museus trabalho final aline pereira

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Arquivo: sua origem e funcionalidade como dispositivo de biblioteca Aline Pereira 1 A palavra “arquivo” em sua etimologia remete a início, origem; como também a poder e/ou lugar que se exerce a autoridade. Os arquivos são lugares, em essencial, que jogam com a memória, porque, não é a memória propriamente dita, funciona em sua ausência, mas nasce do desejo da mesma. Os arquivos, também, não é a verdade, mas sim o registro de uma (ou várias) verdade(s). Para seu estabelecimento, além do lugar físico, é necessária a institucionalização dos meios pelos quais irá ordená-lo. A origem do arquivo (deixando de lado um pensamento que resulta na redundância em relação à palavra arquivo e sua etimologia) como nós utilizamos,na ótica de Derrida (2001), diz queo sentido de arquivo, seu único sentido, vem para ele do Arkhetôn grego.Na Atenas do século V a. C. o governo de tal cidade estado vinha da Assembleia e então, “as funções executivas estão nas mãos de nove arcontes, eleitos anualmente dentre os aristocratas pelo conselho do Areópago” (STARR, 2005, p. 13).Como visto, o arquivo precisa de um lugar para seu estabelecimento, que no tempo dos Arcontes poderia ser “uma casa, um domicílio, um endereço, a residência dos magistrados superiores, os arcontes, aqueles que comandavam” (DERRIDA, 2001, p.12). Atualmente existem arquivistas, bibliotecários, museólogos, etc. que cuidam de coleções, arquivos entre outros elementos que podem ser catalogados, organizados e dispostos para consulta. Numa perspectiva moderna esses aparatos devem ter uma organização tão bem feita que qualquer um (pelo menos qualquer profissional) possa usufruir o máximo do arquivo e poder recuperar as informações necessárias para uma consulta/pesquisa. Dentro da perspectiva do Arconte, não há essa disseminação do conhecimento, há até um sentimento de posse, já que Os arcontes foram seus primeiros guardiões [dos arquivos]. Não eram responsáveis apenas pela segurança física do depósito e do suporte. Cabiam-lhes também o direito e a competência hermenêuticos. Tinham o poder de interpretar os arquivos (DERRIDA, 2001, p. 12 – 13). ¹Graduanda em Bacharelado em Biblioteconomia da UFPE. E-mail: [email protected]

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  • Arquivo: sua origem e funcionalidade como dispositivo de biblioteca

    Aline Pereira1

    A palavra arquivo em sua etimologia remete a incio, origem; como tambm

    a poder e/ou lugar que se exerce a autoridade. Os arquivos so lugares, em essencial,

    que jogam com a memria, porque, no a memria propriamente dita, funciona em

    sua ausncia, mas nasce do desejo da mesma. Os arquivos, tambm, no a verdade,

    mas sim o registro de uma (ou vrias) verdade(s). Para seu estabelecimento, alm do

    lugar fsico, necessria a institucionalizao dos meios pelos quais ir orden-lo.

    A origem do arquivo (deixando de lado um pensamento que resulta na

    redundncia em relao palavra arquivo e sua etimologia) como ns utilizamos,na

    tica de Derrida (2001), diz queo sentido de arquivo, seu nico sentido, vem para ele

    do Arkhetn grego.Na Atenas do sculo V a. C. o governo de tal cidade estado vinha

    da Assembleia e ento, as funes executivas esto nas mos de nove arcontes, eleitos

    anualmente dentre os aristocratas pelo conselho do Arepago (STARR, 2005, p.

    13).Como visto, o arquivo precisa de um lugar para seu estabelecimento, que no tempo

    dos Arcontes poderia ser uma casa, um domiclio, um endereo, a residncia dos

    magistrados superiores, os arcontes, aqueles que comandavam (DERRIDA, 2001,

    p.12).

    Atualmente existem arquivistas, bibliotecrios, muselogos, etc. que cuidam de

    colees, arquivos entre outros elementos que podem ser catalogados, organizados e

    dispostos para consulta. Numa perspectiva moderna esses aparatos devem ter uma

    organizao to bem feita que qualquer um (pelo menos qualquer profissional) possa

    usufruir o mximo do arquivo e poder recuperar as informaes necessrias para uma

    consulta/pesquisa. Dentro da perspectiva do Arconte, no h essa disseminao do

    conhecimento, h at um sentimento de posse, j que

    Os arcontes foram seus primeiros guardies [dos arquivos]. No eram responsveis apenas pela segurana fsica do depsito e do suporte. Cabiam-lhes tambm o direito e a competncia hermenuticos. Tinham o poder de interpretar os arquivos (DERRIDA, 2001, p. 12 13).

    Graduanda em Bacharelado em Biblioteconomia da UFPE. E-mail: [email protected]

  • De uma comparao entre o Arconte e uma definio moderna de um

    profissional que um guardio da informao chegamos ao que pode ser um dos

    males de arquivo. Atualmente se nossas bibliotecas tm seus Arcontes, o conhecimento

    fica dependente daquele guardio que alm de o nico, a saber, onde est

    informao (podendo negligenci-la tambm), detm a interpretao da mesma,

    podendo direcionar uma pesquisa aos seus interesses.Assim, a informao de onde est

    informao torna-se uma ferramenta nas relaes de poder; uma vez que o prprio

    conhecimento uma forma desse poder.

    Apesar de hoje j ultrapassada, a importncia do Arconte e do lugar onde ele

    era guardio grande, principalmente em relao ao lugar, ao espao, pois, "foi assim,

    nesta domiciliao, nesta obteno consensual de domiclio, que os arquivos nasceram.

    A morada, este lugar onde se de-moravam, marca esta passagem institucional do

    privado ao pblico (DERRIDA, 2001, p. 13). Outra herana dos Arcontes a

    necessidade de por ordem no arquivo, pois,

    No requer somente que o arquivo seja depositado em algum lugar sobre um suporte estvel e disposio de uma autoridade hermenutica legtima. preciso que o poder arcntico, que concentra tambm as funes de unificao, identificao, classificao caminhe junto com o que chamamos o poder de consignao (DERRIDA, 2001, p. 13 14).

    Por essa consignao, entendemos unio. Devemos (assim como os Arcontes)

    identificar, classificar e unificar as informaes contidas dentro do espao e organizar

    para poder disponibilizar e recuperar aquilo que desejamos. Isso se torna necessrio

    para que o Mal de Arquivo aqui suscitado por ns no seja uma realidade. Assim,

    Num arquivo, no deve haver dissociao absoluta, heterogeneidade ou segredo que

    viesse a separar (secernere), compartimentar de modo absoluto (DERRIDA, 2001, p.

    14) o conhecimento e/ou a recuperao da informao.

    Na realidade das bibliotecas, este dispositivo muitas vezes negligenciado por

    seus guardies bibliotecrios - assim como na poca dos arcontes, essa forma de

    negligncia consiste na m disseminao da informao tanto para os usurios deste

    dispositivo, quanto para os que trabalham e/ou desenvolvem atividades neste mesmo

    espao, de forma que no pode haver autonomia para ambos e sendo limitada a

  • cumprir sua funo social que permeada pelo acesso e disponibilidade da

    informao.

    Mas se na poca dos grandes legisladores Atenienses como Pricles e Clstenes,

    quem detinham o poder de guardar os arquivos eram os Arcontes, atualmente A

    quem cabe a autoridade do arquivo? Quem detm o poder do arquivo?Ambas as

    questes so difceis de serem respondidas em sua totalidade. Discutiremos algumas

    possveis solues para esses questionamentos.

    J que os arquivos so, em excelncia,locais onde se exercem a autoridade,

    deles podemos observar as relaes de poder: entre o arquivo e o conhecimento versus

    quem detm o conhecimento do arquivo; desse paradigma extramos um dos nossos

    males de arquivo. Michel Foucault diz que o poder no se d, no se troca nem se

    retoma, mas se exerce, s existe em ao, como tambm da afirmao que o poder no

    principalmente manuteno e reproduo das relaes econmicas, mas acima de

    tudo uma relao de fora (FOUCAULT, 1979, p. 175). Ou seja, os Arcontes

    detinham o poder de seus arquivos e a partir dessa relao de fora/poder ele era dono

    de seu arquivo e poderia mostrar ou esconder aquilo quelhe fosse conveniente.

    A necessidade da informao est cada vez maior e com isso novos mtodos

    tem que ser desenvolvidos para acompanhar essa demanda, com isso, evidente o

    combate aos Arcontes do nosso tempo. Atualmente as relaes de poder do arquivo e

    da biblioteca representativo: esto nas mos de seus respectivos coordenadores,

    esses, porm, normalmente esto de certa forma presos aos sistemas criados para o

    armazenamento e recuperao de informao, como tambm podem estar presos aos

    comandos de seus superiores (diretores, estado a que a instituio esteja submetida).

    A ideia de qualquer pessoa poder ter acesso informao de uma biblioteca

    atravs de softwares que disponibilizam seus acervos online tima, pois, um dos

    maus do arquivo deixado de lado. Entretanto, nos vemos refns da tecnologia, uma

    vez que no caso de no haver conexo com a internet ou uma possvel invaso ao

    servidor ou qualquer outro mal que venha a impossibilitar o uso do sistema, faz com

    que uma busca manual se torne muito difcil ou at em alguns casos impraticvel

    (como numa pesquisa por palavras chave), visto a necessidade da velocidade e

    preciso ao recuperar informaes.

    Assim, percebemos que os arquivos e bibliotecas na Antiguidade tinham um

    poder centrado na figura do Arconte e atualmente esse poder torna-se representativo e

  • fragmentado. Cabe a ns fazermos outra reflexo: Nos dias de hoje nas bibliotecas

    qual seria os limites entre uma postura arcntica com uma postura mais dependente das

    bases de dados?

    Com os avanos tecnolgicos, so cada vez mais comuns em bibliotecas,

    palestras, workshops, cursos sobre a automatizao de bibliotecas, utilizando da idia

    da democratizao do conhecimento, onde o usurio tem completa autonomia para

    realizar suas buscas, sem que haja a interferncia de terceiros no caso de um

    bibliotecrio, exceto nas orientaes mais minuciosas que o sistema da biblioteca

    oferecer. Aqui vale ressaltar dois pontos cruciais para eficincia destes softwares no

    que se diz respeito democratizao da informao/conhecimento. A primeira

    premissa a se levar em considerao a forma pela qual o acervo inserido nas bases

    de dados, pois este, feito de maneira erronia ou sem os cuidados necessrios no

    processo de catalogao e indexao comprometer o resultado da pesquisa de forma

    que um item que possua o contedo essencial para um pessoa pode vir a ser

    negligenciado, caso o assunto principal a que este se prope no esteja explicito em

    seu ttulo, comprometendo assim, no s uma pesquisa, mas tambm utilizaes

    futuras deste item.

    Cabe ao bibliotecrio realizar uma indexao exaustiva para que problemas

    como este no aconteam, a este profissional essencial que tenha em mente e como

    norteadores de seu trabalho as leis de Raganathan. Essas leis fornecem uma moldura

    conceitual no desenvolvimento de diversos princpios normativos essenciais para a

    organizao de uma biblioteca. As leis de ranganathan foram desenvolvidas em

    meados da dcada de 1920 e teve sua primeira publicao em 1931, as cinco leis so

    declaraes simples a respeito dos direitos do leitor, as quais so:

    1. livros so para o uso;

    2. a cada leitor seu livro;

    3. a cada livro seu leitor;

    4. economize o tempo do leitor;

    5. uma biblioteca um organismo em crescimento.

    uma vez que haja a apropriao destas leis, dificilmente haver negligencia para com

    os usurios deste organismo.

    A segunda premissa a se ressaltar tanto quanto aos softwares quanto a

    democratizao da informao, est ligada ao desenvolvimento da coleo da

  • biblioteca e sua disponibilizao ao usurio. Ao desenvolver uma coleo para uma

    biblioteca preciso levar em considerao a necessidade informacional presente no

    local, de acordo com sua especialidade, funo e comunidade. A seleo do acervo

    precisa ser realizada sem que haja interesses particulares quanto aos ttulos e assuntos

    contidos em seus livros, tambm no pode haver qualquer tipo de discriminao ou

    preconceito para com as temticas abordadas, pois este seria um dos maus de

    arquivo apresentado por Derrida.

    Tendo em vista o exposto, o grande mau de arquivo identificado em uma

    biblioteca, est ligada a sua administrao e os interesses particulares de seus

    Arcontes, que uma vez no combatido pode prejudicar a funcionalidade deste

    dispositivo de arquivo. Cabe a cada profissional que identifica este mau em seu

    ambiente de trabalho traar formas de det-lo e remov-lo de tal ambiente.

  • REFERNCIA

    DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impresso freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2001.

    FIGUEIREDO, Nice Menezes. A modernidade das cinco leis de Ranganathan. Braslia: Cincia e Informao, set./dez. 1992. p. 186-191.

    FOUCAULT, Michel. A Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

    STARR, Chester G. O nascimento da democracia ateniense: A assembleia no sculo V a.C. So Paulo: Odysseus Editora, 2005.