murillo pagnotta a atribuição de cultura a primatas não humanos: a
Post on 09-Jan-2017
215 views
Embed Size (px)
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Murillo Pagnotta
A atribuio de cultura a primatas no
humanos: a controvrsia e a busca por uma
abordagem sinttica
So Paulo
2012
Murillo Pagnotta
A atribuio de cultura a primatas no
humanos: a controvrsia e a busca por uma
abordagem sinttica
(verso corrigida)
Dissertao apresentada ao Instituto
de Psicologia da Universidade de So
Paulo para obteno do ttulo de
Mestre em Psicologia.
rea de concentrao:
Psicologia Experimental
Orientadora:
Prof. Dra. Briseida Dgo de Resende
So Paulo
2012
O autor autoriza e encoraja a reproduo e divulgao total ou parcial deste
trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e
pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao na publicao
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo
Pagnotta, Murillo.
A atribuio de cultura a primatas no humanos: a controvrsia e a
busca por uma abordagem sinttica / Murillo Pagnotta; orientadora
Briseida Dogo de Resende. -- So Paulo, 2012.
135 f.
Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em
Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Experimental)
Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.
1. Primatas 2. Chimpanzs 3. Comportamento animal 4. Cultura
5. Antropologia 6. Psicologia Comparada 7. Histria da Cincia
I. Ttulo.
QL737.P9
Nome: PAGNOTTA, Murillo
Ttulo: A atribuio de cultura a primatas no humanos: a
controvrsia e a busca por uma abordagem sinttica
Dissertao apresentada ao Instituto
de Psicologia da Universidade de
So Paulo para obteno do ttulo
de Mestre em Psicologia.
Aprovado em:
Banca examinadora
Prof. Dr. _______________________________
Instituio: __________________________
Julgamento: _____________________________ Assinatura: _________________________
Prof. Dr. _______________________________
Instituio: _________________________
Julgamento: ____________________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. _______________________________
Instituio: __________________________
Julgamento: _____________________________ Assinatura: __________________________
AGRADECIMENTOS
Ao professor Rui S. S. Murrieta, por aceitar o desafio de orientar a primeira
parte desta pesquisa, mesmo sem saber aonde isso nos levaria. Espero que aprecie, e
que acompanhe minha trajetria, ainda que de longe.
Ao professor Walter A. Neves, um dos responsveis por despertar meu
interesse pelo estudo acadmico da evoluo humana. Sem que desconfiasse, ele foi
um dos meus principais interlocutores na escrita deste texto.
professora Briseida D. de Resende, pela generosidade, objetividade e
competncia na orientao segunda parte dessa pesquisa.
Aos professores Eliane S. Rapchan e Eduardo Ottoni, que me apontaram
ajustes importantes a serem feitos, ainda que eu no tenha dado conta de todos.
minha famlia, que constituiu uma parte do ambiente em que desenvolvi
minhas angstias, anseios e habilidades, comeo de tudo.
Aos amigos e amores, que constituram outra parte. Aos amigos do bairro, do
teatro, do cinema, da msica, da universidade e da vida. No vou tentar nome-los
para no correr o risco de ser injusto. s vezes, o que mais precisamos de algum
que no d a mnima pras questes importantssimas que estamos tentando resolver.
Keila Pavani, por me acompanhar durante todo o percurso.
A todas as minhas desiluses, especialmente as afetivas, por me ensinarem
que no h verdades absolutas nem eternas, e que s me resta desconfiar de todos os
dogmas e aceitar a ddiva da dvida.
Aos funcionrios visveis e invisveis na Universidade, que trabalham e
ganham menos do que deveriam e garantem que ns tambm possamos trabalhar e
ganhar menos do deveramos.
Ao dipo, por tanto, que nem cabe.
RESUMO
PAGNOTTA, M. A atribuio de cultura a primatas no humanos: a controvrsia e
a busca por uma abordagem sinttica. 2012. 135 f. Dissertao Instituto de
Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012.
A separao histrica entre as cincias naturais e as cincias sociais
fundamenta-se na distino ontolgica entre os domnios da natureza e da cultura, e
na ideia moderna de que a condio (cultural) humana corresponde a um afastamento
radical dos outros animais. Porm, somando-se a outros crticos insatisfeitos com
essa viso dualista, muitos estudiosos do comportamento animal tm utilizado o
termo cultura em referncia a no humanos, provocando uma controvrsia que ainda
parece longe de um consenso. Neste trabalho, investiguei o sentido da noo de
cultura para os antroplogos e o uso etolgico (limitando-me aos primatas) do termo,
com os objetivos de compreender melhor a controvrsia e identificar caminhos
possveis na busca por um consenso. Na antropologia, a noo moderna de cultura se
desenvolveu do sculo XIX at os anos 1950. Cultura passou a ser vista como um
fenmeno emergente exclusivamente humano, dependente de nossa capacidade de
utilizar smbolos e correspondendo aos padres e normas comportamentais,
artefatos, ideias e, principalmente, valores que os indivduos adquirem no processo
de socializao. Mais recentemente, essa concepo de cultura, e a epistemologia
dualista que a sustenta, tm sido alvo de crticas e intenso debate. Ainda que no
compartilhem um arcabouo terico comum, virtualmente todos os antroplogos
contemporneos concordam que o comportamento cultural humano
fundamentalmente simblico. A discusso recente em torno da atribuio de cultura
a primatas no humanos remonta aos estudiosos japoneses que, na dcada de 1950,
acompanharam a disperso de uma nova tcnica de manipulao de alimento em
Macaca fuscata, e descreveram o fenmeno com os termos pr-cultura, subcultura
e cultura infra-humana. A partir da dcada de 1960, as pesquisas de campo com
populaes selvagens e as evidncias experimentais de aprendizagem em contexto
social levaram ao estabelecimento da primatologia cultural e os prefixos foram
abandonados. Entre primatlogos, o termo cultura se refere a padres
comportamentais que dependem de um contexto social para se desenvolver, e que
podem atravessar geraes. Eu sugiro uma estratgia analtica que distingue os
motivos de discordncia entre descries, explicaes, teorias e vises de mundo, e
argumento que a controvrsia complexa e inclui discordncias entre vises de
mundo sem, no entanto, dividir os envolvidos em grupos homogneos (digamos,
primatlogos contra antroplogos). Por conta disso, a redefinio e o uso que os
primatlogos fazem do termo acabam por manter ilesos os fundamentos da
dicotomia natureza/cultura, o que pode explicar, parcialmente, a manuteno da
controvrsia. Concluo que possvel alcanar um consenso, mas a busca por uma
abordagem sinttica do comportamento animal que inclua os humanos dever levar
ao abandono ou reconstruo das dualidades natureza/cultura, inato/adquirido e
gene/ambiente, e tambm da atribuio de primazia causal aos genes. Alm disso,
necessrio discutir a fundo sobre como incluir a questo do simbolismo e do
significado em uma perspectiva comparativa.
Palavras-chave: primatas; chimpanzs; comportamento animal; cultura;
Antropologia; Psicologia Comparada; Histria das Cincias.
.
ABSTRACT
PAGNOTTA, M. The attribution of culture to nonhuman primates: the controversy
and the search for a synthetic approach. 2012. 135 p. Thesis Institute of
Psychology, University of So Paulo, So Paulo, 2012.
The Western ontological distinction between nature and culture, and the idea
that the human (cultural) condition makes us radically different from other animals,
are evident in the historical separation between the natural and social sciences. In
parallel to other critics of this dualist view, some animal behaviorists have been
using the term culture in relation to nonhumans, starting a controversy that is still far
from cooling down. In this study, I investigated the meaning of the term culture as
used by anthropologists, and also its recent use by ethologists (limiting myself to
primatology), in order to better understand the controversy and identify possible
paths that might lead to a consensus. In Anthropology, the modern concept of
culture developed between the 19th century and the 1950s. It came to be seen as an
emergent phenomenon exclusive to human social life. It was dependent on our
capacity to use symbols and corresponded to behavioral patterns and norms,
artifacts, ideas, and values that individuals acquire in the process of socialization. But
this conception of culture, and the dualist epistemology supporting it, have since
been largely criticized and intensely debated. Although contemporary
anthropologists do not share a common ground or framework, virtually all of them
agree that human cultural behavior is fundamentally symbolic. Recent attribution of
culture to nonhuman primates started with Japanese scholars who, from the 1950s
onward, have followed closely the spread of novel behaviors in Macaca fuscata, which
they described with expressions su