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Nº147 OUTUBRO/2015 Jandyra: remando contra a maré página 3 Vagner: sabemos o nosso lado páginas 8 e 9 Wladimir: qual industrialização? páginas 14 e 15 páginas 3 a 11 O GOVERNO ERRA, O PARTIDO VACILA, A CUT LUTA! Foto: CUT

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Page 1: Nº147 OUTUBRO/20155c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.… · os dias 2 e 3 de setembro de 2015, a CUT do Rio Grande do Norte elegeu em seu congresso a nova

Nº147 OUTUBRO/2015

Jandyra: remando contra a marépágina 3

Vagner: sabemos o nosso ladopáginas 8 e 9

Wladimir: qual industrialização?páginas 14 e 15

páginas 3 a 11

O GOVERNO ERRA, O PARTIDO VACILA,

A CUT LUTA!

Foto: CUT

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a convocação de um Encontro Nacional Extraordinário onde o PT possa adotar uma política compatível com a situação extraordinária que estamos vivendo.

No início deste ano dissemos que era necessário um partido para tempos de guerra. Hoje é ainda mais necessário. E aos derrotistas lembramos que só termi-na quando acaba. E enquanto estivermos lutando, não acabou. Por isto a importân-cia do Congresso da CUT, tema da maior parte das páginas desta edição.

* Página 13 dedica esta edição ao companheiro José Eduardo Dutra, falecido no dia 4 de outubro de 2015. As diferenças políticas que mantivemos com ele são conhecidas. Mas os panfletos derramados pela direita no seu velório comprovam nossa identidade. Zé Eduardo, presente!!!

Os editores

EDITORIAL

Só acaba quando termina

EXPEDIENTEPágina 13 é um jornal publicado sob responsabilidade da direção nacional da Articulação de Esquerda, tendência interna do Partido dos Trabalhadores. Circulação interna ao PT. Matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição da tendência.

Direção Nacional da AE: Adriano Oliveira/RS, Adriele Manjabosco/RS, Adriana Miranda/DF, Ananda Carvalho/RS, André Vieira/PR, Bárbara Hora/ES, Bruno Elias/DF, Dam-arci Olivi/MS, Daniela Matos/DF, Eduardo Loureiro/GO, Eleandra Raquel Koch/RS, Eliane Bandeira/RN, Elisa Guaraná/DF, Emílio Font/ES, Fernando Feijão/PI, Giovane Zua-nazzi/RS, Gleice Barbosa/MS, Iole Ilíada/SP, Izabel Cristina da Costa/RJ, Ivonete Almeida/SE, Jandyra Uehara Alves/SP, Joel de Almeida/SE, José Gilderlei/RN, Karen Lose/RS, Leirson Silva/PA, Lício Lobo/SP, Múcio Magalhães/PE, Olavo Brandão/RJ, Patrick Araújo/PE, Rafael Tomyama/CE, Rodrigo Cesar/SP, Rosana Ramos/DF, Silvia Vasques/RS, Sônia Fardin/SP, Valteci de Castro/MS, Valter Pomar/SP. Comissão de ética nacional: Ana Affonso/RS, Iriny Lopes/ES, Jonatas Moreth/DF, Júlio Quadros/RS

Edição: Valter Pomar e Adriana Miranda Diagramação: Cláudio Gonzalez (Mtb 28961) Secretaria Gráfica e Assinaturas: Edma Walker [email protected] Endereço para correspondência: R. Silveira Martins, 147 conj. 11 - Centro - São Paulo - SP - CEP 01019-000 Acesse: www.pagina13.org.br

Desde a campanha eleitoral de 2014 até o dia 8 de outubro de 2015, quando este editorial foi

elaborado, temos assistido a gangorra emocional exibida por uma parte da li-derança nacional do Partido dos Traba-lhadores. Em questões de semanas, as vezes dias, oscilam do otimismo para o derrotismo, do já ganhou para o já perdeu.

Apenas nas últimas semanas, vimos isto acontecer pelo menos duas vezes: na véspera das manifestações convocadas pela direita para 16 agosto, os otimistas comemoraram o acordo com setores da mídia como sinal de que o pior já havia passado. E há poucos dias, os otimistas comemoraram a reforma ministerial também como sinal de que o pior havia passado. Mas aí veio o julgamento no TCU, a falta de quórum na votação dos vetos, as decisões do TSE e do STF, as articulações pelo impeachment...

O otimismo irresponsável que cri-ticamos é produto da crença nos acor-dos com setores da direita. Motivo pelo qual os crentes mantém sempre intoca-da a política econômica, que no limite agrada ao setor hegemônico do grande capital. Como resultado, fica cada vez mais difícil mobilizar o povo em defe-sa das liberdades democráticas. O que torna cada vez mais fácil o avanço do golpismo.

Há meses temos alertado que esta conduta produz nossa derrota, em 2018, 2016 ou a qualquer momento. Temos dito, também, que para defender a de-mocracia é necessário alterar imedia-tamente a política econômica, criando condições para mobilizar setores da classe trabalhadora que hoje estão para-lisados ou francamente desgostosos co-nosco. E temos, finalmente, defendido

No início deste ano dissemos que

era necessário um partido para

tempos de guerra. Hoje é ainda

mais necessário. E aos derrotistas

lembramos que só termina quando

acaba. E enquanto estivermos lutando,

não acabou

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Estamos sob forte ofensiva. A direita -- apoiada pelo oligopólio da mídia, por setores do grande capital asso-

ciados a interesses do imperialismo no Brasil e na América Latina, pelas ações da Polícia Federal e do Judiciário -- atua de forma multifacetada e dirigida a desmo-ralizar o Governo, encerrar o mandato de Dilma e criminalizar o PT.

A resposta do Governo tem sido fa-zer concessões à direita e aos rentistas, em oposição ao programa vencedor em 2014, enfraquecendo a base social que o elegeu, comprometendo os avanços conquistados nos últimos doze anos. A resposta do PT tem sido de recuo e vacilação: a maioria partidária não se deu conta da gravidade da crise e até agora tem sido incapaz de disputar os rumos do Governo, de fazer autocrítica dos seus erros e se exime da di-reção política em meio a mais grave crise da nossa história recente.

No Congresso Nacional, duas faces da mesma moeda, de um lado o agressivo e violento Eduardo Cunha, com o PL 4330, e um rol de ataques aos direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro. Inclua-se aí uma emenda ao polêmico PPE – Pro-grama de Proteção ao Emprego – sobre-pondo o negociado ao legislado. De outro lado, Renan Calheiros, apoiada por Levy, apresentando um “acordão” com o grande capital via Agenda Brasil, com retirada de direitos dos trabalhadores e retrocesso das conquistas da Constituição de 1988.

A resposta da CUT a este cenário é ir para as ruas, à frente da resistência, arti-culando e priorizando a unidade com os movimentos sociais, disputando nas ruas os rumos do país. Em defesa da democra-cia, contra o golpismo e contra a política econômica do governo, comandada por Joaquim Levy.

Difícil equação. Mantida a situação atual, a CUT e os movimentos sociais te-rão cada dia menos condições de mobili-zar a classe trabalhadora em defesa de um projeto de avanços políticos e sociais que fica num passado cada vez mais distante e que não se conecta com o presente e muito menos com o futuro.

A reconquista da confiança política da maioria da classe trabalhadora é pré--condição para qualquer tática que vise barrar o avanço da direita, o retrocesso e a retomada de uma trajetória de desenvol-vimento democrático e popular. É preciso mudar imediatamente a política econômi-ca do governo, emitindo decisões claras de retomada do crescimento econômico, combate ao desemprego e à queda dos ní-veis de salário e renda, investimentos em políticas para o bem estar social.

Neste ambiente em que se destroem cotidianamente as simbologias e signifi-cações construídas pelas organizações da classe trabalhadora e da esquerda, cres-cem as manifestações mais assombrosas de ódio, intolerância, de disseminação da violência e de um ideário antidemocrático, atingindo não somente o PT, mas todas as organizações do movimento social e de es-querda, inclusive aqueles que têm a ilusão infantil de que poderiam se firmar como alternativa à esquerda nesta conjuntura.

A Frente Brasil Popular, lançada no dia 5 de setembro, em Belo Horizonte, co-loca uma perspectiva concreta de constru-ção de unidade em defesa da democracia, dos direitos sociais, políticos e econômi-cos da classe trabalhadora e da soberania nacional.

A unidade dos movimentos sociais é a linha de defesa que a CUT deve priori-zar. Para o grande capital, não basta cur-var o governo aos seus interesses imedia-tos, é preciso varrer da política brasileira qualquer possibilidade do PT continuar no governo após 2018. E para isto, não é sufi-ciente subordinar o Governo Dilma, é pre-ciso destruir Lula, o PT, o movimento sin-dical combativo e os movimentos sociais.

Remando contra a maréJandyra Uehara*

SINDICAL

Mas, para além de ação combativa, com atuação certeira na conjuntura imedia-ta, continuaremos a lutar em tempos difí-ceis, e para sair da defensiva será preciso construir outra estratégia, o que significa articular as lutas cotidianas, com a luta por reformas estruturais e pelo socialismo.

Para isto, é essencial construirmos um horizonte estratégico que vá além do “pac-to pelo crescimento econômico com distri-buição de renda”, será preciso articular a luta por reformas estruturais com o ques-tionamento do capitalismo, fortalecendo e elevando o nível da consciência de classe, orientando politicamente os trabalhadores no sentido de seus interesses históricos, na direção do socialismo.

Para a construção de outra estratégia será preciso enfrentar o engessamento, a burocratização e a despolitização no movi-mento sindical. Politizar a disputa das enti-dades sindicais, tendo sempre como objeti-vo elevar o nível de consciência da massa trabalhadora. Será preciso que a formação política seja priorizada e de caráter plural, debatendo em profundidade as diferentes visões acerca do socialismo e da estratégia. Será preciso defender a mais ampla demo-cracia no movimento sindical, particular-mente no interior da CUT e dos sindicatos filiados. Será preciso concretizar a luta por mudanças na estrutura sindical brasileira, atrelada e dependente do Estado.

No 12º Concut os debates congressu-ais devem estar sintonizados com as lutas e mobilizações para fortalecer a capacidade de intervenção dos trabalhadores e das tra-balhadoras na luta de classes que se acirra de forma acelerada no nosso país.

*Jandyra Uehara integra a executiva nacional da CUT e o Diretório Nacional do PT

A unidade dos movimentos sociais é a linha de defesa que a CUT deve priorizar

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Nos dias 2 e 3 de setembro de 2015, a CUT do Rio Grande do Norte elegeu em seu congresso a nova

direção da Central para os próximos quatro anos. Com duas chapas em disputa, foi vi-toriosa a Chapa 2 com 208 votos, liderada pela professora da rede estadual de ensino, Eliane Bandeira, atual diretora de Organi-zação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública (SINTE/RN). Nesta en-trevista ao jornal Página 13, Bandeira fala dos desafios de conduzir a CUT diante da conjuntura de crise vivida pelo país.

Página 13: Eliane Bandeira, qual a ava-liação do congresso e seu resultado?Eliane Bandeira: Com a nossa eleição e o encerramento do congresso fecha-se um ciclo e abre-se um novo caminho para construção da unidade de todas as forças políticas que participaram do processo de debate e disputa. A nova direção terá o papel de organizar a classe trabalhado-ra para os desafios postos pela conjuntura nacional. O congresso terminou, sou agora presidenta da Central Única do Rio Gran-de do Norte e vamos trabalhar para o for-talecimento da entidade, combatendo as medidas do ajuste fiscal, bem como juntar forças e estar ao lado de diversas catego-rias que estão com suas pautas de reivindi-cações perante o governo do estado.

Passado nove meses do início do segun-do mandato da Presidenta Dilma, como você avalia essa crise que o país está passando?O Brasil enfrenta uma intensa crise eco-nômica e política, queremos deixar bem claro que o modelo que culminou com a eleição do Presidente Lula numa chapa de conciliação de classe está esgotado.

Essa atual crise é o retrato do esgota-mento dessa estratégia, onde dias após a reeleição da Presidenta em segundo turno, começaram os anúncios das primeiras me-didas do ajuste fiscal que hoje massacra a classe trabalhadora e a maioria do povo brasileiro. Dilma renunciou ao programa vitorioso de 2014, que lhe deu uma bela conquista diante de uma campanha con-servadora e de baixo nível só comparada à de 1989.

Reconquistar a base

O que podemos afirmar com convic-ção é que o governo deu um verdadeiro cavalo de pau. O que está sendo imple-mentado não está no programa que fomos às ruas defender na campanha de 2014. Esse programa liderado por Joaquim Levy é o de Aécio e da coalizão PSDB/DEM. É o que tem levado o governo aos altos índices de rejeição. Os mais de 54 milhões de brasileiros que confiaram seus votos es-tão atônicos com que vem sendo aplicado na política econômica do Ministro da Fa-zendo. Um fiador dos bancos e do grande capital especulativo.

A Central Única dos Trabalhadores tem feito todo o esforço para mostrar para o governo que o caminho que está sendo trilhado está errado. Aumento de juros e corte de investimentos em infraestrutura e programas sociais só tende a aguçar o problema do país, aumentando o desem-prego e precarizando o trabalho e a renda da maioria da população.

Na sua opinião qual o caminho deve ser adotado pelo governo Dilma?O governo deve fazer o inverso do que vem sendo liderado por Joaquim Levy. Reduzir drasticamente a taxa de juros, taxar as grandes fortunas, abrir linhas de crédito e investir pesado em educação e infraestrutura. O nível da taxa de juros do Brasil só reforça o caixa dos bancos e dos especuladores.

O governo precisa urgentemente re-conquistar a sua base social. O que estamos vendo no congresso nacional e em espe-cial na Câmara dos Deputados só pode ser combatido com o apoio do povo brasileiro. Entregar o governo ao PMDB achando que “é melhor perder ministérios do que perder

o governo” é um equívoco. Além de adotar uma política econômica que não foi a avali-zada pelos 54 milhões de eleitores, entregar quase a metade dos ministérios ao PMDB é praticamente uma tragédia. Esse parti-do fisiológico é insaciável. A chantagem à Dilma não vai parar e o resultado esperado pelo governo, principalmente na Câmara, não vai ser o desejado.

O que a CUT e demais movimentos so-ciais tem feito diante desse quadro que você acaba de retratar?Primeiro e mais importante: a CUT não tem vacilado diante dessa política que vem sendo adotada pelo Governo. Temos cla-reza que é o que está aí é o pior caminho para a classe trabalhadora. E diante disso temos participado de diversas iniciativas de combate ao ajuste fiscal. No dia 5 de se-tembro lançamos em Belo Horizonte, con-juntamente com outros movimentos, den-tre eles o MST, entidades nacionais como a UNE, a CTB, partidos de esquerda como o PCdoB e até mesmo o próprio PT, a Frente Brasil Popular (FBP). Essa iniciativa está se consolidando em vários estados. No Rio Grande do Norte já demos passos impor-tantes e organizamos já como a FBP uma intensa agenda de mobilizações que culmi-naram com um grande ato no último dia 2 de outubro em Natal.

A proposta da CUT RN é organizar a Frente Brasil Popular também no interior do estado, nos maiores municípios e cida-des polos das microrregiões. Unificar um plano de lutas que envolva a pauta nacio-nal, mas sem esquecer da estadual, onde o governo do estado adota a mesma trilha de aumento de impostos e contenção de in-vestimentos.

Eliane Bandeira

A Central Única dos Trabalhadores tem feito todo o esforço para mostrar para o governo que o caminho que está sendo

trilhado está errado. Aumento de juros e corte de investimentos em infraestrutura e programas sociais só tende a aguçar o problema do país, aumentando o desemprego e precarizando o trabalho e a renda da maioria da população”

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Quando o assunto se trata de mulher, trabalho e a desigualdade de gêne-ro – palavra que está ficando tão

abjeta para certos setores -- é fundamental que comecemos com um resgate histórico que envolva como se deu, no desenvolvi-mento do sistema capitalista, a divisão de papeis e o espaço que homens e mulheres ocuparam na sociedade, enquanto estrutura basilar do capitalismo.

Por que estrutural? Porque estamos li-dando com algo que está na base social da opressão e da desigualdade: a divisão sexual do trabalho. Um conceito já trabalhado nos primeiros escritos de Marx, quando da sua análise sobre a divisão social do trabalho, mas requintado com temperos importantes da socióloga francesa Daniele Kergoat.

Kergoat considera dois princípios como organizadores da divisão sexual do trabalho: a hierarquia e a separação. Primei-ro, a hierarquia que considera o trabalho dos homens mais valoroso que o das mulheres, mesmo quando ocupam o mesmo espaço. Segundo, a separação do que é trabalho de homens e de mulheres, ou seja, quando se separa os espaços que cada um deve ocupar na sociedade. Nessa configuração, os ho-mens ocupam o espaço público e os espaços de poder, enquanto as mulheres ocupam o espaço privado, os espaços domésticos e de relações pessoais.

Essa sistematização nos dá a clareza de que a divisão sexual do trabalho não pode ser traduzida somente em estatísticas sobre as diferenças da inserção da mulher no mer-cado de trabalho, mas sim na sua comple-xidade, caracterizada pela categorização do que deveria ser o homem e a mulher no pro-cesso de acumulação do capital. Essa pro-blematização aprimora o conceito de lutas de classes, destacando não só o proletariado e a burguesia, mas o conjunto da realidade do trabalho, que envolve a hierarquia e a se-paração entre os gêneros.

Resultado da luta feminista pela garan-tia dos direitos civis no final do século XX, as mulheres passam a ocupar outros espa-ços para além do doméstico, se inserindo, a partir daí, no mercado de trabalho. Entre-tanto, com duas caracterizações importan-tes: discriminação, seja nos postos de tra-

balho ou na defasagem salarial; e acúmulo de jornada, com a continuidade do trabalho doméstico.

O relatório “Progresso das Mulheres no Mundo: 2015 – 2016: Transformar Economias para Realizar os Direitos”, realizado pela ONU Mulheres, divulgou em abril de 2015 que, a nível mundial, os salários das mulheres são 24% inferio-res aos dos homens que desempenham as mesmas funções.

No Brasil, uma pesquisa realizada pelo DIEESE confirma e agudiza o cenário mundial. Apesar de uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho nos últimos anos, os seus salários são de 25% a 30% inferiores aos dos homens, além da priorização de empregos com piores condi-ções de trabalho, com remunerações baixas e sem carteira assinada.

A Organização Internacional do Tra-balho (OIT), em conjunto com a Secretaria Especial de Política para as Mulheres do Governo Federal, realizou o estudo “O de-safio do equilíbrio entre o Trabalho, a Fa-mília e Vida Pessoal”, divulgado no final de 2014, mostrando que um dos principais fatores de desigualdade na inserção no mer-cado de trabalho entre homens e mulheres está exatamente na dificuldade de concilia-ção entre o trabalho e família por parte da população feminina.

Temos, portanto, o cenário em núme-ros que coloca abaixo o pretenso êxito da emancipação das mulheres pelo fato de ocu-parem o mercado de trabalho, refletindo, sobretudo, o processo histórico que se deu na divisão sexual do trabalho, como base do capitalismo e do patriarcado.

São as mulheres que acumulam uma dupla ou até tripla jornada de trabalho, unin-do o trabalho doméstico ao seu fazer profis-sional fora do lar. Ao mesmo tempo, apesar da emancipação feminina, a desvalorização da mulher no mercado de trabalho continua sendo perpetuada, seja nos salários inferio-res ou mesmo nos subempregos. Nesse sen-tido, são as mulheres as mais afetadas pelo desemprego, como mostra a última pesqui-sa do IBGE, que aponta que no total de 260 mil desempregados no ano de 2015, 200 mil são mulheres.

Por outro lado, falar da divisão sexual do trabalho, a partir de outras realidades de exclusão e da própria luta de classes, per-mite também que a análise sobre a mulher não se dê de forma homogênea. Se fizermos o recorte sobre a mulher negra no mercado de trabalho ou mesmo a mulher da perife-ria, teremos um perfil de desigualdade ain-da mais acentuado.

Para demonstramos em fatos essa rea-lidade descrita acima, o Censo Demográfico realizado pelo IBGE, divulgado pelo Institu-to em outubro de 2014, mostrou que jovens e negras são os segmentos da população que têm maior dificuldade de entrar no mercado de trabalho, de ter carteira assinada ou salá-rios dignos. De acordo com a Relação Anu-al de Informação Social (RAIS), o salário de uma mulher negra, no emprego formal, equivale a menos da metade do que recebe um homem branco. Assim como um per-fil sobre o trabalho doméstico realizado no Brasil, que informa que quase 85% são ocu-pados por mulheres que residem em bairros periféricos e que, em sua grande maioria (63%), são responsáveis pela renda familiar.

Portanto, com questões específicas para as mulheres, que além de serem mu-lheres e lidarem com o preconceito de raça e classe, temos este horizonte da manutenção estrutural das desigualdades de gênero.

Portanto, a inserção da mulher no mer-cado de trabalho não retira um processo his-tórico que tem raízes nas relações sociais de dominação, que não foram superadas, e sim reproduzidas nos espaços públicos que eles passaram a ocupar. Como Marx e Hegel já afirmavam: a mulher é o proletariado do proletariado.

*Angela Maria de Melo é presidente do Sintese

As mulheres e o trabalhoAngela Maria de Melo*

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Angela Maria

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Juventude que trabalha

É fundamental garantir a juventude trabalhadora um conjunto de di-reitos que lhes permita ingressar e

permanecer no mercado de trabalho em condições melhores e superiores a que atu-almente tem estado.

Para tanto pautas como a redução da jornada de trabalho sem redução dos salá-rios é algo central. O tempo livre médio de quem trabalha e estuda hoje numa grande cidade está em torno de 4,2 horas por dia, ou seja, é menos do que o mínimo neces-sário para dormir.

A garantia do direito ao tempo livre, a mobilidade e a conciliação do trabalho com estudo são decisivos para uma gera-ção que enfrenta os bloqueios do acesso à cidade, a educação, a justiça e ao trabalho decente. Essas garantias são imprescindí-veis no combate a jovialização da pobreza.

Por outro lado, devemos combater as tentativas que visam piorar ainda mais as condições de vida e de trabalho da juventu-de. Assim, deve ser rechaçada a Proposta de Emenda Constitucional 18/2011 que visa reduzir de 16 para 14 anos a idade mínima para o trabalho. Especialmente no momento em que os direitos sociais dos trabalhado-res, e da juventude em especial, vêm sendo sistematicamente mitigados pela ofensiva conservadora do Congresso Nacional.

É decisivo também combater as políti-cas de ajuste fiscal adotadas pelo governo. O pacote de medidas adotado, além de não resolver os problemas fiscais, aprofunda a crise e atinge diretamente a parcela mais frágil da população. É um erro ampliar a terceirização, flexibilizar os direitos traba-lhistas e reduzir os investimentos gerando desemprego. A consequência destes atos

é a recessão financeira e a perda de apoio por parte da classe trabalhadora.

O momento é de articular as lutas contra a retirada de direitos com as lutas pela consolidação das garantias já estabe-lecidas na legislação vigente e a mudança na política econômica. Retomar o investi-mento público para garantir o emprego e a renda da juventude, e atender as demandas por políticas públicas de saúde, educação e trabalho que permitam a retomada de um novo ciclo de crescimento.

*Patrick Campos é membro da Executiva Nacional da Juventude do PT

Patrick Campos*

Os dados sobre a juven-tude trabalhadora no Bra-sil revelam a importância desta parcela da popula-ção para o país e o quan-to é preciso ter atenção quando o assunto é ju-ventude e trabalho.

Segundo o Estatuto da Juventude, instituído pela lei 12.852 de 2013,

“são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”. Considerando que a Constituição Federal estabele-ce a idade mínima de 16 anos para o trabalho, não sendo na condição de aprendiz, existem no Brasil cerca de 45 milhões de pessoas com idade de 16 a 29 anos (PNAD, 2013).

Destes, mais de 31 milhões estão trabalhando (27,44 milhões) ou a procura de emprego, compondo a chamada População Eco-nomicamente Ativa-PEA (Informe da Previdência Social, Maio de 2015, V. 27, nº 05).

Merece destaque o fato que dentre estes últimos, o índice de desocupação, ou seja, de quem está buscando se inserir no mer-cado de trabalho aumenta conforme diminui a idade, sendo de 20% entre aqueles de 16 a 19 anos, de 11, 9% entre aqueles de 20 a 24 anos e de 8% entre aqueles de 25 a 29 anos. Ou seja, quanto mais jovem, mais difícil conseguir emprego.

Em 2013, segundo a PNAD, a caracterização da população de-socupada era de que “31,0% nunca tinham trabalhado; 32,7% eram jovens de 18 a 24 anos de idade; 60,5% eram pretos ou pardos; e 51,2% deles não tinham completado o ensino médio”.

Esta situação contribui diretamente para o crescimento dos índi-ces de ocupação em postos de trabalho precarizados, terceiriza-dos, com baixos salários, alta rotatividade, sem carteira assinada, imenso grau de exploração e nenhuma proteção social ou previ-denciária. Tem sido justamente estes os espaços ocupados pela maioria da juventude trabalhadora.

Na análise por ramo de atividade, percebe-se que são jovens 40% dos trabalhadores no setor de comércio e reparação e 32% no setor de alojamento e alimentação, e a faixa etária de 16 a 19 anos compõe mais de 8% destes trabalhadores. Eles também têm participação considerável na indústria de transfor-mação e na construção. (Informe da Previdência Social, Maio de 2015, V. 27, nº 05).

Esta situação se agrava quando a condição de trabalhador da jovem e do jovem na família é de referência, ou seja, seu salá-rio compõe o orçamento familiar e sua permanência no trabalho não é questão de opção, mas de necessidade.

E torna-se ainda mais complexo quando se trata da juventude trabalhadora que também estuda. Hoje 23% (PNAD, 2013) dos jovens entre 16 e 24 anos trabalham e estudam. Nestes casos a dificuldade de conciliar trabalho e estudo ainda é potencia-lizada pelas limitações de mobilidade urbana e pela condição familiar, quando parte destes jovens são pais e mães.

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Mesmo sabendo que a saída para classe trabalhadora é pela es-querda e unificada, os movi-

mentos sindical e social têm dificuldade para construir lutas coletivas e avançar nas conquistas, pois muitos dirigentes fi-cam presos à pauta imediata e corporativa, principalmente no movimento sindical.

Em Sergipe nós, dirigentes da CUT, temos feito um esforço enorme para unifi-car as nossas ações as das demais centrais e com o movimento social, e tem dado re-sultado. Prova é que em todos os atos em defesa da democracia em nosso estado, fo-mos maioria, superando em muito a direita que também saiu às ruas para defender o impeachment da presidenta Dilma.

Nossa relação com o MST, MOTU (movimento que luta por moradia), MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento de Direitos Humanos, Qui-lombolas, Levante Popular da Juventude, Consulta Popular, DCEs (universidades públicas e privadas), Marcha Mundial de Mulheres, Marcha das Margaridas, Fó-rum em Defesa de Aracaju, Movimento Hip Hop, Movimento em Defesa do Rio São Francisco, Pastorais da Igreja Católi-ca, entre vários outros coletivos de luta, é muito boa, porém com as demais centrais é tenso; uma vez que depois do famige-rado “reconhecimento das centrais” foi desencadeada uma luta fraticida e desleal com o objetivo de cooptar sindicatos.

Rompendo com a pauta corporativa, a CUT Sergipe tem atuado em outras outras lutas e frentes como o “Direito à Memó-ria e a Verdade”, com realização de várias mesas de debates com ex-presos políticos e dirigentes sindicais que foram torturados e seus sindicatos sofreram intervenções. Um tema tão caro à classe trabalhadora não poderia passar despercebido a nenhu-ma liderança sindical. Promovemos tam-bém o Cine CUT para dialogar não só com os filiados, mas também para fazer interlo-cução com a comunidade do bairro onde a central está instalada.

SINDICAL

CUT Sergipe e o movimento socialRubens Marques de Sousa*

A construção da Frente Brasil Popular em Sergipe foi lançada na sede CUT com a presença de mais de trinta entidades, a maioria delas do movimento social e já no dia 04 de agosto a FBP fez o seu primeiro ato em frente à sede da Petrobras em de-fesa da estatal, porém lá cobramos que os envolvidos em corrupção fossem punidos sem distinção de partido.

Destaco que a unidade com o movi-mento social só está sendo possível porque temos a compreensão dos limites e possi-bilidades desta construção. A direção da CUT dialoga, influencia, mas não tem a pretensão de protagonizar as lutas.

Aprendemos que mesmo com algu-mas diferenças com as demais centrais, devemos eleger na construção das lutas coletivas, aquilo que nos une, e não o que

nos separa. Assim tem sido possível rea-lizar algumas atividades inclusive com o PSTU/CSP Conlutas.

A crise política por que passa o Brasil tem nos levado a refletir que aqueles que “se colocam” mais à esquerda, seja no movi-mento sindical ou social tem cometido um grande erro ao pretender tirar dividendos num possível declínio da CUT, enquanto es-tamos vivendo uma luta de classes que não sabemos onde vai dar. Mas sabemos sim que as crises são uma oportunidade para as gran-des mudanças... Os trabalhadores e trabalha-doras de Sergipe estão disputando os rumos do Governo e defendemos claramente que ele dê uma guinada à esquerda.

*Rubens Marques de Sousa é presidente da CUT Sergipe

Diego Oliveira/ jornalista visual

A crise política por que passa o Brasil tem nos levado a refletir que aqueles que “se colocam” mais à esquerda, seja no movimento sindical ou social tem cometido um grande erro ao pretender tirar dividendos num possível declínio da CUT, enquanto estamos vivendo uma luta de classes que não sabemos onde vai dar. Mas sabemos sim que as crises são uma oportunidade para as grandes mudanças... Os trabalhadores e trabalhadoras de Sergipe estão disputando os rumos do Governo e defendemos claramente que ele dê uma guinada à esquerda

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SINDICAL

Página 13: Muita gente te conhece ape-nas como presidente da CUT. Diga para nós: antes daqui, qual foi tua trajetória política, sindical e pessoal?

Vagner Freitas: Antes de participar do movimento sindical, participei dos mo-vimentos sociais em Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo, onde nasci e me criei. Em 1987, fui trabalhar no Bradesco e antes de receber o primeiro salário participei ati-vamente de uma greve, a primeira da minha vida, e comecei a frequentar o Sindicato dos Bancários como militante. Em 1991, fiz parte da chapa que elegeu Gilmar Carnei-ro, virei diretor regional da Mooca. Nesse período também que comecei a participar das atividades da CUT. Depois, fui eleito secretário Organização, secretário Geral da Confederação e presidente da Confederação Nacional dos Bancários (CNB), e presidente da Confederação Nacional dos Trabalhado-res do Ramo Financeiro (Contraf), na CUT fui eleito secretário de Política Sindical, de Administração e Finanças e presidente.

A direita ficou muito estressada com tua afirmação de que, se necessário fosse, po-deríamos pegar em armas para defender a democracia. E muita gente que se diz de esquerda acha que o mandato da pre-sidenta Dilma não merece ser defendido. Qual tua opinião sobre o governo Dilma?Quando falei em usar armas para defender o governo Dilma e a democracia, usei uma figura de linguagem comum em nosso meio. Quando um dirigente sindical fala em usar armas para defender um direito está se referindo a organização, mobiliza-ção, pressão e ocupação das ruas seja para defender um governo legitimamente elei-to -- Dilma foi eleita democraticamente, dentro das regras constitucionais do País e tem o direito de governar até 2018 -- seja para defender os direitos da classe traba-lhadora do campo e da cidade e de todos os cidadãos a ter assegurados direitos a saúde e a educação.

Quanto ao mandato, para mim, defen-der o mandato de Dilma é defender a demo-cracia, único sistema de governo que garante à classe trabalhadora liberdade para se orga-nizar, mobilizar, reivindicar e conquistar.

Isso não significa que apoiamos todas as medidas do governo Dilma. Discor-do completamente dos rumos da política econômica que vem sendo implementada. Essa política é neoliberal, atende os an-seios da oposição, dos rentistas, é a pauta dos que perderam a eleição. Se seguir esse caminho, os/as trabalhadores/as serão os/as mais prejudicados/as com o agravamen-to da recessão e, consequentemente, do desemprego. Por isso, não podemos aban-donar as nossas pautas, temos de continu-ar disputando nosso projeto de governo e de propor correções de rota. É importante lembrar que, apesar dos equívocos, temos absoluta consciência de que um governo tucano seria infinitamente pior para a clas-se trabalhadora.

Voce acredita que a Frente Brasil Popu-lar possa cumprir que papel na conjun-tura atual?Só há uma saída para a crise política e econômica: desenvolvimento econômico que garanta a preservação dos postos de trabalho atuais e geração de emprego de-cente, distribuição de renda, redução das desigualdades sociais e aumento da prote-ção social.

Isso implica um combate duro e contí-nuo à atual política econômica, que conside-ro recessiva e totalmente contrária ao projeto de Nação que estamos ajudando a construir desde 2002, quando elegemos Lula e inicia-mos uma revolução social no Brasil.

Para a luta pelo Brasil que queremos ser exitosa, é fundamental o fortalecimen-to da unidade dos movimentos sindical e sociais e a participação efetiva em todas as frentes democráticas e de esquerda, como a Frente Brasil Popular que, junto com to-dos os atores da sociedade realmente inte-ressados em um país melhor e para todos tem condições, sim, de cumprir um impor-tante papel na conjuntura atual, inclusive construindo propostas alternativas tanto para garantir a consolidação da democra-cia quanto para alterar os rumos da políti-ca econômica.

Voce é petista e assinou um manifesto, dirigido ao Congresso que o Partido realizou neste ano de 2015. Que recado voce daria para o teu Partido?Não acho que é o caso de dar recado ao partido, até mesmo porque, temos na CUT uma grande parcela de dirigentes que é pe-tista. Acho que se há críticas ou propostas que ajudem o partido a avançar, temos de participar mais intensamente das instân-cias partidárias, formulando, propondo e aproximando o partido dos movimentos sindical e sociais.

Fala VagnerEm entrevista ao Página 13 o presidente da Central Única dos Trabalhadores fala sobre a situação política e o papel do movimento sindical.

Defender o mandato de Dilma é defender a democracia”

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O PT nasceu com uma proposta de ampliação da participação da militância de base e isso o tornou o maior partido de esquerda da América Latina e um dos maiores do mundo.

Acredito que em função das vitórias eleitorais e também dos desafios coloca-dos para a militância sindical e social nas suas frentes de luta, houve um certo dis-tanciamento, que não é responsabilidade de um ou de outro, foi apenas fruto das circunstâncias. Precisamos resgatar essa participação da militância social e sindical dentro do partido, de forma fraterna, para contribuirmos na consolidação do PT.

Quais os problemas do movimento sin-dical brasileiro, em geral, e do cutismo em particular?O movimento sindical brasileiro precisa se modernizar, discutindo profundamente questões como o financiamento e a pulve-rização de entidades. A cada ano são cria-dos centenas de sindicatos, cada vez mais específicos - quase um sindicato por em-presa. Isso cria sobreposição de represen-tação, dificuldades de mobilização e orga-nização. É preciso normatizar a criação de novos sindicatos, o desmembramento de categorias etc.

Muitos sindicatos são criados apenas para receber o imposto sindical, têm pré-dios, mas não têm sócios, não representam os trabalhadores. É preciso superar o im-posto sindical e criar uma contribuição a partir da negociação coletiva, aprovada em assembleia e, ao mesmo tempo, privilegiar a associação do trabalhador ao sindicato.

A questão da organização no local de trabalho ainda é um desafio para o mo-vimento sindical brasileiro, inclusive o CUTista. A organização no local de traba-lho tem várias vantagens: permite que inú-meras demandas específicas sejam nego-ciadas e resolvidas na negociação direta, funciona como uma extensão do sindicato dentro do local de trabalho, permite ao sindicato um acompanhamento quase em tempo real da situação das condições de trabalho e ainda fortalece a participação dos trabalhadores no dia a dia do sindi-cato, contribuindo muito para aumentar a sindicalização.

Para completar, acho que precisamos aprimorar a formação dos nossos dirigen-tes que precisam estar preparados para en-tender a complexidade da conjuntura polí-tico econômica com consequências graves para a classe trabalhadora. Hoje, não basta

ter um bom discurso, é preciso também saber formular, analisar, ler e entender a conjuntura para conseguir formular pro-postas que contribuam para que as cate-gorias profissionais enfrentem os desafios postos pela modernidade ou pelas crises econômicas e continuem avançando em conquistas e ampliação de direitos.

Voltando à conjuntura: o que voce espe-ra do Concut?O CONCUT é um momento especial para toda a militância CUTista que ao longo dos anos vem construindo a nossa Central no dia a dia. Essa militância que lutou contra a carestia, contra a ditadura, contra o regime do “sim, senhor; não, senhor” que imperava nas fábricas e em todos os locais de traba-lho; militância que elegeu e reelegeu Lula presidente, elegeu Dilma e, em 2014, teve garra e coragem para enfrentar a direita nas ruas e ajudar a reeleger a presidenta enfren-tando a campanha eleitoral mais torpe da história do Brasil, mas que também vai às ruas para protestar contra a retirada de di-reitos, contra a política econômica adotada neste segundo mandato, que critica e se de-

bruça sobre propostas para mudar os rumos do desenvolvimento do País.

Queremos aprovar neste CONCUT propostas ainda mais ousadas e mais elabo-radas para enfrentar os desafios organizati-vos da classe trabalhadora, a crise política e econômica, a garantia de manutenção de direitos e a ampliação de conquistas para os/as trabalhadores/as. Nos congressos Estaduais (CECUTs) conseguimos efe-tivar uma decisão inédita no movimento sindical brasileiro de implantar a parida-de em todas as CUT’s Estaduais e vamos completar o processo de igualdade entre homens e mulheres nas direções da nossa Central na Executiva Nacional.

Vamos nos preparar para os desafios que vamos enfrentar até 2019, política e organizativamente.

Vamos sair deste CONCUT mais pre-parados, dispostos e prontos para enfrentar de forma consciente os enormes desafios que temos pela frente nos próximos anos.

Vamos sair deste CONCUT mais for-talecidos para lutar pelos direitos da classe trabalhadora e pela consolidação da demo-cracia em nosso país.

O movimento sindical brasileiro precisa se modernizar, discutindo profundamente questões como o financiamento e a pulverização de entidades. A cada ano são criados

centenas de sindicatos, cada vez mais específicos - quase um sindicato por empresa. Isso cria sobreposição de representação, dificuldades de mobilização e organização”

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Lições de uma lutaIsmael José César*

Em fevereiro deste ano, os servi-dores públicos federais iniciaram a Campanha Salarial Unifica-

da/2015, com a realização de ato público em frente ao Ministério do Planejamento, em Brasília. Na ocasião, a representação da categoria sequer foi recebida pelas au-toridades do governo federal.

Em nome da contenção de gastos, os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, anun-ciaram em dezembro/2014 o início do ajuste fiscal, com a edição das Medidas Provisórias 664 e 665, que reduz o valor das futuras pensões por morte, triplica o tempo mínimo de trabalho exigido para que o trabalhador demitido receba o segu-ro desemprego, muda as regras do auxílio doença e do PIS, entre outras medidas pre-judiciais aos trabalhadores.

Foi neste cenário de endurecimen-to, com o anúncio de contingenciamento orçamentário de R$ 69,6 bilhões, que os servidores iniciaram a construção da greve a partir de maio, exigindo: recomposição linear das perdas salariais (27%); políti-ca salarial permanente; data-base em 1º de maio; negociação coletiva (convenção OIT 151); paridade entre ativos e aposen-tados; reajuste do auxílio alimentação, do auxílio creche e da assistência à saúde. Uma greve difícil de ser construída, pois o discurso hipócrita da grande mídia sobre a necessidade de cortes de gastos, a crise política no interior do governo e um parla-mento preocupado e mergulhado em seus interesses próprios, colocou os servidores em um isolamento que só foi rompido com muita mobilização (caravanas à Brasília), atos, ocupações de órgãos públicos e mar-chas na Esplanada dos Ministérios, além das paralisações em setores estratégicos da administração pública federal.

Estas pressões forçaram o governo a apresentar em agosto uma proposta ao con-junto do funcionalismo público, sendo: re-ajuste de 21,3% escalonado em quatro anos (2016 a 2019), reajuste do auxílio alimen-tação e da assistência pré-escolar e incor-poração das gratificações aos proventos da aposentadoria pela média dos pontos.

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Em assembleias e plenárias realizadas em todo o país, a categoria decidiu rejei-tar a proposta. A verdade é que a oferta do governo era inaceitável, pois a assinatura de um acordo naqueles moldes significaria abdicar da luta nos próximos quatro anos, diante de uma conjuntura em que a infla-ção retorna com todo o vigor, além de não haver garantia de data-base e de negocia-ção coletiva no setor público. A proposta representaria ainda uma derrota do mo-vimento sindical e o consequente afasta-mento das categorias dos sindicatos.

A proposta, da forma como foi apre-sentada, reforçou ainda mais a disposição de luta dos servidores, inclusive setores que até então não haviam entrado na greve aderiram ao movimento.

A indignação aumentou ainda mais com mais um pacote de maldades anuncia-dos por Joaquim Levy, da Fazenda, e Nel-son Barbosa, do Planejamento. A medida de ajuste fiscal inclui a redução do núme-

ro de ministérios; a extinção do abono de permanência aos servidores que têm tem-po de aposentadoria, mas continuam na ativa; suspensão dos concursos públicos; e mais redução nos recursos do Ministério da Saúde, Educação e Previdência.

Com as ações, o governo federal mar-cou o distanciamento do programa e da pla-taforma que deram a vitória à presidenta Dil-ma Rousseff, no segundo turno de 2014.

Como em greves anteriores, a CUT teve um papel importante no processo de interlocução e da retomada da negociação com o governo. Em um momento de pro-funda crise política, era inaceitável que o governo Dilma virasse as costas para uma parte de sua base social, que teve papel importante na luta contra os governos neo-liberais na década de 90, em particular no período de FHC.

Em nota pública, a Central manifes-tou total apoio à campanha dos servido-res públicos federais e à valorização da

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categoria como condições fundamentais para o avanço na consolidação de políticas públicas e serviços de qualidade à popu-lação. No documento, a CUT reafirma a importância do diálogo e reforça a urgên-cia da regulamentação da Convenção 151 da OIT; concorda que o reajuste proposto está longe de atingir a inflação do período e manifesta total apoio à pauta da catego-ria. A CUT termina afirmando que estará ao lado dos trabalhadores e apoiará todas as iniciativas de mobilização dos servido-res na defesa de suas reivindicações.

A intensificação do processo de mo-bilização de rua e de greve, a participação efetiva da CUT e a interlocução de alguns parlamentares da base aliada forçaram o governo a apresentar outra proposta que, dessa vez, abriu margem para que a maioria das entidades sindicais fechasse o acordo.

A nova proposta concede reajuste salarial de 10,8%, dividido em agosto de 2016 (5,5%) e janeiro de 2017 (5%), sen-do que o impacto é sobre o vencimento básico e não na gratificação – como ini-cialmente queria o governo –, com garan-tida de paridade entre servidores ativos e aposentados. Ainda foi realizada mudança na regra que garante a média dos últimos cinco anos do valor da gratificação de de-

sempenho para fins de aposentadoria. No acordo, os benefícios também foram rea-justados da seguinte forma: a alimentação de R$ 373 foi reajustada para R$ 458; o plano de saúde (per capita médio) de R$ 117 foi para R$ 145 e o auxílio creche, de R$ 73, foi para R$ 321. Os reajustes vale-rão a partir de janeiro de 2016. Ainda foi assegurada a regulamentação da negocia-ção coletiva no setor público.

Esta regulamentação será um ganho definitivamente importante para a catego-ria, que terá assegurado o diálogo perma-nente, com critérios e regras que garantem um processo permanente de negociação entre as partes. Este é um tema de interes-se não somente dos servidores federais, mas também do funcionalismo estadual e municipal, que se beneficiaram com esta importante conquista.

Ao final deste processo, ficou claro que o governo erra ao fazer a sua opção pelos banqueiros, especuladores e grande capital. Ao querer economizar sobre o ser-viço público, o governo desfere um duplo ataque à sua base social: os servidores e a população mais necessitada.

*Ismael José Cesar é servidor público federal e secretário de Política Social da CUT Brasília

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Com as ações [do ajuste], o governo federal marcou o distanciamento do programa e da plataforma que deram a vitória à presidenta Dilma Rousseff, no segundo turno de 2014

Ismael José Cesar

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Compromisso com a classe e com os direitos humanos

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A Secretaria de Políticas Sociais, assim como todas as outras secre-tarias da CUT, esteve envolvida

nas mais diversas frentes em defesa dos direitos e anseios da classe trabalhadora e de suas organizações.

Citamos algumas destas frentes: a Comissão da Verdade, a Conferência Na-cional das Cidades, a Conferência Global contra o Trabalho Infantil, a luta contra o trabalho escravo, o Comitê contra a Tor-tura e o Conselho Nacional de Direitos Humanos. Além disso, no âmbito interno da secretaria, organizamos os coletivos nacionais de trabalhadores e trabalhado-ras com deficiência e LGBT.

Na Comissão Nacional da Verdade ajudamos a constituir o GT dos Traba-lhadores, em conjunto com as outras cen-trais. Ajudamos também na implementa-ção da Comissão pela Memória, Verdade e Justiça da CUT, que lança no seu XII Congresso um relatório com os nomes de trabalhadores mortos, que não constam do relatório nacional. Este documento será entregue à Comissão de Anistia e a luta deve continuar para a criminalização dos militares e das empresas que parti-ciparam da repressão e morte dos traba-lhadores e que atuaram na destruição das suas organizações e sindicatos.

Conseguimos ampliar as represen-tações dos coletivos da secretaria nos estados e elegemos para a presidência do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE) um representante dos trabalhadores com de-ficiência da CUT. E um representante do coletivo de trabalhadores e trabalhadoras LGBT foi eleito para o Conselho Nacio-nal de Combate à Discriminação e Pro-moção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais.

Ainda com relação aos trabalhado-res e trabalhadoras com deficiência, a CUT --através da secretaria de políticas sociais-- teve participação significativa

Expedito Solaney*

na elaboração da lei que concede a aposen-tadoria especial para as pessoas com defi-ciência e na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

Na luta contra o trabalho infantil, partici-pamos junto a vários organismos internacio-nais na III Conferência Global que ocorreu em Brasilia, em 2013. Neste evento a CUT esteve representando os trabalhadores e foi uma das articuladoras dos vários fóruns es-taduais e nacional de discussão sobre o tema.

Participamos de todas as campanhas re-ferentes ao 12 de junho, dia internacional pela erradicação do trabalho infantil, inclusive du-rante a copa e eventos de grande vulto que aconteceram no país neste período. O núme-ro de crianças no trabalho tem diminuído no Brasil, mas ainda são mais de 3 milhões que permanecem nas cadeias produtivas, perden-do o tempo precioso para a sua educação e formação como ser humano.

A CUT esteve com outras organizações na luta contra a redução da maioridade penal e da idade para ingresso ao trabalho, pautas que ainda permanecem no atual Congres-so majoritariamente conservador, que tenta agredir os direitos e garantias das crianças, adolescentes e jovens querendo condenar os filhos de trabalhadores à tortura e a miséria eterna.

A pauta do trabalho decente também está presente na rotina da secretaria. O tra-balho escravo, os trabalhadores migrantes

e indígenas, trazem muitas discussões de políticas públicas, de organização e de respeito aos direitos humanos que deve-rão continuar na pauta da Central, como a luta pela regulamentação da convenção 169 da OIT, que trata da consulta prévia aos povos indígenas sobre qualquer polí-tica pública que lhe seja implementada ou a aprovação de uma nova lei que deve dis-ciplinar a imigração no país e que venha resolver as questões de representação e di-reitos dos trabalhadores migrantes.

Neste último período, em que as for-ças conservadoras parecem não dar fole-go, estivemos nas principais articulações e manifestações contra a retirada de direitos dos trabalhadores, contra a política eco-nômica recessiva e contra o golpe, mani-festações que aconteceram por todo país e foram uma formula aglutinadora para as forças de esquerda e que proporcionou a criação da Frente Brasil Popular.

Assim atuou e assim pretendemos que continue atuando a secretaria nacio-nal de políticas sociais: priorizando estas articulações, a defesa da classe trabalha-dora, a defesa dos direitos humanos e com o desafio de organizar os trabalhadores e trabalhadoras para o bom combate nestes tempos de guerra de classe.

*Expedito Solaney é dirigente da CUT-PE e foi dirigente da SPS da CUT

Expedito Solaney, titular da secretaria de politicas sociais da CUT e dirigente nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, agora eleito para a direção da CUT Pernambuco

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posições majoritárias do partido, passando a defender abertamente uma posição que articule a luta contra a direita e por outra política econômica com a realização de um Encontro Nacional Extraordinário que reposicione o PT na luta política do país.

Devemos nos considerar em um esta-do permanente de mobilização. A gravida-de da ofensiva conservadora contra a de-mocracia e contra nosso projeto exige que tenhamos apoio popular de massas contra a direita e o golpismo. Para conquistar esse apoio e recompor com os trabalhado-res, movimentos sociais e setores popula-res que foram decisivos para chegarmos até aqui, precisaremos mudar a política do governo e do PT. Um caminho que combi-na a defesa da democracia e do programa eleito em 2014.

*Bruno Elias é secretário nacional de movimentos populares do PT

Em setembro militantes de movimen-tos sociais, partidos de esquerda e organi-zações populares de todo país participa-ram em Belo Horizonte da Conferência de lançamento da Frente Brasil Popular.

Trata-se de defender com todas as for-ças a democracia contra o golpismo da di-reita e de setores do Estado ao mesmo tem-po em que se pressiona o governo e o Con-gresso Nacional contra a retirada de direitos e por mudanças na política econômica.

A Frente Brasil Popular ocupou as ruas nos dias 2 e 3 de outubro com atos em 22 estados. Além da defesa da democracia e das mudanças na economia, as mobiliza-ções realizadas nos marcos de 62 anos da Petrobrás trataram com centralidade da de-fesa da soberania popular sobre o petróleo brasileiro em razão das investidas da direita no Congresso Nacional contra a participa-ção exclusiva da empresa na exploração do Pré-Sal e o desmonte do modelo de partilha.

Fica clara a importância da articulação da FBP nos estados e municípios e o acerto político em apostar numa frente de mobili-zação aberta à ampla participação popular, organizada a partir de um programa co-mum, sem medo ou veto à participação dos partidos de esquerda.

De lá pra cá, a direita brasileira segue em ofensiva contra o governo Dilma, o PT e a esquerda em todas as frentes. O debate sobre o rito dos pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados, a reabertura da investigação do TSE contra a campanha da presidenta Dilma e a reprovação das contas do governo de 2014 no TCU re-forçam as posições dos que na direita não descartam a defesa de um golpe jurídico--parlamentar contra o mandato popular da presidenta da república.

Frente a isso, o governo aparenta redo-brar a aposta na política econômica coman-dada pelo ministro Joaquim Levy e na con-ciliação com a direita. Na economia, uma nova rodada de ajustes acompanhado da manutenção das altas taxas de juros segue deprimindo a economia, agravando o qua-dro recessivo, de desemprego e a diminui-ção dos investimentos e dos gastos sociais.

NACIONAL

Romper o cercoBruno Elias*

Esta mesma lógica de conciliação este-ve presente na condução da reforma minis-terial. A rendição ao discurso conservador sobre o “gigantismo” do Estado, a conse-quente diminuição de ministérios e áreas do governo responsáveis por políticas so-ciais e de promoção de direitos estratégicas para os movimentos sociais e a ampliação da participação do PMDB, com o intuito de construir uma maioria contrária ao impea-chment, sinalizam neste sentido.

Além disso, a ofensiva contra os se-tores populares chocou o ovo da serpente do conservadorismo, da intolerância e da violência. O atentado ao Instituto Lula, a agressão ao dirigente do MST João Pedro Stédile e a odiosa manifestação no veló-rio do ex-presidente do PT José Eduardo Dutra reforçam a necessidade do campo democrático-popular responder com du-reza a este tipo de ação. Não há diálogo ou contemporização com fascistas. Temos que deixar claro para o conjunto da direita brasileira que a opção deles pelo golpismo e por este tipo de ação terá um alto preço e resistência.

Em sintonia com a recente decisão do STF, é fundamental sustentar o veto da presidenta Dilma ao financiamento empre-sarial de campanha. No mesmo sentido, o PT deve apoiar formalmente o afasta-mento do presidente da Câmara Eduardo Cunha de suas funções.

No campo das alternativas, foi mui-to importante a divulgação do documento “Por um Brasil justo e democrático”, apon-tando um diagnóstico da crise atual e pro-postas para uma nova política econômica (ver texto nas páginas 14 e 15 deste edição).

No movimento social, as decisões e lutas aprovadas pelo Congresso da CUT neste mês de outubro também reforçarão o papel decisivo que nossa maior central sindical tem jogado no último período e a centralidade do movimento sindical na Frente Brasil Popular e na ampliação das lutas de massas.

De igual modo, também tem sido po-sitiva a disposição de cada vez mais se-tores do PT e do petismo em enfrentar as

No movimento social, as decisões e lutas aprovadas pelo Congresso da CUT neste mês de outubro também reforçarão o papel decisivo que nossa maior central sindical tem jogado no último período e a centralidade do movimento sindical na Frente Brasil Popular e na ampliação das lutas de massas

Bruno Elias

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O documento Construir um Brasil justo e democrático, divulgado recentemente em atividade con-

vocada pela Fundação Perseu Abramo, é dividido em dois volumes, o primeiro dos quais intitulado “Mudar para sair da crise - Alternativas para o Brasil voltar a crescer”. Ele reafirma, com razão, que o “cresci-mento econômico baseado na indústria de transformação é condição necessária para o desenvolvimento com redistribuição da renda”. Acrescenta, também com razão, que a “experiência internacional ensina que nenhum país se tornou desenvolvido sem uma indústria forte e competitiva”. No entanto, aduz que as “nações industria-lizadas” são as que “apresentam melhores índices de renda e bem-estar social”. Ou seja, dá a entender que industrialização e melhores índices de renda e bem-estar so-cial estão naturalmente associados, o que não corresponde à experiência histórica.

Quando o documento afirma que, “entre 1950 e 1980, o Brasil vivenciou um longo período de crescimento econômico liderado pelo processo de industrialização e diversificação e integração da estrutura industrial brasileira”, ele se vê obrigado a parar por aí. Isto porque a industrialização subordinada e dependente daqueles anos, em especial dos anos ditatoriais, foi acom-panhada de uma brutal concentração de renda no polo capitalista, e por um tam-bém brutal aumento da pobreza e da misé-ria no polo popular.

Situações idênticas ocorreram nos pro-cessos de industrialização da Inglaterra, França, Estados Unidos, Alemanha e Japão, para ficarmos apenas em nações que se trans-formaram em potências capitalistas. Essas industrializações só começaram a melhorar os índices de renda e bem-estar quando as revoltas proletárias pareceram colocar em risco o domínio burguês. E, também, quando a globalização do domínio colonial capitalis-ta, a partir do final do século 19, permitiu às burguesias transferir parte de seus superlu-cros da exploração colonial e semicolonial para suas classes trabalhadoras, procurando amaciar a luta de classes em seus países.

Mesmo assim, Estados de Bem-Estar social só surgiram após a II Guerra Mun-dial. A presença e a expansão do socialis-mo de tipo soviético, tanto na Europa do Leste quanto na Ásia, a emergência da Guerra Fria, e a eclosão de guerras antico-loniais na Ásia e na África, muito mais do que processos de industrialização, estive-ram na origem desses Estados.

Embora, é bom que se acrescente, a reindustrialização acelerada da Europa, através do Plano Marshall, também jogou papel fundamental para que tais Estados pudessem existir.

De qualquer modo, não é um ponto fora da curva que, logo após o colapso do socialismo de tipo soviético, os capi-talistas desses Estados venham tentando liquidar todas as conquistas e concessões de renda e de bem-estar. Já antes da cri-se de 2008, mais de 30 milhões de norte--americanos haviam deixado de participar do “american way of life”, subsistindo com rendas abaixo da linha da pobreza. E mesmo antes que as políticas monetaris-tas para salvar a zona do Euro houvessem transformado aqueles Estados em terra ar-rasada para os trabalhadores, muitas das características de bem-estar social já ha-viam desaparecido.

Ou seja, industrializações com “me-lhores índices de renda e bem-estar social” ocorreram em graus variados. Depende-ram da intensidade interna da luta de clas-ses, do grau de exploração externa de po-vos subordinadas e dependentes, e das ten-

dências internacionais da luta de classes. Assim, a industrialização foi a base que permitiu a proletários e camadas popula-res, através da luta, e também da solidarie-dade internacional, obterem mais renda e algum bem-estar. Sem industrialização es-sas conquistas seriam impensáveis. Mas, sem a luta de classes, nacional e interna-cional, a melhoria de renda e o bem-estar dificilmente teriam existido.

Assim, o documento está certo ao afirmar que a “melhoria das condições de trabalho e renda depende de uma indústria forte e competitiva”. Mas falhou em não completar que tal melhoria, para se efetivar, precisa que a industrialização seja acompa-nhada de uma luta constante dos trabalha-dores, e/ou esteja associado à presença de um Estado disposto a sustentar políticas de redistribuição de renda e bem-estar social.

A afirmação do documento, de que “sem a indústria, são remotas as possibili-dades de desenvolvimento e da formação de uma sociedade menos desigual” é com-provável historicamente no Brasil, a par-tir dos anos 1980. A inflexão da trajetória industrialista brasileira desse período am-pliou de forma ainda mais perversa o grau de desigualdade, pobreza e miséria legado pelo processo industrialista ditatorial.

No período neoliberal a indústria bra-sileira foi devastada e desnacionalizada. Como diz o documento, “observou-se uma perda relativa de dinamismo...”. Só a partir de 2003, “a despeito da apreciação cambial, houve alguma recuperação da capacidade

NACIONAL

Alternativas industriaisWladimir Pomar*

Wladimir Pomar

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do Estado de articular e induzir o cresci-mento”, com “reflexos positivos sobre a indústria”. O que foi verdade. No entanto, o documento deixou outra lacuna ao não explicar por que a indução do crescimento de então não foi suficiente para retomar um processo mais firme de industrialização.

Seria e é necessário apontar claramen-te que políticas de indução do consumo nem sempre oferecem as condições para que a indústria atinja o porte que se espera delas para permitir a distribuição da renda e do bem-estar. Ao não tratar dessa ques-tão, o documento prefere constatar que “a crise financeira internacional de 2008, e seus efeitos que incidem na competição capitalista, voltaram a afetar negativamen-te o setor industrial”.

Teria havido uma “reação defensiva da indústria brasileira” que, por sua vez, teria engendrado “transformações que de-ram origem a um novo padrão de organi-zação e acumulação”. Esse “novo padrão” seria caracterizado “por reconfigurações estruturais na indústria em direção à espe-cialização regressiva e à desindustrializa-ção, em paralelo ao surgimento de estraté-gias que garantem a acumulação do capital investido na esfera industrial”.

Nessa reconfiguração, “reduziu-se o conteúdo local em favor da importação de produtos finais e componentes”. Em con-sequência, a “perda de elos das cadeias produtivas é o fator que tem conduzido ao processo de desindustrialização”. No entanto, é necessário reconhecer que esse tipo de configuração é mais antigo. A Zona Franca de Manaus, ao invés de ser um polo de disputa do mercado internacional, des-de muito aplica o sistema de importação de produtos intermediários e componen-tes, para montar produtos finais destinados ao mercado interno brasileiro. A indústria automobilística há muito usa e abusa desse expediente. Com um câmbio valorizado, a massa da pequena e da média indústria se sentiu em condições de seguir o exemplo dos monopólios e oligopólios para ganhar algum grau de competitividade.

Portanto, falar em “reação defensiva da indústria brasileira” não esclarece a atual estrutura monopolizada e oligopo-lizada de tal indústria, nem as condições em que seus setores pequenos e médios sobrevivem. E falar em “recuperação do protagonismo da indústria nacional - em um contexto de divisão internacional do

trabalho moldada pela ascensão asiática na produção manufatureira e de reordena-mento global das cadeias de valor...” tor-na-se uma generalidade. De que “indústria nacional” estamos falando? Da indústria automobilística, que não possui qualquer marca nacional?

Sem esclarecer a atual estrutura pa-trimonial da indústria existente no Brasil corre-se o risco de tentar “dar sustentabi-lidade a um crescimento econômico” que pouco tem de “nacional”. E, apesar de criar mais “oportunidades para a incorpo-ração da força de trabalho em postos de trabalho de produtividade mais elevada, e, portanto, de melhor qualidade”, ou por isso mesmo, podemos restringir a absor-ção da força de trabalho existente no Bra-sil, e ampliar os desempregos estrutural e conjuntural.

De qualquer modo, o documento “Mudar para sair da Crise...” tem razão em reivindicar uma “política econômica” que mobilize “um processo de desenvolvimen-to industrial e produtivo para o qual con-correm, entre outros: uma política cambial que proteja a indústria tecnologicamente competitiva; a redução dos juros; a criação de mecanismos privados de financiamento de longo prazo; o apoio e estímulo ao de-senvolvimento de inovações no campo da ciência e da tecnologia para agregar valor a processos produtivos”.

Porém, não tem razão ao esquecer que, nas atuais condições do Brasil, os principais objetivos do desenvolvimento industrial e produtivo devem ser a geração de empre-gos e o crescimento não só da renda bruta, mas também da renda nacional. O que exi-ge uma política econômica ainda mais qua-lificada do que a lista de itens acima.

Talvez a política econômica que o Brasil necessite, tendo por base um pro-cesso de desenvolvimento industrial e produtivo gerador de empregos e de renda nacional, deva incluir outros itens impor-tantes, e exemplo de:

a) uma política de transformação de todas as estatais, além da Petrobras, em orientadoras do processo industrialista;

b) a quebra dos sistemas industriais, comerciais e de serviços monopólicos e oligopólios, e sua transformação em siste-mas concorrenciais;

c) apoio especial aos sistemas indus-triais, comerciais e de serviços, constituí-dos de micros, pequenas e médias empre-sas, com baixas tecnologias, mas alta den-sidade de emprego de forças de trabalho;

d) a regulamentação do sistema de atração de investimentos externos, impe-dindo investimentos de curto prazo e es-timulando os investimentos de médio e longo prazo que adensem as cadeias pro-dutivas estratégicas;

e) uma política agrícola que eleve a produção de alimentos para o mercado in-terno como objetivo estratégico, inclusive na luta contra a inflação.

É verdade que vários desses itens são tratados ao longo do documento. Mas, além de não haverem sido incorporados àquela lista de itens de “política econômi-ca” que mobilize “um processo de desen-volvimento industrial e produtivo”, vários deles apresentam lacunas que nos obrigam a tentar esclarecê-las melhor em comentá-rios posteriores.

*Wladimir Pomar é jornalista e militante do PT

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Ainda estudante de Geologia na Universidade Rural do Rio de Janeiro, Dutra militou no MEP (Movimento

de Emancipação do Proletariado). Concluído o curso, iniciou suas atividades profissionais como geólogo no estado de Sergipe na PETROMISA (1983 a 1990) e na Vale do Rio Doce (1990 a 1994), quando realiza o planejamento geológico da Mina de Potássio Taquari-Vassouras.

Na condição de trabalhador de mina (“tatu” ou “mineiro”), Dutra participa do impulso coletivo que organiza o movimento sindical combativo e classista em terras sergipanas, destacando-se contra as tentativas de privatização e na solidariedade de classe, como na liberação de um andar do prédio do SINDMINA para o sindicato dos professores da rede pública de Sergipe, o SINTESE.

Filiado ao PT no inicio da década de 1980, candidato a deputado estadual em 1986, presidente do SINDMINA de 1989 a 1994, dirigente nacional da CUT de 1990 a 1994, presidente do PT de Sergipe entre 1991 e 1992, Dutra foi eleito senador da República em 1994, tendo papel importante na luta contra as privatizações neoliberais.

MEMÓRIA

Volta à presidência do PT Sergipe em 2001 e em 2002 disputa pela segunda vez o governo do Estado, indo ao segundo turno numa campanha vibrante contra as duas bandas das oligarquias locais. Perdemos por pouco, preparando o terreno para a vitória com Deda em 2006.

Dutra é presidente da Petrobras entre 2003 e 2005, quando a petrolífera constrói a autossuficiência na produção. Em 2006, sai novamente candidato ao Senado. Perdemos aquela eleição por apenas 16 mil votos. Em 2008 poderia ter sido o candidato a prefeito de Aracaju, mas optou por continuar atuando na esfera nacional, sendo eleito em 2010 presidente do PT, cargo do qual afastou-se por motivos de saúde.

A trajetória do companheiro José Eduardo de Barros Dutra identifica-se com parcela considerável da trajetória do petismo, seja na combinação entre luta social e ação institucional, seja na opção pela estratégia de “conciliação”. Mas ao contrário de muitos, Zé Eduardo era daqueles militantes sisudos que ficavam até o fim dos debates nas instâncias partidárias, onde defendia suas opiniões com tenacidade.  

O petismo perde um quadro militante!Companheiro Zé Eduardo Dutra!! Presente, hoje e sempre!!!     

DUTRA