mvrdv vs s'a arquitectos
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December 2007 issue of portuguese magazine ARQ./A featuring MVRDV and S'A arquitectosTRANSCRIPT
arq./aA R Q U I T E C T U R A E A R T E €4,90 | Nº52 – Dezembro 2007
E c o l o g i a s A l t e r n a t i v a s
MVRDV • S’A arquitectos
arq./a
52
Ano
VII
I –
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NAUBI
SOBRE O ENSINO DA ARQUITECTURA Desde os anos 80 que o ensino
da arquitectura em Portugal se tem
disseminado através de inúmeras escolas
espalhadas por todo o país e com um
número sempre crescente de candidatos
à profissão. Consequentemente, o ensino
das ciências da arquitectura tem-se
desenvolvido quase sempre de acordo
com os padrões internacionais para tal
estabelecidos. Na Universidade da Beira
Interior, o curso de arquitectura teve o
seu início em 2003 e evoluiu já para 5
anos de mestrado integrado, de acordo
com o modelo de Bolonha. O facto de
arquitectura estar na U.B.I. integrada
no seio da Faculdade das Engenharias,
pressupõe, obviamente, uma componente
tecnológica elevada, o que de facto
se verifica, sem que no entanto as Artes
e Humanidades sejam de modo algum
secundarizadas. A componente prática
e experimental da arquitectura é pautada
pelo rigor e exigência, recorrendo
frequentemente à auto-aprendizagem
através de seminários de investigação,
acompanhamento de docentes–tutores,
privilegiando uma formação específica
nas áreas da construção sustentável,
patologia da construção e conforto
ambiental. Temos plena consciência que
a arquitectura de hoje já não consiste
apenas na integração projectual
dos conceitos puramente estéticos
e funcionais, mas muito para além disso,
engloba também todos os aspectos que
perseguem um desenvolvimento mais
sustentável, ou seja: os aspectos sociais,
económicos e ecológico/ambientais
relacionados com os novos modos
de pensar a arquitectura.
Em 2008, os primeiros arquitectos
formados na UBI irão enfrentar a vida
profissional e, isso estamos certos, será
o nosso contributo para um melhor
ambiente humano construído.
José Justino Barros Gomes, nasceu em Lisboa, em 1944.
Formou-se em arquitectura na Ryerson University, em
Toronto, Canadá. É licenciado em arquitectura pela
E.S.B.A.L. e Doutorado (PhD) pela Universy of Salford
– Manchester - U.K., com a tese “Sustainable Rehabilita-
tion Indicators For Public Housing In Lisbon”. Exerce a
prática profissional desde 1971, tendo produzido e colab-
orado em dezenas de projectos de: arquitectura, urban-
ismo e interiores públicos, em todo o país. Iniciou a sua
actividade docente como professor convidado, regente
da cadeira de Tecnologia da Arquitectura II e III, na Uni-
versidade Moderna em Lisboa, de 1998 a 2001. Em 2004,
ingressou na UBI, como docente das disciplinas de Projec-
to do curso de arquitectura; presentemente rege a cadeira
de Projecto V, sendo também director do respectivo curso.
Os seus actuais interesses de investigação centram-se nas
áreas do desenvolvimento sustentável, aplicadas ao ambi-
ente humano construído.
ACADÉMICOS
NAUBI - Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior
NAUBNAUBN I
SOBRE O ENSINO DA ARQUITECTURA no seio da Faculdade das Engenharias,
pressupõe, obviamente, uma componente
tecnológica elevada, o que de facto
se verifica, sem que no entanto as Artes
e Humanidades sejam de modo algum
secundarizadas. A componente prática
e experimental da arquitectura é pautada
pelo rigor e exigência, recorrendo
frequentemente à auto-aprendizagem
através de seminários de investigação,
acompanhamento de docentes–tutores,
privilegiando uma formação específica
nas áreas da construção sustentável,
patologia da construção e conforto
ambiental. Temos plena consciência que
a arquitectura de hoje já não consiste a arquitectura de hoje já não consiste
apenas na integração projectual apenas na integração projectual
dos conceitos puramente estéticos dos conceitos puramente estéticos
e funcionais, mas muito para além disso, e funcionais, mas muito para além disso,
engloba também todos os aspectos que engloba também todos os aspectos que
perseguem um desenvolvimento mais perseguem um desenvolvimento mais
sustentável, ou seja: os aspectos sociais,
económicos e ecológico/ambientais
relacionados com os novos modos
de pensar a arquitectura.
Em 2008, os primeiros arquitectos
formados na UBI irão enfrentar a vida
profissional e, isso estamos certos, será
o nosso contributo para um melhor
ambiente humano construído.
José Justino Barros Gomes, nasceu em Lisboa, em 1944.
Formou-se em arquitectura na Ryerson University, em
Toronto, Canadá. É licenciado em arquitectura pela
E.S.B.A.L. e Doutorado (PhD) pela Universy of Salford
– Manchester - U.K., com a tese “Sustainable Rehabilita-
tion Indicators For Public Housing In Lisbon”. Exerce a
prática profissional desde 1971, tendo produzido e colab-
orado em dezenas de projectos de: arquitectura, urban-
ismo e interiores públicos, em todo o país. Iniciou a sua
actividade docente como professor convidado, regente
da cadeira de Tecnologia da Arquitectura II e III, na Uni-
versidade Moderna em Lisboa, de 1998 a 2001. Em 2004,
ingressou na UBI, como docente das disciplinas de Projec-
to do curso de arquitectura; presentemente rege a cadeira
de Projecto V, sendo também director do respectivo curso.
Os seus actuais interesses de investigação centram-se nas
áreas do desenvolvimento sustentável, aplicadas ao ambi-
ente humano construído.
SOBRE O ENSINO DA ARQUITECTURA Desde os anos 80 que o ensino
da arquitectura em Portugal se tem
disseminado através de inúmeras escolas
espalhadas por todo o país e com um
número sempre crescente de candidatos
à profissão. Consequentemente, o ensino
das ciências da arquitectura tem-se
desenvolvido quase sempre de acordo
com os padrões internacionais para tal
estabelecidos. Na Universidade da Beira
Interior, o curso de arquitectura teve o
seu início em 2003 e evoluiu já para 5
anos de mestrado integrado, de acordo
com o modelo de Bolonha. O facto de
arquitectura estar na U.B.I. integrada
José Justino Barros Gomes, nasceu em Lisboa, em 1944.
Formou-se em arquitectura na Ryerson University, em
Toronto, Canadá. É licenciado em arquitectura pela
E.S.B.A.L. e Doutorado (PhD) pela Universy of Salford
– Manchester - U.K., com a tese “Sustainable Rehabilita-
tion Indicators For Public Housing In Lisbon”. Exerce a
prática profissional desde 1971, tendo produzido e colab-
orado em dezenas de projectos de: arquitectura, urban-
ismo e interiores públicos, em todo o país. Iniciou a sua
SOBRE O ENSINO DA ARQUITECTURA no seio da Faculdade das Engenharias,
pressupõe, obviamente, uma componente
tecnológica elevada, o que de facto
e Humanidades sejam de modo algum
e experimental da arquitectura é pautada
pelo rigor e exigência, recorrendo
frequentemente à auto-aprendizagem
através de seminários de investigação,
acompanhamento de docentes–tutores,
privilegiando uma formação específica
nas áreas da construção sustentável,
patologia da construção e conforto
ambiental. Temos plena consciência que
José Justino Barros Gomes, nasceu em Lisboa, em 1944.
Formou-se em arquitectura na Ryerson University, em
Toronto, Canadá. É licenciado em arquitectura pela
E.S.B.A.L. e Doutorado (PhD) pela Universy of Salford
– Manchester - U.K., com a tese “Sustainable Rehabilita-
tion Indicators For Public Housing In Lisbon”. Exerce a
prática profissional desde 1971, tendo produzido e colab-
orado em dezenas de projectos de: arquitectura, urban-
ismo e interiores públicos, em todo o país. Iniciou a sua
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NAUBI - Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior NAUBI - Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior NAUBI - Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior NAUBI - Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior NAUBI - Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior NAUBI - Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior
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NAUBINúcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior
Peter Marigold • Ana Mendieta
LUÍS SANTIAGO BAPTISTA
MARGARIDA VENTOSA
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EVIS
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a S’A arquitectos com a arq./a
«Somos uma profissão simultaneamente pragmática e utópica»
O atelier S’A arquitectos apresenta-nos uma abordagem arquitectónica pouco comum em Portugal. Na verdade, a deslocação precoce e posterior instalação do S’A em
Barcelona permitiu-lhe participar numa das plataformas mais dinâmicas da arquitectura contemporânea, expandindo irreversivelmente os seus horizontes disciplinares. Neste
sentido, a necessidade de compreensão da «grande escala», a exigência de uma perspectiva contemporânea de sustentabilidade, a convicção da possibilidade de
conjugação entre «utopia» e «pragmatismo» e a abordagem «estratégica» ao projecto arquitectónico são os fundamentos de uma prática empenhada e entusiasta que
procura responder efectivamente aos problemas da realidade concreta.
Dezembro 2007 arq./a 023
arq./a: O vosso percurso está marcado pela presença em novas
plataformas de afirmação profissional. De facto, têm-se afirmado
através da participação em programas internacionais no âmbito da
arquitectura, o EUROPAN, a EXPERIMENTA DESIGN, o ARCHILAB, o
HIPERCATALUNYA, a BIENAL DE ARQUITECTURA DE VENEZA, etc.
Qual a importância dessas experiências?
Carlos Sant’Ana: O aspecto mais positivo de todas estas experiências
foi poder estar entre os melhores e aprender com eles. Não tenho
dúvidas que foram experiências bastante positivas, principalmente pelo
reconhecimento dado a quem não tem obra construída. A nossa presença
no Archilab em França foi uma das mais marcantes pois foi o primeiro
evento em que participámos e éramos os arquitectos mais novos que
estavam presentes. Foi uma exposição chamada 90 casas, 90 arquitectos
e estavam lá grandes nomes da arquitectura mundial como OMA, Ben
Van Berkel, MVRDV, Neil Denari, etc… O mais importante de tudo não
foi nem a exposição nem as apresentações, mas sim as pausas de café,
almoços e jantares durante os três dias que durava o evento. Foi mais
importante a parte informal do evento, pensada de modo a que houvesse
intercâmbio de ideias e contactos. Talvez isso tenha sido uma das grandes
lições que aprendi: o valor da Informalidade nas relações profissionais.
arq./a: Por outro lado, a vossa produção parece muito marcada
pelo contexto académico e disciplinar de Barcelona. Frequentaram o
mestrado na Universidade da Catalunha, colaboraram com Manuel
Gausa e com a ACTAR e foi aí que decidiram fundar o atelier. De que
forma se sentem marcados pela experiência continuada em Barcelona?
C.S’A: A existência de S’A é indissociável de Barcelona. A cidade é uma
grande escola e todo o tempo que passamos aqui serve para aprender.
A cidade funciona bem a todos os níveis e torna-se um exemplo só pelo
facto de viver aqui. Não somos influenciados pela tradicional “Escola de
Barcelona” mas estamos ideologicamente ligados a uma nova geração de
arquitectos, como Manuel Gausa ou Willy Muller, e quase todo o grupo
que fundou o Metápolis e posteriormente o Instituto de Arquitectura
Avanzada da Catalunya. É uma geração muito internacional e bastante
propositiva nos projectos, investigações e publicações, através de um
constante olhar critico para a realidade a uma escala simultaneamente
Global e Local. Trabalhei com Manuel Gausa durante bastantes anos
e segui de perto toda esta evolução, de sonho a realidade. Vi como o
apoio do Generalitat da Catalunya foi essencial para transformar uma
associação cultural num centro educativo reconhecido pela Universitat
Politècnica da Catalunya e com parcerias com MIT, bem como com uma
série de empresas catalãs que apostam na inovação como ferramenta de
diferenciação competitiva e por isso aparecem associadas ao Instituto de
Arquitectura. Foi um tomar de consciência em que não basta força de
vontade e qualidade de trabalho. Torna-se necessário investimento público
e privado, político e social para as coisas avançarem.
arq./a: Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira distinguiram duas
gerações na arquitectura portuguesa recente, a primeira X e a seguinte
Y, onde vos incluiu. Sentem essa diferença geracional?
C.S’A: No Metaflux podíamos ver essa diferença devido à escolha dos
nomes. A geração X era mais coerente e homogénea, enquanto a geração
Y era demasiado heterogénea para poder definir algum tipo de conjunto.
Todos éramos diferentes e talvez isso possa criar alguma unidade. Temos
cumplicidade de objectivos e necessidades mentais, mas a resposta dada
por cada um é totalmente personalizada e suficientemente diferente para
não conseguir definir uma geração. Talvez seja consequência do nosso
percurso mais internacional, com experiências académicas e colaborações
profissionais em diferentes situações e contextos. Não acho que se trate
de uma diferença geracional pelo simples facto de grande parte da minha
geração ainda se identificar com os valores tradicionais da arquitectura
contemporânea portuguesa. As figuras do Siza, Souto Moura e Carrilho
da Graça, entre outros, ainda têm muita influência no modo de pensar
e projectar em Portugal e são poucos os que tentam libertar-se dessa
carga. Se olharmos o panorama europeu, ou apenas o espanhol que nos
é mais próximo culturalmente, vemos que há uma nova geração com
oportunidades de mostrar a sua criatividade e capacidade de resposta,
tão diversa quanto o número de intervenientes. Em Portugal, salvo raras
excepções, apenas vemos que se destacam os que dão algum tipo de
continuidade às outras gerações levantando uma questão: sucessão ou
evolução?
arq./a: Uma dos fundamentos dessa mudança geracional seria uma
crescente hibridização de práticas criativas, integrando a arquitectura,
a arte, o design, etc. Está a vossa produção associada a essa abertura e
expansão dos limites tradicionais da disciplina da arquitectura?
C.S’A: A nossa visão sobre o que é ser arquitecto é bastante mais ampla
do que a prática tradicional do arquitecto. Na rotina diária do nosso
024 arq./a Dezembro 2007
estúdio, procuramos visões alternativas e criativas do mundo, levando-
nos à procura de referenciais numa série de outros campos de actividade.
Particularmente não me interessam as Artes Plásticas ou Performativas.
Interessam-me outras coisas. O Design Gráfico e de Comunicação são um
exemplo, por serem trabalho criativo com um fim bastante prático, assim
como o Design Industrial. Para mim isto é o que deve ser a arquitectura.
Inovação e criatividade como solução a problemas reais. Quando temos
que dar respostas a um problema, chegamos sempre com alguns anos
de atraso. Não deveríamos concentrar a nossa atenção em antecipar
os problemas? Em trabalhar com projecções e cenários de futuro como
fazem todas as empresas? Só assim poderemos responder do modo certo,
na altura certa. Somos por definição uma profissão simultaneamente
pragmática e utópica. O conceito de Pragmatopia engloba estes extremos,
onde nos movemos enquanto estúdio. Pragmatismo enquanto processo,
Utopia enquanto objectivo. A procura de um mundo perfeito através
de respostas realistas. Utilizando uma metáfora frequentemente citada
por Ole Bouman, a imagem do arquitecto como surfista das ondas do
sistema moderno, entendendo e utilizando a força inconquistável do
mar para conseguir contornar os obstáculos e, em constante equilíbrio
dinâmico, manobrar com graciosidade e fluidez. A audácia de enfrentar
preconceitos e problemas levantados pelos vários intervenientes, correndo
maiores riscos e que permite a longo prazo ganhos mais significativos.
Por outro lado, somos influenciados por uma série de campos de
trabalho diversos como ecologia e sustentabilidade, bem como práticas
económicas e sociais aplicadas em países em desenvolvimento. Interessa-
me a problemática da produção de energia, de alteração de hábitos de
consumo, de reciclagem, auto-construção, etc. Estou atento a temas como
agricultura urbana, bio-combustíveis, novos materiais e construção ligeira.
Actualmente investigo sobre arquitectura em crise ou como dar resposta
a situações humanitárias de excepção, seja por catástrofes seja por crises
politicas ou climáticas. Sou curioso para tentar entender o mundo que
nos rodeia e tento incorporar essa informação no meu trabalho. Devíamos
deixar de ser autistas, de projectar olhando para o umbigo. Temos de
começar a procurar novos territórios de oportunidade para desenvolver o
nosso trabalho. Talvez esse seja o futuro da nossa profissão.
arq./a: O vosso percurso denota uma internacionalização da prática
do arquitecto. Não só respondem a contextos muito diferenciados
geograficamente, de Portugal a Angola, passando pelo Brasil e Noruega,
como o próprio atelier tem vagueado por Lisboa, Barcelona, ou mesmo
São Paulo. É essa internacionalização da vossa actividade mais uma
vontade de abertura ao mundo ou uma exigência da nossa condição
globalizada?
C.S’A: Não tenho claro se é vontade própria ou se nos foi imposto
pela evolução do nosso percurso. As oportunidades que surgiram e as
opções que tomamos levaram-nos a este ponto. Temos tantos projectos
feitos para Portugal como para fora e estamos continuamente à procura
de oportunidades em todos os sítios. Movemo-nos pelo interesse
que um trabalho possa ter e isso leva-nos a concursos, programas e
investigações extremamente interessantes. Por um lado, temos a nossa
formação académica, em Lisboa e em São Paulo. Por outro, temos o
nosso desenvolvimento enquanto profissionais. Eu já tenho mais anos
de vida profissional em Barcelona do que tive em Portugal e talvez por
isso seja bastante crítico face ao que se passa na “santa terrinha”. Já
passei por episódios no mínimo estranhos com entidades públicas e
privadas para agora conseguir assumir tudo isso com sentido de humor.
De qualquer modo, é o mesmo projectar para Portugal, para Barcelona
ou para qualquer parte do mundo. Mudam as condicionantes locais,
mudam regulamentos e legislação, mudam condições económicas mas
o processo mental necessário ao desenvolvimento de um projecto é
igual em qualquer parte do mundo. Não entendo muito bem a defesa de
uma imagem nacional na arquitectura. É extremamente redutor e nada
coerente com a nossa história. Sempre fomos um local de intercâmbio de
ideias e a nossa sociedade sempre foi resultado destas misturas. Como
podem ser críticos dos defensores do nacionalismo na politica e sociedade
e depois praticá-lo continuamente na arquitectura? Tento ser coerente e
assumir que estamos num mundo global, com todas as suas virtudes
e defeitos, e que o nosso trabalho passa por maximizar as virtudes e
controlar os defeitos do sistema em que estamos inseridos.
arq./a: Outra das características do vosso trabalho é a diversificação
das actividades do arquitecto. A vossa produção não se limita
ao projecto arquitectónico, incluindo a criação de plataformas
de investigação, a organização de exposições e publicações, o
desenvolvimento de espaços de ensaio e divulgação na imprensa
especializada, etc. Quais são no vosso entender as valências
profissionais do arquitecto na contemporaneidade?
C.S’A: Eu entendo a diversificação como a verdadeira essência da
Materialeza, Sede do CREA-ES, Vitória, Brasil, 2001
Dezembro 2007 arq./a 025
profissão. Nem toda a arquitectura é construção e certamente nem toda a
construção é arquitectura, mesmo que assinada por colegas nossos. Não
tenho dúvidas que ser arquitecto passa por dar resposta a problemas que
envolvam a cidade num sentido lato. Isso não significa necessariamente
que tenhamos que construir. A profissão é abrangente, e como tal temos
que conseguir diversificar, ou pelo menos tentar olhar através de uma
grande angular para poder dar a resposta que esperam de nós enquanto
profissionais. Não somos apenas técnicos. Qualquer profissional dos mais
variados temas sabe mais que nós. Qualquer pessoa que trabalhe com
caixilhos desenha-os melhor que um arquitecto, pelo que não entendo a
obsessão que temos com isso. Somos gestores de pessoas e processos e
como tal devemo-nos mover em campos variados dos quais a construção
é apenas um deles. Interessa-me o aspecto cultural da arquitectura e
a sua divulgação. É curioso que um dos poucos cursos não ligados à
saúde abrangido por uma normativa europeia é o da arquitectura. Talvez
sejamos todos um pouco egocêntricos, mas para mim isso demonstra o
potencial impacto das nossas acções. Como se o facto de nos tentarem
controlar um pouco seja uma espécie de medicina preventiva. Talvez por
isso seja importante uma reflexão e divulgação do trabalho do arquitecto
como instrumento de educação, à semelhança do que fazemos com
hábitos alimentares e de higiene...
arq./a: Uma das características fundamentais da vossa produção
projectual é o trabalho num espectro de escalas muito alargado. Não
só os projectos variam da escala doméstica da Casa.Zip até à escala
territorial da Alseiba Momontal, como num mesmo projecto recorrem
com frequência a uma expansão metodológica da escala de trabalho,
como acontece por exemplo no Eco-Centro. É essa variação escalar, um
constante zoom in e zoom out, um modo instrumental de sustentar as
vossas opções projectuais?
C.S’A: Parte de uma curiosidade de tentar entender o mundo e de
uma necessidade de projecto. Estamos atentos à realidade em que nos
inserimos e somos críticos face ao que acontece diariamente. Isto leva
a um exercício de reconhecimento constante de situações que poderiam
ser melhoradas e, inevitavelmente, colocamo-nos a pensar em modos
de o fazer. Alguns desses problemas transformam-se mais tarde em
projectos ou em visualizações de possíveis soluções. É este olhar critico
que permite ou que necessita de constantes mudanças de escala para
entender o problema em toda a sua complexidade. Acredito que o
processo de projecto é algo semelhante, qualquer que seja o problema
em que trabalhamos. Detecção de necessidades, observação critica,
desenvolvimento de programa e proposta de projecto são de modo
genérico os passos dados para chegar a um pensamento ou conclusão.
Talvez devido ao modo de funcionamento não linear do ser humano
sinta necessidade de dar estes saltos de escala para melhor entender as
consequências de cada opção tomada. Também é um modo de gerar
informação necessária para a reflexão de projecto. Não é um modo de
sustentar as nossas opções, mas sim um processo de trabalho.
arq./a: Essa atenção à operatividade projectual das diferentes
escalas tem algo a ver com aquilo que os sociólogos, para definir
a simultaneidade do local e do global, do genérico e do específico,
chamaram de «Glocal»?
C.S’A: O conceito de Glocal aparece no nosso estúdio através de duas
formas. Uma no projecto e outra no processo de trabalho. Interessam-
nos estes saltos de escala como modo de entender o projecto como um
todo. Do território à casa e vice-versa. Só assim conseguimos manter uma
SDK Urban Skinergy, Lisboa, Portugal, 2001
Centro 3ª Idade, Oeiras, 2003
026 arq./a Dezembro 2007
lógica do principio ao fim, respondendo com efectividade às diferentes
necessidades de cada escala de trabalho. É esta visão global, procurando
sempre uma imagem completa, que dá coerência ao projecto.
Por outro lado, somos um estúdio de visão global que actua localmente.
Temos referências de distintos pontos e tivemos colaborações de todo o
mundo. Sou português nascido em Angola, a minha sócia é brasileira.
Operamos em Lisboa e Barcelona fazendo projectos para lugares variados.
Tivemos colaboradores de todos os cantos do planeta: italianos, alemães,
franceses, suecos, espanhóis, argentinos, chilenos, mexicanos, coreanos,
japoneses, etc. Também portugueses. É inevitável que tenhamos
influências de todo o sitio...
arq./a: Defendem uma “aproximação estratégica” ao projecto
arquitectónico assente no “trabalhar com o programa”, “trabalhar com
acções em lugar de imagens”. É a vossa arquitectura essencialmente
programática?
C.S’A: Como dizia Tartakover, um mestre de xadrez polaco, táctica é
saber o que fazer quando algo se pode fazer. Estratégia é saber o que
fazer quando nada se pode fazer. E é entre estes dois extremos que
nos movemos enquanto profissionais. Temos que saber quando tomar
decisões tácticas, e quando definir estratégias. O programa é o ponto
de partida de qualquer trabalho de arquitectura mas não deve ser uma
base dogmática. Programa não é função, é articulação de funções,
uma avaliação de uma lista de necessidades. É algo que propomos
e que moldamos de acordo com cada cliente. Por isso devemos ser
críticos e criar margem de manobra para procurar soluções criativas.
Há uma expressão em Inglês, que infelizmente não tem tradução em
português que é Thinking Out of the Box. Não é nada mais do que
olhar os problemas a partir de outro prisma, numa procura de soluções
inovadoras. Sabemos que a sociedade portuguesa tem problemas com
o conceito de inovação e talvez por isso a produção arquitectónica em
Portugal, apesar de ser de alta qualidade, é conservadora e não criativa.
É mais fácil seguir do que guiar e não estão criadas as condições para
sermos lideres no que quer que seja. O mercado público não dá valor à
criatividade ou inovação e o mercado privado tem um campo de trabalho
apenas interessado no lucro imediato e fácil. As poucas excepções são
resultado de fazer as coisas certas pelos motivos errados, convidando
nomes seguros como marca ou selo de garantia, deixando uma série
de profissionais sem aceder às mesmas oportunidades. A questão de
trabalhar com o programa, ou com acções em lugar de imagens é uma
necessidade projectual. O mercado sofre mudanças demasiado rápidas
e a arquitectura é demasiado lenta a responder a isso. Cedric Price dizia
que enquanto arquitectos não somos eficazes para resolver problemas.
Estava cheio de razão, pois isso acontece porque o projecto arquitectónico
depende de demasiados factores para se concluir. O tempo entre a
percepção de uma necessidade e o objecto construído para a resolver é
demasiado longo. Continuamos a dar mais valor às soluções formalistas
em lugar de desenvolver processos de trabalho adaptáveis às mudanças
que inevitavelmente ocorrem. Este ponto de vista leva-nos à necessidade
de trabalhar com o programa como interpretação das necessidades de
um cliente, deixando margem para flexibilizar a resposta. Enquanto
arquitectos temos que ter a capacidade de antecipar o futuro, definindo
estratégias de projecto para construir com flexibilidade de adaptação. Só
assim conseguimos dar uma melhor resposta.
arq./a: Poder-se-ia dizer que essa centralidade do trabalho sobre o
programa torna a vossa produção mais processual do que objectual?
C.S’A: Sem dúvida. Interessa-me mais o processo de trabalho do que
o objecto final. Talvez por isso os nossos projectos tenham formalismos
tão distintos entre si. Trabalhamos com Topografias, com Topologias, com
Senior Circuits, Catalunha, Espanha, 2003
Dezembro 2007 arq./a 027
Geografias e com um sem fim de distintas configurações formais. Não nos
interessa uma linha de investigação única ou um percurso formalmente
reconhecível, mas sim a eficácia de uma resposta face a um problema.
Não vejo o arquitecto como um artista, apenas preocupado com a estética
ou com valores formais, mas preocupa-me a ética de projecto, que passa
por conseguir dar uma resposta adequada, em meios e custos. Talvez por
isso esteja mais envolvido com o processo, por ser onde conseguimos
definir estratégias e tácticas. Demasiadas vezes o cliente está equivocado
e não consegue ver com clareza as suas necessidades e é a partir deste
pressuposto que trabalhamos. Entender objectivos, necessidades e
ambições em conjunto com o cliente e procurar as soluções que melhor
respondam a isso.
arq./a: A vossa arquitectura revela fortes preocupações ambientais e
ecológicas, não só nos programas que elegem, como no caso dos CMIA
ou mesmo do Europan, mas na configuração das propostas em si. Por
outro lado, ainda agora comissariaram em parceria a exposição A Casa
Da Vizinha Não É Tão Verde Quanto A Minha sobre esse tema. Qual o
vosso entendimento de uma arquitectura ecológica?
C.S’A: Esta exposição, organizada juntamente com Nadir Bonaccorso
e João Manuel Santa Rita tenta divulgar variadas aproximações ao tema
na prática arquitectónica nacional. A ecologia é a interacção entre os
vários actores e ecossistemas e o modo como se articulam e completam
entre si, pelo que a arquitectura é parte integrante num sentido amplo do
conceito. Toda a arquitectura terá necessariamente que ter preocupações
ecológicas, pois temos consciência do impacto negativo no ambiente
e devemos tentar fazer algum tipo de controle de danos. Mais do que
a nossa produção ser ecológica, acho que toda a arquitectura deve ter
preocupações ecológicas. As propostas que fazemos assentam nesse
pressuposto. Projectos como o Europan de Tromso trabalham no sentido
de entender as necessidades específicas de cada situação. Neste caso,
é primordial resolver o problema climático e de protecção de espaço
público, pois só assim poderemos ter palcos para o desenvolvimento
de relações sociais. Poderíamos ter resolvido o problema de modo
Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental, Bragança, 2003
028 arq./a Dezembro 2007
extremamente artificial, mas um olhar atento permitiu-nos desenvolver um
conceito de protecção térmica a partir dos elementos agressivos. A acção
conjunta do frio e neve criam uma camada protectora extra feita de gelo,
necessária no Inverno. Nos silos automóveis, a resposta passa por criar
estruturas verdes onde praticamente não existem no centro de Lisboa,
criando assim pequenos pontos catalizadores de vida natural urbana. Para
nós, arquitectura ecológica é simplesmente a que tem a capacidade de
articular natureza e urbanidade.
arq./a: Numa perspectiva contemporânea de sustentabilidade, que tipo
de relação deve ser estabelecida entre ecologia e tecnologia?
C.S’A: Encontramos hoje duas posturas genéricas face à
sustentabilidade. Uma Retro-Eco, que defende um regresso às origens
com técnicas construtivas vernaculares e ambientes sociais neo-hippies.
Não é uma linha de investigação que me interesse pela incapacidade de
lidar com processos urbanos de grande escala. Por outro lado, há uma
componente Eco-Tech que tenta aprender e evoluir a partir da natureza
e processos naturais. Conceitos como Biomimética, smart materials,
consciência ecológica, economia de custos, etc, passam a estar presentes.
A solução é entender o potencial de cada lugar e situação e conseguir
aproveitar ao máximo as oportunidades sem ser necessário impor grandes
cargas tecnológicas que mais tarde se tornam inviáveis devido aos
enormes custos de manutenção. Estamos em países do sul da Europa
e não na Escandinávia ou Reino Unido. Temos que ter conhecimento
das nossas limitações culturais e assumir que conceitos de manutenção
preventiva não são eficazmente incorporados na nossa rotina. A
tecnologia, independentemente de ser avançada ou não, é uma mera
ferramenta para atingir um determinado objectivo. Na Noruega propus
trabalhar com gelo como isolamento térmico e, em Angola, com distintos
materiais reciclados de modo a aproveitar as diferenças nas inércias
térmicas para gerar uma casa mais confortável do que as que o ocidente
lhes tenta impingir. Em Lisboa, trabalhamos com fachadas vegetais e
em Espanha, com blocos cerâmicos vazados. Adaptamos mobiliário de
arquivo para aumentar o espaço útil de uma casa e aproveitamos o know-
how tecnológico dos trabalhadores da Lisnave e Cuf para desenvolver
clusters de produção energética na Alseiba Momontal. Cada caso concreto
leva à procura de soluções adequadas, numa perspectiva de maximização
de resultados.
arq./a: Defendem a necessidade de procura de sustentabilidade, mas
afastam-se da dimensão puramente técnica da questão, evidenciando a
sua vertente política e estratégica...
C.S’A: Temos que entender qual o papel do arquitecto enquanto
profissional antes de poder dar qualquer resposta. Não acho que o
arquitecto seja apenas um técnico. Somos essencialmente coordenadores
e gestores de pessoas, meios e tempos. Temos capacidade de articular
diferentes intervenientes e pontos de vista numa solução conjunta. Deste
prisma, somos mais políticos ou mediadores do que técnicos e como
tal temos que ter uma visão estratégica dos problemas. Onde queremos
chegar é mais importante pois só assim poderemos decidir como lá
chegar e procurar as soluções adequadas a isso. O papel da arquitectura
é indissociável da procura de uma sustentabilidade. Dados indicam que
50% da população mundial mora actualmente em centros urbanos e
as previsões apontam para 80% dentro de trinta anos. Arquitectura, no
ParQ Estacionamento Vertical, Lisboa, Portugal, 2003
Dezembro 2007 arq./a 029
seu sentido amplo de escalas, proporciona o palco onde isto tudo se
passará, pelo que teremos que necessariamente ser membros activos na
solução dos possíveis problemas derivados da pressão urbana. Melhores
cidades implicam uma gestão consciente de meios, alocação de recursos
e visão estratégica e resultam num ecossistema onde se possa viver com
qualidade. Existem actualmente soluções técnicas para praticamente tudo,
mas o importante é a vontade politica e social de mudar. Alterações nos
padrões de consumo levam inevitavelmente a mudança nos padrões de
cidade, repensando distribuições territoriais e conceitos de mobilidade.
arq./a: As vossas propostas desenvolvem conceitos explorados por
tendências recentes bem demarcadas. Se a defesa da «densidade»
parece derivar das premissas da Escola Holandesa, de Koolhaas aos
MVRDV, a concepção paisagística, das «paisagens operativas» à
simbiose «natural-artificial», parece fortemente marcada pela ACTAR.
Foram estas influências estruturantes na vossa arquitectura?
C.S’A: Apesar de nunca ter estado na Holanda a trabalhar ou
estudar, identifico-me com uma série de atitudes profissionais que se
desenvolveram nos últimos anos. A postura profissional de Rem Koolhaas
e OMA é muito influente na arquitectura contemporânea, com viagens
constantes entre exercício da profissão, investigação prática e teórica e
divulgação. Toda uma série de arquitectos que passaram pelo seu estúdio,
por Harvard ou se moveram nesse meio profissional como MVRDV, NL
Architects, REX, Romero, BIG, JDS, Hosoya-Schaefer, etc. continuaram
com este processo como metodologia de trabalho. O que mais me
interessa não é o conceito de densidade mas sim a procura de novas
soluções através da hibridização de usos ou a utilização de situações
extremas numa nova combinação de elementos, e como fazê-lo de modo
user-friendly para o utilizador final. É aqui que entra a nova escola de
Barcelona. Não tenho dúvida que a minha grande influência é a ACTAR.
Fui um dos arquitectos que trabalhou mais de perto com Manuel Gausa,
desenvolvendo conceitos e aplicações estratégicas em variados contextos,
tanto a nível profissional como académico, pelo que é impossível evitar
que haja influências nos dois sentidos. Desde logo me identifiquei no
Pavilhão Multi-Usos, Lisboa, Portugal, 2004–06
Casa Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2005
030 arq./a Dezembro 2007
processo de trabalho da ACTAR, com liberdade para discutir, propor e agir
e foi assim que desenvolvi grande parte da minha carreira profissional,
paralelamente ao meu próprio estúdio.
arq./a: Os vossos renderings mostram sempre pessoas felizes e activas
experimentando os espaços arquitectónicos que propõem. Pode a
arquitectura revolucionar as sociedades?
C.S’A: Os arquitectos desenham palcos de acção social e, como tal,
os espaços arquitectónicos não são mais que cenários onde decorrem
acontecimentos da vida diária. As coisas têm a importância que lhes
damos e arquitectura é apenas isso. Um palco onde os actores diários
desempenham o seu papel. O conceito de pessoas felizes e activas talvez
seja espelho das minhas ambições enquanto arquitecto: criar espaços
que as pessoas possam usufruir. Devemos assumir o nosso papel de
profissionais com capacidade de antecipar e pensar o futuro e com as
nossas ideias e conceitos propor alternativas viáveis e optimistas. Não
sei se conseguimos revolucionar sociedades. Para mim essa palavra
tem um ponto negativo: o R que implica que uma revolução seja na
realidade uma evolução a partir do zero. Será necessário deitar fora tudo
o que foi conquistado até agora. Queremos de facto partir do zero? Fazer
Tabula Rasa? Não sei se nos interessa isso. Acho que a melhor opção é
conseguir aproveitar o que temos de bom e crescer a partir desse ponto.
Talvez então a arquitectura possa ajudar a “evolucionar” a sociedade.
arq./a: A concepção do arquitecto como coordenador central de
processos económicos, sociais, culturais não revela, tal como já tinha
acontecido com os arquitectos modernos do período heróico, uma
sobrevalorização da função do arquitecto nas sociedades?
C.S’A: Não acredito que esteja em causa a sobrevalorização do papel
do arquitecto numa sociedade que constantemente subvaloriza as
profissões criativas. É difícil uma repetição do movimento moderno e de
toda a sua pujança arquitectónica. Os tempos são outros, as condições
socio-económicas mudaram e a inocência face ao potencial tecnológico
enquanto panaceia para todos os problemas da sociedade acabou. Mon
Uncle não existe mais. Estamos numa era de cepticismo e isso leva-nos
a procurar novos tipos de resposta, novos campos de trabalho e um
envolvimento em novas problemáticas. Acredito que a grande virtude
da profissão é a capacidade de gerir e articular pessoas e meios para
atingir um objectivo concreto. Tradicionalmente foi aplicado à construção,
mas cada vez mais nos vemos no meio de processos complexos que
necessitam de respostas complexas. Estamos neste momento com
uma investigação sobre casas pré-fabricadas para Angola. Começámos
o projecto na ingenuidade de procurar uma solução técnica para o
problema, quando na realidade o problema não é relativo às casas mas
sim à implantação do processo. Existem centenas de projectos, protótipos,
técnicas, soluções mas o que falta resolver é o modo como conseguir o
financiamento e utilizá-lo. Após conversas com pessoas ligadas a ONGs
e alguma investigação sobre processos de trabalho em países em vias
de desenvolvimento, decidimos avançar com uma proposta que inclui o
desenho do processo de financiamento, procurando juntar entidades e
parceiros para cada um dos pontos chave. Assim acabámos por projectar
não só a casa, mas também o modo de fazer, articulando e modificando
conceitos de micro-crédito, investidores sociais, títulos de propriedade,
auto-construção e produção local. Não sei se é parte do trabalho do
arquitecto convencional, mas partindo do princípio de que o objectivo é
providenciar abrigo a uma comunidade, temos que pensar mais do que a
simples casa. Num processo normal de trabalho somos frequentemente
confrontamos com a necessidade de resolução de problemas que não
Museu Imaterial Café, Badajoz, 2006
Dezembro 2007 arq./a 031
dizem directamente respeito ao exercício da profissão que assumimos
sem problema. Talvez deva passar a ser prática corrente um maior
envolvimento e compromisso com um objectivo.
arq./a: Defendendo ideias tão na ordem do dia, em volta da ecologia,
sustentabilidade, pragmatismo, etc, o que tem faltado para conseguirem
efectivamente construir?
C.S’A: Aplico estes conceitos há bastante tempo para me sentir à vontade
com eles, mas não acredito que estas ideias sejam realmente importantes
para a sociedade actual, pois continuam a ser vistas como obstáculos.
Ainda não ficou claro que uma coisa não é incompatível com a outra e
que desenvolvimento sustentável não implica redução no crescimento
económico. Não é por uma pessoa defender ideias que estão na ordem
do dia que significa que tenha mais trabalho. Terá como consequência o
facto de construirmos ou não? Não sei. Temos experiência de construção
- damos apoio a outros ateliers aqui em Barcelona - e uma atitude que
permite facilmente contornar qualquer obstáculo, mantendo como objectivo
a qualidade final do projecto. Acho que o problema geral passa pelo
processo de encomenda arquitectónica que é quase sempre obscuro.
Os motivos que levam à escolha de determinado arquitecto são pouco
transparentes, não democráticas e não dão valor à criatividade como mais
valia competitiva. Talvez por isso o trabalho vá sempre parar aos mesmos:
quase todos praticam dumping para ficarem com projectos e mordem-
se frequentemente. Talvez devêssemos criar um código Odontológico na
Ordem dos Arquitectos pois parece ser prática comum andar às dentadas
uns aos outros. Não sei o que falta, mas o que está a mais nisto tudo é
o conservadorismo português. Há uma enorme incoerência entre o que é
defendido pelo poder político e pelos investidores em matéria de inovação
e a dura realidade portuguesa. Primeiro é um equívoco considerar apenas
os ramos estritamente científicos como os únicos campos capazes de
inovar. Temos uma série de profissionais de muitas áreas com talento, com
reconhecimento profissional em todo o planeta e que não têm oportunidade
de aplicarem os seus conhecimentos em casa. Todos perguntam porque
há fuga de cérebros para o estrangeiro, mas ninguém questiona a fuga
de criativos. Temos arquitectos, músicos, actores, publicitários, artistas,
fotógrafos, designers, etc. que estão no estrangeiro a ter êxito e são
totalmente ignorados em Portugal. O que eu defendo vai além das posturas
meramente arquitectónicas: defendo mudanças nos hábitos e no respeito.
Pelos profissionais e pelo planeta que é o único que temos.
arq./a: Numa recente entrevista transpareceu um certo pessimismo
com a situação profissional em Portugal, em claro contraste com o
espírito optimista e interventivo em que trabalham em Barcelona.
Faltam condições para conseguirem exercer em Portugal?
C.S’A: Não sou pessimista em relação a Portugal. Sou um Optimista
Informado, e como tal torno-me céptico em relação a muita coisa. Não
acho que faltem condições para exercer em Portugal pois apesar de estar
em Barcelona, tenho dois projectos em Lisboa que devem entrar em obra
brevemente. O nosso regresso a Barcelona parte de uma perspectiva de
ampliar o mercado de trabalho e até agora tem sido recompensador. O
optimismo está sempre presente no meu trabalho, pelo que continuo
activo em Portugal. Muita gente ainda nem deu conta que regressei a
Espanha porque continuo ligado a publicações, projectos web, divulgação,
investigação, etc. Na realidade, do modo como está desenhada a nova
Europa, estou mais perto de Lisboa estando aqui do que estando no
Porto. As comunicações e deslocações são cada vez mais fáceis e baratas
devido à Internet e às Low Cost. Levo hora e meia daqui a Lisboa por
um preço razoavelmente baixo. Melhor do que apanhar o trânsito e as
portagens da A1, não?
Projecto Urbano “Fata Morgana”, Europan 7, Tromso
S’A arquitectos
1. A miragem da FATA MORGANA apenas acontece quando existem
camadas alternadas de ar quente e frio próximo de superficies de solo
ou de água. Em lugar de atravessar estas camadas de modo directo,
a luz dobra em direcção à parte mais fria, ou seja, onde o ar é mais
denso. O resultado pode ser um complicado percurso dos raios de luz
e uma estranha imagem de um objecto distante. A FATA MORGANA é
na realidade uma sobreposição de várias imagens do mesmo objecto.
Normalmente, uma imagem está normal, em cima de duas imagens
invertidas que podem estar misturadas. As imagens podem sofrer rápidas
alterações à medida que as camadas de ar se movem ligeiramente no
sentido ascendente em relação ao observador. FATA MORGANA é uma
ilusão óptica que quisemos representar: a importância das condições
climáticas, as diferentes vistas de um objecto, o contraste entre Horizontal
e Vertical, etc.
2. Queremos natureza, mas aqui a natureza é violenta. A presença
humana é apenas tolerada e cada sinal da sua existência é maltratado.
Gelo e Neve são o mais comum neste lugar. Porque não usá-los? Como
um Creme de Mãos Neutrogena, propomos uma nova escala urbana,
FÓRMULA NORUEGUESA para proteger a natureza e as actividades
humanas. Construir uma pele de Gelo e colocar a Natureza e as Pessoas lá
dentro, protegidos. Se não os conseguimos vencer, juntamo-nos a eles…
3. A falta de espaço público em Tromso é resultado das suas condições
climáticas. Como podemos contornar este problema? Como podemos criar
um espaço público protegido onde as pessoas possam passear, correr,
andar de bicicleta, ir ás compras, ter uma vida normal nestas condições
climáticas extremas? A proposta passa por cobrir as ruas para ter um
espaço protegido. Fechado no inverno e aberto no verão. Deste modo,
as actividade quotidianas podem acontecer diariamente, sem importar o
tempo que faz lá fora. Cafés, Igreja, Escolas, Centros comerciais, Sauna,
Marina, até uma nova conexão maritima para o centro da cidade.
4. As unidades de habitação formam uma estratégia simples mas eficaz.
Maximizar a exposição a sul, protegendo o lado norte dos fortes e frios
ventos polares com umas peças longitudinais. Estas casas desenvolvem-
se de modo linear, como braços que protegem o espaço público. Uma
sequência formada por Acessos Verticais : Conexão Pública Horizontal:
Conexão Privada Horizontal : Serviços Técnicos : Vivência Interior :
vivência Exterior permiteuma variedade de tipologias habitacionais que
possam acomodar diferentes tipos de usuários. A pele exterior, feita de
Gelo, é resultado da acumulação de neve durante o Inverno e proporciona
o conforto térmico extra que as pessoas necessitam. embora pareça
paradoxal, Gelo é um dos melhores isolamentos térmicos que existe, e
aqui em Tromso está disponivel todo o ano, gratuitamente. Porque não o
podemos então utilizar como mateiral de construção? Quanto mais frio faz
lá fora, mais quentes estamos aqui dentro…
ArquitecturaCarlos Sant’AnaIgnasi Perez-ArnalEquipaIsabella Rusconi, Mika Iitomi, Sérgio Pinto, Kaina Celedon, Roberto TerrazasTipoConcurso. Europan 7. Menção EspecialAno 2003 Esquema conceptual
042 arq./a Dezembro 2007
PROJ
ECTO
SNoruega
Organização funcional. Verão - InvernoEsquema compositivo
Dezembro 2007 arq./a 043
Dominio Público
Malha Estrutural Envolvente
Blocos de Habitação em Altura
Nevadas Frequentes
Aproveitamento da Neve como Isolamento Térmico
VERÃO temperatura uniforme
INVERNO temperatura controlada
VERÃO estrutura aberta. ventilação natural
INVERNO estrutura fechada. protecção térmica.VERÃO temperatura uniforme
INVERNO temperatura controlada
VERÃO estrutura aberta. ventilação natural
INVERNO estrutura fechada. protecção térmica.
VERÃO temperatura uniforme
INVERNO temperatura controlada
VERÃO estrutura aberta. ventilação natural
INVERNO estrutura fechada. protecção térmica.
VERÃO temperatura uniforme
INVERNO temperatura controlada
VERÃO estrutura aberta. ventilação natural
INVERNO estrutura fechada. protecção térmica.
Esquema comportamento térmico
Cortes gerais
Infrastructure VehicleBike & Pedestrian
Planta infraestrutura Planta habitação Planta paisagismo
044 arq./a Dezembro 2007
Plano tipologias
Dezembro 2007 arq./a 045
034 arq./a Dezembro 2007
Parque de Estacionamento Automático, Portas do Sol, Lisboa
S’A arquitectos
ArquitecturaCarlos Sant’Ana e Luis Pedra Silva com Isabella Rusconi, Vanda Silva, Nuno Cerqueira, Inês Henriques, Joana Corticinho, Rafael Fortes, Gonçalo Sant’Ana, Ricardo SousaMaqueteRicardo SousaClienteEMEL - Empresa Municipal de Estacionamento de LisboaConsultoresEstruturas Grese - Ricardo Sampaio, Eng.Estacionamento Automático Autoparksysteme - Miguel Louro, Eng.Electricidade Engenheiros Associados - João Cristovão, Eng.Segurança Engenheiros Associados - João Caxaria, Eng.Climatização, Ventilação Engenheiros Associados - João Caramelo, Eng.Águas, Esgotos, Incendios Ductos - Vieira de Sampaio, Eng.Fachada Vegetal Irrigarden - António João Matias, Eng.Data2003-2005
Construir no centro histórico de qualquer cidade é dificil. Quando
falamos de Lisboa e de uma das vistas mais visitadas, estamos a falar
de um projecto perigoso. Foi-nos pedido para desenhar um parque de
estacionamento para 150 automóveis, e ao mesmo tempo respeitar a
envolvente histórica. O lugar é uma praça pública com carácter de rua
devido ao excesso de objectos e de informação. Propomos um novo
edificio de estacionamento com uma praça pública na cobertura e uma
vista privilegiada parra a cidade e para o rio. Duplicamos o espaço
público existente, limpando e criando um palco para a actividades do
bairro, sejam festas populares, eventos desportivos ou apenas o dia a
dia. A fachada verde recupera uma tradição antiga de decorar as janelas
e varandas com flores e plantas, criando uma máquina sustentável de
arrefecimento da envolvente.
PROJ
ECTO
SPortugal
Localização Implantação
Dezembro 2007 arq./a 035
Corte longitudinal Planta cota 53.50 m
036 arq./a Dezembro 2007
Dezembro 2007 arq./a 037
Planta cota 49.50 m Planta cota 46.50 m
046 arq./a Dezembro 2007
Casa Angola
S’A arquitectos
ArquitecturaCarlos Sant’AnaIsabella RusconiInês Melo Junseung WooLocalAngolaTipoConsulta. Investigação para ONGAno2004
Um clima quente e pouca capacidade financeira. Foi este o desafio
colocado para pensar uma casa de baixo custo e de produção industrial
para Angola. Um dos pontos de partida é o custo controlado de €50 por
metro quadrado. Uma das necessidades é controlar o conforto ambiental
na casa, até hoje pouco importante neste pais. Casa Angola é um sistema
compositivo de crescimento por adição dependendo das condições
económicas e sociais dos habitantes. A construção da casa é tradicional.
A inovação é uma pele exterior feita de materiais baratos da região como
Bamboo, Madeira, Palha ou outros. A inércia térmica desta camada
protectora é menor que a do edifício, permitindo controlar as trocas de
calor de dia e noite. A caixa de ar sobre-dimensionada e ventilada permite
o arrefecimento da casa. Missão cumprida.
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na casa, até hoje pouco importante neste pais. Casa Angola é um sistema
compositivo de crescimento por adição dependendo das condições
económicas e sociais dos habitantes. A construção da casa é tradicional.
A inovação é uma pele exterior feita de materiais baratos da região como
Bamboo, Madeira, Palha ou outros. A inércia térmica desta camada
protectora é menor que a do edifício, permitindo controlar as trocas de
calor de dia e noite. A caixa de ar sobre-dimensionada e ventilada permite
o arrefecimento da casa. Missão cumprida.
PROJ
ECTO
SAngola
Dezembro 2007 arq./a 047
Esquema evolutivo
casa 1 pessoacasa 2 pessoas
casa 3 pessoascasa 4 pessoas
casa 1 pessoacasa 2 pessoas
casa 3 pessoascasa 4 pessoas
038 arq./a Dezembro 2007
Centro de Eco-Turismo, S. Miguel, Açores
S’A arquitectos
UMA ESTRATÉGIA DE ECO-TURISMO PARA S.MIGUEL, AÇORES
Durante décadas, milhares de açorianos abandonaram a sua terra em
busca de um local onde conseguir construir uma vida melhor. Uma
vocação de ser terra de origem de emigração. Apesar de deslocados
espacialmente, a paixão pelo verde das ilhas e pelo azul do mar nunca os
abandonou. Com a viragem do século surge uma importante mudança.
Turismo Activo. A sociedade contemporânea ganhou nos últimos anos
uma consciência social e ecológica bastante ampla. O reconhecimento
das boas práticas e da preservação de zonas verdes tem como
consequência o surgimento de um novo tipo de turismo. Ultrapassada
a época das 12-horas-por-dia-de-barriga-para-cima-e-pé-descalço, cujo
único objectivo era estar passivamente num lugar onde houvesse sol e
praia a custo reduzido, temos agora uma nova geração de turistas activos.
Pessoas que viajam com vontade de conhecer outras culturas e partilhar
novas experiências. Viajantes que, cansados de ver o mundo pelos olhos
da “caixa-mágica”, decidem viver na primeira pessoa as emoções de ser
um turista do século XXI.
Analisando as conexões aéreas de S.Miguel, descobrimos relações com
os grandes centros urbanos da sociedade ocidental. Entre voos directos
e indirectos regulares, a cidade de Ponta Delgada tem um potencial
de visitantes -moradores nestas áreas urbanas- de 77 milhões de pessoas.
É este o nosso alvo. Pessoas urbanas, com poder de compra e vontade
de estarem num lugar para conhecer e desfrutar de um troca constante.
Estado da situação. S.Miguel é uma ilha com uma paisagem única.
A relação entre a natureza vulcânica e a paisagem transformada pelo
homem durante o século XIX resulta numa combinação idílica, numa
visão de sonho para um mundo melhor, onde a harmonia entre o urbano
e o natural coexistem na perfeição. Uma ilha onde o entendimento do
ambiente natural permite uma estratégia de ocupação pela integração. É a
maior riqueza da ilha neste momento, e deve ser preservada a todo custo.
Para tal, devemos ter atenção e restringir o crescimento urbano, pois se
for pensado de modo deficiente poderá colocar em causa a existência de
toda a paisagem e consequentemente colocar em causa o próprio turismo
que a procura.
ArquitecturaS’A arquitectos: Carlos Sant’Ana, Isabella Rusconi, Inês Melo, Andreia Cunsolo Ano2005
Terra de emigração. Ponto de Partida…
…ponto de chegada. Terra de turismo de qualidade
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PROJ
ECTO
SPortugal
Dezembro 2007 arq./a 039
Estudo analítico. São Miguel, Açores Plano eco-centros
040 arq./a Dezembro 2007
Estratégia social ambiental e ecológia. É assim necessário actuar em três
frentes distintas, mas complementares. Numa materialização dos três pilares da
Sustentabilidade – Ambiente, Economia, Sociedade – procuramos ampliar
e re-direccionar as potencialidades do lugar. Ambiente porque cada peça
incorpora um Centro de Interpretação, onde podemos educar e divulgar as
características ambientais da ilha e da zona. Economia porque criamos postos
de trabalho para as pessoas locais, de modo a dinamizar e criar condições de
manutenção e sustentação económica da região. Sociedade porque criamos
locais de estadia onde os visitantes globais possam ficar e descansar, dedicando
algum tempo a trocar ideias e conhecer a rotina da cidade local.
Ribeira grande. A localização da Ribeira Grande é aqui uma grande vantagem.
Em resposta á capacidade centralizadora de Ponta Delgada – não apenas na
ilha mas em todo o arquipélago - temos a cidade de Ribeira Grande. Localizada
na Costa Norte de S.Miguel está bem conectada com a capital e com o
aeroporto. Mas a sua grande vantagem é poder servir de ponto de partida
e chegada de uma Rede de Percursos Naturais. Trilhas de Pequenas Rotas,
passíveis de uso a pé, bicicleta ou cavalo. É aqui que conseguimos conectar
com naturalidade o norte com o sul, o este e nordeste com o oeste, e assim
servir de grande interface de turismo e educação ecológica.
Centro de eco-turismo. Esta rede é formada por seis centros de Eco-Turismo.
Seis pontos de partida e chegada que permitem pensar tacticamente em
circuitos de sete dias – seis noites na ilha de S.Miguel, visitando os locais
de maior interesse da ilha e ao mesmo tempo descentralizar a actividade
económica e turística na ilha. Assim, cada localização está pensada para poder
permitir o conhecimento da realidade. Seis edifícios em estrela. Uma forma
que serve de re-distribuidora de fluxos turísticos. Uma forma elegante, elevada
do solo, com pouca pegada ecológica e revestida a Basalto negro, como toda
a pedra que vemos ao caminhar pela ilha. Uma arquitectura que serve de
educador ambiental, interface económico e condensador social.
Planta piso 1
A
A
Corte longitudinal
Dezembro 2007 arq./a 041
A
A
Planta piso térreo
048 arq./a Dezembro 2007
Protótipo Habitacional “Luxo é Lixo”, Tektónica 06
S’A arquitectos
ArquitecturaS’A arquitectos: Carlos Sant’Ana, Isabella Rusconi, Inês Melo, Miguel Alves, Flor ne GrimalLocalSem LocalAno2006
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ÇÃO NATURAL
AGRICULTUR
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TORRE EÓLICA8m2 : 7500€
SOLAR TÉRMICA4m2 : 7500€
LIVING MACHINE12m2 : 5000€
FOTOVOLTAICA8m2 : 5000€
DEPURAÇÃO BIOPOOL 16m2 : 4000€
MADEIRA4m2 : 900€
RELVA12m2 : 500€
VIDRO8m2 : 900€
ÓCIO BIOPOOL 8m2 : 3000€
VIDRO8m2 : 900€
VIDRO8m2 : 900€
GRAVILHA4m2 : 750€
GRAVILHA4m2 : 750€
GRAVILHA4m2 : 750€
Luxo do Lat. luxu s. m., ostentação ou magnificência; ornamento;
decoração faustosa; viço; vigor; esplendor; capricho; extravagância;
Lixo do Lat. lixiu ou lixu s. m., todo o tipo de material desnecessário não
aproveitável ou indesejado, originado no processo de produção e consumo
de produtos úteis; tudo o que se retira de casa ou de qualquer lugar para
o tornar limpo; sobras; detritos; cisco; sujidade; imundície; fig., coisas
inúteis.
A proposta irá utilizar apenas energia gerada a partir de fontes renováveis
geradas on site, sendo uma unidade com Zero Emissões de dióxido de
carbono para a atmosfera e com Zero Energia, não consumindo mais
energia do que a que consegue produzir, provando que se pode construir
sem degradar o ambiente. A proposta é um sistema de módulos de
permanência temporal. Composto por um variado catálogo de opções
espaciais - Made in Portugal, esta casa é adaptável e customizável às
diferentes necessidades de cada local - espaço, exposição climatérica
e solar- com a capacidade de se tornar auto-suficiente em termos
energéticos e alimentares, sendo totalmente independente das flutuações
imprevisíveis do mercado e do clima. Não será este o último grande Luxo
a que podemos aspirar.
PROJ
ECTO
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Dezembro 2007 arq./a 049
050 arq./a Dezembro 2007
Projecto de Investigação “Alseiba Momontal”, Lisboa
S’A arquitectos
Cenárío de Futuro. Proteger o ambiente não implica reduzir o crescimento
económico. Pensar sustentavelmente é hoje sinónimo de um aumento no
leque de oportunidades e a ampliação do potencial económico e social de
cada região. No entanto, temos claro que o nosso modelo de crescimento
está assente numa economia de consumo sem qualquer tipo de critério
ou de controle. Como fazer então a transição para um ecossistema
socialmente mais justo e para um estilo de vida mais sustentável? Várias
respostas podem surgir, mas é urgente direccionar a nossa atenção para
os centros urbanos. De acordo com recentes previsões, cerca de 80%
da população global será urbana num futuro próximo, e dentro deste
contexto, a cidade, outrora vista como a pior das possibilidades terá que
ser obrigatoriamente a solução. É aqui que conseguimos encontrar e
materializar a diversidade de recursos necessários a uma gestão eficiente
da sociedade urbanizada. Qual é então a nossa capacidade de mudar, de
proporcionar à cidade a nova infra-estrutura e serviços necessários para
crescer de modo sustentável?
Torna-se urgente redesenhar este modelo através de uma mudança de
paradigma de crescimento por um paradigma de sustentabilidade.
É altura de perguntar que modelo de desenvolvimento queremos e
à conta de que recursos. É desde logo necessário separar o conceito
de crescimento económico de consumo material. A nossa inesgotável
necessidade de consumo já ultrapassou a capacidade própria de
regeneração. A nossa dependência da importação de bens de consumo
-comida, automóveis, roupa, tecnologia, etc.- e de fontes energéticas
-petróleo, gás natural, electricidade, etc.- têm como consequência a
canibalização de recursos externos.
Arquitectura e InvestigaçãoO Grande Estuário 2005-2006: S’A arquitectos + Aula do Risco (Carlos Sant’Ana e António Cerveria Pinto com Cândida Vasconcelos, Daniela Lopes, Inês Melo, Leonor Faulenbach, Mónica Garcia, Nuno Almeida, Pedro Sol, Ricardo Sousa, Victor Correia).Alseiba Momontal 2007: S’A arquitectos (Carlos Sant’Ana)TipoInvestigação. EstratégiaData2005-2007
Começo por apresentar ALSEIBA MOMONTAL. O nome pode parecer
estranho, mas o conceito é simples. Almada (AL), Seixal (SEI), Barreiro
(BA), Moita (MO), Montijo (MONT) e Alcochete (AL) são cidades
periféricas em relação a Lisboa, no entanto a sinergia AL + SEI + BA +
MO + MONT + AL permite repensar uma nova urbanidade, assumindo
Lisboa com frontalidade. A necessidade de reconquistar uma identidade
perdida obriga-nos a repensar as estratégias municipais da margem sul.
Nenhuma destas cidades têm a capacidade -no presente ou futuro- de
competir com Lisboa. No entanto, podemos assumir que podem ser
cidades complementares -não apenas dormitórios. Esta nova cidade, ou
à falta de melhor expressão, Multi-cidade, é composta pela articulação
das cidades intermédias em rede como resposta ao modelo tradicional
de grande cidade, onde o conceito de Cooperação passa a substituir o
conceito de Competição.
Uma das estratégias possiveis passa por entender esta Multi-cidade como
um pautado sequencial de cheios e vazios, como uma partitura habitada.
Não se trata de localizar especificamente cada actividade ou ocupação
-meramente posicional como nas utopias urbanas do Movimento
Moderno- mas criar um palco de acontecimentos dinâmicos, de
entendimento imprevisível e descontínuo. Esta matriz de acontecimentos
-simultaneamente sequencial e em rede- transforma a imagem tradicional
de cidade num grande parque de características territoriais, onde várias
dicotomias complementares -cheio/vazio, local/global, natural/artificial,
etc.- aparecem como realidades compostas que extravasam as suas
próprias definições. Um espaço urbano onde as manchas já consolidadas
se completam com o aparecimento destes Parques Conectores
PROJ
ECTO
SPortugal
Dezembro 2007 arq./a 051
052 arq./a Dezembro 2007
Intermédios, entendidos como áreas de oportunidade onde se podem
desenvolver programas livres de preconceitos e prejuízos, obsoletos ou
ainda por inventar.
Para tornar este objectivo numa realidade tangível, partimos de três linhas
de actuação que nos ajudam a definir uma estratégia para ALSEIBA
MOMONTAL.
Expansão do Centro. Apesar da previsão de população portuguesa se
manter estável para 2030 -cerca 11 milhões de habitantes- estima-se que
a Grande Lisboa duplique o seu número actual, passando a ser cerca de
metade da população nacional. O centro de Lisboa não têm a capacidade
de lidar e organizar uma área metropolitana com 5 milhões de habitantes
em 2030 sem entrar em colapso.
É urgente assumir uma descentralização e repensar a expansão do centro
como único modo de reconverter a suburbanização existente, deixando
de lado os espaços urbanos mono-funcionais e movimentos pendulares
diários, reforçando as centralidades locais de modo a permitir que uma
nova estrutura policêntrica responda com qualidade às necessidades da
região.
Esta expansão do centro em direcção a sul vai dar uma nova vitalidade às
cidades intermédias desta margem. Este projecto implica a criação de dois
novos centros, descentralizando a hierarquia mono-cêntrica existente em
Lisboa, estabelecendo um triângulo que conforma uma nova relação de
forças: Terreiro do Paço ou a velha cidade e o reforço de Almada e Barreiro
como novas centralidades da Multi-cidade.
Mobilidade. A menor escala assumida é a Mobilidade Pessoal (1 ou
2 pessoas). As pequenas deslocações que fazem parte do nosso dia a
dia enquadram-se nesta categoria. Trata-se de uma escala considerada
walkable distance e que varia de acordo com as condicionantes locais
-topografia, morfologia, etc.- e pessoais -idade, condição física, tempo
disponível, e cuja solução mais imediata é a possibilidade de andar a pé,
pensando e desenhando a cidade para potenciar uma vida de bairro, à
semelhança dos centros históricos das cidades europeias.
Temos que igualmente considerar as necessidades diárias das famílias
da Multi-cidade pensando num esquema de Mobilidade Familiar (2
a 5 pessoas). A existência e uso do automóvel não é negada, apenas
sendo recolocada no lugar devido. É absurda a dependência da
sociedade actual em relação ao veiculo, utilizado indiscriminadamente
para pequenas viagens -até à padaria da esquina- como para grandes
viagens -deslocações de férias atravessando o pais. Torna-se prioritário
um redesenho urgente deste meio de transporte para ser um meio limpo
e de emissões zero, optando por tecnologias eléctricas, híbridas ou
bio-combustíveis e pela criação de redes de partilha automóvel como já
existem em várias cidades europeias.
A Mobilidade Colectiva (+5 pessoas) é a que permite a conexão dos
Esquemas analíticos de circulação
Dezembro 2007 arq./a 053
vários centros da Multi-cidade com Lisboa e vice-versa, onde a rapidez
de transporte e a sua grande capacidade permite a inter-conexão em
grande escala. Este transporte de carácter totalmente público -autocarros,
eléctrico, metro, barco, maglev, etc.- são os vectores chave para um
Transit Oriented Development, potenciando um desenho urbano de uso
misto e de protecção ambiental, procurando alternativas credíveis para
uma mobilidade sustentável.
Energia. Duas opções opostas mas complementares surgem no
panorama. Por um lado, o aparecimento de grandes grupos produtores
de energia -nacionais e estrangeiros- garantem o fornecimento de grande
escala à região e ao país. Não é de estranhar a implantação de consórcios
alemães para explorarem a maior quinta de energia solar da Europa em
pleno Alentejo ou a empresa escocesa que está a construir a primeira
exploração comercial de energia das ondas ao largo da Póvoa de Varzim.
Por outro lado, a micro escala é cada vez mais frequente, surgindo
sistemas off grid de geração, impulsionados por indivíduos que optam
por não estar dependentes das grandes companhias, com o bónus de
garantirem a venda do excesso de produção à rede pública e privada,
democratizando e diversificando ainda mais o mercado energético.
As possibilidades neste campo passam pela tradição industrial e
capacidade de reconversão da região, em paralelo com o potencial
gerador de energias limpas. A cultura de trabalho e conhecimento técnico
acumulado nas grandes industrias -metalúrgica, naval e química- são
factores potenciadores de uma mudança de estratégia para a implantação
de um cluster industrial de elementos para produção energética -fábricas
de turbinas, rotores, geradores, painéis, pás de hélice, circuitos eléctricos,
bolachas de silício, etc.- com o devido impacto na economia local através
da criação de postos de trabalho -bastante superior às fontes de energia
fóssil- numa enfraquecida industria produtiva. O objectivo é passar a
liderar o futuro energético através da reconversão de unidades industriais
desactivadas ou em crise, permitindo que os produtores adoptem novas
tecnologias e métodos, iniciando assim uma fase de próspero impacto na
economia local, regional, nacional e internacional.
Conclusão. A nova Multi-cidade resulta da sinergia entre várias cidades
médias, pertencentes a uma realidade diferenciada, uma multiplicação
de lugares e de acontecimentos onde a coexistência de diversos modelos
urbanos -cada um com as suas qualidades e defeitos - permite a
complementaridade de programas e escalas.
Um sistema complexo de relações entre observadores e usuários, entre
actividade e ócio. Uma síntese de situações evolutivas com a capacidade
de se moldarem às necessidades do dia a dia.
Uma acção crítica multi-camada de acontecimentos, informações,
movimentos, interacções. Uma integração estratégica onde nada se perde
mas tudo se transforma…
[SmF3] sinergiasDiagrama energético