museu comunitÁrio murukuni: o passado e o …

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MUSEUS E IDENTIDADES NA AMÉRICA LATINA 66 Manantial, pp. 329-344. CAPÍTULO 5 MUSEU COMUNITÁRIO MURUKUNI: O PASSADO E O PRESENTE NAS POLÍTICAS DE CULTURA, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO MAPOYO Sheets-pyenson, S.(1988) caf/zedrais ofScfence. 7%e Dweiopmezzf o#Co/o/zia/ .7Vaf- zzrai .17isfo/y À4iueums dzzríng f/ze Late Nínefeelzf/z-Cenfzzzy. Kingston and Montreal: =5= .ns=z:: '. "..«, "»-"** "I /a H/ia de Z,udán. BuCHosAbres: Tãleres fíeinpos de ia coiolzia y e?z Zaépoca de /a Gráficos SanPablo. FKANZ SCAnAmEtt/í, KAYTARBLE DE SCARAMELL12 Udaondo, E.(1945) 1)jccíonarjo bíogrc@caco/oniaJ drgenfino. Buenos Aires: Insti- tución Mime. TI'adução: Marina Fontolan, mestrandaem História Cultural da l.Jniversidade Estadual de Campinas(UNICAMP). EIUIZHUm=:=='ruu"; Resumo: Este artigo examina o uso do passado na construção da identidade indíge- na Mapoyo e sua experiênciamuseológica comunitária. Com ênfaseno tempo e na transformação,nosso estudo de caso propõe revisar diacronicamente as relações en- tre identidadee cultura e a marca de diversaspolíticas pós-coloniais de construção histórica e representação. Para este fim, se discute as motivações de um processo de fundamentação cultural que incorpora discursos substantivos, relacionais e diacríticos. Estes processos se desenvolvem numa paisagem construída com personagens, even- tos e narrativas históricas interpretadas atualmente à luz de complexos movimentos éülico-nacionalistasque fortalecem uns aos outros. O prometo do Museu Comunitário Mumkuni3 passou por várias íàzes desde sua fomiulação inicial, as quais refletem uma evoluçãono que conceme a concepção do que é um museu, seu papel na comunidade como espaçopara a auto-representação e as transformações da consciência histórica e identitária do população Mapoyo no contexto das políticas nacionais e intemacio- nais. Discutem-se estas fasesà luz dos falares intemos e extemos que conüibuem ao desenvolvimento da auto-definição dos Mapoyos e de suas formas de representação Finaliza-se com uma reüexão sobre o papel do museu na objetivação de um discurso sobre o presente e o passado desta comunidade. Palavras-chave: Museu Comunitário, Mapoyo, Representação, Identidade, Cultura Centro de Antropologia, Instituto Venezolano de Investigaciones Cientíhcas Departamento de Arqueologia y Antropologia Histórica, Escuela de Antropologia, Universidad Central de Venezuela Murukuni significa pombo na língua Mapoyo

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Page 1: MUSEU COMUNITÁRIO MURUKUNI: O PASSADO E O …

MUSEUS E IDENTIDADES NA AMÉRICA LATINA

66

Manantial, pp. 329-344.

CAPÍTULO 5

MUSEU COMUNITÁRIO MURUKUNI: O PASSADO E O

PRESENTE NAS POLÍTICAS DE CULTURA, IDENTIDADE E

REPRESENTAÇÃO MAPOYOSheets-pyenson, S.(1988) caf/zedrais ofScfence. 7%e Dweiopmezzf o#Co/o/zia/ .7Vaf-

zzrai .17isfo/y À4iueums dzzríng f/ze Late Nínefeelzf/z-Cenfzzzy. Kingston and Montreal:

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fíeinpos de ia coiolzia y e?z Za época de /a

Gráficos San Pablo.

FKANZ SCAnAmEtt/í, KAYTARBLE DE SCARAMELL12

Udaondo, E.(1945) 1)jccíonarjo bíogrc@ca co/oniaJ drgenfino. Buenos Aires: Insti-tución Mime.

TI'adução: Marina Fontolan, mestranda em História Cultural da l.JniversidadeEstadual de Campinas(UNICAMP).

EIUIZHUm=:=='ruu";Resumo: Este artigo examina o uso do passado na construção da identidade indíge-na Mapoyo e sua experiência museológica comunitária. Com ênfase no tempo e natransformação, nosso estudo de caso propõe revisar diacronicamente as relações en-tre identidade e cultura e a marca de diversas políticas pós-coloniais de construçãohistórica e representação. Para este fim, se discute as motivações de um processo de

fundamentação cultural que incorpora discursos substantivos, relacionais e diacríticos.Estes processos se desenvolvem numa paisagem construída com personagens, even-tos e narrativas históricas interpretadas atualmente à luz de complexos movimentoséülico-nacionalistas que fortalecem uns aos outros. O prometo do Museu Comunitário

Mumkuni3 passou por várias íàzes desde sua fomiulação inicial, as quais refletem umaevolução no que conceme a concepção do que é um museu, seu papel na comunidade

como espaço para a auto-representação e as transformações da consciência históricae identitária do população Mapoyo no contexto das políticas nacionais e intemacio-nais. Discutem-se estas fases à luz dos falares intemos e extemos que conüibuem ao

desenvolvimento da auto-definição dos Mapoyos e de suas formas de representação

Finaliza-se com uma reüexão sobre o papel do museu na objetivação de um discurso

sobre o presente e o passado desta comunidade.

Palavras-chave: Museu Comunitário, Mapoyo, Representação, Identidade, Cultura

Centro de Antropologia, Instituto Venezolano de Investigaciones Cientíhcas

Departamento de Arqueologia y Antropologia Histórica, Escuela de Antropologia, UniversidadCentral de Venezuela

Murukuni significa pombo na língua Mapoyo

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MUSEUS E IOEN'rIOAOES NA AMÊRICA Lama66

CAPÍTULO 5

FKANZ ScAKAMEttll, KATTAKBtE DE SCAKAmEtt12

Tradução: Marina Fontolan, mestranda em História Cultural da Universidade

Estadual de Campinas(UNICAMP).

e idenütária do população Mapoyo no contexto das políticas nacionais e intemacioDais Discutem-se estas fases à luz dos fatores intemos e extemos que contribuem ao

dest,nvolvimento da auto-definição dos Mapoyos e de suas fomias de representação.

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Palavras-chave: Museu Comunitário, Mapoyo, Representação, Identidade, Cultura

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Centro de Antropologia, Instituto Venezolano de Investigaciones Cientíâcas

Departamento de Arqueologia y Antropologia Histórica, Escuela de Antropologia, UniversidadCentral de Venezuela

Murukuni significa pombo na língua Mapoyo

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68 MUSEUS E IDENTIDADES NA AMÉRICA LATINA PEDRA FAULO A. FUNARI l CAMILO VASCONCELLOS l ALINE CAR\ALHO69

Introdução Notas sobre Identidade, Multiculturalismo e Representação

O Museu Comunitário Murukun+ é o resultado de uma longa luta por parte dapopulação Mapoyo para se fazer conhecer sua presença, sua voz e sua visão ante ummundo que os ignorou ou os subestimou através dos séculos. Ele surge como partede uma série de negociações de uma comunidade que tenta manter sua integridadedente à sociedade nacional dominante, por um lado, e como parte de um crescentemovimento político, por outro. Os Mapoyos,' uma população com filiação linguísticacaribenha, hoje em dia contam com 316 membros, concentrados, na maior parte, nacomunidade de EI Palomo, no extremo-oeste do estado Bolívar,s próximo ao rio Ori-noco. A ideia do museu surgiu depois de 40 anos de colaboração enfie membros destacomunidade com diversos etnólogos, linguistas e arqueólogos, entre eles, os autores

deste trabalho. Esta relação é uma atitude de abertura que tem marcado este gruponos últimos 300 anos. Ao longo do tempo, os Mapoyos desenvolveram mecanismosdiferentes de interação, tal qual o apoio ao exército republicano contra os realistas naguerra de independência, o comércio de produtos de extração e de produção agrícola

nos mercados nacional e internacional, matrimónios fora do grupo tanto com outraspopulações indígenas quanto com os Criollos, e negociações com diferentes gover-nos nacionais destinadas a procurar melhorias para a comunidade, como escolas,ambulatórios, maquinário, meios de transporte e fornecimento de serviços básicos.Contudo, esta atitude de abertura não deve ser conftlndida com um desço de assi-milação da sociedade dominante, porém uma negociação para se estabelecer, comopopulação indígena, nela. A construção de um museu comunitário em Palomo é uma

expressão da estratégia desse grupo em se apoiar nos meios oferecidos pela sociedade

nacional, mas orientada para a reafirmação da identidade e de sua permanência teni-torial, en6'entando as forças que atacam contra sua existência.

Até este momento, a identidade Mapoyo tem estado intimamente ligada àssuas raízes tenitoríais. Esta, por sua vez, está fortemente anaigada numa tradição oral

que faz referência a eventos e lugares que se mostram como essenciais na construçãode sua paisagem(Tmble & Scaramelli, 2007). No entanto, a crescente literatura etno-

gráfica e os resultados de pesquisas arqueológicas e históricas sobre o grupo, assim

como sua participação em atividades de demarcação territorial exigidos pela Zq/ deDemarcación y Garantia del Habitat y Tierras de los Pueblos Indígenas de la Repú-ó/íca Bo/ivarfana dg Henezz/e/a(2001), têm servido como ferramentas de consciência

histórica do grupo e na redefinição de sua identidade. A partir destas experiências acz///z/ra como conceito passa a íàzer parte do vocabulário identitário. E no processoreflexivo da construção e na sua representação num desenho museográíico para oMuseu Comunitário Murukuni, onde centraremos nossa atenção para este artigo.

Propomos-nos aqui a examinar as políticas de representação que permitiram o

reconhecimento dos Mapoyos como grupo étnico. Com ênfase no tempo e na trans-6omlação, nosso estudo de caso propõe revisar diacronicamente as relações entreidentidade e cultura e a marca de diversas políticas de construção histórica. Quandonos fixamos no passado indígena e em sua representação no presente, não atribuí-mos ao estudo uma visão exclusivamente retrospectiva. No nosso caso, a históriadessa construção surge de um coletivo étnico contemporâneo, vivo, que interpretao passado para construir criativamente seu dia-a-dia. Tampouco se trata de um pro-cesso único e homogênio. A construção de uma identidade depende da forma noqual distintos agentes se situam num contexto amplo de relações e processos querepercutem de forma diferente na memória de um coletivo. Neste sentido, o passadoé construído ativamente no presente(Friedman, 1992). Embora a construção de uma

identidade indígena seja sempre um ato de soberania no qual se sintetizam diferentes

lógicas culturais, práticas contestatárias e dinâmicas de posicionamento, não há nadanatural, fixo ou uniforme no que se refira à identidade. Igualmente, a história é umproduto social como qualquer outro e, como tal, não pode ser aceito como axioma.A identidade é motivada socialmente e deve ser entendida em termos posicionais e

em sua historicidade. Assim, a realidade social se produz em contextos socio-histó-ricos específicos. Por esta razão, a identidade cultural aqui se define como o produtode uma construção histórica capaz de marcar a diferença. No caso das populaçõeslatino-americanas atuais, a identidade, por sua vez, emerge em oposição à sociedadeocidental. Esta encontra suas raízes numa distinção histórica entre as formas de vida

local e aquelas que se õzeram dominantes e características durante o período coloniale o posterior surgimento da nação. Neste sentido, nossa discussão se orienta de modoa esclarecer o cona'onto entre certas práticas intelectuais do Ocidente por estabeleceruma história cultural "única" e "verdadeira" e as práticas identitárias dos coletivos,que se constroem a si mesmos através de uma memória ou tradição que os legitima.

O exercício não é pouco ambicioso, mas sim necessário.Não íàz muito tempo, os enfoques sobre a identidade cultural se encontravam

presos numa ideia extremamente estática de cultura, segundo a qual todo grupo in-dígena que se expunha ao Ocidente acabava invariavelmente destinado à absorçãoou ao desaparecimento(Cusick, 1998). De forma habitual, eram considerados gru-pos isolados que viviam na periferia da civilização, eram concebidos como rema-nescentes quase fósseis de um passado remoto e, portanto, como entidades â'ágeis,sob a ameaça da extinção. Atolados num "pessimismo sentimental"(cf. Cameiro

da Cunha, 1992; M Sahlins, 1993; Tumor, 1991) no qual se percebia seu destinoinevitável, o passado e o presente destas sociedades se reduziam à única crónica dedestruição e deriva cultural ou aculturação (M. D. Sahlins, 1988: 412).4

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Também conhecidos na literatura como Wanai ou Mopue.NT: Um dos maiores estados da Venezuela.

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A origem deste drama antropológico remonta ao início do século XX, quandoa noção de cultura de Edward Bumett Tylor, como totalidade de uma forma de vida,incorporava a ideia romântica do alemão Johann Gottâ'ied Herder de que as naçõese as pessoas, em diferentes períodos do tempo, possuíam culturas distintas(WHght,1 998). Esta noção substancial de cultura se distanciava sutilmente de outras que, pro-duto da ilustração, estabeleciam que cada cultura representava um estágio diferentede evolução em "progresso" até a racionalidade europeia. Em ambos os casos, a ideia

de uma "população" detentora de uma "cultura" e seu potencial de transformaçãopara alcançar graduações mais "elevadas", serviu para o propósito do colonialismoeuropeu interessado em descrever, categorizar e representar entidades fixas, discretase auto-contidas sobre as quais o Ocidente poderia intervir com base no conhecimento

e na aplicação de novas formas de poder e controle(Cohn, 1996).Sob esta matriz se justiÊcamm, até naturalizar, certas formas de assimilação e

representação que tiveram proíimdas consequências na imaginação etnográfica, assimcomo nas próprias políticas de construção histórica e na identidade de grupos indíge-nas. De fato, tais argumentos serviram de base para a documentação de elementos subs-tanciais da cultum, como a cultura material dos grupos indígenas latino-americanos,

assim como para a coleção de plantas, espécies animais, ossos humanos, pedras eoutros obÍetos, os quais foram depositados e exibidos em grandes museus europeus enorte-americanos de "História Natural"(Penny, 2001; Stocking, 1985).

Quando se completou 500 anos da chegada de Colombo na América, antro-pólogos, arqueólogos, historiadores e escritores intensiâcaram seus esforços paracompreender a natureza e as consequências do encontro, dedicando-se a reavaliar a

destruição dos ameríndios sob o impacto do colonialismo europeu. Contudo, um fe-nómeno de escala mundial mudaria os prognósticos mais pessimistas. No momen-to em que os especialistas declaravam o inevitável fim das populações indígenas,estes grupos haviam experimentado processos demográâcos, socioeconómicos ede identidade que haviam sido difíceis de prever anos antes. Além de se encontrarfortificados demograficamente, os grupos indígenas americanos se encontravamocupando novos espaços de participação política e cidadã, aproveitando de fatores

e mecanismos legislativos que lhes permitiam aumentar sua participação na tomadade decisões e, sobretudo, na reafirmação de suas identidades, culturas e territórios

como populações indígenas. A este respeito, vale se perguntar, de onde saiu todoeste ímpeto de renovação?

Os anos 1980 haviam dado início a uma nova era de inquietação e reconhe-cimento cultural em nível global. Um trabalho pioneiro foi realizado por TerenceTumor entre os Kayapó doAlto Xingú no Brasil(Tumer, 1991). Tumer descobriu queos Kayapó inicialmente não tinham um conceito através do qual pudessem objetivar eetiquetar sua vida cotidiana como uma "cultura". Contudo, este conceito empregadopor antropólogos e outros visitantes foi adaptado pelos Kayapó para negociar com asociedade dominante. No final dos anos 1980, os Kayapó usavam o termo "cultura"

em português para fazer referências a seus costumes tradicionais, assim como para

preservar a mesma vitalidade de suas comunidades (Sahlins, 1996). Deste modo, osKayapó podiam recriar a si mesmos na imagem que os outros haviam elaborado de-les. A experiência de Tumor entre os Kayapó tinha uma moral. E ninguém melhor queMarshall Sahlins soube vislumbrar o significado da mesma. O que oconia no mundo

indígena sul americano de fato anunciava processos que transcendiam as ítonteirasdo universo Kayapó e de toda a Amazõnia. Durante as décadas de 1980 e 1990, osMaori da Nova Zelândia, os Tibetanos, os Havaianos, os Esquimós, os Balineses e os

mesmos Mapoyos, todos descobrem possuir uma cz///z/ra.O reconhecimento deste processo, oportunamente chamado cz{/fz/ra/esmo(Sa-

hlins, 1 996: 474), é crucial para entender a realidade histórica e cultural dos gruposindígenas contemporâneos e seus recentes processos no âmbito identitário e em suas6omlas de auto/representação. Segundo Sahlins, o mundo se encontra, desde então,

ante um movimento de desafio cultural sem precedentes, cujo signihcado e efeitosainda estão por ser determinados (Sahlins, 1996; 475). Isto se trata, na opinião dele,de um clamor no qual os modos de existência próprios são de um valor superiore um direito político em oposição à presença imperial estrangeira. Embora algunsintelectuais pensassem que tais processos eram insignificantes e até culpassem aspopulações indígenas de "inventar" suas tradições com meros fins políticos, o queacontecia desafiava as teorias sobre integração global e o íim da diversidade. Pelocontrário, a nova ordem mundial parece se caracterizar pela presença de inúmerosmovimentos separatistas que buscam autonomia. Estes movimentos, diz Sahlins, têm

assumido um componente central da cultura global contemporânea, a qual se traduzem multiplicidade em nível local (Sahlins, 1996: 475).

É precisamente neste contexto que surge a ideia inicial do museu comunitárioMurukuni. O êxito de seu nascimento poderia ser visto sob o calor das mudançasque experimentavam os populações indígenas no início dos anos 1990. Contudo,o reconhecimento das culturas como fenómeno global emergente logo conduziriaa uma nova dimensão política de reconhecimento etno-cultural que abalou o mun-do latino-americano. Nos últimos 20 anos, os grupos indígenas e aõ'odescendentesemergiram como "sujeitos multiculturais visíveis" (Greene, 2007: 329). Como bemassinala Greene, houve um câmbio ideológico que supera os modelos assimilacionis-

tas do passado para instaurar ideologias de reconhecimento e tolerância inter-étnica,políticas sobre cidadania e identidade e diversas formas constitucionais que procu-ram reparar os danos associados à escravidão e à dominação colonial(çf. Greene

2007). A Venezuela é um dos países que incorporaram as retóricas multiculturais emultiéüúças em suas novas versões da constituição, além de iniciativas legislativasque garantem o reconhecimento do caráter multiétnico do país. Estas medidas in-cluem leis sobre igualdade de oportunidades e participação política, assim como titu-lação coletiva de territórios ancestrais("Ley de Demarcación y Garantia del Habitat

y Tierras de los Pueblos Indígenas," 200 1 ; Ley de Patrimonio Cultural de los Pueblos

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y Comunidades Indígenas," 2009). Este processo geral, hoje em dia conhecido sob orótulo de mz//rfcz///ura/esmo(Greene, 2007), foi feito visível globalmente e, em partefoi constituído como produto de uma série de estruturas legais intemacionais e políti-cas multiculturais de desenvolvimento que promovem um imaginário político, raciale étnico-cultural supostamente mais inclusivo e balanceado.

Obviamente, tais tentativas não deixam de ter seus próprios problemas. Porum lado, o reconhecimento de alguns, frequentemente implica no desconhecimentode outros. Assim, as oportunidades de alguns se traduzem na exclusão de outros. Por

outro lado, as motivações que geram a base de culpa se traduzem em qualificaçõesartificiais ou em desculpas inúteis. Em muitos casos, as iniciativas multiculturaisneoliberais (cf. Greene, 2007: 330-350) ou revolucionárias (Whitten, 1996; 2007)não apagam as linhas da exclusão, mas as reformulam segundo outras lógicas deauto-perpetuação e auto-cancelação.

Em todo caso, neste novo contexto caracterizado pelo reconhecimento da di-

versidade, as populações indígenas tentam salvaguardar seus vínculos com antigastradições e práticas culturais e territórios cujos perímetros simbolizam anseios pordefender uma soberania coletiva. Trata-se de uma conexão de longa duração a umlugar de origem ancestralmente definido sobre a base de um uso coletivo ou comunal.Para ser reconhecido, este lugar supõe a existência de elementos materiais, experiên-cias e instituições reconhecidas por um coletivo. Estas se articulam a um tenitório deorigem associado ao grupo étnico. No nosso caso, trata-se de uma identidade espa-cial, geograficamente separada de outras fomlas étnico-culturais da sociedade nacio-

nal. Do mesmo modo, trata-se de uma identidade temporal de um grupo que precedeo surgimento do estado-nação atual e que só existe em virtude da contínua ocupação

do território. A persistência se define em função de uma linguagem entre descen-dência direta e contínua entre os antepassados que compartilhavam certos costumes,tecnologias, línguas e genes com seus descendentes atuais.

Estas considerações sobre a construção da identidade espacial e a historicidadeMapoyo nos lembra de uma observação efülgente de Raymond Fogelson, que diz ".

o fator que tem provado ser mais decisivo para a persistência indígena é um nívelaltamente desenvolvido de consciência histórica, um contínuo sentido de identidade

como pessoas separadas para aqueles que o poder insiste em manter sua especiâci-dade. Vista desta forma, a história não é algo quepassou para os índios; esta pode seconceber melhor como uma força potente que eles usam ativamente, recriam e mani-

pulam como mecanismo de sobrevivência" (Fogelson, 1989: 139-140).A partir destas reüexões, nos propomos ilustrar na continuação, com algumas

observações etnográâcas, as formas da construção da identidade Mapoyo e sua ino-vadora cristalização no museu comunitário Murukuni.

Evolução do Museu Comunitário Murukun+

O prometo do Museu Comunitário Murukuni passou por várias fases desde suaüomiulação original, as quais remetem uma evolução em termos de concepção do queé um museu, seu papel na comunidade como espaço para a auto-representação e aconsciência histórica e identidade do povo Mapoyo no contexto das políticas nacio-nais e intemacionais.

Primeira Fase: Concepção

Começamos nossas pesquisas arqueológicas/etnográficas entre os Mapoyosem 1992, através de um convite que nos foi feito pelo capitão Simón Bastidas e outrosmembros da comunidade indígena de Palomo, que solicitaram que colaborássemos

com eles no registro e na documentação de seus antigos sítios de assentamento. Esteconvite surgiu depois de uma disputa territorial que os Mapoyos tiveram com uma

parte dos Piaroa(Wóthuha) do Monte Pastoral, que, aparentemente, haviam ocupa-do uma extensa parte de suas terras(Scaramelli, Tarble &Perera, 1993). Apesar do

acalorado impasse inicial, a disputa se resolveu pacificamente; contudo, os Mapoyosnos convidaram para conhecer os lugares que figuram em sua tradição oral. Desdeentão, vários membros da comunidade, entre eles as famílias Bastidas, Sandoval,Reyes, Joropa e Caça, participaram ativamente na localização e na documentação deseus assentamentos antigos, cemitérios e cavemas usadas como estações de colheitade feijão. Os resultados destes trabalhos revelaram informações cruciais sobre a tra-

jetória colonial e republicana deste grupo de âliação linguística caribenha da GuianaOcidental(Villalón, 1991; 2003). Nossos trabalhos pemiitem destacar a interação en-tre família e sítios antigos como peça central da tradição oral e a identidade do grupoe a fomta como esta se desenvolveu no marco de múltiplas relações interétnicas comseus vizinhos indígenas e estrangeiros.

Ao finalizar o trabalho arqueológico em 1999, conversamos com o CapitãoSimón Bastidas sobre a possibilidade de criar uma exposição na comunidade dePalomo, com a finalidade de divulgar os resultados de nossas pesquisas em nívellocal e promover o interesse em continuar a explorar a história dos Mapoyos e sua

longa traUetória na região. Por sua vez, ele e outros membros da comunidade ex-pressaram seu desde de custodiar os artefatos recuperados em roletas superficiaise escavações realizadas em antigos assentamentos Mapoyo, uma vez finalizada aanálise de laboratório. No entanto, não havia na comunidade um local apropriadopara realizar tal exposição. Tampouco se vislumbrava fontes de ânanciamento para

tal prometo. Enquanto isso, nossas pesquisas de campo continuavam com a maiorcolaboração dos membros da comunidade, que nos esperavam anualmente com

novas informações sobre os sítios arqueológicos. Em Caraças, procedemos com atrabalhosa tarefa de marcar, catalogar, quantiâcar e desenhar os materiais arqueo-

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lógicos e adiantamos a leitura das fontes documentais, cronistas e exploradores quehaviam estado na região durante os séculos XVlll e XIX. Entregamos cópias destesdocumentos em Palomo para o uso dos membros da comunidade. Durante esta fase.envolvemos os alunos de graduação da Escola de Antropologia da UniversidadCentral de Venezuela em diversos aspetos de nossa pesquisa (Díaz, 2005; Falco-ni, 2003; Flores, 2003; Gil, 2003; González, 2005; Hemández, 1994; HemándezPérez, 2008; Romero, 2004). No anal de 2007, uma graduanda, Rommy Durán seinteressou pela ideia de elaborar, como Trabalho de Conclusão de Curso, um prome-to de museu para a comunidade, com o propósito de servir de base para a busca deum financiamento para sua futura realização.

Twble, 2000). Também se incluiu a narrativa da "Iniciação do Xamã", apresentado

como uma cerimónia tradicional para a nomeação do xamã na comunidade. Alémda sala de exposição, o desenho incluía um espaço para lesionar o idioma Mapoyo,'uma sala de documentação, uma sala para ensinar sobre tecidos e cerâmicas e uma

sala para eventos culturais ou reuniões. A intenção do "comitê coordenador" era que,no museu, se promovesse o ensinamento de "tudo o que é cultura indígena"(Durán,2008:112). Igualmente, foi proposta a construção de um Calzq, (local de trabalho fa-

miliar) na parte extema do museu, onde poderiam ser vendidos artigos de artesanato,comida e até plantas medicinais.

Ao sugerir a inclusão de atividades contemporâneas, ou formas atuais de vesti-menta, os integrantes do comitê mostravam desacordo. Sustentavam, neste momento,

que não era apropriado. Argumentava-se que "não se fazia assim antes" ou não eram"coisas de nossos ancestrais" (Carolina Bastidas, 5-2-2008 e Eloy Joropa, 6-2-2008,

respectivamente, citados en Durán, 2008:128). Neste momento, o museu era conce-bido como uma arma de legitimação de sua identidade como povo indígena, onde as

representações do passado serviriam para confirmar direitos, sobretudo territoriais,dos Mapoyo no presente. Os materiais arqueológicos, o mapa dos sítios de habitaçãoe cemitérios antigos, a narração de mitos e lendas associada a referentes geográficos,aÊrmariam uma memória coletiva e uma noção de história ancorada numa paisagem

muito própria deste grupo.Entretanto, como a própria Durán observa, pode-se vislumbrar neste primeiro

prometo de museu uma preocupação por aquilo que os membros do comitê conside-ravam falta de "autenticidade" de manifestações contemporâneas que foram sendo

incorporadas na comunidade: cultos católicos ou evangélicos, vestimenta e alimentoscompmdos no mercado, a "perda" da língua Mapoyo ante a adição do espanhol, atelevisão, o rádio e outros artigos de consumo (Durán 2008:128-129, 140). Era evi-dente uma tensão existente entre o desço de "progresso"(conseguir beneHcios comoescolas, ambulatórios, eletricidade, trabalhos assalariados que permitem a aquisiçãode bens de consumo) e a manutenção de uma identidade própria, indígena, ante a so-

ciedade dominante. O museu se percebia como uma forma de garantir a preservaçãodas tradições e revitalizar outras, tais como a língua, os jogos e os artesanatos. A luzdo crescente número de imigrantes tanto Criollos como de outras populações indí-

genas nas terras consideradas ancestrais, os Mapoyo haviam tomado consciência davulnerabilidade de sua própria identidade, de sua cultura e de seu território e viam nomuseu uma amua para reforçar os valores tradicionais e defender seus direitos como

povo originário daregião.

Segunda fase: Criação do Primeiro Projeto

Sob nossa direção, e com a assessoria de especialistas em desenhos de museuscomunitários, Duram passou a realizar uma série de reuniões com os membros da

sociedade Mapoyo, com o intuito de refinar a ideia do prometo do museu. A recepçãofoi muito positiva, com a participação de mais de 20 membros da comunidade em sua

primeira exposição. Guiada pelas propostas da Nova Museologia e da Pesquisa deAção Participativa, Durán expôs a necessidade de se criar um "comitê coordenador".

onde participariam membros da comunidade em conjunto com a pesquisadora, quetraria a informação sobre outras experiências museológicas. Assim, Durán se ofere-ceu para documentar as atividades cotidianas produtivas e recreativas no contextoda comuúdade, gravar mitos e tradições e recolher informação histórica documental

que serviria de base para a formulação de um pro)eto de museu comunitário "capazde mostrar, através de um discurso museográfico, a sólida identidade indígena que osMapoyos possuem, apesar das mudanças culturais que oconeram na população devi-do à situação colonial" (Durán, 2008: 18-19). As coleções arqueológicas recolhidasem nossas pesquisas na região se constituiriam em parte dos materiais de exposição.

Neste primeiro desenho, a visão do "comitê coordenador" estava voltada paraa legitimação do passado e a conârmação da identidade indígena Mapoyo(Durán,2008:1 29- 130). A proposta enfatizava aspectos do passado indígena, tais como ativi-dades produtivas, entre elas a agricultura de subsistência, a pesca, a caça e a colega desarrapia((bumaroz/na ü'Íáo/fa/a) e outros produtos da floresta, todos realizados cominstrumentos de fabricação própria. A exibição da coleção arqueológica, a vestimen-ta Mapoyo e os colares "tradicionais" ocupariam outras vitrines. Foi dedicado umespaço amplo para a tradição oral, especialmente a narração de histórias de grandesignificado local, como a participação dos Mapoyos em apoio às tropas republica-nas na batalha contra os realistas no Forte del Parguaza e o suicídio coletivo dosMapoyos, associado ao cemitério do morro Las Picas. Foi reservado outro espaçopara ilustrar os ritos funerários tradicionais, com envoltórios de palma colocados naCuja dé /os .Aãaer/os, um cemitério de uso ativo dentro do território(Scaramelli & 6 Há apenas 2 falantes do idioma Mapoyo atualmente

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76 MUSEUS E IDENTIDADES NA AMÉRICA LATINA PEDRA FWULO A. FUNARI l CAMILO VASCONCELLOS l ALINE CARVALHO 77

Terceira Fase: replanejamento do projeto

O projeto do museu comunitário âcou parado por mais de um ano, enquanto era

solicitado financiamento e apoio institucional em Caracas. Foi conseguida uma primei-ra doação, por meio do Instituto Nacional de la Juventud, mas não foi o suficiente paracobra' os gastos de consüução da sede do modo como os Mapoyos a haviam concebido,com paredes de bloco e telhado de madeira e telha, para que se garantisse a segurançadas exibições e coleções ali armazenadas. Finalmente, por meio do Museo Nacional de

las Culturas e seu prometo de promoção de Museus Comunitários, foi conseguido umapoio financeiro para a museografia, mas sem contribuição para a consüução, atmvésdo qual a comunidade decidiu dar continuidade com materiais e desenho locais.

Entre os meses de Março de 20 1 0 e Maio de 201 1, os membros da comunidade

de Palomo se dedicaram à cometa de palma para o teta, à construção da estrutura em

madeira, ao dreno do piso de cimento e à colocação de tiras de madeira para sustentar amistura de adobe e seu preenchimento final. Enquanto isso, com a participação de esta-giários do Serviço Comunitário da UC'% sob nossa direção, e o guia de Emesto levarae Luis Ganindo do Museu Nacional de las Culturas, se reiniciaram as discussões sobre o

desenho da primeim exposição e as atividades de documentação fotográfica e pesquisade documentos legais e históricos relevantes pwa a realização do prometo. Galindo edevera ofereceram insumos materiais para a realização da exposição inaugural, enfa-tizando o papel da comunidade na concepção e execução da maior parte da exposição.Segundo a visão destes autores "Do ponto de vista do Museo Nacional de las Culturas,

cada museu deve ser um motivo para que a comunidade conte sua história, fde de sua

cultura, de suas esperanças, anseios e frustrações, enfim, uma oportunidade de focar oolhar sobre si mesma, de se auto interpretar e de falar de si mesma, para seus própriose estranhos atmvés da linguagem museológica"(Proyecto de Museo Comunitário Mu-rucuni, informe electrónico de fecha 16 de mayo 2011).

Usando um protocolo desenvolvido pelo Museo Nacional de las Culturas(Ga-lindo, Monasterios, & Vens, 2008), foi realizada uma revisão do primeiro projeto domuseu com a intenção de provocar uma reflexão sobre a imagem da comunidade quese desejava promover, para então delimitar os temas, adequa-los aos espaços dispo-níveis e escolher as modalidades da exposição. Foi planejada uma série de questões

para orientar a discussão, sobretudo no que diz respeito às relações entre a populaçãoMapoyo e seu território. Assim, a discussão foi orientada a partir das seguintes ques-

tões: Por que a cultura e a população Mapoyo são desconhecidas pelas pessoas emgeral? Por que o Crioulo não reconhece oficialmente o direito da população Mapoyoa seuterritório?

Depois da discussão destes pontos, chegou-se à escolha do tema principal daexposição inaugural "0 Direito do Povo Mapoyo a seu Território", com os subtemas1) Nosso Território Ancestml Mapoyo, 2) O Mundo Produtivo, 3) A História de NossaLuta, 4) Somos Receptivos e 5) Nosso Direito. Ver âgura a seguir.

Figura XX.Textos relacionados aos sub-temas da exposição inaugural do Museu Comunitário Murukuni

jadquiridos do informe do MSc Ernesto levara, "Actividad de la quinta visita a la comunldad de Palomo,

pueblo Mapoyo: terminación del guión museológico e inicio de la museografía, mayo 1 0 a 1 2, 201 1 ").

Sub- temas Nosso TerritórioAncestral

Mapoyo

O MundoProdutivo

A História deNossa Luta

Somos

Receptivos

Nosso Direito

Textos Geral de

apresentação dotema

Textos

pequenos com

informaçõessobre o

enterramentono Morro de Los

Muertos, quedescreve os

passosA história do

suicídio coletivono Morro Las

Picas.

Sítios antigas

de ocupação,história oral

e estudo

arqueológicoHaverá uma

proposta por

parte da IVIC edoMNC

História de

Palomo e de

SimoneroNome de cada

riacho. rio,

lago,estrada e

morro no idioma

Mapoya e em

espanhol

Geral de

apresentaçãodotema.

Nossa produçãoeusodos

recursos no

lerHtório Mapoyo

Agricultura desubsistência.

locaisde caça,

pesca,produtoscutüvados.

pescados,

caçados,coletadose

fàbrícados

Descrevere

discriminar a

quanüdadede

tenvasprópHas

para o cuhtvo

de agHcutUrade subsistênda.

porcategoria e

sua capaddade

produtüa por anoBreves

textossobreo calendário

produtivo,

sequência de

atMdades

sextos

ourtossobre

as aüvidades

produtivas

segundoogêneroe aidade

Paíücipação no

pmUeto de resgate

da brbruga armu

Geral de

apresentação do

temaBrevestextos

com informaçõessobre a Batalhado Morro

Castillita e a

entrega dotítulodasterras.daespada edaponta delança

Sequência dosfeitos.

História do

processo para

conseguiratitulação do IAN

Descriçãodo processo

realizado paraconseguira

aparição dosMapoyos no

censo e no mapade populações

indígenasDescrição

daslutas dos

indígenas

para seremreconhecidos

na constituição

da República

Bolivarianada Venezuela

e na criaçãodaLOPCI

(participação dos

Mapoyos)

Geral de

apresentação do

temaMostrar como

as famílias

Mapoyo aceitampessoasde

outros grupossociais e étnicose se constituemnovas famílias

multiétnícas

Descrevervários casos no

presente e no

passadoBrevestextos

sobre as famílias

rnultiétnicasBrevestextos

que descrevemas diferentes

populaçõesnão Mapoyosassestadas no

território Mapoyo(nome. data

de chagada,

atividade.conflitos e data

de saída)

Geral de

apresentação dotema

Declarara

direito e o

deverde estar

presente nas

exploraçõesdos recursosdo território

Mapoya. Fazerum breve

pedido para

estarpresentenas tomadasde decisões.

notrabalho e

na divisão de

benefícios em

Bauxilum

Descrever

aquele quedesde então tem

vindo a explorarBauxilum e

explorando as

terras MapoyoDescrever

os danos ao

meio ambiente

produzidos peloBauxilum

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78 MUSEUS E IDENTIDADES NA AMÉRICA LATINA PEDRA FKULO A. FUNAR} l CAMILO \nSCONCELLOS l ALINE CARVALHO 79

É evidente nesta nova versão do prometo do museu uma orientação para a atualluta dos Mapoyo para defender seu território e seus direitos e como esta luta tembases históricas e espaciais concretas. Percebe-se uma reflexão sobre a importânciadas práticas produtivas, sociais e espirituais, os espaços necessários para sua realiza-

ção e a sua longa permanência no território como elementos chave na construção daidentidade Mapoyo. Estes são os elementos que permitiram sua permanência comocomunidade distinta no tempo, apesar da incorporação de novos elementos culturais

e novas populações na região. Atribuía-se a uma atitude que caracterizou a popu-lação Mapoyo desde as primeiras descrições do século XVlll: a interculturalidade.

entendida como abertura para a inovação, a negociação e sua concepção de territó-rio penneável, inclusivo, onde outros povoadores eram bem-vindos, tanto de outraspopulações indígenas quanto criollos, sempre e quando respeitavam as autoridades

Mapoyo. Por sua vez, ilustra-se a disposição de luta desta população ü'ente às perenesameaças à sua integridade como população e seu direito de exercer controle sobreos recursos e os espaços que são considerados inalienáveis. Portanto, esta versãode prometo de museu oferece um exemplo de como o trabalho articulado em tomoda concepção de uma mostra museística promoveu uma consciência cada vez maisaguçada de identidade e representação.

da: a comunidade Mapoyo lutar pelo(re)conhecimento de seu espaço e sua identida-de como população indígena; os antropólogos desçam aprofundar os conhecimentossobre o passado e o presente da região e as complexas relações que surgiram com acolonização e o posterior estabelecimento do estado-nação; os museólogos tentam

promover espaços e formas de expressão adequadas para a difusão de políticas esta-tais deinclusão.

Na concepção do prometo de museu comunitário, pode-se apreciar um jogoentre a "revitalização cultural", a objetivação da cz//fz/ra e o amadurecimento de umaconsciência histórica que se âncora em tradições e relações sociais, mas que começa

a conciliar "o que éramos" com "o que somos". No primeiro prometo de museu sedestaca uma visão estática de cultura, inspirado, em parte, por tradições orais e tam-bém pela leitura, por parte dos membros da comunidade Mapoyo, de documentoshistóricos, etnográficos, relatórios arqueológicos e linguísticos e numerosas teses.Alguns destes trabalhos foram criados em colaboração com os próprios Mapoyo,mas possuem pouca correspondência com o cotidiano da comunidade anual. Na se-

gunda proposta de museu, com sua orientação para a defesa dos direitos territoriaise da identidade como população indígena contemporânea, se evidencia uma revisãodesta concepção "culturalista", que está mais aberta a uma representação mais con-

temporânea, mais articulada com a sociedade nacional, mas com uma exigência porseus territórios e os recursos ali encontrados. Esta segunda versão tenta apresentar

a comunidade de diversas perspectivas, tanto do passado quanto do presente. Noentanto, o museu não pode ser entendido como uma meta final. Esta continua sendoa luta pelas terras, já que sem o acesso a suas terras e águas e sem a possibilidade dereforçar a memória por meio das visitas a locais sagrados e de tradição, seria difícilmanter o sentido da comunidade.

Por outro lado, ao apreciar a importância das lendas e memórias na constru-ção do passado Mapoyo, corre-se o risco de converter a oralidade em documentosescritos e em exposições estáticas. Até agora, as tradições têm sido passadas de

geração a geração através dos contos, normalmente contados na ocasião de visitasa diferentes localidades geográâcas, tais como cavemas, morros e lagoas, que fa-zem parte da tradição oral e que servem para ancorar o passado no presente(parauma discussão num exemplo similar, conferir Colwell-Chanthaphonh & Ferguson,2006). Os sítios de ocupação antiga e os restos arqueológicos também servem devínculo tangível com as tradições e alguns objetos encontrados, tais como contasde vidro antigas, são usadas em pulseiras feitas para a proteção de meninos ou me-

ninas (Vector Caídas, comunicación personal 2003). Igualmente, a custódia de umaespada e um punhal, vinculadas à história de colaboração dos Mapoyo a favor das

tropas comandadas por Simón Bolívar e Páez na vitória contra o exército realista,que ocorreu no Forte del Parguaza, oferece uma evidência tangível de um "evento"

de grande transcendência na tradição oral desta população. Esta dinâmica entrelugares, objetos e identidade diâcilmente pode se expressar nos confins de uma ex-

Reflexão Final

Devido aos séculos de contato frequente com a sociedade nacional dominan-te, os Mapoyos experimentaram múltiplas transformações sociais e culturais (Hen-

ley, 1975, 1983). Entre elas, destacam-se a adoção do castelhano como primeiroidioma e o uso de vestimenta estilo ocidental. Contudo, a distinção étnica do grupo6oi mantida por diferentes mecanismos, tais como a defesa de seu espaço territorial,execução de atividades económicas que permitem uma relação com o mercado, agestão de assuntos comuns de acordo com as formas próprias de organização social

e económica e a realização de atividades rituais e cerimoniais que os distinguemde seus vizinhos criollos e indígenas de outras etnias (Scaramelli & Tarble, 2000).Apesar da literatura antropológica tê-los tratado como um grupo totalmente "acul-turado" ou a ponto de extinção cultural(Mosonyi & Suárez Luque, 2009; Perera,1992), a nosso ver, esta caracterização ressaltou aspectos que são mais de forma do

que de conteúdo. Em nossa vasta experiência com os Mapoyo, pudemos constatar aexistência de formas de estruturação sócio-cultural, própria deles, que contribuemà manutenção das â'onteiras étnicas (Barth, 1969), apesar da composição muitovariada e fluida da comunidade.

O caso discutido serve de exemplo para compreender a dinâmica que surgeatualmente entre comunidades, antropólogos e museólogos no processo de gestaçãoda consciência histórica das populações indígenas, por um lado, e as formas de repre-sentação, por outro. Neste caso, cada participante do processo teve sua própria agen-

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80 MUSEUS E IDENTIDADES NA AMÉRfCA LATINA PEDno fKULO A. FUNARI l CAMILO xc SCONCELLOS l ALINE CARVALHO 81

posição ou em um texto. Apesar das boas intenções, eles claramente atentam contra

o dinamismo e a flexibilidade das tradições, que puderam existir até hoje em múlti-plas versões, sem maiores contradições. A responsabilidade por estas contradiçõesdevem ser assumidas totalmente por nós.

Apesar deste potencial de risco, o caso Mapoyo demonstra o resultado positi-vo de fazer uma reflexão coletiva sobre a identidade, com a participação de membrosda comunidade, antropólogos, arqueólogos e museólogos. Atmvés de discussões.

conversas e, inclusive, conflitos, pode-se colocar em perspectiva a mensagem que sedeseja transmitir por meio do museu. Ele confere poder à comunidade, afinando a voz

e demonstrando, para si mesmos, às comunidades vizinhas e à nação, sua eficácia narealização deste prometo. Apenas com o tempo se saberá se este espaço se convertenum veículo para a expressão de novas inquietudes e novas deânições de comunida-de, cumprindo, desta forma, as expectativas de um museu comunitário.

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