mutirÃo – um olhar diferenciado para proteÇÃo À ... · nas ações penais públicas...

11
NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – NA MELHOR INTERPRETAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA DICAS SOBRE TEMAS RELEVANTES 1 – CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA 1 – A Lei 11.340/2006 – denominada Lei Maria da Penha, foi julgada constitucional pelo STF, portanto, não se permite a aplicação nos casos de violência doméstica e familiar conta a mulher, baseada no gênero, de nenhum dos institutos da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC 19 (2007) - Declaração de constitucionalidade dos arts. 1.º, 33 e 41, da Lei Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4424 (2010) O Inquérito e o Processo seguirão independentemente da vontade da vítima, nos casos de lesões corporais leves e culposas (Ação Penal Pública Incondicionada) 1 . Mesmo em se tratando de contravenções penais ocorrerá a prisão em flagrante e a apuração por meio de inquérito policial. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 ALCANCE. O preceito do artigo 41 da Lei nº 11.340/06 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravenção penal, como é a relativa a vias de fato. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 AFASTAMENTO DA LEI Nº 9.099/95 CONSTITUCIONALIDADE. Ante a opção político-normativa prevista no artigo 98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226, § 8º, ambos da Constituição Federal, surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei nº 9.099/95 mediante o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 no processo-crime a revelar violência contra a mulher. (STF - HC: 106212 MS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 24/03/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-112 DIVULG 10-06-2011 PUBLIC 13-06-2011). 1 Ação penal incondicionada (lesão corporal e vias de fato) Enunciado nº 08 (001/2012): Considerando a confirmação pelo STF da constitucionalidade da Lei Maria da Penha (ADIN 4424 e ADC 19), julgadas no dia 09/02/2012, a ação penal nos crimes de lesão corporal leve e contravenção penal de vias de fato, praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, é pública incondicionada, sendo os efeitos de tais decisões ex tunc, vinculantes e erga omnes, não alcançando somente os casos acobertados pela coisa julgada. (Aprovado na Plenária da I Reunião Ordinária do GNDH de 28/03/2012 e pelo Colegiado do CNPG de 31/05 e 01/06/2012).

Upload: lamminh

Post on 21-Jan-2019

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO ÀMULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – NA MELHORINTERPRETAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

DICAS SOBRE TEMAS RELEVANTES

1 – CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA

1 – A Lei 11.340/2006 – denominada Lei Maria da Penha, foi julgada constitucional pelo STF,portanto, não se permite a aplicação nos casos de violência doméstica e familiar conta amulher, baseada no gênero, de nenhum dos institutos da Lei 9.099/95 (Lei dos JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais).

• Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC 19 (2007)- Declaração de constitucionalidade dos arts. 1.º, 33 e 41, da Lei

• Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4424 (2010)

O Inquérito e o Processo seguirão independentemente da vontade da vítima, nos casos delesões corporais leves e culposas (Ação Penal Pública Incondicionada)1. Mesmo em setratando de contravenções penais ocorrerá a prisão em flagrante e a apuração por meio deinquérito policial.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 ALCANCE. Opreceito do artigo 41 da Lei nº 11.340/06 alcança toda e qualquer práticadelituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravençãopenal, como é a relativa a vias de fato. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ARTIGO 41DA LEI Nº 11.340/06 AFASTAMENTO DA LEI Nº 9.099/95CONSTITUCIONALIDADE. Ante a opção político-normativa prevista no artigo98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226, § 8º, ambos da Constituição Federal,surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei nº 9.099/95mediante o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 no processo-crime a revelar violênciacontra a mulher. (STF - HC: 106212 MS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Datade Julgamento: 24/03/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-112 DIVULG10-06-2011 PUBLIC 13-06-2011).

1

Ação penal incondicionada (lesão corporal e vias de fato)Enunciado nº 08 (001/2012):Considerando a confirmação pelo STF da constitucionalidade da Lei Maria da Penha (ADIN 4424 e

ADC 19), julgadas no dia 09/02/2012, a ação penal nos crimes de lesão corporal leve e contravenção penal devias de fato, praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, é pública incondicionada, sendo osefeitos de tais decisões ex tunc, vinculantes e erga omnes, não alcançando somente os casos acobertados pelacoisa julgada. (Aprovado na Plenária da I Reunião Ordinária do GNDH de 28/03/2012 e pelo Colegiado doCNPG de 31/05 e 01/06/2012).

Page 2: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

1.2 – VEDAÇÃO A APLICAÇÃO DE PENA ISOLADA DE MULTA E VALORIZAÇÃODA PALAVRA DA VÍTIMA

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiarcontra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária,bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

3411386 - APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. INVASÃO DEDOMICÍLIO. AMEAÇA. PROVA ROBUSTA. PALAVRA DA VÍTIMA. Há de selevar em consideração que a aceitação do relato da vítima como meioprobatório revela-se de especial importância, haja vista a tipologia delitivaocorrer, na sua maioria, sem a presença de testemunhas. Além disso, odepoimento da vítima mostrou-se firme e coerente com o relato apresentado emsede policial. Elemento subjetivo do tipo. Dolo. Mal injusto e grave . Para aconcretização desse crime, é desnecessário o dolo específico de querer realizar malfuturo, injusto e grave, bastando o dolo de provocar temor no ameaçado. In casu,ainda que o réu afirme que não cometeria o ilícito contido na ameaça (homicídio),sua conduta tinha o objetivo de infligir medo à vítima, a qual restou amedrontada.Ademais, a frase dita pelo acusado, dentro do caso concreto, representa, sim,promessa de mal injusto e grave. Dosimetria da pena. Redimensionamento. Mínimolegal. Afastadas as circunstâncias judiciais valoradas negativamente, a penaprivativa de liberdade para ambos os delitos vai fixada no mínimo legal. Decisão pormaioria. Aplicação isolada da pena de multa. Descabimento. Inviável aplicarsomente a pena de multa no caso concreto, devido as particularidades dasituação e expressa vedação da Lei nº 11.340/06. Substituição da pena privativade liberdade. Inviável. Conforme os termos do artigo 44, inciso I, do CódigoPenal, a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por outrarestritiva de direitos não se afigura, haja vista ter sido o delito cometido comgrave ameaça à pessoa. Precedentes do STJ. Decisão por maioria. Sursis.Preenchidos os requisitos do artigo 77 do Código Penal, viável a concessão dobenefício. Recurso parcialmente provido. (TJRS; ACr 0481876-14.2014.8.21.7000;Ibirubá; Primeira Câmara Criminal; Relª Desª Jayme Weingartner Neto; Julg.11/03/2015; DJERS 01/04/2015).

42016700 - APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA ÁMULHER. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CARCERÁRIA POR RESTRITIVA DEDIREITOS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. MULTA ISOLADA.IMPOSSIBILIDADE. GRAVE AMEAÇA E/OU VIOLÊNCIA À PESSOA.VEDAÇÃO PREVISTA NOS ARTS. 44, I DO CP E 17 DA LEI MARIA DAPENHA. APELO PROVIDO. 1. Tratando-se de crime cometido com violência ougrave ameaça à pessoa, inviável a substituição da pena por corporal porrestritiva de direitos (prestação pecuniária. Multa isolada), comoexpressamente determinado no art. 17, da Lei nº 11.340/06 e 44, I, do CódigoPenal. 2. Apelação provida. (TJAC; APL 0000887-54.2012.8.01.0003; Ac. 17.610;Câmara Criminal; Rel. Des. Francisco Djalma; DJAC 27/03/2015; Pág. 23)

Page 3: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

2 – PONTOS CONTROVERTIDOS

2-1 NÃO-OBRIGATORIEDADE DA DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARARETRATAÇÃO NOS CASOS DE AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA (art. 16,da LMP)2.

Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida deque trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante ojuiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes dorecebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

O STJ já fechou questão sobre esse tema e é o que melhor se afina com a interpretação da Lei,visando a proteção integral à mulher, evitando revitimizá-la3.

PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA.EX-NAMORADOS. APLICABILIDADE.AUDIÊNCIA PRELIMINAR.REALIZAÇÃO SEM A PRESENÇA DO PACIENTE. IRRELEVÂNCIA.CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSODESPROVIDO. I. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça vemfirmando entendimento jurisprudencial no sentido de que a ameaçacometida por ex-namorado que não se conforma com o rompimento dovínculo configura violência doméstica, ensejando a aplicação da Lei nº11.340/06. II. A audiência preliminar é providência que somente sejustifica quando a vítima manifesta interesse em se retratar de eventualrepresentação antes do recebimento da denúncia . Precedentes. III.Realizada tal audiência sem a referida manifestação, tendo a vítima, naocasião, reafirmado o propósito de prosseguir na ação, mostra-seirrelevante a presença ou não do paciente. IV. Recurso desprovido. (STJ,Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 17/05/2012, T5 -QUINTA TURMA).

2

Audiência do artigo 16Enunciado nº 03 (003/2011):Quanto à audiência prevista no artigo 16 da LMP, nos crimes que dependem de representação da vítima,

somente deve ser designada quando a vítima procura espontaneamente o Juízo para manifestar sua desistênciaantes do recebimento da denúncia. (Aprovado na Plenária da II Reunião Ordinária do GNDH de 10/06/2011 epelo Colegiado do CNPG de 17/06/2011).3 Art. 4º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, ascondições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Page 4: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

2. 2 – DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS – DESOBEDIÊNCIA –ART. 359, DO CPB

No entendimento de alguns tribunais e da Comissão Permanente de Combate a Violênciadoméstica e Familiar Contra a Mulher, do Grupo Nacional de Direitos Humanos do MP,vinculado ao Conselho Nacional de Procuradores Gerais do Ministério Público do Brasil4, odescumprimento de medidas protetivas considera-se o crime de desobediência previsto no art.359, do CPB, visto que na decisão de tais medidas previstas no art. 22, da LMP, há umasuspensão de direitos do agressor.

O tipo penal que melhor se adequa a situação é o do art. 359, por ser regra especial, emdetrimento do art. 330, que é regra geral, atingindo este as determinações de todos osservidores públicos, enquanto aquele se restringe às decisões judiciais. Pelo princípio daespecialidade se torna mais plausível a aplicação do art. 359, cuja competência para oprocesso e julgamento é do Juizado de Violência Doméstica, em face da conexãoprobatória, bem como por ser a mulher a vítima em segundo plano que sofrediretamente os impactos da ação delitiva.

Esse entendimento atende os princípios da Lei Maria da Penha, os Tratados eConvenções Internacionais sobre o tema, o art. 226, § 8.º da CF e o princípioconstitucional da proibição da proteção deficiente.

Algumas decisões sobre o tema:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AORECURSO ESPECIAL CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AOSISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NÃOCONHECIMENTO. 1. Com o intuito de homenagear o sistema criado pelo PoderConstituinte Originário para a impugnação das decisões judiciais, necessária aracionalização da utilização do habeas corpus, o qual não deve ser admitido paracontestar decisão contra a qual exista previsão de recurso específico no ordenamentojurídico. 2. Tendo em vista que a impetração aponta como ato coator acórdãoproferido por ocasião do julgamento de apelação criminal, contra o qual seriacabível a interposição do recurso especial, depara-se com flagrante utilizaçãoinadequada da via eleita, circunstância que impede o seu conhecimento. 3. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do entendimento jurisprudencial, o alegadoconstrangimento ilegal será enfrentado para que se analise a possibilidade deeventual concessão de habeas corpus de ofício. DESOBEDIÊNCIA A DECISÃOJUDICIAL SOBRE PERDA OU SUSPENSÃO DE DIREITO (ARTIGO 359DO CÓDIGO PENAL). DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVASPREVISTAS NA LEI 11.340/2006. ALEGADA CARACTERIZAÇÃO DOCRIME PREVISTO NO ARTIGO 330 DO ESTATUTO REPRESSIVO.INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INCIDÊNCIA DO

4 Crime de desobediênciaEnunciado nº 07 (007/2011):O descumprimento das medidas protetivas de urgência configura, em tese, crime de desobediência, cuja

competência para processar e julgar é dos Juízos Especializados de Violência Doméstica, em razão da conexão epelo fato de a mulher ser o sujeito passivo secundário do delito, sofrendo diretamente as consequências dodescumprimento. (Aprovado na Plenária da IV Reunião Ordinária do GNDH de 07/12/2011 e pelo Colegiado doCNPG de 19/01/2012).

Page 5: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

TIPO ESPECÍFICO DISPOSTO NO ARTIGO 359. CONSTRANGIMENTOILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Da leitura do artigo 359 do Código Penal,

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

constata-se que nele incide todo aquele que desobedece decisão judicial quesuspende ou priva o agente do exercício de função, atividade, direito ou múnus. 2. Adecisão judicial a que se refere o dispositivo em comento não precisa estaracobertada pela coisa julgada, tampouco se exige que tenha cunho criminal,bastando que imponha a suspensão ou a privação de alguma função, atividade,direito ou múnus. Doutrina. 3. A desobediência à ordem de suspensão da posse ou arestrição do porte de armas, , da proibição de afastamento do lar de aproximação oucontato com a ofendida, bem como de frequentar determinados lugares, constantesdo artigo 22 da Lei 11.340/2006, se enquadra com perfeição ao tipo penal do artigo359 do Estatuto Repressivo, uma vez que trata de determinação judicial quesuspende ou priva o agente do exercício de alguns de seus direitos. 4. O artigo 359do Código Penal é específico para os casos de desobediência de decisão judicial,motivo pelo qual deve prevalecer sobre a norma contida no artigo 330 da Lei Penal.ACUSADO QUE DESOBEDECEU POR TRÊS VEZES DECISÃO JUDICIALQUE IMPUNHA O SEU AFASTAMENTO DA VÍTIMA. APONTADAOCORRÊNCIA DE CRIME CONTINUADO. FATOS QUE TERIAM SIDOPRATICADOS NAS MESMAS CONDIÇÕES DE TEMPO E LUGAR E COM AMESMA MANEIRA DE EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTODE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA.1. Para se aferir se estariam presentes as circunstâncias exigidas para oreconhecimento da ficção jurídica do crime continuado, seria necessária aapreciação aprofundada dos fatos e provas constantes da ação penal instauradacontra o paciente, providência que não é admitida na via estreita do habeas corpus,consoante vem reiteradamente decidindo esta Corte Superior de Justiça. Precedentesdo STJ e do STF. AGRAVANTES PREVISTA NO ARTIGO 61, INCISO II,ALÍNEA F, DO CÓDIGO PENAL. QUANTUM DE ACRÉSCIMO.DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ. INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NASENTENÇA CONDENATÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGALCONFIGURADO. 1. O quantum de acréscimo e de redução pelas circunstânciasagravantes e atenuantes deve observar os princípios da proporcionalidade,razoabilidade, necessidade e suficiência à reprovação e prevenção ao crime,informadores do processo de aplicação da pena. 2. Na espécie, as instâncias deorigem deixaram de justificar a fração de 2/3 utilizada para elevar a sanção nasegunda fase da dosimetria, motivo pelo qual se impõe a sua redução para 1/6,restando as penas para cada um dos três delitos pelos quais o paciente restoucondenado fixadas em 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias de detenção, totalizando 1(um) ano e 6 (seis) dias de detenção. INDIGITADA IMPOSSIBILIDADE DACASSAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. VISLUMBRADAUTILIZAÇÃO DO PRÓPRIO FATO TÍPICO PARA A RETIRADA DA BENESSE.PACIENTE QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS SUBJETIVOSPREVISTOS NO ARTIGO 77, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. COAÇÃOILEGAL NÃO CARACTERIZADA. 1. De acordo com o artigo 77 do EstatutoRepressivo, a execução da pena privativa de liberdade não superior a 2 (dois) anospode ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o condenado não sejareincidente em crime doloso; a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e apersonalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem aconcessão do benefício; e não seja indicada ou cabível a substituição prevista noartigo 44 do Código Penal. 2. Na espécie, a autoridade apontada como coatoraafastou o sursis concedido na sentença condenatória sob o argumento de que "aconduta social e a personalidade do agente demonstram não ser esta uma medidasuficiente à sua ressocialização", notadamente diante das conclusões a que chegou apsicóloga que realizou o relatório anexado aos autos, no qual se atestou ser opaciente pessoa que não se responsabiliza por nada que ocorre em sua vida,culpando a todo momento as pessoas de seu convívio pela sua situação atual (e-STJfls. 378/379), circunstância que não guarda qualquer correspondência com o tipopenal violado, sendo idônea a motivar a cassação da benesse. 3. Habeas corpus não

Page 6: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

conhecido. Ordem concedida de ofício para reduzir a fração de aumento da penarealizada na segunda fase da dosimetria da pena imposta ao paciente, restando

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

definitivamente condenado à pena 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias de detenção paracada um dos delitos de desobediência, totalizando 1 (um) ano e 6 (seis) dias dedetenção, a ser cumprida no regime inicial aberto. (STJ - HC: 220392 RJ2011/0235315-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento:25/02/2014, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2014).Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24978876/habeas-corpus-hc-220392-rj-2011-0235315-0-stj. Acesso em 26/04/2014.

TJ- RIO DE JANEIRO

EMENTA. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Imputação: artigo359, do Código Penal c/c art. 146 c/c art. 147, do Código Penal c/c art. 129, § 9º, doCódigo Penal, tudo na forma da Lei 11:340/06 e em concurso material. JUIZABSOLVEU DA AMEAÇA E DESCLASSIFICOU O ARTIGO 359 DO CP PARAO 330 DO MESMO DIPLOMA LEGAL - o MP interpôs o recurso cujas razõesconstam do e-doc 00197, objetivando a reforma da sentença para que o réu sejacondenado pela prática dos crimes do art. 359 e do art. 146 c/c art. 14, II, ambos doCP, com incidência nos dos delitos, da agravante do art. 61, II, f, última parte, do CP- Note-se que o artigo 359 do Código Penal tipifica o descumprimento a umadecisão judicial sobre perda ou suspensão de um direito (Desobediência adecisão judicial sobre perda ou suspensão de direito. Art. 359 - Exercer função,atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado pordecisão judicial: Pena detenção, de três meses a dois anos, ou multa), comoocorreu na presente hipótese, na qual foram deferidas medidas protetivas deafastamento do réu em relação à vítima e seus familiares. AMEAÇA NÃOCOMPROVADA NOS AUTOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-RJ- APL: 00107653220138190014 RJ 0010765-32.2013.8.19.0014, Relator: DES.JOAO ZIRALDO MAIA, Data de Julgamento: 25/02/2014, QUARTA CAMARACRIMINAL, Data de Publicação: 09/04/2014 15:03).

TJ- SANTA CATARINA – DATADA DE 02-06-2015

64725290 - APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRETENSAABSOLVIÇÃO DO DELITO DE AMEAÇA. IMPOSSIBILIDADE. Materialidade eautoria plenamente evidenciadas pelas provas coligidas aos autos. Depoimentosharmônicos e coerentes da vítima. Condenação mantida. Violação de domicílio.Pleito absolutório. Declarações da vítima em perfeita consonância com as provascarreadas aos autos. Crime de desobediência. Desrespeito das medidas protetivasanteriormente decretadas. Descumprimento de decisão judicial. Apeloobjetivando a absolvição por insuficiência probatória. Inviabilidade. Palavras daofendida em perfeita consonância com os demais elementos probatórios. Danoqualificado. Palavras da vítima, firmes e coerentes, corroboradas pelo laudo periciale confissão judicial do acusado. Substituição por restritiva. Crime praticado comgrave ameaça à pessoa. Inteligência do artigo 44 do Código Penal. Indeferimento.Ventilada pretensão de fixação de regime mais brando para início de cumprimentode pena. Afastamento. Réu reincidente e com circunstâncias judiciais que não lhesão totalmente favoráveis. Inadmissibilidade de concessão de regime que não seja oinicialmente semiaberto. (TJSC; ACR 2015.015399-8; Palhoça; Primeira CâmaraCriminal; Rel. Des. Subst. José Everaldo Silva; Julg. 02/06/2015; DJSC 12/06/2015;Pág. 321).

TJ- SÃO PAULO – DATADA DE 27-08-2015

86088357 - APELAÇÃO. Sentença parcialmente procedente que condenou o réupelos crimes de lesão corporal leve e ameaça, em situação de violência doméstica

Page 7: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

contra a mulher, absolvendo-o quanto ao delito de desobediência à decisãojudicial sobre perda ou suspensão de direito. Pedido defensivo de absolvição

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

por insuficiência de provas. Impossibilidade. Autoria e materialidadecomprovadas. Existência de amplo conjunto probatório, suficiente para sustentar acondenação do réu nos moldes em que proferida. Pleito ministerial requerendo acondenação do acusado também como incurso no artigo 359, caput, do CódigoPenal. Acolhimento. Regime e concessão do sursis bem fundamentado e que devemser mantidos. Recurso defensivo não provido e apelo ministerial provido paracondenar o réu também pelo crime do artigo 359, caput, do Código Penal .(TJSP; APL 3002056-77.2013.8.26.0396; Ac. 8775149; Novo Horizonte; NonaCâmara de Direito Criminal; Rel. Des. Sérgio Coelho; Julg. 27/08/2015; DJESP11/09/2015)

TJ – MINAS GERAIS – 14-07-2015

94738414 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE DESOBEDIÊNCIAÀ DECISÃO JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVASIMPOSTAS NO ÂMBITO DA LEI MARIA DA PENHA. DETERMINADA ACOMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL ESPECIALIZADA. Inobstante o Estadofigure como sujeito passivo direto no crime tipificado no artigo 359 do CódigoPenal Brasileiro, em se tratando de desobediência à decisão judicial que decretamedidas protetivas em favor de vítima de violência doméstica e familiar, amulher é a titular do bem ou interesse sobre o qual recai a conduta criminosa,tornando-se, portanto, sujeito passivo mediato do delito, o que atrai aincidência da Lei nº 11.340/2006 e, consequente, a competência da VaraEspecializada para o processamento e julgamento da ação penal. (TJMG; RSE1.0024.14.129087-4/001; Relª Desª Maria Luíza de Marilac; Julg. 14/07/2015;DJEMG 22/07/2015) (Destaque nosso).

94732803 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DELITO DEDESOBEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS.VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. INFRAÇÃO QUE DECORRE DAS RELAÇÕESFAMILIARES. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL ESPECIALIZADA.RECURSO PROVIDO. 1. Encontrando-se o delito de desobediência circunstanciadopelas situações de violência doméstica, eis que decorre do descumprimento demedida protetiva, a competência para processá-lo e julgá-lo, enquanto nãoinstituídos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, é da VaraCriminal Especializada em feitos envolvendo a Lei Maria da Penha. 2. A mulher,embora não seja sujeito passivo direto do delito de desobediência, é ao menossujeito passivo indireto, já que no plano real é a pessoa atingida diretamente pelomencionado delito. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 359 DO CP.DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LeiMaria DA PENHA. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONFIGURADA.COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA. RECURSO PROVIDO. A LeiMaria da Penha não especifica quais os delitos que são pertinentes a suacompetência específica, mas descreve as situações que caracterizam o tipo deviolência de que cuidam seus dispositivos e, consequentemente, geram competênciadas varas especializadas nas comarcas onde elas existirem. A competência pertinenteà matéria específica da Lei Maria da Penha deve ser estabelecida a partir dacaracterização da modalidade de violência ocorrida, a qual, conforme se depreendede seu art. 7º, pode ser perpetrada por múltiplas formas para configurar-se comoviolência doméstica e familiar, independendo, assim, do tipo penal imputado ao réu.V.V. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DESOBEDIÊNCIA DE MEDIDASPROTETIVAS. COMPETÊNCIA. Lei Maria DA PENHA. INAPLICABILIDADE.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJMG; RSE 1.0024.13.190312-2/001; Relª Desª Luziene Barbosa Lima; Julg. 07/07/2015; DJEMG 15/07/2015).

Page 8: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

TJ –DF – DATADA DE 17-03-2015

48635107 - APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRAGENITORA. AMEAÇA, LESÃO CORPORAL E DESOBEDIÊNCIA À DECISÃOJUDICIAL SOBRE SUSPENSÃO DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE DEABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. RELEVÂNCIA DAPALAVRA DA VÍTIMA EM CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.INVIABILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADEPOR RESTRITIVA DE DIREITOS NOS CRIMES PRATICADOS COMVIOLÊNCIA À PESSOA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA A DECISÃO JUDICIALSOBRE SUSPENSÃO DE DIREITO CONFIGURADO, EM FACE DA NÃO-OBSERVÂNCIA DE MEDIDA PROTETIVA ANTERIORMENTE IMPOSTA.TIPICIDADE DA CONDUTA. ESFERAS AUTÔNOMAS DE DIREITOPERMITEM A CUMULAÇÃO DE SANÇÃO CIVIL E PENAL NO CRIME DEDESOBEDIÊNCIA. RECURSOS CONHECIDOS. RECURSO DA DEFESA NÃOPROVIDO E RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO. I. A conduta de,consciente e voluntariamente, provocar lesões corporais com cabo de enxada contragenitora é fato que se amolda ao delito previsto no artigo 129, § 9º, do Código Penalc/c artigo 5º, incisos I e II, da Lei nº 11.340/2006. II. Ameaçar, consciente evoluntariamente, de causar mal injusto e grave contra a genitora, é fato que sesubsume à conduta típica prevista no artigo 147 do Código Penal c/c artigo 5º,incisos I e II, da Lei nº 11.340/2006. III. A conduta de desobedecer medida protetivade urgência que determina afastamento de domicílio e proibição de contato com avítima amolda-se ao delito previsto no artigo 359 do Código Penal c/c artigo 5º,incisos I e II, da Lei nº 11.340/2006. O artigo 359 preconiza expressamente. "Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ouprivado por decisão judicial. Pena. detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, oumulta" (não grifado no original). lV. Não cabe absolvição, com base na insuficiênciade provas, quando o conjunto probatório encontra-se harmônico e suficiente paraembasar o Decreto condenatório. Nos crimes de violência doméstica, assumedestaque as declarações da vítima, principalmente quando em consonância com asdemais provas produzidas nos autos. V. A inobservância das medidas previstas naLei nº 11.340/06 caracteriza a conduta descrita no artigo 359 do Código Penal,porquanto a independência entre os ramos do Direito possibilita tanto aaplicação de sanções de natureza cível quanto de natureza penal, razão pelaqual pode o réu ser condenado pela prática do crime de desobediência e aindaresponder, por exemplo, por multa prevista no Código de Processo Civil oumesmo ser preso preventivamente (medida acautelatória e não sancionatória),sem que isso configure bis in idem. VI. Inviável a substituição da pena privativa deliberdade por restritiva de direitos, ainda que inferior a 4 (quatro) anos, quando setratar de crimes praticados com violência contra a pessoa. VII. RecursosCONHECIDOS. Recurso da Defesa NÃO PROVIDO e Recurso do MinistérioPúblico PROVIDO, para condenar o Réu como incurso no artigo 359 doCódigo Penal e redimensionar a pena aplicada para 8 (oito) meses e 10 (dez)dias de detenção, a ser cumprida em regime ABERTO, mantidos os demaistermos da sentença. (TJDF; Rec 2014.09.1.013313-3; Ac. 852.259; Terceira TurmaCriminal; Rel. Des. José Guilherme; DJDFTE 17/03/2015; Pág. 306. (Grifo nosso).

É fato que a doutrina penal deve evoluir para acompanhar as novas legislações, sobretudo avaloração que se deve dar a implementação da Lei Maria da Penha, que por imposição dostratados internacionais o Brasil se obrigou a editá-la, visando corrigir distorções históricas dasdesigualdades entre os gêneros.

Page 9: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

Por ocasião da realização do XXI Congresso Brasileiro do Ministério Público, realizado nacidade do Rio de Janeiro, entre os dias 06 e 09 de outubro de 2015, foi apresentada a tese“Descumprimento de medidas protetivas de urgência como fato típico: artigo 359 do CódigoPenal versus crime de desobediência”5, de autoria do Promotor de Justiça do MP-BA, PabloAntônio Cordeiro de Almeida, a qual foi aprovada à unanimidade pelos membros daComissão Temática I: Área Criminal, e publicada no Livro de Teses do XXI CongressoNacional do Ministério Público. Ao final, foi apresentada a seguinte proposta de enunciado:“O descumprimento de medidas protetivas de urgência, previstas nas Lei Maria da Penha,caracteriza crime. Entendimento em sentido contrário, além de vulnerar o princípio davedação à proteção deficiente, não se compatibiliza com a legislação e principiologia penal,muito menos com os ditames da Lei 11.340/2006”.

2.3 COAÇÃO NO CURSO PROCESSO

Muito comum nos casos de violência doméstica contra a mulher, quando o agressor, depois depreso, continua ameaçando a vítima e testemunhas, intimidando-as para desistir do processoou mesmo para que modifiquem a versão dos depoimentos.

Considera-se que o procedimento administrativo da investigação policial, no caso de prisãoem flagrante, inicia-se com a efetiva voz de prisão do agressor. A forma dos atosadministrativos em regra, é escrita, mas há exceções, como o ato da prisão que se realiza deforma oral, depois se materializa com a lavratura do auto de prisão em flagrante. É certo que aatuação estatal se inicia com a prisão do agressor. Após isso, qualquer ameaça ou coação avítima, testemunhas ou outras pessoas chamadas a atuar no procedimento (administrativo,penal, policial ou no juízo arbitral) se configura a infração que é de natureza formal, seconsumando com a grave ameaça ou violência física, independentemente do resultadoproduzido no procedimento.

O STJ já se posicionou sobre o tema:

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO(ART. 344DO CÓDIGO PENAL). ALEGAÇÃO DE QUE NÃO RESTOUCONFIGURADO O DELITO, POIS NÃO HAVIA, NO MOMENTO DACONDUTA PROCEDIMENTO INSTAURADO.AMEAÇAS DIRIGIDAS ÀVÍTIMA E TESTEMUNHAS OCORRIDAS LOGO APÓS APRISÃO EMFLAGRANTE E ANTES DA LAVRATURA DO AUTO. INÍCIO DAATUAÇÃOESTATAL COM A CUSTÓDIA DO ACUSADO. TIPICIDADEDEMONSTRADA. DIFERENÇAENTRE ATO ADMINISTRATIVO E A SUAFORMALIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Se, após efetuada a prisão emflagrante pelo crime de furto, o Paciente desfere ameaças direcionadas àsvítimas e às testemunhas com o objetivo de influenciar o resultado de eventualinvestigação criminal, resta caracterizado o tipo previsto no art. 344 do CódigoPenal. 2. A lavratura do auto de prisão em flagrante é mera formalização dato inicialdo procedimento investigatório que já ocorreu concretamente no mundo dos fatos,com a efetiva custódia do Acusado ela Autoridade Policial, em virtude docometimento do crime de furto. 3. Ordem denegada. (STJ - HC: 152526 MG

5

Referido documento encontra-se disponível em: <file:///E:/LIVRO%20DE%20TESES%20CONGRESSO%20BRASILEIRO%20DO%20MINIST%C3%89RIO%20P%C3%9ABLICO.pdf>.Acesso em 28 de outubro de 2015.

Page 10: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

2009/0216276-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento:06/12/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2011)

Evidente que o propósito do agressor não carece ser expresso, uma vez que depois de presopor determinada infração e continuando a ameaçar a vítima, outra não seria a dedução lógicaque não o entendimento de que ele visa influenciar no resultado das investigações.

2.4 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÃNCIA – NÃO APLICÁVEL

Está consolidado o entendimento de que nas infrações penais que ocorrem no âmbito daviolência doméstica não se recomenda a aplicação do princípio da bagatela, mesmo que ocasal tenha se reconciliado, independentemente da gravidade, pois tais infrações geram grandereprovabilidade social e moral. Não se pode falar em conduta inofensiva, penalmenteirrelevante ou em desnecessidade de sua pena. Sem deslembrar que esse tipo de violência éuma violação aos direitos humanos.

Sobre o assunto, decisões do STJ e de outros tribunais brasileiros:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL EAMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.NÃO APLICAÇÃO. REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO. VEDAÇÃO.REITERAÇÃO DA CONDUTA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudênciadesta Corte Superior caminha no sentido de não se admitir aplicação doprincípio da insignificância no que se refere aos crimes praticados comviolência ou grave ameaça, haja vista o bem jurídico tutelado. Maior atençãodeve se ter quando se tratar de violência praticada contra mulher no âmbitodas relações domésticas. 2. Desconstituir a decisão proferida pelo Tribunal a quo –para, então, concluir-se pelo preenchimento dos requisitos necessários à incidênciado princípio da insignificância – implica adentrar no exame detalhado do acervofático-probatório dos autos, procedimento vedado em sede de habeas corpus. 3. Anoticiada reiteração das condutas dessa natureza contra a vítima, bem como amaneira de execução do crime (agressão física à vítima com uma faca, a qual oagente mantinha em baixo do travesseiro, além da ameaça de morte; em momentopassado já mantivera a vítima acorrentada, devido ao ciúme excessivo) e ocomportamento posterior do paciente, a denotarem a expressividade penal de seuagir, reforçam o afastamento da tese apresentada pela defesa. 4. Agravo regimentalnão provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acimaindicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negarprovimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. OsSrs. Ministros Nefi Cordeiro, Ericson Maranho (Desembargador convocado doTJ/SP), Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior (Presidente) votaramcom o Sr. Ministro Relator. Brasília, 24 de março de 2015 (AgRg. no HABEASCORPUS Nº 278.893 - MS (2013/0335214-2, sob a relatoria do Ministro ROGÉRIOSCHIETTI CRUZ).

53303426 - APELAÇÃO. PENAL E PROCESSO PENAL. VIAS DE FATO.VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AUTORIA E MATERIALIDADEDEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. LEGÍTIMA DEFESA.INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. INAPLICÁVEL.PREVALÊNCIA DA AGRAVANTE DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NOÂMBITO DAS RELAÇÕES DOMÉSTICAS. CONFISSÃO ESPONTÂNEA.RECONHECIMENTO EX OFFICIO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE

Page 11: MUTIRÃO – UM OLHAR DIFERENCIADO PARA PROTEÇÃO À ... · Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, ... nos crimes que dependem

LIBERDADE. POSSIBILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO. Se a provademonstra que o acusado praticou a contravenção penal de vias de fato torna-se

NÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHERNÚCLEO ESTADUAL DE GÊNERO PRÓ-MULHER

incabível o pleito absolutório. O reconhecimento da legítima defesa impõe acontemporaneidade da injusta agressão, bem como indícios de sua existência, nãosendo suficientes as alegações da defesa não comprovadas. Não se aplica o princípioda insignificância quando a conduta foi deliberada e causou temor à vítima,mormente por incompatibilidade com a Lei nº 11.340/2006. É de se manter aagravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal, em se tratando de contravenção penalde vias de fato cometida no âmbito doméstico. A confissão da prática delitivaconduz à aplicação da atenuante do art. 65, III, “d”, do estatuto repressor. Afigura-sepossível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitosquanto à condenação pelo ato contravencional de vias de fato, mesmo praticada noâmbito doméstico, pois a pouca gravidade da ofensa não caracteriza o fatorimpeditivo previsto no art. 44, I, do Código Penal. Apelação defensiva a que se dáparcial provimento, 35 apenas para substituir a pena privativa de liberdade porrestritiva de direitos e reconhecer ex officio a confissão espontânea. (TJMS; APL0027781-33.2013.8.12.0001; Campo Grande; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des.Manoel Mendes Carli; DJMS 29/06/2015; Pág. 34).

O Supremo Tribunal Federal, nessa temática, seguiu a mesma linha do Superior Tribunal deJustiça, na decisão monocrática do HABEAS CORPUS 130.124, MATO GROSSO DO SUL,sob a relatoria do Ministro TEORI ZAVASCKI, cujo paciente fora ALEX VIEIRA DA SIL-VA, impetrado pela Defensoria Pública da União, tendo como autoridade coatora o STJ6, pu-blicada no DJE nº 209, divulgado em 19/10/2015.

Sem maiores pretensões, esses temas tratam de pontos relevantes que merecem sercriteriosamente analisados para se dar efetividade à Lei Maria da Penha, no campo do direitopenal e processual penal, haja vista que com relação a outros temas, à margem da seara penalhá muito o que se fazer, sobretudo com a implementação do Centro de Educação eReabilitação do Agressor, para se evitar a reincidência em delitos dessa natureza.

Várias foram as políticas públicas criadas pela Lei Maria da Penha que ainda não saíram dopapel, mas a nós, que operamos o direito, cabe primordialmente, aplicar os seus dispositivosde modo que atenda a sua finalidade social, como preconiza o art. 4.º, já citado.

Anaílton Mendes de Sá DinizPromotor de Justiça e Coordenador do Núcleo Estadual de Gênero Pró-Mulher do MinistérioPúblico do Estado do Ceará

6 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp. Acesso em 28.10.2015