas americanos,embora fosse contra os nacionalismos de base racial, aceitavacom naturalidade a criação de um estado judeu.

Apesar de todas as suas contradições, a atitude seguidapor Einstein, como pessoa e como cidadão, está muito perto daque se pede a todo aquele que segue pelos caminhos daeducação ao longo da vida: que seja confiante e que sejasolidário, que seja um indivíduo e que seja um cidadão. Depreferência, sem muitas contradições...

* Jorge Dias de DeusProfessor Catedrático no Departamento de Física do Instituto Superior Técnico.Trabalha na área científica de Física de Altas Energias, Astrofísica e SistemasDinâmicos e é Presidente do CENTRA - Centro Multidisciplinar de Astrofísica.

Ano Internacional da Física

Coincidindo com o centésimo aniversário do “ano milagroso”(annus mirabilis) da produção científica de Albert Einstein,quando publicou os artigos que criaram a base de trêscampos fundamentais da física - teoria da relatividade, teoriaquântica, física atómica e molecular -, comemora-se em 2005o Ano Internacional da Física (ONU).Em Portugal, a Sociedade Portuguesa de Física (SPF) pretendecelebrar o evento promovendo a física a todos os níveis nonosso país. Desta forma, os objectivos são os seguintes:aumentar o apreço público pela física, melhorar o ensino dafísica nas escolas, reforçar o papel da física no ensinosuperior, reforçar a aliança da física com outros ramos dosaber, cativar os jovens para o estudo da física, reforçar opapel dos físicos na sociedade, aumentar a cooperaçãointernacional, em particular com os países de língua oficialportuguesa.

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ENTREVISTA

FFOOLLKK SSCCHHOOOOLL:: UUMMAA AALLTTEERRNNAATTIIVVAA

ÀÀ EESSCCOOLLAA FFOORRMMAALL

ENTREVISTA COM JOHAN NORBECK

É SUECO MAS FALA PORTUGUÊS FLUENTEMENTE. LEVOU A IDEIA DAS FOLK SCHOOL À TANZÂNIA E AMOÇAMBIQUE, MAS HOJE, SE VOLTASSE A PORTUGAL (ONDE ESTEVE ENTRE 1978/79) NÃO VIRIAMISSIONAR COM BASE NAS EXPERIÊNCIAS DE OUTROS PAÍSES. PREFERIA TORNAR-SE MEMBRO DE UMGRUPO DE PORTUGUESES PARA DISCUTIR SITUAÇÕES E NECESSIDADES, E O QUE SE PODERIA FORMAR(UMA ESCOLA OU QUALQUER OUTRA COISA), QUAIS IRIAM SER OS TRAÇOS DESSA ESCOLA E QUE NOMELHE DAR. MAS UM NOME REALMENTE PORTUGUÊS.

Entrevista: Rui Seguro # Fotografias: Paulo Figueiredo

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Quando cheguei à recepção e disse à

recepcionista que queria falar com um

senhor sueco, ela disse-me: Ah! Esse

senhor fala muito bem português. E eu

concordo, pode faltar-lhe algum

vocabulário, mas em termos de

pronúncia está muito bem.

Mas pronúncia só, não chega. Vivi emPortugal entre 78/79, com a minhafamília. Trabalhei em Braga, depoiscontinuei a vir cá, por períodos curtos,cerca de sete anos a trabalhar emPortugal e também nas antigas colóniasportuguesas de África.

Podemos falar da sua experiência em

educação de adultos e depois

comparar como é essa educação em

países tão diferentes como a Suécia e

Portugal. O que era a educação de

adultos há 30 anos e o que é agora.

Também podemos falar da sua

experiência nas Folk Schools…

Não gosto do termo Folk School por-que não diz nada a ninguém, só aosnórdicos. Também há nos Estados Uni-dos, mas parece que quase todas falha-ram, apenas houve uma para trabalha-dores que teve sucesso. O que aconteceunos nossos países, é que tivemos umfilósofo e Bispo (Grundtvig) que foi ogrande impulsionador destas escolas. Agrande dificuldade das pessoas quequerem escrever sobre as Folk Schools éelas serem tão variadas, não há umaigual a outra. Como se faz então paradescrevê-las? Podemos dizer que hátipos de Folk School, com ideologias umpouco diferentes, mas a ideia base emtodos os países nórdicos é que ela deveser “outra coisa”, em comparação com aescola formal. Grundtvig tambémafirmava isso. Ele detestou a escola, umBispo que escreveu 2000 hinos, umpoeta, mas com muitas outras ideias.

Em português será ainda pior, porque

se diz “escolas populares”.

Exacto. E isso também foi difícil paraos ingleses, no início, e para os america-nos, porque eles diziam “não é possívelusar Folk neste caso”. Mas nós respon-díamos: “vocês dizem Folk Music, FolkLiterature”, porque seria aqui impossíveldizer Folk? Por isso, eu passei a usar adenominação Folk Development Schools– escolas para um desenvolvimentopopular, de todas as pessoas em geral...

Agora discute-se também o nome

“Universidade Popular”. Isto é

contraditório, universidade é um

conceito de elite e popular é povo,

acabando assim por não ser nem uma

coisa nem outra.

Realmente é verdade, há algumasdessas escolas querem é aproximar-secada vez mais da escola formal. Issoexiste, mas eu penso que essas escolasnão são Folk. Temos uma forte tradiçãodesde o século XIX, muitas FolkDevelopment Schools, (em todos ospaíses,) mantêm essas ideias básicas,mas ao mesmo tempo todos esses paí-ses mudaram muito. Hoje, não podemosdizer que as Folk Development Schools naSuécia são uma escola “Grundtvigiana”,porque os dinamarqueses defendem queas suas Folk Schools é que são puras. Enós não podemos dizer o mesmo, por-que, embora mantendo algumas ideiasbásicas, as adaptámos às nossas neces-sidades.

Correndo o risco de generalizar,

perguntaria se existem diferenças

significativas a nível das Folk

Development Schools entre os vários

países nórdicos?

As escolas norueguesas e as finlan-desas foram tomando rumos diferentes.Estas últimas, por exemplo, ficarambastante mais formais do que as escolasdos outros países nórdicos, mas, naDinamarca, mantiveram quase todas asideias de Grundtvig, concentrando-sesobretudo na cultura (tradicional) dina-marquesa. No início, era essa a ideia deGrundtvig: criar escolas que fizessemcom que a cultura dinamarquesa se nãoperdesse, por exemplo, em relação à Ale-manha, que estava muito próxima.

Na Suécia, não era essa a finalidademais importante, e o nosso país mostrou-se muito mais prático, e pragmático. Pro-curámos organizar cursos que ajudas-sem as pessoas de uma forma muitoconcreta. Por exemplo, no início, ajudaros filhos dos agricultores e os trabalha-dores rurais a encontrar possibilidadesde mudar a agricultura. Para outros gru-pos, como os empregados de escritórioou os operários industriais, essa ajudaconsistia em encontrar vias para cons-truir um outro tipo de indústria, um outrotipo de relação entre os patrões e eles

Quem é Johan Norbeck?

Fui criado num ambiente de classe socialelevada, onde as escolas superiorespopulares raramente eram referidas. Masainda era estudante e já decidira tornar-me professor de uma destas escolas. Istoaconteceu graças aos conselhos de umtio, pessoa muito sábia, e às visitas deestudo, muito gratificantes, que fiz aescolas superiores populares. Acabei porser o que sempre quis ser e, quandocomecei a trabalhar como docente nestasescolas, senti que tinha encontrado omeu lugar dentro da sociedade sueca.Graças a um colega notável – TorgilRingmar, pessoa com grande experiênciado mundo da cooperação para odesenvolvimento – muito cedo meinteressei pelas questões dodesenvolvimento. Comecei então a querersaber mais sobre o Terceiro Mundo e aincluir estes temas nas minhas própriasactividades docentes.Durante 10 anos, fui professor na escolasuperior popular de Åsa, e duranteesteperíodo passei três como educadorde adultos na Tanzânia. Isto passava-sedurante os primeiros anos do grandeprograma de educação de adultos que aliocorreu, entre 1969 e 1972, e oPresidente Nyerere era o meu ídolo.Em 1974, tornei-me tutor, em Linköping,de alunos candidatos a docentes nasescolas superiores populares, função quemantive até à reforma. Mas foi o trabalhono desenvolvimento que dominou aminha vida, quer com missões noestrangeiro, quer através de cursos queorganizei na Suécia para pessoas depaíses em desenvolvimento. Nestasactividades, senti que era, acima de tudo,um educador em desenvolvimentopopular.A educação popular para odesenvolvimento como um motor para ademocracia é a minha maior inspiração.Usei esta força na educação de adultossueca, nos colégios populares para odesenvolvimento da Tanzânia, para aformação de animadores de círculos deestudos em Portugal, para estudantes deprogramas de Mestrado em Tallinn(Estónia) e para a formação de base deeducadores de adultos na escola deeducação em Moçambique. Nunca mearrependi um só momento desta minhaopção profissional.

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próprios. Tudo isto era de molde a alterarmuito a situação dos trabalhadores emgeral.

O que há de mais interessante, acho,para quem se interessa pela educaçãode adultos, aqui em Portugal e nos outrospaíses, é a independência destas esco-las relativamente ao Estado. O Estadosueco, por exemplo, foi apreciando cadavez mais as Folk Schools, porque tinhamuma atitude activa em relação ao desen-volvimento político destes países. Asescolas mostravam que tinham ideias,que podiam defender e apoiar o mesmotipo de desenvolvimento que o governoprocurava. Por isso, ao fim de algumasdécadas, o Estado começou a subsidiá-las. No início não, no início foram, porexemplo, os agricultores e as associa-ções populares1 que apoiaram a criaçãoe o crescimento das escolas.

A situação, passado algum tempo, eraque o Estado dava a maior parte dodinheiro, mas não influenciava quasenada... Muitas pessoas que trabalhamem educação de adultos noutros paísesnão percebem como isto pode ser possí-vel. As escolas e as associações nãoterem a maior parte do dinheiro e nãohaver praticamente regras nenhumasprescritas pelo Estado; as escolas nãotêm sequer um currículo, não têm nada aconstrangê-las. A única coisa queaconteceu, penso que na década de 20,

nas nossas escolas na Suécia, foi aexigência de haver língua sueca e música.Essa foi a única regra, o que para muitagente deve parecer muito estranho.

As pessoas pensam sempre: “se nósdamos o dinheiro, temos que controlar,temos que exigir”. Naturalmente, que alíngua sueca é muito importante, paraquem vive e trabalha no país, mas nãoapresentar mais nada como exigência éum pouco estranho. É uma situação queocorre muito raramente noutros países,mas acontece aqui; sobretudo, na Dina-marca, Suécia e Noruega, já que naFinlândia é um pouco mais formal.

Actualmente, quem frequenta as Folk

Schools são mais os jovens que os

adultos?

Sim, mas começaram só com jovens,de 18 anos de idade, o que teve umaimportância enorme no nosso país, exac-tamente por causa desse pragmatismo,tentando que uma nova geração pudessereceber uma nova educação capaz deestimular as grandes mudanças. E estaseram necessárias, especialmente naagricultura, de onde milhares de pessoastinham já emigrado para os EstadosUnidos e os que ficavam tinham que inte-grar-se nessa mudança.

Politicamente, todos os operáriosindustriais de então viviam situaçõesdifíceis, eram todos muito pobres e comcondições de trabalho muito pesadas.Foi necessário trabalhar muito com ospatrões, de maneira a poder criar umambiente melhor para os trabalhadores.E, assim, estes trabalhadores acabariampor ter um papel vital na história da Sué-cia. Eles próprios pensavam que nãobastava ter conhecimentos sobre políti-ca, sobre questões sociais e económicas,mas queriam saber mais sobre tudo. Ostrabalhadores sentiam que deviamadquirir uma parte da cultura das classesmais altas e por isso pensavam que asFolk High Schools deveriam ter essafunção.

Mas, quando fala de trabalhadores, é a

nível dos sindicatos?

Sim, mas não só, sindicatos e outrosgrupos de trabalhadores. Para as esco-las, foi uma coisa muito natural entenderque educação, erudição, não tinha só aver com especialização, mas realmentecom conhecer toda a vida, sob todos os

seus aspectos. Por isso, tentaram sem-pre ter cursos que combinassem, dentrodo mesmo tema, por exemplo, aspectosde arte, música, literatura, sociologia,etc. Isso foi e é uma das forças das FolkSchools.

Por um lado, parece que a educação

de adultos nasce do levantamento de

determinados problemas que é preciso

‘solucionar’, e para isso vocês

demonstram bastante ‘pragmatismo’.

Mas, por outro lado, estamos a falar de

escolas em que há uma ‘liberdade’

quase total, o que parece contraditório

com esse pragmatismo, porque ligada

ao pragmatismo vem sempre a ideia

de que é preciso obter resultados. Há

contradição ou não?

Há contradição, sim. No início, osalunos não tinham muito a dizer, mas osprofessores e os reitores eram humanis-tas e tinham a ideia de que os alunostambém deviam ser activos relativamen-te aos estudos. Por isso, fomentaramuma forte cooperação entre professorese desenvolveram a ideia de que os estu-dantes deviam formular, eles próprios, osconteúdos dos estudos, uma abordagemque foi sempre evoluindo até agora. Emtodos os tipos de estudos nestas escolas,os estudantes tinham muita margempara influenciar, e realmente influencia-ram. Deste modo, os estudos e as pró-prias escolas tornaram-se mais pragmá-ticos. E, passado algum tempo, tambémos estudantes se tornaram mais pragmá-ticos.

Uma das palavras-chave que encontro

no que escreveu é ‘motivação’,

envolvimento. É isso que faz a

mudança na educação, o facto de não

se aprender por obrigação, será essa a

grande diferença?

Penso que sim. Os estudantes nota-ram imediatamente que a relação entrereitor e professor é aqui totalmentediferente. Neste aspecto, Grundtvig teveuma ideia, que ainda hoje se mantém,que é a importância essencial do diálogopermanente. Isso é muito diferente daescola antiga, formal.

Por causa desta liberdade, muitasescolas começaram a inventar, a criarum carácter próprio. Hoje ainda é assim,e cada vez mais, porque agora há novosgrupos de estudantes que chegam de

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todo o mundo, e na escola querem apren-der música, ou estudar arte, ou qualqueroutra coisa. O que dá uma variedadeenorme a este sistema e, ao mesmo tem-po, muitos dos estudantes têm comoobjectivo, depois de estarem nestaescola, entrar, por exemplo, numa acade-mia de arte, ou numa academia demúsica, ou numa universidade, etc.

Mas tudo isto também mudou váriasvezes ao longo dos anos. Temos gruposque vêm do liceu e vão directamente,não para a universidade, mas para umaFolk School, porque dizem que no liceuaprendem factos, mas ali concretizam epercebem a ligação entre muitas coisasdeste mundo, e também aprendem aconviver, a comunicar com outras pes-soas. Embora ainda existam muitosestudantes que vão directamente doliceu para a universidade, quando se fa-zem comparações entre eles, os que vãoprimeiro para as Folk Schools conside-ram que foi muito melhor esse seupercurso. Saem mais maduros comopessoas, eles próprios dizem que isso éimportante para o resto da vida.

Agora uma pergunta algo provocatória,

acha que era viável uma Folk Schoolem Portugal?

Estou convencido que seria muitobom, mas à luz da experiência do meutrabalho aqui, não vou dizer muito sobreisso. É difícil e não é bom, é mesmomuito mau, tentar missionar com baseno que se passa nos nossos próprios paí-ses. Neste aspecto, tive alguns sucessos,mas também fracassos. Saí da Suéciaporque me foi pedido para fazer isso, eno início, naturalmente, pensei, “vou sermissionário”. Agora, estou convencido deque, se fosse possível, trabalhar maisuma vez em Portugal, só quereria tornar--me membro de um grupo deportugueses, para discutir quais assituações e necessidades aqui emPortugal e o que poderíamos formar ouconstruir (uma escola ou qualquer outracoisa), quais iriam ser os traços dessaescola e como poderíamos criar um no-me para lhe dar, mas um nome realmen-te português.

Apesar de tudo penso que vale a pena

compararmos, porque o Johan

conhece a fundo uma experiência de

educação de adultos que teve êxito na

Suécia, enquanto nós temos uma

história e uma cultura diferentes, não

temos nenhum pragmatismo... A sua

experiência, quando chegou a

Portugal, a seguir ao 25 de Abril, deu-

se dentro de um movimento de

explosão, quando havia muitas

pessoas com vontade de fazer coisas.

No entanto, essa boa vontade só por si

não chegava. Foi com entusiasmo,

com um espírito de missão, que o

Johan se envolveu nas campanhas de

alfabetização, mas encontrou por certo

dificuldades. O seu esforço foi muito,

quando constatou que não bastava o

entusiasmo e que era preciso uma

grande preparação e foi aí que

pretendeu ajudar. A organizar, a dar

alguma coerência aos grupos. É um

pouco essa experiência que gostaria

que me relatasse

Há de facto diferença entre as socie-dades. E é muito interessante a nossahistória nesse aspecto, porque foram aspessoas (e não um ministério) quecomeçaram a construir as modalidadesde educação de adultos na Suécia.Porque já possuíam ideais diferentesdas pessoas que conheci, no início, noMinho. Porque tínhamos, na Suécia,muitas pessoas eruditas quepartilhavam as ideias dos filósofosliberais, isso teve um impacto enorme

na nossa história, comparando commuitos outros países. Estes valoresliberais influenciaram muito oParlamento, um grande número dosmembros do nosso Parlamento foiinfluenciado por isso e, desde muitocedo, aceitaram mudanças que nuncaforam aceites por Salazar, por exemplo.

Quando trabalhei no Minho, senti, deinício, um formalismo extremo. Até pare-cia que, para as pessoas, o formalismoera melhor que novas ideias... E um tipode rigidez entre as pessoas, especial-mente entre pessoas de classes distin-tas. Por exemplo, na Universidade, haviaum corredor muito longo, um professorentrava numa parte do corredor, outroprofessor noutra parte e eles não viammais ninguém. É muito diferente asituação na Suécia, onde começou muitomais cedo a estabelecer-se novas ati-tudes entre as pessoas. Descobri, maistarde, um grupo de pessoas portugue-sas, mais raras mas muito boas, com asquais tive experiências óptimas. Mas, deresto, não posso dizer muito sobre o queaconteceu na sociedade portuguesa,porque realmente não sei, já se passouhá tantos anos...

Gostaria que falasse mais sobre o

problema do “envolvimento”. Somos

um país com uma taxa de

analfabetismo ainda bastante elevada,

um milhão de analfabetos num

universo de dez milhões, onde ainda há

muito para fazer. Penso que Portugal

não soube resolver esse problema, o

analfabetismo vai diminuindo apenas à

medida que morrem as pessoas de

mais idade. A diferença maior entre os

países nórdicos e Portugal é que, num

espírito de pragmatismo, vocês

pensam “se há um problema, ele tem

que ser resolvido”; nós aqui não...

Ah, mas isso tem muito a ver comreligião, o catolicismo e o protestantismo.No início, quando os países nórdicos mu-daram para o protestantismo, disseramque as pessoas do campo tinham quesaber o que dizia a Bíblia. Por isso, come-çaram já no séc. XVI a dizer (incluindo opróprio Rei) que os religiosos tinham quecomeçar a ensinar todas as pessoas a lere a escrever. E daí resultou que, no fim doséculo XVII, quase todas as pessoas naSuécia sabiam ler e escrever. Claro queisto já era educação de adultos, para

MAS TUDO ISTO TAMBÉMMUDOU VÁRIAS VEZES AOLONGO DOS ANOS. TEMOSGRUPOS QUE VÊM DO LICEU EVÃO DIRECTAMENTE, NÃO PARAA UNIVERSIDADE, MAS PARAUMA FOLK SCHOOL, PORQUEDIZEM QUE NO LICEUAPRENDEM FACTOS, MAS ALICONCRETIZAM E PERCEBEM ALIGAÇÃO ENTRE MUITASCOISAS DESTE MUNDO, ETAMBÉM APRENDEM ACONVIVER, A COMUNICAR COMOUTRAS PESSOAS.

AO LONGO DA VIDA 9

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10 APRENDER

todos os adultos, o que faz a diferença. Aatitude é considerar que todas aspessoas têm valor, todas, e que não são“ferramentas”. Várias vezes, senti emPortugal, esse contraste, onde se tratampessoas como “ferramentas”, mais nada.Se sabem escrever, falar, não fazdiferença, não é importante...

Num dos seus trabalhos, fala em

grupos ou círculos de estudo. Ainda

continua a trabalhar neste conceito?

Sim, ainda continuo. Mas penso quese deu aqui uma certa desagregação,porque de início esses círculos de estu-dos criavam-se para que os trabalhado-res, em massa, conseguissem ter maisconhecimentos, utilizar melhor as ferra-mentas, em vez de serem eles própriosferramentas. Esta foi a grande diferençanos povos escandinavos, que não qui-seram, (nem mesmo os socialistas) umamudança revolucionária, dizendo que osconhecimentos é que eram importantespara quem vive do trabalho, e procuran-do vencer as classes altas através dosconhecimentos, “que elas já têm masnós também queremos ter e, ao fazerisso, vamos criando melhores condiçõesde vida, na nossa sociedade”. E foi issoque fez a diferença.

Estes grupos, dedicados à educaçãode adultos, foram muito muito importan-tes, porque começaram a tentar reformara sociedade local de várias maneiras.Começaram por procurar ajudar idososque tinham problemas por causa daidade, dentro da sociedade local.

Só um exemplo: naquela altura o go-verno sueco não tinha recursos para darmuita ajuda, mas verificou que, entrepessoas de classes baixas, havia quemfosse capaz de utilizar métodos e formasde cuidados pessoais na comunidadelocal. Constatou que isso poderia serexpandido por toda a Suécia e por isso ogoverno deu a estas estruturas umacerta autonomia e responsabilidade. Ogoverno disse: “vocês podem ter respon-sabilidade para fazer certas coisas e nós,governo, vamos aprender com base noque vocês fazem”. Então, o governosueco começou a utilizar as associaçõespopulares como referência.

Não sei como este relacionamentofunciona em Portugal, mas é muito im-portante, para toda a nossa sociedade,que o governo estabeleça um certo grau

de formalidade. Por exemplo, na questãodo ambiente, o governo diz “nós quere-mos saber o que seria bom mudar emrelação ao ambiente” e, para isso, vai terque falar com as pessoas, mais concre-tamente, com as pequenas organizaçõesde cidadãos, que trabalham no sector. E,de uma maneira estruturada, os repre-sentantes do governo contactam essasassociações e escutam o que dizem.Esta maneira de trabalhar ajudou imensoo desenvolvimento do bem estar danação sueca.

Mas retomando a sua questão e tam-bém a minha ideia de desagregação,antigamente havia necessidade de umagrande solidariedade entre todos osagricultores e trabalhadores, e por causadisso estudavam e trabalhavam visandoobjectivos muito claros. Porém, hoje emdia, os jovens não sentem tanto isso,porque já somos uma sociedade de bemestar.Eles pensam, “já temos democracia, jásabemos o que é democracia”, mas às vezesnão sabem. Em vez disso, começam a formaroutros tipos de associações que já não têm aver com solidariedade, como anteriormente osgrandes grupos de massas. Por exemplo, umaassociação que ajude as pessoas a começar afotografar.

Gostava de fazer aqui uma ponte. Nos

anos 80, tive contactos com a “SIDA”

sueca (Swedish InternationalDevelopment Cooperation Agency),

quer a nível de educação de adultos,

quer a nível de ensino especial. Uma

das pessoas suecas que conheci tinha

uma experiência enorme de apoio a

África e quando lhe perguntei qual a

diferença entre apoiar África e apoiar

Portugal, ele disse-me: “Vocês são

maus, mas mesmo assim são melhores

que África”. Dizia ele, a propósito da

gestão de dinheiros, que a Suécia, por

vezes, dava bastante dinheiro a alguns

países de África, mas quando lá

voltavam viam coisas disparatadas. Em

Portugal, o problema era os dinheiros

serem, em geral, bem empregues, mas

não haver continuidade ou

consistência no prosseguimento dos

projectos. Digo isto para o convidar a

falar-nos também sobre a sua

experiência de educação de adultos

em Moçambique, como país de língua

oficial portuguesa, e fazer assim o

triângulo Suécia, Portugal,

Moçambique.

É muito difícil, Tanzânia seria paramim muito mais fácil, porque trabalhei lámuito mais anos.

Mas há grandes diferenças entre

Tanzânia e Moçambique?

Sim, há algumas diferenças. Tra-balhei apenas alguns meses em Moçam-bique e não o conheço muito bem. Umacoisa que me chocou imenso – ousoagora dizê-lo – foi o facto de encontrarvárias pessoas que não trabalhavampara fazer um bom trabalho, mas simpara a carreira, tentando até sabotar oque os colegas tinham feito. Eu teste-munhei isso muitas vezes. É uma coisaterrível, mas eu li (recentemente) a histó-ria de Portugal e percebo agora porquê.Em África, na Tanzânia por exemplo,existe uma enorme diferença entre aspessoas e os líderes, porque o mais im-portante para os líderes é que todas aspessoas, todos os níveis da hierarquia,obedeçam a tudo o que o líder diz e nãopensem individualmente. Isso é que émais importante, mas é isso que dificultao desenvolvimento.

E estou convencido que essa situa-ção também acontece em Moçambique,como em todos os países que conheçoem África. Isso é o resultado acumuladode duas influências, a cultura original

EM ÁFRICA, NA TANZÂNIA POREXEMPLO, EXISTE UMAENORME DIFERENÇA ENTREAS PESSOAS E OS LÍDERES,PORQUE O MAIS IMPORTANTEPARA OS LÍDERES É QUETODAS AS PESSOAS, TODOS OSNÍVEIS DA HIERARQUIA,OBEDEÇAM A TUDO O QUE OLÍDER DIZ E NÃO PENSEMINDIVIDUALMENTE. ISSO É QUEÉ MAIS IMPORTANTE, MAS ÉISSO QUE DIFICULTA ODESENVOLVIMENTO.

ENTREVISTA

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africana e a cultura dos co-lonizadores, e essa combi-nação é terrível.

Trabalhei muitos anosna Tanzânia, em muitoscursos, e a atitude é sem-pre a mesma. Eles nãopercebiam nada quandoeu dizia “vocês têm quepensar por vós próprios”,não reagiam. De início,não percebia nada, por-que para um educador deadultos na Suécia isso eraa coisa mais natural.Trabalhei muitos anos naTanzânia até perceber queisso ali era o mais difícil. Oministro diz ao secretário“tens que resolver essacoisa”. O ministro não per-cebe o caso, o secretáriotambém não, dá a outrapessoa e essa pessoa nãopercebe nada. No fim, háum papel com uma série de ordens, queestá escondido no monte dos ofícios e,passado meio ano, o ministro diz “o queaconteceu com isto?”, fala com osecretário e descobre que aquele papelesteve lá o tempo todo. Do ponto de vistade psicologia colectiva, isto é terrível.

Por exemplo, na Tanzânia há muitas“development schools” (“escolas para odesenvolvimento”). No entanto, os queas frequentavam nunca perceberam aideia básica destas escolas, por causa dacultura dominante, o que levava, porexemplo, a que os alunos nunca pergun-tassem nada ao professor, só escreviamo que o professor dissesse. O professor,por sua vez, nunca pode perguntar nadaao reitor, e este nunca pode pedir nadaao ministro... Finalmente, há poucosanos atrás (e desde 1969 que látrabalho) conseguimos lançar um curso,entre 1991 e 1996, para apoiar essasescolas e verifiquei que mudou muito aatitude dessas pessoas.

Consegui ver pela primeira vez queeles perceberam, de repente, quandolhes disse que têm que pensar pelassuas próprias cabeças. Antes, isso nãosignificava nada, mas agora começa afazer sentido. É interessante, muitointeressante, mas vai demorar muitotempo, porque as folk developmentschools (existem 54 deste tipo) são ainda

hoje um espaço raro naquele país emque as pessoas estão libertas dessasformas antigas de hierarquia absoluta.

Só queria agora pedir um resumo breve

do seu percurso. Quando começou, o

que faz agora…

O meu pai era director de um bancona Suécia e nunca teve a ideia de medizer, “tu tens que fazer o mesmo queeu”. Mas um dia disse-me, “penso queseria bom para ti estudar Direito”, e euperguntei “porquê Direito?”, e ele res-pondeu “Porque dará segurança nofuturo à tua família”; comecei então aestudar Direito, mas sentia-me desmoti-vado. Por isso, falei com um tio que tinhaestudado Direito e tinha amigos na uni-versidade que trabalhavam com profes-sores de uma Folk School, e esses ami-gos disseram-lhe que, durante todos osanos de colaboração, sempre acharam“fixe” trabalhar com professores dessetipo de escola, porque constituíam ummundo próprio.

A um professor de uma Folk School,exige-se mais do que numa escola

normal, tem muito mais trabalho que

um professor de uma escola

tradicional, não basta chegar lá e dar

a aula. E tem ainda uma grande carga

de envolvimento emocional.

Sim. E formam projectos com osalunos, como grupo, como colectivo, têmque trabalhar bastante para asseguraresta aprendizagem em comum.

Eu falava em termos de postura. Um

professor de uma Folk School não

pode chegar à aula e “despejar”.

Não, não é possível. Por isso, come-cei por visitar várias escolas porque,como membro da classe alta sueca, nãosabia nada de Folk Schools. Visitei-as,por volta de 1954, e fiquei deverasimpressionado. Depois, regressei àuniversidade e comecei a estudar asmatérias que as escolas me tinham ditoque precisavam: língua sueca, literaturainternacional e línguas. Depois disso, fuiimediatamente para uma escola ondetrabalhei como professor e gosteiimenso. Para mim, foi o maior contrastepossível com o ambiente que tinha nauniversidade e na vida da classe alta danossa sociedade. Depois de aí tertrabalhado sete anos, a SIDA (SwedishInternational Development CooperationAgency com um site em portuguêsh t t p : / / w w w . s i d a .se/Sida/jsp/polopoly.jsp?d=178) chamou--me e perguntaram-me se gostaria detrabalhar na Tanzânia em educação deadultos, porque desde muito cedo eutinha mostrado interesse por países sub-desenvolvidos.

Assim, parti para a Tanzânia, ondetrabalhei três anos, regressei depois àFolk School sueca por mais dois anos, efinalmente fui convidado para leccionarna única universidade do meu país quetem um curso para formar professores deFolk Schools. Claro que não é obrigatórioter esse curso, mas ajuda. Comeceientão a trabalhar para formar futurosprofessores, mas continuei a trabalharnoutros países, em quase todas asantigas colónias portuguesas e tambémde novo na Tanzânia, e ainda um poucona Estónia, no Brasil, por períodos curtosmas que me deram mais experiência econhecimento. Por isso, não trabalheitanto na Suécia como nesses diferentespaíses, mas ao mesmo tempo organizeiintercâmbios, arranjei cursos na Suéciapara algumas pessoas desses países, ...

Os professores das Folk Schools têm

necessidade de alguma formação de

base?

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12 APRENDER

Não, nada é necessário com as FolkSchools. A coisa mais interessante paraum leitor estrangeiro será saber quehouve, no início, um departamento doministério da educação sueco com res-ponsabilidades em relação às FolkSchools. Essa estrutura tinha inspecto-res, por exemplo, mas iam lá para inspec-cionar o quê? Porque tudo era voluntário,mesmo os currículos eram criados pelaescola, só o sueco e a música eram obri-gatórios. Por isso, há uns 15 anos atrás,o ministério decidiu que não era neces-sário manter esse serviço – “Vocês po-dem continuar por vós próprios, nós con-tinuamos a subsidiar, e vocês guardam avossa autonomia” – mostrando assimtoda a sua confiança neste sistema.

Mas cá é mais complicado, porque

haverá sempre quem queira desviar

dinheiro. Na Suécia, houve casos de

insucesso nas Folk Schools? Desvios

de dinheiro?

Quase nada.

Se não há inspecção, como acontece

isso?

Faz-se uma auto inspecção. Em vezde manter essa entidade no ministério, aadministração disse-nos: “formem vocêsuma entidade para controlar, para a autoregulação”. Esta entidade trabalha, nãosó com as Folk Schools, mas tambémcom as associações populares, é umaforma de auto controlo, funcionandocomo uma Comissão ou um Conselho.Isto é interessante porque é diferente,normalmente noutros países não existemuito essa confiança.

Mas, hoje em dia, há um grandeproblema, é que essa solidariedade estáa desagregar-se, como também a ideolo-gia básica nestas escolas. A democraciafoi a coisa mais importante destes últi-mos séculos, mas agora não parece sertão importante. Tenho contactado, emmuitas escolas, com reitores e fiqueimuito chocado. Perguntei-lhes “o que éque vocês, neste tempo, fazem pelademocracia, o que é importante para vo-cês ensinar, por exemplo, para que osalunos possam interiorizar a democra-cia?”. Há reitores que dizem, “Ah, sim,mas os alunos não têm interesse”. “Oque dizes, não têm interesse? Mas, natua escola, qual é a filosofia de base?Não sabes então o que é uma verdadeira

Folk School?” Sinto que vai ser umfracasso se esta atitude não mudar!

E o que é que faz neste momento?

Estou aposentado há oito anos, mascontinuo a trabalhar. Começámos umprojecto na Etiópia, na parte somali. Umsomali começou a falar connosco, porcausa do nosso curso de educação deadultos, e pediu-nos para tentar instalar,pelo menos, uma escola de educação deadultos, na Etiópia.

Quando falamos de escola, é uma FolkSchool?

Não, não é. Não lhe chamamos assim,agora dizemos que tentamos criar umCentro de Desenvolvimento de Adultosdas classes mais baixas.

Mas assente nos princípios das FolkSchools?

Não utilizamos esse termo. A razãopor detrás do contacto que ele fezconnosco foi o facto de, na Suécia, tercomeçado a estudar numa destas esco-las. Mas eu disse-lhe: “não vamos falarsobre as coisas, atitudes, ideias que vocêaprendeu aqui, isso pode ter interesse,mas vamos é trabalhar na tua cultura”. Éa sua cultura e a nossa cultura quevamos trabalhar conjuntamente.

É fantástico, porque com este pro-

jecto há também coisas muito interes-santes que me estão a acontecer, porqueagora nós estamos a formar somalis paraserem eles a voltar para o país e tra-balhar com os grupos de adultos. Elesconhecem a nossa cultura e a nossalíngua e apreciam algumas coisas danossa cultura, mas conhecem tambémmuito bem a língua e cultura somali, oque faz uma diferença enorme. Porque éque nós, no passado, enviámos tantossuecos para estes países?

E uma segunda coisa: eu, que fiz tan-tos projectos para a SIDA, disse sempre,“não podemos começar aqui um novoprojecto sem saber exactamente o queestamos a fazer. Temos que ir lá, vocêstêm dinheiro para se poder estudarpreviamente a situação e trabalhar comas pessoas locais antes de começarmosum projecto”. E a SIDA sempre disse,“isso não, mas tu tens que produzir resul-tados”. E agora, finalmente, fizemos aocontrário: começámos por estudar asituação em conjunto, em pequenos gru-pos de somalis e suecos, tentando en-contrar desde já interlocutores úteis quepossam dar uma boa colaboração e, porisso, esta iniciativa começou muitomelhor que os outros projectos em queparticipei.

1 Estas associações eram fundadas por grupos de

HÁ UNS 15 ANOS ATRÁS, OMINISTÉRIO DECIDIU QUE NÃOERA NECESSÁRIO MANTERESSE SERVIÇO – “VOCÊSPODEM CONTINUAR POR VÓSPRÓPRIOS, NÓSCONTINUAMOS A SUBSIDIAR, EVOCÊS GUARDAM A VOSSAAUTONOMIA” – MOSTRANDOASSIM TODA A SUACONFIANÇA NESTE SISTEMA.

ENTREVISTA

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SITE DA ASSOCIAÇÃO

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14 APRENDER

Texto de Peter Mayo (Professor Associado do Departamento de Estudos de Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Malta)Ilustração de Luis Miguel Castro

A EDUCAÇÃO DE ADULTOS NA BACIA MEDITERRÂNICAAPESAR DE CONTER REALIDADES MUITO DIFERENCIADAS, NA BACIA MEDITERRÂNICA PRODUZIRAM-SE IMPORTANTES TRABALHOS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS.

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OMediterrâneo é, sob muitos aspectos,um conceito “construído”. Há quem odefina de uma forma que reflecte umaconcepção colonial e eurocêntrica domundo. Outros construem esta regiãode uma maneira diferente, atribuindo-lhe características do que se pode cha-

mar, de um modo geral, o “Sul”, termo que denota marginali-dade, tendo este “Sul” sido historicamente tanto um parceirocomo uma vítima da colonização ocidental.

Existe uma literatura emergente e visível, incluindo obrasem inglês, sobre educação de adultos nos vários países destaregião. De uma maneira geral, os trabalhos centram-se naEuropa Meridional e nos países de orientação ocidental,nomeadamente, Itália, Espanha, Portugal (rigorosamente, esteúltimo não faz parte do Mediterrâneo, pois se localiza na costaatlântica, mas a sua cultura é tradicionalmente reconhecidacomo meridional e mediterrânica), Israel, os países que consti-tuíam a antiga Jugoslávia e, em menor escala, Chipre e Malta.São muito raros os trabalhos publicados sobre educação deadultos em países árabes.

Existem algumas grandes figuras, associadas à Região, eque se evidenciam na literatura existente em matéria de educa-ção de adultos. Quero mencionar aqui António Gramsci (1891-1937), um dos maiores pensadores/activistas políticos esociais do século XX, que foi um educador de adultos e cujosconceitos influenciaram a literatura em educação de adultos,embora se dê pouca atenção aos seus escritos sobre a“questão do Sul” e que têm muita pertinência quanto à educa-ção de adultos no Mediterrâneo. Ettore Gelpi (1933-2002) éoutro autor e orador proeminente em educação de adultos,tendo dirigido a Unidade de Educação Permanente da UNESCO,em Paris. Lorenzo Luzuriaga (1889-1959), considerado ogrande pensador espanhol em educação de adultos, escreveumuito sobre pedagogia e formas de vencer o analfabetismo.

Podemos também mencionar Luiza Cortesão, uma contem-porânea educadora crítica portuguesa, inspirada por PauloFreire, e um símbolo da resistência contra o regime fascista.Martin Buber (1878-1965), escritor, filósofo e organizador deeducação de adultos na Palestina, teve e continua a ter muitainfluência na educação de adultos, especialmente através dosseus trabalhos sobre “diálogo”, muito em especial, o “I andThou”. E não são só indivíduos, mas também grupos emovimentos que devem ser referidos relativamente à educaçãode adultos. Por exemplo, a Mediterranean Review / Mediterraneoun Mare di Donne, um periódico bilingue em italiano e inglês,dá visibilidade a grupos e organizações de mulheres na Região,que desafiam a “patriarquia” a diferentes níveis e em diferentesáreas. Como sucede com a maioria dos movimentos sociais,também este trabalho organizativo contém uma dimensão deaprendizagem de adultos.

Há projectos chave que se destacam na literatura interna-cional sobre educação de adultos, onde se incluem, por exem-plo: os Conselhos de Fábrica em Torino, com o seu enfoque nademocracia industrial; a experiência das 150 horas na educa-ção operária, também em Itália; o conceito de ‘universidadepopular’ que ganhou diferentes sentidos na Itália e emEspanha, tendo surgido neste último país como uma forma de

extensão universitária que evoluiu para uma modalidade decentro cultural financiado pelo poder autárquico (Flecha,1992); educação operária no contexto de auto-gestão, naantiga Jugoslávia; educação popular em Espanha e Portugal,no contexto de conquista da democracia após um períodofascista (o que se aplica igualmente à educação de adultos naGrécia); o projecto Tehila, em Israel, que ganhou um prémio daUNESCO, vocacionado para a luta contra o analfabetismo,especialmente entre mulheres.

A referência à antiga Jugoslávia é particularmente significa-tiva. Este país possuía um sector de educação de adultos muitodinâmico (Soljan et al, 1985) e algumas das suas universi-dades, nomeadamente as que se localizavam no que é agora aSérvia, Croácia (por exemplo, o Andragoski Centar, em Zagreb)e Eslovénia, ofereciam importantes programas neste domínio.Universitários, como Dusan Savicevic e Ana Krajnc são bastan-te conhecidos na literatura especializada. Na Sérvia, hoje emdia, a educação está equiparada, sobretudo, a escolarização.Há agora uma carência de estruturas organizativas. Enquantona antiga Jugoslávia existia uma rede de universidades operá-rias, hoje a tónica nestes países, como por exemplo, na ex-República da Macedónia, é posta na formação profissional,inicial ou contínua. É uma tendência aliás comum em muitosdos países que vivem a transição de uma economia planeadapara uma economia de mercado, tal como, entre outros, aAlbânia.

Enfase à alfabetização na margem sul

Na margem sul do Mediterrâneo, especialmente nos paísesárabes, a ênfase é colocada, acima de tudo, na alfabetizaçãodos 70 milhões de iletrados, conforme uma estimativa recentepara o mundo árabe (UNESCO, 2003). Um exemplo proeminen-te a este respeito é o esforço do Egipto, com inúmeros projectosdesenvolvidos desde o início dos anos 90 (Abel Gawad, 2004),havendo uma especial preocupação com o analfabetismo dasmulheres. O programa de literacia foi acelerado em 2003,depois de um decreto do Presidente Mubarak visando eliminaro analfabetismo até 2007 (El-Bakary, 2004). Verifica-se na Síriaum esforço semelhante, através de um programa em trêsetapas que se destina, entre outros grupos alvo, a mulheresjovens e adultas, especialmente as que vivem em zonas ruraise na região semi-desértica (Saida, 2004). O governo sírio anun-ciou grandes êxitos na redução do analfabetismo através desteprograma, mas existem relatórios que sublinham a manuten-ção do problema do analfabetismo, devido à falta de umambiente socio-cultural propício à literacia da população adulta(UNESCO, 2003, pp.32-33). Os esforços de alfabetização abran-geram frequentemente planos para alcançar as comunidadesbeduínas através, como é o caso da Líbia, de uma utilizaçãoefectiva da rádio e da televisão (ibid, p.25). Outros projectospara a disseminação da literacia são muitas vezes obstaculiza-dos por contextos políticos desfavoráveis, como na Palestina,devido à ocupação israelita que provoca situações de medo desair à rua, de recolher obrigatório ou o encerramento de esco-las e de estradas (ibid, p.25). Seria interessante analisar asestratégias educativas clandestinas adoptadas pelas popula-ções afectadas por tais contextos.

Muitos dos conflitos que caracterizam esta Região têm uma

AO LONGO DA VIDA 15

OPINIÃO

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16 APRENDER

base religiosa/étnica. É uma Região que viu nascertrês grandes religiões monoteístas. Com frequência,a Educação de Adultos revela vínculos fortes com osvários sistemas de crença da Região. Usam-seexcertos do Alcorão em programas de alfabetização,como no “Leia em nome de Deus”, no Egipto (Abel

Gawad, 2004). No período otomano, as mesquitas e as escolasteológicas muçulmanas (medreses) organizavam, na Turquia,muitas actividades de educação de adultos (Okcabol, 1992, pp.260-261). Em Chipre, a igreja cristã ortodoxa tem uma longatradição em educação de adultos (Symeonides, 1992, p. 210)enquanto, em Malta e na Itália, agências como a Cáritas(também muito activa nas campanhas egípcias dealfabetização), que integra a rede alargada da igreja católica,são actores importantes da educação de adultos.

Uma das questões chave que a educação de adultos tem queenfrentar no Mediterrâneo é a da migração. Isto aplica-se a paí-ses árabes, como o Egipto, onde aulas de inglês ajudam a repa-triação de refugiados sudaneses (El Bakary, 2004), a Israel, queé um Estado multi-étnico, desde as suas origens, e aos países da

Europa Meridional que, tendo sido anteriormente exportadoresde força de trabalho, se tornaram agora destinatários de fluxosmigratórios oriundos da margem sul do Mediterrâneo. Relativa-mente à Europa Meridional, espera-se que culturas que tinhamsido tradicionalmente consideradas como antagónicas coexis-tam agora no mesmo espaço geográfico. Esta situação podefacilmente criar tensões, que resultam do “medo do outro”, pro-vocado muitas vezes por processos seculares, assentes numsentimento de “superioridade” e em que o Oriente era conside-rado algo de “exótico” e até “demonizado”. É óbvio que tudo istotem um forte impacto nos esforços feitos na área da educação deadultos para imigrantes, centrando-se o principal desafio naconcepção e organização de programas que considerem oimigrante como “sujeito”.

Agências estrangeiras desempenham um papel crucial naeducação de adultos no Mediterrâneo. Juntamente com o apoiorecebido de agências árabes e islâmicas (respectivamente,ALESCO e ISESCO), as iniciativas egípcias para alfabetização,por exemplo, receberam fundos de USAID, CIDA e Fundo SocialEuropeu, entre outros. A Associação Alemã de Educação deAdultos também contribuiu fortemente para o financiamento ea organização das Conferências sobre educação de adultos noMediterrâneo (Chipre 2002, Malta 2003, Chipre 2004); aConferência em Malta foi a segunda jamais realizada neste país(ver Wain, 1985 sobre a 1ª). A Conferência de 2003 em Maltaculminou com uma declaração em que, entre outros pontos, serecomendava a criação de uma Associação Mediterrânica deEducação de Adultos.

Abel Gawad, O (2004), ‘Literacy and Adult Education in Egypt’ In Caruana, Dand Mayo, P. (Eds.), Lifelong Learning in the Mediterranean, Bonn: IIZ-DVV.

El-Bakary, W. (2004), ‘Adult Education in Egypt’, unpublished article,American University in Cairo.

Flecha, R. (1992), ‘Spain.’ In Jarvis, P. (ed.), Perspectives on AdultEducation and Training in Europe, Leicester: NIACE.

Mayo, P. (2002), ‘General Rapporteur’s Report.’ In Mayo, P., Symeonides, Kand Samlowski, M.(eds.) (2002), Perspectives on Adult Education in theMediterranean and Beyond, Bonn: IIZ-DVV.

Okcabol, R. (1992), ‘Turkey.’ In Jarvis, P. (ed.), Perspectives on AdultEducation and Training in Europe, Leicester: NIACE.

Saida, M. (2004), ‘Adult Education in Syria’ in Mayo, P and Caruana, D.(Eds.), Lifelong Learning in the Mediterranean, Bonn: IIZ-DVV..

Soljan, N., Golubovic, M and Krajnc, A. (1985), Adult Education andYugoslav Society, Zagreb: Andragoski Centar.

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Wain, K. (ed.) (1985), Lifelong Education and Participation. Paperspresented at the Conference on Lifelong Education Initiatives in MediterraneanCountries, November 5-7, 1994, Malta: University of Malta Press.

MUITOS DOS CONFLITOS QUE CARACTERIZAM ESTA REGIÃOTÊM UMA BASE RELIGIOSA/ÉTNICA. É UMA REGIÃO QUE VIUNASCER TRÊS GRANDES RELIGIÕES MONOTEÍSTAS. COMFREQUÊNCIA, A EDUCAÇÃO DE ADULTOS REVELA VÍNCULOSFORTES COM OS VÁRIOS SISTEMAS DE CRENÇA DA REGIÃO.

OPINIÃO

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SDesenganem-se os que seapressaram a anunciar o fim domodelo tradicional de bibliotecas.No trabalho que realizámos paraelaborar o dossier queapresentamos em seguida,encontrámos, por todo o país, ummovimento que repensa autilização destes espaços, tendoem conta os novos meios(Internet), os novos públicos(jovens) e as novas estratégias(espaços de exposição).Mas as próprias bibliotecastambém podem ser reinventadas,e a experiência da MargaridaGuia é um bom exemplo. O textode José António Calixto dá umcontributo fundamental paraenquadrar as experiências aquirelatadas. Na habitual páginadedicada à Net (56) encontrainformação sobre uma daspossíveis bibliotecas do futuro.

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Na Biblioteca Municipal de Oeiras, amaior das três geridas pelo concelho,entram em média 700 pessoas por dia.O seu objectivo pode ser consultar umdos 60 mil documentos colocados à dis-posição, navegar na Internet, ler jornaisou participar de alguma das suas acti-

vidades. Diversificar os serviços oferecidos pelas bibliotecas doconcelho – em Oeiras, Carnaxide e Algés – foi uma das fórmulas

encontradas para atrair um público cada vez mais heterogéneo,não só nas idades, como nas preferências culturais. “As biblio-tecas públicas são assumidas enquanto espaços democráticospor excelência. Devem ter uma atitude pró-activa, isto é, sairdas suas portas para fora e procurar servir a população na suadiversidade”, explica Filipe Leal.

Isso significa que, se há pessoas que procuram itens para oseu programa de Mestrado ou Doutoramento, a biblioteca deveter serviços e colecções para elas, e ao mesmo tempo propor-

BIBLIOTEC AS

Uma Bibliotecapara todos

AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS TÊM HOJE UM PAPEL SEMELHANTE AO DESEMPENHADO NO SÉCULO XIX,QUANDO DA SUA POPULARIZAÇÃO NA INGLATERRA E NOS ESTADOS UNIDOS: SÃO AS UNIVERSIDADES DOPOVO. “ESTAMOS A VOLTAR ÀS MISSÕES FUNDADORAS”, RESUME FILIPE LEAL, CHEFE DE DIVISÃO DASBIBLIOTECAS, DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS.

Texto de Cristina Portella # Fotografias de Paulo Figueiredo

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EM OEIRAS

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cionar alternativas para os que vêm simplesmente acompanharos filhos ou netos em busca de livros infantis. “Enquanto insti-tuição culturalmente viva, temos a presença das tecnologias deponta e de coisas tão ancestrais como a tradição oral.”

Este é o espírito presente no programa Oeiras a Ler, iniciadoem 2003 e assumido por Leal como uma filosofia de interven-ção, materializada em projectos de trabalho visando osdiferentes públicos. Um deles foi o Dez Livros que Mudaram oMundo, desenvolvido em 2004, cujo objectivo era afirmar deuma forma muito taxativa que o livro ainda hoje, na sociedadeda informação, tem um papel a desempenhar. “Fomos buscarexemplos de um conjunto de livros que num percurso históricomarcaram o pensamento, as religiões e a forma de a sociedadese organizar”, conta Leal. Os livros que se tornaram objecto deconferências ou dossiers foram, entre outros, “O Príncipe”, deMaquiavel, “Odisseia”, de Homero, “A República”, de Platão, eo “Manifesto do Partido Comunista”, de Karl Marx.

Financiado maioritariamente pela Fundação Calouste Gul-benkian, este projecto, transformado em livro ao final das activi-dades, destinava-se à elite de Oeiras. “A verdade é que a elitecorrespondeu. Nunca tivemos menos de 120 pessoas a assistiràs conferências”, lembra Leal. Os picos de audiência, com maisde 300 assistentes, registaram-se quando os temas foram aBíblia e o Alcorão. Entre os conferencistas estiveram o psicana-lista Carlos Amaral Dias, o político e historiador José PachecoPereira e o imã da mesquita de Lisboa, David Munir. Leal expli-ca que este foi um desafio muito importante para a biblioteca,

por afirmá-la como um espaço de cultura, abrindo-lhe as portaspara outros projectos, muito menos mediáticos, mas tão oumais importantes, destinados aos públicos infantil e juvenil.

Café literário

Se a elite de Oeiras, uma população com hábitos culturaisenraizados e na faixa etária dos 40 aos 60 anos, aderiu aosDez Livros que Mudaram o Mundo, ficaram de fora do projectoos jovens e um outro sector do público adulto. “Para contraba-lançar este lado tão formal no trabalho com os adultos – porqueum ciclo de conferências é nitidamente um modelo bastanteformal e elitista – criámos o Café Literário”, explica Leal. Apesarde também dirigido a adultos, este novo projecto teve umregisto completamente oposto, informal, em que as pessoasestão à roda de mesas, abastecidas de bolinhos, café e chá.“Não trazemos professores-doutores, por cima da sua cátedra,a pronunciarem-se sobre temas tão importantes e solenescomo a ‘Origem das Espécies’, de Charles Darwin, mas jovensautores, alguns deles um pouco mais consagrados, mas quenão são conhecidos da generalidade das pessoas, que fazemparte da vanguarda literária de Portugal, a quem se dá a possi-bilidade de falar sobre a sua obra e a sua vida.”

A dificuldade no trabalho com os adultos residiria no factode este público ser extremamente diversificado, o que tornaobrigatório projectos diferenciados. “Temos desde a pessoaque tem um nível de habilitações muito baixo, a que normal-mente corresponde um nível de literacia igualmente baixo, para

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BIBLIOTEC AS

as quais a cultura continua a ser uma coisa um bocadinhoestranha, até pessoas que têm níveis de habilitações literáriasmuito altos”, avalia Leal. O Conselho de Oeiras, segundo odirector, é o mais qualificado do país em termos de habilitaçõesliterárias da sua população, isto é, com o maior número delicenciados por habitante.

Os sectores mais distantes das actividades culturais organi-zadas pelas bibliotecas de Oeiras são os jovens e os adultos nafaixa dos 30 anos. Não que estejam ausentes da biblioteca, pelocontrário, pois os jovens representam cerca de 50% dos inscri-tos, mas fazem dela uma utilização meramente instrumental.“Utilizam-na como espaço de estudo, são o principal público resi-dente, mas depois, por muito que tentemos desenhar activida-des culturais para eles, não se revêem nelas, não estão interes-sados ou estão com o seu tempo totalmente vocacionados parao estudo, e não aderem”, comenta Leal. O sucesso absoluto éobtido nos projectos desenhados para as crianças, inclusiveaqueles que as colocam lado a lado com os pais ou avós.

Pijama às letras

Este foi o caso do Pijama às Letras, uma actividade quereúne famílias para dormir dentro da biblioteca na passagemde 1 para 2 de Abril, Dia Internacional do Livro Infantil. ParaLeal, esta é uma acção fortemente simbólica: “Pode perguntar--se: o que tem isso a ver com a promoção da leitura? Isso formaleitores? No imediato não forma, mas obedece a um objectivoque é desmistificar a ideia de que a biblioteca é um sítio aborre-cido, onde se deve estar em silêncio, onde só vai quem tem umcoeficiente de inteligência acima de 150”. Seria a tentativa,bem-sucedida, de apresentar a biblioteca não só pelo seu ladointelectual, ligado ao conhecimento, ao livro e às tecnologiasque permitem pesquisar informação, mas também pelo lado docoração, dos afectos, das histórias mágicas, de rir e chorar,contadas na hora de dormir.

A adesão à actividade por parte das famílias foi muito gran-de, e neste ano, o segundo do projecto, dormiram 50 pessoasna Biblioteca de Oeiras. Leal conta que esse tipo de abordagemproporciona uma diversidade de público muito grande. Partici-pam pessoas que têm o grau de mestre ou doutor, outras têma 4ª classe; há desde crianças de colo a idosos. “O nossogrande objectivo é, em primeiro lugar, que os pais e avós tra-gam regularmente os seus filhos e netos, que os habituem a virà biblioteca como um espaço quotidiano, como vão ao super-mercado, ao cinema, ao jardim ou à praia.” Um segundo objec-tivo é que esses pais e avós se tornem promotores activos dasleituras. Depois de virem à biblioteca buscar livros achem queé perfeitamente normal voltar para a casa e contar uma históriaàs crianças.

Histórias de Ida e Volta

É em torno do contar histórias que se desenvolve uma dasvertentes mais aliciantes do Oeiras a Ler. “Começámos porrealizar Noites de Contos, em que chamávamos contadoresprofissionais a virem contar a um público amador; mas agoraestamos num registo diferente, porque muitas das pessoas quevieram nessas secções ouvir histórias passaram para o lado delá: estão a ganhar o bichinho das histórias e estão a querer elaspróprias ser contadoras de histórias”, recorda Leal.

No dia 2 de Abril deste ano, na Biblioteca de Carnaxide,realizou-se o Abraços com Contos, quando os novos contadoresse estrearam. Em Junho, 25 pessoas foram de autocarro aGuadalajara, na Espanha, para participar do Maratón de losCuentos. São três dias, duas noites, 47 horas e meia, semparar, uma cidade inteira a contar histórias.

“Nas Noites de Contos conseguimos trazer o cidadão co-mum. Trazemos os avós, muitas vezes analfabetos ou combaixos níveis de literacia, mas que são transmissores da tradi-ção oral. Oeiras é constituída em grande medida por populaçõesque vieram de outros sítios, e são pessoas que trazem raízesrurais”, avalia Leal.

A actividade integra o Histórias de Ida e Volta, um projectofinanciado a 50% pela Comissão Europeia, cujo objectivo é dar aconhecer o património oral, narrativo, das comunidades migran-tes presentes no concelho de Oeiras. São migrantes de outrospontos de Portugal, mas também da Europa e do mundo, queutilizam os contos como uma forma de diálogo e de afirmação dasua própria cultura. Neste grupo de contadores há ingleses,brasileiros, cabo-verdianos, ucranianos e italianos. As históriaspor eles contadas não farão parte apenas das recordações dosseus ouvintes. “Outra das vertentes do nosso projecto é recolherhistórias na fonte, aquilo que chamamos a tradição oral genuína;nomeadamente junto à comunidade cabo-verdiana, que temalgumas coisas mágicas, contadas em crioulo, com acompanha-mento musical em alguns dos casos”, conta Leal.

A maior parte dos informantes das recolhas de contos sãopessoas analfabetas, de origem cabo-verdiana, de 50 a 60anos, que não deixarão herdeiros para continuar a tradição. “Asnovas gerações estão aculturadas. Os miúdos cabo-verdianosou descendentes de cabo-verdianos do concelho de Oeirasestão mais próximos da MTV do que da tradição oral de CaboVerde”, avalia. “Há aqui um papel importante que a bibliotecadesempenha na fixação e divulgação desta memória de partede sua população. Há este aspecto de multiculturalidade parao qual a biblioteca deve estar atenta e que acaba por ser muitoimportante.”

A recolha de contos já foi feita e será divulgada em formade dossier, de maneira a estar sempre aberta a novas incorpo-rações. A meta é disponibilizar todo o material recolhido naInternet, inclusive os registos em áudio, e editar um CD, porque“há histórias que perdem na sua versão escrita, por não reteras nuances de voz do contador”. “Costuma dizer-se que quandomorre um velho, arde uma biblioteca. Neste caso é umabiblioteca de contos que se perde se não forem fixados.”

O sentido do livro

Em muitas ocasiões, Filipe Leal teve que responder àpergunta: o que pretendem com a animação? Alargar o númerode utentes da biblioteca ou alargar o conceito de que o livro nãoé só ler, mas também debater sobre ele? “Diria que são as duascoisas”, responde ele. No caso dos Dez Livros que Mudaram oMundo, o objectivo foi afirmar que o livro ainda faz sentido nasociedade actual. “Pensa-se muito nas bibliotecas digitais, emque os livros e edifícios desaparecem, não são necessáriaspessoas, vai-se à Internet e está tudo lá. Não é bem assim.Porque a Internet chegou, os audiovisuais chegaram, mas opapel das bibliotecas públicas tem-se reforçado.”

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Para ele, o Oeiras a Ler é a afirmação desse lado presencialforte na comunidade, é dizer “que a biblioteca está aqui, estáviva, está culturalmente activa”. Para reforçar e diversificar oshábitos de leitura em quem já os tem ou formar novos leitoresentre os mais jovens. “Porque, entre a geração que chegou aos40 anos sem hábito de leitura, em cada mil haverá uma pessoaque poderá criá-lo. Quem não tem não o vai adquirir na idadeadulta”, acredita Leal. “Há também o caso dos jovens e adultosna faixa dos 30, que têm as competências de leitura, porqueestão cá na biblioteca a estudar, a ler, a utilizar os nossos livros,de uma forma instrumental, mas não passam para uma outravertente, que é o prazer de ler associado a uma esfera lúdica,de fruição estética. Eles lêem manuais, lêem livros científicos,mas não lêem literatura. Não quer dizer que isso seja certo ouerrado, mas o nosso papel é tentar ampliar os horizontes eapresentar-lhes outras propostas.”

Os planos envolvem uma grande renovação no sectormultimédia, passando de oito para 20 computadores. Mas nãosó. “Não queremos apenas oferecer mais computadores ligadosà Internet, mas ensinar as pessoas a buscar a informação”, dizLeal. “Quando um livro chega às mãos do leitor já passou portrês crivos de selecção: do editor, dos especialistas na matériae o das bibliotecas. Com a Internet não é assim. Tentar investirna literacia da informação significa que temos que darferramentas e metodologias para que as pessoas possamconstruir o seu saber. E isso tem muito a ver com aaprendizagem ao longo da vida. Terem a capacidade para saberonde podem buscar a informação, que instrumentos devemutilizar e que critérios adoptar para seleccionar a informaçãoencontrada.”

Para isso, a biblioteca está a desenvolver tutoriais, como odirigido aos miúdos do 7º ano, num projecto chamado Enigma,que procura dar-lhes competências sobre as fontes deinformação disponíveis, sejam elas a Internet, o dicionário ou abiblioteca. “Há uma percepção de que na Internet está tudo. Enão está”, diz Leal. Além dos tutoriais, serão realizadas acçõesde formação de curta duração, em que se explicará, porexemplo, como utilizar o Google, como encontrar imagens naInternet ou que critérios adoptar para saber se uma informaçãoseleccionada na Internet é credível ou não. O objectivo é chegara certificar competências em Tecnologias de Informação eComunicação (TIC). A Biblioteca de Oeiras tem projectos emECDL (European Computer Driving Licence), um certificado decompetências em TIC reconhecido por mais de 160 países,empresas e organismos governamentais, que estabelece umpadrão de desempenho nas aplicações informáticas. “Temosque fazer uma educação para as novas tecnologias, e asbibliotecas públicas têm um papel a desempenhar aquitambém”, acredita Filipe Leal.

Público lê mais de 20 livros por ano

Entre os utilizadores das bibliotecas municipais mais de 2/3 sãoestudantes, lêem em média 20 livros por ano e pertencem aosestratos mais escolarizados da população. Estas são algumas dasconclusões obtidas pelo inquérito “Leitores de Bibliotecas Públicas”,de autoria de Inês Brasão, Nuno Domingos e Tiago Santos, publicadoem 2004 pela Edições Colibri. O inquérito, aplicado em 2001, incidiusobre os utentes das bibliotecas municipais da região de Lisboa e Valedo Tejo.

Entre os frequentadores com mais de 15 anos, 52% são mulherese 48% são homens, uma distribuição por género idêntica à existentenos concelhos onde viviam os participantes do inquérito. A média deidade dos utilizadores do sexo masculino é de 30 anos, enquanto asmulheres são mais jovens, têm em média 25 anos. “A juventude dasmulheres face aos homens encontrada nas bibliotecas é um traço noqual a população dos utilizadores difere da população dos potenciaisutilizadores: as bibliotecas parecem ter mais facilidade em captarraparigas do que rapazes, mas mais dificuldade em captar mulheresmaduras do que homens maduros”, analisa o estudo.

Os géneros de livros mais procurados explicam-se pela maioritáriapresença de estudantes: técnicos, profissionais e escolares. Mas asaventuras e romances também são o alvo da preferência de 35% dosvisitantes das bibliotecas. Se a primeira visita foi motivada pelo desejode aprofundar conhecimentos (52%), outros reconheceram que lápuseram os pés em função da curiosidade (24%) ou pela procura delazer (14%). A navegação na Internet e os audiovisuais tornaram-serazões importantes para frequentar as bibliotecas municipais. “(...) oconjunto de serviços usados frequentemente são justamente aquelesque ultrapassam o conceito tradicional de biblioteca associado aoobjecto impresso: os vídeos e CDs, os serviços de apoio aos suportesinformáticos, bem como o espaço de cafetaria”, avalia o inquérito.

A biblioteca também não escapa – e esta é outra das conclusõesdo inquérito – ao poder persuasor da televisão, a moldar gostos eestilos. Facto que se verifica, inclusive, nas escolha dos produtosculturais. “A biblioteca ocupa, no entanto, para o conjunto dosinquiridos, um lugar não menosprezável. É uma actividade de carácterregular, inscrita no calendário semanal.” Que acaba por, igualmente,moldar a forma como os seus frequentadores absorvem asinformações veiculados pela media.

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“TEMOS QUE FAZER UMA EDUCAÇÃO PARA AS NOVASTECNOLOGIAS, E AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS TÊM UM PAPEL ADESEMPENHAR AQUI TAMBÉM”, ACREDITA FILIPE LEAL.

Filipe Leal, chefe de divisão das bibliotecas da CM de Oeiras

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A TRANSFORMAÇÃO DAS BIBLIOTECAS PÚBLICAS EM PORTUGAL, NAS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS,COLOCOU-AS NUMA POSIÇÃO PRIVILEGIADA PARA ASSUMIR UM PAPEL DE LINHA DE FRENTE DO MOVIMENTO DE APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA.

UniversidadesAbertas

BIBLIOTECAS E APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA

A s bibliotecas públicas têm sido vistas desde assuas origens como instrumentos essenciais àeducação individual, das comunidades locais edos povos. Isto mesmo terá sido antevisto porFrei Manuel do Cenáculo, um filósofo e peda-

gogo iluminista, presente na fundação de várias bibliotecas emPortugal, ao afirmar que “para se conseguir a sabedoria nada háde tão útil e de maior necessidade que uma Biblioteca Pública”.A legislação sobre bibliotecas populares publicada em 1870 porD. António da Costa justifica igualmente as vantagens da criaçãode bibliotecas pelo seu papel na educação dos cidadãos. Estalegislação sublinhava que “a biblioteca popular completa destemodo a escola popular porque a boa leitura moraliza, eleva aalma e aperfeiçoa o trabalho de todos em geral, e de cadaindústria ou ofício em particular.”No princípio do século XX, uminteressante debate sobre os fins educacionais das bibliotecasatravessa a literatura profissional no Reino Unido. A bibliotecapública era já então considerada a “universidade da vida adulta,a universidade em que nunca se é demasiado velho para entrare da qual nunca chega o momento de sair, que não prescreveuma ordem rigorosa nem horas de estudo, não favorece unsassuntos em relação a outros, não impõe testes aos seus estu-dantes, e não manifesta nenhuma preferência desencorajantepelos brilhantes em relação aos menos capazes.” (CAWTHORNE,1903) Mais recentemente o primeiro-ministro britânico, TonyBlair, referiu-se à biblioteca pública como a “street corneruniversity”, a “universidade ao virar da esquina”, numa fraseque ficou célebre e tem servido de mote para o reforço do papeldas bibliotecas públicas no apoio à educação.

As bibliotecas públicas em Portugal

Ao longo dos últimos dois séculos foram feitas várias tenta-tivas para o estabelecimento generalizado de bibliotecaspúblicas em Portugal. Pontos altos neste percurso são asiniciativas levadas a cabo no virar do século XVIII para o séculoXIX, que nos deixaram as primeiras bibliotecas abertas aogrande público, isto é, não reservadas, como as anteriores, ao

clero ou a particulares. É desta época a fundação da RealBiblioteca Pública da Corte, hoje Biblioteca Nacional (1796), edas Bibliotecas Públicas de Évora (1805) e do Porto (1833). ARegeneração, na segunda metade do século XIX, deixou-nosigualmente as sementes de algumas bibliotecas municipais. APrimeira República publicou legislação tendente a desenvolveras bibliotecas, mas as dificuldades financeiras e a instabilidadepolítica e social não permitiram o seu efectivo desenvolvi-mento. Contudo, a situação por altura da Revolução de Abril de1974 estava longe de ser brilhante. Um Manifesto elaboradopor um grupo de bibliotecários em 1983 traçava um quadrosombrio das bibliotecas públicas portuguesas (A leitura públicaem Portugal, 1983). De acordo com este documento, elasocupavam “edifícios velhos, acanhados e desconfortáveis” egeralmente não permitiam o livre acesso às estantes. Aactualização das colecções baseava-se em verbas considera-das “irrisórias” e as actividades de animação eram “sempredemasiado elitistas ou eruditas, distantes dos reais interessesda população.” O documento concluía: “Em suma, não dispo-mos de um verdadeiro sistema de bibliotecas públicas, mas simde um conjunto de instituições mortas, sem qualquer tipo derelação entre si ou com o meio.”Foi a partir desta altura que oEstado português assumiu a responsabilidade de lançar e geriruma rede de bibliotecas públicas, realizando assim o estabele-cido no Manifesto da UNESCO e em outros documentosinternacionais.Pode apontar-se como data para o início desteprocesso o ano de 1986, quando foi publicado um importanterelatório que estabeleceu as linhas orientadoras para o desen-volvimento da Rede Nacional das Bibliotecas, um projectoextremamente ambicioso e ainda em curso, que visa a criaçãode bibliotecas em todos os concelhos do Continente nacional.Em 2005, são já 258 os concelhos do país que integram a redee, destes, 133 já inauguraram as suas bibliotecas, estando osrestantes em fases diferenciadas de construção e instalação.Estas bibliotecas são da iniciativa e propriedade dosmunicípios, mas são financiadas e apoiadas centralmente porum organismo do Poder Central, actualmente o Instituto Portu-

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BIBLIOTEC AS

Texto de José António Calixto (Director da Biblioteca Pública de Évora. Doutorado (PhD, Librarianship) pela Universidade de Sheffield com umatese sobre “Os papéis educacionais das bibliotecas públicas em Portugal”) # Fotografias Paulo Figueiredo e Miguel Baltazar

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guês do Livro e das Bibliotecas. Importa realçar que estas sãobibliotecas baseadas numa filosofia muito diferente daquelaque até 1986 predominava nas poucas bibliotecas existentes.Podem ser sumariamente caracterizadas da seguinte forma:

Espaços completamente novos ou renovados, geralmentede elevada qualidade arquitectónica; Mobiliário e equipamen-tos novos, atractivos e funcionais, ergonomicamente conce-bidos, e fornecidos por empresas especializadas;

Recursos de informação novos, diversificados e actualiza-dos, constituídos por materiais impressos e audiovisuais, englo-bando de forma crescente suportes digitais; Recursos humanoscom formação especializada recentemente adquirida.

Algumas características destas bibliotecas merecem desta-que pela diferença que marcam em relação à situação geraldas bibliotecas públicas que as antecederam:

Os serviços para crianças e jovens, anteriormente pratica-mente inexistentes, e que têm desenvolvido um intenso tra-balho de promoção do livro e da leitura, traduzindo-se na capta-ção de novos utilizadores e representando claramente uminvestimento para o futuro;

Os sectores audiovisuais, que alargaram o anterior conceitode biblioteca, diversificando os suportes de informação, e con-tribuindo igualmente para a atracção de públicos pouco sus-ceptíveis de serem atraídos exclusivamente pela leitura;

Actividades de animação regulares, muitas vezes emcolaboração com outras organizações da comunidade, tornan-do em muitos casos a biblioteca um importante, por vezes oúnico, centro cultural comunitário;

Uma filosofia de gestão preocupada com aspectos essen-ciais do “marketing”, procurando ir ao encontro das necessida-des dos utilizadores;

Adopção progressiva das Tecnologias de Informação e Co-municação, tanto para gestão documental como para o forneci-mento de informação, fazendo uso local de CD-ROM’s e dispo-nibilizando o acesso à Internet;

Disponibilização crescente de serviços de informação àcomunidade e às empresas, assumpção progressiva de papéiscomo os de apoio à aprendizagem ao longo da vida.

A aprendizagem ao longo da vida

A European Lifelong Learning Initiative definiu aprendiza-gem ao longo da vida do seguinte modo:

“A aprendizagem ao longo da vida é o desenvolvimento dopotencial humano através de um processo de apoio continuadoque incentiva e capacita os indivíduos para adquirirem todo oconhecimento, valores, competências e compreensão que lhesserão necessários durante o período das suas vidas e a aplicá-loscom confiança, criatividade e prazer em todos os papéis, circuns-tâncias e ambientes.” (LONGWORTH & DAVIS, 1996, pág. 22)

Muitas outras definições têm sido avançadas por investiga-dores e agências educacionais por todo o mundo. Igualmentemuitas outras expressões têm sido associadas mais ou menoscorrectamente à aprendizagem ao longo da vida, entre elas ade educação de adultos. Embora seja razoável pensar que osadultos serão talvez os principais beneficiários da aprendiza-gem ao longo da vida, os princípios desta são aplicáveis a todasas idades, “do berço até à cova, dos 0 aos 90 anos”(LONGWORTH & DAVIS, 1996, pág. 23)

Para discutir a aprendizagem ao longo da vida, será tam-bém conveniente distinguir entre aquilo que a literaturadesigna por “aprendizagem deliberada” ou “aprendizagemintencional” e “aprendizagem não intencional”. Num primeirocaso, falar-se-á das actividades desenvolvidas pelos indivíduospara seguirem um curso de estudos e eventualmente obteremum diploma. No segundo caso, trata-se da aprendizagem porvezes inconsciente, resultante de actividades fragmentadas dodia a dia, como ver televisão, ler um livro ou viajar. Esta dis-tinção é particularmente importante para analisarmos o papeldas bibliotecas na aprendizagem ao longo da vida.

A ideia de que os homens e as mulheres precisam depassar as suas vidas envolvidos em actividades conducentesao seu auto-aperfeiçoamento e à melhoria das competênciasindividuais não é de modo nenhum uma novidade. Kuan Tzu,um filósofo chinês do século III A. C. (Citado por LONGWORTH &DAVIS, 1996, pág. 3) escreveu:

“Quando planeares para um ano – semeia milho, quandoplaneares para uma década – planta árvores, quando pla-neares para a vida inteira – treina e educa os homens”

Não sendo, portanto, algo de completamente novo, a apren-dizagem ao longo da vida tornou-se uma questão cada vez maisproeminente em todo o mundo durante a última década doséculo XX, devido às profundas mudanças económicas, sociais,tecnológicas e educacionais que desde então têm ocorrido umpouco por todo o mundo.

A aprendizagem ao longo da vida está relacionada com asnecessidades do mercado de trabalho e da vida diária, poisentre outros aspectos, as condições da sociedade em mudançapodem levar as pessoas a ter de mudar de emprego. A necessi-dade da aprendizagem ao longo da vida é relevante tambémpara os que estudaram para além da escolaridade básica, e étambém considerada um direito de cidadania. A aprendizagemao longo da vida surge associada à mudança de estilos e pa-drões de vida e de emprego, à necessidade de mudar detrabalho e adquirir novas competências, e de melhorar acultura geral e as competências sociais.

As bibliotecas públicas e a aprendizagem ao longo da vida

A literatura sobre os papéis das bibliotecas públicas noapoio à aprendizagem ao longo da vida tem crescido muito nosúltimos anos, denotando um interesse crescente pelo assunto.As razões porque elas podem ser um recurso primordial paraaqueles que se envolvem na educação ao longo da vida foiapresentado da seguinte forma por uma autora americana:

“As componentes essenciais de uma agência eficaz para asociedade da aprendizagem estão todas presentes na bibliote-ca pública. Recursos de aprendizagem, tanto materiais comohumanos, estão já disponíveis em localizações convenientes eacessíveis a horas convenientes. A biblioteca é uma instituiçãoneutra, e tradicionalmente tem reconhecido a importância doserviço personalizado. Os seus serviços abrangem todos osgrupos etários e todos os níveis educacionais. Os bibliotecáriostêm formação e experiência para fazer a ligação entre osestudantes e os recursos, tanto dentro da biblioteca como nacomunidade. A biblioteca é um ponto focal lógico para asociedade da aprendizagem”. (VAN FLEET, 1990, pág. 199)

Tanto o Manifesto da UNESCO sobre bibliotecas públicas

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(UNESCO, 1995) como as directrizes da IFLA/UNESCO sãoigualmente muito claras ao sublinharem os papéis que asbibliotecas podem desempenhar neste campo. A secção debibliotecas públicas da IFLA publicou directrizes específicaspara o trabalho das bibliotecas públicas no apoio à aprendiza-gem ao longo da vida, indicando assim a relevância crescenteda questão entre os profissionais a nível internacional.

Necessidades, serviços e recursos

Um conjunto de necessidades das pessoas envolvidas emprocessos de aprendizagem ao longo da vida foi identificado emdiversos estudos internacionais. Em termos gerais são necessi-dades de informação, aconselhamento e apoio, e recursos.

Actividades de animação

Como já foi referido anteriormente, muito do esforço dasnovas bibliotecas públicas portuguesas tem sido investido nasdesignadas genericamente como actividades de animação.Estas podem assumir formas muito diversas, como encontroscom escritores, conferências e debates, exposições, represen-tações teatrais ou espectáculos de dança.

O que importa realçar é que estas são actividades de carác-ter permanente, destinadas a um grande público, gratuitas egeralmente muito concorridas. Elas representam oportunida-des muito ricas para a aprendizagem que anteriormente foidesignada como “aprendizagem não intencional”.

A oferta de informação

Para uma perspectiva de aprendizagem mais estruturada, adesignada como “aprendizagem intencional”, as necessidadesde informação são muito maiores e a sua satisfação é essencial.

Ao discutir as necessidades de informação dos estudantes,é necessário fazer a distinção entre dois tipos de informação.Uma pode ser geralmente considerada como a matéria-primado estudo, directamente ligada às matérias estudadas. Outrotipo de informação relevante é sobre a própria educação, porexemplo, as oportunidades educacionais, escolas disponíveis,propinas, etc.

Um projecto europeu (PLAIL)1 identificou as necessidades deinformação dos estudantes adultos independentes que podemser satisfeitas pelas bibliotecas públicas, e concluiu que elas sãoao nível da informação sobre a disponibilidade dos cursos e a suarelevância para o mercado de trabalho, sobre o financiamento,propinas e custos dos materiais, sobre a disponibilidade demateriais adequados para o estudo, níveis de estudo dentro decada curso, e certificação. Muitos outros documentos, como oManifesto da UNESCO, apontam para a necessidade de abiblioteca pública fornecer informação sobre educação.

Aconselhamento e apoio

O apoio aos estudantes independentes é outra das caracte-rísticas vitais deste tipo de serviço. O projecto acima referidoconcluiu o seguinte:

“Dar apoio aos estudantes adultos independente durante osseus estudos é igualmente importante. Este apoio deve ser dadosob a forma de instrução sobre o uso dos computadores e outratecnologia relevante para as suas necessidades, material deapoio para acompanhar os cursos, apoio em competências de

estudo, organizando o acesso a apoio de tutores, dar feedbacke avaliar os cursos; dar ajuda na relação com as agências quedão formação.” PLAIL (CLWYD COUNTY COUNCIL, 1996)

As directrizes pela Library Association britânica (BAMBER,1992) dedicam um capítulo inteiro à orientação educacional eapresentam em pormenor os aspectos que esta orientaçãopode assumir: informar, aconselhar, avaliar, facilitar, defender edar feedback. Também o relatório ODIN (BROPHY, ALLRED &ALLRED, 1996, pág. 54) aborda a questão de saber até queponto a orientação educacional, o ensino e a avaliação externaestão incluídos no apoio da biblioteca à aprendizagem aberta ea distância. Este relatório conclui também que a disponibiliza-ção de espaço que permita a reunião dos estudantes, aorganização de aulas e a ajuda aos estudantes na busca deapoio de tutores são outros importantes aspectos do apoio dabiblioteca.

Recursos para a aprendizagem ao longo da vida

ESPAÇOS E EQUIPAMENTOSNum certo sentido, o conjunto dos espaços e equipamentos

da biblioteca podem ser considerados como estando ao serviçodo apoio às necessidades de educação ao longo da vida dacomunidade. Isto é reforçado pelo facto de a biblioteca ser umespaço público e aberto a todos os membros da comunidade.

Os auditórios e as salas de exposições emergem como osespaços mais óbvios que podem ser usados para apoiar aaprendizagem ao longo da vida, especialmente quando se falado uso por grupos ou para actividades. Mas outros espaçospodem ser considerados: as secções audiovisuais permitem ovisionamento e audição e incluem materiais educacionais e deformação; as secções de periódicos e os fundos locais sãoespecialmente considerados como desempenhando papéisimportantes na aprendizagem ao longo da vida, bem como acedência de espaços para reuniões.

LIVROS E MATERIAISO facto de as bibliotecas públicas disponibilizarem gratuita-

mente grandes quantidades de livros (sejam de ficção ou nãoficção) e revistas, muito utilizadas por utilizadores adultos emesmo os mais idosos, coloca-as claramente no centro daaprendizagem ao longo da vida. Os materiais dos fundos locaissão também de grande importância para o apoio à aprendiza-gem ao longo da vida.

Em muitos países, para além dos livros e revistas, os paco-tes constituídos por diversos materiais e suportes, espe-cificamente desenhados e produzidos para o estudo indepen-dente, são importantes materiais para a auto didaxia. EmPortugal, estes materiais existem em muito menor quantidade,mas muitas bibliotecas públicas concentram a sua atenção nadisponibilização destes produtos, muito importantes em termosde autoformação.

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃOAs competências na utilização das Tecnologias de

Informação e Comunicação (TIC) são hoje genericamente consi-deradas essenciais, tendo invadido todos os currículosescolares. No entanto, quem concluiu o seu percurso escolar

BIBLIOTEC AS

24 APRENDER

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há alguns anos está obviamente menos apetrechado para asua utilização.

A consideração desta questão é tanto mais relevantequanto se considera que, cada vez mais, as oportunidades deestudo independente pressupõem um uso eficiente dastecnologias, sendo que o suporte digital é cada vez mais gene-ralizado nos próprios cursos e o e-learning é uma metodologiacada vez mais utilizada. Um bom uso da Internet é poisessencial.

As bibliotecas públicas são pontos fulcrais em todo esteprocesso. Não só oferecem computadores para uso pelos seusutilizadores, como organizam cursos a diversos níveis para asua utilização. Em algumas delas, funcionam centros decertificação da ECDL.

Um importante desenvolvimento actualmente em curso nonosso país é a Rede de Conhecimento dasBibliotecas Públicas promovida pelo IPLB.Segundo este Instituto, esta rede “pode serum factor de aceleração e consolidação daaprendizagem ao longo da vida e daconstrução de competências da populaçãoportuguesa…”

PESSOALA existência de recursos humanos espe-

cializados no apoio à aprendizagem ao longoda vida é um factor crucial para um eficazapoio às pessoas envolvidas no processo.

As novas bibliotecas públicas portuguesasdispõem de pessoal de nível superior e inter-médio em quantidades nem sempre satisfa-tórias. A formação destes profissionais é tam-bém geralmente reduzida no que diz respeitoa aspectos importantes do apoio à aprendiza-gem ao longo da vida.

Indubitavelmente este é um aspecto amerecer atenção dos responsáveis pois, comoconcluiu o projecto ODIN, “uma biblioteca quese dedica à aprendizagem tem de pensar emtermos de apoiar a aprendizagem, em vez de simplesmentefornecer os materiais”. (BROPHY, ALLRED & ALLRED, 1996, pág.54)

Cooperação

A cooperação é outra questão muito relevante para que asbibliotecas públicas possam desempenhar cabalmente os seuspapéis no apoio à aprendizagem ao longo da vida.

Há evidência que sugere que as bibliotecas públicas portu-guesas têm isto em atenção e diversas formas de cooperaçãomais ou menos estruturadas têm lugar, entre outros, comescolas, centros de emprego, prisões, sindicatos e Centros deReconhecimento, Validação e Certificação de Competências.

Conclusão

As transformações ocorridas no panorama das bibliotecaspúblicas em Portugal, nas duas últimas décadas, colocaram-nas numa posição privilegiada para assumirem um papel nalinha da frente de um movimento educativo crescente nas

sociedades contemporâneas: a aprendizagem ao longo da vida.As bibliotecas públicas dispõem de condições de espaço,

equipamentos, recursos de informação e humanos que asindicam como um recurso a ter seriamente em conta numapolítica educativa nacional de valorização permanente dosindivíduos e das comunidades. Para além disto, há caracterís-ticas únicas das bibliotecas públicas que as tornam particular-mente relevantes: a sua localização, os seus horários alar-gados, o seu ambiente amigável e não avaliativo, e a suacapacidade de atracção de públicos muito diversos.

Trata-se afinal, em certo sentido, de um regresso às origensda própria filosofia das bibliotecas públicas em todo o mundo,que as tornaram sucessivamente universidades da vida adulta,ao virar da esquina e abertas.

Referências bibliográficas

BAMBER, A. L. (1992) Look up and learn: Library Association adult independentlearning guidelines for libraries and learning resource centres. London: LibraryAssociationBROPHY, P. ; ALLRED, J. & ALLRED, J. (1996) Open distance learning in publiclibraries. Luxembourg : Office for Official Publications of the EuropeanCommunitiesCLWYD COUNTY COUNCIL (1996) Public libraries and adult independentlearners. Mold: Library and Information ServiceLONGWORTH, N. & DAVIES, W. K. (1996) Lifelong learning: new vision, newimplications, new roles for people, organizations, nations and communities inthe 21st century. London : Kogan Page UNESCO (1995) Public library manifesto. The Hague: IFLAVAN FLEET, C. (1990) “Lifelong learning theory and the provision of adultservices”. In Heim, K. M. ; Wallace, D. P. (eds.) Adult services: an enduring focusfor public libraries, pp. 166-211. Chicago: ALAVAN FLEET, C. (1995) “Public libraries, lifelong learning and older adults:background and recommendations”. In: Public libraries and community-basededucation: making the connection for lifelong learning Disponível em :http://www.ed.gov/pubs/PLLIConf95/vanfleet.html [Acedido em 05-02-2004]

AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS DISPÕEM DE CONDIÇÕES DE ESPAÇO,EQUIPAMENTOS, RECURSOS DE INFORMAÇÃO E HUMANOS QUEAS INDICAM COMO UM RECURSO A TER SERIAMENTE EM CONTANUMA POLÍTICA EDUCATIVA NACIONAL DE VALORIZAÇÃOPERMANENTE DOS INDIVÍDUOS E DAS COMUNIDADES.

AO LONGO DA VIDA 25

1 Ver www.cordis.lu/libraries/en/projects/plail.html

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BIBLIOTEC AS

P rioritariamente vocacionadopara corresponder às ne-cessidades dos formandose formadores do Centro deFormação Profissional para

a Indústria de Cerâmica das Caldas daRainha (CENCAL), dos técnicos e empre-sários do sector e do público em geral,este Centro de Recursos em Conheci-mento (CRC) integra valências como abiblioteca, mediateca, hemeroteca, vi-deoteca e centro multimédia. É unani-memente considerado como aquele cujoespólio é um dos mais completos nasáreas da cerâmica e do vidro, tanto nasua dimensão artística como técnica eempresarial. Não será, portanto, de es-tranhar que a sua actividade seja intensae que ali acorram não apenas formandose formadores, mas também pessoascujos interesses se cruzam com a suaespecialização temática. Uma consultaque é possível ser feita por pessoas deNorte a Sul do País, graças ao facto defazer parte da rede de CRC.

Depois de ter criado uma bibliotecatradicional, a direcção do CENCAL deci-diu concorrer à Rede de CRC e alargarnão só o espaço anteriormente disponibi-lizado para a biblioteca (escura e peque-na, com apenas uma mesa e oito cadei-ras, livros e onde os formadores nãopodiam dar aulas), como igualmente osseus recursos, através de outros supor-tes. Como a integração da Rede exigiauma especialização, para desse modo segerar entre os diferentes Centros uma

complementaridade de recursos que lhedê sentido e corpo, a opção tornou-se,nesta matéria, óbvia: cerâmica e vidro.

“Como em termos de recursos huma-nos nos era exigido que as pessoastivessem formação em TIC e documen-talismo e o espaço também tinha de obe-

decer a certas regras, tivemos de alterarcompletamente a lógica em que funcio-nava a biblioteca”, explica José Luís deAlmeida Silva, coordenador do Centro.Assim, além de sete PCs, todos em rede(está projectado aumentar em breve estenúmero para 12), o CRC do CENCAL dis-

CRIADO EM 1985 E DISPONDO DESDE LOGO DE UMA BIBLIOTECA TRADICIONAL, O CENCAL DECIDIU, NOANO LECTIVO DE 98/99, CONCORRER À REDE DE CRC (CENTRO DE RECURSOS EM CONHECIMENTO).DESDE ENTÃO, ALÉM DO SEU JÁ DE SI NOTÁVEL ACERVO BIBLIOGRÁFICO, PASSOU IGUALMENTE A DISPORDE OUTROS SUPORTES DOCUMENTAIS NA ÁREA DAS TIC E DO AUDIOVISUAL, TORNANDO-SE UM LOCAL DEFREQUÊNCIA REGULAR PARA FORMANDOS E PÚBLICO EM GERAL.

26 APRENDER

Uma referênciana área da cerâmica

CENTRO DE RECURSOS EM CONHECIMENTO DO CENCAL

Texto de Guiomar Belo Marques # Fotografias Miguel Baltazar

P

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põe ainda de uma razoável colecção deCDs, DVDs e Vídeo-cassetes, além desete mil documentos em suporte de pa-pel, arrumados através da classificaçãoCDU (de livre acesso por parte dos uten-tes, sem a necessidade de o fazerematravés de um funcionário). “Temos tudoaquilo que se publica em Portugal eainda outras coisas que se publicam noestrangeiro, além de o próprio Centro pro-duzir matérias”, acrescenta o coordena-dor. “Em geral”, segundo Maria JoséCunha, anterior responsável pela bibliote-ca e actualmente pelo CRC, “os formado-res sugerem-nos as obras que conside-ram importantes serem adquiridas e àluz do nosso orçamento, que mais oumenos dá satisfação às sugestões, nóscompramo-las. Mas não só.”

Como o sítio do CENCAL dispõe deum link onde pode ser consultada a listadas obras ali existentes, é fácil, mesmo

A criação, acesso e difusão do conhecimento são, mais do que nunca, vitais paratornar mais competitiva uma economia e uma sociedade. A criação do projectoCRC e da Rede de CRC (RCRC) justificou-se pela ausência, em Portugal, de umaestrutura de difusão selectiva de metodologias e práticas inovadoras no âmbitodo sistema de formação profissional. Além disso, a criação de CRC especializados(domínios de intervenção ou sector de actividade) mostrou-se indispensável naresposta às necessidades em bibliografia e recursos formativos das entidadesformadoras, com reais benefícios para os respectivos formandos e sociedade emgeral. A rede de centros de recursos em conhecimento, constituída por centros derecursos especializados, são mediatecas especializadas de apoio à actividadedas entidades formadoras (públicas e privadas), formadores, professores, alunos,formandos, empresas e departamentos públicos, observando uma cobertura terri-torial bastante alargada (incluindo Açores e Madeira). O IQF é responsável pelacoordenação desta rede, que tem vindo a crescer, e que conta actualmente com59 membros. Assim, são os seguintes os objectivos da RCRC:Contribuir para a construção da Sociedade do Conhecimento; Desenvolver mecanismos de aproximação entre quem produz e quem utiliza oconhecimento; Facilitar e melhorar a intervenção dos profissionais de formação, apoiando-os noseu esforço de melhoria contínua e autoformação; Disseminar práticas formativas bem sucedidas, recursos técnico-pedagógicosdesenvolvidos, nomeadamente com os apoios comunitários e nacionais; Apoiar a formação ao longo da vida; Disponibilizar a informação e os recursos necessários à actividade dos profissio-nais de formação e entidades formadoras; Difundir e conceder visibilidade às experiências formativas, metodologias e recur-sos técnico - pedagógicos desenvolvidos, nomeadamente com o apoio do FundoSocial Europeu; No âmbito da Rede de Centros, existem, ainda, Grupos de Trabalho de apoio àactividade da RCRC em áreas técnicas específicas de interesse: GT eLearning, GT Documentação, GT Gestão e Animação da Rede GT Auto-sustentabilidade da Rede.

Além disso, é dado um apoio constante aos CRC da rede, quer a distância (viamail, telefone, etc) quer presencial (reuniões quando necessário).

CRC Virtual

O CRC Virtual (www.crcvirtual.org) é a plataforma colaborativa da RCRC, possibi-litando a partilha de informação e de conhecimento, através da disseminação deboas-práticas entre os membros da rede, de acesso a bases de dados especiali-zadas, de acesso ao catálogo colectivo FORMEI, através do qual se disponibilizamos recursos técnico-pedagógicos dos vários CRC da Rede. Actualmente, o CRCVirtual está a ser reestruturado, no sentido de permitir uma melhor “usabilidade”e o acesso a novas funcionalidades aos seus utilizadores. Os utilizadores podemreceber aconselhamento directo de qualquer CRC que detenha as competênciasou conteúdos ajustados às suas necessidades. O CRC Virtual pode, assim, serutilizado como recurso complementar ou alternativo ao atendimento presencial.

Rede de Centros de Recursosem Conhecimento (RCRC)

AO LONGO DA VIDA 27

“COMO EM TERMOS DERECURSOS HUMANOS NOS ERAEXIGIDO QUE AS PESSOASTIVESSEM FORMAÇÃO EM TIC EDOCUMENTALISMO E O ESPAÇOTAMBÉM TINHA DE OBEDECER ACERTAS REGRAS, TIVEMOS DEALTERAR COMPLETAMENTE ALÓGICA EM QUE FUNCIONAVA ABIBLIOTECA”, EXPLICA JOSÉ LUÍSDE ALMEIDA SILVA

Texto: António Bob coordenador da rede de Centros de Recursos em Conhecimento do IQF– Instituto para a Qualidade na Formação

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para quem vive longe das Caldas daRainha, saber o que pode requisitar aoCentro.

Agradável, soalheiro e acolhedor

A partir do momento em que entrouem funcionamento, o CRC marcou a suapresença na vida do próprio Centro deFormação. “Passámos a ter uma afluên-cia de público completamente diferenteda existente na biblioteca”, recordaMaria José, salientando a sorrir que “atéa fotocopiadora é maior”. “Este é umnovo modelo de aprendizagem, até doponto de vista empírico, e as pessoasvêm”, acrescenta o coordenador.

A afluência tornou-se de tal modosurpreendente, que acabou por sernecessário implementar as marcaçõesprévias, especialmente para as sessõesde formação ali desenvolvidas. “O Centrode Recursos veio alterar totalmente omodo de funcionamento do próprioCENCAL”, afirmam os seus responsáveis.“Enquanto antes era uma estruturafechada, mais individualista, agora émuito mais aberta, agradável, com atrac-tivos muito diversos. É uma lógica com-pletamente diferente daquela que existiahá dez anos”.

Apesar de a inscrição ser, obviamen-te, facultativa, a verdade é que todos osformandos se encontram inscritos, poisao fazerem a sua primeira visita de caloi-ros às instalações, o CRC é de paragemobrigatória e a inscrição processa-senaturalmente, pela percepção imediatadas vantagens que daí advêm. “Além doscomputadores – que os formandos po-dem usar sempre que assim o necessi-tem para fins da formação, ou meramen-te pessoais, como seja enviar um e-mail–, este é um dos poucos locais ondepodem vir buscar informações sobre atemática dos cursos de formação queaqui estão a fazer”, explica José Luís.“Por outro lado, o facto de estarmossempre em contacto com outros Centros

e locais no mundo especializados nestaárea, também nos permite saber o quese produz e o que nos interessa adquirirou consultar, além de recebermospublicações de outras instituiçõesnacionais e estrangeiras.”

Responsável pelo módulo Viver emPortuguês, Ana Raimundo é uma dasformadoras do CENCAL que mais recorreao CRC para sessões com os seusformandos. “Eles vêm para aqui com amatéria e os objectivos dos conteúdos edepois cada um faz a sua própriapesquisa”, explica. “No fundo, nósaperfeiçoamos competências, enquantona escola tradicional se transmitemconhecimentos”. Duas das formandas deAna estão a fazer um trabalho sobre aRevolução dos Cravos. “Há dez CD commúsicas do 25 de Abril e elas vêm paraaqui ouvi-los e depois vão relacionaressas músicas com o 25 de Abril em si.Quando eles querem fazer pesquisa emlivros, na Net, em DVD ou CD, porexemplo, vêm para aqui. Quando é só naNet, temos uma outra sala para o efeito.Eles sentem-se em casa e aquiconfrontam logo as dúvidas, enquanto naoutra sala não é tão prático”.

Relativamente a si própria, Ana nãotem dúvidas em expor a sua própriaaprendizagem quanto ao uso do CRC.“No início eu também não estavahabituada a ter tantos materiais à minhadisposição. Também me fui habituando apouco e pouco”.

Desejosa de conseguir o salto quali-tativo deste CRC, que acredita estar parabreve “com mais computadores, maisespaço e mais materiais”, a pequenacomunidade do CENCAL (composta porpessoas e competências) comunga daopinião de que “a biblioteca era umapoio, enquanto o CRC está no coraçãodo funcionamento do CENCAL” e que,num futuro próximo, “a auto-aprendizagem poderá ser feita aqui.”

28 APRENDER

A AFLUÊNCIA TORNOU-SE DE TAL MODO SURPREENDENTE, QUEACABOU POR SER NECESSÁRIO IMPLEMENTAR AS MARCAÇÕESPRÉVIAS, ESPECIALMENTE PARA AS SESSÕES DE FORMAÇÃO ALIDESENVOLVIDAS.

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AO LONGO DA VIDA 29

Onde as aprendizagens são permanentes

Existentes desde finais do século XIX, durantemuitos anos as bibliotecas públicas cresceram,no município de Lisboa, dentro de uma lógica deequipamento posto à disposição de cada fregue-sia. “Com o crescimento da cidade”, explica AnaRunkel, responsável municipal pela rede debibliotecas e arquivos, “esta lógica começou a

complicar-se. Embora do ponto de vista do conceito estadistribuição seja correcta, a verdade é que isso foi dificultandoa gestão de recursos humanos e materiais, etc.”

Considerando que a Biblioteca tem de ser um centro deinformação e de aprendizagem que trabalhe para a comunida-de, a orientação que esta responsável tem procurado imple-mentar desde que, há cerca de quatro anos, assumiu o cargoque actualmente ocupa, (anteriormente, ela já alterara comple-

tamente o conceito fundamental das Bibliotecas Municipais deOeiras) é o de conseguir que cada uma das 19 Bibliotecas LXcorresponda, em todos os aspectos, àquilo que deve ser umverdadeiro serviço público.

Mas para que se possa atingir esse objectivo, “os diferentesespaços que as integram têm de satisfazer as diferentes soli-citações e necessidades. Elas servem para que as pessoas lávão. Portanto, temos de lhes dar o que pretendem. Hoje podemir à biblioteca apenas para ler o jornal, para consultar qualquercoisa, para aceder a um computador, para requisitar um DVDou um livro. Há uns anos, ninguém pensava em frequentar umabiblioteca regularmente, o que actualmente acontece. Quandodedicamos particular atenção aos espaços destinados àscrianças, estamos a apostar também na população adulta, jáque as crianças arrastam pais, tios e avós, que acabam,também eles, por aderir à biblioteca.”

E

Onde asaprendizagens são exigentes

Texto de Guiomar Belo Marques

Fotografias Miguel Baltazar

NÃO É FÁCIL, NUMAGRANDE CIDADE, COMOÉ LISBOA, GERIR UMNOVO CONCEITO DEBIBLIOTECA MUNICIPAL E ADAPTÁ-LO ÀSNECESSIDADES DE CADAREALIDADE, DE CADACOMUNIDADE, DE CADABAIRRO. CADA UMA ÉUNA E PARTICULAR.SEGUNDO A REALIDADEEM QUE ESTÁIMPLANTADA, OS SEUSMEIOS E OBJECTIVOS DEDIVULGAÇÃO, NO MODODE MELHOR SER UMSERVIÇO PÚBLICO. AORLANDO RIBEIRO E AMUSEU DA REPÚBLICA ERESISTÊNCIA SÃO-NO,CADA UMA À SUAMANEIRA.

BIBLIOTECAS DE LISBOA

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30 APRENDER

Conceito republicano, o da biblioteca pública, a ela competeessencialmente a divulgação (enquanto a Biblioteca Nacionaltem por função primordial a de depósito legal e, consequente-mente, de preservação e conservação das obras) e ofereceraprendizagens informais, ou seja, contribuir, de modo determi-nante, para a aprendizagem ao longo da vida. “Queremos queas nossas bibliotecas ajudem as pessoas a procurar e aseleccionar informação, que é algo que na escola não se apren-de. O que eu quero mesmo é criar a inquietação. A partir daí, abiblioteca pode fazer tudo. Temos de criar a moda do quereraprender”, conclui Ana Runkel.

Formar em TIC na Biblioteca

Inaugurada há menos de dois anos, a Orlando Ribeiro, loca-lizada na recuperada zona antiga de Telheiras, bem no centrodo bairro e muito próxima de quatro estabelecimentos deensino oficial e de outros particulares, tornou-se, quase após asua abertura, um dos equipamentos mais frequentados pelapopulação residente do bairro, mas não só. E uma das salasmais procuradas é, sem dúvida, a da informática, integrada noCircuito da Aprendizagem, e que dispõe de nove PCs de totallivre acesso por parte do público e um outro para o técnicoresponsável por esta área, mas que por vezes é disponibilizadodurante as acções de sensibilização às tecnologias dainformação que a biblioteca desenvolve junto da populaçãoadulta.

“O objecto destas acções é o de introduzir a comunidade nouso das TIC e fomentar a aprendizagem ao longo da vida”,explica Filipe Casimiro, responsável por este serviço na OrlandoRibeiro. “Para nós, não é suficiente ter os PCs para disponi-bilizar ao público, é também importante ajudar as pessoas asaber usá-los e rentabilizá-los do ponto de vista do utilizador.Se as pessoas tirarem o máximo partido dos nossos recursos,acabam por se integrar na vida da biblioteca e também pormelhor se relacionar com a sociedade em geral.”

Recusando a terminologia de cursos, optando antes pela deacções de sensibilização, Filipe Casimiro explica que elasdecorrem em sete módulos, distribuídos pelas seguintestemáticas e ordem: como adquirir e quais as características dosPCs; arrumar e organizar o ambiente de trabalho; o Word; oExcel; o Power Point; pesquisa de informação, tanto na Internetcomo no sistema de rede das Bibliotecas LX, o Horizon; ocorreio electrónico, os chats, o Hotmail.

Para frequentar apenas um ou a totalidade dos módulos, aspessoas inscrevem-se previamente, sendo dada prioridade a

quem possua Cartão da Biblioteca, cuja aquisição é simples egratuita, tal como a participação nas acções, que decorrem àsterças e quintas, das 10.00 às 13.00 horas, e às quartas esextas, das 15.00 às 18.00 horas. Refira-se que nas anterioresacções os inscritos eram principalmente reformados, professo-res dos estabelecimentos de ensino da zona, pessoas que seencontram a terminar as suas licenciaturas e mestrados e aindapessoas que por terem filhos no estrangeiro, aos quais queremenviar e-mails, sentem a necessidade de aprender a fazê-lo.

As sessões recorrem ao auxílio de retroprojectores e fichasexplicativas para cada módulo com espaço para cada formandotomar as suas notas, estando prevista a edição de um manual.“O balanço é muito positivo e temos mesmo sido alvo de diver-sos estudos por parte de faculdades. Com estas acções, aspessoas acabam por se aproximar mais da família, nomeada-mente avós que depois melhor entendem os netos, e há aindamuitas outras que deixam de olhar o PC como algo que lhes erainacessível”, esclarece Filipe Casimiro, acrescentando que adesistência é quase nula.

Mas há uma série de outros serviços que a Orlando Ribeiropresta à comunidade. Entre elas, a dinamização do Banco dotempo, através do qual as pessoas fazem trocas de serviçosentre si, com crédito e pagamento em horas de trabalho. “Atéaqui temos feito o acolhimento e a ART (Associação dos Resi-dentes de Telheiras) faz a gestão”, explica Sónia Nunes, acoordenadora geral desta biblioteca, “mas tencionamos passara ser nós a fazê-lo. Também os membros da Bookcrossing daárea de Lisboa, que aqui começaram a encontrar-se acabarampor decidir que este fosse o ponto oficial dos seus encontrosmensais”.

Aberta todos os sábados até às 18.00 horas, o horário foialargado às sextas-feiras, encerrando agora nestes dias às22.00 horas. “Nos folhetos de sugestões, o alargamento dohorário era a mais referida, razão pela qual o prolongámos,apesar de já antes sermos a Biblioteca da rede LX com umhorário mais alargado”, explica Sónia Nunes, que adianta quea Orlando Ribeiro é procurada por pessoas muito diferentes ede todo o concelho de Lisboa e fora deste. “Desenvolvemosdiversas actividades, tanto no auditório, com capacidade para140 pessoas, como no nosso Café Literário, onde realizamoslançamentos de livros, conversas informais sobre livros, etc.,exposições e projecção de vídeos na sala multiusos. Alémdisso, os nossos empréstimos, em todos os suportes, têm vindoa aumentar, tal como as inscrições”, conclui.

João Mário Mascarenhas responsável pela

Biblioteca Museu da República e Resistência

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Uma intensa actividade cultural

Especializada, tal como o seu próprio nome indica, emHistória contemporânea (abrangendo um período que vai dosfinais do século XIX até hoje), a Biblioteca Museu da República eResistência, localizada na fronteira entre o Bairro do Rego e aCidade Universitária procura dar satisfação às necessidades dapopulação da zona, caracterizada por algum envelhecimento,mas também pelos jovens universitários. Com um horário defuncionamento que o tem em conta (encerra às 22.00horas eestá aberta aos sábados), são muitas as iniciativas que, contudo,mantêm o auditório Ribeiro Santos aberto até depois dessa hora.

“Às segundas é o dia do teatro e pedimos às pessoas quevenham cá falar sobre o tema, ou que representem umapequena peça”, explica João Mário Mascarenhas, responsávelpor esta biblioteca. “As terças são dedicadasà poesia, falando-se sobre um autor, ou sobreuma obra, com leitura de poemas por partede actores ou de pessoas que o queiramfazer, ao mesmo tempo que estimulamos quequem tenha textos da sua autoria os leia. Àsquartas funcionamos como uma espécie decineclube, organizando ciclos de cinema,projectando filmes e dando apoiobibliográfico. Às quintas o tema é a Ciência,para o qual aliciámos um conjunto deprofessores universitários da área dasciências exactas para realizarem sessõesdestinadas aos jovens estudantes, mas nãosó, pois pretendemos que esta seja umamaneira de formar ao longo da vida. As sextaspertencem à música, principalmente àquelaque não passa na rádio, e convidamosespecialistas na matéria, como o PedroCaldeira Cabral, o Ruben de Carvalho ou oMário Vieira de Carvalho para virem cáconversar e esclarecer assuntos relacionadoscom essa temática. Por fim, aos sábados,organizamos cursos livres, embora privilegia-mos a História de Arte, porque com oaumento das viagens, as pessoas começarama ter curiosidade e através destes cursosajudamo-las a saberem não só olhar como aver, já que muitas dessas pessoas, por razõesantigas, não tiveram a possibilidade deestudar.” Além destes, o Museu da República

e da Resistência também organiza cursos de informática “paraajudar a combater aquilo a que chamamos a info-exclusão”,disponibilizando seis PCs para o efeito.

Dando grande importância à Educação para a Cidadania, àbiblioteca também acorrem pessoas que necessitam depreencher impressos e que ali são ajudadas a fazê-lo,mantendo igualmente uma forte relação, através de protocolosestabelecidos com todas as associações do bairro com asquais colaboram permanentemente, cedendo as instalações edesenvolvendo actividades por elas consideradas de interessepúblico.

Detentora do relevante espólio do jornalista Carlos Ferrão que lhefoi doado, dos quarenta mil volumes existentes na Biblioteca, trintamil advém dessa doação. Mas além desse importante acervo

bibliográfico, ali são igualmenteproduzidos materiais,poste-riormente publicados, sobrefiguras relevantes da resistênciaou sobre temas específicos daHistória Contemporânea.

Com um espaço para expo-sições temporárias, esta biblio-teca cria ainda as suas pró-prias exposições itinerantespara a cidadania, que sãofacultadas às escolas dos 1º e2º ciclo sempre que assimsolicitadas. “Facultamo-las pa-ra todo o País e até para ascomunidades portuguesas noestrangeiro. Algumas vezescompletamos a exposiçãofacultando um técnico”, realçaJoão Mário Mascarenhas.“Temos muitas exposições quepassam o ano a viajar.”

“Para que as bibliotecascumpram a sua verdadeiravocação de serviço público,têm de orientar o seu trabalhopelo combate à iliteracia e àexclusão, devendo ser locaisde tolerância”, conclui esteresponsável.

AO LONGO DA VIDA 31

O LIGHT é um projecto que tem como principalobjectivo destacar o papel das bibliotecaspúblicas enquanto centros comunitários decriação, difusão e promoção do PatrimónioCultural Local, envolvendo bibliotecas públicasde cinco países da Europa: Grécia, Dinamarca,Itália, Hungria e Portugal.O Departamento de Bibliotecas e Arquivos daCML está a constituir parcerias para trabalharna criação de um serviço, que se pretendeinovador, e que irá disponibilizar via Internet opotencial económico das instituições culturais- principalmente das bibliotecas públicas - nodesenvolvimento do turismo cultural naEuropa.Este serviço pretende colmatar falhas aindaexistentes na área da informação sobre acidade de Lisboa e, por outro lado,demonstrar a capacidade e viabilidadeeconómica das instituições culturais enquantoentidades produtoras e difusoras deconteúdos.

Ana Runkel, responsável pela rede de Bibliotecaswe Atquivos

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32 APRENDER

BIBLIOTEC AS

A biblioteca Há uma grande diversidade de bibliotecas. Enor-

mes, como a Biblioteca Nacional, ou maispequenas, como uma biblioteca infantil quehavia no jardim da Figueira da Foz, com oformato de um livro grande, onde as crianças

podiam pegar num livro ou num jogo e sentar-se nas pequenascadeiras, adequadas ao seu tamanho.

Também me lembro como era importante para os jovens deuma aldeia do centro do país quando, às quartas-feiras, a car-rinha da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian estacionava nolargo e podíamos trocar os livros já lidos por novos livros paraler durante a semana até à quarta-feira seguinte.

Agora conheci uma nova versão de biblioteca. É a Bibliambule. A Bibliambule é a Margarida Guia mais uma caixa com

rodas que tem lá dentro livros.

A palavra Bibliambule é a junção de duas palavras:biblioteca e deambular. “Biblioteca é ela e deambular sou eu”,explica Margarida Guia, uma actriz francesa de 32 anos a viverhabitualmente no Norte de França mas que visita Portugal pelomenos duas vezes por ano. A sua ligação a Portugal é natural,porque os seus pais são portugueses. Fala português, aqui e alicom pequenas falhas de vocabulário, mas sempre com um típi-co sotaque francês.

Quando me encontrei com a Margarida, ela saiu do prédiode pessoas amigas e consigo vinha a biblioteca que facilmentearrumámos no banco de trás do carro. Como não tem carta decondução, a biblioteca tem de estar preparada para entrar noseléctricos ou nos táxis. Esta mobilidade é extremamenteimportante porque lhe permite ir ao encontro das pessoas nasruas de uma cidade, para sítios inesperados. “Num sábado, às

ELA PUXA UMA CAIXA COM RODAS QUE TEM DENTRO LIVROS E VISITA OS LUGARES MAIS INESPERADOS.NA RUA, LÊ LIVROS, OFERECE POESIAS. NÃO ESCOLHE COM QUEM INTERAGE, COMUNICA COM ASPESSOAS QUE PASSAM. E CATIVA TODAS.

Texto de Rui Seguro # Fotografias Paulo Figueiredo

H

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8 horas da manhã, mandaram-me sair da estação de SantaApolónia, porque não tinha pedido autorização. Dei comigo aolado dos engraxadores. Tive de os acalmar, dizendo que não eraconcorrência, e comecei a ler. É engraçado ver como aspessoas reagem. Mas as pessoas ficam desconfiadas com oque não conhecem. Ficam desconfiadas com uma pessoaestrangeira, com uma pessoa diferente, a ler um livro em vozalta. A relação com o livro, às vezes, está ligada com oinsucesso. Não se querem aproximar porque os livros lhe fazemlembrar coisas más, de quando eram crianças”.

Por onde passa com a sua biblioteca, a Margarida provocaum misto de desconfiança e de curiosidade. “Outro dia apanheium táxi, e o taxista estava com imensa curiosidade sobre o queera aquela caixa e o que é que eu fazia com aquilo. Eu gostodesta curiosidade e desse encontro. Expliquei-lhe que ofereciapoesia. E ele muito admirado perguntou-me: ‘Mas vive disso?’

Eu vivo disto, mas quando es-tou na rua, quando decido irler, é para oferecer, não voupedir dinheiro. O meu objecti-vo é ir para a rua abrir a Biblio-teca, ler e estabelecer relações

com as pessoas. Mas o importante na conversa com o taxistafoi a abertura dele e começarmos a falar de leitura”.

Biblioteca, modo de usar

Aquela caixa com rodas que a Margarida puxa, como sefosse já uma extensão do seu corpo, é na verdade um pequenoauxiliar que vai permitir estabelecer uma relação com aspessoas que passam na rua. A abertura da biblioteca é feitacom gestos já muito mecanizados mas com uma precisãoritualista. Primeiro liberta-se o fecho, a parte superior gira esobrepõe-se à parte inferior. Fica acessível um pequeno bancoao lado da biblioteca e em três pequenas fiadas de prateleirasencontramos diversos livros que são, na sua maior parte, depoesia ou de contos, tanto de autores franceses como

portugueses. Tem também um dicionário: “Gosto de trazer umdicionário comigo e ver a definição de uma palavra, de pegarem palavras e de jogar com elas”.

A poesia é a melhor forma que a Margarida tem de interagircom as pessoas que passam e agarrá-las com uma palavra oucom uma frase. Está permanentemente a descobrir novaspoesias, mesmo quando foram escritas em 1942. Como o“Meu galope é em frente”, de Mário Dionísio:“Direis que não é poesia.E a mim que importaSe eu estou aqui apenas para escancarar a porta e derrubaros muros?Eu canto e cantarei o que tiver a cantarE grito e gritarei o que tiver a gritarE falo e falarei o que tiver a falar”

Não é por acaso que a Margarida escolhe dizer esta poesia.Se os livros são importantes, ainda mais importante são aspessoas que ela fica à espera de ver tocadas pela suaintervenção. E quem são as pessoas com quem ela interage?“Não são as pessoas que têm muitos livros em casa que param.A maior parte não sabe ler. Outro dia, no Largo Camões, umapessoa dirigiu-se a mim e perguntou: ‘O que é que está a fazer?A vender livros?’ E eu respondi: Não, estou a oferecer poesia. Eele respondeu ‘Ah sim? Então eu quero um poema.’ Comecei acantar um texto de Camões e verifiquei que ele conhecia otexto, e começámos a cantar a duas vozes. Fiqueiimpressionada com a espontaneidade dele. Passados doisdias, encontrei-me novamente com ele na rua. Dirigiu-se a mime perguntou: ‘Então ela não está aí?’, falando da Bibliambule.”

Valorização do livro

Este acto generoso de ir para a rua partilhar a leitura delivros com as pessoas que passam tem três aspectos muitoimportantes.

O primeiro é associar o que está a comunicar às pessoascom o livro. Aquelas palavras, aquelas ideias, podem ser lidas

e relidas no livroque ela tem namão. Cativa oral-mente, mas aspessoas facil-mente apreen-dem que ela é a

ponte entre as ideias e o livro e, nesse aspecto, Margarida Guiaacaba por fazer um trabalho muito importante de valorizaçãodo livro.

O segundo aspecto é ela não ficar à espera que venham tercom ela. Ela vai para o meio das pessoas. Mas ao sujeitar-se anão escolher com quem interagir, acaba por comunicar compessoas para quem o livro é estranho ou é simplesmente umelemento de decoração na estante da sala de jantar.

O último aspecto relaciona-se com a profissão daMargarida. Ela é actriz, e isso permite-lhe ter técnicas que atornam eficaz na comunicação com as pessoas. Neste sentido,não se pode dissociar a Bibliambule da Margarida. Aquela caixapuxada por outra pessoa, já não seria a Bibliambule.

Obrigado Margarida.

AO LONGO DA VIDA 33AO LONGO DA VIDA 33

quedeambula

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34 APRENDER

BIBLIOTEC AS

A Mediateca foi criada noâmbito do anterior Gabi-nete de Estudos Económi-cos, Cooperação e Infor-mação, por transformação

do respectivo Centro de Documentação eInformação, para servir os colaboradoresdo Grupo CGD e simultaneamente ficaraberta ao público.

Com a concentração dos serviçoscentrais até aí dispersos por mais de 20edifícios no novo edifício-sede, a Media-teca permitiu ganhos de produtividade,ao reunir num só espaço as colecçõesdas bibliotecas departamentais localiza-das naqueles edifícios, evitando-se assima multiplicação dos livros e das assina-turas de revistas e dos correspondentescustos.

O projecto da Mediateca resultou deum estudo prévio dos objectivos a alcan-çar, dos públicos-alvo a abranger, dasáreas temáticas pertinentes, com desta-que para as áreas da informação técnicamais estreitamente ligadas à actividadeda CGD. Beneficiou igualmente da obser-vação e análise das características dasprincipais bibliotecas existentes em

Portugal nas áreas temáticas afins, bemcomo da visita a bibliotecas estrangeirasque pudessem servir de referência e ins-pirar o nosso modelo, seja por usarem astecnologias de informação mais moder-nas, seja por abrangerem áreas temá-ticas de interesse para a Caixa, principal-mente nas áreas da banca e dos merca-dos financeiros, da economia e gestão eda informação técnica especializada comutilidade para o desempenho dos empre-gados e o negócio da CGD.

A Mediateca da CGD, embora benefi-ciando de todos esses contributos,inspirou-se sobretudo na Mediateca de laVillette de Paris, considerada na altura omelhor modelo de biblioteca e talvez omais avançado, pelo menos na Europa.Para a sua concepção e organização,contámos também com o apoio especia-lizado do seu Director, François Reiner, ede alguns dos seus técnicos.

Quanto aos objectivos e aos públicos-alvo, a Mediateca foi preparada paracorresponder em primeiro lugar àsnecessidades de informação técnica eprofissional dos colaboradores do GrupoCGD e simultaneamente facultar esta

mesma informação ao público, em parti-cular aos clientes.

Assim, o objectivo fundamental daMediateca foi o de recolher, tratar e dis-ponibilizar a informação e documentaçãoexterna actualizada considerada útil enecessária ao aperfeiçoamento e eficazdesempenho dos colaboradores da CGDe das empresas do Grupo, principalmen-te nas áreas da informação económica,financeira e jurídica, e facultar aos clien-tes não apenas a consulta desta informa-ção e documentação mas também dedocumentos menos actuais conservadosem depósito ou respeitantes a outrasáreas da informação técnica especiali-zada, tais como economia portuguesa,construção e habitação, empresas eactividade sectorial, informação euro-peia, às quais a actividade da CGD estáestreitamente ligada, por forma a propor-cionar-lhes informação útil para o desen-volvimento dos seus estudos, negóciosou actividades.

Em síntese, o modelo de Mediatecaescolhido pela CGD foi o de uma bibliote-ca informatizada e multimédia, uma bi-blioteca de actualidade – com renovação

Mediateca da CGD:10 anos de existênciaTexto da responsabilidade da CGD # Fotografias Miguel Baltazar

PASSARAM JÁ 10 ANOS DESDE A INAUGURAÇÃO DA MEDIATECA DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, QUEFUNCIONA NO EDIFÍCIO SEDE EM LISBOA, NO ESPAÇO SITUADO NO PISO –1, SOBRE A ARCADA SEMI-CIRCULAR QUE DÁ ACESSO AO EDIFÍCIO PELA RUA DO ARCO DO CEGO.

A

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AO LONGO DA VIDA 35AO LONGO DA VIDA 35

e actualização do fundo documental econsequente rotação das colecções – ede livre acesso, numa variante semi-pública e versão mista. Variante semi-pública, porque acessível aos colaborado-res internos e aberta ao público paraconsulta pelos clientes. Versão mistaquanto ao tipo de documentos e serviçosdisponibilizados – com base nos tradi-cionais suportes de informação impres-sos (livros e revistas) e suportes de infor-mação tecnológicos funcionando como“vitrina” das novas tecnologias da infor-mação, de que são exemplo as micro-fichas, os filmes em vídeo, o softwaredidáctico, o acesso a bases de dadosexternas, e mais recentemente a Intranete a Internet.

Pretendeu-se assim aliar “tradição” e“modernidade”, por forma a que a Media-teca pudesse prestar aos clientes umserviço moderno, inovador e de referên-cia no domínio do acesso à informação eao conhecimento relacionados com asactividades do Grupo CGD e que projec-tasse uma imagem de inovação e moder-nização nesta área, capaz de favorecer onegócio e auxiliar o marketing dos ser-viços financeiros da Caixa junto dospúblicos externos preferenciais, comdestaque para a comunidade académicae científica, empresários, profissionaisliberais, quadros e técnicos das empre-sas e da administração e profissionais dosector financeiro.

Mais de 22 mil títulos de livros

O fundo documental da Mediateca daCGD é composto neste momento pormais de 22 mil títulos de livros e mais de1000 revistas em suporte papel edistribui-se pelas seguintes áreas temáti-cas fundamentais: Finanças e SistemaFinanceiro, Gestão, Economia, Direito,Informação, Organização e Informática,Obras de Referência, Estatísticas, Empre-sas e Informação Europeia. A Mediatecapossui ainda um dos mais completosarquivos de legislação nacional. A títulode curiosidade, bastará referir quedispomos da colecção completa de todaa legislação portuguesa publicada desde1840 até agora, e apenas com algumasfalhas a publicada entre 1820 e 1840.

O utilizador da Mediateca tem ao seudispor o Catálogo Informatizado, ondepode fazer directamente as suas pesqui-sas e localizar facilmente os documentos

e serviços existentes. Este catálogo en-contra-se também disponível na Intranete contamos brevemente disponibilizá-lona Internet.

A Mediateca dispõe também de umserviço de atendimento a deficientesvisuais, onde estes podem obter toda ainformação pretendida, seja através dasua audição em computador utilizandoum sintetizador de voz, seja transcritapara braille ou gravada em disquete paraposterior audição.

O acesso a toda a informação disponí-vel faz-se através dos mais variadossuportes: livros e revistas, microfichas,filmes em vídeo, discos ópticos, softwaredidáctico, bases de dados externas, na-cionais e internacionais (on-line, emCDROM ou através da Internet). Das ba-ses de dados externas destacamos três: aBusiness Source Corporate, acessível viaEBSCO, que permite o acesso a cerca de4.500 revistas on-line, a maioria em textointegral2, e a Econlit acessível também naEBSCO, uma base com cerca de 1.100títulos do melhor que se publica noMundo na área económica e financeira,cerca de metade dos quais em textointegral.

Estas duas bases derevistas on-line cobremtemas do maior interes-se para os colabora-dores e clientes nasáreas económica, fi-nanceira, da economiasectorial, técnica ecientífica e podem seracedidas via Intranet ouna Mediateca da CGD e nasMediatecas do Grupo Caixa noEspaço Lusófono.

Das que fornecem o texto integralpodem ser feitos downloads ou impres-são de artigos, quer dos números recen-tes quer dos que estão em arquivo.

Refere-se também o acesso à INCMpara consulta e impressão dos Diários daRepública.

Existe ainda na Mediateca uma área àqual chamámos Didateca, onde funcionao Espaço Internet, composto por 20computadores, onde os utentes podemconsultar a informação disponível naInternet e produzir informação original,utilizando ferramentas específicas paracriarem as suas próprias páginas. Estaárea dispõe, ainda, de cursos de línguas e

filmes em vídeo, que podem ser utilizadosindividualmente ou em sessões de de-monstração e formação dirigidas a gru-pos de profissionais ou de estudantes.

Durante estes 10 anos de existência,a Mediateca tem procurado ser umaestrutura viva e em permanente evolu-ção. Os números que a seguir divulga-mos são disso testemunho: fomos visita-dos por cerca de 1 milhão de pessoas;desde o ano 2000, foram mais de 100mil os utilizadores da internet; foramefectuadas para cima de 2 milhões depesquisas no catálogo electrónico; fize-mos mais de 125 mil empréstimos deobras para leitura domiciliária; foramefectuadas cerca de 1250 visitas guia-das de grupos de profissionais e estudan-tes; distribuímos mais de 350 milbrochuras da UE; foram atendidos maisde 6 mil invisuais, correspondendo amais de 400 mil páginas de informaçãotratadas (braille e disquete); fornecemosmais de 3 milhões de fotocópias, querpara os utilizadores do Grupo Caixa, querpara os clientes externos.

Com a abertura da Mediateca daCGD, criou-se em Portugal um novo

conceito de Biblioteca quetemos vindo a replicar nos

últimos anos, em escala emodelos apropriados,nas mediatecas quetemos vindo a instalarnos países do EspaçoLusófono onde o GrupoCaixa opera e são bene-

ficiários da CooperaçãoPortuguesa, no âmbito de

um Protocolo de Cooperaçãoentre a CGD e o IPAD. Estão já

em pleno funcionamento com grandesucesso as de Timor Leste, em Dili, as deMoçambique (Maputo e Beira), a de S.Tomé ( em S. Tomé e Príncipe) e a deCabo Verde - Polo da Praia. Será inaugu-rado, em Setembro, o Polo do Mindelo. Abiblioteca tradicional deu assim lugar auma biblioteca informatizada e multimé-dia, de acesso livre, quer aos clientesinternos quer aos externos, e cujoobjectivo fundamental é proporcionar aconsulta de uma vasta gama de serviçose suportes de informação, principalmentevirada para as áreas ligadas à actividadedo banco, utilizando as mais modernastecnologias da informação e comuni-cação, designadamente a Internet.

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Se considera que a Educação ao Longo da Vida é um direito!

Então adira à:

e assine a revistaPessoas ligadas a projectos de terreno, a estabelecimen-tos de ensino, à administração pública, à investigaçãoassumiram o envolvimento na Associação “O Direito aAprender”. Queremos também contar consigo comoapoiante: quer tornando-se membro da Associação “ODireito a Aprender” quer como leitor da revista “Aprenderao Longo da Vida”.Aderir é também contribuir para o alargamento destarede: fotocopie este cupão e distribua-o pelo maior núme-ro possível de amigos e conhecidos.Aqui fica então o convite para formalizar a sua adesão à

Associação “O Direito de Aprender” e à assinatura darevista “Aprender ao Longo da Vida”. Caso aceite o desa-fio, e esperamos bem que o faça, preencha por favor aseguinte ficha de inscrição e envie para:

APARTADO 30005

1350 - 999 LISBOA

Telefone: 969 593 912

e-mail: [email protected]

Informações:

http://www.direitodeaprender.com.pt

NOME:

MORADA: LOCALIDADE:

TELEFONE: FAX: E-MAIL:

Pretendo aderir à Associação “O Direito de Aprender” (Distribuição gratuíta da Revista aos associados)(Cota anual: 30 euros)

Pretendo ser assinante da revista “Aprender ao Longo da Vida” (4 números por ano)(O preço da assinatura anual é de 13,50 euros)

O pagamento pode ser efectuado por cheque para a Associação “O Direito de Aprender” ou transferência bancáriapara a conta do NIB da Caixa Geral de Depósitos 003500270008163483055

"

AprenderAssociação O Direito de

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AO LONGO DA VIDA 37

AFundação Friedrich Ebert foicriada em 1925 como legadopolítico de Friedrich Ebert, oprimeiro presidente alemão

democraticamente eleito e hoje em dia, éuma instituição política de utilidade pú-blica sem fins lucrativos empenhada nosprincípios e valores básicos da social-de-mocracia, com um trabalho educativo ede carácter político.

O objectivo da iniciativa foi reunir res-ponsáveis políticos, especialistas, profes-sores e representantes da sociedade civilpara um balanço das políticas de educa-ção na Europa, partilhando experiênciase perspectivas de futuro.

Uma das conferências deste ciclo inti-tulava-se “Educação cívica na Europa noprocesso de aprendizagem ao longo davida”, e teve lugar no dia 15 de Abril. Esti-veram presentes Christian Ernst (Associa-ção Zeitpfeil, Berlim), Katja Niggemeier(Associação Paul Singer, Berlim), MirnaMontenegro (Instituto das ComunidadesEducativas, Setúbal), Chrysafo Arvanit(Associação Citizens in Action, Atenas),

Radosveta Drakeva (Associação Znanie,Sófia) e Julien Neiertz (Serviço de Juven-tude da Cidade de Gennevilliers).

O que é?

D-learning. Democracy learning. Ouseja, um projecto de parceria de aprendi-zagem que visa o desenvolvimento deuma rede europeia de organizações e deinstituições promotoras da aprendizagemdemocrática e da educação cívica emdiferentes contextos.

Quem?

A parceria une instituições de dife-rentes contextos geográficos e estatutosinstitucionais.Zeitpfeil – Berlim, Alemanha – é umaONG sem fins lucrativos que trabalha nocampo da aprendizagem não-institucio-nal, implementando projectos de educa-ção cívica a nível regional, nacional eeuropeu. Os seus objectivos passam pelofortalecimento da sociedade civil comoparte fundamental da democracia, pelopapel dos jovens enquanto cidadãos

activos e pelo desenvolvimento de for-mas e métodos inovadores de educaçãocívica. Objectivos conseguidos através deactividades relacionadas com a educa-ção cívica (seminários, visitas de estudo,intercâmbios de estudantes, projectosem rede) e com a participação e qualifi-cação dos jovens. Pretende trabalharcom todo o tipo de indivíduos, visandoespecialmente desenvolver abordagensà aprendizagem intergeracional. No en-tanto, trabalha especialmente comjovens adultos entre os 18 e os 25 anos,com actividades direccionadas a jovensdas comunidades imigrantes em fase deorientação profissional. Os princípiosorientadores da Associação Zeitpfeilpassam pela independência religiosa epolítica e pelo confronto de teorias epráticas.Associação Paul Singer – Berlim,

Alemanha – associação sem fins lucra-tivos que visa a educação social, políticae cultural. O seu projecto pretende a for-mação de um grupo de trabalho compos-to por jovens de várias nacionalidades,

Uma parceria entre o GoetheInstitut de Lisboa e a FundaçãoFriedrich Ebert originou umaConferência Internacional cujotema foi Educação para aSociedade do Conhecimento.

D–LEARNINGTexto: Daniela Silveira Fotografias: Paulo Figueiredo

APRENDIZAGEM DEMOCRÁTICA E EDUCAÇÃO CÍVICA NA EUROPA NUMPROCESSO DE APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA

REPORTAGEM

Chrysafo Arvanit e Katja Niggemeier Christian Ernst e Mirna Montenegro

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38 APRENDER

REPORTAGEM

cooperando através de formas deeducação não formal e extracurricular.Este grupo de trabalho permite a jovensde diferentes países conhecerem-se etrabalharem em conjunto, dando voz àssuas experiências na estrutura dotrabalho social e da juventude, assimcomo à cooperação profissional semfronteiras. Entre outros, os objectivos sãoa promoção da participação política anível local e o estabelecimento de umparalelo com os problemas da UniãoEuropeia. O propósito do trabalho inter-cultural da associação é contribuir para aeducação social e desenvolvimento pes-soal dos jovens. O contacto com outrasvivências e culturas elimina preconceitose descriminações, e o acesso a informa-ção histórica e a antecipação da socieda-de do futuro permite aos jovens o desen-volvimento de uma consicência social ede um comportamento democrático.Instituto das Comunidades Educativas

– Setúbal, Portugal – ONG sem finslucrativos, vocacionada para o desenvol-vimento local, animação e intervençãocomunitária, através da dimensão educa-tiva orientada para o combate à exclusãosocial, cultural, étnica e económica e adesertificação do meio rural. Este comba-te é feito com base em projectos de inter-venção em bairros periféricos, em espe-cial no mundo rural. O lema do ICE é “darespaço ao local, tempo à sua afirmação epoder ao seu poder”. A educação formale não formal são consideradas manifes-tações interdependentes no processoeducativo.Citizens in Action – Atenas, Grécia –

uma ONG sem fins lucrativos cuja finali-dade é apoiar e promover a ideia de cida-dania activa, especialmente para jovens,através de novas formas sociais decompromisso e de participação. Um dosseus objectivos é o desenvolvimento decapacidades, encarando a pessoa comoagente activo no seu próprio ambiente,na sua vida, no seu bairro.

A CiA contribui para o desenvolvimen-to local e da comunidade através daparticipação de voluntários locais e es-trangeiros em projectos que beneficiemtodos, com especial relevo para áreasrurais.The Private Vocational School for

Baking and Confectionery – Associação

Znanie – Sófia, Bulgária – Znaniesignifica “conhecimento”, conhecimento

esse que a associação oferece em cursosextra escola: cursos de línguas, comuni-cação, desenvolvimento, treino vocacio-nal para desempregados. A escola envol-ve nas suas actividades professores,leitores, tutores universitários e vários es-pecialistas, visando criar a possibilidadede uma educação fora da escola e umaqualificação ao longo da vida para cadapessoa, independentemente da suaorigem étnica, social ou religiosa. A for-mação vocacional de desempregados évalorizada, fornecendo qualificações eaprendizagens. A associação desenvolveelementos de formação cívica comoparte da criação de possibilidades deaprendizagem ao longo da vida.Le Service Municipal de la jeunesse de

Gennevilliers – Gennevilliers, França –

Gennevilliers é uma pequena cidadesituada nos arredores de Paris. Esta ins-tituição desenvolve um conselho local dejovens adultos (dos 18 aos 25 anos),maioritariamente oriundos das comu-nidades imigrantes, que estão em fasede orientação profissional. Desenvolveu-se um conceito especial de participação,que inclui formação cívica, acompanha-mento de projectos e modos de difusãocultural. Os projectos internacionais pas-sam por intercâmbios europeus ligados àperspectiva participativa. Contribui comcompetência e experiência no campotemático da participação em contextoslocais e em educação cívica de baseslocais. É reconhecida a existência dediferentes formas de participação.

Os parceiros apontam como expecta-tivas em relação ao projecto D-Learning apossibilidade de troca de exemplos deboas práticas e a exploração de novasformas de estimular as pessoas no seuambiente. Mirna Montenegro, do Institu-

to das Comunidades Europeias, apontacomo interesses principais a intervençãoem várias realidades em Portugal, emque é importante saber o que é cidada-nia e como esta pode ser exercida quandose é habitante de um mundo em exclusão;e a tentativa de encontrar, em conjunto, osignificado do que é ser cidadão europeu.Já para a Associação Znanie, represen-tada por Radosveta Drakeva, a parti-cipação no projecto D-Learning reveste-sede uma importância ainda maior, umavez que vai servir para informar as pes-soas sobre a posição da Bulgária acercada União Europeia, que vai integrar em2007. Radosveta Drakeva é de opiniãoque D-Learning e cidadania podem servistas em conjunto, não como um temamas como uma maneira de ser, de estare de se comportar. É uma posiçãopessoal e um desenvolvimento pessoal.

Para quê?

São vários os motivos que levaram àconstituição do projecto D-learning:- as transformações fundamentais que

ocorrem nas democracias modernas,à luz da integração europeia e no con-texto de um complexo processo deestruturação das esferas de poder;

- a procura de explicações sobre oparadoxo surgido num documento daComissão Europeia, que concluiu queos europeus querem que os líderespolíticos encontrem soluções para osgrandes problemas com que as socie-dades se confrontam, mas ao mesmotempo aumenta a desconfiaça e odesinteresse nas instituições e polí-ticas;

- a confiança nos benefícios prove-nientes da educação cívica, trocaintercultural e diálogo intergeracional,que têm um papel chave na formaçãoda sociedade civil a nível europeu;

- a preocupação acerca das descon-tinuidades entre jovens e idosos eentre maiorias e minorias no que dizrespeito à representação política eenvolvimento cívico;

- identificação de uma necessidadeurgente de integrar a aprendizagemdemocrática como um elemento cha-ve no processo de aprendizagem aolongo da vida.

Assim, decidiu-se criar uma parceriasobre a aprendizagem democrática e

Radosveta Drakeva e Julien Neiertz

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AO LONGO DA VIDA 39

educação cívica na Europa, num proces-so de aprendizagem com objectivos bemdefinidos, a nível europeu, nacional elocal.A nível europeu, pretende-se:- reflectir sobre as palavras-chave

“aprendizagem ao longo da vida”, re-lacionando-as com a educação cívica;

- desenvolver conceitos contextualiza-dos de aprendizagem democrática;

- aprender sobre transformações eteorias acerca de democracias euro-peias, no sentido de desenhar conclu-sões no que diz respeito a tarefas eformas de educação cívica na Europa;

- criar uma rede sustentável de organi-zações e instituições envolvidas coma educação cívica e a promoção daparticipação cívica;

- trocar, desenvolver e implementarabordagens, conceitos, métodos eprojectos para a aprendizagem demo-crática;

- estabelecer interconexões entre asredes dos diferentes programas euro-peus (Juventude, Sócrates, Leonardo,Equal) no sentido de pôr em acçãoprojectos sustentáveis.A nível nacional e local, os objectivos

passam pela construção de redes quepossibilitem a multiplicação dos resulta-dos da parceria, a avaliação das ligaçõesentre aprendizagem formal e não formale a formação do conhecimento teórico edas competências metodológicas dedifusão dos participantes.

Como?

Os conteúdos do programa são“aprendizagem democrática e aprendiza-gem ao longo da vida”, cujos objectivossão a identificação de possíveis interfa-ces entre educação formal e não formal ea elaboração de um conceito pedagógicoque ligue o nível local e o intercâmbioeuropeu; e “aprendizagem democrática eparticipação”, que visa a avaliação deconceitos e contextos de participação, aparticipação das minorias a nível local ea definição do que é uma cultura deaprendizagem democrática.

O programa do projecto divide-se em“estudando democracia” e “trabalhandosobre aprendizagem democrática”, anível local e a nível europeu. Numa pri-meira fase (2005/2006) ocorrerá, a nívellocal, a avaliação de histórias, conceitose contextos da educação cívica a nível

nacional e brainstorming sobre “aprendi-zagem democrática”. Na segunda fase(2006/2007) será feita a avaliação eelaboração de métodos para a aprendiza-gem democrática. Na fase final (2007/2008) serão elaborados projectos sus-tentáveis para a aprendizagem democrá-tica a nível local. É comum às três faseso encontro de grupos de trabalho, assimcomo a multiplicação dos resultados e aimplementação dos projectos. A nível eu-ropeu, as mesmas três fases serãopreenchidas por 1) desenvolvimento doconceito “aprendizagem democrática” eimplementação do site na Internet; 2)troca e desenvolvimento dos métodospara aprendizagem democrática, encon-tros dos grupos de reflexão, e publicaçãoon-line; 3) elaboração de projectos sus-tentáveis para a aprendizagem demo-crática a nível europeu, publicação, con-ferência europeia e avaliação. Preparar-se-á também o caminho para a eventualcontinuidade da rede.

No campo “estudando democracia”,serão realizados, em 2005 e 2006, estu-dos sobre a democracia em transfor-mação.

Aprendizagem ao longo da vida – aaprendizagem ao longo da vida não éencarada como um processo contínuo eorganizado no sentido de qualificaçãoprofissional contínua. Refere-se antes àvontade, necessidade e desejo deaprendizagem depois e em paralelo coma educação formal. Decorre numavariedade de locais e inclui educaçãonão formal e informal. Na visão desteprojecto, a aprendizagem ao longo davida inclui reflexão, experiências e umaatitude activa de aprendizagem, quecontribuem para o desenvolvimento dascompetências dos aprendentes.

Educação cívica/ Educação

democrática – o projecto entende por

educação cívica/ educação democráticanão a transmissão de valores,comportamentos e informação sobre osistema democrático mas sim aexperiência de debate, tomada dedecisões, conflito, negociação e reflexãoem contextos concretos de interacção.Isto estimula o pensamento político e areflexão crítica, assim comocompetências relacionadas com aformação de opiniões, negociação,mediação, debate e implementação deprojectos. Os aprendentes devem servistos como cidadãos e sujeitosautónomos da aprendizagem. Acidadania não pode ser aprendida emlições, apenas através da própriacidadania. É por esta razão que o

projecto utiliza o termo “aprendizagemdemocrática”. Esta só pode ocorrernuma cultura democrática deaprendizagem.

Participação – uma cultura democráticade aprendizagem baseia-se num elevadonível de participação dos aprendentes, oque corresponde a decisões sobre formae conteúdo de aprendizagem num altonível de actividade autónoma efeedback mútuo. A participação dosestudantes é uma forma dedesenvolvimento democrático da escola.Participação significa que alguém deixaparticipar. O facto de que não éindependente de relações de poder deveser tornado claro e alvo de reflexão.

Glossário D-LearningO projecto funciona com base num grande número de palavras-chave e conceitos muito utilizados. Terminologia como

aprendizagem ao longo da vida, educação cívica, educação democrática e participação devem ser discutidos criticamente nocontexto do discurso generalizado e redefinidos a fim de desenvolver conceitos de aprendizagem que se adequem a uma visãohumanista de aprendizagem, por oposição a uma lógica de mercado.

SITES A CONSULTAR

www.feslisbon.org · www.zeitpfeil.org · www.ville-gennevilliers.fr · www.ice.web.pt · greenWeb/index.php?langn · www.paulsinger.de/

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40 APRENDER

OPINIÃO

A Declaração de Hambourg reitera o Relatório deJacques Delors ao considerar que “o conceitode educação ao longo da vida aparece comouma chave de entrada para o século XXI”(Delors,1996:17). Efectivamente, face a um

mundo em mudança onde se exige uma adaptação constantea novas realidades e contextos profissionais, sociais e culturais,a educação ao longo da vida constitui um requisito fundamen-tal para fazer face a esta nova mundividência. Significativonestes textos é o facto de nos alertarem para uma tomada de

consciência crítica que permite entendermos que doravantetodos os cidadãos – crianças, jovens, adultos ou anciãos – parapoderem estar integrados nas comunidades em que vivem –sejam urbanas ou rurais – e participarem nas práticas sociais,culturais e comunitárias, necessitam estar em processo contí-nuo de aprendizagem/educação/formação.

Deste ponto de vista, e tendo em conta a realidade educa-tiva e cultural da grande maioria da população portuguesa ca-racterizada por baixos níveis de escolaridade, de formação e deinformação adquire uma grande importância a educação/ for-

A EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA NO PROCESSO DE EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA:

O MÉTODO (AUTO)BIOGRÁFICOENTENDERMOS O PROCESSO DE EDUCAÇÃO/FORMAÇÃO COMO DE AUTO-EDUCAÇÃO/FORMAÇÃO AJUDA---NOS A COMPREENDER A IMPORTÂNCIA DO MÉTODO AUTOBIOGRÁFICO NA FORMAÇÃO DOS ADULTOS E ARELEVÂNCIA QUE ADQUIRE EM PROJECTOS DE INTERVENÇÃO EDUCATIVA JUNTO DE POPULAÇÕES MAISDESFAVORECIDAS CULTURALMENTE.

Texto Maria da Conceição Pinto Antunes (Prof. Auxiliar do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho e investigadora do CIEd - Centro de Investigação em Educação) # Ilustração Luis Miguel Castro

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mação de adultos promovida nas modalidades de educaçãocomunitária. Isto é, face aos baixos níveis de escolaridade e decultura letrada, os projectos de intervenção educativa junto dascomunidades mais desfavorecidas, rurais, excluídas e/ouminoritárias como via para uma melhoria da qualidade de vidadestas populações e a sua consequente integração profissio-nal, social e cultural constituem, sem dúvida, uma prioridadena política educativa portuguesa. Não obstante a necessidadee urgência deste tipo de intervenção educativa no nosso país,do ponto de vista da política educativa, ela tem vindo a sercontinuamente negligenciada e desenvolvida por instituiçõesde administração local e, maioritariamente, no âmbito do movi-mento associativo, tendo vindo a adquirir, por esta razão, pen-dores voluntaristas e assistencialistas. No entanto, apesar deao nível do poder central não serem suficientemente incentiva-dos e apoiados, os projectos educativos de intervenção comu-nitária constituem já uma volumosa experiência de práticaseducativas, muitas delas dinâmicas, criativas e promotoras deimportantes transformações sociais. Talvez devido ao facto dafalta de apoio institucional estas experiências têm umarealidade dispersa e praticamente desconhecida, pois acercadelas pouco se escreve, sistematiza e /ou reflete.

Educação Comunitária

A educação comunitária é uma práxis que engloba um vastocampo de actividades e modelos de educação/formação: for-mais, não-formais, informais e comunitários, permitindo actuardentro do sistema educativo ou fora dele. Contudo, maiorita-riamente, os projectos de intervenção comunitária têm o seumaior relevo ao nível da educação extra-escolar ou não-formal. Atítulo exemplificativo podemos referir como contextos dedesenvolvimento de projectos de intervenção educativa: bairroseconómica e socialmente desfavorecidos, associações (cultu-rais, recreativas, desportivas religiosas, etc.); bibliotecas; mu-seus, instituições de saúde e de solidariedade social; centroscívicos, comunitários e de voluntariado; organismos do poderautárquico; ONG’s; etc. A grande maioria do público-alvo a quemestes projectos se destinam são populações urbanas ou ruraisdesfavorecidas, excluídas, ou minoritárias com um baixo nível deformação e informação que as impede de se integrarem profis-sionalmente e/ou participarem na vida social e comunitária.

A intervenção comunitária tem, na maioria das vezes, umpúblico-alvo para o qual a cultura erudita e letrada pouco diz.Trabalhar na intervenção comunitária é trabalhar não para massim com as pessoas e isto implica ir ao encontro do seu mundo,dos seus costumes, valores, do seu saber de experiência feito.Neste sentido, o educador comunitário deve conceber, imple-mentar e avaliar os seus projectos de intervenção tendo emconta e partindo da realidade cultural e do saber destas popu-lações que como dissemos não privilegia e endeusa os códigosculturais da leitura e da escrita… é importante que se percebaque os valores, as identidades e os afectos comunitários têmnormalmente outros suportes e mecanismos. Neste quadro ossaberes populares - oriundos da tradição oral, da aprendizagemdos ofícios artesanais, das relações de parentesco e devizinhança – são decisivos para a aprendizagem do conheci-mento, que se pode construir a partir desses vectores educati-vos (Raimundo, H, 2003:71).

Tendo em conta esta realidade, ou seja, que a promoção doprocesso de formação/educação destas populações deve de-senvolver-se com base nos saberes e competências que foramadquirindo nas experiências quotidianas, o método das histó-rias de vida constitui uma metodologia muito pertinente na for-mação/educação destas populações.

A Relevância do Método (Auto)Biográfico

O processo de educação/formação deve ser sempre enten-dido no sentido de promoção e desenvolvimento de todas ascapacidades do ser humano no qual assume grande relevânciao papel dos sujeitos em formação bem como os seus contextosprofissionais, sociais e culturais. Aliás, como sabemos, “nin-guém forma ninguém” (Nóvoa,1988:116), o processo de educa-ção é sempre um processo de auto-educação, autocriação,autoformação participada. Isto significa que a construção danossa individualidade deve ser entendida como uma autocons-trução com base nas experiências factuais e culturais que cadaum de nós vai vivenciando. Por outras palavras, cada um de nósretrabalha de uma forma idiossincrática todas as informaçõesque vai recebendo, integrando-as de forma pessoal na sua jáexistente teia de conhecimentos, crenças, desejos, valores, etc.Neste sentido, e corroborando as palavras de Nóvoa diremosque “A formação depende do que cada um faz do que os outrosquiseram, ou não quiseram fazer dele. Numa palavra, a forma-ção corresponde a um processo global de autonomização, nodecurso do qual a forma que damos à nossa vida se assemelha– se é preciso utilizar um conceito – ao que alguns chamam aidentidade” (Nóvoa,1988:61).

Entendermos o processo de educação/formação como umprocesso de auto-educação/formação ajuda-nos a compreendera importância do método autobiográfico na formação dosadultos e a relevância que adquire em projectos de intervençãoeducativa junto de populações mais desfavorecidas cultural-mente. “Quando trabalhamos em educação e, de uma formamuito particular, em educação de adultos, nunca partimos do

AO LONGO DA VIDA 41

NOS NOSSOS DIAS, A EDUCAÇÃO É ENTENDIDACOMO UM PROCESSO PERMANENTE ECOMUNITÁRIO, UM PROCESSO QUE INTEGRATODOS OS SERES HUMANOS E SE ALARGA A TODAA COMUNIDADE, ENGLOBANDO ASSIM “AEDUCAÇÃO FORMAL E A EDUCAÇÃO PERMANENTE,A EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL E TODA A GAMA DEPOSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM INFORMAL EOCASIONAL EXISTENTE NUMA SOCIEDADE”(UNESCO, Cinquième Conférence Internationale Sur L’éducation desAdultes, La Declaration de Hambourg, 1997, p.9).

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42 APRENDER

OPINIÃO

nada, muito pelo contrário: partimos de algo construído e alicer-çado ao longo de todo um processo de vida”(Antunes,2003:148), pois só deste modo conseguimos ir ao encontro dasnecessidades e expectativas dos formandos. Assim, partindodas suas próprias histórias de vida, o método autobiográficopermite aos formandos, através de um processo retrospectivo,perceber quais foram as pessoas, os acontecimentos, asactividades e/ou os contextos que foram para elas significativase contribuíram para a sua formação/educação, ou seja, para aconstrução da sua individualidade.

Ao reflectirem sobre o seu percurso de vida tomam, então,consciência de que sabem muito mais do que aquilo que pensa-vam saber e, este facto, é um estímulo para a sua auto-estima euma motivação para aprender mais. Nos projectos de inter-venção comunitária dirigidos às populações mais desfavore-cidas esta é, muitas vezes, a metodologia que facilita e promovea adesão do público-alvo ao projecto. Pois, vendo valorizadoesse outro tipo de conhecimento, o saber adquirido através dasvivências ocorridas ao longo das suas vidas, as pessoas cons-ciencializam-se do potencial formador das suas experiências devida e passam a empenhar-se mais no seu processo deautoformação, aderindo de uma forma mais espontânea, maisinteressada e mais interiorizada aos projectos de intervençãoeducativa.

Ao educador comunitário cabe a tarefa de levar o adulto aconsciencializar o facto de que ele é o agente do seu processode educação/formação, ou seja, o agente da sua (trans)forma-ção e, consequentemente, da emancipação das comunidadesem que vive. Como nos diz Dominicé “não há formação semmodificação, mesmo que muito parcial, de um sistema de refe-rências ou de um modo de funcionamento” (Dominicé, 1988:53), assim sendo, a finalidade última do trabalho de interven-ção visa a transformação de práticas, de comportamentos, deatitudes promotoras de uma melhor qualidade de vida daspopulações e das comunidades.

Conseguir mudanças face a práticas enraízadas só se tornapossível quando o educador se torna um modelo para o forman-do, quando aquele num clima empático estabelece uma rela-ção de afecto com este, tocando o seu “eu” privado, os seusinteresses, desejos, emoções. Como a propósito refere LuísaCortesão, quando é que, às vezes, tenho certas esperanças naformação. É quando a formação se faz […] num clima que sejacapaz de tocar a emoção. A emoção às vezes, consegue rompera barreira da resistência e leva a pessoa a questionar as pró-

prias atitudes e acções. Por isso é que acredito que, às vezes,a investigação-acção que pode provocar situações de implica-ção, de empenhamento, mesmo de paixão naquilo que se faz,pode provocar alguma formação naqueles que a estão a desen-volver” (Cortesão, L. (2004). in Rev. Aprender ao Longo da Vida,nº2, p.43).

Efectivamente, sempre que trabalhamos histórias de vida,os autores das biografias educativas – atribuindo, por essarazão, um papel de relevo à família nuclear –, evidenciam quea sua formação entendida como uma construção progressivaque se manifesta numa história de vida se constrói num camporelacional. As aprendizagens significativas na família, na esco-la, no meio profissional, etc. são sempre construídas numa rela-ção afectiva com os pais, irmãos, professores, amigos. São asaprendizagens que resultam destas relações que ajudam o indi-víduo a construir a sua individualidade, ou seja, a sua históriade vida.

A formação é feita da presença de outrem, daqueles de quefoi preciso distanciarmo-nos, dos que acompanham os momen-tos charneira, dos que ajudam a descobrir o que é importanteaprendermos para nos tornarmos competentes e darmossentido ao nosso trabalho ( Dominicé,1988:60).

Face aos dados das biografias educativas facilmente com-preendemos que a formação passa forçosamente por aqui - ouniverso relacional – e que o formador audaz tem que subtil-mente saber estabelecer uma relação empática com osformandos e, por esta razão, não deve preocupar-se em distan-ciar-se para poder ser objectivo antes deve empenhar-se, apro-priar-se, embrenhar-se no mundo dos formandos se, como dizLuísa Cortesão, quer provocar alguma (trans)formação nassuas vidas.

Muitos são ainda aqueles que se opõem a esta metodologianas ciências sociais e humanas e, por conseguinte, na educa-ção, apontando a sua falta de imparcialidade, objectividade eneutralidade querendo, assim, fazer valer os pressupostos posi-tivistas que já há muito tempo, particularmente neste campo,revelaram a sua ineficácia. “Em geral só observamos bemquando nos colocamos de fora”, escreveu A. Comte. Contudo,sabemos, o esforço pela objectividade e imparcialidade nãoconduziu a um crescimento real no campo das ciências huma-nas. Efectivamente, foi a ineficácia destes pressupostos quepromoveram o desenvolvimento e valorização de uma metodo-logia alternativa: o método biográfico. Bem… mas estas são jáquestões de carácter epistemológico que poderão apontar…para uma outra reflexão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Actas do I Congresso Ibero-Americano e Africano de Educação de Adultos eDesenvolvimento Comunitário. (2002). Vila Real de Stº António: CâmaraMunicipal de Vila Real de Stº António.Antunes, Maria (2003). Teoria e Prática Pedagógica. Lisboa: Instituto Piaget.Cortesão, Luísa (2004). in Rev. Aprender ao Longo da Vida, nº2.Delors, Jacques, (1996). Rapport à l’UNESCO de la Commission Internacionalesur l’éducation pour le vingt et unième siècle, - L’Éducation. Un Trésor Est CachéDedans.Nóvoa, A. Finger. M. (1988). O Método (Auto) Biográfico e a Formação. Lisboa:Ministério da Saúde. Departamento de Recursos Humanos da Saúde.UNESCO. (1997). Cinquième Conférence Internationale Sur L’éducation desAdultes, La Declaration de Hambourg.

AO EDUCADOR COMUNITÁRIO CABE A TAREFA DELEVAR O ADULTO A CONSCIENCIALIZAR O FACTO DEQUE ELE É O AGENTE DO SEU PROCESSO DEEDUCAÇÃO/FORMAÇÃO, OU SEJA, O AGENTE DASUA (TRANS)FORMAÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE,DA EMANCIPAÇÃO DAS COMUNIDADES EM QUEVIVE.

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AO LONGO DA VIDA 43

Um dos problemas do Ensino

Recorrente, referido no relatório de

avaliação de 1981 e em outros

documentos, é a frequência cada vez

maior nos cursos nocturnos de uma

população jovem vinda do insucesso

escolar, enquanto que há cada vez

menos adultos. Que pensam disto?

Filomena Gonçalves – Quando da publi-cação desse relatório, houve nas escolascom Ensino Recorrente um aceso debateinterno. Durante o ano lectivo de 1999, oEnsino Recorrente esteve em debateobrigatório em todas as reuniões e atodos os níveis da organização. De facto,estávamos numa encruzilhada e pressio-

nados por todas as correntes de opinião. Por um lado, era unânime a necessi-

dade de uma escola aberta ao público danoite, aos adultos, a funcionar em regimepós-laboral, e que certificasse saberesescolares. Por outro lado, foi conclusãounânime que a escola deveria estaraberta a uma outra intervenção, na linhado que no passado era a alfabetizaçãode adultos. A região de que falo, o Vale doAve, é muito específica, marcada poruma matriz económica com algumatecnologia de ponta, mas onde a econo-mia tradicional ainda prevalece. Havia ehá franjas da população que careciam daescola para estas finalidades.

Em 1999, foi definido que na Escola

Tomás Pelayo, a única de Santo Tirso quetem a educação de adultos a seu cargo,haveria estas duas linhas de intervençãoprioritária. O papel da escola continua aser importantíssimo na certificação, mastambém, e lateralmente, numa aprendi-zagem ao longo da vida assente numamodalidade mais flexível.

Lisete Matos – A sensação que se tem éque, como a própria terminologia indicia,“recorrente” significa que deve ser recor-rente para quem já tem alguma experiên-cia de trabalho. Eu continuo a achar quese alguma coisa correu mal no EnsinoRecorrente foi o facto de ele ter passadotambém a dirigir-se aos jovens que

DEBATE

OS RUMOS DOENSINO RECORRENTE

PARA ONDE VAI O ENSINO RECORRENTE? QUE PROBLEMAS ENFRENTA? QUAL É O SEU PÚBLICO? COMOSE ARTICULA COM OS CURSOS DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS (EFA) E OS CENTROS DERECONHECIMENTO, VALIDAÇÃO E CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS (CRVCC)? A APRENDER AO LONGODA VIDA DECIDIU ENCARAR ESTE DEBATE, CONVIDANDO ESPECIALISTAS E AGENTES DO TERRENO,MANUELA MALHOA DA ESCOLA SEC. MARQUÊS DE POMBAL, FILOMENA GONÇALVES DA ESCOLA SEC.TOMÁS PELAYO, LISETE MATOS DA DIRECÇÃO REGIONAL DE EDUCAÇÃO DO CENTRO (MIN. EDUCAÇÃO) EJORGE PINTO DA ESE SETÚBAL

Moderador Rui Seguro # Fotografias Paulo Figueiredo

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abandonaram a escola ou foram objectode insucesso.

Mas isto não é válido apenas para oEnsino Recorrente. Os próprios cursos deEFA, muito mais recentes, que foramcriados no tempo da Agência Nacional deEducação e Formação de Adultos, pode-rão vir a ser objecto do mesmo desvio. Éum facto que o Ensino Recorrente, sobre-tudo o modelo das unidades capitalizá-veis, assenta numa co-responsabilizaçãoque exige uma relativa maturidade. Nãovou dizer que os jovens não têm muitascompetências, mas há nestas modalida-des um pressuposto ideológico, filosófi-co, que aponta para gente mais madura.

Manuela Malhoa – A Escola SecundáriaMarquês de Pombal está centrada numlocal onde a população é muito envelhe-cida, daí que seja uma das escolas daregião de Lisboa com maior quantidadede alunos à noite. Apostámos há muitopouco tempo num CRVCC, que só iniciouem Abril, onde de facto nos aparecerampessoas com 18 anos e que não tinhamcompetências já desenvolvidas de formaa poder fazer-lhes certificação. Foramreencaminhadas para os grupos ou paraacções de Educação e Formação deAdultos do Ensino Recorrente do ensinobásico.

Mas é um trabalho importante que seestá a fazer, porque acreditamos que acomunidade tem de vir para a escola,mas a escola também tem de ir para acomunidade, aprender com ela, com aautarquia, com as empresas, com asinstituições. Tem havido um grande tra-balho no sentido de irmos às empresas,às instituições, às autarquias tentarperceber quem são as pessoas que nãotêm 9º ano, tentar motivá-las não só parao CRVCC mas também para completar o12º ano a nível das unidades capita-lizáveis.

A nível do ensino básico e do ensinosecundário por unidades capitalizáveis,temos tido também algum trabalho. Écurioso notar que, a princípio, os profes-sores tinham muitas dificuldades, esta-vam habituados a um ensino muito esco-larizado e portanto era-lhes muito difícil irpara as unidades capitalizáveis. Fomosfazendo pequenas avaliações do proces-so a nível interno, fomos verificando quea escola ia tendo mais adeptos dasunidades capitalizáveis. Neste momento

é curioso notar que temos mais alunos ànoite que de dia.

Tentei perceber qual a opinião dealguns alunos. A minha amostra é muitopequena, de 28 alunos, e tem a ver comos que fizeram o ensino básico e passa-ram para o novo ensino secundário. Asrespostas têm a ver com isto, “gosto maisdo regime em unidades capitalizáveis, apressão sobre o aluno é maior no novoEnsino Recorrente, antes existia maiorflexibilidade e o aluno podia progredirmais facilmente se tivesse capacidadesde estudo”. Estou a repetir as palavrasque eles disseram para cada um poderinterpretar como entender. E há uma

última questão que me foi posta apenaspor duas pessoas, uma senhora de 47anos e um homem de 40 e que medeixou a pensar: este novo sistema serápara poupar recursos?

Jorge Pinto – Acho que há uma relaçãoentre estes subsistemas de segundaoportunidade e a forma como eles têmlugar no campo social. Devemos enten-der o Ensino Recorrente por dois senti-dos: recorrente significa ter uma outraoportunidade; mas as causas destaoutra oportunidade podem derivar deuma pessoa que por razões várias aban-donou e voltou; nesse caso há uma des-continuidade. Ou pode ser o continuarnoutro sítio, e há aqui uma lógica de con-tinuidade.

Quando se alarga a escolaridadepara os nove anos, a escola pública vaiconfrontar-se com muitos alunos queantes não tinham aproveitamento esaíam da escola e que passam a ter deficar. Que respostas a escola encontrapara estes alunos? Muitas vezes nãoencontra, e cria mecanismos de exclusãointerna. É a própria escola que vai empur-rando estes alunos, vai chumbando,suspendendo… Até porque é fácil queestes alunos criem grupos e se tornemvisíveis, tenham maus comportamentos,o que os leva inevitavelmente a reprova-ções longas ou a abandonos.

Somos confrontados com o facto de aescolaridade obrigatória produzir 45% dealunos que não a cumprem dentro doprazo. Socialmente, o que fazer comestes alunos? Passam-se para a noite, eaqui começa a surgir a confusão. Aquelesalunos que vinham por ruptura e volta-vam novamente à escola juntam-se aestes que vêm da continuidade. É a meiodos anos 90 que se tem consciênciadesta grande misturada em que esteEnsino Recorrente se tornou.

É nesse momento que aparece oestudo já citado, quando se tenta perce-ber o que estava a acontecer. Este estu-do tem um défice claramente assumido,que é ser feito só através de análisedocumental e de algumas entrevistas,não é um estudo com realidades locais.Naturalmente, haveria sítios onde ascoisas funcionavam bem, embora oretrato que se compõe é de uma certaineficácia. Mas este estudo tem a virtudede dar a conhecer melhor o próprio

DIÁLOGO

44 APRENDER

ACREDITAMOS QUE ACOMUNIDADE TEM DE VIRPARA A ESCOLA, MAS AESCOLA TAMBÉM TEM DEIR PARA A COMUNIDADE,APRENDER COM ELA,COM A AUTARQUIA, COMAS EMPRESAS, COM ASINSTITUIÇÕES.

Manuela Malhoa

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sistema, de se poder, pela primeira vez,fazer uma aproximação de quanto é quese gasta, para se saber optimizar osrecursos.

Algumas conclusões essenciais queeram reveladas: havia alguma rigidezdentro do próprio sistema, mesmo nasunidades capitalizáveis. Eram unidadescapitalizáveis, mas com um percursoúnico, tinha de se fazer as coisasnaquela carreirinha… Era um sistemaaltamente produtivo para quem estavafortemente investido no sistema, quemvinha sobretudo da continuidade.

Propusemos na altura algumas me-didas. Era preciso tornar o sistema maisflexível e eventualmente mais articulávelcom outros subsistemas. Discutimos se oEnsino Recorrente para os adultosdeveria ter o mesmo tempo que para osjovens em formação inicial; e propuse-mos que a escola admitisse outrosritmos e eventualmente outras modali-dades de funcionamento. Afastei-meentretanto do Ensino Recorrente, masmuito recentemente voltei a integrar umaequipa que fez alguns estudos de caso.Foi quando me dei conta que existe estadualidade entre o antigo e o novo.

As impressões que este ano recolhinuma escola de Lisboa foram de umacerta reactividade em relação ao novomodelo do Ensino Recorrente. Apercebi-me que tinha havido muito poucas dasmudanças que tínhamos proposto; asunidades capitalizáveis continuavam,nesta escola não havia grandes pro-blemas de comportamento como haviaantes. Parece-me que nas turmas comjovens e adultos há uma maior respon-sabilização dos próprios jovens, muitasvezes quase que o professor não inter-vém, são os colegas “que os põem naordem” e dizem: estamos aqui paratrabalhar, para divertir é noutro lado.

Quanto ao novo sistema, o que euentendi é que os módulos resultarammuito de um somatório de unidadescapitalizáveis, juntou-se uma série deunidades capitalizáveis que se passarama chamar módulos não mudando, contu-do, a lógica dos módulos. Dentro da pala-vra módulo, podemos ter duas grandesconceptualizações, uma é metaforica-mente do tipo lego – cada módulo é umapeça de lego que só por si não vale nada,só vale no conjunto – ou podemos ter omodelo de puzzle: se quero mobilar uma

sala e tenho pouco dinheiro, compro umbanco, que já em si tem uma utilidadeespecífica, posso sentar-me, depoiscompro uma mesa e já tenho uma mesae um banco, já posso fazer mais coisascom estes dois objectos, mas o bancofunciona sem a mesa e a mesa funcionasem o banco; juntos potencializam-se eassim sucessivamente. Esta é outranoção mais recente sobre o módulo. Nãosei se, actualmente, no sistema de módu-los, é esta a lógica ou se é a do lego.

É curioso que entre as vantagens queos professores referem está a turma e ofacto de as turmas terem o mesmo nível.Acho isto o mais desadequado que pode

existir em relação ao Ensino Recorrente. Aturma é, para mim, um dos grandesobstáculos à renovação da escola, porquetraz, simbolicamente, a ideia de ensinar atodos como se fossem um só, o que écompletamente desadequado a qualquertipo de ensino e muito em particular aoensino de adultos. Caminhar nestesentido no ensino de adultos é a extensãodo ensino diurno, é o pior caminho.

Uma outra coisa de que me apercebié que ninguém sabia muito bem o queseria o Ensino Recorrente, daqui a doisou três anos. Vive tudo numa espécie deuniverso virtual.

Quanto ao papel das escolas, achoque são fundamentais por duas vias.Uma, porque podem ser CRVCC, ajudan-do a encurtar formações ao validar sabe-res que as pessoas adquiriram nos seusdiversos contextos de vida; e, por outrolado, como um contexto que faz parte daoferta da própria formação, e portanto asescolas constituem peças estratégicas efundamentais de toda esta estratégia deeducação e formação das pessoas, dasociedade e sobretudo, nesta óptica, daformação ao longo da vida.

Manuela Malhoa – Nós temos esteprojecto de alguns adultos que fizeramos BUC, fizeram os SUC, e pessoas que játinham 40 ou mais anos entusiasmaram-se. Como temos os Cursos de Especiali-zação Tecnológica, frequentaram-nos; e,como temos protocolos com universi-dades, já estão na universidade. É umaexperiência muito pequena, tem apenastrês anos, mas é muito engraçado verque os alunos que foram para auniversidade têm até melhores notas doque tiveram cá, isto é, descobriram em sium novo projecto de vida e conseguiramprogredir extraordinariamente.

Gostaria de colocar uma questão que

julgo ser interessante para este

debate. Na Escola Secundária Tomás

Pelayo, coexistiram duas realidades:

Ensino Recorrente e Cursos EFA. Quais

foram as grandes diferenças

encontradas?

Filomena Gonçalves – Antes de res-ponder a essa questão, permita-me umpequeno comentário. Eu acho que, emprimeiro lugar, tem de haver uma grandeflexibilidade, porque temos que entender,

AO LONGO DA VIDA 45

AS IMPRESSÕES QUEESTE ANO RECOLHI NUMAESCOLA DE LISBOAFORAM DE UMA CERTAREACTIVIDADE EMRELAÇÃO AO NOVOMODELO DO ENSINORECORRENTE. APERCEBI-ME QUE TINHA HAVIDOMUITO POUCAS DASMUDANÇAS QUETÍNHAMOS PROPOSTO

Jorge Pinto

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que aceitar, a especificidade regional, omeio, que a escola serve. Temos de fazerum diagnóstico muito apurado e sódepois é que uma escola, tendo pordetrás o Ministério da Educação, devedefinir uma oferta, oferta que cadaescola deve adequar em função daevolução da própria sociedade e emfunção da evolução das necessidadeslocais. E isto porquê? A Lisete colocouuma questão muito importante que é apermanente perversão dos modelos.Tenho assistido, ao longo de 26 anos deexperiência profissional, ao lançamentode modelos, de projectos de extraordi-nária virtualidade.

Quando estive no anterior ConselhoDirectivo, fui um dos arautos do agoradito velho Ensino Recorrente e lembro-me da luta que foi, mesmo a nível inter-no, e da reacção, porque os professoresintroduzem factores de desvio assinalá-veis. Tem de haver, aliás, muito cuidado.

Eu defendo a flexibilidade, mas de-fendo por um lado uma escola enquantoserviço público (é esse o modelo em queacredito) que pense muito bem cadaoferta em função das mudanças locais,das mudanças sociais. Porque se vamoscom um jovem - que ou abandonou porlivre iniciativa antes de cumprir a escola-ridade obrigatória ou a escola o expul-sou, por seus mecanismos perversos eacentuando as desigualdades, e maistarde vai buscá-lo e inclui-lo num modelode tipo Ensino Recorrente - obviamenteque estamos a falar de uma solução quenão foi pensada para estes casos. Mashoje, apesar de tudo, já houve evoluções,e as escolas têm outras oportunidades,têm os cursos de educação e formação,podem prevenir o abandono muito maisprecocemente, devem agir preventiva-mente a montante da questão e não ajusante.

Em Santo Tirso, as taxas de abando-no são assustadoras. Analisou-se aoferta formativa ao nível do segundo eterceiro ciclo, só a esse nível, estamos afalar de jovens sem escolaridade obriga-tória. Por incrível que pareça, as escolasdão-se ao luxo de dizer que não queremfazer esses cursos, e o Ministério autori-za que isso aconteça.

As escolas dão-se ao luxo de dizer sequerem ou não oferecer cursos de Edu-cação e Formação, cursos tipo 2, tipo 3,que poderiam ser uma alternativa, preve-

nindo os problemas a montante. No meuconcelho, afectado por graves crises so-ciais, económicas e culturais, apenasuma escola oferece Cursos de Educaçãoe Formação, estamos perfeitamenteesmagados por uma procura para a qualnão temos resposta. Mas esses cursostêm sucesso e os alunos cumprem aescolaridade obrigatória, podem não saircom uma formação sólida geral, massaem com uma escolaridade digna eportanto não chegarão ao Ensino Recor-rente, não é suposto que cheguem.

Os Cursos EFA pretenderam ser,foram e são, justamente, uma alternativadentro daquela panóplia de tipologia B1,

B2, B3, B4, com aquele formato dealternativa ao antigo Ensino Recorrente,que na verdade enfermava de muitasdificuldades. Acho que as soluções têmde ser pensadas em função dos objecti-vos formativos. A experiência que temosna Tomás Pelayo é de que realmente osCursos EFA constituem uma resposta dealtíssimo sucesso.

Coisa espantosa, um dos problemasque agora se colocam, quando se com-para o novo Ensino Recorrente com o an-terior, é justamente o regime de classe, ohorário esmagador, o não permitir o regi-me não-presencial, indo contra a lógicade flexibilidade. Ainda mais grave queisso, é a obrigatoriedade de ter 24 alu-nos, porque prejudicamos 23 só porquenão existe o 24º.

No Curso EFA, curiosa e paradoxal-mente, apesar da enorme flexibilidadenos percursos escolares, chegavamtodos ao mesmo ponto, a formação era amesma. Adoraram trabalhar em regimede turma, adoraram o espírito de classe,porque é gente que vem da solidão domundo do trabalho e a quem sabe bemestar com os colegas ao fim do dia.

Os Cursos EFA, na minha escola, fo-ram um modelo plenamente bem suce-dido. Os números comprovam. Entraram16, um anulou logo de princípio, acaba-ram 15. Destes, apenas uma está de-sempregada. A presença, a vivência emgrupo, o tal factor de coesão de quefalei, chamaram a atenção da escolapara esse grupo de pessoas que faziacoisas com tanta alegria. Porque voltar àescola, com 46 anos e sem a esco-laridade, para cumprir o 7º, 8º e 9º, coma alegria de se fortalecer e rever numacertificação que as espera a curto prazo,e a alegria de voltar à formação ao longoda vida... Estou a falar de Santo Tirso,quase uma aldeia, estou a falar demulheres, de senhoras, que trabalha-vam 8 horas por dia e que para alémdisso tinham o trabalho de mulher de 2ºturno e depois entravam para a escolano 3º turno. Esta gente fez a formaçãocom altíssima qualidade, sem desistir,sem abrandar.

Comparativamente, porque é que osoutros não têm o mesmo sucesso? Hámuitos factores de que destaco apenastrês: em primeiro lugar, o trabalhoindividual, certeiro. É importante realizar,nas 40 horas iniciais de reconhecimento

DIÁLOGO

46 APRENDER

COISA ESPANTOSA, UMDOS PROBLEMAS QUEAGORA SE COLOCAM,QUANDO SE COMPARA ONOVO ENSINORECORRENTE COM O ANTERIOR, É JUSTAMENTEO REGIME DE CLASSE, OHORÁRIO ESMAGADOR, ONÃO PERMITIR O REGIMENÃO-PRESENCIAL, INDOCONTRA A LÓGICA DEFLEXIBILIDADE.

Filomena Gonçalves

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e validação de competências, um diag-nóstico correcto de quais são os conhe-cimentos, em que local, em que momen-to, é que a pessoa se encontra relativa-mente ao saber. Feito o diagnóstico, tra-çar o caminho a percorrer, um plano deestudo adequado, bem feito. A partir daí,é preciso que haja profissionais de altodesempenho, dedicados à causa, porquesem isso não há futuro. Se não contar-mos com a motivação e o empenho pro-fissional, não há modelo que resista.

Quais as diferenças? Porque não háisto no Ensino Recorrente? Pois é difícil,isso questiona a escola, questiona oMinistério da Educação, questiona opapel dos professores, questiona a nossaprofissionalidade.

Jorge Pinto – Gostava de pegar em algu-mas coisas que a Filomena acabou dedizer. Caro, acusam que é caro. Mas istoprende-se com a questão global daspolíticas sociais. Para atingir as metas,sobretudo a Estratégia Europeia de Lis-boa, uma coisa ficou clara: é que não hásociedade que se desenvolva semcoesão. Se vivemos num mundo queprovoca muita exclusão, a formação temde ser entendida como um investimentona coesão. Não sei se é caro se é barato,mas tem de ser entendido nesta linha. Secalhar vale a pena que seja caro, paracriar mais inclusão destas pessoas,porque de contrário paga-se ainda maiscaro a factura.

Sobre os Cursos EFA, posso não meter feito entender quando usei a palavraturma. Interpretei turma como umaentidade administrativa de organizaçãoda escola. Entendo que as turmas têmque se fazer. O grupo, a comunidadeaprendente que envolve os alunos, éfundamental para a aprendizagem e temmuito a ver com o trabalho dos professo-res. Se eu chego e debito, tenho umsomatório de pessoas, não tenho umgrupo. Mas se eu crio uma lógica internade entreajuda, de trabalho em equipa,estou a criar este grupo que é fundamen-tal para o projecto se formar. Por isso, éque eu dizia que, para um adulto, aquestão do tempo não se põe como paraum jovem. É preciso que valha a pena.

A terceira questão que foi colocada éa valorização do trabalho. Penso que aescola desvaloriza o trabalho em vez de ovalorizar. E nos Cursos EFA há, de facto,

uma grande preocupação em dar-lhevisibilidade, de tal modo que as pessoasse sintam orgulhosas do seu trabalho.Isso transcende a lógica escolar para serepercutir na imagem pessoal e social daprópria pessoa. São grandes factores desucesso em que vale a pena pensar. Aprópria escola de dia devia aprendermuito com esta lógica dos Cursos EFA.Senti muitas vezes que estes cursos deadultos poderiam ser um factor transfor-mador na própria escola.

A política de centralização que éseguida tem aqui um efeito extremamen-te perverso: é que as escolas não podemencontrar as respostas que querem e

que desejam porque aparentemente seum curso pode ser criado pelo ConselhoPedagógico de uma escola (falo sobretu-do dos cursos tecnológicos do Ensino Re-corrente do 3º ciclo) depois é a escolaque tem de suportar todo o seu equipa-mento. Ora as escolas, com os seusorçamentos apertados, ou têm um tecidoempresarial ou entidades que as apoiemou então isto é um meio de enganar aspessoas. É uma forma de transferir parao local responsabilidades que a lógicacentral devia ter e de que se demite paradepois poder, numa atitude farisaica,acusar que as escolas locais não encon-tram boas respostas. Nesta escola queentrevistei, o Ministério teve quase a“lata” de lhes propor um curso novo, masdizendo: “vocês têm de arranjar dinheiropara montar o curso que exige equipa-mentos caros, que exige uma monta-gem”. Isto é uma atitude perfeitamenteirresponsável.

Enquanto todo o discurso político doMinistério da Educação preconiza anecessidade de formação tecnológica,na concretização não dá meios àsescolas, pelo menos em algumas áreasestratégicas, para que possam encontraras suas respostas.

Manuela Malhoa – Neste momentoabrem-se cursos de papel e lápis, não seinveste na aquisição de equipamentos.Enquanto tínhamos os cursos técnico-profissionais, há uns anos atrás, o Minis-tério investia em publicidade, até haviauns folhetos muito simpáticos. Nestemomento não se investe. Por um lado,dizemos que é importante investir noensino tecnológico para qualificação demão-de-obra, por outro lado somos oparente pobre.

Lisete Matos – Já passámos por um semnúmero de modalidades de intervençãoda escola em relação aos adultos. Jáfalámos do Ensino Recorrente por unida-des capitalizáveis, já falámos do novoEnsino Recorrente, já falámos da inter-venção em termos de Centros Reconheci-mento, Validação e Certificação de Com-petências, já falámos de Cursos de Edu-cação e Formação de Adultos.

É um leque diversificado, e é bomque assim seja. Sempre defendi a diversi-dade, mas penso que ainda são modali-dades de intervenção que não têm sufi-

AO LONGO DA VIDA 47

UMA VEZ QUE O ABANDONO NOENSINO OBRIGATÓRIOCONTINUA A SER SIGNIFICATIVO,EU COMO CIDADÃ, PEDIRIA ÀESCOLA QUE TENTE PREVENIR OINSUCESSO E O ABANDONOPARA QUE EU, TÉCNICA DEEDUCAÇÃO DE ADULTOS, POSSAAPOSTAR NA ACTUALIZAÇÃO ENO DESENVOLVIMENTO DECOMPETÊNCIAS DOS ADULTOS.

Lisete Matos

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cientemente definidas as pontes entreelas, como é que se articulam, como éque se potenciam mutuamente.

Por outro lado, também podemosconcluir que todas estas modalidades deintervenção têm vários constrangimen-tos, nomeadamente em relação à popu-lação activa. Na Região Centro, por exem-plo, nos cursos EFA, a população activaempregada representará cerca de 10 a12%. Há vários factores que concorrempara isso, mas um deles é que o modelonão se ajusta, devido ao excessivo pesona carga horária da componente profis-sionalizante, que, sendo única por curso,não se adequa a todos os elementos dogrupo, porque o Curso EFA pressupõe aexistência de grupo, pressupõe o tra-balho cooperativo.

Por outro lado, parece não estar apro-priado que as diferentes modalidades deeducação de que temos vindo a falar sedirigem a populações-alvo, em princípio,distintas, o que justificará a concorrênciade que nos chegam sinais.

Temo-nos situado muito no que temsido o papel da escola no presente, pode-ríamos agora pensar um pouco no quepode ser o futuro. A minha grande expec-tativa em relação à escola está, comodizia a Fernanda, a montante, mas tam-bém a juzante.

Uma vez que o abandono no ensinoobrigatório continua a ser significativo,eu como cidadã, pediria à escola quetente prevenir o insucesso e o abandonopara que eu, técnica de educação deadultos, possa apostar na actualização eno desenvolvimento de competênciasdos adultos. Porque o que o país temfeito, desde mais ou menos os anos 50 e

em algumas épocas com investimentofinanceiros significativos, é investir narecuperação, na remediação, num papelsupletivo em relação ao sistema regularde ensino. E é o que estamos a fazerneste momento, o Ensino Recorrente ésupletivo em relação ao ensino regularna escola, os Cursos EFA (que só inter-vêm, até ao momento, a nível do ensinobásico) são supletivos em relação àescola, os Centros de RVCC também.

Depois, espero que a escola, numfuturo mais ou menos próximo, tendosido objecto de uma certa libertação dosconstrangimentos que hoje pendemsobre ela – o centralismo do Estado, osnormativos do Ministério da Educação, aausência de autonomia – se assumacomo um agente educativo no seio dacomunidade, respondendo em articula-ção com os restantes actores, às necessi-dades da comunidade: animação daleitura, debate, resolução de problemasconcretos, dinamização, ocupação dostempos livres das crianças.

Manuela Malhoa – Eu lançava só umapergunta. A escola existe sobretudo paraensinar a pensar, para que haja constru-ção de aprendizagens, para que secomece a construção de um percurso aolongo da vida. No entanto, nós temosapostado no ensino regular. Muitas vezesjulgam que os que vão para educação eformação não conseguem ir para o ensi-no regular; os alunos que vão para oensino tecnológico são considerados alu-nos que não conseguem ir para o ensinoregular, que não têm ambição de ir parao ensino superior. Pergunto se Portugalnão deveria pensar mais numa aquisi-

O 3º ciclo do ensino básico e oensino secundário recorrente porunidades capitalizáveis inscrevem-se, nomeadamente, o primeiro, noDespacho nº 189/93, de 6 de Junho,o segundo, no Despacho nº41/SEED/94, de 14 de Junho. Entreoutras reorganizações de que vãosendo objecto, através do Despachonº 36/99, de 28 de Junho, passam acontemplar os regimes de frequênciapresencial e não presencial,implicando formas de avaliaçãodistintas. Os cursos organizam-se pordisciplinas e, estas, em unidadescapitalizáveis, tendo por referência deduração 3 anos.

Sequencialmente, através do 20421/99, de 7 de Outubro, éintroduzido, em regime de experiênciapedagógica, tanto ao nível do 3º ciclo,como do ensino secundário, o ensinorecorrente por blocos capitalizáveis.Para o 3º ciclo, a referência deduração passa a ser de 2 anos. Nestemodelo, a cada turma corresponde aleccionação de apenas um bloco,enquanto no modelo das unidades,em cada turma convivem várias, oque é apontado como potencialidade,por uns, como constrangimento, poroutros.

No aqui chamado novo ensinosecundário recorrente, criado pelaPortaria nº 550/E 2004, de 21 deMaio, os cursos continuam aorganizar-se por disciplinas, mas,agora, organizadas em módulos

capitalizáveis, mantendo-se areferência de três anos. Segundoalguns intervenientes, este modelorepresenta uma reaproximação doensino recorrente ao ensino regular ediurno, tendendo os adultos para oconsiderar mais difícil e rígido do queo das unidades capitalizáveis,valorizando, embora, ofuncionamento em regime de classe.

As três modalidades de ensinosecundário recorrente coexistem atéao momento, mas, a partir do anolectivo 2007/2008, em regimepresencial, apenas poderão funcionarcursos da última, isto é, do ensinosecundário recorrente por móduloscapitalizáveis.

Modalidades de Ensino Recorrente

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ção, numa formação de competências,numa qualificação deste nível 2, passan-do pelo nível 3 e apostando que muitosdaqueles alunos se vão entusiasmar,irão para o ensino superior e poderãoser excelentes profissionais amanhã.

Como é que queremos que os alunosvão para o ensino profissionalizante, seaté a própria simbologia é de prossegui-mento de estudos? Nós temos alunosque prosseguiram para o ensino tecnoló-gico, para as unidades e fizeram o Técni-co e o ISEL, falo desses porque a nossaescola tem sobretudo essas áreas; temtodas as outras, mas a maior quantidadeé de áreas ligadas às engenharias.Estamos a truncar todo o processo,dizendo que aquilo é prosseguimento deestudos, porquê? Porque há um objecti-vo implícito em tudo isto.

Jorge Pinto – Partilhando as vossas per-plexidades e perguntas, que acho muitopertinentes, lançava mais uma. Achoque hoje se tem mesmo que repensar aprópria noção de formação e seu desen-volvimento. Entendo que hoje, agarradoao conceito de educação e formação aolongo da vida, podemos entender anecessidade de um ciclo de formaçãomais longo, que havia há anos atrás,mas que também exige certificaçõesmais intermédias que possibilitem entra-das e saídas à medida dos projectos devida, profissionais e pessoais das pró-prias pessoas. Não se espere que apessoa faça tudo de uma vez, só porquese não o fizer está condenada. Isto exigeuma maior interligação e articulação dospróprios subsistemas de formação.Assumo que podem ser diferentes, po-

dem ser diversos, mas que não sejamestanques, não sejam capelas.

Em segundo lugar, ao contrário doque algumas vezes se defende, achoque a escola é de facto uma pedra es-truturante nesta função. Provavelmente,precisamos de uma escola que funcionenuma outra lógica, mais próxima daspessoas e das suas necessidades, e nãonuma lógica de escola napoleónica. Umalógica de escola do trabalho, do pensa-mento e da construção do saber.

Finalmente, diria que a escola sefechou muito nos últimos anos, até pelapressão que teve, é uma espécie de bo-de expiatório do fracasso social. Isto faza escola fechar-se sobre si própria, e euacho que deve abrir-se. Só com umapolítica de descentralização é que ela sepode abrir e levar às últimas consequên-cias essa abertura.

Há mais coisas, por exemplo aprópria formação de professores. Comoé que uma pessoa pode trabalhar noscursos tecnológicos, sem os professoresconhecerem o que é uma empresa, te-rem uma formação junto das empresas.Isto remetia também para repensaroutras coisas. Muitas vezes pensa-se noensino formal e depois adapta-se àsfranjas o mesmo que se faz para o cen-tral. Tem sido esta a política das refor-mas, quer em relação ao 1º ciclo, querem relação ao pré-escolar e também aotecnológico.

Há a escola e há as outras coisas; epara as outras coisas adapta-se aquiloque é definido para o geral. Mas estasfranjas são tão importantes e repre-sentam um volume quase tão grandecomo a escola geral.

Jorge Pinto – Professor na EscolaSuperior de Educação de Setúbal,trabalha presentemente na formação deprofessores e em projectos e estudosligados tanto à formação profissionalcomo à formação de adultos. Foicoordenador do grupo de trabalho deavaliação do Ensino Recorrente, em1998, de onde saiu o relatório dodiagnóstico sobre o Ensino Recorrente.

Lisete Matos – Técnica do Ministério daEducação, fazendo parte da equipa deeducação e formação de adultos daDirecção Regional de Educação doCentro. Trabalhou nas diferentesDirecções Gerais do Ministério daEducação que acompanharam aeducação de adultos e fez parteigualmente do grupo de trabalho deavaliação do Ensino Recorrente.

Manuela Malhoa – Coordenadora doNúcleo de Acompanhamento e Avaliaçãode Projectos Pedagógicos da EscolaMarquês de Pombal, em Lisboa,professora da disciplina Ambiente ePatrimónio, com uma tese de Mestradoem Ciências da Educação, Metodologiado Ensino das Ciências, com um estudosobre o ensino tendo por base opatrimónio.

Filomena Gonçalves – Professora do 8ºGrupo B e Presidente do ConselhoExecutivo da Escola Secundária TomásPelayo em Santo Tirso. Esteve ligada àeducação de adultos, desde que estamodalidade de ensino foi implementadanesta escola.

1 “Ensino Recorrente: Relatório deAvaliação”. Jorge Pinto, Lisete Matos eLuís Rothes. Colecção Educação para o Futuro.Ministério da Educação. Lisboa 1998.

Quem participou no debate:

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ENTREVISTA

UMA DAS AUTORIDADES MUNDIAIS EM TEORIA SOCIOLÓGICA APLICADA À SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO,CARLOS ALBERTO TORRES CHAMA A ATENÇÃO, NESTA ENTREVISTA À APRENDER AO LONGO DA VIDA, PARAA IMPORTÂNCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO FUTURO DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS.

ENTREVISTA COM CARLOS TORRES

É PRECISO VINCULARESTADO, DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO AOSMOVIMENTOS SOCIAISTexto Rui Seguro # Fotografias Paulo Figueiredo

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SE QUISERMOS RESOLVER OS GRANDES PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS,TERÁ DE HAVER UM ELEVADO INVESTIMENTO, QUE OS GOVERNOS HOJE NÃO ESTÃODISPOSTOS A FAZER.

Nos seus textos mais recentes, parece não acreditar muito

na evolução da Educação de Adultos nos últimos anos…

Em 1973-74, na Argentina, o governo lançou um programade educação de adultos. O problema destemodelo é que ficou desde logo conotado como Estado, como mecanismo de legitimação.Procurava inserir adultos, a título individual,não vinculados nem a movimentos sociais,nem a comunidades formalizadas, nem apartidos políticos, dentro de um modelo decontrolo estatal. Este modelo acabou porcair, porque era muito dispendioso, porquedele resultaram poucos benefícios e porque,na realidade, não produziu muitatransformação. A partir de meados dos anos80, houve uma forte quebra da educação deadultos, na Argentina como pelo mundo fora.Que respostas se deram, entretanto? Nospaíses industrializados, mais ricos, com umapopulação envelhecida, impera apreocupação com o uso do tempos livres e aideia de que o aposentado deve atingircrescentes níveis culturais de auto-satisfação, incluindo o entendimento decertas coisas, de certas práticas. Istofuncionará muito bem num país comrecursos, mas quando se pensa num modelodestes em África, na Ásia ou na AméricaLatina é ridículo.

Para enquadrar todos estes problemas,que são problemas práticos e políticos,criaram-se modelos teóricos, como hoje aLifelong Education ou Continuous Education.Não tenho nenhuma dúvida de que tudo quetenha a ver com a noção de um continuum écorrecto, porque você não pode ter um pro-jecto de vida em que estude só numdeterminado período e passe logo à prática.Na realidade, você está permanentementereconstruindo o pensamento e aprendendosobre o aprendido. A noção “Aprender aAprender” é uma noção central da educaçãode adultos como educação contínua.

É claro que, se quisermos resolver osgrandes problemas da educação de adultos,terá de haver um elevado investimento, queos Governos hoje não estão dispostos afazer. Teria de existir um processodemocrático muito forte, capaz de asseguraresse investimento, mas também de criar as

coordenadas históricas e políticas necessárias para que aspessoas se apercebessem do que se estava a passar. Mas o Estado está disposto a fazer esse investimento?

Agora, com o neoliberalismo dominante,o que se está a passar é que se privilegia umsector reservado às classes médias,enquanto aqueles que têm pouca cultura(cultura no sentido da classe alta), poucaeducação, pouco acesso à escolaridade, sãoabandonados. Porquê? Porque o Estado nãoestá disposto a fazer um investimentoeconómico nas pessoas de mais baixo níveleducacional. Com o fenómeno da globali-zação, com a mecanização, com a “tecniza-ção”, deu-se uma segmentação do mercadode trabalho.

Vou dar um exemplo complexo, mastambém muito importante. Estou agora aexperimentar carpintaria. Historicamente,na carpintaria, utilizava-se o que se chamaum torno, que aperta um pedaço de madeirapara se poder trabalhar. A mesa de trabalhofoi uma invenção dos carpinteiros que tra-balharam no século XIX-XX, mas depois sur-giram os moldes de carpintaria para sefazerem rapidamente as diferentes produ-ções industriais em massa. A produção dosantigos tornos foi abandonada, mas acabaagora de ser retomada para dar resposta auma procura de alta gama, a dos carpin-teiros “amadores” como eu, que trabalhama carpintaria como um hobby. Um hobby,aliás, muito dispendioso.

Você necessita de um produto que antesse fazia industrialmente e agora se processapor automatização? As máquinas que fabri-cam esse produto são de alta complexidade,já não necessitam de um especialista emcarpintaria, mas sim de um programador dealto nível, trabalhando com uma máquinaauto-regulada que fabrica muito maisrápido, muito mais economicamente. Queconclusão se tira deste facto? No passado, aeducação de adultos constava de umavertente técnica, e, claramente, um certonível de trabalho manual requeria conheci-mentos de leitura e escrita. E um bom car-pinteiro tinha de ter também um bom conhe-cimento de matemática. O Teorema de Pitá-goras é uma das quatro maneiras de um

ENTREVISTA

Quem é

Carlos Alberto Torres?

Carlos Alberto Torres nasceu naArgentina. Sociólogo político daEducação, é considerado umadas autoridades mundiais emteoria sociológica aplicada àsociologia da educação. Éprofessor de Ciências Sociais eEducação Comparada, director-fundador do Instituto PauloFreire na Universidade daCalifórnia-Los Angeles (UCLA). Éainda director-fundador doInstituto Paulo Freire em SãoPaulo e director executivo doInstituto Paulo Freire naArgentina. É autor de livros eartigos de investigação na suaárea de especialidade, sociologiae filosofia, e também dos livrosPoesía Perdida al Atardecer eCuentos de Amor, de Loucura yde Muerte. O Manuscrito de SirCharles é o seu primeiroromance.

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carpinteiro medir um ângulo e fazer a combinação para que oângulo lhe saia perfeito, e um bom carpinteiro pode utilizar oTeorema de Pitágoras, é mais fácil. Mas há três modelosmatemáticos mais avançados e mais precisos que o carpinteiropode usar. Mas, se falar com um carpinteiro, acaba muitasvezes por concluir que ele não tem conhecimentos formais dematemática, mas tem um conhecimento directo da matemáticapela sua aplicação directa.

Voltando ao caso do torno e da mesa de trabalho: na fábricaque os fazia, por exemplo, em Sheffield, na Inglaterra,trabalhavam 3000 operários; agora, são só necessários 300 e,desses 300, quase todos estão da fase de montagem, porquea produção directa e inclusivamente a colagem é feita pormáquinas controladas por um programador altamenteespecializado. Por isso é muito mais difícil hoje articular amatemática, que se aprende na escola, com a produção.

Com a globalização, tudo se tornou ainda mais complicado,porque os países onde há muito sindicalismo e os custos deprodução são mais altos estão a deslocalizar a produção, porexemplo, para a China. A questão é esta: por um lado, éimpossível competir com tradições artesanais de alta qualidade

Carlos Alberto Torres

Universidade da Califórnia Los Angeles

Excerto de um artigo preparado para aReunião da Sociedade Europeia deInvestigação em Educação de Adultos -ESREA, Universidade Lusófona deHumanidades e Tecnologias, Lisboa,Portugal, 12 – 16 Setembro, 2001.

T endo como base a Teoria Crítica, gos-taria de propor a existência de seis

racionalidades nos estudos aplicadospara a educação de adultos, a saber:recomendações constitucionais, investi-mento em capital humano, socializaçãopolítica, legitimização compensatória,pressões internacionais, movimentossociais.

Uma perspectiva legalista basear-se-á nas recomendações constitucionaispara dizer que cada cidadão tem o direitode ser alfabetizado e educado. Cidadãosanalfabetos, ou os que não possuamuma educação básica completa, deve-riam ter oportunidades de escolaridade.O argumento tem a seguinte lógica: – Por um lado, educação de adultos é

um instrumento fundamental de con-

solidação da cidadania (em oposiçãoà constituição de uma elite);

– Por outro lado, a educação básicaconstitui um bem comum de todos oscidadãos;Finalmente, a educação de adultos

deveria ser provida pelo Estado comoparte das suas políticas assistenciais,políticas que ajudam a partilhar a demo-cracia. Não restam dúvidas de que osargumentos legais podem ser criticadospor serem muito formais, apolíticos naidentificação da motivação na elabora-ção de políticas, e ainda, por não garan-tirem a aplicação dessas políticas, ouseja, de manterem a distância entre nor-mas legais e prática.exercício dos direitosfundamentais de cidadania, e ocasional-mente, uma fonte de rebelião ou revolta.Porém, a confiança de que mais educa-ção para adultos resultará num melhoruso de cidadania não ajuda a entenderuma série de cenários possíveis. Acidadania pode ser manipulada atravésde actividades educacionais que não vãoalém de doutrinação. Ao invés, progra-mas para educação de adultos podempromover posturas de resistência a prin-cípios básicos de organização do próprio

sistema político, como foi o caso demuitos programas de educação para oproletariado, estruturados durante oséculo XX. Por outro lado, a ideia depromover educação de cidadania baseia-se, algumas vezes, na ideia de um con-senso básico partilhado, algo que serevela altamente questionável nassociedades contemporâneas.

A educação de adultos pode tambémser vista como uma forma do governoganhar legitimidade, no contexto de so-ciedades cada vez mais ingovernáveis epluralísticas. Nesse sentido, a educaçãode adultos pode ser considerada comoinstrumento de promoção de partici-pação simbólica no sistema político. Ouseja, pode ser vista como eixo de umaestratégia de legitimação compensa-tória, inclusive valendo-se da experiênciaacadémica para planeamento, partici-pação, e, por último, apoio do sistemajudicial (legalização da política educacio-nal) na constituição de uma ordem socialafectada pela crise de legitimidade.

As políticas de educação de adultospodem ainda ser vistas como uma res-posta do Estado às pressões do sistemainternacional. Por exemplo, indicadores

RACIONALIDADES PARA UMA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS

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de prestígio internacional consideramcruciais certos níveis de desenvolvimentoe de alfabetização. Da mesma maneira,progressos em educação para mulheressão vistos como um indicador de distri-buição mais equilibrada. Dessa forma, orenovado interesse pela alfabetizaçãopor parte de muitas sociedades, no últi-mo século, tornou-se como uma maneirade evitar constrangimentos internacio-nais. Por exemplo, o planeamento dealfabetização, anunciado no fim dosanos 80 pelo Secretário de Estado doCanadá, previa 110 milhões de dólarespara utilização em todo país por umperíodo de 5 anos. Tal feito representavauma gota no oceano, em termos de con-tribuição ao problema de alfabetizaçãodos nativos canadenses, da populaçãopobre menos favorecida e da legião deestrangeiros que chega ao Canadá todosos anos. Entretanto, tal política traduzia-se como um “bom gesto”, revelando ocompromisso público canadiano com apolítica social.

Finalmente, a educação de adultospode ser vista como parte de um novomovimento social. Poucos programas deeducação de adultos se têm prestado

para libertação humana ou como ummecanismo de participação social epolítica. Poucos têm tentado colocar edu-cação e conhecimento ao serviço dascamadas menos favorecidas da socie-dade. Existem ainda menos experiênciastentando usar a educação de adultoscomo um estímulo inicial para movimen-tos sociais mais abrangentes. Educaçãode adultos como uma pedagogia deoposição constitui-se como tradição daeducação radical.

Ainda assim, a despeito de todasestas racionalidades, estou convencido,através da minha própria pesquisa, que aideologia dominante entre os formula-dores de política, particularmente no ca-pitalismo industrial avançado, se baseiano pensamento tecnocrático orientadopor uma mistura de tradições populistase políticas conservadoras. Com isso, e deacordo com a análise de Habermas, aeducação de adultos tem sido guiada emgrande parte por uma racionalidadeinstrumental.

E a racionalidade instrumental é go-vernada por regras técnicas baseadas noconhecimento empírico, o que sugere aexistência de previsões de eventos passí-

veis de acção. Por outras palavras, égovernada por regras técnicas e buscaprecisão e controle relativamente aeventos sociais e físicos. Assim, a racio-nalidade instrumental implica um propó-sito substantivo de dominação, exercido,como Marcuse sugeria, através do con-trole metodológico, científico e calculista.

Existem, então, muitas perguntassobre o futuro da educação de adultoscomo um instrumental de racionalidadeno processo de globalização. A globaliza-ção abriria uma janela para racionali-dades alternativas no que diz respeito àeducação de adultos?

(...)Ora, também não existe razão para

acreditar que a globalização ofereceránovas oportunidades de políticas gover-namentais na área da educação deadultos. Entretanto, há evidênciasuficiente de que, a nível global,movimentos sociais poderiam valer-se deuma tradição de luta, provocando umnível de compromisso, a este respeito,para com e pelas camadas desfavo-recidas.

(por exemplo, a marcenaria japonesa) e, por outro, é impossívelcompetir com pessoas dispostas a trabalhar muito mais horaspor um salário menor, é impossível competir com a China, quefaz dos seus presos operários a quem não se paga nada.Assim, todos os argumentos económicos para promover aeducação de adultos, numa época em que existe o outsourcing,como se chama ao meio de recorrer ao fundo de trabalho forado país, perderam totalmente o seu peso.

Você poderá dizer-me que é sempre melhor que hajapessoas alfabetizadas que pessoas analfabetas. Claro, mas onível a que eu chamaria o limiar da alfabetização é muito maiscomplexo e muito mais elevado que há vinte anos atrás. Sevocê me perguntar como defino alfabetização funcional, éaprender a ler, escrever e fazer operações matemáticas. Mas,num país tecnicamente desenvolvido, como os Estados Unidos,tem também que saber manejar um computador – para poderaceder à sua conta bancária, tem de saber dominar certo nívelde leitura e escrita – para poder preencher os seus impostos,enfim é um nível de alfabetização muito mais elevado. Outroproblema é a palavra, a palavra escrita frente à imagem, que éum confronto violentíssimo.

Mas que saídas vê?

Eu sou bastante crítico e não sou muito optimista. Mas vejomuitas saídas. A primeira é a presença dos movimentos sociais,que, por natureza, acreditam no modelo de educação deadultos. E agora estamos a experimentar na América Latina umrenascimento da educação de adultos, por esta via. Trêsexemplos:

Primeiro exemplo, em 2001, por altura da grande crise domundo latino-americano, que adoptou um modelo neoliberal eque produz um desemprego imenso, os desempregadoscomeçaram a formar movimentos sociais e, em especial, o quese chama “Bairros de Pé” (http://www.barriosdepie.org.ar/).Este movimento, que intervém em 18 províncias da Argentina,faz uma multiplicidade de coisas, desde exigir emprego aogoverno – todas as 4ª feiras de tarde, vão à Praça 1º de Maioprotestar, e são milhares deles organizados; depois,especialmente as mulheres com mais escolaridade e certoshomens, criaram salas sanitárias para ajudar mulheres atrabalhar em pediatria, com os bebés. É preciso lembrar que amaioria destas pessoas mora em áreas marginais da cidade eestá muito afastada dos hospitais, vivem em contextos muito

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54 APRENDER

ENTREVISTA

violentos, muito complicados e onde às vezes nem hátransportes públicos. E então criaram em todos os seus locaisde vida uma micro-clínica. Estão até adoptando um modelo quejá foi utilizado na Venezuela e se chama “Sí, se puede!” (Sim, épossível!). Este modelo, por sua vez, apoia-se em práticascubanas de alfabetização, dispondo de cerca de 2 a 3 milprofessores cubanos, que trabalham agora na Venezuelagraças a um intercâmbio muito importante entre Chavez eCastro.

Se você pudesse entrar num destes bairros marginais daArgentina e visse o Programa “Bairros de Pé” a funcionar,encontraria uma mãe com uma bebé e uma menina de dezanos a estudar ao lado de um senhor de 60 anos, que estádesempregado. Isto é o renascimento da alfabetização, den-tro de um movimento social que está a tentar criar empregos,e com esse renascimento existem hoje mais de 200 espe-cialistas em educação popular a trabalhar para o “Bairros dePé” que estão a reconstruir os modelos de educação popular,seguindo o trabalho de Freire e os seus próprios trabalhos.

Segundo exemplo: o Movimento dos sem Terra, no Brasil. Éo primeiro movimento sistemático de constituição de umareforma agrária informal, tomando as terras, quer públicas querprivadas, que estão sem produtividade, para as dar aocamponês que não tem terra. Integra um movimentosistemático de educação política e tem uma capacidade demobilização, uma capacidade de organização prática e políticaexcepcionais. Além disso, também apostam na globalização,pois já criaram com os “Bairro de Pé” um modelo de

colaboração internacional.Terceiro exemplo. Há um filme que recomendo muito e que

se chama “The Take” ou “La Toma” (www.nfb.ca/webextension/thetake/), onde se mostra que todas as empresas industriaisque faliram na Argentina, durante 2001, estão numa situaçãode “convocatória de credores”, isto é, está nas mãos dos juizesdecidir como se vendem os produtos e como se auxiliam osoperários. Muitos destes operários ocuparam entretanto asfábricas falidas, nãodeixaram de vender, e recomeçaram aproduzir. Como resultado, existem agora 200 cooperativas.

Que tem a educação de adultos a ver com isto? Há operá-rios que não têm formação de gestão, que não são capazesteoricamente de dirigir uma empresa, então as Universidades,no seio dos Movimentos Populares, ou até a domicílio, vãooferecer cursos para administradores, para poderem aumentara capacidade técnica das empresas, para saberem reparar asmáquinas, para venderem mais ou até para fazerem “compos-to” industrial. Uma das fábricas do filme “The Take” produz hojecerâmica de melhor qualidade do que a fábrica original e apreços muito mais baratos. É possível, com um modelointegrado político-pedagógico, fazer coisas, e há um renasci-mento actual da educação popular, como resposta à globali-zação. Conclusão, qual é a solução do grande dilema? Semvincular o estado democrático, a redemocratização da demo-cracia e a educação democrática radical aos movimentossociais, não existe nenhum futuro para a educação de adultos.Esta é a minha posição.

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Estamos perante um dos mais recentes contributos deAntónio Teodoro e Carlos Alberto Torres. Estes doisacadémicos e educadores (como eles próprios se

apresentam) reúnem e organizam um conjunto de textos deautores de Sociologia da Educação, na sua maioria portuguesesmas também da América Latina e de países de língua inglesa.Os dez capítulos estão agrupados em 3 partes cada uma delascom 3 ou 4 capítulos que, de alguma forma, alimentam areflexão sobre esta temática.

Como é usual em livros deste formato (um conjunto decapítulos de diversos autores) nem sempre é fácil sentir a obracomo um todo, em parte pela diversidade de formas deabordagem e de focos utilizados para a explorarem. Uma taldiversidade, que em si mesma é útil e enriquecedora, poispermite que cada leitor organize a leitura de acordo com osseus próprios interesses, coloca a necessidade de um esforçodos organizadores de darem unidade ao que pode parecerdisperso e ajudando o leitor a estabelecer ligações nessadiversidade. É o que acontece neste caso, tendo osorganizadores optado por o fazerem na introdução com a qualnos situam na temática. Logo no segundo parágrafo,apresentam-na como um convite para “inspeccionar as ligaçõesentre ficção e política em educação, tomando em consideraçãoa importância da noção de utopia no contexto da teoria social eexplorando novos desenvolvimentos na Sociologia daEducação” (p. 9). São assim introduzidas algumas palavras-chave que, por um lado, antecipam a temática (educação,sociologia da educação, teoria social) e, por outro lado,preparam para o modo como ela vai ser abordada ao longo dolivro, ou seja, através da exploração de diversas metáforas(utopia, ficção, bazar) enquanto ferramentas que, por um lado,ajudam os autores a aprofundar a reflexão sobre essastemáticas mas, por outro lado, podem funcionar comofacilitadoras do envolvimento do leitor nessa reflexão. Estamos,então, perante um livro que pretende contribuir para aampliação e aprofundamento da capacidade de leitura (eactuação) crítica dos nossos tempos, em particular, no que seinterliga com a Educação mas que coloca o leitor numposicionamento activo e exigente, ou seja, crítico.

Na Introdução, os organizadores desta obra situam aeducação no contexto do mundo social actual, reflectindo sobrecomo as transformações sociais têm ampliado as tarefas epapeis que lhe são atribuídos. Trazem à discussão não só ascríticas que têm sido feitas à escolarização como alguns dosdesafios que se têm apresentado à Educação (por exemplo, aglobalização e o acelerado desenvolvimento tecnológico)alargando o âmbito dessa reflexão também ao ensino superior,tendo sempre a preocupação de irem fazendo algum paraleloentre o que se passa no habitualmente referido como o MundoOcidental e o Terceiro Mundo (aqui com um olhar particular paraa América Latina). O interligar de ideias discutidas nestaintrodução vai desembocar nas questões que, segundo osautores, emergem quando o optimismo vai desaparecendo dasnossas sociedades e que me parecem ser os eixos organizadoresdeste livro: “Podemos viver juntos no contexto destas mudançasimpelidas pela globalização? Podem as escolas e os sistemaseducacionais responder a estes dilemas?” (p. 14).

Na primeira parte do livro, intitulada “Perspectivas para oséculo XXI”, Licínio Lima dá uma atenção particular àproblemática da escolarização e da educação crítica nocontexto da globalização e da luta pela democracia. Segundoeste autor, estamos perante a mais séria crise que a escolapública atravessou até hoje – “uma crise da sua vocaçãopública, de que pouco se fala e que pouco se debatepublicamente, fazendo evacuar da escola toda a ideia deresponsabilidade e de aperfeiçoamento social, de solidariedadee de comprometimento cívico e moral, com vista à plenaeducação do Público” (p. 21) – o que torna ainda maisfundamental a necessidade da reinvenção democrática daescola. Os outros capítulos desta parte têm como traço comumo de cruzarem as questões da educação com as que serelacionam com os estados e sua governação. AntónioMagalhães & Stephen Stoer focam-se claramente na análise dareconfiguração dos Estados-nação no contexto europeuenquanto Roger Dale discute as relações entre a reforma dagovernação e a reforma da educação, argumentando que abase do estado, soberano e autónomo que a sociologia daeducação tem tomado como dado adquirido tem vindo a sofreruma grande erosão.

O foco dos quatro capítulos da segunda parte é claramenteoutro, aí somos postos em contacto com alguns dos maisrecentes contributos para a teoria social da educação. Em doisdeles, os autores trazem-nos abordagens teóricas menos usuaisna investigação sociológica em educação. É o caso de AnaMaria Morais que nos apresenta a teoria desenvolvida por BasilBernstein enquanto uma “linguagem de descrição” e ilustracomo uma tal linguagem descritiva a tem ajudado ao longo doseu percurso de investigação na análise sociológica equestionamento da educação. Por sua vez, Telmo Caria afirmaadoptar “uma perspectiva multidisciplinar de intercepção entrea Sociologia, a Antropologia e a Psicologia” para analisar ereflectir sobre as relações entre educação, trabalho e ciência. Oobjecto de investigação em que o autor se tem focado, e queutiliza aqui como suporte da discussão, não é o ensino nem ossistemas institucionais de formação mas sim o trabalho técnico-intelectual – “o trabalho que melhor serve de mediador ao usoe difusão das ciências na sociedade” (p. 111).

Os outros dois artigos desta segunda parte do livropartilham um interesse em Paulo Freire mas com abordagensclaramente distintas. Num deles, o autor José Eustáquio Romãopropõe-se “verificar se é possível considerar a incompletude, ainconclusão e o inacabamento numa perspectiva sociológica,

Educação Crítica e Utopia

Perspectivas para o Século XXI

António TeodoroCarlos Alberto Torres (Orgs)Biblioteca das Ciências SociaisEdições Afrontamento, 2005

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isto é, buscar aplicar estas dimensões ou «faculdades»humanas ao campo das sociedades e, mais especificamente,ao dos sistemas educacionais” (p. 103). Por sua vez, CarlosAlberto Torres, um dos organizadores deste livro, debruça-sesobre Paulo Freire e Ivan Illich dando-nos conta de como, apartir de diferentes perspectivas teóricas, eles “conceberamuma ideia similar de mudança social radical”. De início procuraclarificar o sentido do título – Os mundos distorcidos de IvanIllich e Paulo Freire – e em seguida avança para o cerne do seutexto. Começa por dar conta, de forma breve, das ideias de cadaum destes pensadores, sempre com o cuidado de as enquadrarnos momentos históricos em que foram desenvolvidas. Passaentão para uma fase de discussão em que relembra o debateque ocorreu nos anos 60 a partir dos dois modelos propostospor Illich e Freire (desescolarização e conscientização) para emseguida nos introduzir no modo como “se poderia rever eactualizar as contribuições de Freire e Illich no contexto daslutas pela justiça e pela democracia no quadro da globalizaçãono século XXI” (pg.93).

Finalmente, na terceira parte do livro, é apresentado porAlmerindo Janela Afonso um levantamento muito exaustivo doque tem sido o desenvolvimento da sociologia da educação emPortugal, utilizando como referência o que tem sido publicadoou apresentado em contextos académicos. O autor procura dara conhecer alguns indicadores do campo da sociologia emPortugal, situando os vários marcos desse desenvolvimento noquadro histórico e político que o país atravessava em cadamomento. Vale a pena realçar ainda que, na secção final, sedebruça sobre os “novos contextos e processos educativos não-escolares”. Aqui, é adoptada uma abordagem diferente daanterior e, mais do que apresentar o percurso do que tem sidofeito, procura discutir a relação entre a “crescente visibilidadesocial do campo da educação não-formal” e a crise da

educação escolar. Termina afirmando que “precisamos de umasociologia da educação (não escolar) que afirme a importânciados contextos e processos de educação e aprendizagem paraalém da Escola – não no sentido de deslegitimar a função daEscola, mas sim no sentido de alargar o campo da Educação e,através disso, contribuir também para renovar a Escola” (p.147).

Finalmente, os dois últimos capítulos assinados por AntónioTeodoro e Clementina Cardoso introduzem-nos em dois dosdebates actuais desta temática: a regulação transnacional daspolíticas educativas e a empreendorização da educação. Oprimeiro termina defendendo a necessidade de se “adoptaruma agenda educativa preocupada com a construção de umaeducação democrática e de cidades educadoras enformadaspela participação e democracia” (p. 171). Já ClementinaCardoso, no seu capítulo intitulado “Livrar a educação dausurpação empreendedorista”, aponta como o desafio futuroser capaz de compreender o modo “como as novas formas deconservadorismo e liberalismo estão a moldar as políticas, asinstituições e as relações sociais por referência a um conjuntode princípios que no passado estiveram em oposição” (p. 178).E tal compreensão exige analisar criticamente que significadosestão associados a conceitos tais como «escolha»,«melhoramento», «qualidade», «participação» ou «poder».

E este livro parece ser um bom contributo para ampliarmosessa nossa capacidade de ler criticamente os discursos e aspráticas que nos envolvem e em que nos movemos nos nossosquotidianos.

Madalena Santos

L IVROS

Um Conceito Pouco Pacífico

A biblioteca virtual (BV) é muitofrequentemente definida como o tipo debiblioteca que se baseia no acessoelectrónico a serviços de informaçãotransmitidos por via de redes e ambientesmacro, como é o caso da Internet.

Outra definição muito comum é a queapresenta a biblioteca virtual comoaquela que disponibiliza as suascolecções digitalizadas e os seussistemas electrónicos de informaçãointerligados com outras bibliotecas ousistemas.

Assim sendo, a BV é vulgarmenteconfundida com biblioteca digital (ondeos livros são apresentados após seremreproduzidos por um scanner, ou seja,como imagem de texto) ou com bibliotecaelectrónica (onde a informação é geradacomo texto).

A Imersão dos Sentidos, entre

outros Fenómenos

A verdade é que nenhum dos conceitosacima mencionados é fiel à natureza do‘virtual’, que deverá ser a essência de umabiblioteca virtual de facto. Referimo-nos aelementos específicos que distinguem arealidade virtual de todas as outras formasde transmissão tecnológica: atridimensionalidade; a imersão sensorial(sentir a realidade a partir do interior e nãode forma externa); o estímulo visual,auditivo e táctil (porque não?).

Em suma, dimensão, imersão,navegação, manipulação...e sensação.

Assim, e nestes termos, teríamos queexcluir desta categoria de biblioteca agrande maioria das referências a BVsque nos surgem no écran do nossocomputador numa qualquer busca pelociberespaço.

Como descreveríamos uma visita auma biblioteca virtual? O leitor podevisualizá-la no seu écran como umaimagem viva. Imaginemos que abre aporta da biblioteca, escolhe um lugarconfortável para a leitura, escolhe eretira um livro da estante, abre o livro e...finalmente vira as páginas e lê, vêimagens, escuta sons.

As vantagens para o leitor são óbvias:os livros são disponibilizados comoobjectos vivos e interactivos; o leitor podecompletar a informação transmitida pelolivro impresso, (sem o excluir), através deum leque infindável de informaçõescomplementares e simultaneamenteexplorar outras formas deleitura/navegação.

Ana Luisa Viseu

56 APRENDER

BIBLIOTECAS VIRTUAIS

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TREASURES IN FULL (High-quality digital editions)

Tipo de biblioteca: DigitalCaracterização: Treasures apresenta livros históricos de

natureza rara, em diferentes edições para comparação,complementados com material de apoio preparado porespecialistas.

Colecções em destaque: Shakespeare in Quarto (93 cópiasde 21 peças do autor); Caxton’s Chaucer (2 edições deCanterbury Tales); Gutenberg Bible (2 edições muito antigaspara comparar); Magna Carta (com a respectiva tradução parainglês); Renaissance Festival Books (253 livros sobre festivais ecerimónias na Europa desde 1475 até 1700).

Público-Alvo: Estudantes e professores de literatura, arte,cultura e história, bibliotecários e documentalistas, público emgeral.

ALADIN – Adult Learning Documentationand Information Network

Tipo de biblioteca: Electrónica e DigitalCaracterização: ALADIN surgiu em 1997, após a realização

da CONFINTEA V (5º Conferência Internacional de Educação deAdultos). Trata-se de uma iniciativa do Instituto da Educação daUNESCO e conjunto com inúmeros centros de documentação einformação de todo o mundo. Muito mais do que umabiblioteca, ALADIN é um recurso imprescindível para osinteressados na temática da educação de adultos eaprendizagem ao longo da vida. Conta com mais de 100membros em mais de 40 países do mundo. O seu objectivoprimordial é estabelecer uma rede de informação edocumentação sobre educação de adultos, tornando acessívelem formato electrónico e digital documentos relevantes einformação actualizada.

Serviços em destaque: Documentos integrais (full-text);Resumos e bibliografias; Revistas especializadas online; Redes,projectos, conferências e bases de dados; Relatórios,estatísticas e indicadores; Literacia, Educação popular; Centrode Recursos Didácticos.

Público-Alvo: Estudantes e profissionais de educação eformação de adultos, bibliotecários e documentalistas.

MINERVA–Mapping the InternetElectronic Resources Virtual Archive

Tipo de biblioteca: DigitalCaracterização: Minerva apresenta um grande número de

documentos (colecções, relatórios, comunicações) sobrevariadas temáticas, em formato digital originalmente (‘borndigital’).

Colecções em destaque: Eleições 2000 e 2002 nos EUA;11 de Setembro

Público-Alvo: Estudantes universitários, professores deeconomia, política, relações internacionais, economistas,políticos, jornalistas, bibliotecários e documentalistas, públicoem geral.

http://www.bl.uk/treasures/treasuresinfull.html

http://www.unesco.org/education/aladin/

http://www.loc.gov/minerva/

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O Encontro EFA vairealizar-se a 12 deDezembro de 2005, noAuditório 2 da FundaçãoGulbenkian, Avenida deBerna, Lisboa. Estainiciativa visa relançar etornar mais visível peranteos decisores e osadministradores públicos,assim como a sociedadeportuguesa em geral, umsubsector que, apesar designificativas inovaçõesrecentes e de numerosaspráticas exemplares, nuncaatingiu no nosso país o pesosocial e institucional quemerece, tendo em conta asituação particularmentegravosa da população adultarelativamente a níveis deescolarização e dequalificação.

O Encontro Nacional destina-se a todos osintervenientes, a diferentestítulos, nas áreas daEducação e Formação deAdultos em Portugal,nomeadamente: decisorespolíticos; representantesda administração públicacom atribuições nas áreasda educação e daformação – às escalascentral, regional ou local,de organizações do 3ºSector, de empresas, deescolas e de outrasentidades formadoras, deCentros deReconhecimentos,

Validação e Certificação deCompetências, de serviços ou projectos com impactona educação informal deadultos; investigadores eacadémicos;funcionários/as da DGEducação e Cultura daComissão Europeia, etc.

Mais importante do que opróprio Encontro de 12/12é a construção da RedeNacional de pessoas eorganizações da Educaçãoe Formação de Adultos -Rede EFA.Para isso, é necessário irregistando projectos erespectivas entidadesresponsáveis no site doEncontro (em “Projectos”)Para mais informaçõesvisite o site:http://www.encontro-

efa.com.pt

Encontro EFA

C ARTA N OTÍCIAS

Exmos Senhores:A v/revista n.º 4 publica um artigo sobre umaacção de formação sobre Segurança, Higienee Saúde no Trabalho Agrícola realizada noâmbito do Projecto OGREASA, co-financiadopelo Programa de Inicitiva Comunitária EQUAL.Quem ler este artigo fica com uma impressãoerrada do contributo da Universidade Aberta(UAb), pois apenas se refere e de passagem,que para o referido curso disponibilizou a suaplataforma de e-learning. Esta breve referência é injusta perante o quena realidade foi da responsabilidade directae exclusiva da UAb.O UAb fez parte, juntamente com a AMAP, oISHST (na data IDICT) e a Câmara Municipalde Castelo Branco, da Parceria de Desenvol-vimento do Projecto OGREASA desde o seuinício (Acção 1), na Acção 2 onde foi desen-volvido o curso online de SHSTA e aindacontinua na Acção 3, a aguardar deferimentopor parte da Gabinete EQUAL e a ser imple-mentada nas regiões de Entre Douro e Minhoe Alentejo.O curso de formação, na modalidade a dis-tância e online na Web, foi na realidade orga-nizado, preparado, desenvolvido, coorde-nado, certificado e avaliado pela UAb.Para o efeito a UAb: (1) elaborou os conteú-dos de 9 dos 11 módulos de formação eadaptou os conteúdos dos restantes 2, (2)disponibilizou um seu quadro para tutor-for-mador de 9 módulos e ainda do módulo pré-vio de “sociabilização com o ambiente onlinee com a plataforma de e-learning”, (3) criou emanteve(em) na Web um site com os conteú-dos integrais de curso, (4) criou, manteve edinamizou o curso SHSTA na sua plataformainformática de gestão da formação/aprendi-zagem IntraLearn, (5) ministrou as sessõespresenciais do curso, (6) avaliou ou projectosfinais dos e-formandos e certificou os queterminaram o curso com aproveitamento efinalmente (7) procedeu à avaliação pós-for-mação da acção de formação desenvolvida.Como se pode ver por esta, mesmo assim su-cinta, descriminação, a acção da UAb foi muitoalém da simples disponibilização da platafor-ma de e-learning, como é referido no artigo.Disponibilizando-me desde já para quaisqueresclarecimentos/informações adicionaissobre o curso online frequentado pelos técni-cos agrícolas da Beira Interior, apresento osmeus melhores cumprimentos

Cândido GasparAssessoria de Planeamento e Projectos da UAb

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